Notas de Aula Gravitação e Leis de Conservação Curso de Licenciatura em Física do Instituto Federal de São Paulo Campus Itapetininga Prof. Dr. Vicente Pereira de Barros Itapetininga Fev/2014 1 Dedico este trabalho aos estudantes que querem aprender. 2 Agradecimentos Agradeço a Daniel Fernando Bovolenta Ovigli pela revisão do texto. 3 "A mente que se abre a uma nova ideia jamais volta ao seu tamanho original." Albert Einstein "Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa" Brás Cubas, personagem de Machado de Assis 4 Apresentação Este texto sistematiza as notas de aula da disciplina “Gravitação e Leis de Conservação”, ofertada para o curso de Licenciatura em Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), campus Itapetininga. Esta disciplina apresenta particularidades que me levaram a escrever estas notas. A primeira delas é a ementa da disciplina, que prevê uma visão holística da formação do conhecimento de gravitação. Outra particularidade inclui o extenso conteúdo programático, abaixo sintetizado: 1. O Universo dos mitos primitivos 2. O Universo dos pensadores helenísticos: os pitagóricos, a forma da Terra, o movimento dos corpos celestes, tamanhos e distâncias relativos do sistema Sol-Terra-Lua; 3. A “revolução copernicana”; 4. Mecânica medieval e de Galileu; 5. Movimento circular: função horária, força centrípeta, velocidade angular, período; 6. Momento linear, impulso, conservação do momento linear; 7. Centro de massa, movimento de sistema de corpúsculos pontuais; 8. Colisões unidimensionais, bidimensionais, elásticas e inelásticas; 9. As leis de Kepler do movimento planetário; 10. Gravitação universal de Newton; 11. Velocidade de escape; 12. Energia: cinética, potencial, mecânica, outras Este conteúdo é extremamente abrangente e muitos desses tópicos necessitam de habilidades técnicas, como domínio da matemática básica, que parte dos ingressantes ainda não apresenta, levando-se em consideração que os alunos que cursam esta disciplina são do primeiro ano da Licenciatura e iniciando o estudo do Cálculo. . Apenas o material disponível nos livros-textos já existente não me pareceu suficiente. Além do viés técnico, a disciplina visa fortemente ao desenvolvimento das ideias que levaram ao desenvolvimento da mecânica clássica e, frente a tal constatação, a leitura e interpretação de textos é fundamental. O material apresentado não tem a pretensão de ser uma nova referência bibliográfica para os alunos: é apenas um guia de leitura e estudos, reconhecendo-se que outros textos já existentes são complementares a este. Assim, a leitura de outros textos sugeridos em aula e que são cobrados como resenhas é fundamental para o aprendizado desta disciplina. Por fim desejo a você, prezado leitor, um ótimo uso deste material. Dúvidas, críticas fundamentadas e sugestões pertinentes serão de grande contribuição para o aperfeiçoamento deste texto. 5 Sumário Aula I....................................................................................................................................................8 1.1 - O antigo Egito..........................................................................................................................9 1.2 - Os Hebreus............................................................................................................................10 1.3 – A Grécia, a China e seus mitos..............................................................................................11 1.4 – A cultura grega......................................................................................................................12 1.4.1 - Ciência Jônica.....................................................................................................................14 1.4.2 - O pitagorismo.....................................................................................................................14 1.4.3 - Escola de Eleia...................................................................................................................15 1.5 – Atividades da aula.................................................................................................................15 Referências.....................................................................................................................................16 Aula II.................................................................................................................................................17 2.1 - Eratóstenes e a medida do diâmetro da Terra........................................................................18 2.2 – Hiparco e a medida da Terra à Lua.......................................................................................20 2.3 – Aristarco e a distância da Terra ao Sol..................................................................................21 2.4 – Atividades da aula.................................................................................................................22 Referências.....................................................................................................................................23 Aula III...............................................................................................................................................24 3.1- O incrível trabalho de Claudius Ptolomeu .............................................................................24 3.2– Do Império Romano à queda de Constantinopla...................................................................26 3.3– A revolução copernicana........................................................................................................28 3.4 – A mecânica medieval e Galileu.............................................................................................29 3.5 – Atividades da aula.................................................................................................................33 Referências.....................................................................................................................................35 Aula IV...............................................................................................................................................36 4.1 – A equação horária do movimento circular............................................................................36 4.2 – A aceleração centrípeta do movimento circular uniforme....................................................39 4.3 – Atividades da Aula................................................................................................................41 Aula V.................................................................................................................................................43 5.1 - Nicolau Copérnico.................................................................................................................43 5.2 - Tycho Brahe e Kepler............................................................................................................46 5.3 – Atividades da Aula................................................................................................................49 5.4 Referências ..............................................................................................................................49 Aula VI...............................................................................................................................................50 6.1– As leis de Newton..................................................................................................................50 1 ª - Lei de Newton....................................................................................................................50 2 ª - lei de Newton.....................................................................................................................52 6.2 O momento linear....................................................................................................................56 6.3 A 3ª lei de Newton...................................................................................................................57 6.4. Uma rápida digressão sobre a 3 ª lei de Newton.....................................................................61 6.5 Atividades da Aula...................................................................................................................61 Referências.....................................................................................................................................64 Aula VII..............................................................................................................................................65 7.1- Definições de centro de massa....................................................................................................65 7.2 - Atividades da aula......................................................................................................................70 7.3 - Referênciais................................................................................................................................72 Aula VIII.............................................................................................................................................73 8.1-Trabalho...................................................................................................................................73 6 8.2 O trabalho realizado por uma força variável...........................................................................74 8.3 A função potencial...................................................................................................................77 8.4 A energia cinética.....................................................................................................................78 8.5 A conservação da energia mecânica.........................................................................................79 8.6 Algumas reflexões sobre a conservação da energia mecânica.................................................81 8.7 - Atividades da aula..................................................................................................................81 8.8-Referência................................................................................................................................83 Aula IX...............................................................................................................................................84 9.1 - Definição de colisão..............................................................................................................84 9.2 – A quantidade de movimento e energia cinética em colisões unidimensionais......................85 9.2.1 – Colisões inelásticas em uma dimensão..............................................................................86 9.2.2 – Colisões elásticas em uma dimensão.................................................................................88 9.2 – A quantidade de movimento e energia cinética em colisões bidimensionais........................89 9.3 Atividades da aula....................................................................................................................90 9.4-Referência................................................................................................................................92 Aula X................................................................................................................................................93 10.1-Newton e a força que mantem os corpos fixos na Terra........................................................93 10.2-A lei da gravitação para órbitas