UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA MESTRADO EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SOCIEDADE JULIANI BITTENCOURT COSTA FIBROMIALGIA: HISTERIA DA ATUALIDADE? Rio de Janeiro 2013 Juliani Bittencourt Costa FIBROMIALGIA: HISTERIA DA ATUALIDADE? Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida por JULIANI BITTENCOURT COSTA, como requisito para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: Psicanálise e saúde. Orientadora: Profª Drª Vera Pollo Rio de Janeiro 2013 DIRETORIA DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSU E DE PESQUISA Rua Ibituruna, 108 – Maracanã 20271-020 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 2574-8871 - (21) 2574-8922 FICHA CATALOGRÁFICA C837f Costa, Juliani Bittencourt. Fibromialgia: histeria da atualidade? / Juliani Bittencourt Costa, 2014. 102 f; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de Almeida,Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Rio de Janeiro, 2014. Orientação: Profa. Dra. Vera Pollo. 1. Psicanálise. 2. Fibromialgia. 3. Histeria. 4. Dor. I. Pollo, Vera. II. Universidade Veiga de Almeida, Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade. III. Título. . CDD – 616.8917 Decs Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho Juliani Bittencourt Costa Fibromialgia: Histeria da Atualidade? Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, para obtenção do título de Mestre, tendo como orientadora a Professora Dra. Vera Pollo. Área de concentração: Psicanálise e saúde. Data de Defesa: 17/01/2014 Banca Examinadora _______________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Vera Pollo Universidade Veiga de Almeida _______________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Rosane Braga de Melo Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro _______________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Sônia Xavier de Almeida Borges Universidade Veiga de Almeida DEDICATÓRIA “Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena acreditar em um sonho que se tem”. (Renato Russo) AGRADECIMENTO Agradeço ao pai superior, Deus, que me auxilia com todo seu amor e me leva aos caminhos necessários à realização dos sonhos que reservou para mim. A minha mãe Izabeti Bittencourt da Costa, quem, através de seu trabalho, foi a grande incentivadora para que eu nunca desistisse dos meus estudos e lutasse sempre pelos meus sonhos. Ao meu pai, Juarez Lopes da Costa, cujo “jeito durão” é sua forma diferente de amar e cuidar de mim. Ao meu namorado, Jeison Martins, que esteve durante quase todo o percurso do curso ao meu lado, ajudando-me sempre que o assunto era impressão. Obrigada por me ouvir nos meus momentos de desespero. Às minhas amigas de mestrado, Laura, Martha, Daniele e Ana, fundamentais para que eu não desistisse. À professora Sônia Borges, que foi a grande incentivadora na escolha do tema da minha dissertação e à professora Rosane Melo pelo seu jeito doce de tentar ajudar. À minha querida orientadora, Vera Pollo, que hoje tenho como uma mãe. Muito, muito e muito obrigada pela paciência, por seus conselhos e conhecimentos. A Universidade Veiga de Almeida por me proporcionar mais informações e conhecimentos junto ao seu corpo docente: Antônio Quinet, Maria Anita Carneiro, Sônia Borges, Vera Pollo, Joana Novaes, Beth Fuks e Maria Helena Martinho. Obrigada pelas novas descobertas, vocês são maravilhosos! Enfim, agradeço à vida por ser tão bacana comigo. RESUMO A presente dissertação aborda os conceitos psicanalíticos de histeria e dor histérica. Utilizando como referência as obras de Sigmund Freud e de Jacques Lacan, procuramos os embasamentos necessários à articulação da histeria com a fibromialgia. Nesse percurso, trabalhamos os conceitos psicanalíticos de inconsciente, pulsão, sintoma e gozo. Apresentamos um caso clínico de nossa experiência profissional como fisioterapeuta: uma paciente que sofria dores fortes no corpo e chegou para tratamento fisioterápico com o diagnóstico de fibromialgia. Em seguida, cotejamos o seu caso com o “Caso Dora” e de outras mulheres histéricas que foram pacientes de Freud. Nosso objetivo foi propor uma nova visão do diagnóstico de “dor fibromiálgica”, salientando a contribuição da psicanálise. Acreditamos ter confirmado a hipótese que a psicanálise, com seus próprios conceitos de sintoma conversivo, dor, corpo, pulsão e gozo, pode contribuir no trabalho de decifração dos “enigmas” da dor da fibromialgia. Se, no decorrer de um tratamento psicanalítico, os histéricos encontram alguma forma alívio para suas dores e seus sofrimentos, por que não dar a mesma chance aos sujeitos que sofrem de “fibromialgia”? Palavras- chave: fibromialgia; psicanálise; histeria; dor. ABSTRACT This essay broaches the psychoanalytic concepts of hysteria and hysterical pain. Referring to Sigmund Freud and Jacques Lacan’s works, we aim at the basis needed to articulate hysteria to fibromyalgia. During this process, we dealt with the concept of unconscious, urge, symptom and enjoyment. We present a clinical case from our professional experience as physiotherapist: a patient who suffered from severe pains in her body and was introduced to physiotherapeutic treatment related to a fibromyalgia diagnosis. Then, we confronted her case to the “Dora’s Case” and to other hysterical women who were Freud’s patients. Our objective was to propose a new view to the diagnosis of “fibromyalgia pain”, pointing out the contributions of psychoanalysis. We believe we have confirmed the hypothesis that psychoanalysis, with its own concepts of conversion symptom, pain, body, drive and enjoyment, can contribute to the work of deciphering the "puzzles" of fibromyalgia pain. If, in the course of psychoanalytic treatment, hysterical somehow find relief for their pain and suffering, why not give the same chance to subjects suffering from "fibromyalgia"? KEY-WORDS: fibromyalgia; psychoanalysis; hysteria; pain. SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................9 CAPÍTULO 1– FIBROMIALGIA........................................................................14 1.1HISTÓRICO E DEFINIÇÃO..................................................................................14 1.2 QUADRO CLÍNICO..............................................................................................16 1.2.1Etiologia.............................................................................................................20 1.3 TRATAMENTOS PROPOSTOS..........................................................................22 1.4 UMA PACIENTE EM MEU CONSULTÓRIO.......................................................27 CAPÍTULO 2 – HISTERIA..................................................................................29 2.1 O CASO DORA....................................................................................................29 2.2 HISTERIA NO DECORRER DA HISTÓRIA........................................................40 2.2.1 Freud encontra Charcot....................................................................................42 2.3 ESTUDOS DE FREUD SOBRE A HISTERIA......................................................46 2.4 A DESCOBERTA DO INCOSCIENTE.................................................................52 CAPÍTULO 3 – O CORPO COMO LOCAL DE EXÍLIO PARA A DOR HISTÉRICA............................................................................................................59 3.1 O CORPO............................................................................................................59 3.1.1 O Corpo Histérico.............................................................................................65 3.2 A DOR..................................................................................................................67 3.2.1 Elizabeth Von R................................................................................................71 3.2.2 (IN) Satisfação da dor histérica.......................................................................74 CONCLUSÃO........................................................................................................82 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................87 APÊNDICE A.........................................................................................................98 10 INTRODUÇÃO Atualmente, tem sido comum, em consultórios médicos e fisioterapêuticos o surgimento de pessoas com queixa de dor. Algias que aparecem em pontos diferentes sem alguma causa comum ao paciente, e que geralmente vem acompanhado por fadiga, depressão e insônia. Para a existência desses estados dolorosos foi dado o nome de fibromialgia, reconhecida pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em 1992, sob a identificação M790 na Classificação Internacional das Doenças (CID). (BESSET et al, 2010, p. 1246). E o presente estudo tem por objetivo pesquisar até que ponto o diagnóstico médico de “Síndrome de Fibromialgia” pode ser aproximado do diagnóstico psicanalítico de histeria, particularmente, daquilo que se define como “envoltório formal” do sintoma. A fibromialgia caracteriza-se por uma dor muscular crônica em pontos diferentes do corpo, e apresenta como sintomas: fadiga, sono, depressão psíquica, ansiedade, dor de cabeça. É uma síndrome que muitas vezes fica difícil de definir se a dor é articular ou muscular. Os pacientes costumam a relatar que não há um só lugar do corpo que não doa. Estudos comprovam que esses pacientes tem uma sensibilidade maior em relação às pessoas que não apresentam esta síndrome. Etiologicamente não existe uma causa definida, mas acredita-se que pode surgir após um trauma físico, psíquico ou por eventos graves na vida da pessoa. Os motivos pelos quais alguns adquirem a fibromialgia e outras não, ainda são desconhecidos. É bastante comum acometer mulheres entre 30 e 55 anos, porém existem dados em crianças, adolescentes e pessoas mais velhas. (KEISERMAN, 2001, p.45). Curiosamente, o aumento do quadro álgico não age na evolução da doença, nem no comprometimento articular ou muscular como no caso de um reumatismo tradicional, o que dificulta um possível diagnóstico. A fibromialgia tem sido discutida pela mídia e especialmente em publicações de artigos. Estas nos indicam que os sintomas desta síndrome foram no passado considerado pelos médicos como próprios de pacientes hipocondríacos, histéricos ou reumatológicos (RANGEL, 11 2008). Mas o caminho mudou, a subjetividade foi deixada de lado e o espaço para as comprovações científicas foi ganhando lugar. Alguns autores reconhecem o papel dos fatores psíquicos no surgimento da fibromialgia, mas ao mesmo tempo, rejeitam a assimilação desta a qualquer doença psiquiátrica. Outros autores discutem a ideia que esta síndrome pode intervir na economia psíquica do sujeito como função de apelo, uma lógica de dependência do outro, mas também como mecanismo de defesa em relação a um possível conflito inconsciente. “Assim, a fibromialgia pode comparecer no sintoma, na neurose, como modo de gozo ou como um fenômeno psicossomático em qualquer estrutura clínica”. (BESSET et al, 2010, p. 1260). Para Teixeira, a fibromialgia não pode ser compreendida como uma visão atualizada de episódios de conversão, nem reduzida ao campo psicossomático. Em função disso, entramos em um caminho contraditório no qual alguns representantes da medicina e pesquisadores se afirmam reticentes em legitimar um estatuto oficial da doença. Os textos médicos sobre o assunto referem-se a tratamentos medicamentosos e à psicoterapia devido ao quadro de depressão e ansiedade, sem mencionar a psicanálise como possível procedimento de tratamento. Apesar de uma parte da classe médica considerar apenas a dor física do paciente e não os fatores psíquicos, a multiplicação de reportagens e artigos a respeito do caráter subjetivo dos transtornos relatados por quem vivencia essa doença vem sendo cada vez mais lançados na mídia. (TEXEIRA, 2006, p. 30-35). Não é uma síndrome progressiva, podendo durar por um longo tempo, ou pela vida toda. Não causa danos a musculatura, órgãos internos e às articulações. Não há uma cura definida, mas algumas pessoas melhoram com o tempo. Não causa deformidades ou incapacidade física grave, mas pode-se verificar uma alteração na qualidade de vida, 70% queixam-se de alterações na vida sexual e no trabalho. (Sociedade Brasileira de Reumatologia, 2011). É muito intrigante um corpo são sentir tanta dor ao ponto de paralisar, assim como era intrigante para Freud a histeria, que na sua grande maioria acometia mulheres com sintomas físicos que não podiam ser explicados. Freud decide estudá-las como se houvesse a intenção de mostrar a relação do estado mental com o estado físico de suas pacientes. No final do século XIX, depara-se com mulheres 12 que são consideradas loucas. Em 1885, Freud, médico e estudante de anatomopatologia, chega a Salpêtriére, após conseguir uma bolsa de estudos. Sua intenção era de encontrar com Jean Martin Charcot, médico, cujas experiências sobre a histeria o fascinavam. As demonstrações clínicas de Charcot, assistidas por Freud até 1886 causaram-lhe interesse e impacto. (FREUD [1925-1926] 1996). A respeito disso, (JORGE; FERREIRA, 2010, p.18) comentam que ao retornar de Paris, Freud se estabelece em Viena como médico especialista em doenças nervosas. Durante anos dedicando-se a ouvir e a estudar as histéricas, Freud abriria uma via nova de prática clínica: a psicanálise. Descobre que o homem é regido por forças que escapam à consciência: o inconsciente. Indo contra o cogito cartesiano “PENSO, LOGO SOU”, então, não penso, “SOU PENSADO”. Freud lança com o conceito de inconsciente uma nova concepção de sujeito. O inconsciente é fundado pelo recalque, e recalcar significa negar, manter o que foi negado afastado da consciência. O recalcado sempre retorna, resultado do conflito psíquico entre consciente e inconsciente, ainda que sob forma de disfarce. (RANGEL, 2008). Segundo Freud ([1915] 2006) é nas histéricas que ele percebe que há uma defesa contra as recordações de um evento traumático de natureza sexual. Sujeito e consciência não conseguem suportar essa ideia, ficando estas, recalcadas e ativas no inconsciente, e quem sabe, uma vez na vida adulta por conta de algum acontecimento, essas recordações sejam despertadas, e assim, convertidas em sintomas no corpo. Após seus estudos e a partir dos casos atendidos, Freud conclui que os sintomas referentes aos casos de histeria eram uma expressividade no corpo de tudo o que está aprisionado na “alma”, e que usando a fala esses sintomas apresentavam melhora. Em seu texto Estudos Sobre a histeria ([1893-1895], 2006), diz que: “nenhum sintoma pode emergir de uma única experiência real, mas que em todos os casos a lembrança de experiências antigas despertada em associação com ela, atua na causa do sintoma”. Descreve também alguns sintomas histéricos, tais como: angústia, choro, dor de cabeça, depressão, distúrbio no andar, fadiga, insônia, tremores, parestesia. Sintomas que se assemelham tal quais as descrições dos estudos já citados. Afirma que estes sintomas desapareciam de forma 13 permanente e imediata quando se conseguia trazer a luz as lembranças do fato que o havia provocado e despertar o afeto que o acompanhara. Certamente, as mulheres que Freud ouvia e identificava seus sintomas como algo que foi recalcado pelo inconsciente, não são as mesmas dos tempos atuais. Afinal, muita coisa mudou. Cada vez mais novas patologias vêm surgindo, como se o sintoma estivesse novamente roubando o lugar da palavra. Mas será que são novas as patologias, ou apenas as mesmas com a nova cara do século XXI? Temos aqui semelhanças entre as duas patologias: a fibromialgia como uma doença ligada a traumas físicos e psíquicos para suas dores corporais, e a histeria a traumas psíquicos. Outro ponto comum é o descrédito que ambas provocam a alguns médicos, pois o diagnóstico se dá pelas sensações e experiências relatadas pelos pacientes, não havendo nenhum exame que possa comprovar o que é descrito verdadeiramente. Os sintomas histéricos ainda continuam sendo tratados sem nenhuma simpatia e interesse por alguns médicos, e assim ocorre com a fibromialgia, vale ressaltar que não são por todos, pois hoje em dia já existe uma nova especialidade que já converge para a clínica da dor. Texeira (2006, p. 40) relata que: “pessoas que apresentam dor generalizada ou queixas mal definidas não eram levadas a sério”. Será que as histórias de vida dos pacientes de hoje diferenciam-se tanto das histéricas ouvidas por Freud? O resultado do corpo dolorido não passa de uma metáfora da “surra” que levara da vida? A histeria é mais comum em mulheres, a fibromialgia também. Freud, assim quando começou a cuidar de suas histéricas indicava tratamentos de relaxamento e exercícios físicos, e segundo Bennett (1993) além de medicamento, sugerem-se também caminhadas, hidroterapia e relaxamento para a fibromialgia. Os estudos dos pontos dolorosos da fibromialgia faz lembrar outros pontos que eram estudados por um médico neurologista na França (1870), Jean Martin Charcot. Ele chamava esses pontos de zona histerógena, local que havia muita sensibilidade ao toque e fricção, e gerava dor, desconforto e reações semelhantes a carícias voluptuosas ao serem tocados. Já Freud, médico e aluno de Charcot, acreditava que essas reações são frutos de um ataque conversivo, sendo equivalente a um orgasmo. A zona histerógena seria então uma região do corpo que se tornaria erógena. Outra característica que lembra os estudos dos pontos 14 dolorosos da fibromialgia é que essas zonas histerógenas podem aparecer também em qualquer lugar do corpo. Mais uma vez um ponto intrigante da fibromialgia: a relação dos seus pontos dolorosos com as zonas histerógenas. Seria então esse ponto doloroso um local de conversão histérica? Uma zona erógena? No que se diferenciam as pacientes histéricas de Freud com as de hoje? Afinal, é um corpo que fala, que dói. O pensar, o sentir, e a dor da vida, podem então ser curados com medicamentos? Medicação esta que serve para dopar ou “calar o corpo”. O foco para o presente trabalho de mestrado concerne à posição subjetiva daquele que sofre de fibromialgia, apostando que além da dor, há um ser humano, um sujeito em questão, e que pode haver um novo diagnóstico para a fibromialgia à luz da psicanálise. No campo da fisioterapia e da psicanálise, o estudo objetivou a pesquisa bibliográfica da fibromialgia, da histeria, assim como alguns casos histéricos vivenciados na prática psicanalítica por Freud. Utilizar livros, artigos científicos, internet, revistas. Foram consultados obras de Lacan e Freud: “Estudos sobre a histeria”, “Um estudo autobiográfico, inibições, sintomas e ansiedade, análise leiga e outros trabalhos”, “Interpretação dos sonhos”, “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”, “As formações do inconsciente” e outras obras para a formulação da dissertação. E para melhor concepção do tema, traremos durante a dissertação a descrição da fibromialgia, seu meio de tratamento na área médica e um caso vivido pela autora da dissertação, em seguida faremos relação com casos vividos na prática psicanalítica por Freud e suas descobertas com as histéricas. Se a dor marca o corpo da paciente com fibromialgia, mostraremos como a dor é interpretada no corpo psicanalítico e histérico cartografado pelo desejo. Se para alguns médicos o diagnóstico se firma nos fenômenos comprovados, a psicanálise busca modos de enfrentar as singularidades do sofrimento. “O traço de cada um dirá mais sobre aquele que sofre e sobre o uso que se faz de sua dor.” (BESSET et al, 2010, p.1250). 15 CAPÍTULO I - FIBROMIALGIA 1.1 HISTÓRICO E DEFINIÇÃO Em 1824 e 1841, Balfour e Vallux apontaram e descreveram pacientes com pontos musculares sensíveis e passíveis de desenvolver dores irradiadas. Já em 1904, Stockman encontrou,por meio de biópsias, processos inflamatórios do tecido conectivo. No mesmo ano, o termo “fribrosite” foi defendido por Willian Gowers. Ele acreditava haver alterações inflamatórias no tecido fibroso do dorso que geravam um reumatismo muscular, havendo ou não história de sintoma. (MARTINEZ, 1997). Em 1940, Collins definiu fibrosite como “um estado doloroso agudo, subagudo ou crônico dos músculos, tecidos subcutâneos, ligamentos, tendões ou aponeuroses, independente da lesão anatomopatológica que tenha originado a dor.” (IBID, p.100). Ferreira et al (2005, p.149) aponta que o desenvolvimento de pesquisas clínicas sobre a fibromialgia só foi possível em 1972. Martinez (1997) afirma que, em 1977,Smythe e Moldosfsky restringem o uso da palavra fibrosite à sintomatologia de pacientes que “apresentam dores musculoesqueléticas difusas acompanhadas de pontos dolorosos a digita-pressão, fadiga e distúrbio do sono”. A fibromialgia foi por muito tempo conhecida, inicialmente, como fibromiosite, fibrosite, miofascite e reumatismo muscular. Em 1981, Yunus (apud Hall, Body, 2007) indica o termo fibromialgia, que vem sendo usado pelos autores até hoje. Consideramos que o estudo de pesquisas clínicas sobre a fibromialgia sofreu um grande atraso, por conta da denominação fribrosite (inflamação, reumatismo muscular). Preferiu-se o nome fibromialgia, pois a inflamação não é predominante nessa doença. A nomenclatura fibromialgia primária surge para designar os casos em que nenhum outro distúrbio era encontrado como causa ou contribuição para o quadro. Já a fibromialgia secundária era considerada uma síndrome parecida com a 16 primária, porém só acontecia em determinadas condições secundárias, fossem elas reumáticas ou não. Os estudos liderados por Wolfe, em 1990, representaram um marco na pesquisa dessa síndrome. Foi a partir daí que se solidificou o termo fibromialgia, abandonada a distinção entre fibromialgia primária e secundária e estabelecidos critérios de avaliação. “Fica sendo definida como uma síndrome de dor difusa e crônica, caracterizada pela presença de pelo menos 11 dos 18 pontos anatomicamente específicos chamados de tender points, dolorosos a palpação de cerca de 4kgf.” (FERREIRA et al, 2005, p. 149) Marques et al (2002) a definem como uma síndrome reumática, ou seja, a fibromialgia seria de origem reumatológica e não ortopédica, que acomete, preferencialmente, as mulheres e de etiologia desconhecida, caracterizada por dor musculoesquelética difusa e crônica. Apresenta locais anatômicos específicos dolorosos à palpação (tender points). Além disso, há sintomas associados, como o distúrbio do sono, fadiga, distúrbios psicológicos, rigidez matinal, depressão e ansiedade. Provenza et al (2004, p. 104) publicaram na Revista Brasileira de Reumatologia: Sua definição constitui motivo de controvérsia, basicamente pela ausência de substrato anatômico na sua fisiopatologia e por sintomas que se confundem com a depressão maior e a síndrome da fadiga crônica. Por estes motivos, alguns ainda consideram-na uma síndrome de somatização. A síndrome da fadiga crônica, por sua vez, é caracterizada por cansaço profundo. Com ela, 25% dos pacientes ficam acamados ou são incapazes de trabalhar. (HALL, BRODY, 2007). Já a definição de fibromialgia apontada pela Sociedade Brasileira de Reumatologia (2011, p. 19) é: “uma síndrome clínica que se manifesta com dor no corpo todo. Fica difícil definir se a dor é muscular ou articular. Uma grande sensibilidade ao toque e à compressão de pontos nos corpos”. Para Besset et al (2010), a classificação dessa patologia como uma síndrome não resolve a polêmica entre os especialistas no assunto sobre seu estatuto de doença. Seu diagnóstico permanece em discussão, em virtude da falta de causalidade orgânica detectável e das características subjetivas dos transtornos 17 dela resultantes. Diferentes de outras doenças reumatológicas como a artrite reumatoide que se tem uma comprovação diagnosticada por exames e tratadas com excelência pelo corpo médico. 