8. Capitalismo: da crise terminal da hegemonia dos Estados Unidos

Propaganda
CAPITALISMO: DA CRISE TERMINAL DA HEGEMONIA DOS ESTADOS
UNIDOS AO MITO DO COLAPSO DO PODER AMERICANO
Modalidade: Artigo completo
GT 2 – Economia Internacional, Economia Brasileira, Economia Regional e Baiana
Marcos Antonio Tavares Soares1
Andréa Braz da Costa2
Antônio Andrade Leal3
Balzac já disse que, quando um devedor deve muito, tem poder
sobre os credores; o que mata é ser um pequeno devedor.
(NIAL FERGUNSON apud ARRIGHI)
RESUMO: Esse texto tem como objetivo compreender melhor a dinâmica do capitalismo e
as implicações do seu avanço na economia mundial, observando qual o papel que cabe a
economia americana nos rumos do capitalismo do século XXI. Para tanto é feita uma
discussão acerca das interpretações de autores que nos anos de 2008 apresentaram suas
reflexões sobre a dinâmica do capitalismo contemporâneo, tendo como centro da análise a
economia dos EUA. São eles: Reich (2008) com a tese do “Supercapitalismo”; Guttmann e
Plihon (2008) e Arrighi (2008) que analisam a dinâmica econômica oriunda da nova fase do
capitalismo e os seus impactos na economia e no poder americano; e Fiori (2008) que é crítico
radical da tese do fim do poder americano. A metodologia adotada é a pesquisa bibliográfica
centrada principalmente nos textos dos autores supracitados. Conclui-se que, apesar do dólar
americano vir sofrendo depreciação ao longo dos anos e do grau de endividamento das
famílias e do governo vir crescendo, os EUA ainda se apresentam como economia líder,
sendo este país detentor de poder político, econômico e militar em escala global.
Palavras chaves: hegemonia, crise, poder, supercapitalismo
ABSTRACT: This paper has as objective to better understand the dynamics of the capitalism
and the implications of its advance in the world-wide economy, observing which the paper
that fits the American economy in the routes of the capitalism of century XXI. For in such a
way a quarrel concerning the interpretations of authors is made who in the years of 2008 had
presented its reflections on the dynamics of the capitalism contemporary, having as center of
1
Doutorando em Desenvolvimento Econômico. Professor de Economia da UESB. Pesquisador do Núcleo de
Estudos e Pesquisa sobre Trabalho, Política e Sociedade (NETPS).E-mail:[email protected]
2
Doutoranda em Ciências Soicias. Professora de Economia da UESB. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e
Pesquisa sobre Trabalho, Política e Sociedade (NETPS). E-mail: [email protected]
3
Especialista em Economia. Professor de Economia da UESB. Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa
sobre Trabalho, Política e Sociedade (NETPS). E-mail: [email protected]
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
the analysis the economy of U.S.A. They are: Reich (2008) with the thesis of
“Supercapitalism”; Guttmann and Plihon (2008) and Arrighi (2008) that they analyze the
deriving economic dynamics of the new phase of the capitalism and its impacts in the
economy and the American power; e Fiori (2008) that it is critical radical of the thesis of the
end of the American power. The methodology adopted is the bibliographical research
centered on the texts of the authors mentioned above.The American dollar is concluded that,
although to come suffering to depreciation throughout the years and the degree from
indebtedness of the families and of the government to come growing, U.S.A. did not lose the
power politician, economic and military in the world.
Words keys: hegemony, crisis, power, supercapitalism
INTRODUÇÃO
O modo de produção capitalista traz algumas condições na sua forma de se firmar
como sistema econômico global. Diferente de outros modos de produção que tinham seus
pilares de sustentação na produção da riqueza material, na propriedade privada do patrimônio
físico e do controle da força de trabalho, o capitalismo para além desses requisitos de
sustentação, parece também se edificar, a partir de 1970, na reprodução ampliada da riqueza
fictícia.
É com o intuito de melhor entender a dinâmica contemporânea da economia mundial
que esse texto vai discorrer acerca das interpretações de Reich (2008) sobre o
Supercapitalismo; da tese que aponta para o declínio do poder americano de Guttmann e
Plihon (2008); e da tese de Arrighi (2008) que afirma categoricamente a crise terminal da
hegemonia americana. Também será analisada a tese de Fiori (2008), a qual destoará
radicalmente das teses que apontam para o fim do poder americano ou de crise terminal do
capitalismo, afirmando que o capitalismo passa por uma explosão expansiva, na qual se
integraram ao seu núcleo a China e possivelmente a Rússia.
As transformações econômicas que se processam desde a década de 1970, fundam
aquilo que Reich (2008) vai chamar de supercapitalismo. Nesse livro, o autor vai observar que
o sucesso do capitalismo se dá pari passu à crise da política. Para Arrighi, as mudanças
ocorridas na economia mundial (no período do supercapitalismo, se quisermos chamar assim)
fundam o movimento que sustenta a ascensão chinesa e ao mesmo tempo levam à crise final
da hegemonia dos Estados Unidos (EUA). Guttmann e Plihon (2008) também vão destacar
que a economia americana vem acumulando perda de poder e que a crise de 2008 é uma crise
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
sistêmica, contudo não afirmam ser esta crise anunciadora do fim da hegemonia norte
americana. Fiori (2008), assim como Arrighi, parte da análise da mesma realidade, com o
mesmo método (histórico) e com a mesma matriz teórica (Braudel), conclui que há mudanças
estruturais na economia mundial, entretanto essas mudanças ao contrário de sinalizarem para
o colapso do poder americano, na verdade, revelam a explosão expansiva da economia
mundial sob a liderança dos Estados Unidos.
