trabalho - enanpege

Propaganda
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
GESTÃO DO TURISMO NO LITORAL NORTE DO RIO GRANDE DO
SUL: POTENCIALIDADES E DESAFIOS À GESTÃO COSTEIRA
BRASILEIRA
LAURA RUDZEWICZ1
Resumo: Este artigo trata do tema do turismo na zona costeira, propondo uma reflexão sobre as
potencialidades e desafios à gestão turística e sua interface com a gestão costeira no Litoral
Norte/RS, Brasil. Caracteriza-se pela pesquisa exploratória e qualitativa, pelo levantamento teórico,
documental e pesquisa de campo. As características físicas, ambientais, econômicas e culturais da
região demonstram potencialidades ao turismo e lazer, porém ainda muito focado na orla marítima. A
necessidade de buscar alternativas ao turismo de sol e praia, a deficiência dos instrumentos de
planejamento e gestão do turismo, a carência de uma base de informações e de atuação
compartilhada entre as instituições em caráter regional, são alguns dos desafios aos gestores. Assim,
a importância da aproximação entre as políticas públicas do turismo e da gestão costeira, para que se
possa almejar um desenvolvimento turístico compatível com a conservação dos ambientes costeiros.
Palavras-chave: turismo; planejamento; gestão; zona costeira; Rio Grande do Sul.
Abstract: This article reviews the tourism on the coast, proposing a reflection on the potential and
challenges to tourism management and its interface with the coastal management in the North Coast/
RS, Brazil. It is characterized by the exploratory and qualitative research. The physical, environmental,
economic and cultural features of the region demonstrates its potential to tourism and leisure, but still
focused on the beaches. The need to find alternatives to sun and beach tourism, the deficiency of
tools for planning and tourism management, the lack of an information base and shared actions
between the institutions are some of the challenges to managers. Thus, the importance to approach
public policy of tourism and coastal management, to persue a tourist development compatible with the
conservation of coastal environments.
Key-words: tourism; planning; management; coastal zone; Rio Grande do Sul.
1 – Introdução
O turismo é compreendido como um fenômeno complexo e espacial, uma
atividade inserida no Capitalismo, que modifica e organiza o espaço geográfico,
produz
e
consome
paisagens,
redimensiona
territórios
e
lugares
(CASTROGIOVANNI, 2004; XAVIER, 2007). É também um dos mais importantes
vetores de ocupação do litoral brasileiro, onde estão concentrados muitos dos
principais destinos turísticos, atraindo grande parcela dos fluxos e dos investimentos
desde a expansão da atividade turística no Brasil na década de 1950
(BECKER,1997). Essa valorização cultural dos espaços litorâneos como áreas de
lazer, recreação e turismo, levou à implantação de loteamentos e empreendimentos
imobiliários para fins de segunda residência, e dos complexos hoteleiros,
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), Docente do Departamento de Turismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Mestre em Turismo pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) e Bacharel em Turismo pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: [email protected]
3189
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
condomínios
e
loteamentos
em
áreas
privilegiadas
pela
beleza
cênica
(STROHAECKER, 2007). Assim, a expansão urbana para segunda residência e a
implantação de equipamentos turísticos estão entre os principais vetores do
processo de ocupação da zona costeira brasileira (BRASIL, 2005). Entre os efeitos
da expansão do turismo nessas regiões estão: pressões imobiliárias, deficiência ou
colapso da infraestrutura principalmente de saneamento, privatização de praias e
áreas de uso comum, agravamento da poluição por esgotos, ocupações irregulares,
intensificação do mergulho (BECKER, 1997). Pode-se verificar em Coriolano e Silva
(2007) a valorização turística do litoral cearense levando a população local à disputa
do espaço construído e urbanizado para o turismo.