1.2 QUADRO CLÍNICO A síndrome da fibromialgia (SFM) é crônica. Seus sintomas se intensificam e melhoram com o passar do tempo, sem haver um comprometimento articular avançado. O American College of Rheumatology (ACR) lista a SFM como uma doença reumatológica que apresenta distúrbio extra-articular. Para a Sociedade Brasileira de Reumatologia (2011), a dor generalizada é o sintoma principal, uma vez que é muito difícil para os pacientes definir o local correto onde ela se dá. Além da dor espontânea, eles se queixam também do dolorimento ao toque. Alterações no sono, cansaço, “sono não reparador”, distúrbio no humor, depressão e ansiedade são comuns a essa patologia. A depressão encontra-se em 50% dos pacientes que apresentam essa síndrome, piorando cada vez mais esse quadro. As sensações ruins podem gerar um desconforto maior para a dor, que pode ser explicado pelo mecanismo da serotonina e noradrenalina (neurotransmissores). Segundo Hall e Brody (2007, p.251), a “modulação da dor pode estar alterada na SFM no nível medular ou nos centros superiores do SNC”. Yunus (1981) (apud HALL, BODY, 2007), por sua vez, propõe uma hipótese para unificar muitas das teorias da fisiopatologia da fibromialgia. Ele enfatiza uma possível disfunção neuro-hormonal, que resulta em dor e mecanismos centrais, os quais são propostos como sendo responsáveis por fadiga, depressão, ansiedade e estresse mental, o que altera ainda mais a atividade simpática e amplifica a percepção da dor. Não é uma síndrome progressiva, podendo durar por um longo tempo ou pela vida toda. Não causa danos a musculatura, aos órgãos internos e às articulações. Não há uma cura definida, mas algumas pessoas melhoram com o tempo. Não causa deformidades ou incapacidade física grave, mas pode-se verificar uma alteração na qualidade de vida. De acordo com a Sociedade Brasileira de 18 Reumatologia (2011): 70% queixam-se de alterações na vida sexual e no trabalho. Desse modo, é intrigante uma síndrome sem uma causa definida que aparece e some em alguns casos e que gera tantos danos na vida do ser humano e no seu cotidiano, mas que, fisicamente, não cria nenhuma deformidade ou progride. Recentemente, foi avaliada a população brasileira, questionando-se diferentes culturas, economias, etnias e grupos sociais que poderiam influenciar no reconhecimento da síndrome e de suas manifestações clínicas. Estudos da ACR mostraram que a combinação de dor difusa em 9 ou mais pontos dolorosos dos 18 apresentou sensibilidade de 93,2%, especificidade de 92,1% e acuaria de 92,6%. Os distúrbios de sono e fadiga ocorreram em mais de 80% da população. Dor difusa: dor no lado esquerdo do corpo, dor no lado direito do corpo, dor acima da linha da cintura. Além disso, uma dor no esqueleto axial (segmento cervical, torácico ou lombar da coluna vertebral) deve estar presente. A dor difusa deve estar presente pelo menos por três meses. Dor a palpação: com uma pressão de aproximadamente 4Kgf em pelo menos 11 dos 18 tendes points.(FERREIRA et al, 2005, p.150) Pode ocorrer a dor nos seguintes pontos: Occipital: inserção dos músculos suboccipitais. Cervical Inferior: anteriormente, entre os processos transversos C5 – C7. Trapézio: ponto médio das fibras superiores do músculo trapézio. Supra-espinhal: inserção do músculo supra-espinhal, acima da espinha da escápula, próximo ao ângulo medial. Segunda articulação costocondral: lateral e superior à articulação. Epicôndilo lateral: 2 cm distalmente ao epicôndilo. Glúteo: quadrante superior e lateral das nádegas. Trocânter maior: posterior à proeminência trocantérica. Joelho: coxim gorduroso medial, próximo à linha articular. Para Hall e Brody (2007, p. 252), o diagnóstico pode ser feito inclusive quando não estão presentes 11 dos 18 pontos sensíveis, pois também existem outras características encontradas. Há para eles uma discussão acerca dos critérios 19 diagnósticos considerarem somente no início as características subjetivas como a própria dor. Nesse caso, não existe nenhum exame laboratorial que exclua ou afirme o diagnóstico. Para a Sociedade Brasileira de Reumatologia (MARIANO, 2011), o diagnóstico é essencialmente clínico. Durante a avaliação do paciente, o médico obterá informações que sejam semelhantes ao quadro patológico, utilizando estes questionários: Índice de Dor Generalizada, o Índice de Severidade dos Sintomas e o Questionário de Impacto da Fibromialgia. Na verdade, não existem exames para a fibromialgia, o médico pode pedir exames apenas para excluir a possibilidade de doenças que se assemelhem à SFM, tais como uma ressonância magnética ou uma radiografia do local da dor. Os estudos dos pontos dolorosos fazem lembrar outros pontos que eram estudados por um médico neurologista na França em 1870: Jean Martin Charcot. Ele chamava esses pontos de zona histerógena, local em que havia muita sensibilidade ao toque e à fricção. Em função disso, gerava dor, desconforto e reações semelhantes a carícias voluptuosas ao ser tocado. Já Freud, médico e aluno de Charcot, acreditava que essas reações são frutos de um ataque conversivo, sendo equivalente a um orgasmo. A zona histerógena seria, então, uma região do corpo que se tornaria erógena. Freud ([1901-1905], 2006) em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, afirma que as duas têm a mesma característica. Esse processo é ativo em indivíduos que apresentam complacência somática (expressão introduzida por Freud para explicar a "escolha da neurose” escolha histérica e de órgão do corpo ou aparelho em que ocorre a conversão), que pode converter em sintoma no corpo. Outra característica que lembra os estudos dos pontos dolorosos da fibromialgia é que essas zonas histerógenas podem aparecer também em qualquer lugar do corpo. Mais uma vez, um aspecto curioso da fibromialgia: a relação dos seus pontos dolorosos com as zonas histerógenas. Segundo a Revista Brasileira de Reumatologia (MARIANO, 2011, p. 5), a “questão do diagnóstico, porém, ainda deve ser mais explorada. A utilização dos critérios de classificação do ACR foi um grande avanço em termos de inclusão em estudos científicos. Mas para uso individual, ainda deixa muito a desejar.”. Essa falta de diagnóstico atrapalha o cuidado ao paciente, afetando seu relacionamento com o médico e a sociedade. É fato que existe uma dor, entretanto 20 não se apresenta nenhum resultado laboratorial. Com isso, outros profissionais de outras áreas, como psicólogos e psicanalistas, vêm brigando para um possível diagnóstico voltado para a subjetividade do paciente, acreditando que um corpo que dói é também um corpo que fala. (MARTINEZ, 1997). Diante desse quadro, conclui-se que diagnóstico correto da fibromialgia não é definitivo, pois sua etiologia ainda se encontra sem definição clara, ou seja, temos duas questões apresentadas, a etiologia indefinida que gera a dificuldade do diagnóstico da patologia. Além disso, essa síndrome apresenta outras manifestações associadas. Segundo Besset et al (2010), alguns pacientes sofrem com a falta de adaptação à doença e com as manifestações clínicas. Isso, de modo geral, leva-os a valorizar sua dor e culpar as pessoas próximas pela sua limitação e dificuldade para realizar as tarefas. Apresentam quadros de irritabilidade e sentem-se desiludidos por não conseguir uma resposta firme e ideal para o que sofrem. Por conta da complexidade dessa síndrome, muitos pacientes procuram por médicos de diversas áreas, sendo, muitas vezes, submetidos a vários tipos de exame. [...] Procuram o neurologista, apresentando queixas de cefaleia tensional crônica e recebem o rótulo de enxaqueca. Buscam o otorrino em razão da tontura e do zumbido e recebem o diagnóstico de labirintite. Vão ao cardiologista por dor toráxica e palpitações e, após exames de eletrocardiografia e ecocardiografia normais, recebem diagnóstico de costocondrite. Procuram um gastroenterologista e são submetidos a exames invasivos, não demonstrando qualquer anormalidade. Além dos múltiplos diagnósticos de tendinites, tenossinovite, bursite e neuropatias associadas. (CHIARELLO, 2005, p.152). Como podemos perceber, algumas terapias e tratamentos acabam sendo inapropriados com o que o paciente verdadeiramente sofre. Não há como deixar de citar a quantidade de medicamentos que alguns profissionais da área médica utilizam para “dopar” os que se mostram com depressão, angústia e irritabilidade, sem, ao menos, mostrar algum interesse pelo lado da subjetividade. 21 Outro fator intrigante é o porquê da incidência da fibromialgia em mulheres, principalmente na faixa da menopausa, ou seja, os 50 anos. Alguns estudos comprovam essas informações. Wolf et al (apud CHIARELLO et al, 2005) mostra que a fibromialgia acomete 2,0% da população acima de 18 anos, ambos os sexos; 3,4% para o sexo feminino e 0,5% para o sexo masculino, com maior prevalência em mulheres acima dos 50 anos. Dados apontados pela Sociedade Brasileira de Reumatologia (MARIANO, 2011) apontam, contudo, que há casos em crianças, adolescentes e pessoas mais velhas. Chiarello et al (2005, p.152) relata que, entre 160 indivíduos, a predominância é de 99,5% para as mulheres, com idade média de 52 a 57 anos. Cerca de 25% dos pacientes relatam que os sintomas dolorosos começam na infância. 1.2.1 Etiologia A fibromialgia tem por característica assemelhar-se com outras patologias, como, por exemplo, doenças reumáticas, malignidades, anemia e esclerose múltipla. Por isso, é necessária uma avaliação médica completa, para que toda dúvida seja retirada. Nela, há como característica uma ausência de achados laboratoriais positivos. Seu início pode ser dito como insidioso, pode ocorrer após um traumatismo ou infecção viral, não descartando a ideia de relação com o estresse, o distúrbio do sono ou o SNC (Sistema Nervoso Central) (HALL; BODY, 2007). Devido ao fato de a dor muscular ser considerada um dos primeiros sintomas da fibromialgia, iniciou-se uma pesquisa das alterações do sistema musculoesquelético. Foi pesquisada a força muscular voluntária dos membros inferiores dos pacientes, mas não foi encontrada nenhuma anormalidade no metabolismo dos músculos. Acredita-se que pode ocorrer uma vasoconstrição na pele sob os tender points (locais de dor na região muscular), gerando hipóxia local, o que geraria os pontos de dor. 22 Os recentes estudos a respeito dos neurotransmissores voltam a atenção à serotonina. A serotonina tem papel na modulação da dor, agindo como um neurotransmissor inibitório da liberação da substância P pelos neurônios aferentes. O estudo nessa área tem demonstrado uma diminuição do nível de serotonina, além de seus precursores e metabólitos no soro sanguíneo dos pacientes com fibromialgia, comparados a indivíduos-controle. (CHIARELLO et al, 2005, p. 154) Para avaliar a função cerebral desses pacientes, utiliza-se tomografia computadorizada. Com ela, é possível demonstrar a diminuição do fluxo sanguíneo em partes cerebrais. Outra hipótese para a causa da fibromialgia é o distúrbio funcional do sistema neuroendócrino que, por conta do estresse, apresenta uma perturbação. Alguns estudos mostram que há uma disfunção no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, responsável pela coordenação das respostas fisiológicas ao estresse mental ou físico. A modulação da dor pode estar modificada na fibromialgia no nível medular ou no SNC. Alterações nos hormônios hipofisários já foram encontradas, assim como nos do crescimento, por conta da privação do sono. Segundo Yunnus (apud HALL, BODY, 2007, p.251). O descondicionamento físico, os traumatismos, o estresse vertebral devido a uma postura incorreta e os estímulos ambientais podem amplificar ainda mais a dor. Pode haver uma predisposição genética para a fibromialgia, pois os parentes de primeiro grau dos pacientes com essa enfermidade exibem uma frequência mais alta que a esperada da síndrome. Em síntese, não há evidências científicas de que a fibromialgia seja gerada por problemas no SNC e nem sequer de que sejam geradas por problemas emocionais. Na verdade, o que pode ter de concreto é que as crises dessa síndrome podem ser provocadas pelas tensões emocionais, o que não as torna a causa, mas sim um fator desencadeador. 23 1.3 TRATAMENTOS PROPOSTOS Lima & Carvalho (2011) afirmam que atribui-se como missão do médico tocar, olhar, confortar e estudar o paciente. Isso é esperado como o atendimento mais humanista já pregado por Hipócrates. O modelo mais indicado para a cura é o que envolve o lado humano-científico. Para estabelecer um relacionamento médicopaciente, é necessário que haja compreensão do comportamento humano e um olhar que leve em conta a subjetividade, acima de tudo, ouvir o outro. Para que possa falar à alma do paciente, o médico deve compreender a linguagem da dor, do medo, da angústia e do sofrimento. Infelizmente, porém, o modelo organicista tem grande predomínio. Maeda et al (2009) desenvolve uma pesquisa qualitativa para verificar o discurso do médico residente sobre o paciente portador de fibromialgia. Trata-se de uma pesquisa realizada em três hospitais-escola do setor público, com residentes do segundo ano de reumatologia. Ela relata ser um estudo da compreensão do atendimento. O tema utilizado foi: “O que é isto para você: atender ao fibromiálgico?”. A resposta de um residente foi: Bom, é um paciente complexo, você tem que ver vários parâmetros, não só reumatológico, principalmente psicológico. [...] parece que o médico tem a obrigação de melhorar. Quando eles percebem que eles estão fazendo exercícios físicos, tomando a medicação, fazendo as atividades que a gente manda, eles se motivam mais a fazer isto. O aspecto psicológico é fundamental. (IBID, s/p). Nota-se que esse residente acredita na complexidade dessa síndrome e na dificuldade de elaborar um diagnóstico e tratamento eficaz. Ele acredita no auxílio psicológico, mas se sente responsável único pela cura. Maeda at al (2009) conclui, após sua pesquisa, que só haverá um resultado efetivo quando os médicos 24 desenvolverem a capacidade de escuta, quando juntarem seus conhecimentos técnicos e teóricos aos aspectos sociais e afetivos Outros relatos de residentes presentes no estudo não indicaram a menor preocupação com a doença, pois ela não compromete o organismo e não se mostra grave. Acreditam até que existam vários laudos e diagnósticos errados, pois não há comprovação laboratorial satisfatória. Seria necessária uma boa anamnese, mas, para eles, conversar, ouvir e dar conta do emocional do doente não seria sua responsabilidade. Sua função é apenas medicar e aliviar a dor do paciente. O “achado” da fibromialgia, de certa forma, acalmou os médicos, visto que precisavam de um termo para explicar aos pacientes e validar seus sintomas como reais, e não simulados. Para incluir os aspectos psicossociais como influenciadores da formação da doença, haveria de mudar o modelo tradicional das consultas médicas, que separam em pedaços a avaliação de cada indivíduo. Mas temos que ressaltar que nem todos os médicos agem sobre essa patologia da mesma forma. Cito o doutor Antônio Carlos Althoff, médico reumatologista, como um exemplo de uma nova visão sobre a fibromialgia, em que relata em seu artigo. Trabalha com a hipnose e programação neurolinguística, que é uma remodelagem do pensamento humano. Usa a hipnose com o seguinte efeito: Em termos práticos, seria a atenção focalizada através de uma indução ou de uma auto-indução, absorvendo a atenção da mente consciente; isso daria a oportunidade à mente inconsciente de se manifestar através dos fenômenos hipnóticos. É neste transe hipnótico que a mente inconsciente se manifesta em diversos níveis, sendo possível, através de sugestões, produzir as mudanças necessárias no paciente. (2000, s/p). Com essas duas técnicas trabalhadas, o médico, em dois anos, constatou que se manteve mais próximo de seus pacientes, e o doente ficou melhor. Ele declara que o resultado é fantástico, uma vez que há uma diminuição na quantidade do medicamento, e o paciente fica mais centrado e independente emocionalmente. 25 É importante ressaltar que o doutor Althoff fez formações nas áreas em que atua no tratamento. Para Nogueira et al, (2005), há três grupos de classificação da fibromialgia. 1. Sentem dores musculares, sem ligação nenhuma com os aspectos cognitivos e psicológicos. 2. Grupo intermediário apresenta dor muscular moderada, mas sem alteração no humor. 3. Compostos por fatores cognitivos e psicológicos, influenciando os sintomas de dor. O grupo 3 é visto como pacientes de fibromialgia refratária, ou seja, não tiveram uma boa resposta aos tratamentos convencionais. Com esse grupo, Nogueira et al (2005) realizou dois tipos de tratamento: a hipnose + 250 ml de solução fisiológica e hipnose + 250 ml de solução fisiológica contendo 100 mg de cetoprofeno (anti-inflamatório não-esteroide). O resultado foi igual para os dois grupos, comprovando, assim, que a hipnoterapia por si só foi eficiente ao controle da dor do paciente. A hipnose é uma alternativa eficaz de tratamento para pacientes portadores de fibromialgia refratária ao tratamento convencional. A mensuração do fluxo sanguíneo cerebral por emissão de posítron e tomografia demonstraram que, em pacientes portadores de fibromialgia durante a realização de sessão de hipnose, ocorria diminuição da intensidade de dor associada com aumento do fluxo sanguíneo cerebral nas regiões ortofrontal e cortexcingulatosubcalosial, na região direita do tálamo, na região inferior esquerda do córtex parietal, além da diminuição do fluxo sanguíneo cerebral bilateral no córtex cingulado. Enquanto essas alterações eram evidenciadas sob hipnose, as mesmas não eram detectadas durante fisioterapia ativa. Essa modificação do padrão serve de suporte para os efeitos analgésicos obtidos sob hipnose, em pacientes com fibromialgia refratária. (2005, s/p). Esse tipo de tratamento, contudo, ainda é desconhecido ou não aceito entre os médicos e alguns pacientes, que procuram apenas o tratamento medicamentoso, 26 confiando ao médico o “dever” de encontrar sua cura. É de suma importância relatar aqui que a hipnose já era utilizada em um tempo anterior ao advento da psicanálise. Freud e seu mestre Charcot já faziam uso dessa prática em suas pacientes histéricas. Com o passar do tempo, surge a psicanálise com a associação livre, deixando de lado esse tipo de terapia. Em casos que o médico acredita que, além da patologia, há algo que pertence ao inconsciente, é necessário que ele passe a adotar formas mais novas de tratamento e encaminhe ao profissional com formação adequada, como um psicanalista. Alguns pacientes são encaminhados para a medicina alternativa, a comportamental, a fisioterapia etc. Quando não há resposta positiva ao tratamento farmacológico, alguns profissionais procuram agrupar outros tratamentos. Lembramos que nem todos se utilizam somente dos medicamentos, mas já iniciam com o auxílio de outras equipes de profissionais. O tratamento requer vários remédios. Entre eles, temos: anti-inflamatórios, aspirina, antidepressivos tricíclicos, inibidores da receptação da serotonina, benzodiazepínicos, medicações para o sono, medicações tópicas, miorrelaxantes, analgésicos, derivados de anticonvulsivantes e outras medicações (MARQUES et al, 2012). O que nos faz indagar, mais uma vez, sobre essa síndrome: como, mesmo sem saber a etiologia definida dessa doença, ela consegue ser medicada? Ou melhor, medicam o sintoma, que certamente voltará, porque a causa real não foi atacada. Para entender a função de cada medicamento, é significativo sintetizá-los. Os anti-inflamatórios têm ação bloqueadora sobre as prostaglandinas, as quais têm por função veicular a dor e a inflamação. Eles têm resultado benéfico junto com outros medicamentos. Os antidepressivos tricíclicos são sempre utilizados como primeira escolha para o tratamento, pois causam alívio da dor de forma indireta. Aumentam a formação de dopamina, norepinefrina e serotonina, levando ao sono mais profundo e ao relaxamento muscular. Os inibidores da receptação da serotonina aumentam a serotonina entre os neurônios, gerando ânimo, relaxamento e redução da fadiga. Aumentam também o número de endorfina, reduzindo a dor. Benzodia tem efeito analgésico, porque aumenta a quantidade da serotonina, bem como a do neurotransmissor ácido gama-amido-bultírico, que inibe as transmissões dos estímulos excitatórios para o cérebro. As medicações para o sono são utilizadas quando os antidepressivos tricíclicos não fazem o efeito desejado, deixando ainda o 27 sono perturbado. As medicações tópicas são eficazes por um espaço curto de tempo. Em forma de gel, temos a capsaicina. Os miorrelaxantes e analgésicos vão servir para o relaxamento muscular e diminuição da dor para que, ao menos, os pacientes consigam realizar suas tarefas. Os derivados anticonvulsivantes serão somente utilizados em casos extremos da fibromialgia (KEISERMAN, 2012). Em síntese, o tratamento medicamentoso visa à indução de um sono mais profundo e de melhor qualidade, além de inibir a receptação de serotonina. Todavia o tratamento não farmacológico deve ser lembrado sempre; entre eles, destaca-se: a fisioterapia, o recondicionamento muscular, a acupuntura, a ioga e o acompanhamento psicológico, o qual, muitas vezes, só é indicado para o tratamento de ansiedade, pânico e depressão, e não da fibromialgia. (WEIDEBACH, 2002). A medicina alternativa tem sido bastante utilizada nos últimos anos pelos portadores dessa síndrome, pois a terapia convencional tem se mostrado necessitada de ajuda multiprofissional (BRAZ et al, 2011). A fisioterapia é utilizada como tratamento auxiliar para a fibromialgia, não tendo apenas como objetivo aliviar a dor com o uso da eletroterapia, mas também melhorar a capacidade funcional. Para Rocha et al (2006), esse tipo de trabalho fisioterapêutico proporciona benefícios, visto que o sono diminui a dor e a tensão gerada pelos Tender Points. Dessa forma, há um ganho de flexibilidade muscular, bem-estar e qualidade de vida. Outro meio de tratamento é o acompanhamento psicológico. Ele tem por objetivo ajudar o paciente a lidar com sua ansiedade e seu estresse doloroso. Utilizam-se técnicas de relaxamento, sensibilização, visualização e orientação familiar. Muitas vezes, os profissionais dessa área são indicados quando o quadro fibromiálgico leva o paciente a desenvolver depressão e síndrome do pânico. É de suma importância relatar que outras doenças reumatológicas são diagnosticadas e o tratamento medicamentoso e terapêutico tem bons resultados para a cura de tais patologias. Nem todos os médicos anulam a ideia de haver subjetividade por trás da fibromialgia e a tratam fazendo um link com os psicólogos e psicanalistas. Lima & Carvalho (2011), após prestarem assistência psicológica a uma paciente com fibromialgia e alguns sintomas psicossomáticos, constataram que a dor gerada 28 pôde ser amenizada por meio de psicoterapia. Segundo as autoras, “a paciente saiu da condição de dependência em que se encontrava, da condição de passividade ante a doença, para a condição de uma pessoa ativa e ajudando-se a controlar, por si só, alguns sintomas”. (IBID, s/p). 