5495 LEI E ÉTICA LAW AND ETHICS Érico Marques

Propaganda
LEI E ÉTICA
LAW AND ETHICS
Érico Marques de Mello
RESUMO
Pesquisa a respeito da influência exercida pela lei formalizada, tendo em vista a
possibilidade de regulamentação da conduta do indivíduo. A influência dos
instrumentos normativos foi apresentada de maneiro diferenciada, por diversos autores,
em razão dos seguintes critérios: valorização de parâmetros racionais, mediante
previsão legal; ou razão prática, por meio das relações sociais concretas, em caráter
ontológico. A aplicação do direito em muitos locais priorizou a valorização das relações
sociais concretas; enquanto em outros, o aspecto racional, na qualidade de ideal legal
positivo. O direito não surge como instrumento de determinação da conduta humana,
mas como finalidade, no sentido de garantir a preservação das relações sociais
concretas, tal objetivo pode ser cumprido tanto com a constatação de não efetividade de
determinada lei, quanto com a inovação legislativa instituída com alteração prática e
efetiva de comportamento social concreto.
PALAVRAS-CHAVES: LEI, RAZÃO PRÁTICA, DIREITO, RELAÇÕES SOCIAIS
CONCRETAS, CONDUTA HUMANA
ABSTRACT
This paper aims at researching the Law influence in light of the possibility of human
behavior regulation. The influence of regulatory tools was presented as differentiated by
many authors due to the following criteria: valorization of rational principles by legal
dispositions, or practical reasoning by means of concrete social relations,
onthologically. Many times, the application of law prioritized concrete social relations,
while other times, the rational aspect as a positive legal ideal. Law does not appear as a
determination tool of human behavior, but as purpose in order to guarantee concrete
social relations keeping. This purpose can be achieved both by finding the inefficacy of
a given law, or by legal innovation established by practical and effective alteration of
the concrete social behavior.
KEYWORDS: RULE, PRACTICAL REASONING, LAW, CONCRETE SOCIAL
RELATIONS, HUMAN BEHAVIOR

Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF
nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.
5495
INTRODUÇÃO
Este texto tem a finalidade de investigar a importância da lei na concretização do
comportamento social. Sua relevância está relacionada à importância da moral na
relação social concreta.
Como conseqüência, pretende-se responder ao seguinte questionamento: se por meio de
parâmetros legais é possível alteração de costume.
O primeiro capítulo versa acerca da influência da lei no período clássico. Já no segundo,
é observada a modernidade. No terceiro, será apresentado o problema do positivismo
jurídico enfrentado após Kelsen. Por fim, no último capítulo será apresentada
abordagem prática, com indicação de relação ética com lei.
1
ÉTICA E NATUREZA
A idéia de estado da natureza repercute em orientação normativa, tanto que a
valorização do estado da natureza corresponde a uma normatização prática, em que
implicitamente há definição de comportamento de valorização da conduta. Quando se
observa a justiça segundo concepção inicial, na perspectiva da filosofia clássica,
constata-se que não havia preocupação com o cumprimento de leis, mas em preservar
uma vida equilibrada, tendo em vista expectativa e realização, que partiam de parâmetro
coletivo e convergiam para o indivíduo[1].
Não se pode olvidar que a lei formal, para concepção grega, confunde-se com a
perspectiva da natureza, que precede a própria idéia de sociedade civil contratualista. A
espontaneidade da natureza, atrelada aos costumes, fundamentava uma autoorganização, de modo que a obediência voluntária de uma lei moral, atrelada à
observância global, é que determinava uma conduta prática obrigatória. [2]
Afinal, qual seria a conduta ideal para os gregos da antiguidade? Em um primeiro
momento, acreditava-se na liberdade, a partir da capacidade do homem na escolha ideal,
baseada na virtude. Em um segundo momento, o surgimento da legislação formal impôs
dúvida relevante entre um dever legal positivado e a virtude. É importante ressaltar que
a legislação é imprescindível para a valorização de toda relação social – os gregos já
sabiam disso -, entretanto, a idéia de conduta ideal não surge qualificada pela lei, mas
em comportamento humano fundado na razão prática, tendo em vista a virtude.
Cumpre registrar a diferença entre a concepção de liberdade para Agostinho e
Aristóteles. Isso porque, para Aristóteles, diferente da concepção da Idade Média, a
liberdade não estaria exatamente em uma escolha direta entre o “certo e o errado”
(como sugeriu Agostinho), mas no meio termo, ou seja, na capacidade do ser humano
de agir entre um comportamento que valoriza o seu desejo particular e ao mesmo tempo
o bem comum.[3]
A legislação, para a filosofia clássica, não tinha finalidade racional, no sentido de que
não determinava um comportamento deontológico, uma vez que exercia a função de
acompanhar o cidadão, na perspectiva de adotar condutas coerentes com o bem comum.
5496
A idéia de justiça, assim, não estaria relacionada ao texto da lei, mas à interpretação
presa a uma conduta ontológica, comportamental e restrita à perspectiva ética.[4]
Dessa forma, a filosofia clássica valoriza a virtude como elemento determinante do
comportamento ideal do homem[5], tendo em vista a razão prática. A virtude em si não
estaria restrita ao bem comum, ou afastada do particular, mas no meio termo entre uma
ação egoísmo e um comportamento ideal esperado pelo ser humano. Na verdade, a
virtude seria o meio termo existente entre um desejo particular egoísta e o bem
comum.[6]
Aristóteles acreditava na capacidade de escolha do homem, tendo em vista a dissociação
do bem. Tanto que o próprio surgimento do Estado decorreu da escolha do homem, em
relação ao bem comum, e a sua incapacidade diante das limitações impostas pela
natureza. A própria existência do Estado decorreu da associação do homem, a partir da
necessidade real de bem comum. [7]
Entretanto, enquanto no período clássico acreditou-se em um ser humano virtuoso, que
agiria segundo as leis da natureza, a idade média indicou exatamente o contrário. A
própria idéia de livre-arbítrio[8] de Agostinho pressupunha que o ser humano
conhecesse a virtude[9] e a razão prática, o que não significa que aja de acordo com o
bem comum. A idéia de livre-arbítrio definida por Santo Agostinho indica ausência de
liberdade, ou seja, a possibilidade de escolha entre uma conduta que atenda às
expectativas da virtude e uma oposta a idéia de virtude. O que fundamenta a legislação é
justamente a idéia de livre-arbítrio de Agostinho.
É importante ressaltar que a idéia de razão prática, relativa à orientação normativa, não
é observada de forma abstrata e genérica[10], pois o que a conduta idéia pressupõe é a
valorização de conduta específica, para determinado momento, também, específico. Em
outras palavras, a legitimidade de qualquer sistema normativo decorre da consciência
prática específica e aplicada a determinada conduta, considerada orientação obrigatória
em maior ou menor grau, dentro da sociedade.
Portanto, desde o período clássico, o julgador invariavelmente se depara com
circunstâncias fáticas não previstas, ou regulamentações destoantes da pretensão
normativa inicial, em que sua função é estabelecer relação entre a função exercida pela
legislação e a circunstância fática encontrada.[11]
2
RACIONALIDADE E ÉTICA
2.1
A MODERNIDADE E O POSITIVISMO
Segundo a teoria contratualista de institucionalização da sociedade civil, a normatização
tornou-se elemento fundamental de observância obrigatória, tendo em vista a
regulamentação das relações sociais. Racionalmente, observaram-se leis positivas que
deveriam ser respeitadas, em caráter deontológico. Na perspectiva ontológica, a razão
prática prevaleceu sob forma de concepção de justiça intrínseca ao ser humano,
jusnaturalismo.[12]
Com a teoria contratualista, há a idéia hipotética de passagem de um estado da natureza
para a sociedade civil, por meio do contrato social. O contrato social seria instrumento
5497
pelo qual a sociedade define as instituições e estabelece parâmetros internos, além de
orientar a distribuição de riquezas. Então seriam dois os elementos essenciais para
institucionalização da sociedade civil, por meio do contrato social: existência de posição
original, formada por particulares, pessoas racionais; e, consenso, mediante a idéia
predominante de outorga de poderes a ente supra-sensível com representatividade.[13]
A existência de um Estado passou a ser justificada pela idéia de renúncia parcial da
liberdade em privilégio da sociedade. Não se pode olvidar que a definição do Estado
como ente soberano estabelece restrições a antigos direitos naturais. Dessa forma, a
questão essencial passa a ser a influência do direito natural no estado civil
organizado.[14]
Diferentemente do parâmetro medieval e clássico, em que o problema da lei
formalizada estaria relacionado à efetividade, em face da perspectiva ética, as teorias
modernas já estabelecem diretamente a influência ética, por meio do jusnaturalismo. O
conflito moderno seria entre o contrato social e o jusnaturalismo.[15]
Para Hobbes o contrato social seria necessário para proteção da vida. A vida deveria ser
protegida do próprio ser humano, em razão da permanente vocação humana de
destruição do próximo. Caso houvesse respeito mútuo, diferente da realidade observada,
o Estado Natural seria perfeito, de sorte a sociedade civil organizada jamais existiria.
Entretanto, a sociedade organizada é necessária, em razão das características inerentes
ao próprio ser humano.[16]
Verifica-se em Locke a institucionalização da sociedade civil com a finalidade de
proteger os particulares em face de incertezas, razão pela qual há garantias, em
privilégio de vantagens já estabelecidas. A prioridade da legislação estaria na proteção
de fundamentos anteriores ao próprio direito natural.[17]
Para Rousseau haveria a necessidade de concessão de parte da liberdade, de cada
membro da coletividade, em benefício da constituição da sociedade civil. O que
caracteriza o estado civil é a restrição da liberdade individual, cedida pelo particular em
benefício de toda coletividade. O fator determinante seria o consenso, em que a
estrutura estatal seria resultado da coletividade.[18]
A influência ética sempre determinou a aplicação concreta da legislação, tendo em vista
as relações sociais concretas, desde o período clássico. Entretanto, observou-se na
modernidade, principalmente em Hobbes, um respaldo legalista para incidência do
direito, ou seja, a legislação concreta determinou a regulamentação das relações
concretas[19]. Para Hobbes a lei é de orientação determinante, que não admite qualquer
influência prática, ou observância ética.
