Volume de Átrio Esquerdo como Preditor de Morte em Miocardiopatia Chagásica Dilatada ISSN 0103-3395 Artigo Original Left Atrial Volume as a Predictor of Death in Chaga’s Dilated Cardiomyopathy Edson Siqueira da Rocha1, Maria do Carmo Pereira Nunes1,2, Manoel Otávio da Costa Rocha2, Márcia de Melo Barbosa1. RESUMO: A disfunção diastólica é fator prognóstico na miocardiopatia dilatada. O volume do átrio esquerdo (VAE) constitui um índice independente na avaliação de risco cardiovascular, correlacionando-se com a gravidade da disfunção diastólica. Todavia, a análise em conjunto do VAE e da função diastólica em pacientes com miocardiopatia Chagásica (MCh) ainda não foi descrita. Objetivo: Correlacionar o VAE com a função diastólica em pacientes portadores de MCh. Métodos: Foram analisados os dados 60 pacientes com MCh de 1999 a 2002. História clínica, ECG, ecocardiogramas transtorácico (ETT) e transesofágico (ETE) foram obtidos. A função diastólica foi avaliada pela análise dos fluxos mitral e venoso pulmonar. O VAE foi obtido pelo método de área-comprimento em dois planos. O seguimento foi de 23 ± 10 meses e a variável de desfecho foi morte cardíaca. Resultados: A idade foi de 47 ± 13 anos com 43 homens e 18 mulheres. Cinqüenta e três pacientes estavam em classe funcional I e II da NYHA e 8 em classe III e IV. A fração de ejeção (FE) do VE foi de 40 ±12%. A função diastólica foi normal em 25% dos pacientes, RDA ocorreu em 31%, Pseudonormal em 16% e padrão restritivo em 13%. Em 15% a diástole não pode ser analisada. O VAE foi de 47 ± 2 ml/m2. Durante o seguimento, 10 pacientes morreram de causa cardíaca (50% de forma súbita). O VAE foi um preditor de morte (RR= 1,061; IC 95%: 1,025-1,099, p=0,001) e se associou à classe funcional (p=0,01). A disfunção diastólica associou-se ao VAE, sendo que o aumento do VAE acompanhou a gravidade da disfunção diastólica (p<0,001). Houve correlação entre o diâmetro do AE e seu volume (r=0,6; p=0,001). A velocidade de ejeção do fluxo no apêndice atrial esquerdo foi outro parâmetro que se correlacionou com o volume atrial (r=-0,7;p=0,001). Conclusão: O VAE associou-se com a disfunção diastólica e classe funcional em pacientes cm MCh. O VAE mostrou-se ainda um importante preditor de morte nestes pacientes. Descritores: Miocardiopatia, Chagas, Ecocardiografia, Volume do átrio esquerdo. SUMMARY: Diastolic dysfunction is a prognostic factor in dilated cardiomyopathy. The left atrial volume (LAV) is an independent risk factor in patients with cardiovascular disease and correlates with the severity of diastolic function. However, its contribution for the characterization of Chagas’cardiomyopathy (ChCM) is not known. Objective: To correlate LAV and diastolic function in patients with ChCM. Methods: From 1999 to 2002, data from 60 patients with ChCM were analyzed. Clinical history, EKG, transthoracic and transesophageal were obtained in all. Diastolic function was analyzed using mitral valve and pulmonary venous flows. LAV was obtained by the area-length method from two orthogonal planes. Cardiac death was the end point in a follow up of 23 ±10 months. Results: Mean age was 48 ± 13 years and 69% were male. Fifty-three patients were at NYHA Class I or II and 8 were at classes III or IV. Mean ejection fraction was 40 ± 12%. Diastolic function was considered normal, abnormal diastolic relaxation, pseudonormal, restrictive and inconclusive in 25%, 31%, 16%, 13% e 15%, respectively. The mean LAV was 47 ± 2 ml/m2. During follow up, tem patients died of a cardiac death (50% had sudden death). LAV was a significant a predictor of death (RR= 1.061; CI 95%: 1.025-1.099, p=0.001) and was associated to the NYHA class (p=0.001). Diastolic dysfunction correlated with LAV, with increased values of LAV associated with more severe degrees of diastolic dysfunction (p<0.001). There was a correlation between LAV and its diameter (r=0.6; p=0.001). Left atrial appendix velocity by transesophageal echocardiogram was another parameter that