1.4 UMA PACIENTE EM MEU CONSULTÓRIO Após alguns anos trabalhando com fisioterapia, notei que era grande o número de pacientes encaminhados pelos médicos com o diagnóstico de fibromialgia. Os primeiros levaram-me a prescrever um tratamento mais voltado para o relaxamento e alívio do local onde sentiam mais dor. Com o passar do tempo, comecei a notar que eles sumiam da clínica e surgiam tempos depois com as mesmas queixas. Queixavam-se de dor em todo o corpo, além de cansaço. Relatavam que não conseguiam mais ter atividades diárias normais e que suas vidas já não eram como antes. Comecei a questionar o porquê do desaparecimento ao tratamento. Eles me diziam que se sentiam bem, por isso paravam o tratamento e voltavam a realizar suas tarefas. Depois de algum tempo, porém, a dor retornava. Fiquei intrigada sobre tal patologia que surge e some de forma “estranha”, que não gera nenhum avanço patológico ou deformidade, que se mostra em um corpo aparentemente são. Buscando em meus estudos, vi que sua etiologia ainda era indefinida. A partir do dia em que comecei a entender e a ouvir falar sobre a histeria e suas representações sintomáticas, notei que havia certa ligação ou “aparentemente” lembrava algo muito familiar com a fibromialgia. Certo dia, em meu consultório, recebi uma jovem senhora de 48 anos, com o diagnóstico de fibromialgia. Queixava-se de dor em todo o corpo e, principalmente, em seus braços e ombros. Ela dizia que não era constante, mas que, quando surgia, a impossibilitava de trabalhar. O tratamento começou na piscina com o intuito de relaxar sua musculatura, que se encontrava rígida. Assim que a sessão começou, comecei a conversar com a senhora para que ela se sentisse mais tranquila. Com o passar da nossa conversa, 29 fui tomando mais liberdade e a indaguei sobre seu passado. Foi quando ela levantou a cabeça e suas lágrimas correram antes mesmo de me contar qualquer coisa. Perguntei se estava se sentindo bem e comentei que não era necessário que falasse sobre o assunto; mesmo assim ela quis me contar. Começou, dizendo que ela é a segunda irmã de sete filhos, morara na roça em sua infância e que seus pais eram muito pobres. Nesse período, vivia com sua mãe, seu pai e seis irmãos, e todos trabalhavam na roça, mas apenas ela, na época com 14 anos, ficava em casa, cuidando dos afazeres. Depois de um tempo, quando sua irmã mais velha foi tomando formas de mulher, as obrigações foram trocadas: ela passou a ir para a roça, e sua irmã ficava em casa. Um dia, voltando mais cedo da roça, chegou a casa e viu seu pai tendo relações sexuais com sua irmã de forma “forçada”. Ela tentara defender sua irmã, procurando empurrar seu pai, contudo não conseguira. A seguir, ainda fora ameaçada para não contar nada. Meses depois, sua irmã ficou grávida, e seu pai expulsou todos de casa, o que os levou a morar embaixo de uma ponte no Rio de Janeiro, por um ano. Hoje, ela encontra-se casada e com duas filhas e afirma que, toda vez em que passa por algum aborrecimento, essas dores voltam. Continuei o tratamento fisioterapêutico e, como mestranda em Psicanálise, Saúde e Sociedade, ficava intrigada com o caso. Passei a estudar mais sobre os sintomas histéricos e a encaminhei a um psicanalista. Suas dores faziam-me lembrar das histéricas de Freud, Dora e Elizabeth Von R., uma situação tão atual relacionada com casos tão antigos. Como já estava estudando psicanálise, comecei a indagarme. Será que a paciente portadora de fibromialgia não se sentia substituível à sua mãe quando ficava em casa para cuidar das coisas do lar? Será que sentia um amor Edipiano pelo seu pai? Talvez tentasse fazer uma identificação feminina com sua irmã? Afinal, o que ela tem para que “papai” a preferisse? Um sintoma que aparece no seu corpo pelo trauma de ver seu pai tendo relações com sua irmã? Ou por um recalcamento de um desejo sexual? Com base nessas perguntas dei início aos próximos capítulos no qual responderão minhas suspeitas. A histeria vem demarcando séculos, aparecendo nas histórias no decorrer dos tempos. Para entendermos melhor do que se trata, é necessário acompanharmos sua evolução. uma situação tão atual relacionada com casos tão antigos. 30 CAPÍTULO II – HISTERIA 2.1 O CASO DORA Em Dora, encontramos traços de uma estrutura histérica. Destacarei os traços ao desenrolar de seu caso que assinalam a abordagem histérica da questão dos sintomas (FREUD [1901-1905], 2006]. Dora é uma paciente de dezoito anos, que, em seu ciclo familiar, incluía seus pais e seu irmão mais velho. Seu pai era o homem que mandava na casa; sua inteligência e traços interferem no suporte para a história infantil e patológica da paciente. Quando Freud aceita pegar o caso dessa jovem, seu pai já tinha por volta dos cinquenta anos de idade. Ela era muito apegada a ele, e todo esse carinho vinha de uma preocupação que a moça tinha com seu pai desde os seis anos de idade, pois ele apresentava um quadro grave de doença. A primeira doença foi uma afecção pulmonar, o que levou a família a se mudar de cidade. Depois, houve um deslocamento da retina e, dois anos mais tarde, uma crise confusional, seguida de paralisia e perturbações psíquicas. Um amigo resolveu levar o pai de Dora a Viena para ser tratado por Freud. Por conta desse encontro que, quatro anos mais tarde, ele leva sua filha a qual, nesse meio tempo, ficara neurótica. Dora tinha uma tia a qual ela, depois de adoecer, tomou como exemplo. Sua tia era uma senhora que, segundo Freud, sofria de uma forma grave de psiconeurose sem nenhum sintoma característico de uma histérica. Levou uma vida dura em seu casamento e morreu de um “marasmo” que ninguém sabia decifrar os sintomas. Como dito anteriormente, a jovem de dezoito anos era muito ligada à figura paterna. Em função disso, tampouco causava admiração a Freud que essa moça tivesse, derivado dessa família, seu quadro patológico.Sua mãe era muito fútil e não se mostrava interessada nos assuntos de sua família. Após o adoecimento de seu marido, tornou-se mais inculta e concentrada nos afazeres domésticos; passava o dia todo limpando e arrumando a casa. Sua relação com sua filha era muito distante; a jovem costumava criticar sua mãe. Seu irmão, um ano e meio mais velho que a moça, era, para ela, antes um modelo a seguir, porém, nos últimos anos, se tornara distante. O rapaz procurava 31 não se envolver com os problemas familiares e, quando tomava partido da situação, apoiava sua mãe. “Assim, a atração sexual aproximara pai e filha, de um lado, e mãe e filho, de outro”. (Freud [1901-1905], 2006 p. 31). Dora, nome dado por seu analista Freud, apresentava, desde os oito anos, sintomas neuróticos. Começou com uma dispneia crônica, porém, com bastante repouso e cuidados, esse quadro foi sumindo. O médico da família considerou apenas ter sido provocado por um esforço excessivo que a jovem fizera ao subir montanhas, descartando qualquer distúrbio nervoso. Por volta dos doze anos, a jovem sofria de enxaquecas e tosse nervosa, separadamente. Aos dezesseis anos, a enxaqueca desapareceu, mas a tosse nervosa – “tussis nervosa” – continuou por todo tempo até entrar em tratamento com Freud. O que a deixava mais incomodada era a perda de voz. Vários tratamentos foram tentados naquela época, como a hidroterapia e aplicação local de eletricidade, os quais não geravam nenhum resultado positivo na jovem. Dora já se encontrava sem vontade de estar com médicos, pois algumas de suas crises sumiam por vontade própria, e os tratamentos e medicamentos passados nada adiantava mais, inclusive sua ida a Freud só aconteceu por autoridade de seu pai. Já era uma adulta que sabia o que queria e em quem acreditar, mas era fonte de grave preocupação para seu pai. Um dia, seus pais encontram uma carta em que ela se despede da família, pois não podia mais suportar a vida. Para Freud, ela se mostrou assustada na análise diante do fato de o rascunho de sua carta ter chegado à mão de seus pais. Segundo ele, Dora, de fato, queria que o texto caísse nas mãos deles. Seu pai, então, decidiu levar a moça para se tratar com Freud. Ela conta para o médico que, quando moravam na cidade B (assim chamada por Freud), fizeram amizade íntima com um casal, senhor e senhora K. A Sra. K. cuidara de seu pai por um longo tempo. O Sr. K era muito amável com Dora e sempre a levava para passear, sem que ninguém encontrasse nenhum mal nisso. Além disso, a jovem dedicava-se aos dois filhinhos do casal; parecia até mãe das crianças. Dora costumava passar semanas na casa dos K, mas, em uma de suas idas, declarou que não queria mais estar na casa deles e que queria ir embora com seu pai. Somente depois de algum tempo, ela contou à sua mãe que teve essa atitude, pois o Sr. K havia lhe feito uma proposta amorosa durante uma caminhada, depois de um passeio pelo lago. 32 Seu pai aceitou as informações do casal, que se defendeu, contando que a jovem estava com ideias sexuais muito afloradas e que, com certeza, havia imaginado tudo aquilo. O pai de Dora afirma que sua filha queria que ele rompesse laços de amizades com o casal, mas que ele não poderia fazer isso, porque tinha grande carinho pela Sra. K. Para o pai, os dois eram pobres coitados, que se apoiavam um ao outro com o intuito de consolação. Outra situação contada por Dora a seu analista foi que, ao quatorze anos de idade, o Sr. K convidou-a e sua esposa para irem à sua loja e assistir de lá a uma procissão religiosa. Ele, porém, havia convencido sua esposa de não ir e pediu que seus empregados fossem embora. Lá, fechou a loja e pediu que a moça o esperasse e, ao sair pela porta estreita, trouxe a jovem contra si e a beijou. Tal situação despertaria uma sensação de excitação sexual em uma mocinha virgem. Na verdade, contudo, ela sentiu uma verdadeira repugnância. Mesmo assim, continuou mantendo contato com o Sr. K e nunca contou a ninguém o acontecido. O comportamento dessa menina de quatorze anos já era total e completamente histérico. Eu tomaria por histérica, sem hesitação, qualquer pessoa em quem uma oportunidade de excitação sexual despertasse sentimentos preponderantes ou exclusivamente desprazerosos. [...] Esclarecer o mecanismo dessa inversão do afect é uma das tarefas mais importantes. [...] nossa paciente Dora ainda não fica suficientemente caracterizada como inversão de afeto; é preciso dizer que houve um deslocamento da sensação. Ao invés da sensação genital que uma jovem sadia não teria deixado de sentir, ela foi tomada da sensação de desprazer própria da membrana mucosa do tubo digestivo. (FREUD [1901-1905] 2006, p.38) Dora passou a se alimentar mal e sentir repugnância por alimentos, Inclusive, relata a seu analista que conseguia lembrar e sentir, na parte superior de seu corpo, a pressão daquele abraço. Freud crê que, durante o abraço, ela não sentiu apenas o beijo em seus lábios, mas também a pressão do pênis ereto contra seu ventre. Essa passagem foi eliminada de sua memória, recalcada e assim substituída pela lembrança da pressão do tórax. Ele ressalta três sintomas estabelecidos pela jovem: • repugnância; • sensação de pressão na parte superior do tórax; • evitar homens em conversas afetuosas. 33 Para ele, isso era resultado de uma só experiência e, somente fazendo a ligação desses três signos, tornaria possível entender a formação dos sintomas. O nojo vai corresponder ao sintoma do recalcamento da zona erógena dos lábios. O pênis ereto levou à excitação da zona erógena, clitóris, e foi fixada no tórax, por um deslocamento, para uma sensação de pressão no peito. O horror aos homens que pudessem ficar em estado de excitação era uma fobia por poder voltar a viver esse momento novamente. Dora continuou a afirmar que não queria mais manter relações com o Sr. K e que estava muito magoada com o pai por não ter tomado a frente da situação ocorrida durante o passeio no lago. Para ela, não havia nenhuma dúvida de que o que ligava seu pai à Sra. K era mais que uma amizade; era um relacionamento amoroso. Essa certa “amizade” se fixou mais ainda quando a senhora passou a cuidar do pai da jovem, já que sua mãe nada fazia. Era de se suspeitar algo estranho entre eles, e a jovem indagava à sua mãe o porquê de tanta harmonia e cumplicidade entre eles. Seu pai costumava visitar a senhora quando seu marido estava na loja, e isso todos da cidade B comentavam. Certa vez, sua mãe explicou à moça que seu pai estava no bosque, tentando se suicidar, mas que a Sra. K chegou na hora e conseguiu salvá-lo. Ela não aceitou essa explicação e entendeu que foi uma simulação para que os dois se encontrassem. Para Freud, a jovem utiliza da mesma simulação de suicídio para que, assim, talvez expresse o anseio por um amor similar. Mesmo se mudando da cidade B, o seu pai costumava dizer que precisava voltar até lá para ver sua fábrica. Na verdade, seu intuito era encontrar com a jovem senhora. Dora, por ver que seu pai mantinha uma relação amorosa com a Sra. K e nada fazia por ela quando expressava terror pelo senhor K, começa, então, a se sentir usada e trocada. Era como se fosse um prêmio que o seu pai dava ao Sr. K por total tolerância da parte dele em relação ao caso extraconjugal de sua mulher. Mesmo Dora tendo razão de tudo isso, ela mesma fazia-se, durante um bom tempo, de despercebida do caso entre seu pai e a senhora. Sua governanta tenta avisá-la, mas a jovem não quer saber. Mesmo sabendo que sei pai estava na casa dos K, ela preferia não aparecer por lá e pegava os filhos da Sra. K para passear durante esse tempo, ou seja, a jovem também acobertava essa relação por um tempo. Essa governanta, na realidade, era apaixonada pelo seu pai e contava à 34 Dora coisas sobre a vida sexual de um modo em geral, mas pedia à moça que não contasse a ninguém. Outro sintoma que surge em Dora é a dor de estômago. Quando ela viaja para a casa de sua tia, descobre que sua prima mais velha estava sofrendo de dores no estômago e precisava sair daquele local para ser tratada. Na verdade, Dora percebe que sua prima mais velha precisava se sentir assim para que não estivesse presente em casa para presenciar a felicidade de sua irmã mais nova que estava se casando. Freud consegue notar que a jovem imitava alguém. Ela também nota que a Sra. K usava do mesmo argumento, pois, quando o senhor K estava em viagem, a sua esposa sentia-se sempre muito bem, porém, quando ele retornava, ficava doente, podendo, assim, se livrar de sua obrigação matrimonial. Com Dora ocorria o inverso. Lembrando o início do texto em que a jovem apresentava tosse e perda de voz e que sumiam de forma natural, Freud liga esse sintoma à ausência do homem amado. Pergunta por quanto tempo costumava durar essa crise, e ela responde que por três semanas. Em seguida, indaga sobe quanto tempo o Sr. K ficava fora de casa em suas viagens. Sua resposta de que também era por volta de três semanas confirma sua suposição inicial. Tal comportamento demonstra o seu amor pelo Sr. K, e a aversão da senhora por ele. A afonia de Dora, portanto, admitia a seguinte interpretação simbólica: quando o amado estava longe, ela renunciava à fala; esta perdia seu valor, já que não podia falar com ele. Por outro lado, a escrita ganhava importância como único meio de se manter em relação com o ausente. (FREUD [1901-1905] 2006, p.47) O que Freud também consegue notar é que a “simulação” de sua doença também seria usada para afastar seu pai da Sra. K, pois, com isso, ele se compadecia de seu quadro e destinava todo sua atenção à sua filha. Esses quadros sintomáticos da jovem só desapareceriam quando seu pai renunciasse à sua “amante”. Ela, por sua vez, não estava disposta a renunciar à sua doença tão facilmente assim. Para o analista, é necessário que a pessoa entenda que existe nela a intenção de adoecer. Não basta atacar o material patogênico ou a constituição do sintoma, é necessário eliminar o motivo do adoecimento. A situação de grande amor 35 de seu pai pela senhora K e a sua falta de atitude diante da situação do lago deixavam Dora muito revoltada e a Freud muito intrigado. Isso decorria do fato de a moça se fazer amiga da senhora e encobrir o relacionamento com seu pai. Ela mantinha contatos com o senhor K e, mesmo assim, o esbofeteia no lago. Isso, entretanto, será solucionado na discussão do segundo sonho da jovem. Em relação às suas tosses espasmódicas, que tinha como estímulo cócegas na garganta, representava, para Freud, uma cena de satisfação sexual entre duas pessoas cuja ligação amorosa a ocupava tão incessantemente. Para ele, a tosse prosseguia e poderia estar ligada também ao pai, e não somente ao Sr. K. O sintoma surgiria como realização de uma fantasia de conteúdo sexual, uma situação sexual. Os sintomas têm vários significados para representar diversos cursos do inconsciente. A jovem achava que seu pai era impotente, portanto incapaz de produzir qualquer prazer sexual à senhora K. Ela, contudo, sabia que havia várias maneiras de se obter prazer sexual, ou seja, por meio do uso de outros órgãos. Nesse caso, ela poderia estar pensando nas partes do corpo que a irritavam, a garganta e a cavidade bucal. Tempos depois, o sintoma de Dora desaparece, após aceitar, silenciosamente, essa condição. Uma pergunta, entretanto, surge: qual a relação da tosse e da afonia com o seu pai e o Sr. K? Freud nos diz o seguinte: Não é necessário que os diversos significados de um sintoma sejam compatíveis entre si, ou seja, que se complementem num todo articulado. Basta que a interarticulação seja constituída pelo tema que deu origem às diversas fantasias. Em nosso caso, além disso, tal compatibilidade não está excluída; um dos significados se relaciona mais com a tosse, e o outro, com a afonia e o caráter cíclico do distúrbio. (FREUD[1901-1905] 2006, p.58) Era óbvio, no entanto, para Freud, que Dora estava apaixonada pelo seu pai, mas não queria admitir. Identificava-se com as duas mulheres da vida dele, substituía o lugar da mãe para tentar impor ao pai que largasse sua amante e também fazia-se de amiga da Sra K., pois tinha a necessidade de saber o que essa mulher tinha que atraía seu pai. Mais uma vez, a tosse entra como uma fantasia, se 36 colocando no lugar da senhora K tendo relações e prazer sexual com seu pai, provando, assim, a lenda do Édipo. Não foi sua mãe que “roubou” seu pai, mas sim a jovem senhora. Freud, a respeito da ligação da Sra. K com Dora, suspeita de um possível caso de homossexualidade. Para ele, era normal essa identificação na adolescência e poderia estar acontecendo o mesmo com Dora. O caso, porém, não vai adiante, e ele não pode prosseguir com sua suspeita. Antes de romper qualquer ligação com a senhora, a moça era muito sua amiga, a elogiava, gostava dos presentes que seu pai escolhia, pensando ser ela que indicava. Dormiam no mesmo quarto, mas ela também nota na senhora o mesmo comportamento da governanta, que somente lhe fazia as coisas por interesse em seu pai. Percebe que o Sr. K sabe das revistas que ela andava lendo, pois sua esposa o contara. Creio que os pensamentos de Dora, que a fazia ocupar-se das relações entre seu pai e a Sra. K, destinava-se não apenas a suprir seu amor pelo senhor K, que antes fora consciente, mas também ocultar o amor pela senhora K, que era inconsciente no sentido mais profundo. [...] a moção de ciúme feminino estava ligada, no inconsciente, ao ciúme que um homem sentiria. Essas correntes de sentimentos masculinos, ou melhor, dizendo, ginecofílicos, devem ser consideradas típicas da vida amorosa inconsciente das moças histéricas. (FREUD [1901-1905] 2006, p. 66). Por meio da Sra. K, encontra o amor de seu pai. Dora conclui que gostaria de ser amada por um homem, seu pai, como a jovem senhora é amada por ele e também pelo Sr. K; afinal, o que essa mulher tem que consegue o amor dos dois homens? Havia uma circunstância de identificação feminina e, por outro lado, a identificação masculina, à medida que ela se identifica à posição do Sr. K e de seu pai para contemplar a Sra. K. A identificação histérica expressa o desejo de se colocar no lugar da outra, da mulher amada, para se apropriar de sua feminilidade. (O PRIMEIRO SONHO DE DORA) – após Freud achar que estava solucionando de vez o caso da jovem, ela começa a contar um sonho que vinha tendo repetidas vezes. Ela relata que a casa estava em chamas. Seu pai estava ao seu lado e a acorda para que saia da casa, mas sua mãe quer ficar para pegar a caixa de joias. 37 Seu pai, contudo, não a deixa ficar. Quando a jovem sai da casa, ela acorda do sonho. Lembrava que havia tido esse sonho por três vezes quando estava no lugar L (lugar próximo à cena do lago) e voltara a ter esse mesmo sonho em Viena. Freud, interrogando a moça, nota que, depois da cena do lago, ela se sentia ameaçada pelo Sr. K. Tinha medo de que, com a ausência do pai, ele fizesse algo com ela. Por isso, se tranca no quarto e passa a ter o sonho. Seu pai a salva, e ela acorda do lado de fora da casa. Sua caixinha de joias é como sua genitália: está em perigo. O sonho se apresenta como a realização do seu desejo. Mostra que ela está evocando seu antigo amor pelo seu pai para se proteger do seu amor pelo Sr. K. Teme ceder à tentação a ele, a dar de volta o que ele lhe deu: uma caixinha de joias. Lutava para não ceder ao homem que a desejava, assim como à aversão à sexualidade a que estava predisposta e que se enraizava na sua história infantil. O amor pelo pai, para protegê-la da tentação. De acordo com as formações do sonho, o que foi fantasiado serve de modo a reproduzir uma situação infantil. O sonho mostra o propósito de fugir para o pai, mas, no seu inconsciente, há o desejo realizado de que seu pai a salvasse do perigo. • Para Freud, o sonho faz despertar uma lembrança de quando foi beijada e sentiu nojo do Sr. K. O beijo, sem dúvida, tinha gosto de fumaça (fumo), associandoo ao cheiro de fumaça. • O elemento caixa de joias foi um produto da condensação e do deslocamento. • No momento em que seu pai a acordava, estava de frente para sua cama de quando criança, para que ela não “molhasse” a cama. O oposto de “molhar” e “água” pode ser “ardente” e “fogo”: havia um incêndio e seu pai estava em frente à sua cama para salvá-la. • Dora também sabia que havia um “molhar” na relação sexual e que o homem oferece à mulher um líquido. O perigo estaria exatamente nisso, e ela tinha que proteger sua genitália para não ser molhada. Algumas semanas depois do primeiro sonho, veio o segundo, mas não houve uma resolução tão clara quanto o primeiro, pois a análise foi interrompida, mas permitiu entender melhor seus sintomas. Segue o sonho contado pela Dora e que Freud expõe em seu livro: 38 Eu estava passeando por uma cidade que não conhecia, vendo ruas e praças que me eram estranhas. Cheguei então a uma casa onde eu morava, fui até meu quarto e ali encontrei uma carta de mamãe. Dizia que, como eu saíra de casa sem o conhecimento de meus pais, ela não quisera escrever-me que papai estava doente. Agora ele morreu e, se quiser, você pode vir. Fui então para a estação [Bahnhof] e perguntei umas cem vezes: Onde fica a estação? Recebia sempre a resposta: cinco minutos. Vi depois à minha frente um bosque espesso no qual penetrei, e ali fiz a pergunta a um homem que encontrei. Disse-me: mais duas horas e meia. Pediu-me que o deixasse acompanhar-me. Recusei e fui sozinha. Vi a estação à minha frente e não conseguia alcançá-la.[...] Depois, eu estava em casa, nesse meio tempo, tinha de ter viajado, mas nada sei sobre isso. Dirigi-me à portaria e perguntei ao porteiro pela nossa casa. A criada abriu para mim e respondeu: a mamãe e os outros já estão no cemitério. [Friedhof]. (FREUD [1901-1905] 2006, p.93). Freud relata que, por esse sonho, sente que sua reprodução foi um pouco confusa, pois, como disse acima, a análise foi interrompida. Ainda assim, ele dá sua dedução. Ela relata que essa praça e local em que andava não era B e se lembra de ver um monumento e sua fonte. Isso, seu analista associa ao presente que ganhou de um jovem engenheiro que estava interessado em cortejar a moça, mas só seria possível se ele conseguisse melhorar sua condição financeira. Ele é, então, chamado para trabalhar na Alemanha e deixa para a jovem um álbum com paisagens de uma estação de águas alemã. E justamente na véspera do sonho, a moça procurava pelo álbum de fotografias para mostrar aos hóspedes que estavam em sua casa. Pergunta à sua mãe: “Onde está a caixa?”