Destaca-se aproximação entre Hobbes e Locke, em razão do pressuposto de proteção
incondicional da vida. Tanto que o próprio fundamento inicial de Locke seria a vida
como propriedade. A impossibilidade de escravidão, assim como possibilidade de
concessão de membros do corpo, ou qualquer forma de domínio em face da vida ou
dignidade alheia estaria evidenciada, sob fundamento de que ninguém poderia conceder
poderes de que dispõe. [20]
5498
Como conclusão, a regulamentação formal das relações sociais concretas, a partir do
contrato social, é observada de forma simples. A necessidade de proteção individual de
todos os particulares, bem como a valorização de modelo que privilegiasse o direito
natural, tinha fundamento na própria razão de ser da lei. A função exercida pela norma
positiva seria a própria proteção do direito natural.[21]
2.2
ENTRE KANT E KELSEN
Para estudo e definição de qualquer parâmetro normativo, um dos elementos mais
importantes é a liberdade do particular em estabelecer as relações sociais. A partir da
liberdade, e das relações sociais preestabelecidas, pode-se especular acerca da
incidência normativa, tendo em vista a conduta do indivíduo. Entretanto, não é
imprescindível a existência formal de norma de regulamentação, pois são identificados
padrões baseados em razão eminentemente prática, que estabelecem normas
obrigatórias ao indivíduo.[22]
Assim, a liberdade é aduzida como elemento essencial, identificado por Immanuel Kant,
para a razão prática. Kant identifica uma causa legisladora universal, também,
determinante do livre-arbítrio, observada como elemento determinador da vontade.
Conseqüentemente, trata-se de orientação de natureza normativa não institucionalizada
e de atenção efetivamente obrigatória.[23]
É antiga a concepção acerca da desnecessidade de legislação, uma vez que há autoregulamentação da relação social. Assim, apresenta-se a questão: até que ponto a norma
de natureza moral deve ser levada em consideração? Na teoria de Kant, a norma moral é
de cumprimento obrigatório[24] e atenção incondicional, ou seja, a razão prática pode
ser definida como elemento determinante da conduta, tendo em vista leis morais
universais.[25]
O objetivo da legislação formalizada está na solução de conflitos, tendo em vista
necessidade de prevenção quanto à circunstância fática, a partir de previsão específica e
solução coerente[26]. Cada situação de fato está diretamente relacionada à norma
específica. Em razão da imperfeição da forma como as relações sociais são
desenvolvidas surge à necessidade da lei, e uma segunda questão seria: a lei adequada
seria de natureza kantiana; ou, seria a lei um mal necessário.
A função da lei é servir de parâmetro para decisão judicial, em face da concretude das
relações sociais, de forma que na ausência de lei específica cabe ao juiz descobrir o
direito adequado[27]. Dessa forma, a importância da legislação está relacionada a
parâmetros, tendo em vista a necessidade de incidência e o fato concreto.
Tanto que a conduta definida pela lei é ideal, sem relação com o fato concreto, pois se
trata de avaliação quanto ao valor moral, sem relação alguma com resultado específico
encontrado, ou eventual expectativa. A lei se manifesta como elemento anterior ao ato.
A conduta ideal do ser humano não pode ser avaliada pelo resultado, nem pelos
parâmetros ideais positivados.[28]
Então, do ponto de vista teórico, a existência do direito positivo manifesta-se como
desnecessária, pois o comportamento é determinado por uma lei moral universal, em
que a vontade máxima de todo ser racional se converge para o bem comum.[29]
5499
A questão essencial do direito é a coação, em privilégio da própria sociedade, a partir do
momento que a instituição do poder judiciário é levada para solução de conflitos entre
particulares[30]. Entretanto, o que é exigido do ser humano no caso concreto é de
constatação complexa, visto que a verificação adequada quanto à conduta estaria
relacionada a elementos intrínsecos ao fato.
A evolução do direito impõe atuação estatal para solução de conflitos entre particulares,
mediante poder jurisdicional, inserido na sociedade de forma determinante.[31] Assim,
a evolução do direito tem fundamento em critério moral, mas – de forma contraditória –
na prática se baseia em soluções racionais alheias à expectativa ética.
O “ser” (fundamentado nas relações sociais concretas) e o “dever ser” (imposição
legalista do ordenamento jurídico) apresentam-se como dois lados da mesma moeda, em
que, no momento inicial, a legislação aparece com a finalidade de realizar a estabilidade
das relações sociais[32]. No entanto, na prática, evoluem em direções distintas, e
determina dupla instabilidade no ordenamento jurídico, senão vejamos: em primeiro
lugar o “dever ser” é frágil por não atender às expectativas sociais concretas, em razão
da constante evolução social; em segundo lugar, as relações sociais estão em crise, e a
solução ideal muitas vezes não pode decorrer da expectativa ética em razão da prática
de atos viciados.[33]
Dentro da estrutura apresentada, qual seria a função da lei formalizada? A lei está
relacionada à capacidade racional do ser humano[34], de forma a estabelecer um
parâmetro ideal de determinação e orientação de conduta nas relações sociais. A lei
formalizada, portanto, seria de incidência específica, após verificação concreta da
expectativa social, tendo em vista associação da lei ao fato encontrado, de modo a não
privilegiar, de forma incondicional, a lei; nem, exclusivamente, o aspecto ontológico da
sociedade, isto é, deve ser buscado o conteúdo ideal da norma, por meio de trabalho
reconstrutivo do direito, apresentado a seguir.
3 O PARADIGMA ATUAL DO DIREITO
O que determina a estrutura social, tanto no que tange à legislação, quanto em relação à
interação social, é a comunicação[35]. A comunicação estabelece conexão entre as
pretensões, bem como se torna instrumento inicial para reivindicar. Toda realização
social se implementa a partir da comunicação. Então, trata-se da comunicação como
reconstrução da sociedade, a partir das prioridades desenvolvidas e estabelecidas,
politicamente, ou não.[36]
O aspecto comunicativo é essencial, em razão de uma interação lógica, a fim de que se
reconstrua permanentemente a realidade social. A questão é estabelecer a diferença
entre esta e o aspecto legislativo, para que haja aplicação específica de acordo com
parâmetros que apresentem soluções ideais a cada caso particular. Tal perspectiva não
está restrita ao legislador e tampouco ao julgador, mas à sociedade, dentro de parâmetro
epistemológico.[37]
Então, a conduta do indivíduo é associada a um agir estabelecido por meio de interação
entre os demais membros da coletividade (ou grupo), os quais estabelecem uma prática
momentânea, tendo em vista o parâmetro ideal encontrado na sociedade[38]. O
parâmetro é estabelecido para determinada circunstância, para o dado momento e
5500
submete o indivíduo a um resultado específico, como determinação de conduta também
específica.
A constituição do grupo ocorre, de forma que a influência exercida no indivíduo é
resultado estabelecido coletivamente. A influência da coletividade é determinante nas
pessoas de convívio particular, na estrutura de cada familiar ou na religião. Constatação
essa evidente, afinal, os valores sociais são inseridos coletivamente, com determinação
de padrões éticos.[39]
Os grupos se tornam elementos de definição do indivíduo, em meio à sociedade. A
identidade de interesses e as limitações estabelecidas determinam aproximações
informais entre membros da sociedade, de forma que a determinação da existência de
grupos se dá com a identidade de interesses, ainda que estabelecida por pessoas de
realidades distintas.[40]
A organização de grupos pressupõe ente complexo, cujo aparato de representatividade
não é definido de forma direta, sobretudo em razão da dificuldade da manutenção dos
interesses de cada membro. Trata-se de ente inconstante e de difícil governo, com
representatividade quase impossibilitada.[41]
Ademais, as massas são destituídas de raciocínio, pois agem pelo inconsciente, em meio
à crença, que determina a própria conduta, ou seja, não é necessária a verdade, mas
apenas a fé. Como conseqüência, é verificada a intolerância, como característica da
organização coletiva. Como segunda conseqüência, da ausência da razão, a autoridade
na estrutura do grupo define a autoridade e a conduta da massa, não por meio da
repressão, mas pelo exercício da autoridade, a partir da expectativa de força. A
possibilidade de suprimir a reivindicação é elemento essencial para se aferir a
capacidade da massa, que é ente descontrolado que não necessariamente se compromete
com a virtude.
Logo, a legislação é de aplicação condicionada a diversos fatores, principalmente no
que tange às organizações coletivas, de modo que a simples existência da legislação não
significa nenhuma norma imperativa. A eficácia da lei exige uma interação social, ainda
que mínima. A verdade é que a legislação decorre de um procedimento de
autodeterminação, cujo papel do cidadão é definitivo e determinante, por meio do fator
comunicação.[42]
A partir deste tópico, afirma-se a participação ativa dos membros da coletividade, tanto
na construção da legislação, quanto na incidência efetiva de cada lei existente. O
indivíduo, os grupos e a coletividade tornam-se determinantes na realização política, em
razão de dois únicos fatores: a identidade de interesses, em que há a definição e
extensão de determinada coletividade; e a comunicação que estabelece identidade entre
indivíduos, grupos e coletividade.
