SIM_MONICA ABREU GONZALEZ MARQUES_122_68721

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MÔNICA ABREU GONZALEZ MARQUES
IMPLANTAÇÃO DE AGENDA INTEGRADA EM UMA USF DE
CAMPO GRANDE (MS) – RELATO DE EXPERIÊNCIA
Campo Grande– MS
2011
2
MÔNICA ABREU GONZALEZ MARQUES
IMPLANTAÇÃO DE AGENDA INTEGRADA EM UMA USF DE
CAMPO GRANDE (MS) – RELATO DE EXPERIÊNCIA
Relato de experiência apresentado à
Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, como requisito para conclusão do curso
de Pós Graduação em nível de
especialização em Atenção Básica em
Saúde da Família.
Orientadora: Prof. Ms. Luiza Helena de
Oliveira Cazola Silva.
Campo Grande– MS
2011
3
RESUMO
A organização dos serviços de saúde no Brasil sofreu diversas mudanças ao
longo das últimas décadas, com a institucionalização do Sistema Único de Saúde
(SUS) em 1988, e com a adoção do Programa Saúde da Família (PSF), em 1994. O
PSF se constituiu como uma estratégia para a reorganização da Atenção Básica,
buscando a vigilância à saúde por meio de um conjunto de ações individuais e
coletivas voltadas para a promoção, prevenção e tratamento dos agravos à
saúde, estruturando-se por intermédio da Unidade Saúde da Família (USF), na qual
atua uma equipe multiprofissional responsável por uma determinada
população. Entretanto, são muitos os entraves para a concretização desses
princípios, pois muitas equipes mantêm suas ações fragmentadas e desarticuladas,
direcionadas apenas ao atendimento individual e ao tratamento de doenças. Além
disso, as diretrizes da Estratégia Saúde da Família (ESF) apresentam o que deve
ser feito nas USFs, sem no entanto, relatar como deve ser o processo de trabalho,
havendo uma lacuna à respeito dos modos de organização da demanda de
atendimento. Assim, este trabalho teve como objetivo relatar uma proposta de
organização do processo de trabalho, a partir da integração das ações dos
diferentes profissionais de uma equipe de saúde da família, na USF Aquino Dias
Bezerra, no município de Campo Grande, MS, através da implantação de uma
agenda de trabalho na qual são determinadas as atividades programadas e
reservada a atenção à demanda espontânea. Diante da inauguração da unidade, foi
implantada uma agenda de trabalho que definiu o enfoque de todos os profissionais
da equipe, isto é, o grupo populacional cujo atendimento seria priorizado, em cada
dia da semana. A demanda foi organizada através da divisão entre demanda
programada, para a qual foram destinadas de 50% a 60% das vagas, e demanda
espontânea, que correspondeu aos outros 40% a 50%. A demanda programada foi
composta por pacientes pertencentes ao grupos prioritários, como gestantes,
hipertensos e diabéticos, que tiveram seu agendamento realizado previamente pelos
profissionais da unidade. A demanda espontânea consistiu na população que
procurou a unidade livremente para o agendamento de consulta, que foi realizado
através da distribuição de senhas. Os pacientes da demanda programada foram
agendados através dos cartões dos programas, como o cartão da gestante, e os
profissionais utilizaram esses cartões como documento de registro e
acompanhamento da história médica e odontológica desses pacientes. Para a
equipe, a utilização dessa agenda consistiu em mais um passo em direção ao
trabalho interdisciplinar e um avanço comparado à lógica de atendimento por ordem
de chegada, ampliando o acesso através de outros critérios. A agenda também
possibilitou uma maior aproximação com os pacientes e com os próprios membros
da equipe.
Palavres-chave: Equipe multiprofissional. Acesso. Saúde da Família.
4
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................
5
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...................................................................... 8
2.1 HISTÓRICO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA .................................
8
2.2 PLANEJAMENTO DO PROCESSO DE TRABALHO ..................................
11
2.3 COMPOSIÇÃO DA AGENDA ......................................................................
13
3 OBJETIVO GERAL ………………....………………….......……………………..
17
4 RELATO DE EXPERIÊNCIA ..........................................................................
18
4.1 A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM CAMPO GRANDE .................... 18
4.2 USF AQUINO DIAS BEZERRA – VIDA NOVA ............................................
19
4.3 IMPLANTAÇÃO DA AGENDA DE TRABALHO ...........................................
21
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ………………………………………………………
26
REFERÊNCIAS .................................................................................................. 27
ANEXOS ............................................................................................................
29
5
1 INTRODUÇÃO
A organização dos serviços de saúde no Brasil sofreu diversas mudanças ao
longo das últimas décadas, com a institucionalização do Sistema Único de Saúde
(SUS) em 1988, que estabeleceu como princípios básicos universalidade,
descentralização, integralidade e participação da comunidade na configuração de
um novo modelo gerencial (SILVA; ATHAYDE, 2008).
Ao longo dos anos, observaram-se diversas experimentações numa tentativa
de concretização destes princípios no cotidiano da atenção à saúde. Na década de
1990, o Brasil passava por uma série de problemas decorrentes de mudanças
econômicas, demográficas e epidemiológicas, determinando um quadro conhecido
como “crise da saúde”. Reconhecia-se que o modelo de assistência até então
hegemônico – hospitalocêntrico, individualista, com utilização irracional dos recursos
tecnológicos disponíveis e baixa resolubilidade – oferecia obstáculos para a
concretização dos princípios do SUS, conduzindo à sua reforma incremental, ou
seja, a “um conjunto de modificações no desenho e operação da política” (VIANA;
DAL POZ, 1998).
Assim, a partir de 1994, o Ministério da Saúde (MS) adotou o Programa
Saúde da Família (PSF), com o objetivo de reorientar o modelo assistencial vigente,
revertendo a forma da prestação de assistência à saúde. Esse programa se
constituiu como uma estratégia para a reorganização da Atenção Básica, buscando
a vigilância à saúde por meio de um conjunto de ações individuais e coletivas,
situadas no primeiro nível de atenção e voltadas para a promoção, prevenção e
tratamento dos agravos à saúde (ARAÚJO; DIMENSTEIN, 2006).