. Outro fator do sonho em que ela anda por um local estranho e prefere seguir sozinha, Freud destina à lembrança que seu primo trouxe quando veio para sua casa. Recordou-se de quando esteve em Dresden e não conhecia nada por lá, e seu outro primo queria servir de guia, mas ela não aceitou e preferiu seguir só. Se Dora pensava no engenheiro, seria associativo o sonho com a busca e posse de uma mulher, no caso, ela mesma, mas era uma estação que aparece na procura o tempo todo do sonho. Nele, ela também diz que perguntou umas cem vezes. Isso levou a Freud outra causa do sonho. Na noite da véspera, seu pai pede 39 para que ela pegue um conhaque, e ela solicita à sua mãe a chave do bufê. Sua mãe, porém, não lhe dá atenção, e ela diz: “Já lhe perguntei cem vezes, onde está a chave?” Isso parece ao analista ser o equivalente masculino da pergunta: “Onde está a caixa?”. Para ele, são perguntas pelos órgãos genitais. Seu pai mostrava-se cansado e com olhar de desanimado pela vida. A carta do sonho fez com que Freud também se lembrasse da carta de despedida que a jovem fizera aos seus pais. Na verdade, ela tinha por motivo dar um susto em seu pai, e ele largasse a Sra. K. Tratava-se de uma fantasia que, se ela saísse de casa, deixaria seu pai com o coração partido, estando, assim, vingada. Ele volta a indagar a jovem sobre a cena do lago, e ela não fala nada muito diferente, apenas que o Sr. K começou a falar, mas que ela não deixou terminar, pois já sabia do que se tratava. Lembra-se de uma frase dita por ele: “Sabe, não tenho nada com minha mulher”. Dora quis sair daquele lugar a pé, foi então que encontrou um homem e perguntou quanto tempo demoraria a chegar a casa. Ele respondeu: “Duas horas e meia”. O bosque do sonho é muito semelhante ao bosque do lago. Ele aparece, na véspera de seu sonho, em um dos quadros que estavam em exposição, e, ao fundo do quadro, se viam ninfas. Ninfas são, como os médicos chamam, os pequenos lábios que ficam no fundo do “bosque denso” dos pelos pubianos (fantasia de defloração). Somente saberia disso quem faz leitura de livros anatômicos ou enciclopédias. Dora, portanto, se sente à vontade no sonho para ler essa leitura proibida, pois todos estavam no cemitério. Dora achava que, lendo essas enciclopédias, estaria fazendo algo errado. Lembra que, nessa mesma época, seu tio manda uma carta, avisando que seu primo estava sofrendo de apendicite. A jovem vai até a enciclopédia e descobre o que é isso. A partir daí, começa a ter os mesmos sintomas que estavam escritos no texto e passa a puxar a perna para caminhar. Tratava-se de um sintoma histérico: ela conseguia trazer para si um modo de se punir pela culpa que sentia por ler artigos mais sexualizados. Sua menstruação começou a ficar irregular após a apendicite, e, ao indagá-la sobre a cena do lago, responde que isso começou nove meses após o acontecido, o que representava a fantasia de um parto. E o que isso tem a ver com puxar a perna? Na verdade, ela deu um “passo em falso”, e era perfeitamente correto que desse à 40 luz nove meses depois da cena do lago. Freud começa a crer que sua fantasia do parto é, de fato, algo que aconteceu, vivenciou algo visto na enciclopédia e seu amor pelo Sr. K permanece, até o momento, em seu inconsciente. Fantasia defloração --- aplicar senhor K--- a recusa no sonho, o bosque, as duas horas e meia, se ligam com a cena do lago --- presume-se ter lido nas enciclopédias sobre partos, gravidez e virgindade --- era impedida de ler ---precisava se afastar dos pais --- morte e cemitério --- culpa --- sintomas. Algumas sessões ainda foram realizadas com a jovem. Ela decidiu avisar que não faria mais nenhum tratamento. Nesse mesmo dia, começa a contar sobre a governanta que trabalhava na casa dos K e que, dois dias antes da cena do lago, lhe havia contado que seu patrão havia feito uma proposta indecente, falando para ela que não tinha nada com sua mulher. A governanta decide ceder a ele. Depois disso, o Sr. K não deu mais atenção nenhuma para ela. A jovem mandou cartas para sua família que vivia na Austrália, e eles pediram para que ela retornasse para casa, mas, como não fez o que fora ordenado, seus pais decidiram que ela nunca mais poderia voltar para casa. Freud, que até então não entendia o motivo da bofetada de Dora, passa a entender que foi fruto de ciúme e vingança, pois estava fazendo com ela o mesmo que fizera com a governanta. Ele começa a relacionar as identificações que Dora faz com a empregada. Ela conta aos seus pais quatorze dias após o ocorrido, como a governanta fez, e espera esse tempo, pois queria ainda ver a reação do senhor K. O que frustrava a jovem era, na verdade, ter sempre achado que o senhor estava esperando que ela completasse seus dezessete anos, se separasse da esposa e a pedisse em casamento. Na cena do lago, porém, em vez de vir um pedido sério, ele faz uma proposta indecente, não toma nenhuma atitude para mudar a situação e ainda a desmente sobre o ocorrido. A incapacidade para o atendimento de uma demanda amorosa real é um dos traços mais essenciais da neurose; os doentes são dominados pela oposição entre a realidade e a fantasia. Aquilo por que mais intensamente anseiam em suas fantasias é justamente aquilo de que fogem quando lhes é apresentado pela realidade, e com maior gosto se entregam a suas 41 fantasias quando já não precisam temer a realização delas. (FREUD [19011905] 2006, p.106) Dora nunca mais voltou para o tratamento. Seus sintomas eram frutos de um desejo insatisfeito. Freud sente-se descontente pelo abandono do caso, mas a jovem usa isso para se vingar do senhor K por meio de seu analista. Temos que ser gratos a essa jovem, que trouxe bastante conteúdo em seu caso. Vimos o amor Edipiano por seu pai, a tomada de lugar da mãe. Os sintomas de conversão por conta de um desejo sexual recalcado e a identificação feminina e masculina. Dora é um clássico caso de histeria e que se assemelha com tantos outros casos em que se é diagnosticado como qualquer patologia, menos histeria. Nos leva a lembrar do caso contado anteriormente da minha paciente e os questionamentos que faço. 2.2 HISTERIA NO DECORRER DA HISTÓRIA Os relatos sobre a histeria aparecem em vários períodos da civilização. A palavra histeria provém de hystera, que significa útero, doença do hystera. Sua história será contada, passando pelos períodos da Antiguidade até o Renascimento (RANGEL, 2008). Hipócrates (460-377 a.C.) acreditava que o deslocamento e a mobilidade do útero na mulher mais “madura” explicaria todas as manifestações histéricas. Esse deslocamento ocorreria, pois sua matriz (útero) encontrava-se mais ressecada e vazia por conta de desuso sexual e gestacional. Por causa da vacuidade do ventre, ficaria mais fácil haver movimentação, o que levaria a sufocar todos os órgãos. Com essa hipótese, ele conseguia explicar os sintomas como dores de cabeça, perda da fala, resfriamento das pernas, vômitos e etc. (IBID, 2008). Platão (428-347 a.C.) afirmava que o útero era como um ser vivo; quando resolvia criar vida, agitava-se perigosamente até gerar vários transtornos corporais na mulher. No século I, Celso (30 a.C. – 38 d.C.) e Ariteu (120 -180) também acreditavam que o útero fazia grande mal, que se agitava feito um animal. A solução para isso seriam as substâncias odoríferas, visto que, com odores fétidos, o útero 42 abaixaria. Levantavam a seguinte ideia: a histeria estava ligada ao desejo de ter filhos (IBID, 2008). No século II, Galeno (131-201) associa o termo histeria com a sufocação uterina. Mudando sua forma de pensar, passa a acreditar que o que gera todo esse desconforto são os espermas que ficam após a relação sexual, ou seja, devido à ausência de escoamento. No século III, Jesus Cristo torna-se o médico do corpo e da alma. Com isso, não se falará mais em histeria, pois o poder religioso discorrerá sobre tudo, até mesmo sobre a medicina. Daí para frente, todas as manifestações estariam associadas com os demônios ou as intervenções divinas. Já no Renascimento, a possessão demoníaca será aceita por todos. A caça às bruxas começa, e também se inicia a seleção de quem vai para a fogueira. Mais à frente, será comprovado que esses fenômenos não são demoníacos, mas sim histéricos, e que sempre existiram (IBID, 2008). Lange (1689) propõe a expressão “tratado dos vapores”, ou seja, quando o sémen se acumula no útero e a mulher não tem atividade sexual, os espermatozoides sobem até o cérebro, provocando convulsões e palpitações. Já Thomas Sydenham (1964-1689) trata a histeria como uma doença “enganadora”. Segundo ele, ela imita quase todas as doenças, levando o médico a se confundir e tratá-la como uma patologia comum (QUINET, 2011). Mais à frente, quando estudarmos Freud, será possível observar sua afirmação de que a histérica se impõe como objeto de pesquisa, usa-se para desbancar o saber do seu mestre. Segundo (IBID, p.113), “o sujeito histérico, se coloca como esfinge a ser decifrada”. No século VIII, Phillipe Pinel (1745-1826), médico de Salpêtrière, foi o primeiro a querer tratar os loucos com a medicina. Para isso, retirava-os da corrente e tentava entendê-los. Ele distingue a histeria da ninfomania, mas a classifica como neurose. No século XIX, Wilhenlm Griesinger (1817-1868), fundador da psiquiatria alemã, acreditava que havia comprometimento psíquico nas histéricas e que o comportamento não era nada adequado. Considerava que eram seres insuportáveis de conviver. Tal pensamento era completamente contraditório ao que Lacan apresentaria tempos depois, ao afirmar que a histeria desperta laços sociais. Paul Briquet (1796-1881), médico francês, encara a histeria como uma doença, a qual deve ser levada a sério. Estaria ligada às paixões e aos sentimentos, 43 por isso somente as mulheres conseguiriam sentir. Suas manifestações estariam intimamente ligadas às cenas e aos sentimentos vivenciados. James Braind (1795-1860), médico inglês, sugere a hipnose como forma de reprodução dos sintomas histéricos. A partir daí, Jean Martin Charcot (1825-1893) foi o primeiro a fazer da histeria uma verdadeira entidade clínica. Ele, então, insiste na ideia de uma lesão, mas, como não encontra nada, define-a como lesão dinâmica. Josehp Babinski (1857-1933), aluno de Charcot, vai contra as ideias do seu mestre. Afirma que, com as histéricas, o que acontece são pitis, “pitiatismo”. Não acreditava ser uma doença e até desconfiava de simulação. Seria ainda necessária a vinda de Freud para falar sobre o inconsciente. (QUINET, 2011) 2.2.1 Freud encontra Charcot Baseando-se nos estudos de Longo (2006), Sigmund Freud, aos dezessete anos, ingressa no curso de medicina na Universidade de Viena e, em 1881, consegue graduar-se, obtendo menção honrosa. Freud, durante o período universitário, torna-se estagiário em laboratórios de biologia. Sentia-se satisfeito com suas pesquisas, mas, após se formar e se apaixonar por Martha, decide aumentar sua renda e vai trabalhar no Hospital Geral de Viena, na área de clínica geral. No ano seguinte, consegue transferência para o setor de psiquiatria, ficando ali durante três anos. Por volta de 1884, a cocaína estava sendo utilizada nos Estados Unidos e na Europa como analgésico e para tratamento de dependentes de álcool e ópio. Freud fica fascinado com tamanho efeito que essa substância trazia. Decide, então, receitar e passar a fazer uso próprio. Em torno dessa pesquisa, havia um interesse pessoal, pois uma amiga encontrava-se com dores por conta do abandono da morfina, e Freud acreditava que a cocaína iria ajuda-la. Não leva adiante a sua pesquisa, pois, por estar muito apaixonado por Martha, sua futura esposa, e como fazia dois anos que não a via, decide encerrar suas pesquisas e ir ao encontro de sua noiva. Em 1885, recebe a notícia de que fora escolhido para ganhar uma bolsa de estudos no Hospital Salpêtriere, em Paris. 44 Nesse local, havia o famoso neurologista Jean Martin Charcot e um grande acervo de material clínico. Aos trinta anos, abandona a anatomopatologia e chega a Paris. Inicialmente, estuda apenas anatomia do sistema nervoso. No final daquele mesmo ano, contudo, abandona a neurologia e se volta para a psicopatologia, pois já se encontrava fascinado com o hipnotismo e os problemas histéricos. Freud passa a assistir às demonstrações clínicas de Charcot, e elas lhe causam grande impacto. Seu mestre Charcot, o famoso neurologista, a partir de 1870, decide se dedicar a estudar os casos histéricos. Ele, junto com seus alunos que se interessavam pelo assunto, aprofunda-se nos estudos dos ataques histéricos, das contraturas e da paralisia. Iniciam suas pesquisas na verificação das perturbações da pele e no comportamento dos órgãos do sentido. Charcot recupera e revive o termo histeria, que estava tão abandonado, e, em 1878, inicia a prática do hipnotismo. A sociedade científica fica um pouco desconfiada, pois tal técnica só era usada entre os mágicos e os charlatões. Sendo assim, descreve três ensaios hipnóticos: No cataléptico e no letárgico, o sujeito é inapto à sugestão. Já no sonâmbulo, a submissão do sujeito é total aos caprichos do hipnotizador. O conteúdo é introduzido facilmente pelos procedimentos habituais de sugestão magnetizadores. O sonâmbulo é escravo da vontade de um outro. Charcot (2003, p.9) apud (Rangel 2008, p.60). Freud ([1893]1996) descreve Charcot como pensador que costumava olhar e rever tudo o que não compreendia até conseguir total entendimento. Portanto não seria diferente com suas histéricas. Por ter esse diferencial, em 1881 assume a função de neuropatologista em Salpêtrière. Passa a identificar que, por trás da histeria, há um fator traumático: “descreve e nomeia a histeria traumática, provocada a partir da auto-sugestão derivada de um evento traumático, como os acidentes de trem” (QUINET,2011, p.99). Ele encontra nos homens sintomas de histeria, principalmente nas classes trabalhadoras. Seleciona os pacientes do ambulatório e passa a usá-los em suas 45 aulas públicas. Começa a ser reconhecido internacionalmente, o que atrai a curiosidade de Freud. Charcot foi um grande incentivador para que Freud desenvolvesse um estudo mais aprofundado da histeria e desse surgimento à psicanálise. Seu maior objetivo, entretanto, não era utilizar seus conhecimentos e a hipnose para tratar suas pacientes, e sim ganhar informações para dar mais fundamentos a suas ideias. Para ele, a histeria seria apenas um fator da neuropatologia. Seria necessário esperar Freud para falar sobre a etiologia sexual da histeria. Freud, aluno de Charcot, sente-se interessado em assistir às suas aulas e demonstrações e relata a experiência. “Tive, assim, oportunidade de ver grande número de pacientes, de examiná-los e de ouvir a opinião de Charcot a respeito deles” Freud ([1886] 2006 p. 43). Ele, porém, nota que não havia um interesse de seu mestre no histórico de vida de suas pacientes e passa a observar sinais de sintoma nas histéricas, até então, não notados. Freud passa a dar mais ênfase à hipnose, confiando que seria o meio mais fácil de eliminar os distúrbios que incomodavam às jovens, ou seja, removeria as fontes psíquicas que estimulavam os sintomas. Acreditava que o paciente conseguia chegar até a pré-história da doença, levando-o a reconhecer e relembrar da ocasião psíquica que originou tal sintoma. Freud ([1888] 1996). Retorna a Viena em 1886 e firma-se como especialista de doenças nervosas, mas continua usando a hipnose. Passa a notar algo diferente durante suas sessões. Por meio das sugestões, havia algo além da consciência, outro tipo de memória a que ele daria o nome de “inconsciente”. Era o local onde estavam guardadas as informações necessárias para o verdadeiro desvendamento dos sintomas histéricos, ficando mais claro a conexão entre o trauma psíquico e a patologia apresentada. Freud iria muito além do que Charcot descobriu. Ele queria mais e, em cada caso, trazia mais indagação sobre os fenômenos. Queria desvendar o que se escondia no inconsciente de suas histéricas. Nem sempre era fácil usar a hipnose com suas pacientes. Um dia, Anna O., uma jovem histérica que era tratada por Breuer, amigo de Freud e médico, apaixona-se por Breuer, e, em uma de suas crises, se apresenta em uma cena de parto, como se estivesse grávida. Freud passa a assumir o caso, enquanto seu amigo vai viajar. Freud, ao atender Anna O, tenta hipnotizá-la para descobrir o que seu inconsciente trazia, mas a jovem não se deixa hipnotizar e pede para que a 46 deixe falar. Surgia, naquele momento, uma ideia que substituiria a hipnose: a associação livre, a “cura pela fala” ou limpeza da chaminé. Por meio da fala da paciente, ela conseguiria expor tudo o que a incomodava, ou seja, convocou uma escuta por parte de Freud e nele encontrou acolhida na palavra. Ele passa a perceber que seus pacientes tinham um tipo de fala sem sequência de causalidade, esperava que falassem sobre seus desejos mais profundos e obscuros e que, por intermédio da fala, o paciente pudesse trazer à tona conteúdos inconscientes. Diante disso, Freud constatou que a hipnose servia apenas para provar que conteúdos podem ser armazenados em um local da mente, o inconsciente, o qual poderia ser alterado. Nota também que alguns pacientes tinham resistência em se fazer hipnotizar No artigo Comunicação preliminar no livro Estudos sobre a Histeria, Freud e Breuer reconhecem a importância da linguagem. No caso das histéricas, eles notaram que seus sintomas individuais desapareciam quando a paciente descrevia em palavras a lembrança do fato que provocara tal conflito. Freud, em seu livro Estudos sobre a histeria ([1893-1895] 2006, p.39), relata sobre seu novo método e de sua dificuldade em implantá-lo com alguns de seus pacientes. Na grande maioria dos casos não é possível estabelecer o ponto de origem através da simples interrogação do paciente, por mais minunciosamente que seja levada a efeito. Isso se verifica, em parte, porque o que está em questão é, muitas vezes, alguma experiência que o paciente não gosta de discutir; mas ocorre principalmente porque ele é de fato incapaz de recordála e, muitas vezes, não tem nenhuma suspeita da conexão casual entre o evento desencadeador e o fenômeno patológico. ( IBID, p.39) Para ter um resultado positivo, era necessário que o paciente conseguisse chegar até sua ideia intolerável, que estaria guardada no seu inconsciente como resultado do recalcamento. O termo recalque só será usado por Freud mais à frente. Com a prática da associação livre, Freud chega a dois fenômenos que se tornarão conceitos importantes da teoria psicanalítica: a transferência e a resistência. A maneira diferente que Freud e seu amigo Breuer enxergavam o mecanismo psíquico das histéricas lhes traz contradição e divergência. Freud passa a acreditar 47 na divisão mental – consciente e inconsciente – como forma de defesa. Breuer acreditava em vários estados conscientes. Outra situação que deixou Breuer mais afastado de seu amigo foi quando Freud lançou a ideia de que há sexualidade na etiologia das neuroses, ou seja, a etiologia da histeria seria sexual. Ele tenta mostrar essa situação a Breuer e exemplifica o caso da Anna O. A jovem havia feito transferência com Breuer, pois conseguiu entender o desejo do seu mestre, que era engravidar sua esposa. Havia nessa jovem uma paixão erotizada pelo seu médico. Surgia, assim, a nova descoberta de Freud: a psicanálise. 2.3 ESTUDOS DE FREUD SOBRE A HISTERIA O início da psicanálise provém de um olhar diferenciado de Freud sobre os sintomas. Em 1899, traz para área médica um novo saber, um novo modo de ouvir seu paciente. Nesse mesmo ano, lança seu livro A Interpretação dos Sonhos, no qual relata todos os mecanismos do inconsciente para a formação dos sonhos. Solicita ao editor Franz Deutike que a data impressa fosse de 1900, para que fosse um novo marco para o século. Quando Freud inicia os estudos nos casos histéricos, ele se firma na ideia de origem traumática, ou seja, o histérico, em sua infância, sofrera algum tipo de sedução sexual, uma experiência traumática. A histeria agiria como forma de defesa para que acontecimentos traumáticos de natureza sexual na infância não viessem à tona, ou seja, saíssem do inconsciente para o consciente. Para isso, utiliza o termo histeria de defesa: defende-se de uma representação sugerida no plano sexual que é inconciliável, ou seja, o sexual apresenta-se como traumático para o psiquismo. O sexual é traumático porque o que ele encobre é a morte, a natureza brutal da coisa real que é o corpo sem um revestimento imaginário e simbólico, reduzindo a uma matéria próxima da imundice. O sexual é a marca da passagem da coisa real, puramente orgânica do corpo, para sua apreensão no universo da significação, campo do processamento humano. É pela via do sexual, da sexualidade, que o real do corpo transforma-se em corpo significante. O recalque faz a fronteira entre o sexual e o não sexual, mas a dimensão recalcada da destinação do corpo como carne, como cadáver, 48 como puro objeto destinado à selvageria é o que retorna, causando horror, traumatizando. (RANGEL, 2008, p. 36) Na vida adulta, a recordação de um trauma pode ter sido despertada por algum evento, e esse trauma pode ser convertido em sintoma no corpo. Outro termo utilizado é histeria de conversão. As histéricas sempre foram vistas como falsas, simuladoras e mentirosas. Freud denomina a metáfora da simulação, uma mentira que substitui a verdade. Para melhor entendimento, cito o exemplo da histérica Ema, que sente fobia ao entrar em lojas, alegando que, aos 13 anos, foi motivo de risos entre os rapazes que estavam numa loja. Na verdade, seu motivo real foi aos 8 anos. Ao entrar em uma loja, um senhor se aproxima de Ema e apalpa suas partes íntimas. Na primeira cena contada, Ema tenta se passar como vítima. Assim, Freud percebeu que o processo de vítima nas histéricas acontecia, e deixou de lado a noção de que todos os pais de suas pacientes eram perversos, sedutores e abusavam sexualmente de suas filhas. “Ela tem uma participação no gozo do qual se queixa e que atribui ao Outro, porque experimenta o desejo como o desejo do outro” (QUINET, 2011, p.117). Em A história do movimento psicanalítico (FREUD [1914] 2006), Freud escreve que em sua ida a Paris, esteve presente numa recepção na casa de Charcot, onde o ouviu falar a um colega sobre uma paciente: “mas em casos como esse, é sempre a coisa genital, sempre... sempre... sempre”. Freud passa, então, a rever sua teoria sobre o trauma. Nela, a sedução ganha o lugar central. Freud, em 06 de abril de 1887, escreve uma carta para seu amigo Wilhelm Fliess (carta 59), dizendo o seguinte: “[...] o que tenho em mente são as fantasias histéricas, que, habitualmente, segundo me parece, remontam a coisas ouvidas pelas crianças em tenra idade e compreendidas somente mais tarde [...]”