A zona costeira2 do Rio Grande do Sul, segundo Fujimoto et al. (2006),
destaca-se pelas características geomorfológicas e presença de um mosaico de
ecossistemas raros e de grande vulnerabilidade. O turismo é uma das atividades
econômicas mais expressivas desde o final do século XIX e início do XX, a partir da
divulgação das propriedades terapêuticas dos banhos de mar (talassoterapia),
trazendo
a
instalação
dos
primeiros
estabelecimentos
de
hospedagem
(STROHAECKER, 2007) e dos aglomerados de casas de veranistas, originando os
balneários (RIO GRANDE DO SUL, 2000).
Assim inicia a valorização da orla
marítima do estado para uso turístico no verão, que tem se intensificado nas últimas
décadas. Este artigo propõe uma reflexão sobre as potencialidades e desafios da
gestão do turismo e sua interface com a gestão costeira no Litoral Norte/RS.
2 – O Litoral Norte/RS: características, potencialidades e fragilidades
Segundo Fujimoto et al. (2006), a zona costeira do Rio Grande do Sul
apresenta uma planície sedimentar recente, com ecossistemas raros e de grande
vulnerabilidade, identificada pela sequência de ambientes longitudinais, da costa até
as escarpas do Planalto Meridional. Possui uma paisagem diferenciada por suas
características geomorfológicas sob condições de clima subtropical úmido costeiro,
com destaque para as barreiras de dunas, banhados, lagoas e escarpas. Também
2
Zona costeira: espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, abrangendo uma faixa
marítima e uma terrestre, patrimônio nacional pela Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2004).
3190
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
abriga uma Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA)3, aliando áreas de mata
preservadas à beleza paisagística das lagoas e rios, e presença de reservas
indígenas guaranis e das colonizações italiana, alemã e açoriana (FEPAM, 2015).
Tomazelli e Villwock (2000) descrevem a Planície Costeira do Rio Grande do
Sul (PCRS) como a mais ampla do território brasileiro com cerca de 33.000km 2, até
100 km de largura, e uma costa de 620 km entre os municípios de Torres (ao norte)
e Chuí (ao sul), de praias arenosas baixas, praticamente retilíneas e contínuas.
Apresenta importantes registros geológicos e geomorfológicos do Cenozóico, mais
precisamente do Quaternário (TOMAZELLI; VILLWOCK, 2000).
Schäfer (2009)
destaca o caráter único da PCRS pela existência de: 1) dois corpos de água de
grande extensão (Laguna dos Patos e Lagoa Mirim), representando 38,5% da área
total ocupada por corpos de água; 2) uma sequência de lagoas menores entre as
lagunas e o mar; e, 3) diversidade e quantidade de lagoas de água doce, próximas
ao mar. Esses ambientes são considerados de alta importância para a conservação
da biodiversidade (MMA, 2000), todavia, ainda pouco conhecidos e valorizados.
Outros potenciais são os recursos minerais e o uso dos recursos hídricos para
abastecimento das populações urbanas (TOMAZELLI; VILLWOCK, 2000). Para
Fujimoto et al. (2006), as características físicas, ambientais, econômicas e culturais
da região oferecem uma diversidade de potencialidades a serem valorizadas a partir
do desenvolvimento e gerenciamento integrado.
Segundo o Programa de Gerenciamento Costeiro4 (GERCO/RS), a zona
costeira do estado é dividida em três setores: Norte, Médio e Sul (FEPAM, 2015). O
Litoral Norte é composto por 19 municípios sendo delimitado ao sul pelo município
de Balneário Pinhal, ao norte pelo rio Mampituba, a leste pelo oceano e a oeste,
estende-se até São Francisco de Paula (RIO GRANDE DO SUL, 2000).
Para Strohaecker (2007), os primeiros habitantes do Litoral Norte teriam sido
pescadores e coletores (entre 6.000 e 7.000 A.P.), índios Guarani (após 2.000 A.P.),
e a partir do século XVIII a colonização por açorianos, portugueses e africanos, e
3
RBMA: área protegida reconhecida pela Unesco, com objetivos de conservação, desenvolvimento
sustentável, participação da população, pesquisa e educação (RIO GRANDE DO SUL,2000).