circulares.............................................................................95 10.3-A Lua e a maçã......................................................................................................................96 10.4-A precessão dos equinócios...................................................................................................97 10.6-As marés................................................................................................................................98 10.7-A velocidade de escape..........................................................................................................99 10.8 – Atividades da aula.............................................................................................................102 10.8.1 - Procedimento experimental.......................................................................................102 10.8.2 – Análise de dados........................................................................................................103 10.9-Referência............................................................................................................................105 Aula XI.............................................................................................................................................106 11.1- Conceitos básicos...............................................................................................................106 11.2 - O torque.............................................................................................................................107 11.3 - O momento angular...........................................................................................................109 11.4 - Atividades da aula..............................................................................................................112 11.5 - Referenciais.......................................................................................................................114 Apêndice A......................................................................................................................................115 Caindo através da Terra................................................................................................................115 Apêndice B: A resolução do problema de Kepler.............................................................................118 7 Aula I O nome Aula I é dado ao conjunto de 4 horas-aula no Instituto Federal, sendo que 1 hora-aula equivale a 50 minutos. Normalmente esta disciplina é ministrada em um único dia da semana. Para que você não se perca, este conteúdo é equivalente ao que será abordado na primeira semana. O Universo dos mitos primitivos É sempre muito difícil escrever sobre o que seria a ideia que povos primitivos teriam do Universo. Nossa única forma de interpretar esta visão seriam seus escritos e, mesmo assim, a interpretação de certos pontos são obscuros e estão sujeitos à hermenêutica dos textos. Cada povo construiu sua própria forma de descrever a origem do Universo e esta origem estava intrinsecamente ligada ao mundo e às características que eram mais significativas para cada povo. Para os nórdicos o fim do mundo ocorreria em meio ao frio intenso; para os gregos o Hades seria um local de calor e destruição igualmente intensos (HAMILTON, 1992). Todos estes elementos mostram a similaridade da natureza com o mito criado, já que a função do mito é a de explicar o mundo. Ao observarmos o céu notaremos que este não é uma estrutura inerte, parada. No entanto, o mesmo apresenta certa sequência, uma periodicidade que nos é muito conveniente para marcação de datas e, em um passado não tão distante, definir nossas colheitas, o melhor tempo para a caça e outros eventos cotidianos. Nossos ancestrais observaram o céu durante o dia e notaram que o Sol não é um elemento muito constante; ao contrário, sua posição no céu varia com o tempo. O Sol nasce no mesmo lado, mas se desloca levemente durante um intervalo de tempo que denominamos ano. Outro aspecto interessante é que, dessa forma, a duração dos dias varia também neste período de tempo. Em países mais distantes da linha do equador esta diferença é mais nítida e, por sua vez, alguns fenômenos marcavam o início das estações. O dia mais longo era o chamado Solstício de verão e, a partir deste dia, a duração do dia diminui gradativamente até que a noite fica com a mesma duração do dia, o chamado Equinócio de outono. A partir desta data a noite começa a aumentar a duração até um máximo conhecido como Solstício de inverno e, então, os dias voltarão a ficar maiores até a chegar em um novo Equinócio, quando o dia voltará a ter a mesma duração da noite: é o chamado Equinócio de primavera. Os povos atribuíram a causa deste fenômenos aos deuses, mas todos tiveram uma criatividade muito grande, sejam os gregos (HAMILTON, 1992) sejam os nossos indígenas no Brasil (AFONSO, 2006). Olhando o céu à noite nossos ancestrais notaram outra coisa interessantíssima: as estrelas se moviam, mas de uma forma extremamente organizada. Durante uma noite elas giravam ao redor de um ponto (Ilustração 1) e durante o ano o céu todo girava e alguns grupos de estrelas surgiam e desapareciam. Veremos, posteriormente, um filme de Carl Sagan (SAGAN, 1980), no qual o astrônomo discute superficialmente como alguns povos nomearam estas figuras e estes eventos no céu. Durante muito tempo cada povo utilizou uma forma de representar esta dinâmica. Sejam os egípcios e indianos, com os seus milhões de deuses, ou os hebreus e os árabes medievais com o seu único Deus, todos modelavam dentro de seus mitos como seria a origem deste impressionante mecanismo. 8 Veremos no texto de Morais (2010) um descrição sucinta sobre os principais mitos de criação dos povos antigos, muitos dos quais até hoje nos influenciam (MORAIS, 2010). Nesta aula, estudaremos panoramicamente estes pontos de vista, mas insisto a necessidade da leitura do texto de Morais. Ilustração 1: Uma foto de longa exposição mostra o movimento das estrelas ao redor do ponto cardeal celeste. 1.1 - O antigo Egito Por volta do quarto milênio antes de Cristo os egípcios desenvolveram um complexo sistema de escrita, chamada hieroglífica. Os hieróglifos, palavra grega que significa caracteres sagrados, eram constituídos de pequenos desenhos com múltiplos significados (FIGUEIRA, 2003). A sociedade egípcia se estruturou praticamente ao redor de sua estrutura religiosa. O rei (faraó) era uma entidade divina na cosmovisão dos egípcios. Conta-se que em um sarcófago de um faraó foram encontrados cerca de 740 representações de deuses (MORAIS, 2010). A origem do mundo para os egípcios era fortemente ligada à sua mitologia e novamente o mundo era um artefato feito pelos deuses. Nesta visão é possível distinguir algo interessante. Apesar de os deuses serem os chamados “protagonistas” da História, todo o mundo é criado em função do homem. Apenas após alguns milhares de anos esta visão de criação mudaria. O conjunto de crenças e ideias que representam a origem do Universo é chamada de Cosmogonia. A Cosmogonia egípcia é fortemente baseada na água e nas intrigas de seus deuses. Além da Cosmogonia existe também a teofania (forma de manifestações da deidade) dos deuses egípcios, os quais explicavam a origem dos fenômenos naturais completando a descrição mitológica egípcia. 9 Um mito muito conhecido dos egípcios é “A história de Osíris”. Ela explica as cheias do Nilo, considerado o mais importante rio para a sobrevivência daquela civilização. “Osíris – deus da fertilidade e juiz dos mortos, representado pelo rio Nilo – era um soberano bom que havia ensinado os humanos a agricultura e a metalurgia. Sua esposa e irmã Ísis – deusa da natureza, representada pela terra fecundada pelo Nilo – havia ensinado as artes domésticas e a tecelagem. Ao retornar de uma viagem, Osíris foi assassinado por seu irmão Seth, deus dos ventos do deserto, que o colocou num cofre e jogou-o no rio. Ísis achou o corpo e restituiu a vida ao marido. Em seguida, contudo, Osíris foi novamente morto por Seth, retalhado e jogado ao rio. Mais uma vez, Ísis reencontrou o corpo do marido e desa vez embalsamou. Após ressuscitá-lo, deu-lhe um filho chamado Hórus. Depois do nascimento do filho, Osíris deixou a terra indo reinar no mundo dos mortos. Hórus, ao se tornar adulto, matou Seth e se tornou senhor de todo o Egito.” (FIGUEIRA, 2003) Note que esta intriga familiar explicava um fenômeno natural e explicitava muitas das formas de luta e determinação de poder. Normalmente os mitos são muito relacionados a esta dinâmica (ELIADE, 2002). Podemos perceber que durante certo período a religiosidade egípcia esteve relacionada a um único, chamado Deus Rá (Sol). Note que a essência deste Deus novamente se encontra no céu, no mundo que fica além das cabeças do homem. Como complemento a esta aula a leitura de Morais (MORAIS, 2010) é fundamental. Uma leitura interessante e complementar encontra-se na página do curso de “Evolução dos Conceitos da Física”, ofertada no ano de 2002 no Instituto de Física da USP (FRANCO, 2002). 1.2 - Os Hebreus O povo do Oriente moderno que mais contribuiu e influenciou nossa cultura judaico-cristã foram os Hebreus, denominação atribuída aos antigos judeus. Os textos sagrados deste povo posteriormente deram origem à Bíblia. Alguns acreditam que toda a descrição da cosmogonia bíblica era uma herança dos mitos babilônicos, em especial do poema Enuma Elish. Não cabe a nós, como professores, atestar a veracidade ou não de tais afirmações, mas cabenos o direito de apresentar estas ideias para o julgamento particular do estudante. Novamente a questão da fé é um ato pessoal. No entanto, tanto o conhecimento dos mitos como o conhecimento da Bíblia por questões literárias é um fato importante para a formação pessoal do indivíduo. Mesmo ateus convictos, como Richard Dawkins, acreditam na necessidade de se conhecer a Bíblia tendo em vista a compreensão do contexto de várias obras de arte e da literatura ocidental (DAWKINS, 2011). Ilustração 2: Dois afrescos de Michelangelo presentes no teto da Capela Sistina no Vaticano, a 10 direita a criação de Adão e a esquerda a criação do Sol e da Terra. Na crença hebraica Deus cria o mundo, o Homem e tudo o que há no mundo em 6 dias e descansa ao sétimo dia. Neste ato de criação tudo surge “ex nihilo”, literalmente do nada, apenas da vontade criadora de Deus por meio de sua palavra. É interessante notar que a água é o primeiro elemento a surgir. “No princípio, criou Deus os céus e a terra. A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas.” Gênesis 1:1-2 (Almeida, 1997) Novamente vemos semelhanças entre as descrições, talvez porque os homens que escrevem são, em essência, os mesmos, ou talvez porque exista alguma particularidade natural que não nos é alcançável (talvez, até o momento....). 1.3 – A Grécia, a China e seus mitos Não tenho espaço e nem tempo aqui para falar de todos os inúmeros mitos e formas de crença das principais civilizações modernas, como a Índia, a China e principalmente a Grécia. Todos este povos tiveram uma grande relação com o céu, uma prova disto são os fragmentos Mawangdui (馬王堆) que são na verdade catálogos de cometas que eram vistos no céu por volta de 300 a.C. Os chineses já dominavam muito bem as técnicas de Astronomia nesta época e possuíam instrumentos precisos e dados concretos do movimento celeste. Ilustração 3: Manuscritos em seda Mawangdui mostrando um catálogo de cometas. Manuscrito data de 300 a. c. A discussão sobre a Índia, a China e parte da Grécia será mais bem explorada na leitura do texto de Morais (2010). Na próxima seção discutiremos de forma sintética a mitologia grega e as origens clássicas de sua filosofia e como esta filosofia foi preponderante para o desenvolvimento da Ciência Astronômica moderna. Para nós neste momento basta apenas percebermos que em todas estas culturas a cosmogonia era a da criação do mundo para o uso do homem. Tal visão colocava-se de forma menos intensa na cultura indiana, na qual o panteísmo é mais forte. Essa perspectiva insere o homem no mesmo status de outros animais, mas em escalas de evolução espiritual diferentes. Nestas culturas a importância do movimento das estrelas e dos corpos celestes também era de fundamental importância. Todos eles, em maior ou menor grau, possuíam conhecimento da posição das estrelas e de seu movimento. Outras culturas muito distantes, como os povos pré-colombianos (Incas, Astecas e Maias) também possuíam um profundo conhecimento destes dados. Inclusive a construção de estruturas arquitetônicas (como as pirâmides) indicam este conhecimento. 