. Já não acreditava mais em suas pacientes, pois, por várias vezes, elas narravam episódios de sedução que envolvia quase sempre os pais. Na carta 69 para Fliess, ele afirma: “[...] Não creio mais na minha Teoria da Neurose [...]” (FREUD, 21 de setembro de 1887). A partir daí, ele debate a ideia de que nem sempre houve cena traumática e que, possivelmente, foram fantasiadas pelas jovens, porém mantendo uma carga traumática. Em 1900, abandona sua antiga teoria e passa a acreditar que a origem da histeria está em uma fantasia inconsciente. A fantasia ganha uma função na 49 etiologia da histeria, o que antes era visto como ação perversa de um adulto, a criança passa a ter o próprio corpo erógeno como produtor de eventos psíquicos. “A etiologia das neuroses passa a ser baseada nas experiências sexuais da infância devido à vida sexual da criança e não em função de uma experiência real de sedução” (RANGEL, 2008, p. 70). Freud confessa, em sua autobiografia [1924], que essa descoberta lhe deu descrédito entre os médicos, pois ia contra a crença de que a infância é a idade da inocência. Por meio dos cuidados e desejos da mãe, a criança será introduzida no campo da sexualidade, seu corpo será erogeneizado. Em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade [1905], a criança torna-se um ser perverso-polimorfo, com pulsões emanando de zonas erógenas. Chupar o dedo para o bebê seria a substituição do seio materno, ele consegue se satisfizer com seu corpo. A criança começa a notar que há diferença em seu corpo, inicia o processo do complexo de Édipo, que vai ser diferente para o menino e para a menina. Em 1909, quando Freud publica a análise do pequeno Hans, descobre o complexo da castração e estabelece uma articulação com o complexo de Édipo. O complexo da castração se dá quando as crianças notam que no menino há um pênis e na menina não. O menino nota que outros seres foram castrados, e a menina percebe que existe uma falta em seu corpo. O falo torna-se um significante da falta. O menino entra no complexo de Édipo, masturba-se com seu pênis e tem suas fantasias ligadas à mãe; ela passa a ser seu objeto de amor. Para a menina, é diferente: ao perceber a falta do pênis, cria uma grande decepção em relação à mãe e a culpa por tê-la castrado. Segundo Lacan, não se trata da falta do órgão sexual, mas da falta do símbolo específico do seu sexo. Na fase fálica, ao notar que foi vítima de uma castração, ela larga seu laço pré-edipiano com sua mãe e se aproxima de seu pai, seu objeto de amor, com o objetivo de obter o pênis que sua mãe lhe negou. Nesse momento, tem início o seu complexo de Édipo. O estádio fálico só se estabelece no artigo A organização genital infantil (FREUD, 1923). A etiologia sexual da histeria remete ao fato de que há natureza sexual no inconsciente. Há metáfora e metonímia. Um exemplo disso é o caso de Elizabeth Von R. A histérica de Freud sentia fortes dores na coxa direita, local onde seu pai apoiava a perna para que ela fizesse o curativo. Sua coxa dolorida era a metáfora de amor edipiano proibido. “Os sintomas têm uma significação que é sexual, 50 apresentam um valor simbólico, expressam a realização de um desejo” (QUINET, 2011, p. 103). Freud em 1908 escreve o artigo Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade, destacando a relação da fantasia com o sintoma. Seu propósito é mostrar que o sujeito do inconsciente está tanto no sintoma quanto na fantasia. Destaca também que há uma natureza bissexual dos sintomas histéricos, que configuram tanto ao homem como para a mulher. Para ele, encontram-se realizações de duas fantasias sexuais no sintoma, sendo uma feminina e outra masculina. Isso prova que o inconsciente não nota diferenças anatômicas no processo de identificação com o corpo, mas se verifica em um modo muito mais complexo: sou mulher ou sou homem? Dessa forma, traz à luz a complexidade da sexualidade humana. Outra ideia trazida à tona por Freud sobre a histeria era a transferência com os ditos e a identificação com os desejos do Outro. Esse outro poderia influenciar nos seus ataques histéricos, como vimos o caso da Anna O. anteriormente com seu médico Breuer. Lacan (1901-1981) faz da histeria uma maneira especial de desejar, ou seja, o desejo inconsciente do histérico é o desejo do Outro, pois não deseja sem desejar o desejo do Outro no qual seu próprio desejo está amarrado. Freud, em seu livro A Interpretação dos sonhos, comenta sobre um traço diferencial nas histéricas: a insatisfação do desejo. Isso é notado no caso de uma paciente que conta sobre um sonho e que Lacan chama de “bela açougueira”, um bom exemplo de insatisfação do desejo histérico. Sua paciente conta que queria oferecer um jantar, mas não havia salmão defumado suficiente para oferecer, e, além de tudo, era domingo e todas as lojas estavam fechadas. Leva até seu analista essa história com o intuito de contestar a teoria freudiana de que os sonhos eram a realização de um desejo, pois, para ela, não havia nada de realização em seu sonho. Freud, contudo, sabiamente conseguiu desmascarar o desejo não realizado, evidenciando a satisfação de manter o desejo insatisfeito pela histérica. “Um desejo não realizado vai indicar, ainda assim, a realização de outro” (MAURANO, 2010, p.114). A bela açougueira relata a Freud que seu marido a havia proibido de comer caviar, proibição que ela mesma pedira ao marido, pois queria emagrecer. Seu esposo sentia atraído por mulheres mais cheinhas, mas, ao mesmo tempo, tinha um 51 olhar diferencial para sua amiga, que era magra. Uma amiga linda que era magra, mas queria engordar comendo em sua casa, e seu prato favorito era salmão. Freud encontra dois sentidos para esse sonho. Primeiramente, a impossibilidade de a açougueira poder oferecer o jantar à sua amiga que queria engordar e que poderia chamar mais a atenção do seu marido. A segunda ideia mostra a identificação da histérica com o desejo insatisfeito. Há a identificação no sonho com a renúncia de comer caviar e a renúncia de oferecer salmão para a amiga engordar. A histérica se identifica com a amiga, busca ser amada pelo marido e se identifica com o desejo do marido pela amiga. O desejo renunciado se revela no sonho, e sua insatisfação é o que caracteriza o sintoma da histérica. O desejo de alguma coisa revela-se no sonho como algo que se substituiu ao ser do sujeito. Isso faz com que o sujeito se perca na busca disso que, colocando-se sempre como inacessível, confirma a indestrutibilidade do desejo. (MAURANO, 2010, p.115) Na verdade, o desejo de dar o jantar não se realizou no sonho, porém não foi para não agradar à amiga, mas para mantê-lo como desejo insatisfeito, sustentando seu próprio desejo numa identificação histérica. Essa insatisfação (satisfação) histérica será mais bem abordada no próximo capítulo. Lacan consegue ver o histérico como o próprio sujeito do inconsciente, um sujeito dividido em relação ao sexo. No complexo de Édipo, a mulher, em sua versão de inveja do pênis, consegue gozar da privação, além de sofrer amor pelo seu pai. A histérica, por vezes, foi vista por querer sexo o tempo inteiro, que só estaria satisfeita se estivesse realizada sexualmente. O próprio ginecologista Chorobak receita como tratamento para os sintomas histéricos penisnormalisdosisrepetatur (pênis normal em doses repetidas). Ao contrário disso, elas recusam o sexo para poder sentir a falta e a necessidade, se sentir desejadas e sustentar seu desejo na insatisfação. A histérica necessita demandar o tempo todo. Nunca se encontra satisfeita, pois está sempre atrás do objeto perdido, fica rodando em torno do furo. A falta da falta lhe causa angústia, e é justamente pela falta que ela deseja. Estaria sempre se privando de algo, um desejo insatisfeito, tolhendo-se daquilo que lhe traria imenso gozo. “Freud não define a histeria pelo tipo de sintoma, e sim pelo tipo de reação experimentada em matéria de gozo: o desprazer” 52 (QUINET, 2011, p. 113). Sendo assim, o sintoma é o parceiro sexual da histérica, que marca seu corpo com uma cena de gozo. Quinet traz o exemplo de uma jovem cujo sintoma histérico era a ginástica na academia. Ela não usava isso para ter um corpo bonito e nem como um transtorno somatoforme, mas para apagar do seu corpo as marcas de gozo do seu pai, traços das cenas de sedução sexual efetuada pelo seu genitor. O sintoma pode apresentar dois aspectos: o que se constitui como mensagem cifrada e o de conflito pulsional, que pode causar desprazer para o sujeito. Freud, em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade ([1901-1905] 2006), sugeriu que os sintomas substituíssem os impulsos sexuais que, por meio do recalque, teriam sido impedidos de chegarem à consciência. O conflito entre pulsões sexuais e recalque daria origem aos sintomas. A satisfação de uma pulsão é sempre prazerosa para o inconsciente. O eu nem sempre sente essa satisfação como prazer. É justamente assim que Lacan chama de gozo: uma satisfação onde o sujeito não a conhece como tal. Apesar de satisfazer a pulsão, o sujeito sente seu sintoma como desprazeroso, mas mesmo no desprazer há também uma satisfação. (GOMIDE, 2010, p.71). Uma das formas sintomáticas da histeria é a histeria de conversão. O conflito psíquico é simbolizado nos sintomas corporais. Uma fantasia que foi reprimida se desprende da psiquê para instalar-se em uma zona erógena, a libido será convertida. No caso da jovem Dora, é isso que ela faz com sua tosse espasmódica: usa a garganta como local do corpo para realizar sua fantasia e goza com seu sintoma. Isso representaria, para ela, uma cena de satisfação sexual. Os sintomas sensoriais e motores estão inclusos na histeria de conversão, pois, geralmente, não seguem as costumeiras inervações do sistema nervoso. Lacan ensina que a histeria, além de um quadro ou entidade clínica, é também um discurso, ou seja, um laço social. Histéricos são sujeitos que se identificam facilmente com o drama de seus semelhantes, que procuram levá-los a desejar, mas que se furtam de objeto sexual. Histéricos desejam permanecer como objeto do Outro da linguagem. 53 2.4 A DESCOBERTA DO INCONSCIENTE Voltemos às descobertas de Freud. Durante anos dedicando-se a ouvir e a estudar as histéricas, Freud abriria uma via nova de prática clínica: a psicanálise. Descobre que o homem é regido por forças que escapam à consciência: o inconsciente. Com isso, vai de encontro com o cogito cartesiano “PENSO, LOGO SOU”, então, não penso, “SOU PENSADO”. O inconsciente é fundado pelo recalque, recalcar significa negar, manter o que foi negado afastado da consciência. O recalcado sempre retorna resultado do conflito psíquico entre consciente e inconsciente, ainda que sob a forma de disfarce. (RANGEL, 2008) A teoria do recalcamento é, para Freud, onde está grande parte da estrutura da psicanálise. Após bater de frente com os fenômenos de resistência e ao empreender a revisão da teoria do trauma, ele chega ao conceito de recalcamento. Em A interpretação dos sonhos, o termo recalque começa a substituir o que antes era usado como defesa. O termo defesa era utilizado para explicar uma censura sobre um conjunto de ideias que despertam vergonha e dor. Em 1925, Freud relata, em Inibição, sintoma e angústia, que recalque só será utilizado como sinônimo de defesa para as histéricas. “O recalcamento é um processo cuja essência consiste no fato de afastar determinada representação do consciente mantendo-a a distância” (FREUD [1915], artigo Die Verdrängung) apud (GARZIA-ROZA, 2011, p.154). Ele só pode surgir quando houver uma cisão entre a atividade mental consciente e inconsciente. Em 1915, no texto O Recalque, Freud ratifica que recalque é uma vicissitude da pulsão. A satisfação de uma pulsão recalcada pode produzir prazer em um lugar e desprazer em outro. Para ocorrer o recalque, é necessário que o desprazer seja maior que o prazer. O recalque está a serviço da satisfação pulsional, não é um mecanismo defensivo. Freud dividiu o recalque em originário (primário) e propriamente dito (secundário). Na formação do recalque originário, o pré-consciente e o inconsciente ainda não estão formados. Existem experiências vividas que não têm significação para o sujeito, mas que estão inscritas no inconsciente e que não têm acesso à consciência. Essas inscrições permanecem no registro do imaginário até atingir um 54 significado, ou seja, quando o sujeito consegue verbalizar. “É somente por receber significação por parte do sistema simbólico que seu caráter traumático vai ser experenciado pelo sujeito e ocorrerá o recalcamento propriamente dito” (GARCIAROZA, 2011, p. 159). A fim de entender melhor o recalcamento originário, voltamos a Freud com mais um caso: o Homem dos lobos (FREUD [1925-1926], 2006). É a história de um jovem que, quando era menino, não conseguia se sociabilizar bem com as outras pessoas e que, por meio de um sonho, começou a sentir medo de ser devorado por um lobo. Sua infância foi marcada por uma histeria de angústia que se iniciou aos quatro anos e se transformou em neurose obsessiva, que durou até seus dez anos. Aos três anos e três meses, iniciou sua prática sexual conduzida por sua irmã, pois ela brincava com seu pênis. Em vez de tentar seduzir sua irmã, o menino tenta seduzir sua babá, que o despreza. Ele, então, transfere sua zona genital a uma etapa sádico-anal. Desprezado por sua babá, volta-se para seu pai, por quem queria ser castigado e, assim, obter uma satisfação sexual masoquista. Foi em seu sonho contado que Freud conseguiu dar um significado completo. Ele narra, em sua análise, que, em seu sonho, via lobos que pareciam raposas e cães-pastores, que olhavam fixamente para ele. Freud chega à conclusão de que o que surgiu, por meio do inconsciente do sonhador, foi a cena de uma cópula entre seus pais: o pai em pé e por trás de sua mãe, e ela se dobrava para frente feito um animal. O medo de ser devorado pelo lobo nada mais era que o desejo de ser copulado pelo seu pai, mas ele rejeitava ver sua masculinidade castrada para ser sexualmente satisfeito pelo seu pai. Na época em que a cena foi vista quando criança, na sua pouca idade não houve valor traumático. O que aconteceu foi a inscrição em um inconsciente não recalcado, não pode dar significação, pois a criança não tem o sistema simbólico. A inscrição ou fixação no inconsciente irá constituir o recalcamento originário e tornará possível o recalcamento secundário. O recalcamento secundário provém do conflito entre inconsciente e o préconsciente. Tem como função de recalque impedir que certas cenas, representações e conflitos existentes no inconsciente passem para o sistema pré-consciente consciente. Aquilo verdadeiramente recalcado é o representante da pulsão, e não a pulsão em si. O representante pulsional é o ideativo; o afetivo é outro elemento da 55 pulsão, mas somente o primeiro será recalcado. Quando é recalcado, terá uma vida independente, produzindo novas conexões, pois estará livre da influência consciente. É evidente que se o recalcamento é uma defesa do sistema pré-consciente consciente, ele vai afetar não só o representante ideativo da pulsão, mas também seus derivados, e estes serão tanto mais afetados quanto mais próximos se encontrarem do representante em questão [...] se alguns desses derivados se encontram suficientemente afastados do representante original, eles conseguem escapar à censura e ter acesso à consciência. (GARCIA-ROZA, 2011, p 163). Para Freud, o retorno do recalcado é a última fase do recalcamento. Seja qual for a maneira ou condição que leve ao retorno do recalcado, ele nunca se dá sem conflitos. Freud lista condições para que haja o retorno: 1. por um esforço de pressão pulsional; 2. enfraquecimento do contrainvestimento por parte do eu (uma defesa contra o excesso de excitação proveniente do exterior); 3. uma experiência recente, que apresenta uma semelhança com o que está recalcado, consegue despertá-lo. Segundo Freud ([1915] 2006, p.19), é nas histéricas que ele percebe que há uma defesa contra as recordações de um evento traumático de natureza sexual. O eu da consciência não consegue suportar essa ideia, ficando tais recordações recalcadas e ativas no inconsciente. Quem sabe, uma vez na vida adulta, por conta de algum acontecimento, elas sejam despertadas e, assim, convertidas em sintomas no corpo. E o que seria pulsão? Já que falamos anteriormente que o recalque é uma vicissitude da pulsão. Em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade [1905], Freud aborda, pela primeira vez, a pulsão. A sexualidade da criança é perversa, goza em seu próprio corpo, que é polimorfo. Quando o bebê nasce, não é um sujeito do inconsciente. Ele se constitui, é apenas alguém que quer mamar, entretanto, por estar no campo da linguagem, ele quer além do alimento, precisa de um adulto que vá cuidar dele. Freud, em seu texto Projeto para uma psicologia científica [1886-1899], a essa condição deu o nome de 56 desamparo fundamental (Hilflosigkeit) do ser humano, em que é necessária a assistência de um adulto (Nebenmensh). Já Lacan (1969) utiliza o Outro, não apenas para substituir o adulto de que Freud fala, mas também a função que esse adulto encarna para o recém-nascido, no caso a mãe (ou alguém que represente a função materna). Ela vai enviar valores, ideologias, princípios, significações, ou seja, encarna uma ordem de significantes, e não de significados. O que chega ao bebê é um conjunto de marcas materiais e simbólicas, significantes, introduzidos pelo Outro materno, que suscitarão, no corpo do recém-nascido, um ato de resposta que se chama sujeito. O bebê passa a ir além de sua necessidade e começa a demandar: não quer somente o leite, mas o leite e a linguagem. Após a primeira mamada, o bebê acredita ter encontrado algo que o satisfizesse por completo, mas é apenas uma alucinação. Logo, vai passar a vida em busca do objeto que lhe trouxe aquela satisfação plena, o objeto perdido. Lacan tenta dizer que esse bebê vai se constituir como sujeito no campo do Outro, nos tesouros dos significantes. O desejo é o desejo do outro. Ele abre mão do ser e vai para o campo do Outro em busca de sentido. Abrindo mão do ser, ele abre um furo, que leva ao desejo (objeto do desejo e o objeto que causa desejo). Esse quadro é comum na neurose, pois a histérica demanda o tempo todo; nunca está satisfeita, quer que seu desejo continue insatisfeito para ficar em busca do objeto perdido. Freud, em 1915, vai tratar de pulsões e diferenciá-las de instinto. O ser humano é um ser pulsional, pois tem demanda e desejo. Como citado antes: o bebê quer leite e linguagem (= pulsão). Para Freud, existem quatro componentes da pulsão e quatro destinos. Toda pulsão tem fonte, que constitui as zonas erógenas do corpo: boca, ânus, ouvido e olho. Lacan em Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1963-1964), 1992, vai além. Ele afirma que a pulsão sai por todos os “buracos” do corpo. Para cada zona erógena, há um objeto pulsional. Boca = seio Ânus = fezes Olho = olhar Ouvido =voz 57 E, consequentemente, pulsões: Boca = oral Ânus = anal Olho = escópica Ouvido = invocante Na histérica, é comum uma fixação oral. Um exemplo é o caso de Dora. A jovem tem pulsão oral, fixação de gozo oral (afonia e tosse). Ela trouxe, por intermédio de seu sintoma, um gozo (= desprazer). É o sofrimento que o sintoma traz e o prazer que o sujeito teve que abrir mão e recalcou no inconsciente. Pressão/ força, força da libido: essa energia sexual precisa sair, no caso, pelas zonas erógenas. Meta: encontrar sempre a satisfação; mas há um paradoxo na pulsão: sempre se satisfaz e nunca se satisfaz, pois vem outra e outra exigência de satisfação. Objeto da pulsão: o sujeito está o tempo todo atrás do objeto, substituindo um pelo o outro, na busca da satisfação plena que ele alucinou. O sujeito vai estar sempre procurando o objeto que lhe causou satisfação plena (objeto causa do desejo e objeto do desejo) para tentar tapar o furo que existiu a partir do momento em que o ser escolheu o Outro. Voltando ao caso Dora, a jovem deseja ter relações com o pai, mas é algo que não pode ser vivenciado e colocado na consciência da jovem, pois, para ela, seria um “pecado”; ainda assim, ela deseja isso, tem pulsão sexual. Precisa esconder esse desejo e, portanto, recalca, em seu inconsciente, os representantes pulsionais, gera em seu corpo sintomas que causam desprazer e, ao mesmo tempo, seus representantes pulsionais gozam com o prazer do seu sintoma, que é de pulsão oral. Sua libido precisa encontrar uma zona erógena para que a energia sexual saia, e esse local é a boca. Enquanto a realidade não oferece algo de melhor, a pulsão sexual também não renuncia à satisfação. Os neuróticos têm a realidade como insatisfatória e, por isso, mantêm uma vida de fantasia, em que há o recalcado. Eles gozam na fantasia, e os conteúdos de moléstia se transformam em sintoma. São os desejos recalcados da infância que emprestam a força da formação dos sintomas. No texto Inibição, 58 sintoma e angústia [1926], o sintoma é o substituto de uma satisfação pulsional que não se firmou, e sim sofreu o processo de recalque. Além do sintoma, outra forma de expressão do recalque é o sonho (Freud [1900] 2001, p.276-303): “as leis que regem a histeria são as mesmas que comandam a formação dos sonhos”. Os sonhos são a via régia para o inconsciente, pois representam a realização de um desejo recalcado. Apresentam uma linguagem cifrada e “disfarçada”, que não visa a comunicar nada a ninguém. Quanto maior e rigorosa for a censura, melhor será o disfarce. Existem dois mecanismos que tentam distorcer o desejo do recalcado: a condensação e o deslocamento, mas, para falar dos dois, é preciso considerar o conteúdo manifesto – o modo pelo qual o sonho se apresenta quando despertamos – e o conteúdo latente – se refere aos “pensamentos do sonho” ou aos pensamentos do inconsciente. Retomando a condensação e o deslocamento, a primeira tem como principal atributo a síntese, assim o relato de um sonho de apenas um parágrafo pode ter várias interpretações. O segundo se caracteriza por retirar a intensidade de elementos que possuem alto valor psíquico, criando, com base em elementos com baixo valor, novos valores que vão penetrar no conteúdo manifesto. Em toda a produção do inconsciente, estão presentes essas duas operações. A respeito dos sonhos (JORGE, FERREIRA, 2010, p. 24), por meio deles Freud abre portas para o inconsciente e suas formações – sonhos, chistes, atos falhos e sintomas –, que são as manifestações do recalque. Os sonhos são as realizações do desejo do inconsciente, são atos psíquicos que têm sentido e intenção para o sonhador. Em suma, a linguagem dos sonhos é o caminho pelo qual o que estava “escondido” se expressa. Retornando às histéricas, mais especificamente ao caso de Anna O., a paciente pede a Freud: “Me deixe falar!”, convocando-o a uma escuta, sentindo-se acolhida na palavra. Nasce um propósito: o levantamento do recalque pela fala, “esta põe em exercício o mecanismo que rege o funcionamento da linguagem, similar ao sonho, a condensação (metáfora) e o deslocamento (metonímia)” estando, assim, o homem submetido a essas leis (LONGO, 2006, p.18). Anos após tantas descobertas, Lacan vai reler Freud. Desse modo, ele verificará os vários níveis de estruturação do simbólico, assim como a formação do inconsciente pela linguagem. 