4
GERCO: vinculado ao MMA, tem como objetivo planejar e gerenciar de forma integrada,
descentralizada e participativa as atividades socioeconômicas da zona costeira, garantindo qualidade
de vida à população e a proteção dos ecossistemas (RIO GRANDE DO SUL, 2000).
3191
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
posteriormente, alemães, italianos, poloneses, japoneses, entre outros. Nas
primeiras décadas do século XX, os investimentos estatais em estradas, transporte
lacustre-ferroviário e arborização nos balneários foram balizadores à ocupação e
desenvolvimento da região. A partir dos anos 1930, o crescimento demográfico e a
diversificação da economia são impulsionados pelos investimentos públicos e
imobiliários. Com a melhoria das rodovias após a década de 1970, e a construção
da Estrada do Mar (RS-389, entre Osório e Torres) na década de 1990, ampliou-se o
fluxo de veículos em direção ao Litoral Norte, bem como o setor imobiliário,
impulsionando uma (re)valorização da paisagem das lagoas, dunas e campos,
especialmente para fins de lazer, recreação e turismo (STROHAECKER, 2007).
É uma das regiões com maior crescimento populacional no estado,
apresentando sete dos dez municípios com as maiores taxas entre 2000-2010 (RIO
GRANDE DO SUL, 2015). Segundo Fujimoto et. al. (2006), os municípios são, na
sua maioria, urbanos, com população permanente ou de segunda residência, esse
último com menos de 20% dos domicílios ocupados permanentemente. A economia
é baseada nos serviços (principalmente turismo), construção civil, indústria
moveleira, artesanato e agropecuária (RIO GRANDE DO SUL, 2000).
Fujimoto et. al. (2006) apontam um perfil de médio desenvolvimento
socioeconômico (Idese) na região, devido às deficiências na infraestrutura e
ausência de diretrizes para ocupação do território (RIO GRANDE DO SUL, 2000). O
saneamento é a maior carência do ponto de vista ambiental (FUJIMOTO et. al.,
2006; STROHAECKER, 2007; PORTZ et al., 2010), principalmente quanto aos
sistemas de coleta e tratamento de esgotos domésticos e dos resíduos sólidos,
comprometendo a qualidade ambiental, gerando riscos à saúde pública e afetando a
balneabilidade das praias e das lagoas. Porém, os investimentos insuficientes em
infraestrutura, principalmente em saneamento, configuram um cenário comum em
nível nacional, conforme descrito em Brasil (2005) e Becker (1997).
Com isso, as alterações ambientais encontradas por Fujimoto et. al (2006) no
Litoral Norte, exacerbadas nos meses de verão, são: abastecimento e qualidade das
águas, ampliação da demanda por serviços de saúde, balneabilidade das praias,
esgotamento sanitário, disposição dos resíduos sólidos, conflitos de uso na faixa de
praia, ampliação no número de moradias irregulares, poluição hídrica, sonora e
3192
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
visual, desrespeito ao meio ambiente, entre outros. Portz el al. (2010) alertam para
os problemas de planejamento urbano, gerando impactos como: extração excessiva
dos recursos, contaminação industrial, degradação da qualidade da água,
lançamentos de esgotos, introdução de contaminantes e descaracterização dos
ambientes naturais em virtude da ocupação desordenada e da substituição das
dunas frontais por projetos urbanísticos, vias públicas e residências.
3 – Turismo e gestão costeira no Litoral Norte/RS
O turismo é uma das principais atividades econômicas nessa região,
caracterizado por um grande fluxo de turistas de segunda residência, provenientes
de Porto Alegre e outras cidades do estado, além de um crescente fluxo de turistas
nacionais e internacionais. Isso demarca grande concentração de turistas nos meses
de verão e feriados, gerando alta sazonalidade no setor (SETUR, 2012b). Esse
turismo de sol e praia tem contribuído ao agravamento dos processos de ocupação
e adensamento populacional, devido à uma demanda crescente por equipamentos e
serviços. Torres é o destino turístico mais expressivo, estando entre os dez
municípios que juntos concentram 39,78% dos meios de hospedagem do estado
(SETUR, 2012a). Os principais atrativos do Litoral Norte são as praias, com cerca de
200 km de orla, além da serra, rios e lagos, gastronomia, eventos, museus; porém, a
estrutura urbana dos municípios ainda carece de melhorias (SETUR, 2012a).
