Nódulos pulmonares e dispnéia Larissa Voss- residente de Pneumologia do Hospital do Servidor Público Estadual-São Paulo (HSPE) Mariana S Lima- Doutora em Pneumologia Médicaassistente do Serviço de Pneumologia do Hospital do Servidor PúblicoEstadual (HSPE) - São Paulo Ester NA Coletta- Médica-assistente do Serviço de Anatomia Patológica do HSPE- SP. Professora Adjunta do Departamento de Patologia - UNIFESP. Relato do caso • • • • • Paciente feminina, 49 anos, professora, não fumante, natural e procedente de SP. Tosse seca e dispnéia leve há 6 meses. Ao realizar teste ergométrico como exame de rotina para acompanhamento de HAS, o médico identificou que a mesma “cansava demais” (SIC), sendo submetida a radiografia de tórax e encaminhada. Portadora de HAS, em uso de Telmisartan+HCTZ; hipotireoidismo, em uso de levotiroxina 75mg; hérnia de hiato, em uso de omeprazol 20mg/d; exposição a pássaros durante 3 anos em casa. Exame físico: BEG, eupnéica; FC: 68 FR: 16 irpm; MV+ bilateralmente, sem RA; ACV: RCR em 2t, sem sopros; abdome e extremidades normais. 1) Assinale a alternativa correta em relação ao padrão radiológico e tomográfico a) Padrão micronodular b) Nódulos pequenos de tamanhos variados c) Nódulos centrolobulares associados à árvore em brotamento d) Nódulos com distribuição linfática Resposta correta: B Observam-se, tanto na radiografia de tórax quanto na TCAR tórax, diversos nódulos pequenos, bem definidos e de tamanhos variados, com distribuição aleatória, associados com áreas de aprisionamento aéreo. 2) Este padrão pode ser encontrado nas doenças abaixo, relacionadas, exceto: a) Pneumonia por hipersensibilidade b) Sarcoidose c) Bronquiolite folicular d) Hiperplasia difusa de células neuroendócrinas Resposta correta: A A pneumonia por hipersensibilidade se caracteriza pela presença de nódulos mal definidos e com distribuição centrolobular. As demais poderiam apresentar o padrão mostrado. Abaixo, estão algumas doenças que se caracterizam pela apresentação como nódulos múltiplos pulmonares: • Neoplasias - Metástases - CBA - Linfoma • Doenças granulomatosas -Infecciosas Tuberculose Micoses -Não infecciosas Sarcoidose/Beriliose Silicose/PTC Pn hipersensibilidade Histiocitose de Langerhans Granulomatose de Wegener • Bronquiolites - Celulares agudas e crônicas - Disseminação broncogênica - Associadas a bronquiectasias - Panbronquilite - Aspiração crônica - Folicular - Respiratória • • Vasculares - Embolia séptica Nódulos calcificados - Infecção granulomatosa prévia - Pn varicela - Microlitíase alveolar Realizada prova de função pulmonar na admissão da paciente no ambulatório, mostrada abaixo: 3) Qual o laudo da prova de função pulmonar? a) Distúrbio ventilatório restritivo b) Distúrbio ventilatório misto c) Distúrbio ventilatório obstrutivo d) Espirometria normal Resposta correta: C Na espirometria, observa-se um valor de VEF1/CVF abaixo do limite inferior do previsto, caracterizando um distúrbio ventilatório obstrutivo, sendo o mesmo moderado (VEF1=47%), com redução da CVF e com resposta significativa de VEF1 após prova broncodilatadora. Há aumento do volume residual, confirmando os achados tomográficos de aprisionamento aéreo. Realizada broncoscopia com biópsia transbrônquica e lavado broncoalveolar. Lavado broncoalveolar negativo para BAAR e fungos. A biópsia transbrônquica é mostrada abaixo: 4) Estes achados indicam qual diagnóstico? a) Pneumonia por hipersensibilidade b) Sarcoidose c) Bronquiolite folicular d) Hiperplasia de células neuroendócrinas Resposta correta: D A biópsia transbrônquica mostrou os seguintes achados: • Proliferação de células de pequeno porte sem atipias, em arranjos nodulares com positividade para marcadores