AGENDA INTERNACIONAL REUNIÃO 5 - 29/04/2016 TEMA: CHINA – SEGURANÇA E ECONOMIA Com João Arthur da Silva Reis - Começamos a reunião com a seguinte frase: “A China sempre foi uma grande potência que só está recuperando os anos perdidos”. A gente vê que a China é vista economicamente e politicamente da década de 1970 para cá, mas se vermos a história da China, veremos que isso sempre existiu. Da década de 1970 para cá, ela apenas retomou sua era de acordo com os moldes da globalização. - Em relação a essa frase inicial que diz que a China estaria retomando seu crescimento anterior, considerando que a China é uma das formações estatais mais antigas, se não a mais antiga da história. Ela tinha um corpo estatal burocrático e organizado desde 3000 a.C. e tem registro, inclusive, de uma dinastia datada de 5000 a.C. Ou seja, a China tem toda uma história e percepção do tempo que é diferente do tempo que a gente tem quando estudamos relações internacionais, pois, frequentemente, começamos a história a partir de 1648 (Tratado de Vestfália) que, embora seja um tempo de auge para nós, para eles, foi na Dinastia Ming a época de maior prosperidade da China. Além disso, eles já vinham há séculos passando por ciclos de ascendência imperial, decadência e ascendência, novamente. Uma dinastia provinha provisões econômicas, políticas, sociais e depois, se organizavam em uma nova dinastia. E, para eles, são necessárias medidas substanciais pelo fato de que agora estão inseridos em uma economia capitalista a nível global, tendo que se adaptar a um formato de Estado e, não mais, uma civilização tributária como antes. Para eles, está acabando um período de declínio que começou em 1840, quando teve as guerras do ópio e vai até, mais ou menos, na Revolução Chinesa, em 1949, quando eles retomam sua soberania e, somente agora, estão retomando o crescimento e a prosperidade que, para eles, é a marca de sua civilização. - Apenas te interrompendo para contar uma piada, uma vez perguntaram para Mao Tse-Tung, na década de 1960, o que ele achava da Revolução Francesa, ao qual ele respondeu “esse é um fenômeno muito recente, então não tenho o que comentar”. Isso serve para ver como os chineses acabam se vinculando a essa história de longa duração, tradições, comunidades e valores duradouros, ao contrário de nós, onde o passado é sempre o que aconteceu ontem. Nós tratamos de eleições dos EUA, da Síria, situação brasileira, etc. Para os chineses é valorizada muito mais a estrutura do que o acontecimento. E nós, valorizamos o acontecimento e muitas vezes, ignoramos a estrutura. - Primeira pergunta: A China criou o Conselho de Segurança do Estado para reforçar sua segurança nacional, segundo o Ministério das Relações Exteriores (MRE) da China: “O estabelecimento do Conselho de Segurança deixará nervosa as forças como terrorismo, separatismo e o extremismo”. O que isso de fato representa para a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), para a Organização para Cooperação Xangai (OCX) e, sobretudo, para o ocidente? O que podemos esperar dessa nova política? - Essa Comissão de Segurança Nacional surgiu agora em novembro de 2013, na terceira plenária do Congresso Comunista – o partido comunista se organiza em plenários, em termos de congresso e, esse congresso ocorre de 5 em 5 anos. Na transição de presidente, ela acontece de 10 em 10 anos. Então, temos Xi Jinping, que entrou em 2012 e, depois que tem esse primeiro congresso onde ele foi eleito, há uma série de plenárias, reuniões desse congresso que se juntam para decidir algumas coisas importantes. A terceira plenária é sempre a mais importante. Se vocês analisarem a terceira plenária do congresso, em que foi colocado o novo presidente, é onde serão anunciadas as medidas mais importantes. Foi nessa plenária, por exemplo, que foram induzidas uma série de reformas militares, políticas e econômicas na China e, a criação do Conselho de Segurança é parte inicial desse esforço e, houve muitos debates na época de seu surgimento e houve repercussão na mídia porque, sempre quando é algo relacionado à China, há certo exagero, basta olhar a cobertura jornalística relativa a eventos na China, que parece ser um tanto histérica. Mas, o que os chineses realmente dizem sobre a criação desse conselho nacional é que este será parecido com o conselho nacional dos EUA, no qual a China copiou de maneira muito semelhante. Nos EUA, o presidente tem um grupo de assessores, generais, ministros e, o que a China tem de diferente é que não possui órgão de assessoramento, mas sim, órgão de supervisão. E, a China fez isso por dois motivos principais: o primeiro é supervisionar essas reformas que a gente falou; e o segundo, para integrar e coordenar melhor os esforços de segurança doméstica e externa. Em relação à questão das reformas, a China começou uma série de reformas militares significativas nas forças armadas chinesas e foi a modificação mais profunda desde 1949, e as reformas econômicas também estariam ligadas a questões de segurança doméstica e, isso pode, eventualmente, levar a uma série de protestos. Então, para eles é interessante ter uma supervisão disso para, pelo menos, saber como estão acontecendo essas coisas. Passando para o segundo ponto, a China sempre teve uma estrutura de segurança domestica muito fragmentada, muito separada. Então, havia o exército que cuidava de algumas questões por um lado e, na questão marítima, por exemplo, eles tinham dez agências marítimas separadas, que agora eles estão centralizando e unificando. A segurança marítima em respeito à ASEAN, onde a China está passando por uma série de disputas territoriais no mar do leste, mar sul da China e com a Índia e, isso