Portz et. al. (2014) destacam a característica frequente de balneários para fins
turísticos e de veraneio ou de moradia fixa, o que gera uma crescente demanda
urbanística e de lazer na orla marítima. Os processos erosivos atuantes na costa do
Rio Grande do Sul, somados à carência de ações e a falta de comprometimento dos
usuários, têm levado à degradação ambiental e descaracterização cênica, com isso,
há perda do valor paisagístico e do potencial turístico (PORTZ et al., 2010). Estudos
indicam que o sistema de dunas frontais (áreas de APPs) tem maior suscetibilidade
à degradação onde há implantação de calçadões, quiosques e áreas de lazer, pois
geram aumento do fluxo de pedestres e veículos e de lixo descartado
inadequadamente (PORTZ et. al., 2010; 2014).
Em algumas lagoas, Lanzer et al. (2013) identificaram elevado nível de
impacto causado pelo uso turístico e recreativo, principalmente nos meses de verão.
3193
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
Os usos indevidos e a instalação de infraestruturas em desacordo com a legislação
ambiental têm gerado danos aos ecossistemas, além da crescente especulação
imobiliária para a construção de condomínios nas proximidades dessas lagoas
(LANZER et al., 2013). Reichert e Lanzer (2015) descrevem a inexistência de
infraestrutura turística nas lagoas, o lançamento de esgoto comprometendo a
balneabilidade, além do crescente processo de privatização do entorno, limitando o
acesso dos usuários e a instalação de infraestrutura e regulação pelo poder público.
Strohaecker (2007) alerta para o potencial do turismo como um instrumento
de desenvolvimento regional no Litoral Norte, mas que não pode ser visto como o
único, nem como o principal. Segundo a autora, a região ainda tem priorizado o
legado açoriano e a vocação turística para fins de veraneio como seus produtos
regionais, no entanto, revela que a diversidade socioambiental e outros elementos
inovadores podem contribuir para a construção de uma identidade regional.
A fragilidade dos ecossistemas costeiros e a rapidez da ocupação tornam as
ações de planejamento essenciais no litoral, atentando principalmente para a
agressividade da expansão urbana (PORTZ el al., 2010). Assim, a gestão da zona
costeira do Rio Grande do Sul foi iniciada pelo Litoral Norte em função da
intensidade da ocupação e a acelerada transformação dos ambientes naturais
(FEPAM, 2015). No documento “Diretrizes Ambientais para o desenvolvimento dos
municípios do Litoral Norte” (RIO GRANDE DO SUL, 2000) as atividades de turismo,
lazer e recreação constam como potencialidades nas zonas de dunas, balneários,
campos, lagoas, nascentes, banhados e no oceano. A partir da implantação dos
instrumentos Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e Enquadramento dos
Recursos Hídricos, objetivam regular o uso dos recursos, identificar as restrições e
potencialidades dos ambientes costeiros, e buscar estratégias de desenvolvimento
socioeconômico de longo prazo que garantam a manutenção da qualidade ambiental
e a preservação dos ecossistemas (RIO GRANDE DO SUL, 2000).
Entretanto, a inexistência de um efetivo gerenciamento costeiro integrado está
contribuindo para “[...] a degradação progressiva do patrimônio natural do Estado do
Rio Grande do Sul, incluindo a paisagem cênica, que é um dos seus elementos
essenciais e do qual os municípios dependem diretamente como fonte de renda.”