was inversely correlated with LAV (r=-0.7, p=0.001). Conclusion: LAV was associated with functional class and diastolic dysfunction and was a predictor of death in patients with Chagas’cardiomyopathy. Descriptors: Chagas Cardiomyopathy; Chaga’s Disease; Cardiomyopathy, Congestive. Instituição: 1: Hospital SOCOR - Belo Horizonte / MG. 2: Curso de Pós-Graduação em Medicina Tropical – UFMG. 1 Curso de Pós-Graduação em Medicina Tropical - UFMG 2 Ecocenter - Hospital Socor - Belo Horizonte Correspondência: Edson Siqueira da Rocha Hospital Socor, Ecocenter. Belo Horizonte - MG Tel: 3330-3036 [email protected] Recebido em: 08/08/2004 - Aceito em: 12/09/2004 29 Revista Brasileira de Ecocardiografia 17(4):29-36,2004 Rocha ES et al. Volume do átrio esquerdo como preditor de morte em miocardiopatia chagásica dilatada. INTRODUÇÃO O átrio esquerdo desempenha um importante papel como conduto e controlador do fluxo de sangue a ser transferido das veias pulmonares para o ventrículo esquerdo. Várias técnicas têm sido usadas para caracterizar a função do átrio esquerdo. A ecocardiografia com Doppler trouxe contribuições significativas para o entendimento da função do átrio esquerdo e função diastólica do ventrículo esquerdo (VE), permitindo a correlação destas funções com o prognóstico de diferentes doenças, como infarto agudo do miocárdio (IAM) e miocardiopatias1. As medidas comumente utilizadas para caracterizar a função diastólica dependem da fase do ciclo cardíaco e das relações instantâneas entre a pressão de enchimento e a complacência do ventrículo esquerdo, alteradas a cada batimento cardíaco2. Por outro lado, o volume do átrio esquerdo depende dos mesmos fatores que influenciam o enchimento do VE, sofre uma menor influencia da pré-carga e representa um parâmetro mais estável, refletindo a gravidade e duração da disfunção diastólica em diversas doenças cardíacas3. O aumento do volume do átrio esquerdo foi associado a um risco aumentado de evento cardiovascular em pacientes com disfunção diastólica4. Todavia, a importância do aumento do VE como preditor de morte em pacientes com miocardiopatia Chagásica dilatada portadores de disfunção diastólica e sistólica não tem sido descrita. Este trabalho teve como objetivo avaliar o volume de átrio esquerdo em pacientes portadores de miocardiopatia Chagásica dilatada, avaliar a predição de morte e verificar a associação deste parâmetro com a classe funcional, função sistólica e função diastólica destes pacientes. MÉTODOS Seleção dos pacientes De Julho de 1999 a Agosto de 2002, foram avaliados 170 pacientes do Ambulatório de Referência de Miocardiopatia Dilatada do Hospital das Clínicas da UFMG. Foram excluídos os pacientes com marca-passo, doença primária das válvulas cardíacas, fibrilação atrial e doenças sistêmicas 30 como diabetes, hipertensão arterial, disfunção tireoidianas, doença pulmonar, alcoolismo, e outras cardiopatias associadas. Após exame clínico e obtenção da classe funcional de NYHA, foram selecionados um total de 123 participantes com frações de ejeção do VE abaixo de 55% ao ecocardiograma e teste sorológico positivo para doença de Chagas. Os pacientes foram seguidos por 23 ± 10 meses, tendo-se como desfecho primário, morte por causa cardíaca. Para o cálculo do volume do átrio esquerdo, foram utilizados os dados de sessenta pacientes submetidos a ambos os exames de ecocardiograma transtorácico e transesofágico. Exame Ecocardiográfico As imagens ecocardiográficas foram obtidas por um único examinador (MCP), utilizando-se os equipamentos Hewllet-Packard 1000 e 5500 equipados com transdutores de 2,5 e 3,5 MHz de frequência. Empregaram-se as modalidades uni e bidimensional, Doppler pulsado e contínuo guiados por mapeamento de fluxo em cores, conforme técnica estabelecida5,6. Os cortes ecocardiográficos foram feitos com o paciente em decúbito lateral esquerdo, na posição paraesternal (corte longitudinal do ventrículo esquerdo e cortes transversais no nível da valva mitral e dos músculos papilares) e