A Competência da Justiça do Trabalho Narciso Figueirôa Júnior Muita controvérsia causou a Emenda Constitucional n.45, promulgada no dia 08.12.04 e publicada no DOU de 31.12.04, que, dentre outras modificações, deu nova redação ao artigo 114 da Constituição Federal, ampliando sobremaneira a competência material da Justiça do Trabalho. De acordo com a referida emenda a Justiça do Trabalho passou a ser competente para apreciar e julgar não somente os dissídios individuais e coletivos entre “trabalhadores e empregadores”, como dispunha o “caput” do artigo 114 da Constituição Federal, mas também todas as ações oriundas da “relação de trabalho”, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sem a pretensão de esgotar o tema, teceremos breves considerações sobre as principais mudanças no artigo 114 da Constituição, transcrevendo os incisos que ampliam a competência da Justiça do Trabalho: “I- as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”; A polêmica gira em torno da expressão “relação de trabalho” em substituição a anterior menção a lides entre “empregado e empregador”, o que leva-nos à conclusão de que a Justiça do Trabalho passa a ser competente para apreciar e julgar ações que envolvam conflitos decorrentes das várias formas de relações de trabalho existentes e não somente do trabalho subordinado. Já existem posições extremadas no sentido de que a Justiça do Trabalho passa a ser competente para apreciar os conflitos de todas as formas de trabalho, inclusive para as relações de consumo. Parece-nos que não é esta a melhor interpretação a ser dada à nova disposição constitucional. Não temos dúvida de que houve uma expressiva ampliação da competência da Justiça do Trabalho que, além dos conflitos subjetivos de interesses que têm origem na “relação de emprego” (empregado e empregador), passa agora a ter competência igualmente para dirimir os conflitos dos trabalhadores autônomos, eventuais, avulsos, estagiários, aprendizes, representantes comerciais e profissionais liberais, quando estes últimos atuarem como pessoas físicas, obrigando-se a prestar serviços a determinada pessoa física ou jurídica, em típico contrato de atividade. As ações decorrentes da relação de consumo, salvo melhor juízo, parece-nos ter ficado fora da mencionada ampliação da competência da Justiça do Trabalho, diante da própria definição de consumidor e fornecedor constante dos artigos 2º e 3º da Lei 8078/90 (Código de Defesa do Consumidor). 1 Na dicção da Lei 8078/90 (CDC), “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviços como destinatário final” (art.2º). Por outro lado, em uma relação de consumo, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (art.3º). Assim, considerando que o próprio CDC explica qual seria o objeto da relação de consumo, permitindo fazer-se perfeita distinção de um contrato de atividade, em que necessariamente o prestador de serviços será sempre uma pessoa física, ao passo que na relação de consumo tanto o consumidor quanto o fornecedor pode ser pessoa física ou jurídica, temos que a nova competência da Justiça do Trabalho não abarca as ações decorrentes da relação de consumo. No que tange aos servidores estatutários, entendemos que a ampliação da competência da Justiça do Trabalho não atinge os referidos trabalhadores, pois a matéria é de direito administrativo, com regime jurídico próprio e distinto dos contratos de trabalho celetistas. Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal suspendeu a aplicação da nova competência da Justiça do Trabalho aos servidores estatutários, em liminar concedida pelo Ministro Cezar Peluso, nos autos da ADIN 3395, com a seguinte fundamentação jurídica: “Em 27/01/05 (...) a não inclusão do enunciado acrescido pelo SF em nada altera a proposição jurídica contida na regra (...). Não há que se entender que a Justiça do Trabalhista, a partir do texto promulgado, possa analisar questões relativas aos servidores públicos. Essas demandas vinculadas a questões funcionais a eles pertinentes, regidos que são pela Lei 8112/90 e pelo Direito Administrativo, são diversas dos contratos de trabalho regidos pela CLT. (...) Em face dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e ausência de prejuízo, concedo a liminar, com efeito “ex tunc”. Dou interpretação conforme o inciso I, do art.114 da CF, na redação da EC-45/04. Suspendo, “ad