(PORTZ et al., 2010, p. 164). Também são descritas carências na disseminação das
3194
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
informações para a população local, na educação para o desenvolvimento
sustentável e na participação efetiva das comunidades locais, exacerbadas pela falta
de qualificação e de ações por parte dos gestores costeiros (PORTZ et al., 2010).
Portz et al. (2014) enfatizam a necessidade de instrumentos de planejamento,
gerenciamento, fiscalização e controle ambiental, procurando atenuar os conflitos de
interesse entre os diversos atores, garantindo a continuidade das atividades.
Esses problemas não parecem ser exclusivos ao estado, pois são apontados
como vulnerabilidades na implementação das políticas públicas, em todos os níveis
de governo, relacionadas à gestão costeira (BRASIL, 2005), entre elas: a)
inexistência de políticas de ordenamento do uso e ocupação do solo e utilização dos
recursos da zona costeira; b) ausência de articulação entre as ações de
planejamento; c) predomínio de ações desarticuladas entre órgãos e instâncias do
governo envolvidos; d) incompatibilidade entre as diretrizes de desenvolvimento
adotadas nos diferentes níveis, levando à conflitos; e) carência de políticas e
programas de educação ambiental específicos à zona costeira; f) deficiências no
cumprimento das leis em vigor, normas ineficientes ou de atribuições conflitantes; g)
baixa mobilização e envolvimento da sociedade e deficiência de mecanismo de
planejamento participativo; h) inexistência de mecanismos de controle e participação
social no gerenciamento costeiro; i) pouco envolvimento e sensibilidade do setor
privado; j) reduzida participação das Universidades Federais em pesquisa e
extensão; k) conflitos de competência de atuação entre os órgãos e instituições; l)
ausência de sistemas de monitoramento ambiental; m) ausência de planos diretores
na maioria dos municípios; n) falta de pessoal e de quadros técnicos qualificados
para a gestão costeira; o) vigência de atividades econômicas que não incorporam as
populações locais e não valorizam as atividades tradicionais; p) utilização
inadequada das potencialidades costeiras, com sub ou sobreutilização dos recursos;
e q) insuficiência de infraestrutura, principalmente de saneamento.
Este documento reforça que pouco se avançou especialmente nas propostas
de zoneamento da costa brasileira, entre elas relacionada ao turismo, havendo
problemas nas interfaces de competência e articulação entre a gestão costeira, dos
recursos hídricos, uso de bens de domínio da União e a gestão do turismo. Os
Planos Municipais de Desenvolvimento do Turismo, bem como outros instrumentos
3195
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
de planejamento e gestão do setor, são considerados meios que subsidiam o
diagnóstico e execução do Programa Nacional de Gerenciamento Costeiro e do
Projeto Orla (BRASIL, 2006). Assim, a aproximação dos instrumentos de
planejamento e gestão e a formatação de uma base de informações compartilhada
entre as instituições e órgãos envolvidos com a zona costeira configuram-se ainda
como desafios a serem alcançados (BRASIL, 2005).
4 - Procedimentos metodológicos
A pesquisa tem caráter exploratório e qualitativo, baseada no levantamento
teórico, documental e na pesquisa de campo. A pesquisa teórica e documental
ocorreu por meio da busca de bibliografias e documentos, que retratam o turismo na
região, além dos temas turismo em áreas litorâneas e gestão costeira. Na pesquisa
de campo, os dados foram coletados por meio da observação, diário de campo e
registros fotográficos, realizados durante os trabalhos de campo de disciplinas do
Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFRGS (em 2014) e em participação
em projeto de pesquisa na região (desde 2011). Foram visitados oito municípios do
Litoral Norte, todos localizados junto à orla marítima, onde há predominância do tipo
de turismo sazonal, de segunda residência, voltado ao segmento sol e praia.