Esse programa foi então apresentado como estratégia para reverter o modelo
de assistência, prevendo novas práticas de saúde, integrando de forma permanente
ações clínicas e ações coletivas. Ele estrutura-se por intermédio da Unidade Saúde
da Família (USF), na qual atua com uma equipe multiprofissional responsável por
uma determinada população a ela vinculada, orientado por seis diretrizes básicas:
substituição das práticas tradicionais por um novo processo de trabalho,
compromisso com a integralidade e a intersetorialidade, territorialização; atuação em
equipes multiprofissionais, responsabilização e vínculo das equipes com a
6
população adscrita, e estímulo à participação popular e ao controle social (BRASIL,
2003).
Entretanto, são muitos os entraves para a concretização desses princípios.
Muitas equipes são constituídas por profissionais que atuam em uma mesma
unidade, mas mantêm suas ações fragmentadas e desarticuladas, direcionadas
apenas ao atendimento individual e ao tratamento de doenças. Em contrapartida, há
equipes que privilegiam somente as ações preventivas e educativas, não reservando
a devida atenção à demanda espontânea e assim, negando acesso aos usuários
não pertencentes aos grupos prioritários.
De acordo com pesquisa realizada por Souza et al. (2008), em três capitais
do Nordeste, ainda que pese uma incorporação inicial de atenção integral, prevalece
nas unidades o trabalho em saúde com moldes tradicionais, centrados na consulta
médica, por meio da distribuição de fichas para livre demanda.
Por outro lado, na equipe estudada por Schimith e Lima (2004), em Rio
Grande do Sul, a enfermeira desenvolvia atividades de prevenção e promoção de
saúde em detrimento das ações clínicas, justificada pela dificuldade em garantir a
assistência.
O enfrentamento da complexidade dos problemas de saúde da população
requer que as várias categorias profissionais trabalhem em conjunto, a partir da
integração dos campos de conhecimento acumulados nas diversas profissões e
também do saber da comunidade, que é reconhecido como importante fonte de
conhecimento (LEITE; VELOSO, 2008).
Na literatura, observam-se as diretrizes da Estratégia Saúde da Família (ESF)
e suas propostas sobre o que deve ser feito nas Unidades Saúde da Família.
Entretanto, embora haja uma preocupação crescente com os aspectos qualitativos
da realidade vivenciada nas unidades que compõem essa estratégia, pouco tem sido
relatado sobre como deve ser o processo de trabalho para que as metas sejam
atingidas, havendo uma lacuna a respeito dos modos de organização da demanda
de atendimento.
Assim, com o objetivo de promover os princípios do SUS e da ESF,
proporcionando a reorganização do processo de trabalho de forma a reestruturar os
serviços de saúde, as ações dos profissionais da equipe de saúde da família devem
ser planejadas e pactuadas de forma integrada.
7
Este trabalho tem como objetivo relatar uma proposta de organização do
processo de trabalho, a partir da integração das ações dos diferentes profissionais
de uma equipe de saúde da família, através da implantação de uma agenda de
trabalho, na qual é prevista a atenção à demanda espontânea e às atividades
programadas, na USF Aquino Dias Bezerra, do município de Campo Grande, MS.
8
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 HISTÓRICO DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA
A reforma do modelo de assistência pública à saúde ocorreu com a
constitucionalização do SUS, em 1988. Esse novo modelo definiu como princípios
para as ações de saúde a universalidade, a integralidade e a descentralização,
através da reorganização dos serviços sob a lógica da regionalização e da
hierarquização, com definição de porta de entrada. As ações preventivas e curativas
passaram a ser de responsabilidade dos gestores públicos (VIANA; DAL POZ,
1998).
O SUS, no entanto, enfrentou diversos entraves para sua operacionalização,
entre os quais se destacou a resistência do antigo modelo – centrado na doença e
em ações curativas individuais – à mudança mais substantiva das práticas
assistenciais (VIANA; DAL POZ, 1998).
Em 1991, o Ministério da Saúde formulou o Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS) como medida de enfrentamento dos graves índices
de morbimortalidade materna e infantil na Região Nordeste do país. Esse programa
instituiu alguns elementos centrais, como o enfoque na família, e não somente no
indivíduo, e a noção de área de cobertura. Além disso, ele introduziu uma visão ativa
da intervenção em saúde, agindo preventivamente sobre a demanda, constituindo-se
em um instrumento de reorganização da mesma. A experiência possibilitou a adoção
de uma prática não reducionista, não centrada apenas na intervenção médica, e com
maior integração com a comunidade (VIANA; DAL POZ, 1998).
A missão do PACS era reduzir a mortalidade infantil e materna, mediante
oferta às populações rurais e de periferia, de procedimentos simplificados de saúde
na lógica da medicina preventiva. O objetivo era desenvolver a capacidade da
população para cuidar de sua própria saúde, transmitindo informações sobre
práticas preventivas, por meio de agentes comunitários de saúde (GOMES;
PINHEIRO, 2005).
O PACS pode ser então considerado como precursor do Programa Saúde da
Família (PSF), instituído em 1994 pelo Ministério da Saúde. O PSF foi implantado
9
como estratégia capaz de provocar mudanças no modelo assistencial ao romper
com o comportamento passivo das unidades básicas de saúde, estendendo suas
ações para junto à comunidade (BRASIL, 2003).
O PSF foi então entendido como uma proposta estruturante do sistema de
atenção à saúde, com objetivo de colaborar decisivamente na organização do
Sistema Único de Saúde e na municipalização, implementando os princípios
fundamentais de universalização, descentralização, integralidade e participação
comunitária. Esse programa tinha como prioridade as ações de proteção e promoção
à saúde dos indivíduos e da família, tanto de adultos quanto de crianças, sadios ou
doentes, de forma integral e contínua (GOMES; PINHEIRO, 2005).
A partir desses princípios, o PSF passou a se constituir como Estratégia
Saúde da Família, passando a ter caráter substitutivo na reestruturação dos serviços
de saúde ao deixar de ser encarado em paralelo, como outros programas (SILVA;
ATHAYDE, 2008).
Entretanto, desde a aprovação da Constituição de 1988, dois grandes eixos
se
apresentaram
como
questões
complexas:
a
descentralização
político-
administrativa e a organização da atenção à saúde (BRASIL, 2003).