na posição apical (cortes das quatro, cinco, duas e três câmaras)5. A fração de ejeção calculada pelo método de Teichholz permitiu classificar os pacientes quanto à disfunção sistólica ventricular esquerda em grau leve (FE = 41 a 55%), moderado (FE = 30 a 40%) e grave (FE < 30%). Ver Tabela 1. Para estudo da função diastólica do ventrículo esquerdo foram analisadas as velocidades do fluxo mitral e das veias pulmonares, além da medida do tempo de relaxamento isovolumétrico. O fluxo mitral foi obtido no corte apical de quatro câmaras, com a amostra de volume do Doppler pulsado colocada na ponta dos folhetos mitrais7. As velocidades das ondas E e A, O tempo de desaceleração da onda E, a relação E/A foram medidas com varreduras a 100 mm/s. O enchimento ventricular foi classificado como Revista Brasileira de Ecocardiografia 17(4):29-36,2004 Rocha ES et al. Volume do átrio esquerdo como preditor de morte em miocardiopatia chagásica dilatada. Classe Funcional (NYHA) Disfunção Sistólica I II III IV Leve Moderada Grave 27 (22%) 21 6 0 0 25 2 0 RDA 42 (34%) Função Pseudonormal 18 (15%) diastólica Restritivo 20 (16%) 18 22 2 0 25 14 2 3 15 0 0 7 4 7 1 10 7 2 0 2 18 16 (13%) 2 7 4 3 5 3 9 123 45 60 13 5 61 25 36 Normal Inconclusivo Total Tabela 1. Distribuição dos 123 pacientes de acordo com a função diastólica, classe funcional e disfunção sistólica. normal, relaxamento diastólico anormal, pseudonormal ou restritivo8 de acordo com o padrão de fluxo diastólico ao nível da valva mitral, fluxo das veias pulmonares e Doppler tissular ao nível do anel mitral. A análise da função diastólica foi considerada inconclusiva pra os pacientes com função diastólica alterada na presença de arritmias e/ou parâmetros destoantes da descrição clássica. Na presença de regurgitação mitral significativa, considerou-se padrão restritivo apenas quando o tempo de desaceleração da onda E foi menor que 130 ms. O tempo de relaxamento isovolumétrico foi medido com o Doppler pulsado colocado anterior e medialmente ao fluxo mitral, na direção da via de saída do ventrículo esquerdo, medindo-se o tempo entre o clic de fechamento aórtico ao início do fluxo mitral 7. partir de dois planos ortogonais (corte apical de quatro e duas câmaras, Figura 1) para a área e o comprimento do átrio esquerdo, no final da sístole, foram empregadas na equação 1 para o cálculo do volume do átrio esquerdo, onde A1 e A2, são áreas de secção transversa dos cortes de quatro e duas câmaras respectivamente. Lx é a menor dimensão longitudinal dos referidos cortes (L1 ou L2). O ecocardiograma transesofágico foi realizado utilizando-se transdutor multiplano de 5 MHz – Hewlett-Packard, com obtenção de imagens seqüenciais padronizadas10, seguindo a rotina do serviço. A análise do fluxo das veias pulmonares foi realizada com o emprego do Doppler em cores, colocando a amostra de volume a 0,5 cm do orifício de entrada da veia pulmonar superior esquerda, sendo feitos ajustes de filtro e ganho Equação :1 VAL = 0,85 * A1 * A2 Lx O volume do átrio esquerdo foi estimado pelo método da área-comprimento (método 4) descrito por Arcilla et al.9, e foi indexado pela superfície corporal. Resumidamente, as medidas obtidas a Figura 1. Representação esquemática de imagens ecocardiográficas obtida nos cortes apicais de 4 câmaras e 2 câmaras. A1 e A2 representam áreas do átrio esquerdo nos respectivos cortes, enquanto L1 e L2 representam as medidas dos diâmetros longitudinais. 