11 Existem explicações de todas as formas e para todos os gostos para esta similaridade. Desde explicações antropológicas, que levavam em consideração a semelhança de situações, até explicações que envolviam a vida extraterrestre. Se você quer saber mais sobre estes temas há o clássico e bem conhecido livro de von Däniken de 1968 (DÄNIKEN, 2005), mas recomendo a leitura de dois trabalhos de Sagan em paralelo (SAGAN,1994; SAGAN, 1996). 1.4 – A cultura grega A Grécia é o povo que mais chama a nossa atenção na antiguidade, algumas pessoas chegam a afirmar que os gregos ensinaram a civilização ocidental a pensar (CHASSOT, 1994). Se considerarmos que muito de nossa forma de fazer filosofia é uma herança grega, esta afirmação é bem fundamentada. A Grécia pode ser entendida como a região sul-europeia banhada pelos mar Jônio e Egeu. É uma região predominantemente montanhosa, árida, rochosa e insular. Há uma região continental na qual se localiza o monte Olimpo, uma região peninsular, o Peloponeso, ligado ao continente por uma estreita faixa de terra chamada de istmo de Corinto e uma região insular, formada por mais de 2 mil ilhas agrupadas em três arquipélagos.Há, também, as ilhas de Creta (a maior de todas), Lesbos, Quios e Samos. Chassot (1994, p. 33 - 34) afirma que “Os gregos diziam que seu mar pontilhado de ilhas era o espelho do céu, pois 2 mil é aproximadamente o número de estrelas visíveis a olho nu...”. Observe novamente a analogia existente entre o ambiente no qual a civilização se desenvolve com suas crenças e sua correspondência com os fenômenos naturais. Ilustração 4: Mapa resumido da Grécia antiga O Peloponeso era a região mais fértil da Grécia. Nas demais localidades não era uma tarefa fácil plantar e colher visto que os verões eram muito quentes e pouco chuvosos, além do solo ser muito montanhoso. Dessa forma os gregos antigos começaram sua civilização com a domesticação 12 de grandes rebanhos. Na Bíblia a referência à Grécia antiga é feita por meio de um bode (DANIEL, 8:21, ALMEIDA, 1997). A divisão da história de uma dada região é sempre realizada por meio de períodos que são definidos a partir do que o pesquisador deseja estudar. Usarei aqui uma divisão mais clássica (FIGUEIRA, 2003). Caso você queira ter uma divisão mais detalhada, consulte Chassot (1994). Costuma-se dividir a história grega em cinco períodos distintos 1. O pré-homérico (séculos XX-XII a.C.): O nome homérico é em virtude do poeta Homero, que é o autor do primeiro texto que descreve a história grega. Não se sabe se Homero era um homem que verdadeiramente existiu ou um nome genérico para poetas que contavam feitos dos povos (CHASSOT, 1994). Neste período ocorre a formação da população grega a partir de quatro povos: aqueus, jônios, eólios e dórios. Aqueus foram os primeiros a se fixarem nesta região, seguidos pelos jônios e eólios. A principal cidade, neste momento, foi Micenas e esta civilização se desenvolveu muito com um intercâmbio com a ilha de Creta (a chamada civilização egéia). Creta chegou a formar cidades extremamente avançadas tecnologicamente, com sistema de saneamento básico desenvolvido por volta do ano 1.000 a.C. O predomínio aqueu durou até a invasão dos dórios (por volta de 1.100 a.C.) que possuíam o domínio do ferro e que expulsaram os aqueus, ocasionando a primeira diáspora grega (FIGUEIRA, 2003). Neste período um dos episódio mais conhecidos é a chamada guerra de Tróia, que até hoje se reveste de uma mistura de mito e realidade que pode ter ocorrido por volta do ano 1.200 a.C. (FIGUEIRA, 2003; WELLS, 1933). 2. O homérico (século XII – VIII a.C.): O período que sucedeu a invasão dórica e é caracterizado pela diminuição da atividade econômico social nas cidades gregas. Neste período começa propriamente a compilação dos relatos feitos pela tradição oral por Homero em seus dois poemas “A Ilíada” e “A Odisséia”. QAmbos retratam a guerra de Tróia e o retorno de Ulisses para sua cidade, Ítaca. A estrutura social predominante era o geno, definido como uma comuna familiar que explorava a terra e o artesanato. 3. O arcaico (século VIII – VI a.C.): É marcado pela consolidação de outra estrutura social, a das cidades-Estado com independência entre elas. Neste período surge uma uniformidade da vida social, política e religiosa. O antagonismo entre Atenas, Esparta e posteriormente Tebas é a marca deste período. 4. O clássico (século VI-V a.C): Este é o apogeu das cidades gregas que conseguiram atingir um grande grau de desenvolvimento intelectual. Neste período o papel de Heródoto foi fundamental para o surgimento do registro histórico. Este período também é conhecido pelas guerras Greco-Persas. Estre período se encerrará com o início do domínio macedônico também conhecido como período Helenístico (323-146 a.C.), que difundiu o conhecimento grego para todo o mundo, até mesmo para o futuro Império Romano que levou a anexação das cidades-Estado gregas. É interessante notar que a sociedade grega não possuía uma religião muito centrada em uma estrutura eclesiástica rígida. O grego não possuía uma coleção de livros sagrados e seus deuses participavam das fraquezas e paixões humanas. Chassot (1994) destaca quatro fatores para o desenvolvimento da ciência e da cultura grega: a) uma grande curiosidade intelectual, que os levou a absorver conhecimentos e técnicas de outras culturas mais complexas; b) a ausência de uma organização administrativo-religiosa que impusesse pautas rígidas de comportamento e conduta; c) o pequeno tamanho das cidades-Estado, que facilitava a participação ativa de todos os cidadãos nos assuntos públicos, e sua proximidade física com as técnicas de produção; e d) sua tendência à reflexão e seu aperfeiçoamento à argumentação e à dialética, que os impelia a contrastar as ideias de cada um com as ideias dos demais É muito interessante também a forma como Hamilton descreve como os gregos entendiam 13 os deuses e sua relação com o universo: “Os gregos não acreditavam que o universo tivesse sido criado pelos deuses. Pensavam exatamente o contrário: o universo havia criado os deuses. Antes de existirem os deuses, o Céu e a Terra haviam sido formados, e foram eles os primeiros pais. Os Titãs foram seus filhos, e depois vieram os deuses, seus netos.” (HAMILTON, 1992) Chassot (1994) procura a episteme, termo grego que significa “ciência”, em oposição à doxa, que significa “opinião”, e à techné, “arte ou habilidade” 1.4.1 - Ciência Jônica Novamente, não podemos nos aprofundar nas particularidades da cultura grega. Para nosso intuito a apresentação de alguns sábios jônicos será importante. O papel destes homens foi fundamental no desenvolvimento da “Ciência ocidental”. Para uma leitura mais profunda, recomendo Chassot (1994). Tales de Mileto (640-548 a.C.): nós o conhecemos por ser um matemático, mas sua atividade profissional era a de mercador (talvez por isso tenha tido fortuna e viajado muito). Aprendeu muito com os fenícios sobre as estrelas e conseguiu enunciar importantes resultados sobre geometria. Tales é um dos primeiros a conceber um princípio matter, isto é um elemento fundamental com o qual todos os elementos eram formados.. Anaxímenes (588-524 a.C.): Outro filósofo de Mileto (note que esta era a mais importante cidade deste período, como aponta Chassot). Anaxímenes aperfeiçoa a ideia de um elemento básico que constituiria tudo, o chamado ar infinito (o pneuma apeiron). Heráclito de Éfeso (540-475 a.C.) A frase que nos é mais famosa de Heráclito é: “não nos banhamos duas vezes no mesmo rio”. Porque, na segunda vez nem o rio, nem nós seremos os mesmos. Heráclito cria em um constante “fluir”, um movimento constante que mudava as coisas e que determinava o rearranjo do pneuma apeiron. Na verdade, este conceito nos será útil no futuro para definirmos algumas grandezas que possam explicar a mudança do estado das coisas. É sempre perigoso, como diria Marcelo Gleiser (GLEISER, 2001), afirmar que ideias de pensadores do passado são representações perfeitas de conceitos modernos. Algumas leis de conservação que estudaremos são muitos semelhantes a estes conceitos; para quem não está ainda habituado, conceitos como energia cinética, energia mecânica, momento linear e momento angular são tão abstratos quanto pneuma apeiron. 1.4.2 - O pitagorismo Uma das escolas mais importantes de pensamento da Grécia antiga foi a escola pitagórica, fundada por Pitágoras na colônia grega de Croton, no sul da Itália. Pitágoras (582-497 a.C.) era natural de Samos e foi um reformador filosófico-religioso em Croton. O pitagorismo se fundamentava em dois princípios: tudo no mundo é harmonia numérica e de que existe um ente espiritual, a alma, que se transfere para outros corpos. Bem, o primeiro princípio é muito simples de ser inferido por qualquer um de nós que se dedica, nas atividades do dia-a-dia, a procurar uma certa semelhança. O Sol nasce sempre do mesmo lado (pode ter variações é claro, mas está sempre lá), não surgem estrelas todos os dias no céu. Se o dia fica muito nublado e quente há uma grande chance de chover. Existe uma certa simetria entre as medidas do corpo humano. Tudo isto parece-nos que deve existir um princípio maior que rege estas simetrias. Bom, o pitagorismo encontrou nos números a melhor representação 14 para estas semelhança visíveis. Mesmo que, às vezes, esta simetria não apareça tão naturalmente. O segundo princípio possuía muito do misticismo oriental, mas parece (fortemente aos olhos de alguém que procura simetria) um princípio de conservação de identidade. Talvez apenas uma especulação, mas que é muito recorrente na história humana. O clássico teorema de Pitágoras é um resultado que por si só já imortalizaria Pitágoras. Muitos autores lembram que este resultado surgiu em outras culturas. Mas, a escrita que nos trouxe este resultado foi sempre associada à Pitágoras. Não podemos afirmar que grandes homens se fazem com grandes biógrafos mas, talvez, grandes descobertas são fixadas com grande divulgação. 1.4.3 - Escola de Eleia Eleia era outra colônia grega situada no sul da Itália, nesta cidade se desenvolveu uma escola de filosofia onde seus membros se dedicavam, por comparação, em encontrar um conhecimento verdadeiro e real. Os maiores nomes são Xenófanes, Parmênides, Zenão e Melisso. Por falta de tempo novamente tomaremos um filósofo como exemplo e pensaremos um pouco das ideias que ele defendeu e como isto nos influenciará em temas alhures. Zenão (490 a.C.