5 – Resultados e discussões
O Litoral Norte do Rio Grande do Sul demonstra um patrimônio de grande
valor ecológico, social, cultural, econômico e paisagístico, especialmente pela
diversidade e fragilidade dos seus ambientes. Um potencial turístico e recreativo
expressivo, fortemente relacionado ao mosaico de ecossistemas e paisagens
únicas, com destaque para o cordão de lagoas, barreiras de dunas, banhados, rios,
serras, áreas de Mata Atlântica, campos, matas de restinga. Também se verifica
uma diversidade sociocultural pela presença de diferentes etnias e comunidades
tradicionais (quilombolas, pescadores, índios guaranis). A diversificação econômica
recente e em potencial coloca em evidência sua localização estratégica (entre a
capital estadual e a divisa com Santa Catarina) e a qualidade nos acessos
rodoviários, a disponibilidade hídrica e dos ventos na região, a exemplo da recente
expansão dos parques eólicos. Portanto, concorda-se com Strohaecker (2007) de
3196
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
que sua diversidade socioambiental vai muito além das praias, as quais ainda
permanecem
como
principal
produto
regional.
Também
oferece
atrativos
históricoculturais, museus, gastronomia e eventos.
As práticas turísticas predominantes, desde a criação dos balneários,
referem-se ao turismo de sol e praia, sazonal, de segunda residência. Os usos mais
recorrentes são banho (mar, lagoas), pesca, navegação, esportes aquáticos (surfe,
kitesurfe, windsurfe, stand up paddle, caiaque, jetskys), terrestres (jipe, motocross) e
no ar (planadores, asa-delta, paraglider), trilhas, observação de aves, outros. Nas
lagoas verifica-se a realização de atividades recreativas, náuticas, esportivas e de
pesca. Além desses, outros ambientes que apresentam potencial turístico são
dunas, campos, nascentes, banhados e oceanos (RIO GRANDE DO SUL, 2000).
Os municípios dispõem de equipamentos e serviços de hospedagem e
alimentação, apesar de alguns funcionarem somente na alta temporada, e também
infraestrutura de lazer e de apoio ao turismo. Porém, variam bastante entre os
municípios, havendo melhor disponibilidade naqueles de urbanização consolidada.
O desenvolvimento de outros tipos de turismo, a diversificação e a
qualificação da oferta turística, e a distribuição do fluxo de turistas ao longo do ano
são preocupações, diante da dependência do turismo de sol e praia. A região
demonstra potencialidades para o desenvolvimento de outros segmentos como
ecoturismo, turismo náutico, de pesca, de aventura, científico, de eventos e rural.
Ainda no que tange a gestão do turismo, algumas fragilidades encontradas:
1)
falta de atuação dos órgãos públicos locais na organização e consolidação do
turismo, apesar de muitas vezes apresentarem órgão específico na estrutura
político-administrativa, porém apresentam reduzida qualificação técnica na área;
2)
inexistência de instrumentos de planejamento e gestão do turismo, em nível
local e regional, a exemplo dos Planos de Desenvolvimento do Turismo5;
3)
carência de dados e estudos sobre os usos e fluxos turísticos que revelem as
proporções e impactos do turismo na região, capacidade de suporte, etc;
5
Recentemente, em junho de 2015, foi apresentada uma iniciativa em caráter regional - um Plano de
Desenvolvimento Turístico do Litoral Norte Gaúcho (AMLINORTE, 2015), cujo documento referencial
ainda não foi disponibilizado para consulta.
3197
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
4)
carência na infraestrutura básica dos municípios, principalmente de
saneamento, afetando a qualidade ambiental e a perda da atratividade turística;
5)
necessidade de consolidar a atratividade turística, qualificando o uso dos
espaços turísticos, respeitando as fragilidades dos ambientes costeiros e
diversificando a oferta de serviços e equipamentos turísticos e de lazer;
6)
necessidade de maior articulação regional para efetivar estratégias de
enfrentamento às problemáticas do turismo de sol e praia, buscando alternativas de
desenvolvimento turístico que valorizem os potenciais do Litoral Norte, integrando
conservação ambiental e benefícios socioeconômicos;
7)
pouca valorização do potencial turístico relacionado as lagoas, dunas e outros
ambientes costeiros, onde predominam usos turísticos sem ordenamento e
regulação, conforme Portz et al. (2010, 2014) e Lanzer et al. (2013).