59 Outra fonte linguística é a de Ferdinand de Saussure. Em suas aulas na Universidade de Genebra, tratava das questões da linguagem, da fala e da língua, considerando a língua um sistema com sincronia. Ele rompe o clássico do signo, a coisa; o nome não precisava mais estar ligado à coisa. A respeito de Saussure (GARCIA-ROZA, 2009), uma de suas ideias centrais é o conceito de signo linguístico, composto por duas partes: o significado e o significante. Com isso, o signo constitui a união de um conceito e uma imagem acústica. Para ele, as duas partes não existiriam caso não houvesse uma ligação entre elas. Aponta dois princípios que regem o signo: arbitrariedade e linearidade. Após estudar a ideia de Saussure sobre os signos linguísticos, Lacan apresenta uma concepção diferente a respeito dos signos. Em A Instância da Letra no Inconsciente ou a Razão desde Freud Lacan ([1969], 2002), representa Significante/significado = S/s, onde o primeiro ganha autonomia sobre o segundo, ficando, dessa maneira, quebrada a unidade do signo definida por Saussure. A cadeia significante torna-se uma produtora de significado. Somente as correlações do significante com o significante fornecem o padrão de qualquer busca de significação. “Donde se pode dizer que é na cadeia do significado que o sujeito insiste, mas que nenhum dos elementos da cadeia consiste na significação de que ele é capaz nesse momento”. Afinal, estamos sempre deslizando em significantes durante a fala e sem conseguir, muitas vezes, entender o que é dito ou expressar o que realmente está recalcado. De forma inconsciente, substituímos o verdadeiro significante recalcado por outro significante. O que essa estrutura da cadeia significante revela é a possibilidade que eu tenho, justamente na medida em que essa língua me é comum com outros sujeitos, isto é, em que essa língua existe, de me servir dela para expressar algo completamente diferente do que ela diz. É essa cadeia que vai fornecer o substrato topológico ao signo lacaniano, em que nenhum significante possa ser pensado fora de sua relação com os demais, e que não tem por função representar o significado. Fica certo que o inconsciente é constituído pelo desfilamento de significantes, que deslizam sem se deter aos significados. Lacan também chama a atenção para a linguagem do sonho, considerando-o um verdadeiro enigma. Há um deslizamento contínuo do significante sobre o significado, e é a rede de significante que constituirá a significação do sonho. 60 Como já falamos anteriormente, Freud, no texto a Interpretação dos Sonhos, aponta como leis do inconsciente a condensação e o deslocamento. Lacan utiliza a metáfora para mostrar o que Freud chama de condensação, ou seja, a substituição de um significante por outro significante. Metonímia (deslocamento) é uma articulação de um significante a outro, por deslizamento. Lacan, em O seminário 5 ([1957-1958] 1999), exemplifica a metáfora no caso do “familionário”, em que mostra, claramente, a condensação entre “milionário” + “familiar” – atos falhos. Lacan (1969) encontra, enfim, um suporte metodológico para uma teoria do inconsciente: só o significante é material – imagem sonora – e simbólico – sua articulação em cadeia produz uma ordem capaz de produzir efeitos de sentido. Podemos, então, aplicar essas condições estruturais ao processo de constituição do sujeito. O ser humano chega ao mundo e se insere em uma ordem social, que se chama família. A psicanálise afirma a dimensão social com valores essenciais à constituição do sujeito do inconsciente. Sem a ordem familiar e social, o ser da espécie humana morrerá. Agora com uma noção maior de metáfora e metonímia, podemos entender o sintoma de acordo com os estudos avançados de Lacan, o qual o coloca estruturado como uma linguagem. “O sintoma, portanto, é o significante de um significado recalcado da consciência do sujeito” (1953, p.282). Metáfora é aquilo que constitui o sintoma, e a metonímia o que caracteriza o desejo, e o corpo histérico será palco para esses sintomas e conflitos pulsionais. E como se comporta esse corpo? É diferente do corpo estudado pela anatomia? 61 CAPÍTULO III – O CORPO COMO LOCAL DE EXÍLIO PARA A DOR HISTÉRICA 3.1 O CORPO Procurando a palavra corpo no dicionário, encontramos as seguintes definições: tudo o que tem extensão e forma, a estrutura física do homem ou do animal, existência real e sensível e porção de matéria (DICIONÁRIO DO AURÉLIO ONLINE, 2013, s/p). O corpo visto ainda como um pedaço de matéria ou de “carne” foi apropriado pela cultura ocidental recentemente. No passado, o corpo era tido como obra de Deus, algo intocável. Havia aversão, hostilização e negação do prazer. Para Hipócrates o esperma ou sêmen trazia ao corpo muita energia, era necessário que o sexo fosse praticado em menor quantidade, e para a Igreja, o sexo serviria apenas para procriação. Masturbar-se, sentir prazer, tocar o corpo do outro era pecado. As doenças apareciam de forma enigmática, e os cristãos viam-nas como castigos, cuja cura só viria da graça ou de um milagre. A Igreja passa a contar aos seus fiéis sobre a expulsão do paraíso, o pecado original, e o ser humano passa a se sentir culpado pelo seu desejo. A sexualidade era considerada apenas corporal, não possuindo nada de psíquico. O corpo não era odiado apenas por ser sede da sexualidade, mas também pelo medo que o homem tinha de não resistir à tentação (CECCARELI, 2011). Na Renascença, o corpo é apropriado pelos artistas, passa a se tornar um corpo cartesiano, deixa de lado o rótulo “sagrado” para ser sentido, dessecado, auscultado e manipulado. Ao longo do século XIX, o corpo dor e o corpo prazer passam a ser diferenciados do científico. Em cada época e cultura ele foi ganhando um significado diferente. Com tantas descobertas o sujeito passa a ser informado de que tem um corpo, que possui características, órgãos e doenças orgânicas, e então a partir da verdade que a medicina lhe apresenta, ele passa a “possuí-lo”, ser dono de si (IBID, 2011). O corpo que os médicos procuram estudar e tratar com medicamento e que a anatomia disseca, é o biológico, não nos informa sobre o discurso que anima cada sujeito, e que se diferencia do corpo erógeno trazido por Freud. Mas, vale ressaltar 62 que Freud nunca destruiu as pontes que o ligavam à biologia, o que ele guardou da biologia não foram os mecanismos experimentais mensuráveis, mas sim os esquemas funcionais e gerais do sistema nervoso, que serviam para a criação da metapsicologia. Apesar de todo nosso esforço para não deixar os termos e os pontos de vista biológicos chegarem a dominar o trabalho psicanalítico, não podemos deixar de utilizá-los para a descrição dos fenômenos estudados por nós. Não podemos deixar de considerar a pulsão como conceito limite entre a concepção psicológica e a concepção biológica. Eu me consideraria satisfeito se essas poucas observações chamassem a atenção para a importante mediação edificada pela psicanálise entre a biologia e a psicologia. (FREUD [1913], 2006, p.204). Freud passa a descrever o corpo de forma diferente do que estudava em sua faculdade de medicina. Havia para ele uma via dupla, o inconsciente, o que trouxe para ele uma compreensão maior do eu/ corpo. Ele vai além do biológico. O corpo freudiano passa sobre o discurso da fé religiosa, pois se torna um corpo que se constitui de pulsão e desejo. Abomina a separação do corpo e da alma. Em Projeto de uma psicologia para neurologistas [1895], Freud abre uma via na lógica da subjetividade corporal. Tem uma difícil tarefa de utilizar referências do campo da neurologia para descobrir o percurso dessa nova via. Em 1905, traz a sexualidade infantil e o corpo erógeno da criança. Em 1924, a dimensão do gozo apenas com o que está sob o princípio do prazer, pois a dor também podia vir prazerosa, e o corpo deixa apenas de atuar sob o biológico para obedecer às regras das demandas subjetivas que se distanciam do discurso médico e religioso. Portanto, os discursos sobre o corpo, sejam tomados pelo plano da saúde ou do limite do prazer moralizado, capitulam diante da construção de uma saída sustentada pelo sujeito para dar conta da desrazão que o Outro lhe causou. Este é o espaço da tensão que o sujeito há de suportar, isto é, o corpo com todo o complexo funcional dos órgãos, porém, revestido do sentido que pode paralisá-lo, seja pela via da perecibilidade inscrita quando o biológico entra em cena ou simplesmente pelo destino que a subjetividade o submete. (CARNEIRO, 2009, p.66). 63 Em Freud, não vamos encontrar um conceito definido de corpo, pois ele é ao mesmo tempo local de conflitos pulsionais. O Eu é antes de tudo o Eu corporal, para o Eu ser formado ele precisa ser informado pelo corpo dos limites que marcam sua fronteira. O Eu é formado a partir de outros “EUS”, que atuam na história da identificação do sujeito, ou seja, os ideias e valores culturais podem interferir na organização simbólica do sujeito e repercutir no corpo. O corpo freudiano vai aparecer como local de gozo ou como ser de linguagem. Freud aborda em suas obras o corpo histérico, com seus sintomas que se dissolvem e se deslocam por meio da fala, e é marcado por identificações e fantasias edipianas inconscientes. Segundo Freud [1933] é a mãe que vai estar diretamente relacionada com a representação psíquica que a criança criará do seu corpo. A anatomia fantasmática que o sujeito trará para si mostrará o imaginário dos que lhe deram vida psíquica, assim como o lugar que o bebê ocupa na economia libidinal da família. Em cima disso, Mc Dougall (1996) relata a grande importância das trocas de significantes entre a mãe e o bebê, são significantes que agem na construção da psicossexualidade da criança. Para Freud [1914], os pais podem imaginar e criar antes mesmo do nascimento um corpo unificado para esse bebê, onde eles depositam todos os seus desejos e suas curas narcísicas. Em Projeto para uma psicologia científica [1895], Freud aponta a constituição do aparelho psíquico, voltando à ideia da constituição corporal ao longo do nascimento do bebê. Ao vir ao mundo, ele recebe várias informações, apesar do caos pulsional, ele tenta se reorganizar com as experiências do mundo à sua volta, tenta se afastar do que lhe causa desprazer e se aproximar do que lhe causa prazer. O desamparo do bebê o coloca como dependente da mãe que garante a satisfação de sua necessidade. Sem isso, ele seria incapaz de cessar a tensão interna de que se ressente. É a mãe, ou alguém que represente esse lugar, que vai dar ao bebê meios de entender os estímulos do mundo que chegaram até ele através de sensações corporais, gerando um corpo de sensações. Quando ele chora ou grita, sua mãe vai tentar resolver sua demanda e aliviar o que lhe causa desprazer. A mãe irá interpretar os sinais desse bebê, ao tentar tocá-lo para descobrir o que ocorre. Ela vai conseguir transformar aquele “corpinho” em um corpo falado ou erógeno. É necessário que a mãe sinta seu corpo como “local de prazer” para fazer com que o bebê se permita saber da existência de seu 64 corpo ao ser tocado, e, mais tarde, veja seu corpo como sendo um espaço unificado. “Portanto, a função materna não se restringe unicamente a assegurar a conservação da vida, mas simultaneamente, a permitir o acesso ao prazer por meio da promoção da sexualidade”. (IBID, p.90) Em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade [1905] Freud relata que a satisfação dada à zona erógena a princípio está associada à necessidade que o bebê tem do alimento, e que o sexo está primeiramente ligado às necessidades de preservação da vida, só depois ganham independência. Existe sexualidade infantil, a criança sente prazer ao ser tocada pela sua mãe, passa a ter seu corpo como fonte de excitação, pulsão e zona erógena. Freud relata que os órgãos fornecem excitação, uma dessas áreas excitatórias é a zona erógena privilegiada da pessoa que é destinada especificamente ao conteúdo sexual. Essas zonas funcionam como se fizessem parte do aparelho sexual, que pode ser percebido no corpo das histéricas. Suas mucosas se tornam sede de novas sensações. A propriedade erógena pode estar ligada a partes do corpo, a todas as partes e a todos os órgãos interno. Para Lacan, existe o corpo imaginário, simbólico e real. O primeiro se apresenta de forma imaginária, quando o sujeito se identifica no Estágio do espelho. O corpo simbólico é habitado pela linguagem que o desloca do gozo, e o real é o que resta após a incorporação da linguagem. Em 1949, Lacan em seu texto O estágio do espelho como formador da função do eu, traz a ideia de um corpo fragmentado e unificado pela identificação a uma imagem. O estágio do espelho deve ser visto ou entendido como algo que transforma o sujeito quando ele assume a imagem. A mãe, ao colocar a criança em frente ao espelho, faz com que ela veja seu corpo de forma unificada, se alucina com a quantidade de gestos e movimentos assumidos pela imagem do seu corpo. “Esse ser ainda mergulhado na impotência motora e na dependência da amamentação, parecer-nos-á, pois manifestar, numa situação exemplar, a matriz simbólica em que o eu se precipita numa forma primordial.” (IBID, p. 97). O Eu surge pela sustentação do corpo unificado visto pela primeira vez. É no espelho e na relação com a imagem do Outro que o sujeito perceberá que lhe falta algo, existe algo para além. Desde a infância, a posição de um corpo masculino ou feminino dependerá da castração, e antes de tudo da castração da mãe. A menina terá que escolher entre seu pai e o falo para desprende-se de sua 65 mãe, e o menino vai prender-se ao falo por um tempo até perder o medo de sua virilidade ser ameaçada. Para Lacan as identificações sexuais estão ligadas ao falo. Freud [1923], coloca que a fase fálica vai dividir os seres em duas classes: seres masculinos que tem o falo, e os seres femininos que estão castrados. Lacan fecha dizendo que essa diferenciação entre homem e mulher vai além do cromossomo, mas tem a ver com o modo como o ser falante diz gozar em relação ao Outro. Segundo Pollo (2012, p.40) “a tosse de Dora permanece um exemplo paradigmático, pois, embora expresse claramente o desejo sexual pelo seu pai, genitor do sexo oposto, não é suficiente para fazer dela uma mulher”. Uma coisa é a posição sexual e a outra é a escolha de objeto, e mesmo assim a identificação sexual não é suficiente para dizer o sexo. O inconsciente não reconhece a diferença dos sexos, somente o falo introduz nele uma dialética. Outra ideia trazida por Lacan é um corpo de gozo. Um corpo é feito para gozar, gozar de si mesmo, coloca sempre em relevo a incidência do significante sobre ele. Então o corpo é para pulsão a sua fonte, ela está integrada ao processo pulsional. Freud em A concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão [1910] relata com grande certeza que os fenômenos psíquicos se baseiam nos fenômenos físicos. Segundo ele, os órgãos serviriam tanto para a pulsão sexual como para a pulsão do ego, ou seja, a boca que se alimenta e que fala, serve também para ser beijada. Essa função duplicada dos órgãos pode servir tanto para sexualidade recalcada como para o eu consciente. Ela é facilmente encontrada em órgãos motores, como as pernas da Elizabeth Von R. que serviam para continuar a caminhar com seu cunhado, pois o desejava, mas serviam também para expressar sua culpa por sentir esse sentimento pelo marido de sua irmã. Algum tempos depois, sua perna paralisa. “É parte da essência da pulsão reencontrar o impossível de satisfazer do objeto, ela é tentada a se fazer apresentar por sua fonte”. (MENDONÇA, 2006, p.67). Freud considera a pulsão um pilar fundamental para a psicanálise. Em seu livro Além do princípio do prazer [1925-1926] aparece a hipótese de pulsão de vida e de morte. Com essa descoberta será mais fácil entender a relação de dor e prazer que opera no sintoma. Quando a pulsão é construída, ela tende a ir atrás da satisfação, mas a defesa incide sobre os representantes psíquicos da pulsão (ideativo e afetivo). Os 66 caminhos do representante ideativo são: sublimação, recalcamento, reversão ao seu oposto e retorno em direção ao próprio eu. Já com o afeto, seus destinos seriam: transformação do afeto (histeria de conversão) troca de afeto (neurose de angústia e melancolia) e deslocamento do afeto (obsessão). O corpo histérico é um corpo trauma que tem excitação pulsional indizível, já que no corpo há algo que vai além da significação. Há uma necessidade de se manter uma satisfação auto-erótica, para a busca de um gozo total. O sujeito encontra no sintoma uma via de escoamento, transformação de uma excitação psíquica em excitação somática. Nesse caso, há a teoria do trauma e Freud introduz nela a função da fantasia, que contém um desejo que não pode ser suportado no consciente e se recalca no inconsciente e que poderá “chicotear” seu corpo com uma cena de satisfação pulsional inconsciente (FERNANDES, 2011). 3.1.1 O Corpo Histérico Desde a Antiguidade, as histéricas tinham seu corpo sendo estudado, seu útero era visto como causa de seus sintomas. A nova versão de corpo trazida pela psicanálise veio através dos estudos que Freud fez com as histéricas e passa a notar nelas um corpo “falante” através de seus sintomas. Freud passa a notar que os fenômenos histéricos estão sempre indo para o excessivo, uma dor histérica é quase sempre muito dolorosa e contada ao ouvinte de maneira muito exagerada. Outra situação percebida por ele foi que elas quase nunca conseguiam dizer ao certo o local preciso de sua dor, diferente de uma pessoa que sofre de dor orgânica, e que indica com certeza seu local dolorido, além de conseguir mostrar através de exames e testes que há realmente um fundo orgânico em seu quadro patológico. Uma histérica, quando é tocada no local que a incomoda, demonstra uma expressão de prazer e não dor. Nota-se que o sujeito histérico faz do seu corpo um palco para representar a Outra cena, que é recalcada e tem ligação de ordem sexual. Como falado anteriormente, a religião era o lugar do discurso do mestre. Este queria tapar todos os “buracos” e orifícios corporais do sujeito, evitando assim que fosse penetrado, ou que sentisse qualquer estímulo prazeroso. Porém as histéricas desbancaram o 67 discurso do mestre e mostram que ninguém pode calar o desejo, que fala não somente pela construção significante, mas também através da linguagem muda de um corpo que é palavra de sentido sexual. Nas histéricas, a paralisia, a cegueira, a dor e a tosse, não se originam da realidade biológica do corpo, ou seja, não existem como expressão de um corpo doente, mas são material de uma narração visual, em que a imagem é erigida como testemunho de um sofrimento de um corpo doente, trata-se essencialmente de um sofrimento psíquico (FERNANDES, 2011, p.35). O corpo histérico teria então uma anatomia imaginária, que é subvertida pela ordem simbólica, ou seja, uma garganta secretiva como no caso de Dora seria uma garganta sem causa orgânica, porém a casualidade estaria ligada ao valor erógeno do órgão que se comportaria como um genital. Era o local de gozo de sua fantasia erótica com o pai. O corpo histérico deixa de estar a serviço da função orgânica e passa a estar a serviço da função sexual. Esse corpo representado passa a ser alvo do investimento libidinal. Como o falo é o objeto perdido da histérica, ela produz para todo seu corpo um investimento narcísico, para inibir a zona genital. Uma histérica usa seu corpo para produzir sinais sexuais que raramente seguem para o ato sexual, pois deseja que o ato, o corpo a corpo, seja insatisfatório. Oferece seu corpo, mas não o entrega, o gozo sexual é para ela um risco, a penetração significaria inconscientemente pôr em risco o falo, pois, se fosse atingido, produziria a desintegração do seu corpo. Sua relação com sua imagem é problemática, pois não afirma sua identificação feminina, buscando um olhar para além de sua voz e de sua postura. Ela procura apelar para anéis, colares, roupas e brincos, pois seu corpo que está incompleto pela ausência do falo necessita chamar atenção. Sempre lhe falta algo nesse corpo fantasmático marcado pelas manifestações recalcadas. Segundo Assoun (1996) não é o corpo que irá falar, mas sim as representações que estão recalcadas e que se manifestarão através dele. O sintoma histérico muitas vezes aparece ou anuncia-se no corpo, na verdade em um corpo de representação ou simbólico, que é marcado pelas pulsões de vida e de morte. 68 Em 1894, Freud informa que o corpo com que a psicanálise trabalha é diferenciado. A função do corpo nas psiconeuroses e nas neuroses atuais, será o elemento que irá diferenciar a somatização e a conversão. Na conversão a descarga de excitação se dá por uma via inadequada, no caso uma inervação somática, enquanto na somatização, contrário, tem-se um acúmulo de tensão que não consegue se descarregar psiquicamente e que por este motivo fica retido no domínio físico (MENDONÇA, 2011, p.53). A conversão histérica vai atestar cada vez mais para Freud o caráter representacional e erógeno desse corpo tão diferenciado psicanaliticamente. A conversão seria a “mutação” corporal da soma de excitação que é liberada do recalcamento, seria uma característica da histeria. Em 1915, Freud dirá que o recalque, é um dos destinos que a pulsão irá sofrer. No caso das histéricas, a energia libidinosa que havia no seu desejo encontra expressão através do sintoma conversivo, na maior parte das vezes. Em Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade [1908], Freud enfatiza a importância da fantasia para a formação do sintoma histérico. Essas fantasias podem ser resultado de pensamentos íntimos que sofreram recalque, e chegaram a se expressar através da conversão. O sintoma histérico surgiria então de uma conciliação entre tendências afetivas opostas, em que uma tenta expressar o componente de constituição sexual, enquanto a outra tenta fazê-lo sucumbir. Esses conflitos vão se converter nos órgãos do sentido e no sistema nervoso, pois suas fantasias, depois de recalcadas, encontrarão expressão em alterações de funções físicas, sendo estes sintomas sensoriais, motores e convulsivos. O sintoma conversivo costuma se apresentar no corpo como paralisia, fadiga, tosses interruptas, cegueira e dor. Dor essa que, para o sujeito, representa um desprazer, mas que para a pulsão representa sua satisfação. 