referendum”, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I, do art.114 da CF, na redação dada pela EC 45/04, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a “...apreciação...de causas que...sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem...” “II- as ações que envolvam exercício do direito de greve”; Consta expressamente do inciso II, do art.114 da CF/88, com redação trazida pela EC-45, que a Justiça do Trabalho é competente para julgar as ações que envolvam exercício do direito de greve. Temos que a referida competência já existia antes de a EC-45 entrar em vigor, embora não de forma expressa na Carta Magna, mas decorrente do contido na Lei 7783/89 (Lei de Greve). 2 Discordamos de posições extremadas de que a Justiça do Trabalho passa a ser competente para julgar as ações envolvendo atos de sabotagem e vandalismo praticados no âmbito do direito de greve, como depredações em prédios e veículos particulares e públicos, eis que configuram delitos típicos, com previsão explícita no Código Penal, pelo que a competência para tais matérias continua sendo da Justiça Comum Estadual. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a Justiça do Trabalho é incompetente para apreciar ação envolvendo interdito proibitório, pois a garantir de livre acesso a funcionários e clientes junto à empresa, em caso de movimento paredista, trata-se de matéria de direito privado, sendo competência material da Justiça Comum. “INTERDITO PROIBITÓRIO – PIQUETE – GREVISTA EM PORTA DE EMPRESA – AÇÃO QUE BUSCA GARANTIR LIVRE ACESSO A FUNCIONÁRIOS E CLIENTES – AÇÃO DE NATUREZA POSSESSÓRIA – QUESTÃO DE DIREITO PRIVADO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM – LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ – OCORRÊNCIA – SÚMULA N.7-STJ. IÉ de competência da Justiça Comum estadual processar e julgar ação e que se busca garantir livre acesso a funcionários e clientes junto à empresa, na medida em que o pedido e a causa de pedir do interdito proibitório não envolvem matéria trabalhista. Precedentes. II- “A pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial.” III- Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no Agravo de Instumento n.720.362 – SP (2005/0187156-1) – Ac.4ª T, 07.02.2006 – Rel Min.Aldir Passarinho Junior) – Fonte Revista Ltr 70 – abril de 2006 – pp.484/485. “ Entretanto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou em 02/12/2009, proposta de Súmula Vinculante (PSV 25), cuja redação é a seguinte: “A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações possessórias ajuizadas em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.” “III- ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores”; Sem sombra de dúvidas esta é uma das inovações mais importantes trazida pela EC-45 e sua aplicação não têm gerado muita discórdia. Segundo estimativa do Ministério do Trabalho e Emprego, existem aproximadamente 16.000 sindicatos em todo o País. Este elevado número de entidades sindicais, aliado aos constantes desmembramentos de categorias profissionais, por vezes acarretam discussões judiciais sobre a representatividade dos trabalhadores, sobretudo no período em que antecede a data-base e a cobrança da contribuição sindical. Anteriormente a edição da EC-45, a matéria envolvia grande controvérsia na jurisprudência, havendo diversas decisões do Superior Tribunal de Justiça 3 entendendo que competia à Justiça Comum estadual processar e julgar litígio estabelecido entre sindicatos, sem qualquer vínculo empregatício (STJ-CC-34.242-RS-Ac.2ª.T-S2002/0002678-4, DJ de 25.06.2003; CC n.18.943-RJ, rel.Min. Helio Mosimann, DJ de 09.12.97; CC n.3078-SP, rel.Min.Humberto Gomes de Barros, DJ de 24.05.1993; CC n.8.392-GO, rel.Min.Milton Luiz Pereira, DJ de 1º.08.1994). A despeito do entendimento então esposado pelo STJ, o Tribunal Superior do Trabalho, nos dissídios coletivos de sua competência, têm se manifestado sobre as disputas intersindicais de representatividade em caráter incidental, justificando tal procedimento no fato de que o equacionamento incidental da controvérsia de representatividade pode e deve ser enfrentado pela Justiça do Trabalho. Suscitada incidentemente no processo, a disputa intersindical sobre o direito de representação da categoria têm sido considerada típica questão prejudicial, cujo exame, sem atributo de coisa julgada material, têm sido feito