- 430 a.C.) Zenão foi um filosofo que trabalhou (talvez não propositadamente) no aprimoramento da dialética. Dialética é um método de dialogo baseado na contraposição de ideias à procura da verdade. Zenão criou inúmeros paradoxos para refutar ideias que ele cria serem incompatíveis. Zenão defendia a ideia que muitos filósofos pré-socráticos tinham. Da existência de uma divindade única, ilimitada e eterna. Bem parecida com o Deus cristão que posteriormente surgiria na escolástica (movimento filosófico que veremos no futuro). O curioso para nós é que Zenão defendia que o movimento não existia, vejamos. “Zenão considerou que se dois bastões (A, B) de iguais tamanhos se deslocarem igualmente (hoje, diríamos, com a mesma velocidade e em sentidos opostos) em relação a um terceiro (C) mantido fixo, então o observador em A (ou B) vê, num mesmo intervalo de tempo, um deslocamento do bastão B (ou A) duas vezes maior que o do bastão C. Em vista disso, Zenão concluiu que o movimento era impossível” (BASSALO, 1997). Veremos que, mesmo racional, esta afirmação não é tão pragmática assim. Este é outro problema do desenvolvimento da Ciência, ele não é linear. Como qualquer feito humano o mesmo está sujeito as paixões e erros humanos. Notem que paramos na escola de Eleia que ainda é um período chamado pré-socrático, como já citei. Surgirá Sócrates (469-399), que é tido como o pai da filosofia, depois seu discípulo Platão. Posteriormente teremos o trabalho de Aristóteles e ,por fim, de Ptolomeu. Em outro momento falaremos destes dois últimos porque o trabalho deles foi muito importante para a afirmação da Ciência medieval e para entendermos toda a tensão que existia na revolução da científica da Renascença. 1.5 – Atividades da aula Ao término desta aula você deverá fazer apenas uma atividade, a saber: • Escrever uma resenha do texto de Morais. Novamente, procure inserir elementos da aula da resenha e contextualize dentro do cenário atual da produção literária que você leu aqui. Prazo de entrega: 15 dias após o texto ser disponibilizado. 15 Em todas as resenhas tome o cuidado de colocar bibliografia, de escrevê-la você mesmo e não fazer um arremedo de texto sem coerência com o que foi proposto. Lembre-se: é a sua resenha! Bons estudos! Referências AFONSO, G. Mitos e Estações no céu Tupi-Guarani. Scientific American Brasil, ed. 45, 2006. ALMEIDA, J. F. A. Bíblia Sagrada:. edição revista e atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil, 1997. BASSALO, J. M. F. Aspectos Históricos das Bases Conceituais da Relatividade. Rev. Bras. Ens. Fis. 19, (2), 180, 1997. CHASSOT, A . A Ciência através dos tempos. Moderna: São Paulo, 1994. DAWKINS, R. Território ateu. Entrevista com Christopher Hitchens frealizada por Dawkings e publicada na Folha de São Paulo por ocasião da morte de Hithchens em 15/12/2011. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/17573-territorio-ateu.shtml>. Acesso em 03 setembro, 2012. ELIADE, M. Tratado de História das Religiões. Martins Fontes: São Paulo, (original 1949), 2002. FRANCO, H. Evolução dos Conceitos da Física. Disponível em <http://plato.if.usp.br/12003/fmt0405d/>. Acesso em DD mês ANO. FIGUEIRA, D. G. História Ensino Médio. Ática, São Paulo, 2003. GLEISER, M. O fim da Terra e do Céu: O Apocalipse na Ciência e na Religião. Companhia das Letras: São Paulo, 2001 HAMILTON, E. Mitologia. Martins Fontes: São Paulo, (original 1945), 1992. MORAIS, A. M. A. Gravitação & Cosmologia: Uma introdução. Livraria da Física: São Paulo, 2010. SAGAN, C. Pálido Pponto azul. Companhia das Letras: São Paulo, 1994. SAGAN, C. Mundo assombrado pelos Demônios. Companhia das Letras: São Paulo,1996. VON DÄNIKEN, E. Eram os deuses astronautas? Melhoramentos: 53° edição, São Paulo, 2005. 16 Aula II As primeiras medidas do Universo Nesta aula continuaremos a discutir parte da maneira como os gregos pensavam o mundo e entraremos em detalhes de como alguns cálculos foram feitos. É importante notar que para um melhor compreensão de tudo isto é fundamental ter um conhecimento básico de geometria. Qualquer dúvida aconselho uma revisão no livro de Dante (DANTE, 2005). Antes de falarmos explicitamente do trabalho monumental de certos homens da antiguidade, contarei um pouco da História antiga apenas para localizarmos o trabalho destes homens. No Oriente Médio, após o império egípcio, se sucederam os impérios assírio, babilônico e medo-persa. Este último se ampliou muito chegando a tomar parte do Egito, toda a região que hoje conhecemos como Palestina, Israel, Síria, Asia Menor (atual Turquia), Assíria e Babilônia (atual Iraque) e a Persia (atual Irã) propriamente dita (FIGUEIRA, 2003). Este vasto império fazia divisa com a Índia e a Europa. Os persas começaram suas guerras contra os gregos, como citamos anteriormente, por volta do século V: apesar de serem derrotados várias vezes, não desistiram tão fácil da conquista da Grécia. No entanto, quando o mundo grego começava a decair, surgiu uma nova liderança por meio de um povo antes subjugado pelos gregos. Os macedônios, começando com Felipe da Macedônia e continuando com Alexandre, o Grande, conquistaram a Grécia o próprio Império Persa e boa parte da Índia (WELLS, 1933). Ilustração 5: Dimensões do Império de Alexandre, o Grande - 336-323 a.C. 17 Este império macedônio espalhou a língua e a cultura grega para praticamente todo o mundo conhecido do momento; assim, muitos dos conceitos filosóficos e científicos foram espalhados. Após a morte de Alexandre, o Grande, quatro de seus generais dividiram o seu império, e se degladiaram durante anos até restarem apenas duas partes: O império dos Seleucidas, hoje parte da atual Turquia, Grécia, Líbano e Síria, e o novo império egípcio, também conhecido como dinastia lágida. Neste império que incluía o Egito, parte da Arábia e parte da Palestina de hoje reinou durante séculos uma dinastia originária de Ptolomeu Sóter, um dos generais de Alexandre, o Grande. Alexandre ao chegar ao Egito fundou Alexandria cidade que, apesar de estar no Egito, possuiria não somente o melhor do que foi a produção do conhecimento grego, mas de todo o mundo conhecido naquele momento. A biblioteca de Alexandria foi durante séculos um ponto de referência da cultura antiga. Creio ser interessante fazermos uma rápida discussão sobre este período histórico. A economia grega era fundamentada na escravidão. Mesmo sendo uma das cidades mais conhecidas da antiguidade clássica, Atenas, em seu período democrático, possuía uma população bem heterogênea dos seus quase meio milhão de habitantes. Desse total, cerca de 300 mil eram escravos. Excluídos os estrangeiros e mulheres, não mais que 50 a 60 mil homens podiam decidir o destino da cidade. A democracia ateniense não era tão participativa quanto alguns possam imaginar (CHASSOT, 1994). Nesta sociedade se desenvolveu muito do nosso conhecimento pois com escravos e tempo livre se podia pensar seriamente em questões mais avançadas. Este cruel modelo econômico durou milênios e se espalhou por todo o mundo chegando a seu ápice com os romanos. Deixemos este complexo mundo social e voltemos para os pesquisadores da Terra. 2.1 - Eratóstenes e a medida do diâmetro da Terra Eratóstenes nasceu na cidade de Cirene por volta de 276 a.C. e faleceu em Alexandria em 194 a.C. Foi um importante gramático, poeta, bibliotecário, matemático, astrônomo e comediante. Seu método para determinação de números primos é famoso até hoje para determinação de chaves de criptografia, o conhecido crivo de Eratóstenes. Eratóstenes foi trazido pelo rei Ptolomeu V Epifânio para Alexandria para ser professor de seu filho Filopator. Era um hábito muito comum na antiguidade: grandes cientistas e filósofos eram tutores de futuros reis. Houveram casos muito bem sucedidos como o de Aristóteles, que foi tutor de Alexandre, o Grande. Outros casos não foram tão bem sucedidos, como Sêneca, tutor de Nero. Eratóstenes percebeu algo de muito interessante. Em sua época boa parte da geometria de Tales e Pitágoras já era conhecida. Eratóstenes também possuía uma noção de que a Terra era redonda. Aqui podemos fazer um comentário sobre as várias vezes em que se discutiu a forma da Terra. Alguns filósofos gregos acreditavam na Terra plana. Um exemplo era Thales de Mileto (CHASSOT, 1997). No entanto, Pitágoras e Aristóteles imaginavam uma Terra esférica. Um argumento para esta afirmação era de que primeiramente vemos a popa do navio para depois vermos os mastros mais distantes. Aristóteles argumentou que o eclipse da Lua seria a sombra da Terra sobre a mesma e a mesma sempre aparecia circular. Alguns textos religiosos citam a Terra Plana e outros como a Bíblia citam-na esférica (Is. 40:22; Almeida), mas não são considerados argumentos científicos. Eratóstenes percebeu que olhando ao fundo de um poço em Siene, em determinada época do ano não se via sombra ao seu fundo. No entanto, na mesma época em Alexandria, se uma haste de altura h fosse colocada perpendicularmente ao chão, nota-se que surge sombra (veja Ilustração 6). 18 Ilustração 6: Esquema do raciocínio de Erastóstene. h Usando o teorema de Thales é fácil ver pela figura que o ângulo de incidência é o mesmo ângulo que liga os dois pontos. Assim, medir o ângulo α a partir da haste é tarefa simples, o difícil seria medir a distância precisa entre Siene e Alexandria. De posse desta medida, que chamaremos de S, somos capazes de usar novamente geometria básica e obter o raio da Terra RT. Veja: θ r Assim: r (2.1) h onde r é o tamanho da sombra. Chamando S a distância entre Sirene e Alexandria, sabemos também da geometria básica que um ângulo α em um circunferência de raio RT descreve um arco S e podemos descobrir o comprimento C através da simples regra de três: S− (2.2) C−2 tan = Eratóstenes encontrou um ângulo de 7,2° e usou várias técnicas para tentar obter S, desde alinhar camelos, até finalmente encontrar uma mais precisa que foi medir os passos entre as duas localidades usando homens especializados nesta tarefa, os bematistas . O valor de S encontrado por Eratóstenes foi de 5.000 “stadia”. Efetuando todos os cálculos (utilizando o ângulo em radianos) e 19 lembrando que naquela época não se tinha calculadora e nem ao menos algo semelhante ao zero, Eratóstenes obteve o valor de 250.000 “stadias” para o comprimento da circunferência da Terra. Como atualmente 1 “stadia” corresponde a 0,157 km, a estimativa de Eratóstenes para raio da Terra foi de 6247 km. Hoje, considerando um valor mais preciso, obtém-se 6370 km, caracterizando um erro menor do que 2%. Esta descoberta foi fundamental pois afirmava para os homens instruídos da época que a Terra era bem maior do que se imaginava. Eratóstenes também era uma espécie de cartógrafo, era pago para fazer mapas e com esta informação pode concluir que apesar das distâncias que se conhecia, existia ainda muitas regiões a serem exploradas. Cabe a pergunta: A chegada à América seria tão acidental assim? 