3.1
TEORIA ARGUMENTATIVA
A incidência da lei não corresponde à atividade de criação, mas da descoberta de um
direito existente. Não cabe ao aplicador atividade inovadora, mas apenas estabelecer
relação entre os diversos discursos e as oportunidades legais. Assim, os direitos
implícitos devem ser observados e descobertos pelo aplicador.[43]
5501
A definição da norma também não se apresenta tão-somente após a mera existência
formal. A observação da estrutura argumentativa é relevante, para observação da
convicção social em caráter coletivo, de incidência da norma, por meio da adaptação do
“dever-ser” ao “ser”, ou seja, a partir das convicções internas, estabelece-se o conteúdo
normativo, a partir da convicção social exteriorizado pela razão prática.[44]
A observação da teoria argumentativa se dá tanto na expectativa imediata, quanto em
relação à orientação das premissas. Trata-se de dupla justificação estabelecida não
apenas pelo encadeamento lógico imediato das diretrizes particulares envolvidas, como
também pela adaptação sistemática, no sentido de corresponder também a fatores
externos, bem como ao próprio ordenamento jurídico.[45]
A justificação interna decorre da própria estrutura argumentativa, tendo em vista os
pressupostos legais observados em caráter formal. A estrutura argumentativa é orientada
pelas bases e fundamentações já existentes, de modo que internamente se trata da
concretização dos requisitos já apontados.[46]
A teoria da argumentação interna à dogmática do direito tem função de estabilização,
tendo em vista considerações racionais de solução imediata. Entretanto, tal consideração
afasta a ética universal, bem como o pressuposto de justiça, em privilégio a soluções
dogmáticas, que seriam observados pela justificação externa.[47]
A estrutura argumentativa tem a finalidade de estabelecer equilíbrio entre justificação
interna e externa, de sorte que haja observância da expectativa coletiva, por meio da
incidência de uma ética universal, que não mais é que a adaptação da moral universal
kantiana em caráter coletivo. O que determina a incidência do princípio universal é
justamente a justificação interna e externa da estrutura básica do argumento
jurídico.[48]
A imputação da norma válida pressupõe o atendimento particular, por meio de
comportamento espontâneo. Assim, a norma afastada da perspectiva ética pode não ter
validade[49], por ser norma alheia ao comportamento particular, definido pela moral.
Mas a questão não se esgota no comportamento voluntário do particular, a partir do
momento que existe uma lógica específica, tendo em vista razão comunicativa, de forma
a estabelecer o comportamento considerado adequado.
3.2
O LEGISLADOR PODE ALTERAR COSTUME POR MEIO DE LEI?
É evidente que determinadas orientações normativas não são aplicadas, por inequívoca
vontade dos membros da sociedade. Muitas leis são aprovadas sem expectativa real de
coação, uma vez que são consideradas injustas. A questão do descumprimento
voluntário de lei corresponde à desobediência civil.[50]
A desobediência civil decorre de convicção da sociedade em não se submeter à
determinada orientação legal, na qualidade de comportamento consciente, o que não
constitui ameaça ao Estado, de modo que, em que pese violação da lei, a estrutura do
Estado permanece a mesma. A desobediência civil decorre de um sentimento social
contrário aos parâmetros legais, exteriorizado por comportamento específico de não
atendimento de orientação legal.[51]
5502
A desobediência civil é resultado de conjunto de fatores, definidos coletivamente, pela
auto-organização social. A construção dos fatores inerentes à expectativa normativa está
associada à inserção do indivíduo em coletividade, em ambiente instável de permanente
reconstrução, em razão da coletividade.[52]
Dessa forma, a orientação normativa decorre da concretização das relações sociais, por
meio de reconstrução dos valores sociais observados em dois momentos: o primeiro, do
indivíduo, enquanto membro da coletividade; o segundo, da coletividade a partir da
interação dos diversos indivíduos. A conduta observada pelo indivíduo – como
obrigatória - não possui subordinação em relação à legislação existente, em razão de
uma perspectiva cultural.[53]
A esfera pública, assim, não dispõe de liberdade na elaboração de instrumentos
normativos, nem autonomia de controle e regulamentação do comportamento social. A
legislação é construída por processo complexo, em que há a captação de determinado
problema na sociedade, tendo em vista processo comunicativo. A captação do problema,
por parte da estrutura política, determina atuação governamental.[54]
Então, duas são as questões: a legislação é determinada pela sociedade, a partir da
interação dos indivíduos entre si, em grupos; a legislação é resultado do valor de
aspecto ontológico inerente às relações sociais concretas. É fato que caso a legislação
não corresponda às pretensões socais, não disporá de aplicação efetiva; da mesma
forma, toda legislação existente é interpretada de forma a extrair um conteúdo
específico, capaz de atender às expectativas sociais.[55]
Chega-se ao ponto objeto de discussão: o legislador pode estabelecer novo parâmetro de
comportamento, por meio de lei? De forma autônoma é evidente que não, mas a partir
de parâmetros comunicativos, o legislador pode identificar determinado problema
inserido na sociedade e propor inovação legislativa. Como conseqüência, a sociedade,
que antes vislumbrava a faculdade de agir de forma diversa, passa a seguir a referida
inovação.[56]
O legislador não pode alterar a relação social concreta, uma vez que à expectativa da
coletividade representa poder soberano. De fato as opiniões das massas determinam a
própria capacidade de atuação por parte do Estado, de modo que tanto as leis quanto às
realizações, na esfera política, devem corresponder aos interesses delas.[57]
Inicialmente, a dificuldade conceitual estaria na identificação do agir comunicativo,
razão comunicativa, que não estabelece liame entre a norma e a moral, apesar de estar
situado entre o direito e a moral, tendo em vista o poder democrático. O agir
comunicativo se encontra nos discursos inseridos na sociedade, em que, a partir da
identificação dos diversos discursos formadores de opinião, serão estabelecidos
parâmetros de decisão, com valorização da expectativa democrática.[58]
O agir comunicativo[59] seria um valor central, entre o direito e o contexto social, que
estabelece reconstrução de interesse, tendo em vista observação de problema específico.
Assim, é identificado determinado fato, bem como a respectiva valoração ideal, por
meio de uma solução legal. A partir de tal estrutura Habermas observa a relação entre a
legislação existente e o agir comunicativo, que resulta na “tensão validade facticidade”.
5503
A solução adequada dos conflitos decorre de método procedimental que o julgador
adota, no interesse de particulares dos membros da sociedade (coletividade). É
verificado um método racional em que um funcionário da administração exerce
atribuições com poder de decisão. Mas o poder do julgador é submetido a limitações, de
acordo com aspectos baseados na legitimidade, esta é orientada pela “tensão validade
facticidade”.[60]
Da mesma forma em que o julgador não aplica indistintamente toda e qualquer
orientação normativa, por limitação ontológica, determinada lei pode alterar o próprio
aspecto ontológico, caso a inovação legislativa corresponda à expectativa social
definida em campo discursivo, ou seja, uma inovação legislativa pode estar de acordo
com o bem comum, e determinar mudança no próprio aspecto ontológico, alterando o
costume. Diante do exposto, defende-se a tese de que o legislador pode alterar costume
por meio de lei.
3.3
APLICAÇÃO PRÁTICA
A questão apresentada versa acerca dos limites de atuação do legislador. Em um
primeiro momento é observado que a incidência da lei não é definida tão-somente pela
existência formal, uma vez que inúmeros fatores são determinantes na incidência
concreta. Em um segundo momento, é afirmado que o legislador pode, por meio da lei,
alterar costume.
Quanto ao poder do legislador, indicado no parágrafo anterior, afirma-se que a inovação
legislativa pode determinar mudança do aspecto ontológico. Inicialmente, observa-se
que até o ano de 1997 [61], no Brasil, não havia preocupação quanto à necessidade de
dirigir com o uso de cinto de segurança, de modo que a legislação interna assim passou
a regulamentar. O uso do cinto de segurança, na condução de veículos, passou a ser
privilegiado em razão do reconhecimento interno de bem comum.
Posteriormente, a legislação de trânsito foi alterada novamente [62], com a proibição de
condução de veículos automotores após ingestão de álcool, bem como obrigatoriedade
de teste do “bafômetro” para verificar o consumo de álcool. O não uso de álcool, em
razão da condução de veículos automotores, tem sido observado como critério
obrigatório de conduta. A proibição de álcool já é amplamente reconhecida em
privilégio do bem comum. Destaca-se que o próprio judiciário admite as diretrizes da
“lei seca” em caráter incondicional. [63]
Dessa forma, é possível alteração de costume por meio de inovação legislativa, por
parte do legislador, conforme se observa nos exemplos acima indicados. Se por um lado
a incidência da lei não se dá de forma incondicional; por outro, é possível uma lei
alterar o próprio aspecto ontológico, e elidir a permanência de costume observado
socialmente.
CONCLUSÃO
A partir da presente dissertação, apresentam-se as conclusões abaixo relacionadas.
1
A razão prática apresentada por Aristóteles indica norma de conduta, definida
pelo ser humano racionalmente, observada como direito natural.
5504
2
Com o positivismo jurídico, permanece a influência do direito natural, agora
jusnaturalismo, que passa a exercer influência determinante no comportamento
individual.
3
A legislação é observada como regulamentação de conduta, de modo que não há
aplicação irrestrita. A incidência de normas em geral decorre de um conteúdo observado
nas relações sociais concretas, isto é, a existência formal de uma lei não é elemento
suficiente para determinar efetividade.
4
Da mesma forma que a legislação encontra na relação social concreta um
limitador, no que tange à efetividade, o legislador, a partir da percepção das
expectativas sociais, pode alterar costume, por meio da lei, de modo que a inovação
legislativa - conforme observado no presente trabalho - pode alterar costume.
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO, Santo. Livre-Arbítrio. Tradução: Nair de Assis Oliveira. 2ed. SP:
Paulus, 1995.
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional
como Teoria da Justificação Jurídica. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São
Paulo: Landy, 2008.
AMARAL, Gisele. Sentido Espiritual de Lei em Filo de Alexandria. Em torno da
Metafísica. Organização: Marta Luzie de Oliveira Frecheiras e Márcio Petrocelli
Paixão. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2001.