Dessa maneira, esse texto tem como objetivo compreender melhor a dinâmica do
“supercapitalismo” e as implicações do seu avanço na economia mundial, observando qual o
papel que cabe à economia americana nos rumos do capitalismo do século XXI. Propõe-se,
desse modo, discutir as interpretações de autores que no ano de 2008 apresentaram suas
reflexões sobre a dinâmica do capitalismo contemporâneo tendo como centro da análise a
economia dos EUA. São eles: Reich (2008), Guttmann e Plihon (2008), Arrighi (2008) e Fiori
(2008). Para tanto, o texto se estrutura da seguinte forma: no tópico primeiro, será apresentada
a dinâmica da economia mundial na fase do supercapitalismo de Reich; no tópico seguinte,
com base em Guttmann e Plihon (2008) e Arrighi (2008) será analisado o impacto desse
supercapitalismo na economia e no poder americano. No tópico terceiro, partindo do texto de
Fiori (2008), serão analisadas as razões que levam esse autor a ser crítico radical da tese do
fim da hegemonia americana. Por fim, as considerações finais que tentam sintetizar as idéias
principais do texto e também serão apresentadas as críticas que se fizerem necessárias. .
I – O Supercapitalismo ou o capitalismo na sua forma madura
O capitalismo nos últimos 30 anos vem passando por fortes modificações que o
aproxima da sua forma ideal de valorização que pode ser representada pela fórmula D-D’. A
sua forma geral – D-M-D’ – nos diz que o capital no seu processo de valorização se apropria
da riqueza gerada pelo trabalho na produção, sendo a esfera da circulação, apenas, o lócus de
realização da mais-valia gerada.
A partir dos anos de 1980, observa-se que cada vez mais o capital busca se reproduzir
na esfera financeira, o que pode ser representado por D-D’. Essa seria a forma ideal de
valorização do capital, pois encurtaria o percurso e o tempo para sua reprodução, ao mesmo
tempo em que alcançaria maior liquidez e mobilidade. Desse modo, a reprodução capitalista
em geral tende a se aproximar da fórmula D-D’, ou seja, a tendência no capitalismo é o
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
regime de acumulação, buscar a forma de reprodução que elimine o tempo morto na
produção, que dê maior flexibilidade e liquidez ao capital.
Na esfera financeira, obviamente, essa é sua forma de reprodução, D-D’. Já na esfera
da produção4, D-D’ se apresenta só como ideal a ser alcançado ou, como sentido tendencial de
movimento do capitalismo. Com isso, observa-se que o capital buscará reduzir os obstáculos
para sua reprodução de modo a aumentar a sua mobilidade, flexibilidade e grau de liquidez,
aproximando-se ao máximo do processo de auto-valorização.
Roberto Reich (2008) ao analisar a dinâmica contemporânea do capitalismo nos EUA,
constata que as mudanças tecnológicas e o avanço da microeletrônica permitiram maior
flexibilidade ao capital, o que o faz se aproximar do seu ideal de reprodução. Essas mudanças
vão fundar o que ele chama de supercapitalismo. Nessa nova fase de acumulação o capital
ganha em eficiência, pois não está mais preso ao pacto entre grandes empresas e grandes
sindicatos, os quais, via acordos/negociações, controlavam os aumentos dos salários e das
margens de lucros num sistema de produção verticalizado, rígido e com baixa flexibilidade do
capital investido na produção.
Ao se libertar do pacto entre o capital e o trabalho, da regulação e das fortes
intervenções do Estado na economia, típico da “Era de ouro não tão dourada” o capitalismo
pode se desenvolver de modo mais eficiente. Contudo, observa o autor, que o sucesso do
capitalismo não quer dizer avanço da democracia. Na verdade, há uma crise da democracia no
supercapitalismo e isso se dá em função, por um lado, do envelhecimento das velhas
instituições do capitalismo democrático – não sendo mais possível realizar as negociações
entre capital e o trabalho como na fase anterior -, e por outro lado, não foram desenvolvidas
novas instituições. Como resultado desse processo, os temas prioritários no modelo de
desenvolvimento anterior, como emprego, segurança econômica, meio ambiente e princípios
morais, tornaram-se secundários. O lado investidor/consumidor das pessoas passou a
determinar o processo de desenvolvimento do capitalismo em detrimento dos interesses das
pessoas enquanto cidadãs.
No supercapitalismo, de acordo com o autor, as pessoas potencializam o seu lado
consumidor e investidor em detrimento do seu lado cidadão, o qual continua a existir só que
4
A esfera da produção representada por P na expressão D-M...P...M’-D’. A produção de mais-valia em P se dá
com a geração de riqueza material e de mais valor para o capitalista via exploração do trabalhador. Já em D-D’
tem-se o valor se autovalorizando sem, contudo, perder relação com a esfera da produção.
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
não se firma, não encontra instituições que o represente. Já o lado investidor e consumidor
teriam, respectivamente, Wall Street e os grandes varejistas, como o Wal-Mart, para os
representar.