3.2 A DOR A dor é um sintoma muito comum nas crises da fibromialgia, ela marca o corpo em diversos lugares, um sintoma ainda de etiologia duvidosa. Se falamos de 69 dor, podemos indagar qual seria para o Sistema de Saúde a sua definição. Existe hoje uma Sociedade Brasileira para o estudo da dor (SBED). Segundo o site da SBED, a dor seria uma sensação ruim e desagradável, que pode trazer um desconforto leve, moderado ou grave e se expressa através de uma reação orgânica e/ou emocional. A dor é subdividida em nociceptiva e neuropática. Ela é um estado fundamental que alerta o sujeito para a ocorrência de alterações em seu corpo. Atualmente a Associação Internacional para Estudos da Dor (IASP) classifica a dor em três estados: aguda, com duração pequena e causa conhecida; crônica com duração de mais de três meses e com etiologia indefinida; recorrente, que aparece em período pequeno, porém pode aparecer por toda a vida do paciente. Nos Estados Unidos havia cerca de 86 milhões de cidadãos com dores crônicas em 2000. No Brasil, um estudo feito pela Universidade de São Paulo concluiu que 13,6 milhões de brasileiros tinham quadros dolorosos e que 60% sofriam de dores crônicas. (QUEIROZ et al, 2012). O mecanismo da dor é dado através das vias periféricas nervosas e pelas vias centrais. As causas da dor estão relacionadas a tecidos lesados, isquemia tecidual, espasmo muscular e etc. Nesses locais, nervos periféricos e centrais levaram toda a informação até chegar ao cérebro que reconhecem o ponto onde dói no corpo. A serotonina e a endorfina são substâncias que podem inibir a ação da dor na medula espinhal por algum tempo. No caso da fibromialgia, os pesquisadores acreditam que há alguma alteração na serotonina, como relatado no primeiro capítulo. Existem pessoas que relatam sentir dor sem haver nenhuma lesão tecidual? A dor é subjetiva e pessoal e também se apresenta quando há um transtorno emocional. Quando perdemos alguém, vivemos a dor do luto, que é profundamente sentida embora não haja nenhum dano tecidual. Existem dores do campo afetivo que o sujeito consegue identificar de forma consciente. Por exemplo, na perda de um amor, ele sabe a razão desse sentimento que o deixa angustiado, mesmo que haja nisso algo inconsciente que ele desconheça. Ele se conforma com o quadro que ele mesmo consegue definir: a perda de um amor. Mas e as dores que o sujeito e o médico não conseguem definir e traçar um diagnóstico, seriam essas dores de origem inconsciente? Como falado no capítulo I, a algia da fibromialgia requer uma atenção maior, ela realmente provoca dor em partes do corpo, há estímulo doloroso chegando ao 70 cérebro, porém ainda não se sabe de onde ela vem. A dor, quando estudada à luz da psicanálise, recebe um novo olhar, sobretudo em quadros como estes da fibromialgia. A psicanálise vê a dor além de uma dor física, exista a lesão tecidual ou não. Queiroz (2012, p.17), a partir do estudo da obra de Freud, Projeto para uma psicologia científica, consegue relacionar o percurso da dor no corpo com aquilo que a neurologia apresenta como a condução do estímulo nervoso . Os neurônios do sistema psi são permeáveis à passagem de quantidade de excitação. São neurônios condutores de excitação, correspondem ao que em neurologia se indica como os nociceptores que liberam os mediadores químicos. Eles compõem o sistema perceptivo, e o contato com o mundo externo é feito pelos órgãos dos sentidos.Os neurônios do sistema psi estão relacionados à memória e dizem respeito à inscrição sensitiva da experiência. Eles são dotados de dispositivos de proteção – as barreiras de contato –, que impedem a invasão de grandes quantidades de excitação, tanto exógenas quanto endógenas. Podemos compará-los ao tálamo cerebral que tem a função de filtro e não deixa passar para o córtex sensitivo evitando que o sistema nervoso central tome conhecimento do estímulo doloroso. Ele dispara algumas respostas neuroplásticas. Freud [1895] diz, então, que "o sistema nervoso tem a mais decidida propensão a fugir da dor" (p. 408), pois sua tendência primária é evitar o aumento da tensão quantitativa. Já os neurônios do sistema ômega produzem as sensações conscientes de prazer e de desprazer. Estão relacionados à capacidade de perceber as qualidades sensórias de dor ou de prazer. Do ponto de vista da neurologia, o hipotálamo – substância cinzenta do córtex cerebral mais primordial e especializada, por onde caminham as informações –, dá a dimensão afetiva e qualitativa da dor. Por meio dele os estímulos sensórios são codificados e reconhecidos pelo sistema nervoso central. (QUEIROZ, 2012) Esse três sistemas vão levar a três funções psíquicas importantes: o reconhecimento da dor, o registro da experiência sensitiva e a inscrição da excitação. Em O problema econômico do masoquismo [1924] o desprazer da dor é feminino, erógeno e moral. Porém a dor que é desprazerosa para o corpo pode não ser para o inconsciente. 71 Freud em Inibição, sintoma e angústia [1926] relata que há relação da dor física com o corpo. Em Projeto de psicologia científica [1895] Freud parte do ponto de vista médico para considerar a dor como fenômeno de excitação e é então que ele nota que há um além dessa dor corporal e passa a relacionar com a dor psíquica. Nesse mesmo trabalho chega a mencionar que a formação da dor psíquica está relacionada a um excesso de estímulos endógenos ou exógenos e que o psiquismo será sobrecarregado por esses estímulos além do que aguenta suportar. Em 1914 em O narcisismo, Freud acrescenta que na dor física a libido vai em direção ao órgão doente e causa um estado narcísico, ou seja, do físico para o psíquico. A transmissão da dor física para a psíquica corresponde à passagem da carga narcísica à carga psíquica, há um esvaziamento doloroso em direção à imagem do objeto, com isso a imagem do objeto perdido e do local lesionado passam a ter o mesmo estatuto metapsicológico. Em Além do princípio do prazer [1915], Freud diz que quando há um rompimento do escudo protetor, os estímulos periféricos conseguem chegar até a mente, e que o aparelho mental reagirá contra esses estímulos. Já no caso da formação dos sintomas conversivos o mecanismo funciona de maneira contrária, do psíquico ao físico. Segundo uma coletânea de autores sob a rubrica da Associação Científica do Campo Lacaniano, 2002, a dor para Freud aparece em várias formas, seriam elas: a dor representando o sujeito do inconsciente, dor do trauma lógico que funda o inconsciente através do recalque primário, dor como objeto do gozo no narcisismo, dor como afeto de perda real, dor como inibição das funções do eu. O autor Nasio, 2008, relata em sua obra a dor inconsciente, fazendo um estudo a partir de Freud. Essa dor seria algo que ocorreu no passado e está guardada no inconsciente. Cada um tem sua primeira dor, que realmente é sua, as outras dores sentidas podem despertar essa marca que ficou guardada no inconsciente. Há também a dor psicogênica que representa a dor sintoma, é sentida realmente pelo sujeito, há uma sensação dolorosa, porém sem haver causas orgânicas que possam ter gerado tal desconforto. Exemplos para esses acontecimentos aparecem no caso dos sintomas conversivos, que indicam o modo como a pulsão recalcada encontrou para se expressar ou se satisfazer em algum 72 lugar do corpo, mesmo que em forma de dor. A dor psicogênica pode ser de caráter histérico ou de caráter hipocondríaco. No primeiro caso, as histéricas vivenciam essa dor, se colocam como coitadas, querem ser decifradas pelos médicos, querem atenção a essa dor. Já os hipocondríacos se apresentam como se eles fossem a dor. Em 1925 em Inibição, sintoma e angústia, Freud descreve a circulação pulsional em volta do local da dor, ou seja, a dor atuaria como um estímulo pulsional. A dor representa a presença de pulsão no corpo. Freud chega a dizer que o sujeito só se reconhece anatomicamente quando sente dor. A dor então indica que há a presença de pulsão no corpo. Como a angústia, ela é sinal de perigo, e está a serviço da pulsão de vida, porém nos casos em que a ação da pulsão de morte vem a se sobrepor à de vida, a dor tende a ser inócua e transmudar-se em gozo. Mas o que nos interessa no presente estudo é entender a dor histérica, e sua satisfação (insatisfação) em manter esse quadro doloroso. 3.2.1 Elizabeth Von R. Ao longo dos capítulos apresentados, pudemos conhecer um pouco sobre as histéricas e como através delas Freud conseguiu conceber a noção de inconsciente, como sede dos conflitos pulsionais que irão procurar alguma maneira de se satisfazer. O corpo histérico é pulsional, erotizado e a pulsão se utiliza disso para conseguir se descarregar. O que pode parecer desprazeroso e penoso tende a ter uma máscara que esconde alguma satisfação. Vou utilizar o caso de uma jovem paciente de Freud que sentia fortes dores em sua perna ao ponto de travá-las. Abordaremos mais uma vez, só que de forma mais ampla, o caso da Srta. Elizabeth Von R. Segundo (FREUD [1893] 1996), em 1882 um médico amigo lhe pediu que examinasse uma jovem que, havia mais de dois anos, vinha sofrendo fortes dores nas pernas e dificuldade de andar, acrescentando que se tratava de um caso de histeria. 73 Elizabeth era uma jovem de 24 anos, parecia inteligente e mentalmente normal. Sendo a mais jovem de três filhas, era muito apegada aos pais e passara toda a juventude na companhia deles. A saúde de sua mãe era perturbada por uma afecção dos olhos e por estados nervosos. Assim, seu contato com o pai tornava-se mais forte. Ele era um homem alegre e costumava dizer que aquela filha ocupava o lugar de um filho e de um amigo, afirmando, muitas vezes, que ela teria dificuldades de encontrar um marido. Seu pai possuía uma afecção crônica do coração, o que o deixou muito doente. Consequentemente, sua filha tornou-se responsável por seu cuidado. Ela relata lembrar-se do dia em que seu pai apoiou a perna em sua coxa direita. Todos os dias, a senhorita passou a dedicar-se somente ao seu pai, trocando seus curativos todas as manhãs até o dia de sua morte. Era como uma enfermeira para aquele homem, e não se permitia se divertir ou conhecer alguém, somente cuidar do seu pai. Certa vez em que a jovem decidiu sair com um rapaz, seu pai piorou e ela não estava presente para ajuda-lo, o que a fez sentir culpa e remorsos. Um ano após a partida do pai, sua irmã mais velha casou-se com um homem bem-dotado e dinâmico, mas que não entrosava bem com os familiares de sua nova esposa. Já o casamento da sua segunda irmã pareceu prometer um futuro melhor à família. Seu cunhado tratava todas muito bem, principalmente sua esposa, o que causava em Elizabeth um desejo profundo de ter um casamento igual ao de sua irmã ou, quem sabe, o marido dela. Sua segunda irmã encontrava-se grávida pela segunda vez, e seu quadro de saúde era grave. Nesse período, Elizabeth, por insistência de sua irmã, fazia algumas caminhadas com seu cunhado para se distrair um pouco. Nesses passeios, os dois falavam de tudo, até dos assuntos mais íntimos. Assim, aumentava a vontade de ter um homem como ele ao lado e um desejo obscuro de que a sua irmã morresse. Nesse momento, ela sente a necessidade de não ficar mais só. Após a partida de sua irmã e seu cunhado, Elizabeth volta ao local onde caminhava e sente algumas dores ao sentar-se; mas foi somente à tarde, depois de ter tomado um banho quente, que as dores pioraram, principalmente na coxa direita. E ela nunca mais se livrou delas, até o dia em que foi levada ao consultório de Freud. 74 Verificando o caso Elizabeth Von R., e assimilando ao presente estudo, podemos notar que se tratava, realmente, de um caso de histeria. Quando criança, o sujeito teve uma experiência sexual cuja carga de afeto foi insuportável para o sujeito e lhe é inconciliável com a consciência. Desse conflito resulta que a ideia é recalcada e permanece ativa no inconsciente. Uma vez já na vida adulta, essa recordação, despertada por algum acontecimento, é convertida em um sintoma no corpo, que é um memorial do trauma. (QUINET, 2005, p.103) Assim aconteceu com a senhorita Elizabeth Von R.. Ela cresceu, ouvindo os significantes que advinham do lugar do Outro, no caso, sua mãe e seu pai, que moldaram seu sujeito. Tornou-se uma moça distante dos paradigmas adequados àquela época. Logo depois, Elizabeth recalca uma ideia erótica. Primeiro, recalca o significante: a perna do pai em sua coxa direita – recalca um prazer sexual –; sintoma: dor na coxa direita. Segundo, percebe, durante as caminhadas com o cunhado, que não consegue ficar só, recalcando ficar só. Durante a análise com Freud, fala que “não consegue ficar de pé”, querendo dizer “não consigo ficar só”. Utiliza duplo sentido, metáfora (to stand ou em alemão, alleinsstehen = ergue-se sozinha ou ficar de pé sozinha). Ela recalca esses significantes no inconsciente que se transformam em sintomas, não conseguindo mais andar normalmente. Um círculo de representações de natureza erótica entra em conflito com todas as suas representações morais, há conflito entre consciente e inconsciente, a pulsão sexual precisava se satisfazer, a libido encontrar um caminho para se fazer e os significantes precisam se afastar da consciência. O caso Elizabeth é um bom exemplo de tudo até aqui falado. Verifica-se a influência dos significantes do Outro na formação do sujeito, os significantes recalcados no inconsciente podem “furar” a barreira do recalque, transformando-se em formações do inconsciente e, no caso estudado, formou-se o sintoma. Para a psicanálise, trata-se de um sinal do sujeito; é um significante com significado sexual, para o neurótico, é o lugar do sofrimento que proporciona a satisfação sexual. Quinet (2005). A dor para essa histérica era a metáfora de um amor edipiano pelo 75 seu pai, para Freud é uma satisfação pulsional, um meio de “esvaziar” a tensão, é o modo que faz a pulsão gozar. Nesse caso a dor se apresenta como um sintoma conversivo histérico que utilizou do corpo como local de gozo e, dependendo da fantasia que está por trás de toda a situação o local em que essa dor vai se exiliar será uma zona erógena. Isto para que a pulsão se descarregue e vivencie fantasia. Por isso que por mais que o paciente reclame que a dor o incomoda, inconscientemente lhe traz benefícios. 3.2.2 (IN) Satisfação da Dor Histérica A pulsão vai estar sempre atrás da satisfação, e estamos sempre atrás do objeto perdido e tentando preencher esse furo. A pulsão vai contornar o furo repetidas vezes para encontrar a melhor maneira de satisfazer, e isso pode acarretar a repetição do sintoma. Isso é um quadro muito comum em alguns dos pacientes com a fibromialgia, pois, se existem aqueles que têm a dor como constante, há também aqueles que apresentam o caso doloroso de maneira intermitente. Relatam que seu sintoma aparece, some e, de repente, quando acham que tudo está resolvido, o sintoma reaparece. Mendonça (2008) em seu artigo “As incidências da repetição no corpo, pela via da dor” conta a história de sua paciente que sofria de fibromialgia e reclamava de suas dores que se repetiam. No início, começou com uma leve dor de cabeça que foi aumentando e, logo em seguida, passou para todo o corpo. A jovem relata à Mendonça a seguinte situação: “O que eu faço para parar de sentir esta dor, por todo o meu corpo. Mas o que eu faço para mudar isto? Estou cansada dessa repetição” (2008 s/p). Freud em 1915 relata que a procura da satisfação pulsional pode estar fadada a fracassar. Como não se consegue capturar o objeto, a pulsão o contorna. A busca em torno do objeto e em direção à satisfação leva a uma repetição e por meio dessa repetição tenta apreender o objeto. “É a distancia entre o objeto faltoso e o objeto para o qual a pulsão dirige que faz com que ela retorne em direção à fonte, e 76 recomece em direção ao objeto” (MENDONÇA, 2008, s/p). A pulsão faz do corpo um local de repetição que gera mal estar e sintomas. O fato de considerar os caminhos da pulsão sobre o corpo como sendo repetitivos possibilita entender que a pulsão se expressa no corpo de acordo com as formas de manifestação da repetição, isto é, ora sob sua faceta constitutiva, atuando a serviço do princípio de prazer, ora sob a forma restitutiva da repetição, tentando inscrever no corpo algo que não encontrou outra maneira de se fazer representar. Já os efeitos da repetição no corpo, acredita-se ser viável verificá-los por meio da dor (IBID, 2008). O sintoma doloroso pode ser para a histérica um mecanismo defensivo inconsciente para impedir que algum conteúdo que cause desprazer chegue à consciência. Nota-se o que Freud em Inibição, sintoma e angústia [1926] relata sobre a “repressão”. Importante elemento da teoria da repressão é a opinião de que a repressão não é um fato que ocorre uma vez, mas que exige um dispêndio permanente [de energia]. Se esse dispêndio viesse a cessar, o impulso reprimido, que está sendo alimentado todo o tempo a partir de suas fontes, na ocasião seguinte fluiria pelos canais dos quais havia sido expulso, e a repressão ou falharia em sua finalidade ou teria de ser repetida um número indefinido de vezes (FREUD [1926], 2006, p.97). Nota-se que a pulsão vai tentar encontrar um caminho e, mesmo se satisfazendo parcialmente, torna a buscar satisfação ou, procura um caminho para que isso aconteça, “driblando” o recalque. Para a paciente de Mendonça que sofre de fibromialgia, sua dor lhe aparece de maneira irritativa, porém se repete por que se ganha com isso e se sacia. Cada vez que ela reaparece é uma satisfação a mais. O gozo traz uma satisfação, de modo que fica difícil querer se livrar do sintoma, embora doloroso. Querer ser livrar do gozo, já é um modo de gozar. Freud em 1920 trás o conceito de pulsão de morte, a satisfação não estará ligada somente ao prazer, pode vir através de um desprazer. O prazer que existe no desprazer vai 77 satisfazer a pulsão e por isso a resistência em resolver o sintoma ou impedir que ele retorne ao corpo, pois há gozo. O termo “prazer” é muito encontrado na obra de Freud, assim como “gozo” na de Lacan. Em Elia (1995), o prazer para Freud está para o princípio do prazer, e o sintoma neurótico é a resposta do sujeito à impossibilidade de realizar plenamente o princípio do prazer, é a resposta da castração, a impossibilidade da relação entre os sexos. O sintoma na psicanálise está como significante que representa o sujeito, e por mais que pareça doloroso é antes um bem que um mal. Lacan abre a noção de gozo, que vem relacionado com a satisfação, mas não coincide com ela, pois a satisfação pode produzir experiências prazerosas, e o gozo não serve ao prazer, pois ele está além do princípio do prazer, sempre a mais. O gozo pode estar próximo ao prazer desde que a este associemos a dimensão da dor, o gozo pode ser prazer na dor. Diferenciando-se o gozo da satisfação da pulsão, o primeiro aparece como efeito da subordinação da pulsão à linguagem e resíduo incomputável dessa operação. Há sempre em torno do circuito do gozo a referência do objeto perdido. Para Lacan, é o objeto a. O ponto de ancoragem do sujeito está em algo que falta ao Outro, o objeto faltoso não é o objeto do desejo, mas o objeto que faltando causa o desejo. Relacionando desejo e gozo, no plano dos dois, o objeto se encontra implicado, é para o desejo sua causa e para o gozo objeto de fruição. O gozo vai ligar o sujeito a sua condição de objeto através da fantasia, para além do significante. Em Escritos (1901-1981), 2011 no capítulo A significação do falo, encontra-se o gozo dividido por Lacan em três modos: o gozo fálico, o gozo sentido e o gozo do Outro. O que nos interessa nesse momento é o gozo fálico “resulta da incidência, na experiência do sujeito, da castração e da lei de interdição à complementaridade sexual” (ELIA, 1995, p.140). O gozo fálico é sexuado, o gozo enquanto marco da diferença sexual introduzida pela ordem do falo, ele marca a perda. Para entender tal funcionamento fálico vamos buscar o texto de Freud Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos [1925]. O menino, na fase pré-edipiana, ainda não reconhece seu pai como rival e sua castração vai vir após o complexo de Édipo. Para o menino, sua mãe é objeto de 78 amor libidinal, e agora sim seu pai se tornará seu rival. Já a menina vai desejar ser o objeto de amor de seu pai e tentar tomar o lugar de sua mãe. A descoberta da zona genital ocorrerá de maneira diferente para ambos. O menino ao ver o órgão sexual feminino não tem interesse, somente quando ele passa a se sentir ameaçado em se sentir castrado é que vai dar valor a esse caso. Já a menina quando se depara com o pênis acredita ser parecido com seu clitóris, porém o do menino é maior e isso causa a ela uma inveja do pênis, e então nota que ela não tem o mesmo órgão que o menino, mas quer tê-lo. De acordo com Freud o “reconhecimento da castração por parte da mulher leva a um estado de insatisfação, a uma rebeldia que se instala contra a superioridade do homem e sua própria inferioridade” (p.149, 2006). Para isso a menina cria saída. A esperança de um dia seu clitóris se tornar um pênis foi o que Freud denominou de “complexo de masculinidade”. Insatisfeita com seu clitóris deixa de lado qualquer atividade sexual fálica (masturbação do gozo clitoriano) e culpa sua mãe pela falta de um pênis, o qual lhe traz uma inferioridade perante o homem, em sua própria interpretação. O falo nesse momento para a menina aparecerá como imaginário, para manter a fantasia de que ela terá um pênis, porém, para que chegue à feminilidade, ela terá que abrir mão do falo imaginário e passar a ter o falo simbólico, e é aí que ela deseja receber um filho do seu pai. Seu desejo de possuir um pênis passa para o de possuir um filho, e seu pai passa a ser seu objeto de amor. “A ligação da menina com o seu pai pode ceder lugar a uma identificação com ele, e pode ser assim que ela volte ao seu complexo de masculinidade” (2006, p.51). A diferença entre ambos os sexos corresponde à castração que foi executada e a que foi ameaçada. No texto Fetichismo [1927], Freud relata que o fetiche é um substituto para o pênis da mulher (mãe) em que o menino acreditou. Espera-se que os objetos ou órgãos escolhidos pelas mulheres passem como substitutos do falo ausente. O objeto fetiche tem por motivo proteger o sujeito do horror à castração e seria a presença de uma ausência por remeter a algo que nunca se pode possuir realmente. Freud declara que “o fetiche não é substituto para qualquer pênis ocasional, e sim para um pênis muito específico e especial, que foi extremamente importante na primeira infância, mas posteriormente perdido” (2006, p.126). Para o autor, o fetiche está inteiramente ligado ao momento da castração feminina, e tanto a afirmação 79 quanto a rejeição da castração encontram caminho na construção do próprio fetiche. Este tem por motivo preencher o que lhe falta, e por vezes, se fazer de fetiche do homem. “O protótipo normal dos fetiches é um pênis de homem, assim como o protótipo normal de órgãos inferiores é o pequeno pênis real da mulher, o clitóris” (p.129, 2006). Nos Escritos (1901-1981) Lacan comenta que no complexo de castração, a experiência do desejo do Outro não é decidida pela presença ou não de um falo real, mas implica que a criança note que sua mãe não o possui. O falo, para Lacan, não é fantasia, objeto e menos ainda um pênis ou clitóris, ou seja, não é imaginário, nem real e simbólico. É, então, um significante “cuja função na economia intrasubjetiva da análise, levanta talvez o véu daquela que ele mantinha nos mistérios” (LACAN [1901-1981] 2011, p. 267). O falo como significante impõe que seja apenas no lugar do Outro que o sujeito possa ter acesso a ele. Mas esse significante aí estando apenas velado e com razão do desejo do Outro, é esse desejo do Outro como tal que se impõe ao sujeito reconhecer, isto é, o Outro no que ele é ele próprio sujeito dividido da spaltung significante (IBID, p. 270). Quando Lacan passa a notar a relação entre os sexos, relata que haverá a falta do falo, por isso esta relação estará marcada em torno de um ser e de um ter o que falta ao outro. A mulher passa a ser significante do desejo do Outro, o falo, e deixa de lado uma parte da feminilidade. Por aquilo que ela não é, ela deseja ser amada e desejada, porém ela encontra o significante do seu puro desejo no corpo daquele a quem se destina sua demanda de amor. As histéricas vão desejar ser o significante do desejo do Outro, esse falo que falta ao Outro e, assim, se fazem desejadas. Como falado anteriormente, vai haver sempre a busca do sujeito por alguma coisa perdida e a tentativa de encontrar algo que tape seu furo e algo que o faça 80 desejar. O sujeito passa a escolher um objeto que vai lhe trazer satisfação, porém é a demanda do Outro que vai determinar qual objeto será adotado. A histérica prefere se manter como objeto de discurso do Outro do que ter um gozo. E isso é notado muito facilmente quando ela adota para si o dito de “coitadinha”, “penosa” e “sofredora”. Também noto em minhas pacientes de fibromialgia que elas persistem em falar da dor, como forma de chamar atenção para o seu problema e de se manterem insatisfeitas. Toda vez que tomam um medicamento e não conseguem se livrar do que sentem, parecem querer serem decifradas. Queixam-se de não haver resolução para o seu problema e de não conseguirem ficar bem, curar-se. Referente a essa situação vou lembrar novamente o caso já falado anteriormente da Bela Açougueira que está contado por Freud em A interpretação dos sonhos. Uma jovem senhora que desejava dar um jantar em sua casa, porém não consegue realizar, pois não havia salmão em sua casa e, como era domingo, não podia ligar para a mercearia para comprar o que precisava. Então não conseguiria dar o jantar para a sua amiga. Seu marido havia dito que precisava recusar os convites para jantar, pois necessitava emagrecer, e logo depois a Bela Açougueira pede para que ele não dê caviar a ela. Freud interpreta seu sonho como o desejo de não dar esse jantar para não engordar sua amiga e despertar o desejo de seu marido, ou seja, seu desejo para a jovem se passa como insatisfeito, mas na verdade, se mantém assim para que o desejo não se conclua. Como desejo da histérica se constitui do desejo do Outro, tendo esse desejo insatisfeito, ela mostra ao Outro que é incapaz de satisfazê-la. A Bela Açougueira tem tudo para ter seu desejo satisfeito pelo seu marido, mas ela não quer se satisfazer, seu desejo é ter seu desejo insatisfeito. Para Pollo (2003, p.114). O tipo clínico da histeria apresenta como principais características um desejo que se sustenta na insatisfação. E uma modalidade de gozo que diz respeito a privação. Sua estratégia de evitar à castração unilateralizando-a no Outro, ou seja, no parceiro, pois ele castrado é o que está no foco de gozo para a histérica. 