Essas são algumas das características, potencialidades e fragilidades
referentes ao turismo e ao lazer no Litoral Norte, as quais precisam ser consideradas
na gestão costeira, em caráter local e regional, tendo em vista a crescente expansão
do turismo nessas localidades e a forte participação do setor na urbanização e na
degradação dos elementos naturais e socioculturais. No entanto, verificou-se um
cenário de carência tanto no planejamento e gestão turística, quanto costeiro nessa
região do estado. Com isso, o desafio de uma efetiva gestão do turismo no Litoral
Norte merece atenção, para que não seja mais visto apenas como o “vilão” do
desenvolvimento regional, como muitos gestores e pesquisadores tem considerado.
O turismo é atividade preponderante em toda a costa brasileira, mantendo suas
especificidades locais e regionais, por isso precisa constar prioritariamente nas
ações, programas e políticas voltadas à gestão costeira, possibilitando o
conhecimento de suas possibilidades e a tomada de decisão mais assertiva para
seu desenvolvimento no ambiente específico da zona costeira.
6– Considerações provisórias
O turismo desenvolvido atualmente no Litoral Norte do Rio Grande do Sul tem
contribuído à expansão da urbanização e à degradação ambiental da zona costeira,
e isso tem se refletido na perda da qualidade estética das paisagens e das
características físicas, ambientais, econômicas e culturais. Essa situação vai de
encontro à dependência regional do turismo de sol e praia, pois tem gerado à
3198
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
descaracterização de sua própria atratividade, ainda muito focada na orla marítima,
mas que dispõe de uma ampla diversidade de potencialidades. Com isso, não se
pretende esgotar o debate sobre as potencialidades e desafios no que tange ao
turismo no Litoral Norte, mas incentivar à reflexão profunda e contínua sobre a
importância do planejamento e da gestão turística e sua interface com a gestão
costeira brasileira. Será possível encontrar uma forma de desenvolvimento turístico
que valorize as potencialidades regionais, contribuindo ao desenvolvimento
socioeconômico e a conservação das características ecológicas e socioculturais
desses ambientes costeiros? Portanto, torna-se imperativo a conjugação de esforços
em todos os níveis de governo pela efetiva implementação das políticas públicas
relacionadas à gestão costeira e à gestão do turismo, de forma integrada, para que
se possa almejar um desenvolvimento turístico compatível com a conservação dos
ambientes e das culturas presentes na costa brasileira.
7 – Referências
AMLINORTE, Associação dos Municípios do Litoral Norte. Notícias em destaque:
Apresentação do Plano de Desenvolvimento Turístico do Litoral Norte do RS.
http://www.amlinorte.org.br/, acesso em 16 jun. 2015.
BECKER, B. K. Levantamento e avaliação da Política Federal de Turismo e seu
impacto na região costeira. Brasília: MMA, 1997.
BRASIL. Plano de Ação Federal da Zona Costeira do Brasil. Brasília: CIRM; GI –
GERCO, 2005, 23 p.
BRASIL. Projeto orla: manual de gestão. Brasília: MMA, MPOG, 2006, 88 p.
CASTROGIOVANNI, A. C. A Geografia do Espaço Turístico, como construção
complexa da Comunicação. 2004. 334p. Tese (Doutorado em Comunicação
Social) - Faculdade de Comunicação Social, PUCRS, Porto Alegre, 2004.
CORIOLANO, L. N. M. T.; SILVA, S. B. de M. e. Turismo: prática social de
apropriação e dominação de territórios. In: _____.; VASCONCELOS, F. P. O
Turismo e a relação sociedade-natureza: realidades, conflitos e resistências.
Fortaleza: EdUECE, 2007, p.44-56.