com amparo na competência material da Justiça do Trabalho (arts.114 da CF e 469, inc.III, do CPC). Segundo tal entendimento, a Orientação Jurisprudencial n.4 da SDC do TST, ao assentar a incompetência material da Justiça do Trabalho para solver a disputa intersindical de representatividade, somente pode ser entendida como referência à solução definitiva de tal conflito, em caráter principal e com atributo de coisa julgada material.1 De acordo com o inciso III, da nova redação do art.114 da CF, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores. São exemplos típicos de conflitos entre sindicatos as disputas sobre a base territorial, representação da categoria, cobrança de contribuições (sindicais, assistenciais, negociais ou confederativas), sendo certo que até a publicação da referida emenda, tais conflitos eram julgados pela Justiça Comum Estadual. “IV- os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição”; Como acontecia anteriormente, a Justiça do Trabalho têm competência para processar e julgar mandado de segurança quando a autoridade coatora for juiz do trabalho, sendo competência originária dos tribunais trabalhistas o processamento e o 1 Como exemplo do posicionamento do Colendo TST, lembramos o acórdão da Seção de Dissídios Coletivos (TST-RODC-40678/2002-900-02-00.8, Rel.Min.João Oreste Dalazen), publicado em 08.05.2003, o entendimento anteriormente mencionado foi utilizado para os fins de apreciar a disputa intersindical de representatividade em caráter incidental como mera questão prejudicial no tocante à legitimação processual passiva para a causa e, sobretudo, para a solução do pedido principal de declaração de abusividade da greve e imposição de responsabilidades ao sindicato respectivo, declarando, por essa razão a competência material da Justiça do Trabalho para tanto, sufragando a seguinte tese jurídica: “Em caráter incidental, sem atributo de coisa julgada, a Justiça do Trabalho pode solucionar disputa intersindical de representatividade. Evidenciada a representatividade de Sindicato excluído da relação processual pelo Tribunal Regional do Trabalho, anula-se o acórdão recorrido e determina-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que, afastada a ilegitimidade passiva ad causam, julgue o mérito a causa, como entender de direito. Recurso ordinário do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC provido.“(TST-RODC 40678/2002-900-02-00.8-Ac.SDC, 8.5.03, rel.Min.João Oreste Dalazen). 4 julgamento da referida ação. Com a redação do inciso IV, do art.114, trazida pela EC-45, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para apreciar os mandados de segurança quando o ato questionado envolver matéria sujeita a sua jurisdição. Logo, o “writ” poderá ser impetrado contra ato de outras autoridades, além do juiz do trabalho, desde que a matéria esteja sujeita à competência da Justiça Especializada. Podemos citar como exemplo, atos do Sr.Delegado Regional do Trabalho ou de Auditor Fiscal, que interfiram na vida das empresas e envolvam questões trabalhistas, hipótese em que a competência funcional será do juízo de primeiro grau, tal como ocorre na Justiça Comum. Entretanto, entendemos que permanecerá a competência funcional dos tribunais trabalhistas para os mandados de segurança contra atos emanados de juiz do trabalho de primeiro grau e membros do próprio tribunal. No que tange ao “habeas corpus” não conseguimos vislumbrar outra hipótese para sua utilização, em sede trabalhista, senão quando se tratar de ato tido como ilegal de juiz do trabalho, quando decrete a prisão de depositário infiel, em procedimento de execução, a despeito de faltar-lhe competência jurisdicional sobre matéria criminal. Vale lembrar que o “habeas corpus” não é uma ação criminal, porque visa tutelar direito constitucional de ir, vir, permanecer e ficar, ínsito a qualquer indivíduo. Também entendemos que será competência da Vara do Trabalho apreciar “habeas data” (ação que garante o direito do indivíduo obter informações pessoais, constantes de registros ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público, desde que comprove que houve recusa por parte da entidade). Como exemplo de aplicação desta ação, em sede trabalhista, podemos citar a hipótese de recusa de diretor de secretaria de Vara ou de serviço de distribuição em expedir certidão de documento que esteja sob