O Wal-Mart5 e outros grandes varejistas congregam o poder de compra dos
consumidores americanos (e não só deles) para conseguir os melhores negócios a preços mais
baixos possíveis. Para isso, o Wal-Mart vai levar adiante a pressão por preço baixos e, por
conseguinte, pressionará a redução de custo por parte dos seus fornecedores que agirão no
sentido de reduzir salários.
Os fundos de pensão e de investimento reúnem a capacidade dos investidores, os quais
buscam os melhores rendimentos (futuros). Reich, analisando o comportamento dos
investidores, constata que eles estão cada vez mais exigentes e volúveis, pois, enquanto na
década de 1990, mantinham suas ações em carteira por mais de dois anos, em 2004 os papéis
não ficavam nos portfólios nem seis meses. Com isso, conclui: “Antes de 1980, Wall Street
desempenhava o papel de serva da indústria, ajudando os grandes monopólios a levantar
capital, quando necessário. Depois de 1980, os papéis se inverteram e a indústria passou a
atuar como serva de Wall Street” (REICH, 2008, p.72). Se antes o mercado financeiro e de
capitais nutriam o desenvolvimento industrial e a produção de riqueza, no supercapitalismo o
movimento dos mercados se dá em busca de riqueza sem a preocupação em produzi-la, é o
caminho no sentido do capital-dinheiro gerando capital-dinheiro (D-D’).
É verdade que o Autor faz constatações irrefutáveis, contudo, parece maximizar a
responsabilidade do indivíduo como consumidor/investidor em relação aos rumos tomados
pelo sistema capitalista. Na nossa compreensão, o capitalismo apresenta como tendência um
processo de desenvolvimento anárquico em que prescinde da regulação e dos valores
civilizatórios, sendo imanente à sua lógica de reprodução a valorização do valor sempre e de
forma maximizada. Há um imperativo, a busca do lucro a qualquer custo, ou melhor, ao
menor custo possível.
Acontece que ao deixar o capitalismo entregue à sua lógica de reprodução, ou seja, o
capitalismo entregue aos capitalistas, a sociedade parece caminhar para a deterioração das
suas relações sociais e das condições de vida. Como Reich bem percebeu, há no
supercapitalismo um grande aumento da desigualdade de renda, aumento da insegurança
5
Multinacional do varejo que desenvolve estratégias de atuação no mercado mundial com base em um
determinado país para onde remete boa parte dos sus lucros, quando não a sua totalidade.
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
econômica e degradação dos princípios morais. Apesar disso, ele conclui que o
supercapitalismo triunfou.
A questão que se coloca nesse momento é: seria sensato afirmar que o capitalismo (o
super) triunfou se sua base de reprodução se dá cada vez mais de forma artificializada, ou
seja, a expansão do consumo nos EUA avança pari passu ao avanço do crédito para as
famílias e do respectivo endividamento?
As empresas americanas para terem preços competitivos e resultados que atraiam os
investidores, precisam deslocar a produção/serviços para outros países que apresentem baixo
custo da mão-de-obra, como afirma o autor no seguinte trecho,
Como a remuneração de pessoal representa 70% dos custos de uma empresa
típica, é quase inevitável que as reduções de preços também afetam salários
e benefícios. Se a mão-de-obra for muito cara nos EUA, os fornecedores
transferirão parte de suas atividades para a China, Sudeste Asiático [...] ou
substituirão seres humanos por produtos computadorizados (REICH, 2008,
p. 92-93).
Desse modo, as estratégias competitivas foram ancoradas nas mudanças tecnológicas
que permitiram uma maior flexibilidade ao processo produtivo, nas inovações organizacionais
e na intensificação da construção de redes de cadeia de produção global. Isso revela que ao
lado do avanço da financeirização mundial também ocorre a globalização produtiva como
estratégia adotada pelas empresas não-financeiras.
As empresas financeiras expandem os seus negócios e inovam a cada dia criando
novos papéis comerciais; as empresas não-financeiras inovam na organização da produção ao
promover a separação entre a produção e a concepção das mercadorias. Nesse processo
grandes marcas têm suas mercadorias produzidas por terceiros ou subcontratadas, as quais
realizam os investimentos em máquinas, equipamentos e espaço físico. Se por um lado as
redes de produção global se apresentam como uma forma de reduzir preços via a redução do
custo da força de trabalho, como bem observou Reich, as redes de produção global também,
por outro lado, provocam desemprego e reduções de salários nos EUA, e não só na América
do Norte, mas pressionam os salários para baixo em quase todos os países industrializados.
Os ganhos de eficiência oriundos da externalização da manufatura se dariam em
função desse processo permitir maior flexibilidade ao capital, maior mobilidade e
especialização do capital da grande empresa. As grandes empresas deixam de imobilizar
montantes significativos de capital na produção (capital constante e também capital variável),
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
pois a parte do capital destinada à compra de máquinas e equipamentos (capital constante e/ou
capital fixo) já não é mais imobilizada na esfera produtiva pelas grandes marcas, podendo ser
destinada a investimentos em P&D e/ou em aplicação no mercado financeiro. Com isso,
aumenta a mobilidade e liquidez do capital da grande empresa. A produção ganha em
flexibilidade, pois a grande empresa ao identificar queda na demanda de um determinado bem
pode suspender sua produção de imediato sem arcar com os prejuízos de tal medida. Quem
arcará com as conseqüências da decisão serão as contratadas pelas grandes marcas6.