FUJIMOTO, N. S. V. M.; STROHAECKER, T. M.; GRUBER, N. L. S.; KUNST, A. V.;
FERREIRA, A. H. Litoral norte do estado do Rio Grande do Sul: indicadores
socioeconômicos e principais problemas ambientais. Desenvolvimento e Meio
Ambiente, n. 13, p. 99-124, jan/jun. 2006.
FEPAM, FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL HENRIQUE LUIZ
ROESSLER.
Programas
e
Projetos:
GERCO/RS.
http://www.fepam.rs.gov.br/programas/programa_gerco.asp,acesso em 01 mai.2015.
LANZER, R. M.; RAMOS, B. V. de C.; MARCHETT, C. A. Impactos ambientais do
turismo em lagoas costeiras do Rio Grande do Sul. Caderno Virtual de Turismo, v.
13, n. 1, p.134-149, abr. 2013.
3199
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
MMA, MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Avaliação e ações prioritárias para a
conservação da biodiversidade da biodiversidade da Mata Atlântica e Campos
Sulinos. Brasília: MMA/SBF, 2000.
PORTZ, L.; ROCKETT, G. C.; FRANCHINI, R. A. L.; MANZOLLI, R. P.; GRUBER, N.
L.S. Gestão de dunas costeiras: o uso de sistema de informações geográficas (SIG)
na implantação de planos de gestão no litoral do Rio Grande do Sul, Brasil. Revista
de Gestão Costeira Integrada, 14 (3), p. 517-534, abril 2014.
PORTZ, L. C.; MANZOLLI, R. P.; GRUBER, N. L. S.; CORREA, I. C. S. Turismo e
degradação na orla do Rio Grande do Sul: conflitos e gerenciamento.
Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 22, p. 153-166, jul/dez. 2010.
REICHERT, L.; LANZER, R. M. O desenvolvimento turístico sustentável em lagoas
costeiras do município de Osório, Rio Grande do Sul/ Brasil: características e
especificidades destes recursos naturais. Revista Turydes: Turismo y Desarrollo,
vol. 8, n. 18, p. 1 -2, jun-jul. 2015.
RIO GRANDE DO SUL. Atlas Socioeconômico do Estado do Rio Grande do Sul.
http://www1.seplag.rs.gov.br/atlas/default.asp, acesso em 21 jun. 2015.
RIO GRANDE DO SUL. Diretrizes ambientais para o desenvolvimento dos
municípios do litoral norte. v. 1. Porto Alegre: Fepam/ Programa de
Gerenciamento Costeiro, 2000.
SCHÄFER, A. E. A planície costeira do Rio Grande do Sul: um sistema ecológico
costeiro único no mundo. In: SCHÄFER, A. E.; LANZER, R. M.; PEREIRA, R. (Org.)
Atlas socioambiental: municípios de Mostardas, Tavares, São José do Norte e
Santa Vitória do Palmar. Caxias do Sul: EDUCS, 2009, p. 46-55.
SETUR, SECRETARIA DE ESTADO DO TURISMO DO RIO GRANDE DO SUL.
Plano de Desenvolvimento do Turismo do Rio Grande do Sul: 2012-2015. Rio de
Janeiro: FGV Projetos, 2012a, 86 p.
___________. Plano de Marketing do Turismo do Rio Grande do Sul: 2012-2015.
Rio de Janeiro: FGV Projetos, 2012b, 105 p.
STROHAECKER, T. M. A urbanização no Litoral Norte do Estado do Rio Grande
do Sul: contribuição para a gestão urbana ambiental do município de Capão da
Canoa. 2007. 398 p. Tese (Doutorado em Geociências) - Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.
TOMAZELLI, L. J.; VILLWOCK, J. A. O Cenozóico Costeiro do Rio Grande do Sul.
In: HOLZ, M ; DE ROS, L. F. (Eds.) Geologia do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Edição CECO/UFRGS, p. 375-406, 2000.
XAVIER, H. A percepção geográfica do turismo. São Paulo: Aleph, 2007.
3200
Download