sua guarda a interessado que foi parte em processo. “V- os conflitos de competência entre os órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art.102, I, o”; A competência para solucionar conflitos de jurisdição (entre as diversas justiças) se encontra delineada na letra “o”, inciso I, do art.102 e para resolver os conflitos de competências propriamente ditos estão definidos na letra “d”, do inciso I, do art.105, da Constituição Federal, sendo redundante a nova disposição do inciso V, do art.144. “VI- as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação do trabalho.” A jurisprudência já vinha admitindo a competência da Justiça do Trabalho para apreciar as ações envolvendo pedido de indenização por dano moral, decorrente da relação de emprego, havendo grande divergência sobre a competência para as ações cujo pedido de indenização por dano moral decorra de acidente do trabalho. 5 A EC-45 espanca as dúvidas existentes sobre a competência da Justiça do Trabalho para apreciar os pedidos de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho (não mais apenas da relação de emprego). Considerando que também neste inciso o legislador utiliza novamente a locução “relação de trabalho”, por uma questão de coerência interpretativa com o inciso I, do art.114, temos que considerar que a competência da Justiça do Trabalho não se restringe às ações para reparação de dano moral e material no âmbito restrito das relações de emprego, mas estende às diversas formas de relações de trabalho. Quanto ao pedido de indenização por dano moral decorrente do acidente do trabalho, entendemos que prevalece o entendimento já externado pelo Supremo Tribunal Federal de que a matéria permanece sob a competência da Justiça Comum, diante do disposto no art.109, par.3º, da Carta Magna. Todavia, em recente julgado da Suprema Corte, ocorrido em 30.06.05, o Plenário do STF, por unanimidade de votos, declarou que a Justiça do Trabalho é competente para julgar ações envolvendo pedido de indenização por danos morais decorrente de acidente do trabalho. A decisão foi proferida nos autos do Conflito de Competência n.7.204, suscitado pelo TST em face do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, tendo como relator o ministro Carlos Ayres Brito, que sufragou a tese jurídica de que “o inciso I, do artigo 169 da Constituição Federal não autoriza concluir que a Justiça Comum Estadual detém competência para apreciar as ações que o empregado propõe contra seu empregador, pleiteando reparação por danos morais e patrimoniais”. No referido julgado o ministro salientou que nas ações em que a União, autarquias e empresas públicas federais são partes interessadas nas causas entre o INSS e pessoas que pleiteiam o benefício previdenciário decorrente de acidente do trabalho a competência é da Justiça Comum Estadual, nos termos da Súmula 50 do STF. Na hipótese de ação acidentária onde se busca indenização por danos morais, envolvendo empregado e empregador, não havendo interesse da União, nem de autarquias (INSS) e ou de empresa pública federal, concluiu o acórdão que a competência é da Justiça do Trabalho, nos termos do art.114 da CF, com a redação dada pela Emenda Constitucional n.45. Referida decisão representa uma mudança de posição do STF em menos de quatro meses, eis que no julgamento do Recurso Extraordinário n.438639, onde figurou como relator o ministro Cezar Peluzzo, o plenário havia decidido que a competência para as referidas ações envolvendo empregado e empregador era da Justiça Comum. Sobreleva ressaltar que em decisão plenária de 02/12/2009, o Supremo Tribunal Federal aprovou Proposta de Súmula Vinculante de n.24 (PSV) que afirma a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as causas relativas às indenizações por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra o empregador, abarcando, inclusive, as demandas que ainda não possuíam sentença de mérito em primeiro grau, quando da promulgação da Emenda Constitucional n.45/2004. 