epiteliais (CEA e CK7) e neuroendócrinos (cromogranina e sinaptofisina). • Fibrose da parede de vias aéreas, com obliteração focal da luz e infiltrado inflamatório crônico discreto. • Bronquioloectasias focais. Conclusão • Os achados histológicos, associados ao padrão imunohistoquímico, são compatíveis com hiperplasia de células neuroendócrinas pulmonares no epitélio bronquiolar com extensão extra-luminal (tumorlet) Fazendo-se uma correlação entre os achados clínicos, tomográficos e histopatológicos pode-se dizer que esta paciente tem o diagnóstico de tumorlet associado a hiperplasia difusa de células neuroendócrinas – pois sem a hiperplasia difusa não haveria obstrução ao fluxo aéreo e conseqüentemente aprisionamento aéreo – e tumores carcinóides, uma vez que na TCAR tórax observam-se nódulos diversos maiores que 5mm, caracterizando esta entidade. 5) Qual (is) o(s) tratamento(s) desta doença? a) Corticóide sistêmico b) Corticóide inalatório + beta-2 de longa duração c) Quimioterapia d) Imunossupressor e) Observação da doença Respostas corretas: A e E As informações em relação a esta doença são escassas. Dentre os artigos publicados sobre a mesma, pode-se chegar a uma conclusão que o primeiro passo é observar e realizar testes seriados de função pulmonar. Caso haja uma piora da função pulmonar ou presença de bronquiolite crônica, é indicado uso de corticóide sistêmico por um tempo não definido pela literatura. Não há benefício em relação ao uso de quimioterápicos. Em uma série de 6 casos publicada por Aguayo, et al em 1992, 02 pacientes foram submetidos a quimioterapia, não havendo interferência na evolução da doença. Além disso, naqueles que não se submeteram à quimioterapia a doença não progrediu. A paciente tinha uma prova de função pulmonar de novembro/2006 que, em comparação com o exame realizado na admissão, mostrou uma queda de 400ml na CVF e de 350ml no VEF1, sendo optado pela introdução de corticóide sistêmico na dose de 40mg/dia, a qual a paciente manteve uso por 3 meses. Após este período, melhorou muito dos sintomas – tosse seca e dispnéia – submeteu-se a uma nova prova de função pulmonar, onde se observou queda do volume residual em mais de 20%, correspondendo à resposta à corticoterapia. Considerações gerais A hiperplasia difusa de células neuroendócrinas (DIPNECH) foi descrita pela primeira vez em 1950, porém, apenas em 1992, Aguayo et al, em uma série de 6 casos, nomearam a referida patologia. Até agora foram descritos 39 casos, dentre os quais 02 séries de casos. As informações sobre a doença são escassas, principalmente, em relação ao prognóstico e tratamento. Sabe-se que está havendo aumento da doença nos últimos dois anos, não pela sua crescente incidência, mas pela maior suspeita e diagnóstico da mesma . A Organização Mundial de Saúde, na última classificação em relação à histologia de tumores pleurais e pulmonares, define esta patologia como uma condição pré-neoplásica. Há uma maior prevalência em mulheres (15:4) e a idade média de apresentação é de 49 anos. Não há relação com tabagismo. Segundo Davies, dos 19 pacientes estudados, 12 pacientes nunca fumaram, enquanto que 04 eram ex-tabagistas e apenas 01 tabagista atual. A hiperplasia de células neuroendócrinas pode ser observada em associação com outras doenças, tais como DPOC, abscesso pulmonar, fibrose cística e bronquiectasias, porém, a hiperplasia difusa de células neuroendócrinas do pulmão é uma entidade distinta e se deve à proliferação primária das células neuroendócrinas. Muitas vezes há associação com bronquiolite obliterante constrictiva o que se deve à produção de citocinas – tais como a bombesina – associado à inflamação crônica. A histologia