Na prática, a organização do processo de trabalho da equipe, a relação com
os usuários nessa construção, e principalmente, o desafio de trabalhar com
equilíbrio entre autonomia e responsabilidade, não estavam sendo pautados no
processo de implantação da ESF, seja pelos gestores, seja pelos trabalhadores
(SCHIMITH; LIMA, 2004).
Além disso, nas normas que orientam os serviços da ESF são verificadas
indicações de como deve ser este novo modelo de assistência à saúde, com a
inclusão de alguns instrumentos que englobam as informações que devem ser
priorizadas, mas apresentando uma lacuna do como fazer, como operacionalizá-lo
(SILVA; ATHAYDE, 2008).
Dentre as diretrizes do PSF, está a atuação em equipes multiprofissionais,
cujo objetivo seria possibilitar o conhecimento mais amplo nas intervenções de
saúde, com a finalidade de superar a fragmentação gerada pelo excesso de
especialização, conferindo maior eficiência aos serviços de saúde. São descritas as
atribuições gerais da equipe e também especificadas as atribuições de cada um de
seus componentes. Contudo, não são encontradas orientações acerca de como se
10
processaria a articulação das diferentes atribuições de cada profissional da equipe a
fim de atingir seus objetivos (SILVA; ATHAYDE, 2008).
A interdisciplinaridade no campo da saúde pública é de fundamental
importância diante de problemas complexos que a saúde impõe. Entretanto, sua
prática é limitada devido à tradição positivista e biocêntrica, aos espaços de poder
cristalizados pela rigidez disciplinar, à falta de comunicação entre as instituições de
ensino e pesquisa e às dificuldades inerentes à interdisciplinaridade, como a
operacionalização de conceitos, métodos e práticas entre as disciplinas. Os entraves
são resultado de um modelo de atenção que privilegia somente a doença e a
especialização (LEITE; VELOSO, 2008).
O modelo multiprofissional tradicional constitui um grande desafio a ser
superado, pois focaliza o indivíduo e sua compartimentalização. As várias categorias
profissionais trabalham paralelamente, de forma isolada, havendo pouca ou até
mesmo nenhuma discussão entre as mesmas, o que gera uma atenção
fragmentada. Somente a presença de profissionais de várias áreas não é suficiente
para caracterizar a interdisciplinaridade, embora o modelo multiprofissional seja um
avanço na busca de integração das disciplinas científicas ao permitir um diálogo
compreensível entre as profissões (LEITE; VELOSO, 2008).
A comunicação deve existir, de modo que cada visão disciplinar possa
contribuir para o compartilhamento com outras disciplinas, ao contrário do simples
encaminhamento e/ou repasse de problemas de um profissional para outro. Nessa
perspectiva, o trabalho coletivo não é realizado pelo profissional da saúde, mas sim,
pelo usuário, que peregrina de sala em sala, ou até mesmo de serviço em serviço.
Dessa forma, o usuário é responsabilizado pela integração do trabalho em saúde, na
medida em que é obrigado a procurar várias especialidades (LEITE; VELOSO,
2008).
O processo de trabalho não é mera execução de normas e prescrições e os
modelos assistenciais se desenham, se expressam e se conformam nos
microespaços e no cotidiano dos serviços, em uma conjuntura socioeconômica,
cultural e histórica (REIS et al., 2007).
A prática por sua vez, ainda se opõe àquela proposta por esse novo modelo.
O usuário, na maioria das vezes, ainda acredita resolver seus problemas apenas
com a consulta médica (SILVA; ATHAYDE, 2008), que é realizada por meio do modo
tradicional, isto é, alguém chega com uma queixa (motivo do atendimento baseado
11
na doença) e recebe a prescrição de uma conduta ou medicamento. Nela procura-se
desenvolver o caráter educativo (REIS et al., 2007).
Esse enfoque de educação se faz na perspectiva da prescrição de conduta,
sendo que o usuário sai da unidade com uma prescrição de mudança de hábito a ser
implementada em seu cotidiano, sem levar em conta seus valores e modo de viver.
Há ainda pouca discussão entre a equipe sobre o planejamento terapêutico dos
usuários. Por sua vez, os usuários sobrevalorizam as consultas médicas, sendo
perceptível sua busca por medicamentos e exames, de forma que, para muitos, a
solicitação de vários exames é sinônimo de boa conduta médica (REIS et al., 2007).
A proposta da ESF de não se centralizar em um único profissional de saúde,
o médico, visa enfatizar a idéia de equipe interdisciplinar, com o objetivo de cumprir
o princípio da integralidade na saúde, concebendo cada indivíduo como uma
totalidade, tanto na promoção como na prevenção, cura e reabilitação da saúde,
valorizando a “soma de olhares” de diferentes profissionais. O trabalho em equipe
tem ocupado uma posição de destaque como um importante recurso de trabalho e
se apresenta de modo complexo no interior de uma prática que, historicamente, é
constituída com base na concentração de poderes e na fragmentação do
conhecimento (LEITE; VELOSO, 2008).
2.2 PLANEJAMENTO DO PROCESSO DE TRABALHO
A mudança do modelo de assistência à saúde está muito mais fundamentada
em novos processos de trabalho e de relações de saber, do que em novas
estruturas técnicas ou categorias profissionais (REIS et al., 2007).
O profissional de saúde se vê frequentemente diante de muitos desafios,
sentindo-se inseguro para exercer suas atividades devido à sua formação voltada
para as questões biológicas, ações curativas e técnicas, com pouca ênfase nos
fatores socioeconômicos e psicológicos do processo saúde-doença (ARAÚJO;
DIMENSTEIN, 2006).
Essa formação baseada no paradigma Flexneriano privilegia a abordagem
individual, curativa e centrada nos hospitais e constitui um desafio para os referidos
profissionais, uma vez que se encontram organizados em equipe. Em geral, esses
12
profissionais apresentam dificuldades em transcender o espaço do consultório
médico e em propor diagnósticos e intervenções em nível coletivo, em uma
abordagem holística. Assim, a proposta de um trabalho interdisciplinar está presente
mais na filosofia da ESF que no fazer cotidiano das equipes. O grande desafio que
se apresenta é romper com esse paradigma tradicionalmente calcado no
corporativismo, na estrutura verticalizada de poder e na fragmentação do
conhecimento (LEITE; VELOSO, 2008).