Assim, o capitalismo no seu estágio atual está a promover a separação entre concepção
e manufatura. Se nos séculos XVIII e XIX esta separação significava que na mesma fábrica
parte diminuta dos trabalhadores assalariados serviriam nas funções administrativas e de
supervisão, agora, a nova separação se dá entre as empresas. As grandes marcas se
especializam na concepção, desenvolvimento e marketing dos produtos, enquanto as
contratadas se especializam na produção dos bens e serviços para diversas empresas de
marcas do setor e também acabam por produzir uma marca própria. Essa divisão entre
concepção e produção das mercadorias está se constituindo numa tendência do capital
destinado a produção industrial. A empresa contratada concentra a produção de diversas
marcas, além de produzir sua própria marca, se especializa e com isso ganha em escala,
escopo e velocidade. A grande marca passa a concentrar seu trabalho na administração e
atividades correlatas, podendo inclusive não ter operários vinculados formalmente a ela. Além
disso, mantém o controle sobre a produção e determina o padrão de qualidade dos bens
demandados. A externalização da produção pode também se dar via contratação de pequenas
empresas, de cooperativas e, inclusive, de trabalho domiciliar geralmente informal.
Como bem destacou Reich, esse processo de globalização das cadeias produtivas serve
para “lubrificar” e “turbinar” a produção capitalista, ou seja, em outras palavras, a
externalização da manufatura é um método de organizar a produção que acelera e viabiliza o
processo de inovação, dar maior mobilidade e liquidez ao capital das empresas nãofinanceiras e se contrapõe ao “espectro” da tendência à queda da taxa de lucro das grandes
corporações7. Essa estratégia permitiu ao capital destinado a produção competir com as taxas
de lucro alcançadas pelo capital destinado a reprodução fictícia nos mercados financeiros e
6
7
Para saber mais sobre o assunto ver Caroline Andrade (2004) e J. Furtado (2003).
D. Harvey, 1998
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
serviu para oxigenar as velhas grandes empresas que durante algum tempo imaginou-se que
iriam desaparecer.
Se for analisado o capitalismo, pelo lado da empresa, de fato Reich está correto na sua
observação sobre o sucesso do supercapitalismo, se por outro lado, analisarmos o capitalismo
enquanto sistema, no qual economia e política estão imbricadas e que o capitalismo não
sobrevive sem instituições fortes para assegurar a ordem social e a própria reprodução do
capital, aí então o sucesso vem com contradições que apontam uma maior flexibilidade para o
capital no processo de acumulação, mas também traz conseqüências como o aumento da
instabilidade do sistema. Mais do que isso, ao considerar o supercapitalismo no âmbito da
economia americana, os resultados são ainda mais duvidosos quanto ao seu sucesso.
O tópico seguinte se ocupará de apresentar as conseqüências concretas e potencias da
dinâmica econômica imanente ao supercapitalismo para a economia norte-americana. Para
tanto, serão apresentadas reflexões de autores como R. Guttmann e D. Plihon (2008) e
também G. Arrighi (2008). Ambos partem da mesma realidade analisada por Reich (2008)
sobre o supercapitalismo, reconhecendo a importância das transformações tecnológicas e
organizacionais da produção e o avanço da financeirização da economia na formatação de um
novo padrão de concorrência num regime de acumulação flexível.
II – Desenvolvimento do supercapitalismo e a crise da economia norte-americana
Com a crise econômica dos anos de 1970, revela-se o esgotamento do padrão de
acumulação típico do período conhecido como os “trinta anos gloriosos”. Para sair da crise, os
EUA e a Grã-Bretanha lideraram o processo de liberalização financeira, de maior abertura
comercial e de desregulação dos mercados de trabalho das economias capitalistas. A União
Européia, a partir de 1987, seguiu a mesma orientação das políticas liberalizantes e
desreguladoras dos mercados (GUTTMANN e PLIHON, 2008). Nos anos de 1990, sob a
regência do Fundo Monetário Internacional (FMI), chegou a vez dos países em
desenvolvimento cumprirem a agenda (neo)liberal.
Assim, os mercados financeiros se integraram ainda mais e de modo desregulado. Os
países em desenvolvimento e também os desenvolvidos, pós integração financeira, ficaram
mais suscetíveis a crises financeiras, as quais não tardaram a ocorrer: México em 1994, Leste
Asiático em 1997, Rússia em 1998, Brasil em 1999, Argentina em 2001 e por fim, mas não a
última, EUA com a crise subprime em 2008.
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
A liberalização financeira permitiu a entrada de capitais nos países em
desenvolvimento, o que ampliava as possibilidades de desenvolvimento econômico, contudo,
essas economias tornaram-se mais instáveis em função da volatilidade do capital entrante e da
euforia que o mesmo gerava nos agentes que se arriscavam em demasia, o que resultou nas
crises supracitadas.
No caso dos EUA a dinâmica foi outra: a liberalização serviu para expandir o
financiamento às famílias e às empresas. Isso foi possível porque com a desregulação o
mercado financeiro ficou livre para inovar, o que levou à criação de diversas formas de
alavancar o capital dos especuladores e de ampliar o financiamento para as famílias.
