O nirvana virou deserto de Saara

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O nirvana virou deserto de Saara
Hélio Duque
Na última década os brasileiros viveram um tempo
dicotômico. O governo alimentou o surrealismo do bem contra o mal.
Marqueteiros, vendedores de ilusões estipendiados por milhões de reais,
propagandeavam a chegada da “boa nova”, haveria leite e mel para o
povo. Tempo de “nunca antes na história desse país” proclamado em alto
brado pelo presidente da República. O governo era o bem travando duro
combate contra as demoníacas elites brasileiras. O mal era a “herança
maldita” deixada pelo governo anterior, alcunhado de protetor dos
privilegiados. Ignorando com enorme cinismo o fato de o Plano Real, ao
acabar com a inflação, estabilizara a economia que confiscava a renda
dos trabalhadores e dos pobres. Sustentou, por uma década de
estabilidade, conquistas econômicas e sociais que tiraram da pobreza
milhões de famílias.
A popularidade do governo foi consequência natural,
intensificada com programas sociais importantes. Infelizmente muitas
dessas conquistas estão ameaçadas por inexistência de dinheiro para
sustentá-las. As árvores plantadas pelo Plano Real deram os frutos
colhidos durante a década. A falta de irrigação e plantio de novas árvores
que seria a implantação de reformas estruturais e investimentos voltados
para o desenvolvimento, levou o festejado nirvana a se transformar em
deserto de Saara. Hoje a economia brasileira está mergulhada em
recessão, com a atividade produtiva em ritmo negativo, o desemprego
em escala crescente, as contas públicas deterioradas, a inflação
ascendente, o poder aquisitivo da população em declínio, a
inadimplência avançando com celeridade e um governo atônito e
perdido.
Viveremos no curto e médio prazo momentos de grandes
dificuldades, com aprofundamento da crise política, econômica e social.
A “presidenta”, reconhecidamente “incompetenta”, tem a legitimidade de
um mandato popular conferido, democraticamente, há poucos meses. Na
vertente política, setores de uma oposição desorientada lançam a tese
do afastamento. Infelizmente a inteligência e a estratégia do jogo de
poder sofre de indigência e de notável déficit na vida brasileira. Fosse
dirigente do PT, estimularia o movimento do “Impeachment” de Dilma
Rousseff. Quem viesse a assumir o governo não teria respostas para
solucionar a crise econômica, política e social em que os governos
petistas mergulharam o Brasil. Seria a tábua de salvação para o PT que
iria mobilizar o que resta da sua militância, fazendo oposição selvagem
ao novo governo com “slogans” e acusações pérfidas. Não se enganem,
com relativo apoio popular.
É preciso dizer com clareza: a sociedade brasileira é
mercurial e responde sempre com visão de curtíssimo prazo. Enormes
parcelas acreditam em salvadores da Pátria, adora personagens
messiânicos. Exemplo: caçadores de marajás e erradicadores da
pobreza, assim foi Collor em 1989 e em 2002, com Lula da Silva. A
desorganização da sociedade, aliada ao fato de dois terços da população
ser analfabeta funcional, a inexistência de partidos políticos verdadeiros
alimenta a esperança da chegada do Messias salvador. O brasileiro
médio vive o irônico poema de Kalil Gibran: “vamos viver o presente/ o
passado já se foi/ o futuro é uma incógnita”.
Nas últimas manifestações do “clamor das ruas” que invade
o país, muitos dos seus integrantes até meses atrás eram convictos
defensores dos lulopetismo. Inclusive em amplos segmentos da
desorientada classe média. A inflexão não ocorreu por razões de
princípios, coerência, ou em nome de um projeto nacional, mas pela
explosão do festival de incompetência e corrupção que vitimou todos.
Agravada pela recessão econômica, pela inflação, pelo desemprego e
perda do poder aquisitivo que invadiu majoritariamente o orçamento
familiar. Há uma década, em artigos, diagnosticava a irrealidade em que
vivíamos. Era chamado de pessimista. Ao que respondia: “o pessimista é
o otimista bem informado”.
A conta agora chegou e é salgada. O que fazer? A saída
seria um grande pacto nacional, se houvesse estadistas comprometidos
com o futuro. Infelizmente o deserto de idéias vem sendo vitorioso,
demonstrando que no Brasil situação e oposição se equivalem na visão
de curto prazo. Deveriam aprender a lição que vem da Grécia: a vontade
política irresponsável não extingue a realidade econômica.
Helio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor
de vários livros sobre a economia brasileira.
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