demonstra que, para eles, é muito difícil discutir segurança doméstica e segurança externa separadamente. Porque, nesse caso, por exemplo, eles acham que o mar sul da China está inserido no âmbito de segurança doméstica por ser território deles, embora alguns não reconheçam isso. Só que na prática, existem bases militares, navios e pessoas dizendo que aquele território pertence a outros países. Esses órgãos de segurança estão, basicamente, sobre o controle direto do presidente, tendo que tomar uma série de decisões importantes nas áreas de segurança e de relações exteriores, então, basicamente se unificou alguns grupos que eles chamam de smalling groups - que são pequenos grupos de especialistas do partido e políticos que cuidam de alguns assuntos específicos. Então, havia um grupo para relações exteriores, que era mais importante do que as decisões de relações exteriores do próprio Ministério, tinha um em relação à segurança doméstica, tinha um para segurança externa, que basicamente foram todos unificados nesse conselho. Então, para eles, isso foi mais algo de reestruturação interna e organização para criar condições de lidar com ameaças das mais diversas. E, por que isso pode impactar a ASEAN? Eu acho que isso pode trazer mais flexibilidade nas relações da China com os países da ASEAN, porque nessas disputas que eles tinham, frequentemente ocorriam escaramuças, brigas entre barcos chineses da guarda costeira chinesa ou, até mesmo, por barcos pesqueiros chineses e barcos vietnamitas, barcos filipinos, indonésios e taiwaneses. Não era o governo chinês que mandava um barco ficar batendo no outro e jogando mangueira de água como um ato de guerra para expulsar os barcos dali. Então, cada agência marítima tomava uma decisão separada e começava uma crise diplomática com outros países, sem mesmo que os diplomatas soubessem disso. Durante uma visita do Robert Gates, secretário de defesa dos EUA, em 2010, foi testado um caça durante a visita do secretário, sem que o presidente soubesse e ficou parecendo que a China estava querendo fazer uma demonstração de força, gerando assim, um conflito diplomático. Então, a criação desse conselho é para, justamente, saber o que está acontecendo e poder influir de maneira mais direta. Então, com relação à ASEAN, este pode ser um resultado positivo. E isso também vale para as relações com o Ocidente, até porque frequentemente os americanos fazem patrulhas, tanto com aeronaves quanto com barcos nas zonas chinesas, para dizer que estão garantindo a liberdade de navegação. Isso causou alguns incômodos, então, isso pode, ao menos, evitar que algum comandante chinês ou agência marítima dê uma resposta mais dura, sem que o presidente tenha o controle da situação como um todo. Em relação a OCX, não foi por acaso que o ministro citou esses três pontos - o terrorismo, o separatismo e o extremismo. Esses são os três pilares que sustentam a OCX. Esta, na verdade, surgiu como uma tentativa da China e da Rússia, na guerra fria, de estabelecer regras básicas de convivência na Ásia central para não haver atritos. Com o tempo isso foi evoluindo para uma força mais de integração e cooperação internacional em termos de combate ao terrorismo, onde este é um problema tanto da China, quanto da Rússia e da Ásia central. Então, isso dá uma ideia de que a China estaria aumentando sua capacidade de combate ao terrorismo e ao extremismo. O professor Edson escreveu um artigo muito bom em que se diferenciam duas abordagens de combate ao terrorismo na região, que é a abordagem unilateral, que os EUA tem feito desde 2001; e a abordagem de cooperação regional, que é o que a China, a Rússia e os países da Ásia Central estão tentando propor desde aquela época, para permitir que alguma potência intervenha ali e crie uma arquitetura regional de segurança para combater o terrorismo. - Segunda pergunta: a China criou uma teia de interdependência econômica global, onde a maioria dos mercados encontra-se envolvidos. Agora ela passa por uma desaceleração da economia que, segundo os chineses, o objetivo é que o consumo interno se torne mais preponderante na economia. Os parceiros econômicos são os que mais sentem essa desaceleração, pois os investidores retiram dinheiro desses países derrubando as moedas locais. O Brasil é um exemplo. Podemos considerar essa desaceleração como uma medida estratégica para enfraquecer seus parceiros ocidentais e assim, consolidar ainda mais sua economia? - Eu acho que não, por duas razões: a primeira é que a China não começou a crise. Esta começou nos países desenvolvidos como uma bolha imobiliária nos EUA, se transferindo para a Europa, onde em 2011 teve seu impacto mais profundo da crise, em função dessa dívida privada, onde os governos tentam resgatar os bancos e criar medidas para suporte das pessoas e, assim, aumentar a dívida; em segundo lugar, a China não ganha nada com isso. Na verdade, essa crise só ampliou as contradições do modelo de crescimento chinês, que é fortemente baseado em investimento, tanto do governo em infraestrutura, quanto investimento exterior; e se baseia, também, em comércio exterior, com todo seu sistema de exportação. Então, essa crise complicou a China, que ficou com menos mercado para exportar devido aos países compradores em crise, e também há diminuição nos investimentos. Então, se um modelo baseado em exportação e em investimento tem uma queda nesses dois âmbitos, gera uma complicação onde a China não está ganhando com isso, pois está tendo que fazer uma série de reformas econômicas para rebalancear esse modelo de crescimento mais voltado para seu mercado interno, para um mercado interno mais desenvolvido, que vem acontecendo desde a crise de 2000.