31 Revista Brasileira de Ecocardiografia 17(4):29-36,2004 Rocha ES et al. Volume do átrio esquerdo como preditor de morte em miocardiopatia chagásica dilatada. para obtenção de um registro espectral ótimo do Doppler. As medidas de velocidades de pico e duração do fluxo atrial reverso foram realizadas com varredura de 100 mm/s 11. As médias das velocidades de enchimento e ejeção (V1 e V2) do apêndice atrial esquerdo de três ciclos cardíacos (AAE) foram obtidas com o Doppler pulsado, posicionando-se a amostra de volume a 1 cm da base da cavidade do AAE. Neste, trabalho, a duração do reverso atrial, dimensões atriais, volume atrial e velocidade de influxo do AAE foram utilizados para a avaliação da função do átrio esquerdo. Análise estatística As variáveis contínuas foram analisadas através de suas estatísticas descritivas e a diferença entre as médias foi comparada pelo teste t de Student, considerando as amostras independentes. As variáveis discretas e categóricas foram tabuladas por sua freqüência absoluta e relativa. O teste Qui-quadrado de Pearson foi utilizado para testar associação e/ou homogeneidade. A relação entre as variáveis clínicas e Doppler ecocardiográficas foi testada através de técnica de regressão linear simples e múltipla. Para a análise de sobrevida, foi utilizado o método de Kaplan-Meier e a comparação entre as curvas de sobrevida acumulada pelo teste log-rank. O modelo de Cox foi empregado na análise uni e multivariada para determinar o impacto dos fatores prognósticos na sobrevida. O nível nominal de significância adotado foi de 5% (p-valor ≤ 0,05). RESULTADOS Neste trabalho foram estudados 123 pacientes com idade média de 49 ± 14 anos (faixa 19-83, 63% masculino). A maioria dos pacientes (88%) recebia tratamento convencional para insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e estava em classe funcional I e II de NYHA. Na Tabela 1 foi resumida distribuição dos pacientes de acordo com a função diastólica, classe funcional e disfunção sistólica. Os pacientes com classe funcional I e II apresentavam em sua maioria, função diastólica do tipo normal ou relaxamento diastólico anormal (RDA), enquanto 32 que os pacientes de pior classe funcional, III e IV apresentavam padrão de disfunção diastólica do tipo restritivo ou inconclusivo. Pacientes com disfunção diastólica do tipo pseudonormal apresentavam classe funcional de grau II. Oitenta e dois porcento dos pacientes com disfunção sistólica leve apresentaram função sistólica do tipo normal ou RDA, enquanto que setenta e cinco porcento dos pacientes com disfunção sistólica grave apresentaram padrão de disfunção diastólica do tipo restritivo ou inconclusivo. Os dados ecocardiográficos dos pacientes selecionados para a análise do volume do átrio esquerdo foram resumidos na Tabela 2. Classes funcionais de pior prognóstico, III e IV, estavam relacionadas a reduções na fração de ejeção, assim como, a aumentos nas dimensões das câmaras cardíacas e maior grau de disfunção diastólica. Por exemplo, o diâmetro do VE em diástole, o diâmetro e o volume do átrio esquerdo alçaram as maiores cifras nas classes funcionais III e IV (Tabela 2). Houve uma correlação significativa entre o volume do átrio esquerdo e o grau de disfunção diastólica (Figura 2). O volume do átrio esquerdo foi maior nos pacientes com padrão pseudonormal e restritivo de disfunção diastólica. Também foi observada uma associação entre o aumento de volume de átrio esquerdo e outros parâmetros como a cavidade do VE, fração de ejeção, duração do fluxo de ejeção do AAE (Tabela 3). Não houve associação significativa entre o volume do átrio esquerdo e a idade ou frequência cardíaca ou pico de velocidade de do fluxo em veias pulmonares. Na Figura 3 foram ilustradas as curvas de sobrevivência de pacientes Chagásicos em função do volume do átrio esquerdo a partir de modelo de regressão de Cox. A detecção de um volume do átrio esquerdo com valor superior a 44 ml/m2 foi associada a uma especificidade de 96% (Tabela 4). O aumento do volume de átrio esquerdo acima de 46 ml/m2 foi altamente significativo como preditor de morte (ß:0,06 SE:0,018, RR 1,061 IC 95%: 1,025-1,099, p=0,001). DISCUSSÃO Neste estudo de pacientes sem doenças valvulares Rocha ES et al. Volume do átrio esquerdo como preditor de morte em miocardiopatia chagásica dilatada. Revista Brasileira de Ecocardiografia 17(4):29-36,2004 Classe I (16) Classe II (34) Classe III e IV (8) p1 (I-II) p2 (I-III) p3 (II-III) 39 ± 11 50±13 53±14 0.005 0.01 NS 87 65 50 - - - FEVE (%) 50 ± 4 39 ± 11 25±13 0.0003 0.0001 