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. 1ª Parte da 2ª Parte. Tradução: Alexandre
Corrêa. Rio Grande do Sul: Escola Superior de Teologia São Lourença de Brindes,
1980.
ARISTÓTELES. Ética a Nicomacos. Tradução: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin
Claret, 2004.
________. Política. Tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2005.
BOBBIO, Norberto. Locke e o Direito Natural. Tradução: Janete Melasso Garcia.
Brasília: UnB, 1997.
BRASIL LEI N. 11.705 (2008). Lei Federal Ordinária n. 11.705 (2008). Brasília:
Senado, 2008.
BRASIL LEI N. 9.503 (1997). Lei Federal Ordinária n. 9.503. Brasília: Senado, 1997.
DWORKIN, Ronald. Uma questão de Princípio. Tradução: Luís Carlos Borges. São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
5505
________. Levando os Direitos a Sério. Tradução: Nelson Boeira. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
FREUD, Sigmund. Psicologia de Grupo e Análise do Ego (1921). Além do Princípio de
Prazer, Psicologia de Grupo e outros Trabalhos. Tradução: Christiano Monteiro
Oiticica: Rio de Janeiro: Imago, 1996.
GROTIUS, Hugo. O Direito da Guerra e da Paz. 1v. 2ed. Tradução: Ciro Mioranza.
Ijuí: Unijuí, 2005.
GÜNTHER, Kaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e
Aplicação. Tradução: Claudio Molz. São Paulo: Landy, 2004.
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade. Tradução:
Flávio Beno Siebeneichler. 1v. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
_________. Direito e Democracia entre facticidade e validade. Tradução: Flávio Beno
Siebeneichler. 2v. Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro, 2003.
HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem. Tradução: Márcia Sá Cavalcante
Schuback. São Paulo: Vozes, 2003.
HOBBES, Thomas. Diálogos entre um Filósofo e um Jurista. Tradução: Maria Cristina
Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2004.
__________. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil.
Tradução de João Paulo e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Abril Cultural,
1979.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Tradução: Rodolfo Schaefer. São Paulo:
Martin Claret, 2004.
___________. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Leopoldo Holzboch. São
Paulo: Martin Claret, 2003.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
LE BON, Gustave. Psicologia das Massas. Tradução: Rosária Morais da Silva. Lisboa:
Ésquilo, 2005.
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Tradução: Alex Marins. São Paulo:
Martin Claret, 2005.
RAWLS, John. Uma Teoria e Justiça. Tradução: Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli
Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução: Pietro Nassetti. São Paulo:
Martin Claret, 2006.
5506
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 22 ed. rev. amp.
São Paulo: Cortez, 2002.
WEBER, Max. Economia e Sociedade. Tradução: Rigis Barbosa e Karem Elsabe
Barbosa. 2v. São Paulo: UnB, 2004.
[1] Gisele AMARAL. Sentido Espiritual de Lei em Filo de Alexandria. Em torno da
Metafísica. Organização: Marta Luzie de Oliveira Frecheiras e Márcio Petrocelli
Paixão. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2001. p. 119: “(...) os homens ‘não precisavam de leis
e sequer conheciam a escrita’(...) a ausência de lei escrita nos remete igualmente a um
tempo longínquo em que os homens eram pouco numerosos e que, sem conhecerem a
inveja nem a disputa, viviam como pastores nas montanhas (...) sentido de uma
distribuição equilibrada, portanto, justa.”
[2] Ibidem. p. 120: “(...) natureza não pertencendo, por isso, a nenhuma legislação
tipicamente humana. (...) hábito de uma comunidade não havia ainda a necessidade de
transformar numa ‘lei escrita’. (...) costumes de um povo funcionavam como ‘leis
intermediárias’entre as leis escritas’, já promulgadas, e as leis que ainda viriam a sê-lo.
A obediência a essas leis dava-se, por conseguinte, de maneira voluntária.(...)”
[3] ARISTÓTELES. Ética a Nicomacos. Tradução: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin
Claret, 2004. p. 82: “(...) o homem ideal, tal qual as outras pessoas virtuosas, dá tendo
em vista o que é nobre, e dá como deve, pois o faz às pessoas certas, as quantias que
convém e no momento devido, com todas as condições que acompanham o ato de dar
acertadamente.” (p. 82)
[4] Ibidem. p. 41: “(...) os legisladores tornam bons os cidadãos por meio de hábitos que
lhes incutem. Esse é o propósito de todos os legisladores, e quem não consegue alcançar
tal meta, falha no desempenho de sua missão, e é exatamente neste ponto que reside a
diferença entre a boa e a má constituição”
[5] Ibidem. p. 46-47: “(...) não somos chamados bons ou maus por causa das nossas
paixões, e sim por cusa das nossas virtudes ou vícios; e não somos louvados ou
censurados por causa das nossa paixões (...) a virtude do homem também será a
disposição que o torna bom e que o faz desempenhar bem a sua função (...)”
[6] Ibidem. p. 49: “(...) A virtude é, então, uma disposição de caráter relacionada com a
escolha de ações e paixões, e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a
nós, que é determinada por um princípio racional próprio do homem dotado de
sabedoria prática.”(p.49)
[7] Idem. Política. Tradução: Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 14:
“(...) O que, especificamente, diferencia o homem e que ele sabe distinguir o bem do
mal, o justo do que não o é, e assim todos os sentimentos dessa ordem cuja
comunicação forma exatamente a família do Estado.
5507
Na ordem natural, o Estado antepõe-se à família e a cada indivíduo, visto que deve,
obrigatoriamente, ser posto antes da parte. Levantai a todo: dele não restará nem pé nem
mão senão no nome, como se poderá afirmar, por exemplo, que a mão separada do
corpo senão pelo nome. Todas as coisas são definidas pelas suas funções; e desde o
instante em que elas venham a perder os seus característicos, não mais se poderá afirmar
que são as mesmas; somente ficam entendidas sob a mesma denominação. De maneira
evidente, o Estado está na ordem da natureza e antecede ao indivíduo; pois, se cada
indivíduo por si a si mesmo não é suficiente, o mesmo modo acontecerá com as partes
em relação ao todo. Ora, o que não consegue viver em sociedade, ou que não necessita
de nada porque se basta a si mesmo, não participa do Estado - é um bruto ou uma
divindade. A natureza faz assim com que todos os homens se associem. Ao que
primeiro estabeleceu essa fórmula se deve o bem maior; pois se o homem, chegado à
sua perfeição, é o mais ímpio e o mais feroz de todos os entes vivos; não sabe, para sua
vergonha, mais do que amar e comer. A justiça constitui a base da sociedade. Dá-se o
nome de julgamento à aplicação do que é justo.”
[8] Santo AGOSTINHO. Livre-Arbítrio.Tradução: Nair de Assis Oliveira. 2ed. SP:
Paulus, 1995. p. 75: “Assim, quando deus castiga o pecador, o que te parece que ele diz
senão estas palavras: ‘Eu te castigo porque não usaste de tua vontade livre para quilo a
que eu o concedi a ti’? Isto é, par aagires com retidão. Por outro lado, se o homem
carecesse de lire-arbítrio da vontade, como poderia existir esse bem que consiste em
manifestar a justiça, condenando os pecados e premiando as boas ações: Visto que a
conduta desse hoem não seria pecado nem boa ação, caso ao fosse voluntário.
Igualmente o castigo, como a recompensa, seria injusto, se o hoem não fosse dotado de
vontade livre. Ora, era preciso que a justiça estivesse presente no castigo e na
recompensa, porque aí está um dos bens cuja fonte é Deus.”
[9] Tomás de AQUINO. Suma Teológica. 1ª Parte da 2ª Parte. Tradução: Alexandre
Corrêa. Rio Grande do Sul: Escola Superior de Teologia São Lourença de Brindes,
1980. p. 1745: “(...) os homens são bons pela virtude, que torna bom que a tem, como
diz Aristóteles. Ora, a virtude do homem, vem-lhe de Deus, que a produz em nós, sem
nós, como se disse a propósito da definição da virtude. Logo, não compete à lei tornar
os homens bons.”
[10] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução: Pietro Nassetti. SP: Martin Claret,
2004. p. 104: “um homem somente é perfeito quando está de acordo com a sabedoria
prática e com a virtude moral, pois esta faz com que nossa objetividade seja certa, e a
sabedoria prática, comque escolhamos os meios certos”
[11] Ibidem. p. 125: “...toda lei é universal, mas não é possível fazer um afirmação
universal que seja correta em relação a certos casos particulares. (...) quando a lei
estabelece uma lei geral e surge um caso que não é abarcado por essa regra, então é
correto corrigir a omissão, dizendo o que o próprio legislador teria dito se estivesse
presente, e que teria incluído na lei se tivesse previsto o caso em pauta.”
[12]Norberto BOBBIO. Locke e o Direito Natural. Tradução: Sérgio Bath. Tradução:
Janete Melasso Garcia. Brasília, 1997.
[13] John RAWLS. Uma Teoria e Justiça. Tradução: Almiro Pisetta e Lenita Maria
Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 12: São esses princípios que
5508
pessoas livres e racionais, preocupadas em promover seus próprios interesses,
aceitariam numa posição original de igualdade como definidores dos termos
fundamentais de sua associação. Esses princípios devem regular todos os acordos
subseqüentes; especificam os tipos de cooperação social que se podem assumir e as
formas de governo que se podem estabelecer.”
[14]Norberto BOBBIO. Locke e o Direito Natural. Tradução: Janete Melasso Garcia.
Brasília: UnB, 1997. p. 95: “(..) a razão fundamental da passagem do estado natural ao
estado civil é a renúncia às disposições sobre as coisas indiferentes e a sua atribuição ao
soberano, sem qualquer limite e, portanto, sem a sobrevivência dos direitos naturais.”