6 Na mesma sessão plenária de 02/12/2009, o Supremo Tribunal Federal aprovou outra Proposta de Súmula Vinculante (PSV 29) que trata de matéria trabalhista, elevando para 24 o número de Súmulas Vinculantes editadas desde maio de 2007, cujo teor é o seguinte: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.” É certo que mesmo com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, trazida pela Emenda Constitucional 45/2004, que inseriu o inciso VI no art.114, para atribuir à Justiça do trabalho a competência para apreciar e julgar ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho, a questão do dano moral decorrente do acidente do trabalho permaneceu controvertida. Com a nova decisão do Plenário do STF, reformulando entendimento anterior, a polêmica fica superada, na medida em que a Justiça do Trabalho passa a ser competente para julgar ações de indenização por dano moral decorrente de acidente do trabalho. Apenas quando o INSS também for acionado é que a competência será da Justiça Comum. “VII- as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;” Outra inovação expressiva é a atribuição de competência à Justiça do Trabalho para as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. É certo que a atuação das autoridades fiscalizadoras da legislação do trabalho sofre o controle do Poder Judiciário que, antes da EC-45, ficava a cargo da Justiça Federal Comum. Agora, referido controle jurisdicional passa a ser feito pela Justiça do Trabalho, abrangendo todas as espécies de penalidades impostas pela fiscalização do trabalho, desde a atuação, lavratura de multas, interdição de estabelecimento e embargos de construções. Os conflitos poderão ser discutidos através de ações anulatórias de auto de infração, ações cautelares e mandados de segurança contra atos das autoridades fiscais revestidos de arbitrariedade ou ilegalidade. “VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art.195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;” O texto acima já constava do parágrafo 3º do art.114 da Constituição Federal e pensamos que a sua reprodução teve como objetivo espancar qualquer dúvida quanto à permanência da competência da Justiça do Trabalho para executar as contribuições devidas à previdência social. Não se trata de alteração significativa. “IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei;” O referido inciso têm sofrido severas críticas dos doutrinadores, 7 na medida em que leva-nos à conclusão de que estaria contradizendo o próprio “caput” do art.114 da Carta Magna, consistindo disposição inócua e desnecessária. Não pensamos assim, com a devida venia. Considerando a regra de hermenêutica jurídica de que a lei não possui expressões inúteis, entendemos que o legislador pretendeu possibilitar a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para outras matérias através de legislação infraconstitucional, além de permitir que sejam recepcionadas pela nova ordem constitucional leis atualmente em vigor que ampliaram, em passado recente, a competência da Justiça do Trabalho (Lei 8924/94 e os artigos 643, par.3º, 652, II, IV, da CLT). “art.114, par.2º – Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente; “ O dispositivo supra, trata do chamado poder normativo da Justiça do Trabalho, traduzido como a prerrogativa atribuída aos tribunais trabalhistas de solucionar o conflito coletivo de trabalho, criando normas e condições de trabalho para toda a categoria. Muito criticado nos últimos tempos, por representar interferência por vezes nefasta nos conflitos coletivos de trabalho, desestimulando a autocomposição de interesses entre as categorias econômica e profissional, o poder normativo sofreu restrição por decisão do Supremo Tribunal Federal ao sufragar a tese de que o mesmo somente pode operar no vazio legislativo (RE, n.197.911-9-PE, 1ª T, Rel.Min.Octávio Galotti). Pensamos que boa parte das críticas dirigidas ao poder normativo deve-se muito mais ao seu exercício fora dos limites traçados pelo legislador constitucional do que propriamente da sua natureza jurídica de arbitragem estatal. A EC-45 trouxe significativa alteração, restringindo o poder normativo aos dissídios de “natureza econômica”, cujo ajuizamento fica agora condicionado ao “comum acordo” entre as partes o que sem dúvida representa um contrassenso, na medida em que o dissídio coletivo decorre exatamente de uma negociação coletiva frustrada. Se as partes não tiveram condições de se compor amigavelmente, com relação ao conflito coletivo de trabalho, como poderão acordar quanto ao ajuizamento do dissídio perante a Justiça do Trabalho? Não nos parece razoável a exigência constitucional. Talvez tivesse sido melhor se o poder normativo ficasse restrito ao julgamento dos dissídios coletivos de greve em atividades essenciais, permanecendo a exigência da comprovação do esgotamento da negociação. De qualquer forma é possível que o legislador constituinte tenha tido a intenção de criar um mecanismo que desestimule a solução estatal para o conflito e ao mesmo incentive as partes a negociar à exaustão. A iniciativa pode até ser louvável em tese, mas ineficaz na prática. 