2.2 – Hiparco e a medida da Terra à Lua Hiparco de Nicéia nasceu provavelmente em 190 a.C e faleceu em 126 a.C, desenvolvendo vários trabalhos em diversas áreas do conhecimento e um dos mais fabulosos foi estimar a distância da Terra à Lua usando como base a medida obtida por Eratóstenes. Quando olhamos durante o dia para o Sol, podemos perceber que ele ocupa uma região da abóboda celeste e assim ocupa uma abertura angular α (veja exercícios). Hiparco usou de um pensamento levando-se em conta que o eclipse da Lua, que como Aristóteles sugerira, era a projeção da sombra da Terra, podemos verificar também uma abertura angular β colocando a Terra no centro. Veja a figura da ilustração 7. Ilustração 7: Disposição espacial do sistema Sol-Terra-Lua na concepção de Hiparco para a obtenção do distância Terra-Lua. Distância Terra-Lua pode ser representada pelo segmento de reta I T 3 que liga o centro da Terra à Lua quando à mesma entra na região do cone de sombra da Terra. Lembre-se de que a distância da Terra ao Sol deve ser muito grande e com boa aproximação podemos dizer que o ângulo a é nulo. Agora, prestando atenção na semelhança dos triângulo T 1 x T 3 e T 2 x T 4 chegamos a conclusão que x = , usando que a é nulo chegamos facilmente em b= a xb= e que 2 2 2 Hiparco chegou na seguinte relação olhando esta configuração 20 RT (2.3) = 2 RTL R R onde T é o raio da Terra e TL é a distância da Terra à Lua. As medidas dos ângulos são facilmente obtidas (veja os exercícios) e são 1 ≈0,553°≈ rad . Hiparco também encontrou o valor de ≈2,5 . Com um pouco de 103,5 álgebra chegamos em um relação entre o raio da Terra e a distância da Terra à Lua e juntamente com os valores dos ângulos, Hiparco encontrou uma relação dada por: RT 1 ≈ RTL 59 RT 1 = O valor encontrado por Hiparco se aproxima muito do valor atualmente de , RTL 60,3 aconselho uma leitura crítica e comparativa entre a forma com que os professores Moysés (Nussenzveig, 1996) e José (Costa, 2011) realizam esta estimativa. É incrível notar que com apenas poucas relações Hiparco acertou na distância da Terra à Lua com um erro de cerca de 700 km. Note que nesta abordagem, a Terra é colocada no centro do sistema de coordenadas para facilitar o cálculo das distâncias. Muitas vezes desenvolvemos tal procedimento apenas para facilitar o cálculo, mas a discussão sobre onde colocar o centro de coordenadas dos elementos celestes ainda daria muita discussão. sin 2.3 – Aristarco e a distância da Terra ao Sol Aristarco de Samos (310-230 a.C.), originário da cidade de Samos na ilha grega de mesmo nome localizada no mar Egeu, foi também um grande astrônomo e matemático grego anterior aos personagens relacionados até o momento. No entanto, escolhi deixá-lo por último apenas em função de toda a discussão que ele fomentou no pensamentou antigo. Podemos dizer que Aristarco foi o primeiro cientista a propor que a Terra gira em torno do Sol (sistema heliocêntrico) e que a Terra possui movimento de rotação. Apenas uma obra sua é conhecida: “Sobre os tamanhos e distâncias entre o Sol e a Lua”. Neste tratado, Aristarco realizou cálculos geométricos das dimensões e distâncias do Sol e da Lua. No entanto, Aristarco não se utilizou de procedimentos tão refinados quanto nossos outros personagens. Uma ideia comum naqueles anos era o determinar proporções entre distâncias “conhecidas” ao invés de determinar distâncias absolutas como Eratóstenes e Hiparco fariam no futuro. Aristarco também tentou determinar as distâncias e o tamanho do Sol e da Lua. Atualmente o seu nome é atribuído a uma cratera lunar. As suas conclusões sobre a organização do Sistema Solar, mesmo sendo simples, são admiradas ainda hoje pela sua coerência. Aristarco concluiu algumas razões entre a distância da Terra à Lua: ele errou numericamente mas seu raciocínio foi correto (vide exercícios). Aristarco também procurou calcular o diâmetro da Lua em relação ao da Terra, baseando-se na sombra projetada pelo nosso planeta durante um eclipse lunar e concluiu que a Lua tinha um diâmetro três vezes menor que o da Terra, sendo que o valor correto é 3,7 vezes. Com esse dado, deduziu que o diâmetro solar era 20 vezes maior que o da Lua e cerca de 7 vezes maior que o da Terra. Também calculou, com mais precisão do que a dos antigos sábios, a duração de um ano solar. Embora obtivesse muitos erros em seus resultados, o problema estava mais nos instrumentos utilizados por ele do que nos seus métodos, que eram corretos. Aristarco tinha bom senso. Para ele, seria mais natural supor que um astro menor girasse em torno de um maior, que era uma opinião diferente da dos seus antecessores. Todavia, a afirmação heliocêntrica não aparece neste trabalho. Na verdade, ela é conhecida através de uma referência feita por Arquimedes no seu Arenarius. A teoria heliocêntrica só ganharia 21 reconhecimento e validade mais de mil anos depois, com Copérnico. Cabe gastarmos mais tempo discutindo um pouco mais sobre o modelo heliocêntrico de Aristarco. Neste modelo surge uma semelhança com a ideia pitagórica de um fogo central que regeria o mundo. No entanto, Aristarco não usava uma interpretação mística, mas usava sua intuição de que o Sol sendo maior, seria mais razoável que a Terra e os outros planetas girassem ao seu redor. Podemos dizer que na época de Aristarco, tão cercada de mitos, foi mais difícil a aceitação desta ideia, principalmente porque futuramente cálculos como o de Hiparco não necessitavam de uma suposição de que o Sol fosse o centro do sistema solar. No próximo capítulo veremos como foi a construção do modelo de Universo de Ptolomeu (geocêntrico) e que perdurou durante toda a idade média. Tentarei supor a causa desta aceitação. Neste ponto sugiro que você, caro leitor, se dedique na resolução dos exercícios deste capítulo. Não há a necessidade de entrega dos mesmos. 2.4 – Atividades da aula 1-) Suponha que você está deitado na praia, perto do equador, vendo o Sol se pôr em um mar calmo, e liga um cronômetro no momento que o Sol desaparece. Em seguida, você se levanta , deslocando os olhos para cima de uma distância H=1,70 m, e desliga o cronômetro no momento em que o Sol volta a desaparecer. Se o tempo indicado pelo cronômetro é t=11,1s, qual é o raio da Terra? 2-) Uma outra maneira de estimar o raio da Terra é subir ao alto de uma torre de altura h e medir o ângulo α que; o Sol faz com a vertical ao entardecer. Demonstre que nesta situação o raio da Terra RT é dado por hsin RT = Dica: Desenhe esta situação. 1−sin 3-) Quando o Sol se põe, decorrem aproximadamente 2 minutos entre o instante em que o disco solar toca o horizonte e sua ocultação completa. Estime o diâmetro angular aparente do Sol visto da Terra, em graus e radianos, compare com o valor de α obtido por Hiparco (equação (2.3)). 4-) A duração do eclipse da Lua em 26 de julho de 2010 foi de 2 horas e 44 minutos (Espenak, 2012) sabendo que a duração semana lunar é da ordem de 27,3 dias, calcule o ângulo β da Ilustração 7 e compare com o valor obtido por Hiparco. 5-) Com os valores obtidos nos exercícios de 1 à 4 calcule a distância da Terra a Lua e compare com o valor atualmente aceito de 3,82±2×10 8 m (Halliday, 2009) 6-) Aristarco de Samos estimou a razão ds/dL entre a distância ds da Terra ao Sol e a distância d L da Terra à Lua medindo o ângulo θ entre as direções em que a Lua e o Sol são vistos da Terra quando a Lua está exatamente “meio Cheia” (metade do disco lunar iluminado). O valor que obteve foi θ=87. (a) Encontre a estimativa de Aristarco para ds/dL. (b) Com base nos valores atualmente conhecidos, ds/dL ≈389. Ache o valor real de θ e critique o método de Aristarco. sol Lua ds θ dL 22 Referências Terra ALMEIDA, J. F. .A. Bíblia Sagrada: edição revista e atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil, 1997. CHASSOT, A . A Ciência através dos tempos. Moderna, São Paulo, 1994. COSTA, J. R. Como medir distâncias no espaço. Disponível em <www.zenite.nu?distanciadalua> 24/04/2011. DANTE, L. R. Matemática:ensino médio. Ática: São Paulo, v. único, 2005. FIGUEIRA, D. G. História Ensino Médio, volume único ensino médio, Ática, São Paulo, 2003. ESPENAK, F. W Eclipse lunar. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Eclipse_Lunar>. Acesso em 20 jan.2012. HALLIDAY, D., RESNICK, R. & MERRIL, J. Fundamentos da Física. v.1, 8 ed. LTC: Rio de Janeiro, 2009. NUSSENZVEIG, H. M. Física Básica, v. 1, Edgard Blücher, São Paulo, 1996. WELLS, H. G. História Universal. Companhia Editora Nacional: Rio de Janeiro, 1933. 23 Aula III A Ciência na Idade das Trevas O título desta aula poderia ser alterado para “O pensamento na Idade Média”, visto que na Idade Média existia uma tímida porém constante atividade intelectual. Mas antes de começarmos a falar da Idade Média é bom falarmos de mais um filósofo grego que podemos afirmar que organizou o conhecimento da maneira como as pessoas educadas da Idade Média entendiam. 3.1- O incrível trabalho de Claudius Ptolomeu Um dos mais ilustres discípulos da escola de Alexandria foi Ptolomeu, principalmente poque seu sistema de compreensão do mundo praticamente foi adotado como absoluto na Idade Média. Ptolomeu nasceu em Pelusium no Egito, provavelmente nos primeiros anos da era Cristã, isto quer dizer quando o cristianismo ainda não era uma religião tida como oficial do Império (FIGUEREDO, 2003). Ilustração 8: Representação da concepção de Ptolomeu do Universo. A obra que conhecemos como a mais famosa de Ptolomeu foi o Almagesto (“O grande tratado”) que é um tratado enorme composto por treze volumes (BRITANNICA, 2012). Esta obra é uma síntese do conhecimento astronômico da época: as observações de Aristóteles, Hiparco, Eratóstenes e outros estão presentes. Não é apenas um catálogo de dados observacionais, mas também a descrição de uma sistema de pensamento que durará praticamente toda a Idade Média. Neste ponto necessitamos voltar nossa atenção para o céu novamente e de que forma, vemos o céu noturno em cidades pouco iluminadas. Ptolomeu classificava um conjunto de estrelas que possuíam um movimento previsível e evidente durante a noite como galáxias (veja ilustração 1 da aula I). No entanto, um pequeno e brilhante conjunto de corpos celestes não apresentava este movimento previsível. 24 Ilustração 9: Uma ilustração com várias posições de Marte durante o ano. Eles apresentam um movimento de ida e volta (veja ilustração 9) que intrigava os antigos gregos que os chamaram de Planetas (andarilhos). Ptolomeu propôs um mecanismo não mitológico para explicar este movimento. Ele sugeriu que a Terra estaria praticamente no centro do sistema solar (a ideia de solar é que o Sol pertencia a este sistema) e que os planetas descreveriam órbitas circulares em um círculo superior chamado deferente, cujo o centro estaria próximo da Terra e existiria círculos menores denominados epiciclos onde os planetas girariam. Este complexo sistema de círculos (veja ilustração 10) explicaria o movimento de ida e volta dos planetas. A Terra não estaria no centro do circulo deferente, mas estaria deslocada simetricamente a um outro ponto denominado equante. Durante o ano o deferente giraria e os epicíclos também e a Terra e o equante alternariam suas posições em um movimento uniforme. Ilustração 10: Representação simplicada dos epicíclos de Ptolomeu. Pode parecer complexo o sistema de Ptolomeu. No entanto ele previa com boa aproximação (levando-se em conta a precisão das observações) a posição dos planetas e explicava as estações do ano. Esta precisão permitiu que durante cerca de 1.000 anos este modelo prevalecesse como sendo a versão dominante do campo científico. É difícil afirmar as causas que levaram toda a aceitação do modelo de Ptolomeu, mas como afirma Bunge (BUNGE, 1974) provavelmente as questões técnicas foram importantes, a exemplo da previsibilidade das órbitas dos planetas.Houve também aceitação 25 por parte da sociedade graças ao ambiente em que ele estava inserido, visto que certa estabilidade e uniformidade cultural se instalou na Europa após a queda do Império Romano e é necessário lembramos um pouco como era este mundo para entendermos esta aceitação. 