[15] Ibidem. p. 151: “A teoria política de Locke é um monumento levantado às leis
naturais que presidem à formação das principais instituições, regulamentando a vida do
homem, e das quais as leis positivas não passam de um reflexo.”
[16] Ibidem. p. 171: “Se os homens fossem como deveriam ser, o estado da natureza
seria o estado pefeito; não necessitaríamos de outro. Mas, como os homens são como
são, o estado da natureza degenera-se em um estado de convivência miserável e
precária, sendo necessário, se não extingui-lo, pelo menos corrigi-lo.”
[17] Norberto BOBBIO. Locke e o Direito Natural. Tradução: Janete Melasso Garcia.
Brasília: UnB, 1997. p. 232: “Ora, como o poder civil é um poder derivado – ao
contrário do que acontece com o poder sobre as coisas, que é originário -, seu conteúdo
não pode exceder o que está contido nos poderes naturais do homem que vive no estado
da natureza. Em conseqüência, enquanto resultante da renúncia dos poderes naturais, o
poder civil transforma-se na confluência dos dois poderes naturais transferidos do
indivíduo para o corpo político.”
[18] Jean-Jacques ROUSSEAU. Do Contrato Social. Tradução: Pietro Nassetti. São
Paulo: Martin Claret, 2006. p. 35: “(...) o que o homem perde pelo contrato social é a
liberdade natural e um direito sem limites a tudo que o tenta e pode atingir; ganha a
liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. (...) nossas compensações, cumpre
distinguir bem a liberdade natural, que só tem por termo as forças do indivíduo, da
liberdade civil, que é limitada pela vontade geral; e a possessão, que é só efeito da
forma, ou o direito do primeiro ocupante, da propriedade, que não pode ser fundada a
não ser num título positivo.
(...) ajuntar à aquisição do estado civil a liberdade moral, que só o faz o homem
verdadeiramente senhor de si; pois o único estímulo do apetite é a servidão, e a
obediência à lei prescrita é liberdade: mas já falei muito acerca desse artigo, e não é de
meu presente assuntos o sentido filosófico da palavra liberdade.”
[19] Thomas HOBBES Malmesbury. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado
eclesiástico e civil. Tradução: João Paulo e Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo:
Abril Cultural, 1979. p. 105: “O fim último, causa final e desígnio dos homens (que
amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela
restrição sobre si mesmo sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua
própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela
misera condição de guerra que é a conseqüência necessária (conforme se mostrou) das
paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível, capaz de os manter em
5509
respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos e ao respeito
àquelas leis de natureza que foram expostas nos capítulos décimo quarto e décimo
quinto.”
[20] John LOCKE. Segundo Tratado sobre o Governo. Tradução: Alex Marins. São
Paulo: Martin Claret. 2005. p. 36: “(...) o homem não tem poder sobre a própria vida,
não tem autoridade, por pacto ou por consentimento, de escravizar-se a quem quer que
seja, nem se colocar sob o poder arbitrário absoluto e outrem, que lhe tome à vida a seu
bel-prazer. Ninguém pode dar mais poder do que possui; e quem não pode tirar de si a
própria vida não pode conceder qualquer poder sobre ela.”
[21] Jürgen HABERMAS. Direito e Democracia entre facticidade e validade.
Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. 1v. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p.
126: “(...) o contrato social é um ‘fim em si mesmo’. Pois ele fundamenta ‘o direito dos
homens (a viver) sob leis coercitivas públicas, através das quais pode ser determinado a
cada um o que é seu e assegurado contra a usurpação por parte de todos os outros’ (...) o
contrato social não tem, por sua natureza, um conteúdo especial, pois ele constitui em si
mesmo o modelo para uma socialização sob domínio do principio do direito (...)
(...) o contrato social serve para a institucionalização do direito ‘natural’a iguais
liberdades de ação subjetivas.”
[22] Immanuel KANT. Crítica da Razão Prática. Tradução: Rodolfo Schaefer. São
Paulo: Martin Claret, 2004. p. 29: “(...) as leis práticas referem-se exclusivamente à
vontade, sem ter em conta o que é feito pela sua causalidade, podendo-se abstrair-se
dessa causalidade (como pertencente ao mundo sensível) para ter puras essas leis
práticas.”
[23] Ibidem. p. 44: “Ora, convenhamos: é inegável que todo querer deve ter também um
objeto, por conseguinte, uma matéria; mas nem por isso constitui o princípio de
determinação e a condição da máxima; porque, se o fosse, ela não poderia representarse na forma legisladora universal, pois, nesse caso, a esperança da existência do objeto
seria a causa determinante do livre-arbítrio e, como fundamento do querer, deveria pôrse a dependência da faculdade de desejar relativamente à existência de alguma outra
coisa qualquer, dependência esta que só pode ser buscada em condições empíricas, não
podendo, por isso, conferir fundamento a uma regra necessária e universal.”
[24] Immanuel KANT. Crítica da Razão Prática. Tradução: Rodolfo Schaefer. São
Paulo: Martin Claret, 2004. p. 47: “A lei moral, entretanto, ordena a cada um a mais
pronta obediência. Dessa forma, o juízo do que cumpre fazer, de acordo com ela, não
deve ser tão difícil que entendimento mais comum e menos exercitado não seja capaz,
mesmo sem ter conhecimento do mundo.”
[25] Ibidem. p. 28: “(...) princípios da determinação da vontade, os princípios que são
feitos para si mesmo nem por isso constituem ainda leis, às quais inevitavelmente se
estaria submetido, porque a razão na ordem prática refere-se ao sujeito, isto é, com a
faculdade de desejar, segundo cuja constituição especial a regra pode se estabelecer por
muitos modos. A regra prática é sempre um produto da razão, porque prescreve a ação
como meio para o efeito, considerando como intenção...Entretanto, para um ser no qual
a razão não é o único princípio da determinação da vontade, essa regra é um imperativo,
5510
ou seja, é uma regra designada por um dever...que exprime a obrigação...objetiva da
ação, e significa que, se a razão determinasse completamente a vontade, a ação ocorreria
inevitavelmente conforme tal regra. Assim, os imperativos têm um valor objetivo e são
inteiramente distintos das máximas, enquanto estas são princípios subjetivos. Os
imperativos determinam ou as condições da causalidade do ser racional como causa
eficiente, unicamente em consideração do efeito e capacidade para produzi-lo, ou então
determinam apenas a vontade, seja ou não ela suficiente para o efeito. Os primeiros
seriam imperativos hipotéticos e conteriam simples preceitos de habilidade (...); os
segundos, ao contrário, seriam categóricos e unicamente leis práticas. Assim, as
máximas certamente são princípios (...), mas não imperativos. Porém, os próprios
imperativos, quando condicionados, isto é, quando não determinam a vontade apenas
como vontade, mas somente em vista de um efeito desejado, ou seja, quando são
imperativos hipotéticos, constituem sem dúvida preceitos práticos, mas não leis.”
[26] Hans KELSEN. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 5: “(...) o conteúdo de um acontecer fático coincide com
o conteúdo de uma norma que consideramos válida.”
[27] Ibidem. p. 5: “(...) A lei aplica-se a todas as questões jurídicas para as quais
contenha, segundo a sua letra oua sua interpretação, um preceito (...) deve o juiz decidir
de acordo com o direito consuetudinário e, na falta deste, segundo a norma que ele,
como legislador, teria elaborado”.
[28] Immanuel KANT. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução:
Leopoldo Holzboch. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 28: “(..) o valor moral da ação
não reside no efeito que dela se espera; também não reside em qualquer princípio da
ação que precise tomar seu fundamento determinante nesse efeito esperado. Pois todos
esses efeitos (o agrado do estado próprio, ou inclusivo o fomento da felicidade alheia)
poderiam ser alcançados também por outras causas, e para tal não precisaria, portanto
de um ser racional, em cuja vontade, e somente nela, se pode encontrar o bem supremo
incondicional. Por conseguinte outra coisa não h[a senão a representa;ao da lei em si
mesmo, a qual só no ser racional se realiza, enquanto é ela, e não o esperado efeito, o
fundamento da vontade, podendo constituir o bem excelente a que chamamos moral,
que se faz presente já na própria pessoa que age segundo essa lei, as que não se deve
esperar de nenhum efeito da ação.”
[29] Ibidem. p. 29:“Mas qual pode ser essa lei, cuja representação mesmo sem tomar em
consideração o efeito que se espera dela, tem de determinar a vontade para que esta se
possa chamar boa, absolutamente e sem a menor restrição? Como tenho subtraído a
vontade de todos os estímulos que pudessem afasta-lo do cumprimento de uma lei, nada
mais resta a não ser a legalidade universal das ações em geral, essa mais deve ser o
único princípio da vontade, isto é: não devo agir de modo que possa desejar que minha
máxima deva se converter em lei universal. Aqui é a mera legalidade em geral (sem
tomar como base qualquer lei destinada a ceras ações) o que serve de princípio à
vontade, e também o que tem de lhe servir como princípio, para que o dever não seja em
qualquer parte ilusão vã e conceito quimérico; com isso, equilibra-se perfeitamente a
comum razão humana em seus juízos práticos, e o citado princípio jamais deixa o seu
campo de visão.”
5511
[30] Hans KELSEN. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 5: “(...) o Direito distingue-se de outras ordens sociais.
O momento coação, isto é, a circunstância de que o ato estatuído pela ordem côo
conseqüência de uma situação de fato considerada socialmente prejudicial deve ser
executada mesmo contra vontade da pessoa atingida e – em caso de resistência –
mediante emprego da força física, é o critério decisivo.”
[31] Ibidem. p. 6: “(..) uma pacificação da comunidade jurídica somente aparece numa
estágio mais elevado da evolução jurídica, a saber, naquele estádio evolutivo em que a
autodefesa passa a ser proibida, pelo menos em princípio, e, por isso, nos encontramos
em face de uma segurança coletiva em sentido estrito.”