A maior dificuldade consiste em horizontalizar as relações de poder entre os
diferentes profissionais, pois essas relações estão intimamente imbricadas com o
saber. A interdisciplinaridade, ao significar reciprocidade e mutualidade, exige
relações sociais horizontais, em oposição ao modelo assistencial de saúde
tradicional. O que a caracteriza, é a busca do diálogo com os outros saberes em
tantas
circunstâncias
quanto
os
temas
trabalhados
permitirem.
A
ação
interdisciplinar se materializa numa busca coletiva por caminhos comuns aos
saberes envolvidos, tomando como ponto de partida o seu campo de especialização
(LEITE; VELOSO, 2008).
Além disso, uma das principais responsabilidades da equipe de saúde é o
conhecimento da realidade local de sua área de abrangência, incluindo seus
aspectos socioeconômicos, culturais, geográficos e epidemiológicos. Baseada
nessas informações é que deve ser realizada a programação de atividades e a
reestruturação do processo de trabalho, de acordo com a população cadastrada. A
partir desse planejamento, poderá ser feito o acompanhamento das situações de
exposição a
agravos,
das condições de
vida, das ações programáticas
desenvolvidas e da situação de saúde das famílias e da comunidade, melhorando a
capacidade de identificação das desigualdades entre os grupos para melhor planejar
as ações de saúde (SILVA; ATHAYDE, 2008).
Dessa forma, o atendimento em uma USF diferencia-se de uma unidade de
pronto-socorro ou pronto-atendimento por trabalhar em equipe, ter conhecimento
prévio da população e registros em prontuário, e possibilitar o retorno com a mesma
equipe de saúde, estabelecendo vínculo e caracterizando não somente um
atendimento pontual, mas a continuidade do cuidado (BRASIL, 2010).
13
2.3 COMPOSIÇÃO DA AGENDA
O PSF foi implantado com o objetivo de reorientar o modelo assistencial,
descentralizar a gestão da saúde e efetivar o SUS. Entretanto, pode-se afirmar que
essa estratégia vem mantendo a forma excludente de atendimento, no qual a
prioridade é de quem chega primeiro (SCHIMITH; LIMA, 2004).
O modelo de pronto-atendimento ainda é vigente nos serviços de Atenção
Primária à Saúde no Brasil, baseado na queixa-conduta e não na atenção integral ao
indivíduo. Diversas unidades trabalham nos moldes tradicionais de organização,
centrados na consulta médica e na distribuição de senhas, de forma que muitos
usuários ainda buscam a unidade sem ter seu problema resolvido (RAMOS; LIMA,
2003).
O sistema de marcação de consultas predominante é baseado na demanda
espontânea e com enfoque na doença (SANTOS; ASSIS, 2006).
As práticas resultam em restrição do acesso da população, com filas para o
atendimento, distribuição de senhas e consulta por ordem de chegada, sem
avaliação de risco e de prioridades. Muitas vezes, os serviços são organizados a
partir da oferta limitada de ações de saúde, sem levar em conta as reais
necessidades da demanda, comprometendo sua resolutividade (BRASIL, 2010).
O agendamento prévio de consultas é um instrumento que humaniza a
assistência, facilita o acesso efetivamente e permite priorizar casos de risco ou
grupos específicos que devem ser atendidos por determinados programas,
permitindo alterar o modelo exclusivo do pronto-atendimento (RAMOS; LIMA, 2003).
Em uma USF do sul do país, cuja experiência foi descrita como bem
sucedida, Silva e Athayde (2008) relataram que o agendamento de consulta não
consistia em um processo mecânico de relacionar os pedidos com a disponibilidade
de vagas e horários. A marcação de consultas era feita de acordo com a queixa e os
dados registrados do paciente, que era então direcionado à pré-consulta. A
realização desses procedimentos no momento do agendamento foi orientada
segundo valores e normas de atendimento construídas e acordadas entre os
profissionais da unidade, constituindo-se como uma ponte entre o modelo centrado
no atendimento à doença, com enfoque na consulta médica, e a ESF, modelo que
visa primeiro à orientação dos cuidados à saúde.
14
A forma de organização da demanda poderá ser diferente de uma unidade
para outra, mas é necessário que em todas as situações sejam avaliados os riscos e
a queixa do usuário, descartando a possibilidade de uma situação de urgência ou
emergência deixar de ser atendida ou ser encaminhada desnecessariamente a um
serviço de referência (BRASIL, 2010).
A busca pela reorganização dos serviços tem como finalidade garantir acesso
universal, resolubilidade e atendimento humanizado, isto é, inverter a lógica do
atendimento de quem chega primeiro para quem precisa mais. Nesse sentido, todos
têm de ser ouvidos e ter seus problemas de saúde atendidos. Até mesmo a
dificuldade de acesso à consulta clínica por falta de profissionais médicos, pode ser
suprida através de maior disponibilização de consultas, com o aproveitamento de
outros profissionais da unidade, entre eles o enfermeiro (RAMOS; LIMA, 2003).
A integralidade, como modo de organizar as práticas, exige uma certa
“horizontalização”
dos
programas
anteriormente
verticais,
desenhados
pelo
Ministério da Saúde, superando a fragmentação das atividades no interior das
unidades de saúde. A necessidade de articulação entre uma demanda programada e
uma demanda espontânea aproveita as oportunidades geradas por esta para a
aplicação de protocolos de diagnóstico e identificação de situações de risco para a
saúde, assim como o desenvolvimento em conjunto de atividades coletivas junto à
comunidade (GOMES; PINHEIRO, 2005).
O trabalho das equipes depende de profissionais de formações diferenciadas
(médicos, enfermeiros e outros) e da interação interdisciplinar entre essas diversas
ações, de forma que a organização do trabalho de uma equipe de saúde da família
deve passar por uma elaboração conjunta da agenda de seus profissionais, ou seja,
a equipe precisa combinar suas atividades: o que fazer, como fazer e com que
freqüência fazer (CAMPOS; GUERRERO, 2008).
É importante, assim, que a responsabilidade sanitária seja compartilhada por
todos os profissionais da unidade, garantindo a integração da equipe no processo de
trabalho, para um ganho potencial das intervenções das diferentes categorias
profissionais (BRASIL, 2010).