3.2– Do Império Romano à queda de Constantinopla Após o colapso do Império de Alexandre, um novo poderio bélico e econômico surgiu. De uma cidade nos campos italianos começaram a marchar legiões cada vez maiores que dominaram áreas cada vez maiores do mundo. Para se ter uma ideia, Roma começou sua expansão por volta do século VI a.C., aproveitando-se da decadência etrusca (FIGUEREDO, 2003). Rapidamente a cidade-estado independente que assumira a república como forma de governo foi expandindo seus domínios de maneira formidável. As guerras contra a cidade africana de Cartago (as chamadas guerras púnicas) são o indicativo de que Roma tornava-se rapidamente um Império ultramarino. No entanto, o poder continua a ser disputado em várias facções dentro da política romana e esta disputa gerou uma certa instabilidade. Poderes especiais eram atribuídos a cada novo general que administrava problemas internos e defendia as fronteiras do Império. Assim, no início da era cristã, acabou-se o período da República e foi instaurado o Império. A figura do imperador assumiu, então, um papel divino. O Império, assim como toda a História romana foi, foi dividido em vários períodos até seu colapso completo. O Império foi dividido em duas partes: o Império Romano Ocidental, com sede em Roma, que caiu em 476 d.C. e o Império Romano Oriental, com sede em Bizâncio (Constantinopla), que caiu em 1456 d.C. No início da era Cristã o Império Romano era a potência hegemônica; as características culturais do romanos e sua relação com a ciência são bem discutidas por Chassot (CHASSOT, 1994), mas gostaria de lembrar que os romanos herdaram muito da cultura grega e de seu amor pelas artes. Ademais, a arquitetura romana superou em muito a grega. Os arquedutos romanos continuam em pé até hoje e sobre o direito romano foi erguida praticamente toda a nossa legislatura ocidental. Durante o Império romano o pensamento ptolomáico se afirmou. Ao contrário dos gregos, que se deliciavam em discussões filosóficas, o espírito romano era muito dado ao pragmatismo. Durante os primeiros anos do Império a escravidão tornou-se um negócio milionário e em Roma até mesmos os médicos eram escravos (WELLS, 1931). Durante os dois primeiros séculos da era Cristã o perfil cultural do Império Romano alterouse fortemente. Um dos principais motivos desta alteração foi o surgimento do cristianismo. A pequena seita judaica que surgiu nos arredores da Galiléia, uma região pobre e desprezada do Império, foi levantando seguidores em todas as partes. Em princípio o cristianismo foi muito perseguido pelas autoridades romanas. As grandes perseguições como as promovidas por Nero e Domiciano ficaram famosas por sua crueldade (KNIGHT, 1984), sendo a última perseguição oficial do Império ocorrida no reinado de Dioclesiano (244 d.C -311 d.C). Normalmente é associada à perseguição aos cristãos o fato de que os mesmos negavam o culto ao imperador. No entanto os interesses econômicos de credos conflitantes também são causas possíveis destes surtos de perseguição (WELLS, 1931) e até hoje a humanidade continua sob o perigo da intolerância religiosa. A partir do terceiro século da era cristã o cristianismo começou a se tornar a maior religião no Império e logo as divisões começaram a se tornar cada vez mais frequentes entre os seus seguidores. Aos olhos dos poderosos o cristianismo também se tornou uma importante ferramenta de dominação. Com o imperador Constantino, o Grande (272 d.C -337 d.C) tinha-se então o primeiro imperador romano a se denominar cristão. E com o governo de Teodósio I (347-395) o cristianismo 26 foi declarado como religião oficial do Império. Dessa forma a antiga e perseguida seita se tornou a mais poderosa Fé do Império... e agora era sua vez de perseguir quem divergia de suas ideias. O cristianismo se estendeu muito além do Império Romano e sua influência na vida cultural da Europa foi decisiva. A ideologia cristã aceitou plenamente o modelo ptolomáico geocêntrico. Alguns o creditam ao fato de a Bíblia trazer evidências geocêntricas (CHASSOT, 1994), como a narração da vitória dos israelitas liderados por Josué sobre os cananeus para os quais o Sol e a Lua teriam parado. Prefiro aceitar que era o chamado “zeitgeist” (o espírito da época) em que era evidente uma associação geocêntrica e que por motivos econômicos e ideológicos valeria mais a pena crer uma uma Terra como centro de tudo. Nesse modelo Deus havia planejado absolutamente tudo para que os homens no planeta Terra pudessem vir a existir. A fé cristã é, então, totalmente baseada no cuidado total de Deus com o homem. Um episódio de perseguição cristã famoso é o da destruição da biblioteca de Alexandria, onde era guardada boa parte do conhecimento grego e antigo. Após a queda do Império Romano do Ocidente, os historiadores costumam afirmar que começa a chamada Idade Média. Neste período o poder central das nações diminui substancialmente e há um forte êxodo urbano. Na Europa, durante muitos séculos, a expansão do conhecimento científico foi suplantado pelas interpretações literais dos escritos judaico-cristãos. Durante o século IV um grande nome do conhecimento cristão surgiu: Agostinho (354-430), bispo de Hipona, que foi um dos mais importantes pensadores e organizadores da filosofia cristã. Agostinho teve contato com o maniqueísmo e o neoplatonismo. O maniqueísmo era um filosofia oriental fortemente influenciada pelo zoroastrismo (que era a religião predominante na Pérsia). Nesta filosofia podemos sintetizar que a ideia principal era existência de dois princípios eternos: a saber o bem e o mal e que toda a dinâmica do mundo está relacionada a este constante conflito. O neoplatonismo se baseava nas ideias de Platão, para quem havia um mundo das ideias e um mudo das coisas mas, no neoplatonismo, existia uma essência de onde provinha toda a bondade e que a ausência desta entidade mostra o mal. Agostinho acabou por construir um sistema de ideias no qual a verdade e o equilíbrio seriam obtidos pela completa submissão à vontade divina. Na “Cidade de Deus” vemos a estrutura do que tornaria a Igreja em oposição à “Cidade dos Homens”. Para Agostinho uma mostrava a perfeição divina e outra a falha humana. Não podemos associar diretamente estas duas obras com a obra de Platão, “A República”, mas podemos entender que Agostinho procurava colocar todas as interpretações do mundo dentro do que seria a doutrina cristã. Neste sentido era uma produção intelectual muito poderosa, Agostinho cria em uma razão humana, que não era superior à intuição divina. Em sua obra, “O Livre Arbítrio”, ele coloca: “os números e suas leis – superiores à razão”, vejamos: “Agostinho: ...Atende agora, e dize-me, se há alguma coisa que possa ser objeto comum de visão a todos os seres capazes de raciocinar. Todavia que a veja, cada um, com sua própria razão e espírito. Alguma coisa visível a todos e que estando, à disposição geral, entretanto não sofre alteração pelo uso dos que dela se servem à vontade, o que não acontece com o alimento e a bebida. Mas que permanecem inalteráveis em sua integridade, seja ela vista ou não. Em tua opinião, talvez nada exista com tais propriedades? Evódio:- Ao contrário. Eu vejo muitas coisas dessa natureza. Basta lembrar a razão e a verdade dos números. Apresentam-se elas a todos os que raciocinam, de tal forma que aqueles que fazem cálculos, cada um baseado em sua própria razão e inteligência , esforçam-se para adquiri-la. Uns conseguem-no mais facilmente, outros mais dificilmente; outros ainda não o conseguem de modo algum. Todavia, ela mostra-se igualmente a todos os que são capazes de captá-la. E quando alguém a percebe, ninguém a transforma nem a converte em si mesmo, como se fosse algum alimento . E caso alguém se engane a seu respeito, ela não fica desvirtuada. Permanece em toda a 27 sua verdade e integridade. Apenas a pessoa que se engana, afunda tanto mais no erro quanto menos consegue vê-la perfeitamente (Agostinho, Cap 8. parág. 20,1995). Este livro, como muitos outros que veremos até a Renascença, era escrito na forma de diálogo para inspirar o questionamento do leitor. Evódio era o interlocutor das reflexões de Agostinho. A discussão primária é se o ser humano é capaz de decidir o que é bom e mal. Durante a construção da ideia é necessário falar se existe algum sentido no homem confiável. A habilidade de uso dos números é tomada como este parâmetro. Assim, o cristianismo primevo era dedicado à reflexões lógicas. Durante a chamada baixa Idade Média o desenvolvimento intelectual da Europa não foi tão grande. A unificação dos bárbaros francos permitiu uma certa civilidade na Europa e mais coesão na luta contra os árabes que já haviam invadido a península Ibérica. Pode-se dizer que efetivamente houve equilíbrio para um desenvolvimento intelectual (WELLS, 1935). Wells nos conta que no Oriente mais distante, no entanto, era um período de intenso progresso e desenvolvimento, em especial na China e na Índia. Com a unificação dos francos e a formação da França que conhecemos hoje (com a ascensão de Carlos Magno ao trono), a Europa ficou mais tranquila. Por volta do século XII outro grande elemento intelectual na Idade média foi Tomás de Aquino (1225-1274), que procurou conciliar as ideias dos pensadores gregos e a racionalidade cristã: este é o início da chamada Escolástica. Falta-nos tempo para discutir todos estes pormenores da Idade Média, mas esta breve descrição já nos afirma como o período, apesar de “tenebroso”, foi rico. Podemos falar um pouco sobre as Universidades medievais que não eram tão parecidas com as nossas, mas eram organizadas para treinar as elites dos nobres medievais. Nelas tinha-se 7 saberes básicos, o chamado Trivium, composto pela gramática, lógica e a retórica, e o quadrivium composto pela aritmética, geometria, astronomia e música (FRANCO, 2001). É sempre difícil falar do cristianismo em nossa sociedade cristã, são discussões que se alteram pela paixão e o sectarismo, sendo quase impossível fazer um julgamento isento. No entanto esta breve descrição do mundo medieval serve para nos mostrar que existiam muitos conflitos , mas o que mais nos chama atenção ainda é o da distribuição do mundo, onde estariam localizados os planetas e a Terra em si. O pensamento Ptolomáico era o prevalente, sendo a Terra o centro do Universo, mas veremos como isto começou a cair. 3.3– A revolução copernicana Nicolau Copérnico nasceu em 1473 em Torum, na Polônia, e faleceu 1543 em Frombork, também na Polônia. Copérnico, como quase todos os poloneses modernos, teve uma forte educação católica romana. Copérnico foi educado em escolas católicas e apresentado a todo o conhecimento medieval. Naquele momento a visão predominante era a que a Terra era o centro do Universo e imóvel e imutável, já que as obras divinas são imutáveis em virtude de em Deus não haver “sombra de variação”. Até hoje é difícil dizer até que ponto as mudanças no modelo de Universo feitas por Copérnico foram fruto de seu desejo de fazer algo revolucionário ou se apenas a sua curiosidade o levou à ação. Fato é que as mudanças de sua teoria foram muito chocantes para época. Copérnico formula basicamente que: • Os movimentos dos astros são uniformes, eternos, circulares ou uma composição de vários círculos (epiciclos). • O centro do universo é perto do Sol. • Perto do Sol, em ordem, estão Mercúrio, Vênus, Terra, Lua, Marte, Júpiter, Saturno, e as 28 • • • estrelas fixas. A Terra tem três movimentos: rotação diária, volta anual, e inclinação anual de seu eixo. O movimento retrógrado dos planetas é explicado pelo movimento da Terra. A distância da Terra ao Sol é pequena se comparada à distância às estrelas. (WIKIPEDIA, 2012) Note que a primeira parte é exatamente idêntica ao que os copernicanos criaram. No entanto, as demais diferiam muito do paradigma da época. Assumir esta mudança de posição não era algo simples. Ainda mais porque Copérnico publicou estas ideias em seu livro De revolutionibus orbitum celestium, o que o deixava mais exposto ainda. Todas as proposições de Copérnico são baseadas em deduções geométricas e basicamente em “fé”. Ele não era um observador das estrelas, não da maneira que conhecemos, visto que suas observações não eram tão precisas, eram feitas “apenas” a olho nu. Isto nos faz imaginar mais uma vez como suas convicções eram fortes. O modelo de Copérnico não fornecia muitos detalhes técnicos e precisos. Mesmo assim sua concepção era revolucionária pelo fato de contrariar todo o princípio estabelecido. É difícil para nós hoje percebermos o quanto este processo foi importante para nosso avanço como humanidade e, mais ainda, entender o que se passava na mente de Copérnico, mas para nosso rápido sobrevoo histórico já nos é suficiente. 