81 A mesma autora também enfatiza o sonho da Bela Açougueira por Lacan (1958a), considera que a “açougueira espiritual”, casada com um homem, quer como mulher, porém deseja como homem. O desejo do seu marido era emagrecer. Ele quer lhe dar caviar, mas ela não quer seu desejo de mulher saciado, abre mão disso para manter-se junto ao marido como sendo o falo. O gozo do sujeito histérico vem de uma privação, mesmo se, para isso, ela tenha que continuar com seu sintoma. “O sujeito infere a existência de um desejo semelhante no Outro e passa a apresentar o mesmo sintoma, podendo inclusive sonhar com o desejo do Outro, um substituto do seu próprio” (IBID, p. 114). O sintoma conversivo histérico doloroso traz para a histérica um gozo, seja ele através da satisfação pulsional ou através do recalque. Encontra no corpo um local para gozar desse sintoma através da repetição ou do retorno desse sintoma. A dor pode ainda persistir para que a histérica se mantenha insatisfeita e goze dessa privação para se manter como significante do desejo do Outro. Quanto mais insatisfeita, mais se encontra protegida das ameaças de um gozo que, para a histérica, pode ser um risco de desintegração imaginária, fantasiada. Abre-se a possibilidade e uma nova visão para o diagnóstico da dor da fibromialgia, pautada no estudo da histeria por Freud e Lacan. Acreditamos que a psicanálise, com seus próprios conceitos de sintoma conversivo, dor, corpo, pulsão e gozo, pode contribuir no trabalho de decifração dos “enigmas” da dor da fibromialgia. Se, no decorrer de um tratamento psicanalítico, os histéricos encontram alguma forma alívio para suas dores e seus sofrimentos, por que não dar a mesma chance aos sujeitos que sofrem de “fibromialgia”? 82 CONCLUSÃO Esta investigação teve por objetivo percorrer os conceitos que sustentam o estudo da histeria e, assim, encontrar na psicanálise algumas definições que permitissem dirigir um novo olhar para o diagnóstico da dor da fibromialgia. Calcada nas obras de Freud e Lacan, ela teve como finalidade investigar de que forma os sintomas histéricos se relacionam com os da fibromialgia. A partir da experiência clínica como fisioterapeuta, vivida pela autora da dissertação, a mesma passou a notar que havia algo diferente com os pacientes diagnosticados como fibromiálgicos em relação aos outros pacientes que também faziam tratamentos fisioterápicos. Com base em estudos da Sociedade Brasileira de Reumatologia e autores de renome no campo médico como: Keiserman, Hall e Body, concluímos que a fibromialgia é definida como uma síndrome de dor difusa e crônica, caracterizada pela presença de dor em onze dos dezoitos pontos anatomicamente específicos. É uma doença reumatológica, acomete preferencialmente as mulheres, e sua etiologia é indefinida. Não é uma síndrome progressiva, pode durar um longo tempo ou por toda a vida, não existe uma cura definida e nenhum dano ao corpo, somente a qualidade de vida do paciente se vê prejudicada. A falta de diagnóstico mais concreto prejudica o cuidado mais correto do paciente. É fato que a dor existe, entretanto, não se apresenta nenhum resultado laboratorial. Geralmente, a fibromialgia é tratada com antidepressivos e fisioterapia, porém os pacientes encontram-se quase sempre insatisfeitos com os resultados. Por isso, estão à procura de novos diagnósticos, mudando de médico sempre que possível. Querem uma solução para o alívio dos seus pontos dolorosos. Nos primórdios de seus estudos, junto a Charcot, Freud tentava analisar os pontos dolorosos das pacientes histéricas, chamando-os de “zonas histerógenas”. Uma zona desse tipo é um local que gera dor e desconforto ao simples toque no corpo. O início da psicanálise veio de um olhar diferente de Freud sobre os sintomas histéricos. Logo no começo de suas pesquisas e estudos, ele percebeu que esses sintomas estavam relacionados com traumas vividos pelas jovens. Elaborou, então, sua primeira teoria do trauma, acreditando que alguma experiência traumática, do 83 tipo de uma sedução ou mesmo um abuso sexual, estaria por trás do sintoma. De modo que o agente do trauma teria sido, provavelmente, um pai abusador. A partir de Berta Papenheim – que entrou para a história da psicanálise como Ana O.- Freud abandona a hipnose e passa a sugerir a associação livre, “ a cura pela fala”, e entende que existe um outro local na mente além da consciência, o inconsciente. No artigo Comunicação preliminar [1893-1895], Freud e Breuer, então colegas de trabalho, reconhecem a importância da linguagem. Em 21 de setembro de 1897, Freud menciona sua nova descoberta em uma carta endereçada a Fliess, inaugurando a teoria da fantasia alicerçada sobre o conceito de realidade psíquica. A fantasia ganha uma função na etiologia da histeria, ocupando o lugar do que antes era tido como uma ação perversa do adulto. Freud descobre a universalidade das experiências sexuais da infância e o modo como a fantasia está vinculada ao complexo de Édipo. Por isso ela é inconsciente. Por meio dos cuidados de quem desempenha a função materna, a criança será introduzida no campo da sexualidade, seu corpo será erogeneizado. Nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905) declara que a criança torna-se um perverso polimorfo com pulsões emanando de diferentes zonas erógenas. Essas zonas funcionam como parte do aparelho sexual, o que pode ser percebido no corpo das histéricas. A propriedade erógena pode estar ligada a partes do corpo, ou em todas as partes, incluindo os órgãos internos. O corpo será para a pulsão a sua fonte permanente de estímulos. Em a Concepção psicanalítica da perturbação psicogênica da visão [1910], Freud afirma que os órgãos servem tanto para a pulsão sexual quanto para as pulsões egoístas. Em Além do princípio do prazer [1925-1926], ele diz que a pulsão está para além da representação, ela não se faz representar em um corpo biológico, mas no corpo cartografado pelo desejo. Em Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1963-1964), Lacan afirma que a pulsão sai por todos os “buracos” do corpo. Para cada zona erógena, há um objeto pulsional. Essa energia libidinal precisa sair e se satisfazer, pois o sujeito está sempre atrás do objeto faltoso, que ele acha ter possuído e perdido, talvez na primeira mamada. O corpo histérico deixa de estar a serviço da função orgânica e passa a estar a serviço da função sexual. Em 1915, Freud dirá que o recalque é um dos destinos 84 que a pulsão irá sofrer. Nas histéricas, seu desejo tão fantasiado não pode vir à tona no consciente, é necessário percorrer outros caminhos. O inconsciente é fundado pelo recalque, e recalcar significa negar, manter o que foi negado afastado da consciência. Em Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade [1908], Freud enfatiza a importância da fantasia para a formação dos sintomas histéricos. Estes irão exprimir impulsos pulsionais recalcados e os conflitos irão converter nos órgãos do sentido e no sistema nervoso, pois suas fantasias, depois de recalcadas encontrarão expressão em alterações físicas, como a dor. Se a dor, para o sujeito, representa desprazer, contudo, para a pulsão, ela representa satisfação. Vê-se, então, que já não se trata apenas da pulsão sexual, nem mesmo daquela que Freud chamara inicialmente de egoísta, mas de uma amálgama de pulsão de vida e pulsão de morte ou de destruição. Na tentativa de ilustrar os conceitos psicanalíticos apresentados, usamos na dissertação dois casos vivenciados na prática psicanalítica de Freud, e, para concluir os conceitos estudados, citamos rapidamente os casos de Elizabeth Von R. e de Dora, duas pacientes histéricas de Freud. Elizabeth Von R. sentia fortes dores em suas pernas ao ponto de paralisá-las e, segundo Freud [1893], ela fora responsável por cuidar do pai doente. Em uma de suas sessões a moça relata uma cena que a marcou, na qual seu pai estava com a perna apoiada sobre a sua coxa direita, para que ela lhe trocasse os curativos. A jovem não se permitia nenhuma diversão, apenas cuidar de seu pai. Ela relata também que sua irmã se casara e, anos depois, ficara muito doente. Por insistência da própria irmã, Elizabeth passara a fazer caminhadas com seu cunhado. Por fim, ela ainda relata para Freud que estivera apaixonada por seu cunhado e que desejara a morte de sua irmã, o que realmente acontecera. Ela sentia-se muito culpada por tudo isso. Então, fica claro para Freud que a dor sentida por Elizabeth era metáfora de um amor edipiano pelo pai e um modo de satisfação pulsional, A dor se apresentou como um sintoma conversivo histérico, utilizando o corpo como local de gozo. Em seus exames, nada era encontrado de errado, nada indicava que houvesse alguma lesão, porém, após o tratamento analítico com Freud, suas dores desaparecem. 85 Assim foi também com Dora. Sua tosse espasmódica persistente não cedia com nenhum tratamento. Após entrar em análise com Freud, ele suspeita que a jovem use sua garganta como local do corpo para realizar sua fantasia, e com isso, gozar com seu sintoma. Numa só palavra, a dor representaria para ela uma cena de satisfação sexual. Dora também era incumbida de cuidar de seu pai, e se sentiu ameaçada quando notou que seu lugar estava sendo tomado pela senhora K., amiga da família e amante de seu pai. Dora precisava saber o que esta mulher tinha para que ele desse tanta preferência a ela. Para Freud, a tosse entrara como uma fantasia, em que Dora se colocara no lugar da senhora K tendo relações sexuais com seu pai, do tipo de uma felação. Esses dois casos nos mostram claramente sintomas que foram gerados por conflitos psíquicos vivenciados por essas duas jovens, conflitos em que foram recalcados alguns impulsos que encontraram pontos no corpo para sua satisfação, zonas erógenas. A pulsão pode contornar o furo da representação faltosa repetidas vezes, até encontrar a melhor maneira de se satisfazer, e isso pode acarretar em uma repetição do sintoma. Sem um diagnóstico laboratorial plausível, o sintoma pode permanecer constante ou pode repetir-se indefinidamente, o que também é uma característica da fibromialgia. Não é raro encontrarmos pacientes que tem uma dificuldade de se livrar dos seus sintomas. Os dois casos freudianos se assemelham com o caso que citamos no final do primeiro capítulo de nossa dissertação: da jovem senhora que foi “substituída” pela sua irmã, a qual obteve o amor do seu pai. Nos três casos, portanto, o desejo foi dado para outra pessoa que não a paciente. Elizabeth não podia mais caminhar nem ficar em pé, Dora era acometida por afonia e tosse nervosa, nossa paciente sofre de fibromialgia. Porém, como esta não foi levada à análise, ficamos apenas com a comparação e uma forte suspeita de que sua dor seja de origem conversiva. Para essa repetição do sintoma, encontramos em Lacan a menção ao gozo. O gozo traz uma satisfação pulsional, de modo que fica difícil para o sujeito querer se livrar do sintoma, embora doloroso. Para Lacan, há sempre em torno do gozo a referência a um objeto perdido, que é “o objeto a”. Em Escritos (1901-1981), ele traz o gozo fálico, que é sexuado, o gozo enquanto marco do encontro do sujeito com a 86 diferença sexual, introduzida pela ordem do falo. O gozo fálico marca uma perda do que teria sido da ordem da natureza, pois o falo, para Lacan, é sobretudo um significante. As histéricas vão desejar ser o significante do desejo do Outro, esse falo que falta ao Outro. Assim, elas se fazem desejadas, mas preferem se manter como objeto no discurso do Outro do que ter um gozo. Isso é notado quando trazem para si o título de “coitadinhas”. O gozo do sujeito histérico vem de uma privação, mesmo que para isso ele continue com seu sintoma. Falar do seu sofrimento é uma maneira de gozar, é buscar ser decifrada e demandar. É sustentar o seu desejo na insatisfação. Assim, encontramos quadros histéricos semelhantes com os da fibromialgia. Pacientes que se queixam sempre de sua dor e colocam em seus discursos frases como: “Sou uma coitada, não sei o que fiz para merecer isso, sou uma sofredora!” Algumas insistem em falar do seu problema sempre que podem, como forma de chamar atenção para ele. Estão sempre pulando de médico em médico, quando não ouvem o que esperam, buscam outro especialista. Cada medicamento tomado que não alivia seu sintoma, soa como se quisessem ser decifradas, parecem querer se livrar de seus sintomas, porém insistem em falar sempre dele. Ao longo da pesquisa pudemos constatar que o sintoma conversivo histérico doloroso traz para a histérica um gozo. Ela encontra no corpo um local para gozar através da repetição, do retorno de um sintoma. A dor pode ainda persistir ajudando a histérica a se manter insatisfeita e gozar da privação, para se manter como significante do desejo do Outro. Quanto mais insatisfeita, mais se encontra protegida das ameaças de sua própria fantasia, de um risco de desintegração imaginária, fantasiada. Usamos a palavra “histérica” no feminino, em função dos casos que trabalhamos, mas não estamos excluindo que os homens não possam ser acometidos dos mesmos sintomas e pelas mesmas causas, ou causas equivalentes. Abre-se a possibilidade e uma nova visão para o diagnóstico da dor da fibromialgia, pautada no estudo da histeria por Freud e Lacan. Acreditamos que a psicanálise, com seus próprios conceitos de sintoma conversivo, dor, corpo, pulsão e gozo, pode contribuir no trabalho de decifração dos “enigmas” da dor da fibromialgia. Se, no decorrer de um tratamento psicanalítico, os histéricos encontram 87 alguma forma alívio para suas dores e seus sofrimentos, por que não dar a mesma chance aos sujeitos que sofrem de “fibromialgia”? Fica, portanto, o convite de ampliarmos os debates sobre o tema pesquisado que não está finalizado e ficam abertas as possibilidades para um recomeço. 88 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Leonardo Pinto. A correspondencia entre Freud e Fliess e a primeira teoria Feudiana da angústia. Rio de Janeiro - PUC. Aprovado em:30/06/2009. Disponível em: http://www.psicanaliseefilosofia.com.br Acesso em: 02 de fevereiro de 2013. Althof, Antonio Carlos. Fibromialgia: uma nova visão. 2000. Disponível em: http://www.fibromialgia.com.br Acesso em: 18/01/13. ANDRADE, Luís F.G. Sobre a Dor. Trabalho Apresentado sobre o Tratamento da Dor numa Perspectiva Multidisciplinar. Campina Grande – PB, 2007. ARAÚJO, Rejane Leal. Fibromialgia: Construção e Realidade na Formação dos Médicos. Revista brasileira de reumatologia. 2006. ASSOCIAÇÃO CIENTÍFICA DO CAMPO LACANIANO. O Saber do Psicanalista. Salvador, 2009. ASSOUN, Paul-Laurent. O corpo: o outro metapsicológico. 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N 1, 2006. YUNNUS (1981) apud In: Exercícios Terapeuticos na busca da função. Rio de Janeiro.Guanabara Koogan, 2 ed. 2007 99 APÊNDICE A: CURSO DE EXTENSÃO: A DOR DA FIBROMIALGIA PODE TER RELAÇÃO COM A HISTERIA? Este curso se propõe a investigar o conceito de dor para a psicanálise, com ênfase no estudo da histeria principalmente na obra de Sigmund Freud e Jacques Lacan. Procurando os embasamentos necessários à articulação da histeria com a fibromialgia. No percurso do curso, trabalharemos os conceitos psicanalíticos de inconsciente, pulsão, sintoma e gozo. Nosso objetivo é propor uma nova visão do diagnóstico de “dor fibromiálgica”, salientando a contribuição da psicanálise. E tentar chegar a todos os públicos, principalmente aos profissionais da área de saúde que estão constantemente diagnosticando e tratando a fibromialgia. Temos por intuito dar ênfase à subjetividade, principalmente quando o assunto é sujeito e patologia. A ideia do curso partiu de uma vivência na prática clínica como fisioterapeuta em um caso de fibromialgia. Após anos recebendo pacientes com dor fibromiálgica comecei a notar que havia algo diferente naquela patologia. Notava que os pacientes sentiam dores em pontos diferentes do corpo e que estavam constantemente sumindo e reaparecendo no tratamento. Uma dor que marcava locais no corpo, porém não era diagnosticada em nenhum exame laboratorial. Certa vez recebi uma jovem senhora em meu consultório e notei que se queixava de dores em partes diferentes do corpo. Veio com o diagnóstico médico de fibromialgia. Como já era aula do curso de mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade, já tinha ouvido falar sobre os sintomas histéricos e passei a fazer relação com os quadros apresentados pelos pacientes que sofriam de fibromialgia. Quando essa jovem senhora chega para ser tratada comigo decido dar mais atenção ao que ela tem a me dizer e passo a indagar a respeito do que estava sentindo. No meio de nossa conversa, a paciente, começa a me contar que quando adolescente, vivia na roça com seus pais e 6 irmãos e que todo o trabalho do lar era dela. Após algum tempo, seu lugar é trocado com sua irmã, que passa a fazer as tarefas do lar e a minha paciente vai para roça. De início todos achavam que foi uma maneira do pai proteger a irmã mais velha, pois já estava ganhando formas de mulher, porém, um dia quando minha paciente retorna para casa mais cedo se 100 depara com seu pai tendo relação sexual com sua irmã, e então, é ameaçada a não contar nada. Sua irmã fica grávida e todos são expulsos de casa. Temos por objetivo iniciar o curso utilizando esse caso, explicando por onde iniciei minha suspeita. Explicar o conceito de fibromialgia e sua etiologia ainda indefinida. Usar textos de Freud para descrever a histeria e as descobertas feitas por ele com o estudo feito em suas pacientes histéricas. Abordaremos alguns casos de histeria vivenciados por Freud, como o “Caso Elizabeth Von R.” e de outras mulheres histéricas, visando focar seus sintomas histéricos, principalmente a dor, e a (in) satisfação de mantê-la. Nesse curso de extensão serão examinados os principais textos de Freud e Lacan: “Estudos sobre a histeria”, “Um estudo autobiográfico, inibições, sintomas e ansiedade, análise leiga e outros trabalhos”, “Interpretação dos sonhos”, “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”,” Fantasia Histérica e sua relação com a bissexualidade”, “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”, “As formações do inconsciente”. Local: Universidade Veiga de Almeida – Campus Cabo Frio. Público Alvo: Estudantes e profissionais de fisioterapia, profissionais e estudantes de enfermagem, psicologia, assistente social, médicos e áreas afins. Programação: Exposição e discussão das obras freudiana e lacaniana que elucidam o conceito de histeria e dor. Estudo comparativo das dores histéricas e fibromiálgicas, através de vídeo retirado da internet e produzido pela autora. I - Estudo teórico sobre o tema: - Fibromialgia. • Será abordado esse tema no primeiro dia de curso, com duração de 3 horas. Explicando o quadro clínico, a etiologia, incidência e tratamento proposto para a patologia. • Pretendemos utilizar obras baseadas em estudos da Sociedade Brasileira de Reumatologia e autores de renome no campo médico como: Keiserman, Hall e Body, para abordarmos que a fibromialgia é síndrome de dor difusa e crônica, caracterizada pela presença de dor em onze dos dezoitos pontos anatomicamente específico. É uma doença reumatológica, acomete preferencialmente as mulheres, e 101 sua etiologia é indefinida. Não é uma síndrome progressiva, pode durar um longo tempo ou por toda a vida, não existe uma cura definida e nem somente nenhum dano ao corpo, somente a qualidade de vida do paciente.A falta de diagnóstico mais concreto prejudica o cuidado mais correto do paciente. É fato que a dor existe, entretanto, não se apresenta nenhum resultado laboratorial. - Um caso de Fibromialgia em meu consultório. • Após 30 minutos de pausa, retornaremos para iniciarmos a segunda parte do nosso estudo com duração de 3 horas. • Passar para os alunos presente o caso vivenciado por uma fisioterapeuta em seu consultório com uma paciente de fibromialgia. Abrir ao público de fisioterapeutas para que contem suas vivências com esse tipo de paciente e o que acham do tratamento proposto pela medicina e fisioterapia na melhora do quadro patológico da doença. • Passar aos alunos o Caso Dora, para fazer relação com o caso da fibromialgia contado pela jovem senhora a sua fisioterapeuta. - As Descobertas de Freud sobre a Histeria. • Segundo dia de curso, esse tema será abordado por 3 horas. • Será utilizado o livro do Freud Estudos sobre a histeria [1893-1895] para relatar seus estudos sobre a histeria. O conceito de trauma e que depois é passado para o de fantasia. • Três ensaios sobre a teoria da sexualidade [1905], onde Freud relata que a criança torna-se um ser perverso-polimorfo, com pulsões emanando de zonas erógenas. • O artigo Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade [1908], destacando a relação da fantasia com o sintoma. - A dor à luz da Psicanálise. • Após intervalo de 30 minutos, os alunos retornam para aula para iniciarmos um novo tema com duração de 2 horas. • Utilizando obras de Freud vamos tentar implantar uma nova forma de olhar a dor, e como ela se comporta em um corpo histérico. 102 • Projeto de psicologia científica [1895] Freud parte do ponto de vista médico para considerar a dor como fenômeno de excitação e é então que ele nota que há um além dessa dor corporal. • Levantar a ideia que por trás da dor que é tão insatisfatória ao sujeito, pode ser uma maneira de satisfação para o inconsciente, uma satisfação pulsional. O sintoma doloroso pode ser para a histérica um mecanismo defensivo inconsciente para impedir que algum conteúdo que cause desprazer chegue à consciência. - A (IN) Satisfação da dor Histérica. • Com duração de 3 horas, tentaremos fechar o curso mostrando qual o motivo da histérica se manter com tal sofrimento, e relacionar isso ao discurso apresentado pelo paciente que sofre de fibromialgia. • Utilizar Três ensaios sobre a teoria da sexualidade [1901-1905], no qual Freud relata que o conflito entre pulsões sexuais e recalque daria origem aos sintomas. • Abordar o caso da Bela Açogueira, no livro A Interpretação dos sonhos [1900], em que Freud comenta sobre um traço diferencial nas histéricas: a insatisfação do desejo. • Abordar a obra Escritos (1901-1981), para enfatizar a presença do gozo, trazida por Lacan, na insatisfação histérica e na manutenção do seu sintoma. • E por fim, fazer uma relação do diagnóstico da fibromialgia com o estudo abordado da histeria. Lembrando que no final de cada tema abordado será aberto ao público para perguntas e respostas. II - Ilustração clínica sobre o tema da histeria a partir de um caso vivido por Freud: - O Caso Dora - Utilização de algumas partes do filme “Freud Além da Alma” Carga Horária: 15 horas Certificado: O aluno que preencher de forma satisfatória os quesitos assiduidade e aproveitamento terá direito a certificado. 103