Há também a dificuldade de conciliar as ações programadas com a demanda
espontânea ou pronto-atendimento. Confrontar as ações programáticas com a
atenção às urgências, ou a atenção individual com a saúde coletiva, ou contrapor o
planejamento à improvisação, são um falso dilema. Tudo o que é realizado em um
15
campo afeta o outro. Dar atenção aos pacientes em ações programadas e não
atendê-los em um sofrimento agudo reduz o vínculo do usuário com a equipe de
saúde, pois se a equipe não pode apoiar o usuário na situação de maior
necessidade, a confiança deste em relação à equipe fica reduzida. É primordial
conciliar todas essas atividades em uma boa agenda de trabalho (CAMPOS;
GUERRERO, 2008).
Para organizar a demanda é necessário prever espaço e tempo tanto para a
demanda programada, quanto para a demanda espontânea, de forma que elas se
complementem. Caso contrário, as unidades de saúde correm o risco de se
tornarem instituições burocratizadas, de portas fechadas ou apenas entreabertas.
Além disso, é essencial ampla discussão envolvendo todos os trabalhadores da
unidade e a participação da comunidade no processo de decisão (BRASIL, 2010).
Na proposta da agenda de trabalho devem ser levadas em consideração: as
características da população adscrita, a capacidade da equipe de realizar ações de
saúde e as ações de saúde propostas pela equipe ou pelo serviço de saúde para
serem implementadas junto à população adscrita (CAMPOS; GUERRERO, 2008).
Com o tempo, a equipe aumenta a capacidade de intervenção, aumenta o
vínculo com a população adscrita, e as demandas dessa população podem mudar,
exigindo outras intervenções ou a programação de atividades que possam
contemplar de forma mais adequada as necessidades daquela população (BRASIL,
2010).
Quanto maior a população sob responsabilidade da equipe, maior a
necessidade de procedimentos individuais e coletivos que a equipe tem de realizar.
Por outro lado, equipes ampliadas têm mais profissionais, o que permite uma divisão
diferente do trabalho. Igualmente importante é a distribuição da população por sexo
e faixa etária: quantas crianças menores de um ano, quantos adolescentes, quantas
mulheres em idade fértil e quantos idosos. Também é relevante a potencialidade de
dependência do SUS na população. A definição de objetivos e dos meios de
intervenção da equipe define de maneira importante a formulação de sua agenda
(CAMPOS; GUERRERO, 2008).
Além do acordo entre todos os profissionais da unidade, é importante
assegurar e pactuar de forma consciente com os usuários que a forma de
organização visa facilitar a identificação de prioridades e dar resposta a todos que
16
procuram a unidade, e não transformar o serviço em uma unidade de prontoatendimento, em que tudo será traduzido como prioridade (BRASIL, 2010).
17
3 OBJETIVO GERAL
Relatar a experiência da equipe 67 da Unidade Saúde da Família Aquino Dias
Bezerra, na cidade de Campo Grande (MS), quanto à implantação de sua agenda de
trabalho.
18
4 RELATO DE EXPERIÊNCIA
4.1 A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA EM CAMPO GRANDE
No município de Campo Grande (MS), o Programa Saúde da Família foi
introduzido em 1999, concomitantemente ao Programa de Agentes Comunitários de
Saúde. Inicialmente, foram formadas quatro equipes de Saúde da Família
(informação verbal)1.
O SUS era um sistema recém implantado, e seus princípios de
municipalização e gestão plena estavam sendo implementados gradualmente
(informação verbal)1.
No período de 1999 a 2001, as ações da Secretaria Municipal de Saúde
estavam voltadas para a ampliação da cobertura do programa, isto é, para a
formação de novas equipes e aumento do acesso à população (informação verbal)1.
As equipes eram, em grande parte, instaladas em casas alugadas adaptadas
ao programa. Essa adaptação era possível devido ao conceito vigente no período,
no qual o PSF era entendido como um programa voltado apenas para a promoção
de saúde, com atividades educativas e visitas domiciliares (informação verbal)1.
A introdução de atendimentos clínicos curativos entre as ações do programa,
e da consequente necessidade de estruturação das unidades para possibilitar essa
ampliação, ocorreu a partir de 2004 (informação verbal)1.
Em 2006, foi publicada a Portaria no 648, que instituiu a Política Nacional de
Atenção Básica e consolidou a Estratégia Saúde da Família. Essa Portaria
regulamentou as bases para a introdução e organização dessa estratégia, guiando
as ações dos gestores e profissionais para estabelecê-la e iniciar o processo de
substituição do sistema de saúde (informação verbal)1.
Para isso, os gestores aumentaram o investimento em estrutura e em
capacitação profissional, de forma a modificar a prática nas unidades básicas,
conservando os profissionais atuantes na rede de saúde. A expansão foi mantida,
1
Informação fornecida por Hermes Nogueira Peixoto Júnior, enfermeiro integrante da equipe de
Apoio Técnico do Serviço de Gestão da Estratégia de Saúde da Família e de Agentes Comunitários
de Saúde (SESFACS), de Campo Grande, em julho de 2011.
19
mas de modo ordenado, embasado em estudos epidemiológicos. Assim, a escolha
dos locais em que as novas equipes seriam introduzidas, era realizada mediante
verificação das áreas de risco e vulnerabilidade e de acesso limitado à assistência à
saúde (informação verbal)1.
Como parte do processo de estruturação da Estratégia Saúde da Família, foi
iniciada a construção de novas unidades já equipadas para receber a equipe de
saúde da família e a reforma de algumas unidades básicas existentes, seguida de
capacitação de seus profissionais para reformulação da assistência (informação
verbal)1.
Em Campo Grande, a Estratégia Saúde de Família segue se estruturando e
se fortalecendo, de forma que é evidente seu caráter substitutivo. A cobertura
populacional da ESF é de 28,06%, propiciada por 64 equipes de saúde da família
(DAB, 2011). Há ampla discussão das práticas nas unidades e sua constante
reformulação, que é fundamentada nas bases de dados do sistema de informação
da Secretaria Municipal de Saúde.
4. 2 USF AQUINO DIAS BEZERRA – VIDA NOVA
A Unidade Saúde da Família Aquino Dias Bezerra está localizada no
município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no bairro Vida Nova III. Sua
inauguração ocorreu no dia 9 de agosto de 2010, de forma que a unidade está em
funcionamento por apenas um ano.