3.4 – A mecânica medieval e Galileu A concepção medieval sobre o movimento era, apesar de errônea para o que sabemos hoje, bem complexa e elaborada. Trata-se de uma questão interessante: nem sempre um raciocínio bem elaborado é um raciocínio correto. Antes de mais nada faremos um preâmbulo sobre o que sabemos de movimento, principalmente para aqueles que não se lembram de muitas coisas que aprendemos no ensino médio. Um dos temas mais clássicos que abordados para o ensino de Física, é a cinemática (que é o estudo da descrição do movimento dos corpos). O primeiro assunto que ensinamos a nossos alunos é o movimento de um corpo com velocidade constante, o que é muito difícil de ser verificado no dia a dia, mas é muito simples de ser calculado. Se definimos a velocidade v como a razão entre o espaço percorrido ( ΔS ) e o tempo decorrido ( t ) em um sistema de referências como o apresentado na ilustração 11, é fácil ver que a velocidade será descrita por: ΔS v = Δt (3.1) O que temos na equação (3.1) é uma razão simples entre as duas grandezas, a unidade de velocidade é m/s ou km/h. No entanto, no dia a dia as coisas não são tão simples assim. O movimento de queda livre é o movimento mais corriqueiro. Deixamos um corpo em um plano inclinado e ele se movimenta, mas este movimento é um movimento uniformemente acelerado igual à queda livre. No movimento uniformemente acelerado a velocidade varia de maneira constante com o tempo. Enquanto que no movimento uniforme a velocidade é constante e o gráfico da posição do corpo versus o tempo é uma linha reta. No movimento uniformemente acelerado o gráfico da velocidade com o tempo é uma reta e o gráfico da posição com o tempo é uma parábola (veja os gráficos da ilustração 12). 29 S 0 1 ... Ilustração 11: Esquema mostrando um carrinho em um sistema de referência que cresce da esquerda para a direita e possui um sistema de unidades arbitrário No caso do movimento uniformemente acelerado, definimos uma outra grandeza denominada de aceleração que é a razão com a velocidade varia com o tempo. Assim, temos a equação para a aceleração v a = (3.2) t Automaticamente a equação para a velocidade será: v vf − vi a= = (3.3) t t f −t i Se tempo inicial t i=0 teremos: vf = vi a t f (3.4) onde vi e vf são as velocidades inicial e final respectivamente e t f o instante final. A partir de uma construção gráfica (veja ilustração 12) podemos chegar na expressão da posição x f do corpo dada por: 1 x f = x ivi t f at 2f (3.5) 2 Da equação (3.5) podemos fazer algumas manipulações e fazer desaparecer o tempo para termos uma expressão que associa aceleração a e espaço percorrido, usando (3.3) e lembrando que S = x f −x i associando tudo na equação (3.5) chegamos na expressão de Torricelli. 2 2 v f =v i ±2a S (3.6) O sinal de mais ou menos na expressão (3.6) indica se a aceleração é a favor do movimento ou contrária. Como já afirmei, tratar o movimento uniforme não é uma tarefa simples no dia a dia em função de sempre existir uma aceleração que não entendemos de onde vêm (pense no caso de você nunca ter ouvido falar em gravidade) que denominamos de aceleração da gravidade. A expressão (3.6) pode nos fornecer uma distância se tenho uma aceleração e conheço as velocidades inicial e final. 30 Ilustração 12: Gráficos da velocidade versus o tempo no movimento uniforme (superior) e gráfico de posição versus tempo (gráfico inferior). Note que a área abaixo da curva do primeiro gráfico pode ser expressa como o espaço percorrido pelo corpo e é a soma de um triângulo e de um retângulo. Como atividade desta aula você tentará montar um experimento com velocidade constante e procurará entender como montar gráficos e analisar os resultados. 31 Voltando para o problema de Galileu, vamos verificar como professor Moysés cita o problema da filosofia medieval. “Na Física de Aristóteles a matéria era analisada em termos dos 'Quatro Elementos': Terra, Água, Ar e Fogo, cada um dos quais teria o seu 'lugar natural': Água (oceano) e Terra (embaixo), Ar e Fogo (Sol, estrelas) em cima. Um elemento deslocado de seu lugar natural procuraria regressar a ele: isto explicaria porque a fumaça sobe, ao passo que corpos mais pesado, compostos de 'Terra', caem. Segundo Aristóteles, quanto mais pesado um corpo, mais depressa ele cai: uma pedra cai bem mais depressa que uma gota de chuva. Estas ideias, baseadas em observações qualitativas, transformaram-se em dogma e predominaram durante cerca de 20 séculos!” É interessante que mesmo nos dias atuais somos tentados a pensar assim, basta fazermos a experiência da folha de papel aberta e da pedra. Este era o raciocínio predominante na época de Galileu. Galileu Galilei nasceu em Pisa em 1564 e faleceu em Florença em 1642. A princípio sua família desejava que ele se tornasse médico. Para tanto foi enviado à Universidade de Pisa para estudar Medicina mas logo se interessou por Matemática, saiu de Pisa e foi para Florença, rapidamente estabeleceu uma boa reputação científica e retornou para Pisa como professor, onde teve vários problemas até ir para Pádua onde ficaria por 18 anos. Galileu fez experiências medindo velocidade com que corpos caem em planos inclinados e foi variando a inclinação destes planos, além de polir as superfícies dos planos. Este também é um avanço na idade Média. Para muitos o processo intelectual de produção não poderia ser “contaminado” por atividades laborais. Seria como dizer que quem “põe a mão na massa” não possui competência para raciocinar. Galileu é o primeiro a unir a experimentação com a abstração teórica. Em 1632 publicou se “Diálogo sobre os dois Principais Sistemas do Mundo”. Nesta obra defendeu as ideias de Copérnico. Neste livro, a exemplo da obra de Santo Agostinho, 3 personagens discutem sobre as abordagens aristotélica e a galileliana. Os personagens são: Salviati (defensor na nova visão do mundo), Simplício (defensor de Aristóteles) e Sagredo (um observador imparcial). De acordo com Moysés (NUSSENZVEIG, 1996) na primeira Jornada, Salviati refuta Aristóteles: “Aristóteles diz que uma bola de ferro de cem libras, caindo de cem (1 cúbito equivale a 45 a 50 cm) de altura, atinge o solo antes que uma bala de uma libra tenha caído um só cúbito. Eu digo que chegam ao mesmo tempo. Fazendo a experiência, você verifica que a maior precede a menor por dois dedos, ou seja, quando a maior chegou ao solo, a outra está a dois dedos de altura; você não pode querer esconder nesses dois dedos os noventa e nove cúbitos de Aristóteles...” Galileu atribui a pequena discrepância de tempo de queda no exemplo citado ao efeito da resistência do ar que afeta mais um corpo leve do que um mais pesado. Posteriormente, com a facilitação da obtenção de ambientes com vácuo, se notaria que uma pena e uma bola podem cair no mesmo tempo. Galileu inicia a segunda parte dos “Discursos” anunciando qual é seu propósito: “Meu objetivo é expor uma ciência muito nova que trata de um tema muito antigo. Talvez, nada na natureza seja mais antigo que o movimento, e os livros escritos por filósofos sobre este tema não são poucos nem pouco volumosos; todavia, descobri pela experiência algumas propriedades dele que merecem ser conhecidas e que não foram observadas nem demonstradas até agora. Foram feitas algumas observações superficiais, como, por exemplo, a de que o movimento de queda livre de um corpo pesado é continuamente acelerado, mas exatamente de que forma esta aceleração ocorre não foi anunciado até agora...” Note que a ideia de gravidade não existia, apenas que em queda livre um corpo era acelerado, o que não é uma tarefa simples para ser observada (veja atividades da aula). Este é o mundo que existia no fim da Idade Média e seria este ambiente que propiciaria o surgimento da Ciência moderna. 32 3.5 – Atividades da aula I-) Nesta aula você terá uma tarefa relativamente simples, no entanto, bem trabalhosa. Você construirá um tubo dinâmico para simular o movimento na ausência de atrito e tentaremos obter um movimento uniforme. Para tanto siga o seguinte roteiro: Materiais. − duas rolhas (3/4 polegadas); − uma mangueira transparente de 50cm de comprimento por 3/4 polegadas; − duas braçadeiras; − um suporte para fazer as marcações ( madeira com 50cm de comprimento e no mínimo 5cm de largura); − uma miçanga; − aproximadamente 350ml de óleo de cozinha. Procedimento experimental 1 – Tome a mangueira e fixe-a na madeira usando a braçadeira 2 – Faça uma escala na madeira ou na mangueira 3 – Coloque a rolha de em uma das extremidades e coloque óleo até quase completar a mangueira 4 – Coloque uma miçanga dentro da mangueira e feche * 5 –Espere o sistema estabilizar, vire o conjunto e veja o comportamento da bolha de ar. No momento em que a bolha chegar no inicio de escala dispare o cronometro, toda vez que a bolha passar por um múltiplo de 10 cm você anote o valor do cronômetro.** * se a rolha estiver danificada procure vedá-la com alguma fita. ** deixe uma pessoa observando a bolha, outra olhando o cronometro e outra anotando. O aparato será semelhante ao indicado na figura da ilustração 13: Análise de dados 1- Com base nos dados da medida de posição e tempo monte uma gráfico de posição versus tempo. O que este gráfico te apresentará? 2- Calcule a velocidade média entre cada intervalo. Qual a conclusão que você chega? 3- Faça um gráfico de velocidade versus tempo. Você pode imaginar que existe uma aceleração nesta situação? Faça um relatório com todos estes dados e entregue-o na data marcada pelo professor, não se esqueça que qualquer dúvida pode ser tirada junto ao professor. 33 Ilustração 13: Foto de um "tubo dinâmico" para medidas com velocidade constante. II-) A seguir alguns exercícios para fixação de ideias básicas de cinemática. 1- Em uma corrida entre um guepardo e uma tartaruga, a velocidade do guepardo é de 45 km/h e a da tartaruga é de 1,2 m/min. A distância a percorrer é de 500 m, o guepardo corre durante 30 segundos antes de parar para dormir uma soneca. Qual a duração máxima da soneca para que o guepardo não perca a corrida? 2- Um avião a jato de grande porte precisa atingir uma velocidade de 500 km/h para decolar, e tem uma aceleração de 4 m/s2. Quando tempo ele leva para decolar e que distância percorre na pista até a decolagem? 34 3- O sinal amarelo num cruzamento fica ligado durante 3 s. A largura do cruzamento é de 15 m. A aceleração máxima de um carro que se encontra a 30 m do cruzamento quando o sinal muda para amarelo é de 3 m/s2, e ele pode ser freado a 5 m/s2. Que velocidade mínima o carro precisa ter na mudança do sinal para amarelo a fim de que possa atravessar no amarelo? Qual é a velocidade máxima que ainda lhe permite parar antes de atingir o cruzamento? 4- Uma bola de vôlei impelida verticalmente para cima, a partir de um ponto próximo do chão, passa pela altura da rede 0,3 s depois, subindo, e volta a passar por ela, descendo, 1,7s depois do arremesso. a) Qual é a velocidade inicial da bola? b) Até que altura máxima ela sobe? c) Qual a altura da rede? Dado g=9,8 m/s2. 5- Um método possível para medir a aceleração da gravidade g consiste em lançar uma bolinha para cima num tubo onde se faz vácuo e medir com precisão os instantes t1 e t2 de passagem (na subida e na descida, respectivamente) por uma altura z conhecida, a partir do instante do lançamento.a-) Mostre que: 2z g= t1 t 2 b-) Discuta quais seriam as dificuldades na execução deste experimento? III-) Respostas 1-) 6 horas 56 minutos. 2-) tempo de 34,7 s e uma distância de 2,41 Km. 3-) velocidade mínima 38 km/h e velocidade máxima de 62 km/h. 4-) a-) 9,8 m/s; b-) 4,9 m; c-) 2,5 m. Referências Agostinho, O livre -arbítrio, Paulus, São Paulo, 1995. Bunge, M. Teoria e realidade, Perspectiva, São Paulo, 1974. Encyclopædia Britannica. Encyclopædia Britannica Online Academic Edition. Encyclopædia Britannica Inc., 2012."Almagest." Web. 27 Jan. 2012. <http://www.britannica.com/EBchecked/topic/16707/Almagest>. Chassot, A . A Ciência através dos tempos, Moderna, São Paulo, 1994. Figueira, Divalte Garcia História Ensino Médio, volume único ensino médio, Ática, São Paulo, 2003. Franco, H Página da disciplina Evolução dos Conceitos da Física http://plato.if.usp.br/12003/fmt0405d/ , 2002. Knight A & Anglin, W. História do Cristianismo, Editora CPAD, Rio de Janeiro, 1984. Nussenzveig, H. M. Física Básica, vol. 1, Edgard Blücher, São Paulo, 1996. 