Guttmann e Plihon (2008), afirmam que uma das inovações que merece destaque é a
securitização. Por meio dela os bancos assumiram mais riscos e repassaram para terceiros. Ao
fazer isso, a securitização potencializou a possibilidade de uma crise em um mercado nacional
se propagar internacionalmente, como o que aconteceu na crise do subprime nos EUA em
2008.
Desse modo, observa-se que, se por um lado, a desregulação financeira acompanhada
das inovações aumentam os riscos de uma crise sistêmica, por outro lado, ela também
contribui para o crescimento da economia ao financiar a expansão do consumo. Assim, é
possível afirmar que a desregulação das finanças somada a liberalização comercial e as
mudanças do padrão de concorrência, em função do avanço tecnológico, fizeram florescer o
supercapitalismo.
Este pode ser caracterizado, segundo Reich, pela lógica da acumulação flexível, pela
expansão das finanças, pela produção flexível das grandes empresas (grandes marcas)
organizadas em redes de produção globalizada e pelo enfraquecimento de velhas instituições.
O aumento da capacidade produtiva advindo da produção flexível no supercapitalismo precisa
ser acompanhado pelo aumento da demanda. Como a renda se encontra estagnada e a oferta
de emprego não se ampliou de modo significativo, o consumo passa a ser fortemente
assegurado pelo endividamento das famílias.
Gutmann e Plihon (2008) observam que a tendência a elevação do endividamento das
famílias se manifesta nas principais economias capitalistas avançadas, sendo que as famílias
americanas apresentam níveis de endividamento mais altos quando comparados com o
endividamento das famílias de outros países. Isso decorre do fato dos EUA possuírem um
sistema de crédito para as famílias americanas desenvolvido há várias décadas. Esse sistema
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
de crédito com a desregulação do sistema financeiro impulsionou as inovações financeiras,
que associadas à elevação continuada dos preços dos imóveis deram acesso as famílias a mais
empréstimos de custo baixo. Esse “círculo virtuoso” das finanças levou os EUA em 2006, a
gastar coletivamente 7% mais do que gerou de riqueza, sendo esse déficit financiado pelos
países superavitários em suas contas correntes, como China, Japão e os membros da OPEP,
entre outros (GUTTMANN e PLIHON, 2008).
É justamente essa capacidade de endividamento das famílias americanas, das empresas
e do governo que permitem o ajuste dos desequilíbrios globais e dinamiza o crescimento
econômico global. Essa capacidade de endividamento e os déficits constantes no balanço de
pagamentos fazem dos EUA a locomotiva da economia global.
Apesar do elevado endividamento das famílias e do governo americano, o poder
americano se mantém, pois a sua moeda continua a ser a moeda dominante nas transações
internacionais. Assim sendo, os EUA nas crises econômicas promovem ajustes via políticas
econômicas fortemente expansionistas e podem continuar a acumular déficits em conta
corrente. Nesse processo os países Emergentes (EMEs) passaram a posição de exportadores
de capitais e os EUA assumiram a posição de importador de capitais oriundos dos países
EMEs.
Mantida essa dinâmica, os EUA permanecem como a economia central, pois é o único
país a dispor da senhoriagem em função de ser a sua moeda a unidade de conta e reserva de
valor internacional. Contudo, a crise mais recente da economia norte-americana e de
dimensão internacional sinaliza para o possível esgotamento do modelo. Nesse sentido,
Guttmann e Plihon, afirmam que a crise de 2008,
[...] atinge três pilares fundamentais do capitalismo conduzido pelas as
finanças: um padrão de crescimento global centrado nos EUA, [...] o
paradigma das finanças modernas, que enfatiza a gestão de riscos; e a
pretensa estabilização do padrão de crescimento outrora cíclico.
(GUTTMANN e PLIHON, 2008, p. 604)
Em 2009, os efeitos deletérios da crise estão em plena manifestação nas economias de
mercado, principalmente, nos EUA e na Europa. Falências e concordatas, desemprego e
recessão econômica são alguns dos efeitos da primeira grande crise na era do
supercapitalismo. Economias emergentes, como a China e o Brasil parecem sofrer menos com
a crise. Esse dado pode revelar que o padrão de crescimento global puxado pelos EUA esteja
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
mudando e que as economias emergentes, puxadas pela China, assinalam o desacoplamento
entre o resto do mundo e a economia norte-americana (GUTTMANN e PLIHON, 2008).
Giovanni Arrighi (2008), ao analisar esse mesmo movimento de possível
desacoplamento da economia mundial da economia central dos EUA e, adicionando a ele a
paulatina perda de poder do dólar como moeda internacional, vai desenvolver sua tese da
“crise terminal da hegemonia norte-americana”. Enquanto Guttmann e Plihon identificam
uma crise sistêmica, mas não necessariamente final, sem apontar qual o rumo do capitalismo
daí em diante, Arrighi é categórico ao afirmar que caminhamos para o fim da hegemonia
norte-americana e que o ajuste recessivo dessa economia, se brando ou abrupto, se aproxima.
No tópico que segue, será apresentada a tese da “crise da hegemonia dos EUA” e os rumos do
capitalismo.