da hiperplasia difusa de células neuroendócrinas do pulmão pode ser classificada da seguinte forma: – Proliferação generalizada de células neuroendócrinas – Proliferação linear – Pequenos nódulos Quando esta proliferação está confinada à membrana basal, ao epitélio brônquico e bronquiolar, chama-se de hiperplasia difusa de células neuroendócrinas; quando a mesma se estende para além da membrana basal, chama-se de tumorlets – os quais por sua vez podem ser localizados ou difusos; por fim, quando esta proliferação forma nódulos maiores que 5mm, denomina-se tumor carcinóide. A avaliação patológica do tecido pulmonar é o padrão-ouro para o diagnóstico de DIPNECH, sendo que dos 39 casos descritos até então, todos os casos foram submetidos a biópsia pulmonar aberta ou lobectomia. É uma doença, na maioria das vezes, indolente e não progressiva. Segundo Davies, dos 19 pacientes estudados, 83% estavam vivos após 5 anos do diagnóstico. Pode se apresentar como doença sintomática ou assintomática. Nos pacientes sintomáticos, os sintomas mais freqüentemente encontrados são tosse seca e dispnéia, podendo ainda ocorrer hemoptise e dor torácica. Os mesmos podem estar presentes por até 8.6 anos antes do diagnóstico. Pode haver distúrbio obstrutivo ou obstrutivo/restritivo, o que leva alguns pacientes a serem tratados como asma antes do diagnóstico. Em relação aos pacientes assintomáticos a doença é descoberta após retirada de nódulos ou acompanhamento após neoplasias. A prova de função pulmonar pode ser normal ou mostrar um distúrbio obstrutivo nesses pacientes. Quando o tumor carcinóide está associado à DIPNECH, o mesmo está localizado na periferia, sendo de baixo grau de malignidade. É provável que a DIPNECH seja um precursor exclusivo de tumores carcióides típicos e a sua presença não está relacionada a pior mortalidade em relação aqueles pacientes que tiveram tumores carcinóides típicos ressecados sem associação com DIPNECH. Até então não há descrição de tumores de localização central e de alto grau de malignidade associados à DIPNECH. As informações sobre o tratamento são escassas. Na série publicada por Aguayo em 1992, dos 06 pacientes, dois foram submetidos à quimioterapia, sendo que não houve regressão da doença em relação aos que não fizeram uso de quimioterápicos e a doença permaneceu estável durante todo o período. O que se recomenda primeiramente é o acompanhamento sem necessidade de tratamento. Caso haja piora da função pulmonar ou associação com bronquiolite crônica, deve-se tentar o uso de corticoterapia. Referências Aguayo SM, Miller YE, Waldron JA Jr, Bogin RM, Sunday ME, Staton GW Jr et al. Brief report: idiopathic diffuse hyperplasia of pulmonary neuroendocrine cells and airways disease. N Engl J Med. 1992;327:1285-8. Davies SJ, Gosney JR, Hansell DM, Wells AU, du Bois RM, Burke MM, Sheppard MN, Nicholson AG. Diffuse idiopathic pulmonary neuroendocrine cell hyperplasia: an under-recognised spectrum of disease. Thorax 2007;62:248-52. Gosney BS. Diffuse idiopathic neuroendocrine cell hyperplasia as a precursor to pulmonary neuroendocrine tumor.. Chest 2004; 125(5 Suppl):108S Ge Y, Eltorky MA, Ernst RD, Castro CY. Diffuse idiopathic pulmonary neuroendocrine cell hyperplasia. Ann Diagn Pathol 2007; 11:122-6 Adams H, Brack T, Kestenholz P, Vogt P, Steinert HC, Russi EW. Diffuse idiopathic neuroendocrine cell hyperplasia causing severe airway obstruction in a patient with a carcinoid tumor. Respiration 2006; 73: 690-3 Ruffini E, Bongiovanni M, Cavallo A, Filosso PL, Giobbe R, Mancuso M, et al. The significance of associated pre-invasive lesions in patients resected for primary lung neoplasms. Eur J Cardiothorac Surg 2004; 26: 165-72