A Secretaria Municipal de Saúde divide o município de Campo Grande em
quatro distritos sanitários, com coordenações distintas: Norte, Sul, Leste e Oeste. A
USF Aquino Dias Bezerra pertence ao Distrito Norte.
A unidade possui três equipes de Saúde da Família. Cada equipe é
constituída por médico, enfermeiro, dois técnicos de enfermagem, seis agentes
comunitários de saúde, dentista e auxiliar em saúde bucal. A unidade conta também
1
Informação fornecida por Hermes Nogueira Peixoto Júnior, enfermeiro integrante da equipe de
Apoio Técnico do Serviço de Gestão da Estratégia de Saúde da Família e de Agentes
Comunitários de Saúde (SESFACS), de Campo Grande, em julho de 2011.
20
com uma assistente social, que trabalha em conjunto com as três equipes, e três
recepcionistas.
A cobertura de atendimento da unidade compreende os bairros Vida Nova I, II
e III, Jardim Anache, Tarsila do Amaral e a aldeia Água Bonita. Esses bairros são
localizados em uma região periférica de Campo Grande. A população é bastante
diversificada e abrange uma comunidade indígena que é atendida por uma das
equipes, exigindo uma dinâmica de trabalho bastante diferenciada.
A equipe 67, cuja agenda de trabalho será descrita, é responsável por uma
área localizada nos bairros Jardim Anache e Vida Nova III. Segundo os dados
consolidados do SIAB, há na área 3.198 famílias cadastradas. A população adscrita
à unidade é constituída por um total de 10.696 indivíduos, dos quais 5.560 são do
gênero feminino e 5.136 do gênero masculino. A população é predominantemente
composta por adultos jovens, sendo que cerca de 3.707 pessoas estão na faixa
etária de 20 a 39 anos1.
A população é de baixa renda, que varia entre 1 a 4 salários mínimos. O
índice de alfabetização dos indivíduos a partir de 15 anos de idade é de 96,39%1. Os
homens são os principais provedores da família, e suas ocupações denotam baixa
escolaridade. As profissões mais citadas por eles são de servente geral e pedreiro.
Muitas mulheres relatam ser do lar, de forma que não contribuem com a renda
familiar. Dentre aquelas que estão empregadas, a ocupação mais citada é a de
empregada doméstica.
As condições de saneamento não são satisfatórias na área, pois embora
99,06% das casas possuam abastecimento público de água, 85,46% não tratam a
água para beber, e apenas 1,44% são beneficiadas com o sistema de esgoto,
enquanto 98,28% das habitações utilizam fossa, e 0,28% despejam seus dejetos a
céu aberto. Quanto ao manejo do lixo, 99,50% é destinado à coleta pública1.
As habitações são em sua maioria de alvenaria, totalizando 97,47% das
residências, e 99,12% têm fornecimento de energia elétrica1.
Com relação à atenção à saúde, apenas 19,85% relatam possuir algum plano
de saúde, de forma que a grande maioria depende exclusivamente do SUS 1.
1
DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO BÁSICA - DAB. Sistema de Informação da Atenção Básica –
SIAB: consolidado das famílias cadastradas no ano de 2010. [2011].
21
4.3 IMPLANTAÇÃO DA AGENDA DE TRABALHO
Diante da inauguração da USF Aquino Dias Bezerra, foi instituído na unidade
um modelo organizacional cuja finalidade seria integrar as ações dos diferentes
profissionais da equipe de saúde. Esse modelo foi projetado pela Secretaria
Municipal de Saúde de Campo Grande e se consistiu na implantação de uma
agenda de trabalho que define de maneira conjunta o enfoque de todos os
profissionais da equipe, em cada dia da semana.
Esse enfoque consiste na priorização da assistência a um grupo populacional
determinado, por toda a equipe, em um período da semana estabelecido. Assim,
toda segunda-feira, no período matutino, a enfermeira e o médico priorizam o
programa de Saúde da Mulher, e no período vespertino, priorizam a Saúde do
Homem. Na terça-feira à tarde a enfermeira e a dentista atendem principalmente as
crianças, enquanto na quarta-feira de manhã, toda a equipe está voltada para o
HIPERDIA, ou seja, para o atendimento de hipertensos e diabéticos. Da mesma
forma, na quinta-feira durante o período da manhã, a atenção de toda a equipe é
orientada para as gestantes, e assim segue de forma que a atenção é programada
para todos os períodos, conforme explicitado no Anexo A.
Todos os dias há também o atendimento de outros grupos populacionais,
possibilitado pela disponibilidade de vagas destinadas à livre demanda.
As três equipes atuantes possuem um esboço organizacional semelhante,
mas com diferenças na agenda e na própria forma de trabalho, em decorrência das
diversidades da população atendida e dos profissionais atuantes. A agenda
apresentada no Anexo A, é o modelo utilizado por uma das equipes da unidade, a
equipe 67, e serve como exemplo para as demais.
Todas as ações voltadas para cada grupo prioritário, como o HIPERDIA, e a
visita domiciliar, são realizadas em dias distintos pelas equipes, embora estejam
previstas igualmente em todas as agendas. Assim, as três agendas não são iguais
por que cada ação ocorre em um dia diverso da outra equipe, mas a atenção
dedicada a cada uma é semelhante. Esse ajuste tem a finalidade de sempre
possibilitar a permanência na unidade de um profissional responsável por sua área
técnica, que possa em casos de urgência ou emergência, intervir adequadamente de
acordo com as atribuições da Atenção Básica.
22
A demanda é organizada através da divisão entre demanda programada, para
a qual são destinadas de 50% a 60% das vagas, e demanda espontânea, que
corresponde aos outros 40% a 50%. A demanda programada é composta por
pacientes pertencentes aos grupos prioritários para todas as especialidades, como
gestantes, hipertensos e diabéticos, ou prioritários para ações de acordo com a
especialidade, como mulheres, para realização de exame preventivo de câncer de
colo de útero pela enfermagem. A demanda espontânea, por sua vez, consiste na
população que procura a unidade livremente para o agendamento de consulta.