8 Entendemos que a modificação não foi positiva, na medida em que o poder normativo continua latente, ao permitir que o Judiciário renove as cláusulas normativas anteriormente convencionadas (parte final do par.2º do art.114), iniciativa que desestimulará os sindicatos obreiros a celebrarem convenção coletiva. Os conflitos continuarão existindo e caberá ao Tribunal Superior do Trabalho e, em última instância, ao Supremo Tribunal Federal, definir se a exigência do comum acordo para o ajuizamento do dissídio é um pressuposto processual ou mera formalidade suprível em audiência de conciliação nos TRT e TST. A despeito de opiniões em contrário, entendemos que a menção no referido inciso apenas ao “dissídio de natureza econômica”, em que se verifica a fixação de condições de trabalho, por meio do poder normativo, não afasta a possibilidade de os tribunais trabalhistas continuarem a apreciar e julgar o dissídio de “natureza jurídica” que possui o objetivo de interpretar disposição prevista em acordo ou convenção coletiva de trabalho, não se prestando a interpretar normas de caráter genérico, conforme Orientação Jurisprudencial n.6 da SDC do TST. “art.114, par 3º - Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.” O fato de o parágrafo supra mencionar que o Ministério Público poderá ajuizar dissídio coletivo de greve em atividade essencial não afasta a legitimidade das entidades sindicais, por força do disposto no art.8º da Lei 7.783/89 (Lei de Greve). Entendemos que a nova redação do art.114 não atribui competência exclusiva ao Ministério Público do Trabalho para ajuizar dissídio coletivo de greve, valendo lembrar que há disposição semelhante no art.83, VIII, da Lei Complementar 75/83. As atividades essenciais continuam sendo definidas pelo art.10, da Lei 7.783/89, como sendo: tratamento e abastecimento de água, produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustível; assistência médica e hospitalar; distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; funerários; transporte coletivo; captação e tratamento de esgoto e lixo; telecomunicações; guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; processamento de dados ligados a serviços essenciais; controle de tráfego aéreo e compensação bancária. A despeito de o legislador constituinte ter alçado ao patamar constitucional a relevante atribuição do Ministério Público de ajuizar o dissídio coletivo de greve em atividades essenciais, divergimos do entendimento de que a Justiça do Trabalho não mais poderá apreciar e julgar os dissídios coletivos de greve de outras atividades, também relevantes, mas não consideradas legalmente como essenciais. Nesse passo, entendemos não ter havido revogação ou derrogação da Lei 7783/89 (Lei de Greve), valendo destacar que seu artigo 8º, atribui a competência à Justiça do Trabalho para decidir o dissídio de greve, decidindo sobre a sua procedência total ou parcial. 9 A vigência das disposições constitucionais relativas à nova competência da Justiça do Trabalho é imediata, em face do contido no artigo 87 do Código de Processo Civil2, haja vista que se trata de exceção ao princípio da perpetuação da competência. Assim, em havendo mudança da competência material do juízo, os processos são imediatamente remetidos ao juízo competente, independentemente da fase em que se encontram. Com o advento da Emenda Constitucional 45 a Justiça do Trabalho entrou numa nova fase, diante da expressiva ampliação da sua competência. Outrora ameaçada de extinção, assume a Justiça Especializada uma incumbência muito maior do que imaginavam seus defensores e um papel de maior destaque dentre os ramos do Poder Judiciário. Se os jurisdicionados serão beneficiados com essa nova fase da Justiça do Trabalho, somente o tempo e a jurisprudência poderão responder. Narciso Figueiroa Junior é Bacharel e Especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP. 2 Art.87 do CPC. “Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.” 10