0.003 VE em diástole (mm) 59 ± 5 63 ± 7 73±8 0.04 0.0001 0.01 Pico da onda E (m/s) 0.68 ± 0.14 0.65 ± 0.20 0.86±0.28 NS 0.04 0.02 Pico da onda A (m/s) 0.57 ± 0.15 0.59 ± 0.26 0.45±0.21 NS NS NS Razão E/A 1.2 ± 0.4 1.4 ± 1.0 3±1.8 NS 0.0008 0.001 DT (ms) 203 ± 49 225 ± 75 167 ± 57 NS NS 0.04 Átrio Esquerdo (mm) 37 ± 3 41 ± 5 47 ± 5 0.005 0.0001 0.004 VAE (ml/m2) 36 ± 10 47 ± 15 68 ± 21 0.01 0.0001 0.002 Influxo de AAE (m/s) 0.80 ± 0.17 0.58 ± 0.24 0.28 ± 0.08 0.002 0.0001 0.001 Pico sistólico em VP (m/s) 0.50 ± 0.17 0.41 ± 0.14 0.18 ± 0.10 0.05 0.0001 0.001 Pico diastólico em VP (m/s) 0.35 ± 0.12 0.41 ± 0.15 0.57 ± 0.11 NS 0.0003 0.01 94 ± 32 151 ± 37 149 ± 30 0.0001 0.0005 NS 0 12% (4) 75% (6) 0.2 0.005 0.001 Característica Idade Sexo masculino (%) Reverso atrial (ms) Morte % (n) Tabela 2. Dados ecocardiográficos de acordo com a classe funcional. (NS: não significativo; FEVE: Fração de ejeção do ventrículo esquerdo; AAE apêndice atrial esquerdo, DT: tempo de desaceleração da onda E, VAE: volume átrio esquerdo, VP veia pulmonar, p1, p2, p3 nível de significância para a comparação entre os parâmetros obtidos entre as classes funcionais I e II, I e III, e II-III respectivamente). Figura 2. Relação entre o volume de átrio esquerdo indexado para superfície corporal e grau de função diastólica. Figura 3. Curva de Sobrevivência obtido pelo modelo de Kaplan-Meier para volume de átrio esquerdo menor que 46 ml/m 2 e maior ou igual 46 ml/m2. 33 Revista Brasileira de Ecocardiografia 17(4):29-36,2004 Rocha ES et al. Volume do átrio esquerdo como preditor de morte em miocardiopatia chagásica dilatada. Volume do átrio esquerdo Parâmetros y r p-value Idade (anos) 0.29 x + 33 0.2 NS Freqüência Cardíaca (bpm) 0.3 x + 26.3 0.2 NS Diâmetro do VE em diástole 1.28 x – 34 0.57 <0.01 Fração de ejeção do VE -0.88 x + 82 -0.6 <0.01 Velocidade de ejeção do apêndice atrial -0.99 x + 106 -0.7 <0.01 Duração do fluxo atrial 0.15 x + 24 0.37 <0.01 Velocidade de pico de veia pulmonar -0.07 x + 46 -0.1 NS Tabela 3. Parâmetros de correlação de curvas de regressão linear entre volume de átrio esquerdo e diferentes parâmetros como, idade, frequência cardíaca, diâmetro do VE em diástole, fração de ejeção do VE, velocidade de ejeção do apêndice atrial, duração do fluxo reverso atrial e velocidade de pico de veia pulmonar. NS= não significativos. primárias, doenças sistêmicas, ou arritmias, o volume do átrio esquerdo pôde ser associado à gravidade de disfunção sistólica e disfunção diastólica em pacientes portadores de miocardiopatia Chagásica dilatada. A cardiopatia chagásica crônica apresenta evolução lenta e progressiva, mas quando se estabelece a insuficiência cardíaca, o prognóstico tende a ser desfavorável, com altas taxas de mortalidade. O presente estudo demonstra diferenças no perfil evolutivo e no prognóstico da cardiopatia chagásica. A classe funcional da NYHA foi um preditor de mortalidade no grupo de pacientes aqui estudado, relacionando-se tanto com a disfunção sistólica quanto com a diastólica. Os pacientes com classes funcionais III e IV apresentavam disfunção sistólica mais grave, com padrões de disfunção diastólica também mais graves (pseudonormal e restritivo). A associação entre classe funcional e mortalidade já havia sido descrita. Em estudo longitudinal em Roscio, Venezuela, Acquatella et al. 12 verificaram que os pacientes portadores de Doença de Chagas e com classe funcionais maior que dois apresentavam sobrevida de cinco anos de 38%, em comparação com 87% para chagásicos com classe funcional menor que dois. Também, em estudos de coorte hospitalar, a classe funcional tem mostrado ser um marcador independente de mortalidade, para pacientes com doença de Chagas 12. Da mesma forma, tem sido demonstrado o valor da classe funcional como preditor independente de sobrevida na insuficiência cardíaca não-chagásica14. O presente estudo reforça, assim, a visão do estado funcional sistólico e diastólico como um importante parâmetro clínico, que define um pior