III – Crise de hegemonia e o avanço do supercapitalismo
Arrighi, partindo de uma análise histórica, observa que o desenvolvimento do
capitalismo é marcado por ciclos de expansão, estando cada ciclo responsável pela
consolidação de uma hegemonia. O país que assume a hegemonia no ciclo é aquele que
apresenta as melhores condições para a reprodução do capital. A ascensão e consolidação dos
EUA como hegemonia mundial está associada às inovações tecnológicas e institucional do
início do século XX, as quais permitiram a internalização dos custos de transação e o
surgimento da corporação vertical americana, ambos fatores dinamizadores da reprodução
ampliada do capital
O autor, olhando o movimento da economia mundial, constata que a ascensão
econômica da China se dá pari passu à perda de importância da economia americana no
mundo. Nesse movimento, a economia americana começou a ficar para trás com as
transformações que ocorreram na economia mundial a partir, principalmente, dos anos de
1980. A grande empresa, típica do modelo americano, passa a ter dificuldades em competir no
mundo que se caracteriza por demanda flutuante, acirramento da concorrência internacional e
produção flexível. Esse processo levou
A retomada de formas empresariais mais descentralizadas, muito mais
baseadas na divisão social do trabalho entre unidades de produção do que na
divisão técnica do trabalho dentro das unidades [...] Na década de 1980, a
crise das empresas com integração vertical e administração burocrática
tornou-se real (ARRIGHI, 2008, p. 178-179).
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
Nessa nova fase do capitalismo, a grande empresa ao externalizar a manufatura, via
subcontratação de outras empresas, transformam as vantagens das pequenas empresas em
“instrumento de consolidação e expansão do seu próprio poder” (p.180). O autor vai destacar
que em nenhum outro lugar essa estratégia deu tão certo quanto na Ásia Oriental, sendo esse
sucesso a base da ascensão chinesa. Nos EUA a adoção da mesma estratégia competitiva
resulta no aprofundamento da crise da indústria antes dominante. Com isso, a economia
americana perde a condição de produtora, passando para a centralidade de entreposto
financeiro e comercial. Na verdade, as grandes empresas americanas ao adotarem a estratégia
da descentralização e externalização da produção, obtiveram lucros crescentes, contudo, estes
crescem com a produção no exterior. Para as empresas americanas poderem manter sua
participação no mercado são obrigadas a reinvestirem seus lucros no exterior, principalmente,
em países de baixos salários.
Depois de apresentar a redução de competitividade da grande empresa americana
verticalizada na concorrência entre capitais e de mostrar que no novo padrão de concorrência,
a empresa precisa, cada vez mais, (re)investir os seus lucros em outros países para assegurar a
sua participação no mercado internacional, Arrighi conclui que a saída para a empresa
americana recuperar competitividade passa por um forte ajuste estrutural, no qual o dólar
passe por uma desvalorização capaz de devolver a competitividade a indústria americana e
que também permita reverter o déficit norte americano. A questão é: essa substancial
desvalorização da moeda tende a diminuir o papel do dólar na economia mundial, o que não é
desejado pelo governo norte americano. Contudo, o autor não vê outro caminho e, mais do
que isso, observa que a depreciação da moeda americana já é um fato em curso.
Entre 2001 e 2003, a moeda americana sofreu uma depreciação na ordem de 35%, com
relação ao Euro; e com relação ao Iene a desvalorização foi de 24%. É certo que a
desvalorização da moeda americana faria desaparecer alguns trilhões de dólares dos títulos em
poder dos estrangeiros e acarretaria a perda da supremacia do dólar, retirando possivelmente
dos EUA o privilégio da senhoriagem, o que reduziria em larga medida a capacidade desse
país de sair da crise com políticas expansionistas, como vem fazendo na crise do subprime.
Também se observa que os instrumentos que foram utilizados para sair da crise de 1980 não
seriam eficazes agora, pois uma elevação das taxas de juros pelo FED teria impacto negativo
na economia, a qual já se encontra em recessão e com perda de competitividade.
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
Arrighi conclui que já está em curso a transformação da hegemonia americana em
dominação sem hegemonia. Salienta também que um Estado pode manter a dominação
mesmo depois da crise terminal da sua hegemonia, sendo esse o caso americano. Observa que
está em processo a transferência do poder econômico para a Ásia oriental, a qual tem como
economia líder a China.
Depois de analisar a tese da crise terminal da hegemonia americana, apesar de
concordar com o argumento de que a economia americana passa por mais uma crise que abala
as suas estruturas ao mesmo tempo em que a China está em franca ascensão, a pergunta que
surge é: teria a economia americana perdido a hegemonia mesmo sendo responsável por parte
significativa da produção mundial? E as grandes empresas americanas não estariam ainda
sendo competitivas e mantendo a participação no mercado? O capital já teria encontrado um
novo “porto seguro” para sua reprodução, como ocorreu nas transferências de hegemonias
anteriores analisadas por Arrighi, principalmente no seu livro “O longo século XX”?
Mesmo com as desvalorizações do dólar nos últimos anos – exceto, paradoxalmente,
no ápice da crise do subprime – surgem, por um lado, dois argumentos a favor da manutenção
do poder do dólar, e por outro lado, surge um contra a manutenção do seu valor. A favor:
primeiro, sendo verdade que o poder americano se sustenta no hegemoney, dificilmente o
governo levará adiante uma desvalorização substancial do dólar sob pena de perder o
privilegio da senhoriagem e de não conseguir fazer a empresa americana ganhar
competitividade; segundo, em consonância com a epígrafe desse texto, é de se esperar que os
credores do governo americano não planejem e nem pretendam promover um ataque a moeda
americana, sob pena deles arcarem com grandes prejuízos. Contra a manutenção do poder do
dólar: observa-se que o mundo já vem mostrando num movimento lento a tendência por
acumular reservas com base em várias moedas.