[32] Hugo GROTIUS. O Direito da Guerra e da Paz. 1v. 2ed. Tradução: Ciro
Mioranza. Ijuí: Unijuí, 2005. p. 45: “(..) as leis foram inventadas pelo temor de ser
vítima de uma injúria e que os homens se sentem impelidos por uma espécie de força
para cultivar a justiça. (..) todos juntos predominam sobre aqueles aos quais cada um
deles não seria capaz de resistir sozinho. (..) o direito é a vontade do mais forte. Isto
quer dizer que o direito carece de seu efeito exterior se não tiver a força que lhe dê
sustentação. (..)”
[33] Ibidem. p. 109-110: “(..) proclamar e relembrar os princípios do direito de natureza
apagados por uma prática viciada.”
[34] Hans KELSON. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 6: “(...) 'norma' (...) significa que algo deve ser ou
acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira (....)
conferem poder de a realizar, isto é, quando a outrem é atribuído um determinado poder,
especialmente o poder de ele próprio estabelecer normas. (...) 'dever' é aqui empregado
com uma significação mais ampla que a usual.”
[35]Martin HEIDEGGER. A Caminho da Linguagem. Tradução: Márcia Sá Cavalcante
Schuback. São Paulo: Vozes, 2003. p. 7-8: “(..) a linguagem é o que faculta o homem a
ser o ser vivo que ele é enquanto homem.
(...) A linguagem encontra-se por toda parte.
(...) a linguagem não significa tanto conduzir a linguagem, mas conduzir a nós mesmos
para o lugar de seu modo de ser, de sua essência: recolher-se no acontecimento
apropriador.”
[36] Jürgen HABERMAS. Direito e Democracia entre facticidade e validade.
Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. 1v. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p.
21: “(..) conceito de razão comunicativa que situo no âmbito de uma teoria reconstrutiva
da sociedade.”
[37] Ibidem p. 23: “(...) Arrastada para cá para lá, entre facticidade e validade, a teoria
da política e do direito decompõe-se atualmente em facções que nada têm a dizer umas
às outras. A tensão entre princípios normativos, que correm o risco de perder o contato
com a realidade social, e princípios objetivistas, que deixam fora de foco qualquer
aspecto.”
5512
[38] Ibidem. p. 277: “(...) ampliar as condições concretas de reconhecimento através do
mecanismo de reflexão do agir comunicativo, ou seja, através da prática de
arugmentação, que exige de todo o participante a assunção das perspectivas de todos os
outros.”
[39] Sigmund FREUD. Psicologia de Grupo e a Análise do Ego. Tradução de Chrisiano
Monteiro Oiticica. Além do Princípio de Prazes, Psicologia de Grupo e outros
Trabalhos. 18v. Rio e Janeiro: IMAGO, 1996. p. 81: “O indivíduo (...) cai sob a
influência de apenas um só pessoa ou de um número bastante reduzido de pessoas, cada
uma das quais se torna enormemente importantes para ela.”
[40] Gustave LE BON. Psicologia das Massas. Tradução: Rosária Morais da Silva.
Lisboa: Ésquilo, 2005. p. 41-42: “(..) a sua organização varia não somente segundo a
raça e a composição das colectividades, mas ainda segundo a natureza e o grau de
excitantes a que são submetidas.
(...) o simples facto de serem transformados em massa dota-os de uma espécie de alma
colectiva. Esta alma fá-los sentir, pensar e agir de uma forma totalmente diferente
daquela que cada um deles, isoladamente, sentiria, pensaria ou agiria. (...) A massa
psicológica é um ser provisório, composto por elementos heterogéneos unidos num
dado momento, tal com as células de um corpo vivo formam através da sua união um
novo ser que manifesta característica muitíssimo diferentes daquelas que cada umas das
células possui.”
[41] Ibidem. p. 51: “Esta inconstância das massas torna a sua governação muito difícil,
sobretudo quando uma parte dos poderes públicos já lhes caiu nas mãos.”
[42]Jürgen HABERMAS. Direito e Democracia entre facticidade e validade. Tradução:
Flávio Beno Siebeneichler. 1v. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 20: “(...) O
direito normatizado não consegue assegurar-se dos fundamentos de sua legitimidade
apenas através de uma legalidade que coloca à disposição dos destinatários enfoques e
motivos (...) o direito moderno nutre-se de uma solidariedade concentrada no papel do
cidadão que surge, em última instância, do agir comunicativo. A liberdade comunicativa
dos cidadãos pode, como vimos, assumir, na prática da autodeterminação organizada,
uma forma mediata através de instituições e processos jurídicos, porém não pode ser
substituída inteiramente por um direito coercitivo.”
[43] Günter KLAUS. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: Justificação e
Aplicação. Tradução: Claudio Molz. São Paulo: Landy, 2004. p. 410: “O
descobrimento ou a busca por normas implícitas não ocorre de modo arbitrário, nem
com uma intenção legislativa usurpadora. Dworkin insiste para que os juízes não criem
novos direitos, mas descubram os direitos que sempre existiram, ainda que
frequentemente de modo implícito. Esta argumentação de Dworkin é conseqüente,
porque, no âmago, direitos são de natureza moral, portanto, inacessíveis à alteração
positivadora. Eles não são derivados de um ato legiferante ou judicativo, mas do direito
ao respeito e consideração iguais, enraizado nos fundamentais princípios legitimadores
de uma comunidade. A competência de positivação normativa e a faculdade
jurisdicional precisam, por sua vez, ser justificadas de novo à luz desse princípio, tal
como as leis e os jurízos antecipados necessitam ser considerados ao decidir-se um caso
isolado.”
5513
Vide DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução: Nelson Boeira. São
Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 129: “Na verdade, porém, os juízes não deveriam ser e
não são legisladores delegados, e é enganoso o conhecido pressuposto de que eles estão
legislando quando vão além de decisões políticas já tomadas por outras pessoas. Este
pressuposto não leva em consideração a importância de uma distinção fundamental na
teoria política que agora introduzirei de modo sumário. Refiro-me à distinção entre
argumentos de princípios, por um lado, e argumento de política (...) por outro.”
[44] Robert ALEXY. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso
Racional como Teoria da Justificação Jurídica. Tradução: Zilda Hutchinson Schild
Silva. São Paulo: Landy, 2008. p. 186: “Como já se apontou na discussão da relação
entre uma teoria do discurso empírica e normativa, o problema principal da maneira da
fundamentação empírica está na consideração de uma norma que rege de fato ou que
corresponde às convicções realmente existentes, como racional. Aqui se trata de um
caso especial da derivação de um dever-ser a partir de um ser. Esta derivação só poderia
ser possível aceitando a premissa de que a práxis existente é racional.”
[45] Ronald DWORKIN. Levando os Direitos a Sério. Tradução: Nelson Boeira. São
Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 164-165: “Nos casos difíceis, a argumentação jurídica
versa sobre os conceitos contestados, cuja função e natureza são muito semelhantes ao
conceito das características de um jogo. Eles incluem muitos dos conceitos substantivos
através dos quais o direito se manifesta, como os conceitos de contrato e de propriedade.
Também se incluem aí dois conceitos de muito maior relevância para a presente
argumentação. O primeiro é a idéia de ‘intenção’ ou ‘propósito’ de uma determinada lei
ou de uma cláusula estabelecida por lei. Este conceito faz uma ponte entre a justificação
política da idéia geral de que as leis criam os direitos e aqueles casos difíceis que
interrogam sobre que direitos forem criados por uma lei específica. O segundo é o
conceito de princípios que ‘subjazem’ às regras positivas do direito, ou que nelas estão
‘inscritos’. Este conceito faz uma ponto entre a justificação política da doutrina segundo
a qual os casos semelhantes devem ser decididos da mesma maneira e aqueles casos
difíceis nos quais não fica claro o que essa doutrina geral requer. Juntos, esses conceitos
definem os direitos jurídicos como uma função ainda que muito especial, dos direitos
políticos. Se um juiz aceita as práticas estabelecidas de seu sistema jurídico – isto é, se
aceita a autonomia proporcionada pelas regras nítidas que constituem e regem este
sistema – ele então deve, segundo a doutrina da responsabilidade política, aceitar um
teoria política geral que justifique essas práticas. Os conceitos de intenção legislativa e
os princípios do direito costumeiro são artifícios para a aplicação dessa teoria política
geral às questões controversas sobre os direitos jurídicos.”
Robert ALEXY. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional
como Teoria da Justificação Jurídica. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. São
Paulo: Landy, 2008. p. 218: “Nos discursos jurídicos trata-se da justificação de um caso
especial de proposições normativas, as decisões jurídicas. Podem distinguir-se dois
aspectos da justificação: a justificação interna (internal justification) e a justificação
externa (external justificatio).Na justificação interna verifica-se se a decisão se segue
logicamente das premissas que se expõem como fundamentação, o objeto da
justificação externa é a correção destas premissas.”
[46] Robert ALEXY. Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso
Racional como Teoria da Justificação Jurídica. Tradução: Zilda Hutchinson Schild
5514
Silva. São Paulo: Landy, 2008. p. 224: “As regras e formas descobertas até agora se
referem à estrutura formal da fundamentação jurídica. O ponto decisivo é o da
segurança da universalidade. Podem-se designá-las por isso como ‘regras e formas da
justiça formal’.”
[47] Ibidem. p. 258: “(...) A função de estabilização se cumpre na medida em que, com
a ajuda de enunciados dogmáticos, se fixam e se fazem, portanto, reprodutíveis,
determinadas solulções a questões práticas. Isso é possível porque a dogmática opera
institucionalmente. Dessa forma, podem estabelecer-se, durante longo tempo,
determinadas formas de decisão. Isso é de considerável importância, levando em conta o
amplo campo das possibilidades discursivas. Se se tivesse de discutir de novo a cada
vez surgiria a possibilidade de que a cada vez – sem que se violassem as regras do
discurso jurídico e do discurso prático geral – se alcançarem resultados diferentes. Isso
contradiz o princípio da universalidade e, por isso, um aspecto elementar do princípio
da justiça. A dogmatização do Direito, ou algo semelhante do ponto de vista da função
de estabilização, é uma exigência que deriva de princípios práticos gerais.”