A demanda programada, por seu caráter prioritário, é agendada previamente,
o que pode se efetuar de diferentes formas. O paciente pode ser encaminhado
dentro da própria unidade, de um profissional para outro, isto é, ao constatar a
necessidade de tratamento odontológico, o enfermeiro pode encaminhar o paciente
ao dentista, ou, como outro exemplo, ao perceber que um paciente apresenta
pressão arterial elevada, o dentista pode encaminhá-lo ao médico. Até mesmo o
agente comunitário de saúde pode orientar o agendamento quando constatada a
necessidade de consulta, durante a visita domiciliar.
Alguns programas possuem um fluxo de atendimento pré-determinado. A
gestante, por exemplo, ao iniciar o acompanhamento pré-natal, é agendada para a
consulta médica durante a consulta de enfermagem, e é encaminhada para o
agendamento de consulta odontológica. O mesmo ocorre com os bebês, que após
consulta de enfermagem, são encaminhados para a odontologia.
Embora seja mais incomum, o fluxo contrário também ocorre, como o
comparecimento da gestante na consulta odontológica anterior ao início do
acompanhamento pré-natal. Nesse caso, a gestante é orientada e encaminhada
para as consultas médica e de enfermagem.
Durante as reuniões do HIPERDIA também são oferecidas algumas vagas
para consultas médica e odontológica, de forma que alguns pacientes já são
agendados no momento da reunião.
Além disso, os pacientes de grupos prioritários podem buscar a unidade
espontaneamente, e só depois de atendidos e percebidos como tal, poderão ter seus
retornos previamente agendados.
Os pacientes da demanda espontânea são agendados através da entrega de
senhas. As consultas médicas são marcadas diariamente, no início da manhã, para
atendimento no mesmo dia, enquanto as consultas odontológicas são agendadas
23
uma vez por semana, durante as sextas-feiras, no período vespertino, para
atendimento na semana seguinte. As urgências e emergências são atendidas
mesmo que as vagas previstas para a demanda já estejam preenchidas.
Os grupos que têm prioridade na odontologia, podendo agendar a consulta
odontológica prontamente, sem necessidade de senha, são as gestantes, os bebês
de até 2 anos e os portadores de necessidades especiais. Os hipertensos,
diabéticos, as crianças de até 9 anos, adultos de 20 a 59 anos e idosos de 60 anos
ou mais, possuem algumas vagas destinadas à demanda programada, mas por
serem em maior número, quando preenchidas essas vagas, devem agendar a
consulta junto à demanda espontânea. À medida que são completados os
tratamentos, mais vagas são disponibilizadas para cada grupo, respeitando-se a
proporção de 60% das vagas destinadas à demanda programada e 40% à demanda
espontânea.
A demanda programada do médico inclui todos os programas, como o da
gestante, hipertenso, diabético e da saúde da mulher, da criança, do idoso e do
homem. Os pacientes são agendados para a primeira consulta e têm os retornos
marcados de acordo com o que é preconizado para cada grupo. Para a consulta
médica, as vagas são reservadas na proporção de 50% para a demanda
programada e 50% para a demanda espontânea, esta última agendada diariamente
através da distribuição de senhas.
A enfermagem prioriza o atendimento de bebês de até 2 anos, crianças de até
9 anos, gestantes, hipertensos, diabéticos e de mulheres de 20 a 59 anos para
exame preventivo de câncer de colo de útero, para os quais destina 50% das vagas.
As demais vagas são destinadas à demanda espontânea.
A princípio, a proposta da agenda seria integrar as ações dos diversos
profissionais da unidade em um enfoque comum, e ao mesmo tempo potencializar
cada ida do paciente à unidade, oferecendo a ele atendimento das diversas
especialidades em um único período.
Na prática, a agenda integrada facilita o fluxo de atendimento de alguns
grupos como o das gestantes, pois todos os profissionais estão preparados para
recebê-las naquele período. O mesmo ocorre com o HIPERDIA, em que os
pacientes são agendados para comparecer à reunião – na qual são aferidas a
pressão arterial e a glicemia, e são realizadas as orientações e dinâmicas de grupo –
24
para posteriormente esses pacientes serem consultados pelo médico, pela
enfermeira e pela dentista.
Sempre que há consulta médica, odontológica ou de enfermagem
anteriormente marcada no momento em que será agendada a consulta de outro
profissional, procura-se conciliar o atendimento, isto é, agendar a consulta no
mesmo período daquela previamente marcada.
Os agendamentos são verificados através dos cartões dos programas, como
o cartão da gestante, do hipertenso, do diabético e da mulher, e das cadernetas do
idoso e da criança. Todos os profissionais utilizam esses cartões que servem como
documento de registro e acompanhamento da história médica e odontológica desses
pacientes. Assim, todos os profissionais agendam a consulta nesses documentos, e
podem verificar diretamente as datas de outros agendamentos, sem a necessidade
de acessar a agenda do outro profissional. Ao mesmo tempo há maior controle sobre
a frequência do paciente, pois há o registro das consultas marcadas em períodos
anteriores.
Por outro lado, nem sempre é possível conciliar esses atendimentos. Uma
gestante de baixo risco deverá, nos primeiros meses de gestação, ser acompanhada
pelo médico mensalmente. No entanto, se após a consulta odontológica for
constatada a necessidade de atenção, essa gestante deverá retornar até concluir
seu tratamento, de forma que a frequência desses retornos será determinada por
suas necessidades. Nesse caso, o tratamento deve ser concluído o mais rápido
possível, pois o agravamento de sua saúde bucal pode gerar alterações em sua
saúde geral e na saúde do bebê, não sendo indicado um tratamento mensal, mas no
mínimo semanal até sua conclusão. Dessa forma, não seria possível conciliar os
atendimentos médico e odontológico nos mesmos períodos, pois as necessidades
de atenção são diferentes em cada área, embora sejam complementares.
Há também limitações quanto à disponibilidade dos pacientes. Alguns
freqüentam o trabalho ou a escola no período destinado ao seu atendimento. Como
exemplo, alguns pacientes hipertensos têm atividades na quarta-feira de manhã,
período reservado ao HIPERDIA, de forma que eles deverão ser agendados em
outro período para possibilitar o seu retorno até o fim do tratamento.
A agenda deve, assim, permitir uma flexibilidade para garantir a todos o
acesso à assistência. Portanto, o agendamento dever ser mais que um processo
mecânico de relacionar a demanda à disponibilidade de vagas, devendo ser um
25
momento de escuta das necessidades e das possibilidades do paciente, somada à
percepção do profissional e a adoção de critérios estabelecidos.