O certo é que ainda não está claro, nem mesmo depois da eclosão da grande crise do
supercapitalismo em 2008, qual o rumo do capitalismo. Mesmo havendo razões para
mudanças radicais na economia mundial, observa-se a ausência de transformações
substanciais. Pode ser que alguém argumente que com a crise o Estado voltou à economia!
Mas, teria ele em algum momento deixado de intervir no sentido de facilitar o
desenvolvimento das finanças? E a sua forte intervenção recente não é para manter o atual
padrão de acumulação e os ganhos no mundo das finanças? Bem, parece que as mudanças
recentes no comportamento do Estado se dão para que tudo continue como está. Nesse
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
sentido, Fiori desenvolve sua tese afirmando ser um mito o colapso do poder americano, pois
essa economia continua a ser central no desenvolvimento do capitalismo. Mesmo
reconhecendo que há mudanças estruturais em curso, estas se dão sob a liderança dos EUA.
IV – O mito do colapso americano
Fiori (2008), também utilizando o método histórico para analisar a dinâmica capitalista
chega à conclusão de que o poder americano não está em fase terminal. O autor prefere
trabalhar com a idéia de poder e império no lugar de hegemonia, pois, a partir da crise dos
1970, afirma ele: “pouco a pouco, o sistema mundial foi deixando para trás um modelo
regulado, [...] e foi se movendo na direção de uma ordem mundial com características mais
imperiais do que hegemônicas” (p. 18).
O autor critica a teoria dos ciclos hegemônicos por entender que ela maximiza os
aspectos positivos do poder hegemônico, descuidando-se de analisar as ações desestruturantes
do hegemon. Apesar de reconhecer que os EUA sofrem uma crise de liderança, no tempo
breve, e que vem enfrentando uma sucessão de bolhas especulativas desde 1987, no tempo
cíclico da economia, no plano das longas durações, os EUA continua a liderar a política e a
economia mundial. Nesse cenário, a expansão chinesa está vinculada a grande transformação
expansiva do sistema mundial associada à expansão do poder americano. A incorporação da
China ao mercado sob a liderança dos EUA foi um passo importante para a expansão do
poder americano e para multiplicação do capital financeiro.
É certo que a transformação expansiva se dá com conflitos, os quais tendem a se
avolumar. Os Estados intervêm cada vez mais no comando estratégico de suas economias,
levando ao movimento contraditório entre internacionalização do capital e avanço da
nacionalização do poder e do capital, sendo as guerras e as crises produto do processo de
expansão do sistema e não sinal de crise terminal.
Depois de 1990, o crescimento da China assumiu uma feição mais nacionalista o que
resultou na expansão do seu poder regional. Esse crescimento da China vinculado a expansão
americana resulta, no inicio do século XXI, em mudança estrutural no sistema mundial, sendo
criado um “novo centro nacional de acumulação de poder e de capital com capacidade
gravitacional equivalente à dos Estados Unidos” (FIORI, 2008, p. 67).
Fiori observa que essa mudança estrutural no sistema mundial é produto da crescente
pressão competitiva - entre capitais e Estados nacionais - que anuncia uma nova configuração
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
do núcleo duro da geopolítica mundial, a qual deve se apresentar nas próximas décadas
composto por EUA, China e Rússia. O processo que levará à consolidação da nova estrutura
levará a uma nova corrida imperialista entre as principais nações. Fiori conclui que “não
haverá nada parecido a um ‘duelo final’ entre os Estados Unidos e a China nesta primeira
metade do século XXI. Pelo contrário, do ponto de vista econômico o que se deve esperar é
uma fusão financeira cada vez maior entre a China e os Estados Unidos” (p. 68).
V – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o estudo, observou-se que a economia mundial nos últimos trinta anos se
expandiu de modo a incorporar diversas economias que antes não estavam integradas a
economia capitalista e a lógica de valorização do valor. Nesse processo, os EUA foram os
responsáveis por liderar as mudanças e a expansão do capitalismo.
As transformações desse período levaram a um novo padrão de concorrência em que
as empresas se vêem obrigadas a descentralizar e flexibilizar a produção se quiserem obter
êxito no mercado. Isso porque, com a liberalização financeira e a abertura comercial a
demanda passou a flutuar mais e a concorrência internacional entre capitais se acirrou.
Resultou desse processo a expansão da economia e a eclosão de crises financeiras cada vez
mais freqüentes.
No caso dos EUA, a economia líder, ocorreu na esfera da produção mudanças
substanciais. Para manter a competitividade as empresas americanas passaram a externalizar a
manufatura, deslocando a produção para países de baixos salários, principalmente para a Ásia
oriental. A perda de competitividade da indústria em solo americano associado ao avanço do
consumismo americano sustentado pelo financiamento às famílias e mais os déficits gêmeos
do governo, colocam os EUA em uma situação econômica delicada o que pode levar a
reformas importantes na condução da economia. É bem verdade que, passado o ápice da crise
financeira, as medidas adotadas pelo governo foram no sentido de manter o mesmo padrão de
acumulação com pequenas reformas e um pouco de regulação.