[48] Ibidem. p. 277: “(...) As regras e formas da justificação interna submetem-se ao
princípio da universalidade (...) o que corresponde à sua subordinação ao princípio de
justiça formal de tratar igualmente o igual. As regras e formas de justificação interna
são a estrutura básica da argumentação jurídica. Com isso, o mesmo princípio constitui
o fundamento tanto do discurso prático geral como do discurso jurídico.”
[49] Importante observar que não se discute uma perspectiva positivista, apenas há
registro de que a lei não tem efetividade apenas por existir, em contrapartida afirma-se
também que um comportamento social determinado pode ser alterado pela existência de
uma norma legislada. DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Tradução:
Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 130: “(...) um programa que
dependa basicamente de princípios, como um programa contra a discriminação, pode
refletir a idéia de que os direitos não são absolutos, e não vigoram quando suas
conseqüências para a política pública forem muito graves (...)”
[50] DWORKIN, Ronald. Uma questão de Princípio. Tradução: Luís Carlos Borges.
São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 170: “(..) Se um ato de desobediência civil pode
alcançar seu objetivo sem punição, isso geralmente é melhor para todos os envolvidos.
(...) atos considerados como desobediência civil são efetivamente protegidos pela
Constituição, ainda é viável quando os tribunais determinaram que esses atos não
contam, a seu ver, com tal proteção.”
[51] John RAWLS. Uma Teoria de Justiça. Tradução: Almiro Pisetta e Lenita Maria
Rímoli Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 406: “(..) a desobediência civil é a
expressão de convicção profundas e conscientes; embora possa avisar e admoestar, ela
não constitui por si só uma ameaça.
(...) A lei é violada, mas fidelidade à lei é expressa pela natureza pública e não violenta
do ato, pela disposição de aceitar as conseqüências jurídicas da própria conduta. Essa
fidelidade à lei ajuda a provar para a maioria que o ato é de fato politicamente
consciente e sincero, e que intencionalmente se dirige ao senso de justiça do público.”
5515
[52] Jürgen HABERMAS. Direito e Democracia entre facticidade e validade.
Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. 2v. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p.
59: “A teoria do pluralismo já tornara como base um conceito empírista de poder. Para
ela, uma compreensão instrumentalista da política, segundo a qual o poder político e
administrativo constituem apenas formas diferentes de manifestação do poder social,
forma o elo entre o modelo liberal de democracia, introduzido acima, e a realidade
social.”
[53] Ibidem. p. 61: “(...) a teoria do sistema elimina os derradeiros laços do modelo
normativo que servira de ponto de partida, limitando-se essencialmente aos problemas
de regulação de um sistema política declarado autônomo e reassumindo os problemas da
velha teoria do Estado (...) uma racionalidade auto-reflexiva da regulação, que corrói o
conteúdo normativo da democracia, permitindo apenas uma distribuição alternada do
poder entre governo e oposição.”
[54]Jürgen HABERMAS. Direito e Democracia entre facticidade e validade. Tradução:
Flávio Beno Siebeneichler. 2v. Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro, 2003. p. 97: “(..)
captar e tematizar os problemas da sociedade como um todo, a esfera pública tem que se
formar a partir dos contextos comunicacionais das pessoas virtualmente atingidas. (..)
pelo aparelho do Estado, de cuja regulaçãop dependem os sistemas de funções sociais,
que são complexos e insuficientemente coordenados.(..) uma linguagem existencial, na
qual é possível equilibrar, em nível de uma história de vida, os problemas gerados pela
sociedade.”
[55] Ibidem. p. 105: “(..) na esfera pública liberal, os atores não podem exercer poder
político, apenas influência. E a influência de uma opinião pública, mais ou menos
discursiva, produzida através de controvérsias públicas, constitui certamente uma
grandeza empírica, capaz de mover algo. (..) essa influência pública e política tem que
passar antes da opinião e da vontade, transformar-se em poder comunicativo e
concretamente generalizada, possa se transformar numa convicção testada sob o ponto
de vista de generalizações de interesses e capaz de legitimar decisões políticas. (..).”
[56] Ibidem. p. 146: “(..) só tem legitimidade o direito que surge da formação discursiva
da opinião e da vontade de cidadãos que possuem os mesmos direitos.”
[57] Gustave LE BON. Psicologia das Massas. Tradução: Rosária Morais da Silva.
Lisboa: Ésquilo, 2005. p. 146: “(..) Hoje em dia, os autores perderam toda a influência e
os jornais limitam-se a reflectir a opinião. Quanto aos homens de Estado, longe de a
dirigirem, procuram segui-la. O seu medo da opinião chega por vezes ao terror e elimina
qualquer tipo de constância na sua condução.
A opinião das massas tende pois a tornar-se cada vez mais o supremo regulador da
política. Actualmente, chega mesmo a impor alianças, como o vimos no caso da aliança
russa, que saiu quase exclusivamente de um movimento popular.”
[58]Jürgen HABERMAS. Direito e Democracia entre facticidade e validade. Tradução:
Flávio Beno Siebeneichler. 1v. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 2003. p. 21: “(...) o
conceito de razão comunicativa que situo no âmbito de uma teoria reconstritiva da
sociedade (...) a razão prática adquire um novo valor hermenêutico. Não funciona mais
como orientação direta para uma teoria normativa do direito e da moral (...) ele se
5516
transforma num fio condutor para a reconstrução do emaranhado de discursos
formadores de opinião e preparadores da decisão, na qual está embutido o poder
democrático exercitado conforme o direito.”
[59] Ibidem. p. 24: “(...) a teoria do agir comunicativo concede um valor posicional
central à categoria do direito e por que ela mesma forma, por seu turno, um contexto
apropriado para uma teoria do direito apoiada no princípio do discurso (...) A teoria do
agir comunicativo tenta assimilar a tensão que existe entre facticidade e validade.”
[60]Max WEBER. Economia e Sociedade. Tradução: Rigis Barbosa e Karem Elsabe
Barbosa. 2v. São Paulo: UnB. 2004. p. 100: “(...) influência das formas de demonação
políticas sobre as qualidades formais do direito. (...) Quanto mais o aparato de
dominação dos príncipes e hierarcas era de caráter racional, administrado por
'funcionários', tanto mais tendia sua nifluência (...) a dar à justiça um caráter racional
quanto ao conteúdo e à forma (...) os interesses de sua própria administração racional
lhes indicavam este caminho (...) onde se encontravam numa aliança com poderosos
grupos de interessados no direito (...)”
[61] BRASIL. LEI N. 9.503 (1997). Lei Federal Ordinária n. 9.503. Brasília: Senado.
1997: “Art. 65. É obrigatório o uso do cinto de segurança para condutor e passageiros
em todas as vias do território nacional, salvo em situações regulamentadas pelo
CONTRAN.
(...)
Art. 167. Deixar o condutor ou passageiro de usar o cinto de segurança, conforme
previsto no art. 65:
Infração - grave;
Penalidade - multa;
Medida administrativa - retenção do veículo até colocação do cinto pelo infrator.”
[62] BRASIL LEI N. 11.705 (2008). Lei Federal Ordinária n. 11.705 (2008).
Brasília: Senado. 2008: “Art. 1o Esta Lei altera dispositivos da Lei no 9.503, de 23 de
setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, com a finalidade de
estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor
que dirigir sob a influência do álcool, e da Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, que
dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas
alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art.
220 da Constituição Federal, para obrigar os estabelecimentos comerciais em que se
vendem ou oferecem bebidas alcoólicas a estampar, no recinto, aviso de que constitui
crime dirigir sob a influência de álcool.
Art. 2o São vedados, na faixa de domínio de rodovia federal ou em terrenos contíguos à
faixa de domínio com acesso direto à rodovia, a venda varejista ou o oferecimento de
bebidas alcoólicas para consumo no local.
(...)
5517
Art. 5o A Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, passa a vigorar com as seguintes
modificações:
I - o art. 10 passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XXIII:
‘Art. 10. .......................................................................
.............................................................................................
XXIII - 1 (um) representante do Ministério da Justiça.
...................................................................................’ (NR)
II - o caput do art. 165 passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa
que determine dependência:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;
Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado
e recolhimento do documento de habilitação.
...................................................................................’ (NR)
III - o art. 276 passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às
penalidades previstas no art. 165 deste Código.
Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de
tolerância para casos específicos.’ (NR)
IV - o art. 277 passa a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 277. .....................................................................
.............................................................................................
§ 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente
de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos
notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165
deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos
previstos no caput deste artigo.’ (NR)
V - o art. 291 passa a vigorar com as seguintes alterações:
5518
‘Art. 291. .....................................................................
§ 1o Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts. 74,
76 e 88 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, exceto se o agente estiver:
I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine
dependência;
II - participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de
exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada
pela autoridade competente;
III - transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h
(cinqüenta quilômetros por hora).
§ 2o Nas hipóteses previstas no § 1o deste artigo, deverá ser instaurado inquérito
policial para a investigação da infração penal.’ (NR)
VI - o art. 296 passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 296. Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o juiz
aplicará a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo
automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis.’ (NR)
(...)
VIII - o art. 306 passa a vigorar com a seguinte alteração:
‘Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de
álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de
qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
.............................................................................................
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos
testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
’(NR)
Art. 6o Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis
que contenham álcool em sua composição, com grau de concentração igual ou superior
a meio grau Gay-Lussac.