prognóstico na doença de Chagas15-17. A disfunção diastólica do ventrículo esquerdo é descrita como uma alteração precoce, que precede a disfunção sistólica, tanto em pacientes com a forma indeterminada quanto com a cardíaca da doença de Chagas. Com o comprometimento da função sistólica, há diminuição da complacência do ventrículo esquerdo, elevando as suas pressões de enchimento. Assim, pode-se considerar que existe uma inter-relação entre as funções sistólica e diastólica nos pacientes com insuficiência cardíaca18. Sensibilidade (%) Especificidade (%) VAE > ou = 40 ml/m2 23 96 0,06 VAE > ou = 45 ml/m2 27 96 0,02 VAE > ou = 50 ml/m2 27 94 0,02 Tabela 4. Sensibilidade e especificidade para diferentes valores de corte do volume do átrio esquerdo. 34 p Revista Brasileira de Ecocardiografia 17(4):29-36,2004 Rocha ES et al. Volume do átrio esquerdo como preditor de morte em miocardiopatia chagásica dilatada. A pressão no átrio esquerdo tende a elevar-se para manter um enchimento ventricular adequado quando a função do ventrículo esquerdo (sistólica e/ou diastólica) encontra-se comprometida. Este aumento da pressão no átrio esquerdo leva uma dilatação e conseqüentemente aumento do volume do átrio esquerdo. O aumento do volume do átrio esquerdo em pacientes Chagásicos parece refletir o de risco cardiovascular e a deterioração da miocardiopatia. A associação do aumento do volume do átrio esquerdo com a progressão da disfunção diastólica e aumento de risco de risco cardiovascular observada neste trabalho está de acordo com os achados de Tsang et al.4. Isto reforça a necessidade de utilizar este parâmetro no seguimento de pacientes com disfunção diastólica. Todavia, em nossos resultados, a média do volume de átrio esquerdo indexado para superfície corporal em pacientes Chagásicos com função diastólica considerada normal foi de 35 ± 10 ml/m2. Este valor está bem acima dos valores publicados para pacientes da população em geral com função diastólica normal (21 ± 6 ml/m2 em Gutman et al.19, 1983 e 22 ± 5 ml/m2 em Tsang et al.4). É possível que os pacientes portadores de miocardiopatia dilatada Chagásica apresentem aumento do volume do átrio esquerdo por mecanismos que difiram dos demais pacientes com disfunção e diastólica. avaliada pelo Doppler também não pôde ser definida em alguns pacientes (função diastólica inconclusiva) de acordo com a classificação clássica. CONCLUSÃO Os achados deste trabalho demonstram que o aumento do volume do átrio esquerdo em pacientes portadores de miocardiopatia dilatada implica em pior prognóstico, e também, em risco aumentado de evolução para morte. A medida do átrio esquerdo associada a avaliação da função diastólica e sistólica pode desempenhar um papel importante para estratificação de risco, acompanhamento e tratamento da miocardiopatia dilatada chagásica. LIMITAÇÃO DO ESTUDO O critério de entrada deste estudo foi a realização de ecocardiograma transtorácico e transesofágico para análise da função diastólica e obtenção do cálculo do volume do átrio esquerdo. Embora este fato possa reduzir a aplicabilidade dos resultados para a população em geral, é pouco provável que isto tenha afetado os resultados apresentados neste estudo. A análise da função diastólica pelo Doppler pode ter levado a erro de classificação em vários casos, o que está de acordo com a limitação da técnica. Em especial alguns pacientes com diástole classificada normal apresentaram volumes de átrio esquerdo aumentado e vice-versa. A função diastólica 35 Revista Brasileira de Ecocardiografia 17(4):29-36,2004 Rocha ES et al. Volume do átrio esquerdo como preditor de morte em miocardiopatia chagásica dilatada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 01. Moller JE, Hillis GS, Oh JK, Seward JB, Reeder GS, Wright RS et al. Left atrial volume: A powerful predictor of survival after acute myocardial infarction. Circulation. 2003; 107:2207-12. 11. Castello R, Pearson AC, Lenzen P, Labovitz AJ. 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