O certo é que no regime de acumulação flexível o capital continua a avançar e a
reverter, na esfera da produção, a queda tendencial da taxa de lucro, oxigenando assim a vida
de grandes empresas que tendiam a desaparecer. Se nos “anos dourados” os ganhos de
produtividade eram distribuídos entre os capitalistas e os trabalhadores, nos anos do
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
supercapitalismo os salários estão estagnados, a jornada média de trabalho estancou e os
direitos sociais ou pararam de avançar ou foram deteriorados.
Diante desse quadro surge a pergunta: o que podemos esperar do supercapitalismo? O
supercapitalismo é justamente o avanço do capital sobre o trabalho e a subsunção da política
ao capital, ou seja, o desenvolvimento da política se dá em função dos interesses do capital,
ela passa a se desenvolver para garantir vida longa ao capitalismo.
Desse modo, o capitalismo vai cada vez mais se aproximando do seu ideal reprodutivo
de auto-valorização do valor (D-D’). Certamente sem alcançá-lo na esfera da produção na sua
plenitude, apenas se aproximando. Deve-se salientar que esse processo tem sido conduzido
com a liderança dos Estados Unidos (empresas/dinheiro + Estado/poder político). Então,
como afirma Fiori, parece-nos que o poder americano não se esvaziou. Contudo, também
sabemos que o capital no seu movimento de reprodução gera contradições, sendo uma dessas
contradições evidenciadas pelo fato de que para o capitalismo se expandir na economia líder,
também precisa se expandir em outros países que podem ameaçar a sua estabilidade.
No caso específico, a expansão do padrão de crescimento americano é sustentada pela
a expansão do capitalismo no mundo e pelo sucesso das estratégias competitivas das empresas
não-financeiras em países emergentes. Esses são responsáveis por financiar os déficits
coletivos (famílias, empresas e governo) produzidos na economia americana, os mesmo
déficits que em parte são responsáveis pela expansão da demanda dos produtos exportados
pelos mesmos países emergentes.
Assim como afirmou Plihon e Guttmann, concorda-se com a ideia de que a crise
financeira dos subprimes em 2008 transformou-se numa crise sistêmica. Com isso não
afirma-se ser uma crise terminal, pois como argumentou-se ao longo do texto, o capital
avança sobre o trabalho e consegue se reproduzir mantendo os salários baixos e a renda
concentrada nas mãos dos mais ricos. Entende-se ser a crise sistêmica porque ela atingiu todo
o sistema com impactos na esfera das finanças e da produção, envolvendo as principais
economias do mundo e impondo para estas economias adoção de medidas emergenciais para
promover ajustes na economia.
Quanto ao poder americano, até o momento não parece ter surgido uma moeda que
venha a substituir o dólar americano, o qual na nossa interpretação é o principal pilar de
sustentação do poder americano, derivando em grande parte dele os recursos para manter a
base militar e o controle sobre os mercados financeiros, nos quais prevalece a supremacia
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
americana. Com isso, não nega-se que o dólar vem se depreciando e que outros países, como
a China venham crescendo em importância na geopolítica mundial, contudo parece ser cedo
para afirmar que os EUA já perderam seu poder de liderança da economia mundial.
Ainda com relação aos EUA, reconhece-se aqui que o seu poder vem se deteriorando e
que o crescimento da sua economia vem acompanhado da elevação do grau de fragilidade,
principalmente financeiro. Ao manter essa dinâmica, é muito provável que os capitais
busquem um novo “porto seguro” para comandar a sua reprodução, a questão é que no
momento nenhuma moeda e nenhum país se apresentam como esse novo “porto seguro” para
o capital.
BIBLIOGRAFIA
ANDRADE, C. A. Inovação e manufatura em setores de alta tecnologia: modelos de
organização industrial e estágios de reestruturação produtiva. Campinas. Dissertação
apresentada no Inst. De Geociências da Unicamp, 2004.
ARRIGHI, G. Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI. São Paulo:
Boitempo, 2008.
CINTRA, M. A. M. O dólar e o iuane como moeda-reserva internacional. Campinas,
2009.
FIORI, J. L. O sistema interestatal capitalista no início do século XXI. In: Fiori, J. L. et &
AL. O mito do colapso do poder americano. Rio de Janeiro: Record, 2008.
FURTADO, J. Globalização
Edufscar/FAPESP, 2003.
das
cadeias
produtivas
no
Brasil.
São
Carlos:
GUTTMANN, R; PLIHON, D. O endividamento do consumidor no cerne do capitalismo
conduzido pelas finanças. Rev. Economia e Sociedade, Campinas, v. 17, p. 575-611. Dez.
2008.
GUTTMANN, R. Uma introdução ao capitalismo dirigido pelas finanças. CEBRAP,
Novos Estudos, n. 82, Nov. 2008
HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1998.
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: o processo de circulação do capital.
8.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. Livro 2.
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: o processo global de produção
capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. Livro 3, vol. 4, 5, 6.
REICH, R. B. Supercapitalismo: como o capitalismo tem transformado os negócios, a
democracia e o cotidiano. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
Vitória da Conquista, Bahia, 13 a 17 de fevereiro de 2017
XV Semana de Economia e I Encontro de Egressos de Economia da UESB
Download