Art. 7o A Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, passa a vigorar acrescida do seguinte
art. 4o-A:
‘Art. 4o-A. Na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser
afixado advertência escrita de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a
influência de álcool, punível com detenção.’”
[63] “HABEAS CORPUS: 0581/2008”.
5519
IMPETRANTE : BEL. CLAUDINEI DOS SANTOS PEREIRA
PACIENTE
: CLAUDINEI DOS SANTOS PEREIRA
Vistos.
CLAUDINEI DOS SANTOS PEREIRA, brasileiro, divorciado, Advogado,
qualificado no exórdio mandamental fl. 01, manejou ordem de habeas corpus
preventivo, argumentando a existência de constrangimento ilegal imputando como
autoridades coatoras os Srs. Secretário de Segurança Pública do Estado de Sergipe e
Secretário Municipal de Transportes e Turismo.
Sustentou a impetração, em suma, que em virtude da vigência da Lei n.º 11.705/2008
que acrescentou diversos dispositivos no Código de Trânsito Brasileiro ‘...ferindo
princípios basilares do Direito e da Justiça, atentando contra garantias e liberdades
fundamentais.’ Nasceu para o paciente o constrangimento ilegal a ser remediado por
esta via mandamental (fl. 02).
Alegou que ‘...as autoridades policiais de todo país estão obrigando cidadãos a
soprarem um tal ‘bafômetro’, ao ensejo de verificarem se o mesmo bebeu em excesso, o
que, no caso da lei poderá ser até licor de um bombomzinho comercial...’ (fl. 02).
O impetrante discorreu, em inúmeras laudas decalcadas da petição inicial da ADI 4103,
sobre a inconstitucionalidade da Lei n.º 11.705/2008 frente ao art. 5º da Lex Legum,
sobre a falta de razoabilidade, proporcionalidade e equidade, sobre o princípio da
intervenção mínima do Estado, a valoração dos princípios da isonomia e a
individualização das penas.
Discorreu ainda que seria ‘...absurda punição contra aquele que se nega a produzir
prova contra si mesmo...”, pois, em seu pensar, “...não pode permanecer em nosso
ordenamento jurídico uma norma inconstitucional, que viola a razoabilidade e a
proporcionalidade, assim como o interesse público, pela afronta à cultura e aos
costumes populares, absolutamente corriqueiros e lícitos.’ (fl. 13).
Ao fim, pugna pela concessão de liminar no escopo de não ser obrigado a se submeter
ao teste do bafômetro, a comparecer à repartição policial ou Instituto Médico Legal para
realização de exame de sangue e não seja lavrada a multa do art. 165 do Códex de
Trânsito Brasileiro.
Tudo visto e examinado. Decido.
O habeas corpus deve atender certas condições para a adequação do manejo desse
remédio heróico, tais como a legitimidade, a possibilidade jurídica do pedido e o
interesse de agir.
Por medida de economia dissertativa, ater-me-ei apenas a um breve exame relativo à
última das condições retromencionadas: o interesse de agir.
Se os pressupostos ao exercício desse instrumento de natureza garantística, de sede
constitucional, concentram-se na infligência de uma concreta e possível ameaça ou
5520
violação à liberdade de locomoção e seus desdobramentos por ilegalidade ou abuso de
poder, ausentes tais elementos configuradores da violação do direito do pretenso
paciente, mingua-lhe o interesse de agir.
Intuo que estou a defrontar-me com essa hipótese de vacuidade de causa a substanciar a
pretensão deduzida.
Se não, vejamos.
Prima facie, a exigência do aferimento via bafômetro a quem está conduzindo veículo
automotor de via terrestre, promana do cumprimento da lei pelas autoridades e agentes
administrativos encarregados da segurança do trânsito, a teor do quanto disposto na Lei.
N.º 11.705/2008.
Ademais, se o condutor do veículo não aquiescer em submeter-se ao teste do bafômetro,
não poderá ser fisicamente coagido a fazê-lo e, por isso mesmo, sua liberdade de
locomoção não estará a sofrer nenhuma ameaça.
Se, por essa negativa poderá seu veículo ser apreendido, o será apenas enquanto não for
apresentada outra pessoa, indicada pelo próprio pretenso paciente, com carteira de
habilitação, que poderá conduzir o veículo apreendido e neste abrigar o próprio excondutor do mesmo.
A insurgência quanto à pena pecuniária por não se submeter ao teste do bafômetro
refoge à proteção pela via do habeas corpus.
Lei existe e as autoridades encarregadas de fazê-la cumprir agem no exercício regular
de direito e se desincumbindo do dever imposto pela sua condição de agente público
com o munus de realizar, administrativamente, a aplicação da lei.
Não há, pois, falar-se em ilegalidade ou abuso de poder por parte de quem cumpre
apenas a lei, nos limites por ela estabelecidos.
Também não vejo como erguer-se qualquer barreira de natureza constitucional contra a
mencionada lei cognominada de “Lei Seca”.
O seu fim social é elevadíssimo, buscando proteger o bem jurídico de maior
importância: a própria vida e, ao protegê-la, realiza o caríssimo princípio fundamental
de preservação da dignidade humana (art. 1º, III, CF), de exercício civilizatório a
compor o princípio da cidadania (art. 1º, II, CF), inscrevendo-se a mens legis na busca
da realização do objetivo fundamental da República que diz com a construção de uma
sociedade justa e solidária (art. 3º, I CF).
Não colima, pois, a lei hostilizada limitar a liberdade de locomoção dos condutores de
veículos; antes os protege e a terceiros contra eventuais sinistros que possam ocorrer
não pela mínima quantidade de álcool acaso detectada por ocasião do eventual teste do
bafômetro, mas por ulterior adição a esse teor etílico de outras doses capazes de
metabolizar no organismo o efeito da substância ingerida, o que não me parece de
remota plausibilidade.
5521
É, portanto, de saudável prevenção que se cuida, em nome da preservação da vida.
Entre o desconforto de submeter-se a esse teste e o alcance social que o justifica,
parece-me afastada a alegação de sacrifício desproporcional causado a condutor de
veículo, nessas circunstâncias.
O bem a ser protegido nutre-se de tamanha carga axiológico-valorativa que, a meu ver,
numa sociedade civilizada e num Estado Democrático de Direito, unge-se tal exigência,
da benção consagrada à defesa do bem comum, notadamente quando esse bem
defendido é a própria vida.
Na aplicação dessa lei, é inescondível, pois, a perspectiva do fim social ao qual ela se
dirige incidindo, também, a inteligência do art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil.
A vida em sociedade supõe alguns incômodos ou mesmo sacrifícios individuais no
interesse da sinergia social, do bem comum, do interesse público, da almejada paz
social.
Imperiosa, portanto, a conscientização dos valores em nome dos quais são exigidos
esses incômodos e esses sacrifícios cometidos ao indivíduo, para perquirir-se da sua
legitimação pela ordem jurídica.
É que a colisão de princípios resolve-se na dimensão de valores.
Tenho como presente neste caso, a colisão entre o princípio da liberdade de conduzir
veículo e a exigência do teste do bafômetro voltado para a proteção da vida, da
dignidade da pessoa humana, da solidariedade e da cidadania.
Nessa colisão, a supremacia da proteção desses outros valores enaltecidos pelos
princípios constitucionais aqui reportados é inquestionável.
Vejo como oportuno o escólio de Hélio Tornaghi, lembrando o direito que:
‘...tem o Estado de exigir dos indivíduos certos sacrifícios para o bem comum, como
foi mostrado no capítulo anterior. Podem eles recair sobre o patrimônio (impostos)
podem consistir na prestação de serviços (jurados, testemunhas, soldados), podem até
exigir o holocausto da própria vida (como no caso do militar que morre na defesa da
Pátria). Ninguém diria que há injustiça em tudo isso, porque todos compreendem que
esta abnegação é o preço da vida em sociedade e o homem somente na sociedade pode
viver. Para o bem comum cada qual entra com uma parcela de si mesmo.’ (In,
Instituições de Processo Penal, vol. 3, p. 177, Ed Saraiva, 2ª edição).
Com estas considerações, não vislumbrando qualquer ameaça na Lei n.º: 11.705/2008
ao direito de locomoção de qualquer condutor de veículo; igualmente, não
descortinando ilegalidade ou abuso de poder por parte das autoridades apontadas como
coatoras no eventual exercício de dar cumprimento à sobredita lei, observados seus
limites, carece de interesse de agir.
Se, acaso houver abuso de autoridade no ato da diligência empreendida por tais agentes
administrativos, sejam eles civis ou militares, somente quando concretamente plausível
5522
tal procedimento irregular, admitir-se-á o manejo do remédio heróico, sob pena de,
genérica e abstratamente, expedir-se salvo-conduto em face de uma mera possibilidade
(não de uma probabilidade) de excesso cometido por qualquer agente público no
exercício de suas funções.
Neste toar, imprescindível citar o Mestre Julio Fabbrini Mirabete, que descreve com
maestria o significado da iminência de restrição ao direito de locomoção, ad litteram:
‘o receio de violência deve resultar de ato concreto, de prova efetiva, de ameaça de
prisão. Temor vago, incerto, presumido, sem prova, ou ameaça remota, que pode ser
evitada pelos meios comuns, não dá lugar a concessão de habeas corpus preventivo.’
(in, Processo penal. São Paulo, Atlas, 2000. 10ª ed. p. 714).
Avistando os pedidos supracitados, é de clareza solar que não há perspectiva de
violação iminente ao status libertatis do paciente, pois o objeto aqui exposto não se
afigura entre os tutelados por esta via estreita que visa, repise-se, proteger o direito de
locomoção.
À evidência do exposto e sem mais delongas, extingo o processo sem julgamento de
mérito, ante a ausência de interesse legítimo à utilização do remédio heróico reclamado.
Aracaju, 25 de julho de 2008.
DESEMBARGADOR NETÔNIO BEZERRA MACHADO
RELATOR”
5523
Download