Para a equipe, a utilização dessa agenda consistiu em mais um passo em
direção ao trabalho interdisciplinar e um avanço comparado à lógica de atendimento
por ordem de chegada. A agenda também possibilitou uma maior aproximação com
os pacientes e com os próprios membros da equipe.
26
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que haja a efetiva organização da demanda, é necessária ampla
discussão envolvendo todos os trabalhadores da unidade de saúde e a participação
da comunidade. Dessa forma, o modelo de agenda não deve ser imposto pelos
gestores, mas construído na rotina das práticas de saúde, dentro da unidade.
O conhecimento dos aspectos socioeconômicos e das necessidades de
saúde percebidas pela população deve ser o ponto de partida para o planejamento
das ações da equipe, que deve com esses parâmetros avaliar os grupos de risco e
priorizar o seu atendimento.
A agenda consiste em um roteiro para orientar o atendimento da demanda,
sem, no entanto, servir como um modelo rígido e inflexível. Na prática são
necessárias adequações aos pacientes e aos próprios profissionais. Sua
implantação tem permitido maior controle do acompanhamento dos pacientes,
aumentando o vínculo com a equipe. Além disso, ela rompe com a prática de
atendimento somente a quem chega primeiro, para ampliar o acesso através de
outros critérios.
A implantação desse modelo de trabalho repercutiu de forma positiva na
unidade de saúde e na comunidade, aumentando o vínculo entre os profissionais da
equipe, e entre eles e a população adscrita. O vínculo entre os profissionais se
fortaleceu na medida em que suas ações contiveram o mesmo enfoque. A relação
entre a equipe e a comunidade também se estreitou devido à proximidade do
acompanhamento por toda a equipe, que passou a conhecer esses pacientes, e à
continuidade do cuidado, possibilitada pelo agendamento periódico dos retornos.
A agenda integrada visa um maior aproveitamento da equipe multiprofissional
que compõe a ESF. Entretanto, ainda é necessária maior interação entre as diversas
categorias profissionais para se alcançar um trabalho mais resolutivo. Ainda que o
olhar de cada profissional tenha se ampliado ao perceber as necessidades do
paciente além daquelas de sua área de concentração, o enfoque continua sendo o
atendimento clínico, dentro do consultório, de forma que é necessário maior diálogo
entre os profissionais com a finalidade de compartilhar opiniões para maior
resolubilidade dos serviços de saúde.
27
Dessa forma, para superar a prática centrada no atendimento clínico
individual é necessário que os gestores apóiem as ações de abordagem preventiva,
permitindo maior autonomia na construção da agenda de trabalho e diminuindo o
enfoque na quantidade de procedimentos clínicos, que traduzem a produção, mas
não a resolutividade dos serviços.
Além disso, é necessário maior comprometimento dos profissionais da equipe
na busca por respostas aos problemas da comunidade, através da discussão de
casos dos pacientes entre toda a equipe. Essa prática deve ser incentivada pelos
gestores, que podem promovê-la através de capacitação profissional. As instituições
formadoras também precisam se adequar ao novo modelo de Atenção à Saúde,
rompendo com o paradigma Flexneriano que se mantém nas grades curriculares e
ampliando o diálogo entre as diferentes disciplinas.
28
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trabalho do cirurgião-dentista no PSF de municípios do Rio Grande do Norte.
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uma unidade de saúde da família: desafios para a mudança das práticas. Interface:
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29
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integralidade: construindo e (des)construindo a prática de saúde bucal no Programa
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Saúde no Brasil e o Programa de Saúde da Família. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 11-48, 1998.
30
ANEXOS
31
ANEXO A - AGENDA DA USF AQUINO DIAS BEZERRA - Equipe 67
ENFERMEIRA: HENA; MÉDICO: BENEDITO; DENTISTA: MÔNICA; TÉCNICAS DE
ENFERMAGEM: ANGELA & KIMBELLY
Agentes Comunitários de Saúde: MA01 CASSIA; MA02 ELVA; MA03 ROSEMEIRE;
MA04 MARLENE; MA05 MISLEINE; MA06 ELIABE.
PERÍODO
MÉDICO
7H
13H
ENFERMEIRO
7H
13H
2ª
Saúde da
Mulher
DE.
3ª
Visita Domiciliar
Saúde Homem.
DE.
DE.
Saúde da
Mulher.
DE.
Preventivo
4ª
Hiperdia & Idoso
DE.
DE
Reunião Externa
(CEINF.)
Hiperdia & Idoso
DE.
5ª
Gestante &
Puérpera
6ª
Saúde Criança.
& Adolescente
DE.
Hipertenso &
Idoso
DE.
13h Reunião
equipe;
15h Reunião
Geral.
VD com
Assistente
Social +
Dentista.
ACS
13h Reunião
equipe;
15h Reunião
Geral.
Visita
Domiciliar
Ou Saúde
Criança. &
Adolescente
DE.
13h Reunião
equipe;
15h Reunião
Geral.
Pré-consulta
DE.
Gestantes
ACS
Última semana
Exame Pé
Diabético
ACS
14H VD.
Supervisão
Hiperdia & Idoso
DE
Gestante &
Puérpera
ACS
Saúde Homem.
DE.
ACS
Saúde Criança. &
Adolescente
DE.
ODONTÓLOGO
7H
Saúde da
Mulher.
DE
Idoso
13H
Saúde da
Mulher.
DE.
Criança &
Adolescente
TÉC. ENFER.
7H
Pré-consulta
DE.
Visita Domiciliar
com Médico
Pré-consulta
DE.
Pré-consulta
DE.
13H
Pré-consulta
DE.
Pré-consulta
DE.
VD. (Kimbelly)
VD. (Angela)
ACS
7H
VD.
Visita Domiciliar
com Médico
Visita domiciliar
com Enfermeira
VD.
13H
Reunião com
Enfermeira
Itinerário
Reunião com
Enfermeira
Itinerário
Reunião com
Enfermeira
Itinerário
Reunião com
Enfermeira
Itinerário
DE.
Criança &
Adolescente
Legenda: DE=Demanda Espontânea; VD= Visita Domiciliar
13h Reunião
equipe;
15h Reunião
Geral.
VD
13h Reunião
equipe;
15h Reunião
Geral
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