35 Aula IV O movimento circular Nesta aula deixaremos um pouco de lado toda a questão histórica do desenvolvimento da Ciência moderna. Nesta aula descreveremos o movimento circular, não da maneira com que os primeiros que estudaram este tema o fizeram e muito menos tentarei mostrar como as várias abordagens chegaram nesta forma de representação que conhecemos hoje. Muitos dos conceitos que apresentarmos aqui são ideias apresentadas durante o ensino médio e também foram abordadas no primeiro semestre deste curso de licenciatura. A importância de relembrar este tema reside no fato de que os corpos celestes apresentam um movimento circular. Independente da referência que usamos para descrever o movimento celeste sempre vemos um movimento ao redor de um ponto, seja a Terra girando ao redor do Sol ou o contrário. Descrever de maneira precisa o movimento circular é extremamente útil para descrever os fenômenos celestes. 4.1 – A equação horária do movimento circular Para entendermos bem um movimento precisamos descrevê-lo de maneira precisa. Como discutimos na aula passada, no dia a dia os movimentos da natureza são complexos. Para tanto basta perceber como é difícil encontrar um movimento retilíneo com velocidade constante; no entanto, começamos a tratar este movimento pois é o mais fácil de ser descrito. Da mesma maneira trataremos primeiramente um movimento circular uniforme, isto quer dizer que a taxa temporal com que o trajeto circular é realizado é constante. Exemplo: “Os ponteiros da hora de um relógio dão a volta completa no relógio sempre em um tempo de 1 hora (figura da ilustração 14). Neste caso podemos pensar como um movimento circular uniforme.” Ilustração 14: Um relógio ilustrando o movimento circular uniforme de um de seus ponteiros. Assim, como no movimento linear definimos grandezas importantes como deslocamento linear S , velocidade v aqui devemos tomar o cuidado de adotar as grandezas corretas que 36 descrevem da melhor maneira possível. Imagine uma circunferência de raio r com centro c que é a trajetória percorrida por uma partícula P (novamente usaremos uma partícula, imagine que o raio r é muito maior do que a partícula P), para melhor descrever a posição da partícula P, ao invés de pensarmos em posições x e y da partícula, podemos descrever a posição dela completamente apenas usando o ângulo θ e o raio r da trajetória (veja figura da ilustração 15). Ilustração 15: Ilustração de uma figura em uma circunferência A distância s percorrida pelo ponto P é o arco da circunferência definido pelo ângulo θ. Usando trigonometria básica podemos relacionar as coordenadas cartesianas (x,y) com as chamadas polares (r, θ). x p=r cos (4.1) y p =r sen (4.2) s=r (4.3) No entanto, o ângulo θ pode variar com o tempo, como mostra a figura da ilustração. Note na figura que o mesmo ponto P está no instante t0 fazendo o ângulo θ0 com a horizontal e no instante t fazendo o ângulo θ. No movimento linear definimos o deslocamento linear de um corpo S como sendo a diferença da posição inicial S0 da posição no instante t, S, ou seja, S =S −S 0 . Assim, definimos a velocidade como: S v = (4.4) t Ilustração 16: Representação polar de um ponto P em dois diferentes instantes. Analogamente podemos pensar na variação do ângulo θ, , definida como =− 0 e na velocidade angular do corpo, ω, definida por: 37 = (4.5) t A figura da ilustração17 mostra esta comparação entre o movimento circular uniforme (angular) e o movimento retilíneo uniforme (escalar). Note que a denominação escalar está relacionada ao fato de que não trataremos a princípio com um tratamento vetorial das velocidades envolvidas. Ilustração 17: Representação do deslocamento angular e comparação entre o movimento escalar e angular. Assim, a equação horária do movimento circular uniforme é: =0 t (4.6) A equação (4.6) nos fornece o ângulo do tempo, desde que a velocidade angular ω seja constante, multiplicando (4.6) pelo raio encontramos a equação do movimento retilíneo uniforme para o espaço percorrido no arco de circunferência. s=s 0v t (4.7) E chegamos a relação entre a velocidade linear v e a angular ω por: v =r (4.8) onde r é raio da circunferência ou da trajetória. Outra grandeza importante é o tempo necessário para ser realizada uma volta, chamado de período (T) cuja a unidade é a mesma do tempo: horas, minutos e segundos. Outra grandeza é a frequência (f), que ó número voltas que se pode fazer em uma unidade de tempo. As unidades para essa grandeza são Hertz, Rotação por Minutos, voltas por hora. Por esta definição é fácil chegar à expressão: 1 f= (4.9) T No caso de que a velocidade angular varia com o tempo temos uma aceleração angular α dada por: (4.10) t E a equação horária ou de movimento de um corpo em movimento circular acelerado é dada = por: 38 t2 (4.11) =0t 2 A expressão (4.11) de forma análoga quando multiplicada pelo raio r resultará na expressão do movimento retilíneo uniformemente variado. O uso de todas estas equações depende fundamentalmente das situações em que você se depara, nos exercícios desta aula será de grande valor a resolução dos exercícios e também o acompanhamento dos exemplos feitos pelo professor em sala de aula. Você pode de maneira mnemônica entender que em um disco a velocidade angular de todos os pontos é a mesma, no entanto a velocidade escalar (ou linear) de um ponto localizado na periferia do disco possuirá uma velocidade maior, já que o raio é maior. 4.2 – A aceleração centrípeta do movimento circular uniforme Como afirmei na seção anterior, o movimento circular uniforme não apresenta uma aceleração angular, ou seja, não há um aumento na taxa com que é varrida a região angular da trajetória circular. No entanto, mesmo que não ocorra este aumento da velocidade angular, se temos um movimento circular temos uma aceleração. Para entender este raciocínio basta você se lembrar que em uma curva, mesmo que o motorista não acelere, você sente algo te “puxando”. Esta é uma verificação do dia a dia. No entanto, podemos entender este problema procurando entender de maneira mais geral o movimento circular. O primeiro passo que devemos tomar é lembarmo-nos de que a velocidade linear é um vetor e para tanto possui três propriedades, a saber: módulo (intensidade), direção e sentido. Se o módulo não varia (a taxa com que o espaço é percorrido com relação ao tempo), mas a direção e o sentido variam, logo a velocidade varia. Na figura da ilustração 18 temos uma representação dos vetores que a velocidade linear (ou tangencial) pode assumir, note que o vetor em A é diferente do vetor em B, assim são vetores diferentes entre si. Tal fato que nos leva a pensar que haverá uma aceleração que muda a direção do vetor, sempre de forma a apontá-lo para dentro da circunferência. Ilustração 18: Mudança do vetor velocidade linear em um movimento uniforme. Na figura da ilustração 19 podemos verificar que esta aceleração sempre “aponta” para o centro da circunferência e sua direção é o centro da circunferência, a chamaremos de aceleração centrípeta a cp ⃗ . Então sabemos de maneira geral que a direção da aceleração é o centro no sentido de fora para dentro. No entanto, qual a intensidade desta variação? Para responder esta pergunta precisaremos de um pouco mais de geometria. 39 Ilustração 19: Representação da atuação da aceleração centripeta. Podemos verificar na figura da ilustração 20 que a aceleração centrípeta, independentemente da direção de rotação do corpo na circunferência (horário ou anti-horário), terá a mesma direção e sentido. Ilustração 20: Representação vetorial do movimento circular. Vamos pensar que o módulo da velocidade não varia, mas sua direção sim, logo teremos uma variação da velocidade Δ v como mostra a figura da ilustração 21. Podemos, agora, associar a figura da direita da ilustração 21 com um triângulo cujos os lados são v 1 , v 2 e Δ v e na figura da esquerda temos um triângulo AOB que possui o mesmo ângulo interno Φ, logo são triângulos semelhantes. Ilustração 21: Representação vetorial da velocidade e suas comparações geométricas. O segmento de reta que liga os pontos A e B da figura da direita podem ser associados a uma variação de posição r e os lados OA e OB são, na verdade, o raio da circunferência. É fácil ver a seguinte relação entre estes lados olhando as duas figuras. 40 ∣ r ∣ ∣ v∣ = (4.12) ∣r ∣ ∣ v∣ Note que na equação (4.12) tratamos todas as grandezas em módulo pois não existem divisões entre vetores. Podemos dividir ambos os lados da igualdade da expressão (4.12) por um intervalo de tempo arbitrário já que esta representação vale para qualquer instante. Então teremos a nova equação. Δt ∣ r∣ ∣ v∣ = (4.13) ∣r ∣ t ∣v∣ t ∣Δ r∣ v∣ já que a razão do módulo da variação da posição com o Por definição temos Δt =∣ tempo é o próprio módulo da velocidade tangencial e lembrando a definição de aceleração ∣Δ v∣ a cp∣ e, assim, usando estas duas expressões e substituindo em (4.13) chegamos a expressão Δt =∣ a cp∣ chegamos finalmente à expressão do módulo da aceleração centrípeta ∣ ∣v∣2 (4.14) ∣acp∣= r Podemos, então, escrever a aceleração centrípeta em termos vetoriais usando uma notação a cp =−∣ a cp∣r , onde r é o versor radial. diferente da cartesiana Com base nestas informações poderemos entender melhor o comportamento de sistemas circulares como veremos no futuro quando utilizaremos as leis de Newton. 4.3 – Atividades da Aula Exercícios 1- Calcule a velocidade angular média de cada um dos três ponteiros de um relógio. 2- Com que velocidade linear você está-se movendo devido à rotação da Terra em torno de seu eixo? E devido à translação da Terra em torno do Sol? (aproxime a órbita da Terra por um circulo e use as relações entre a distância da Terra ao Sol das aulas passadas). Em cada um dos casos, calcule a sua aceleração centrípeta em m/s2 e exprima-a como um percentual da aceleração da gravidade g (esta é uma medida interessante e muito usada). 3- Numa ultra centrífuga girando a 50.000 rpm (rotações por minuto), uma partícula se encontra a 20 cm do eixo de rotação. Calcule a relação entre a aceleração centrípeta dessa partícula e a aceleração da gravidade g. 4- Uma roda partindo do repouso, é acelerada de tal forma que sua velocidade angular aumenta uniformemente para 180 rpm em 3 min. Depois de girar com essa velocidade por algum tempo, a roda é freada com desaceleração angular uniforme, levando 4 min para parar. O número de rotações é 1.080. Quanto tempo, ao todo, a roda ficou girando? Respostas 41 1- Segundos: 1,05 x 10-1 rad/s; Minutos: 1,75 x 10-3 rad/s; Horas: 1,45 x 10-4 rad/s. 2- Rotação: 427m/s; 3,1 x 10-2 m/s2=0,32%g (no Rio de Janeiro). Translação: 29,7 km/s; 5,9 x 103 m/s2=0,06%g. 3- 5,6 x 105 g. 4- 9,5min. 42 Aula V As leis de Kepler do movimento planetário O século XVI foi muito conturbado, mas também muito profícuo para a ciência. Neste período as navegações marítimas propiciaram um grande desenvolvimento científico e cultural. Para entendermos melhor o que ocorreu naquele período vamos citar o trabalho de Copérnico de uma forma um pouco mais detalhada 5.1 - Nicolau Copérnico Como falei anteriormente, não podemos afirmar de forma categórica o intuito revolucionário de Copérnico ao propor o seu modelo. Como falei na Aula III o modelo copernicano também apresentava uma estrutura planetária com epiciclos, mas que diferia do modelo ptolomaico de forma cabal pelo fato de que em seu modelo não era a Terra o centro do sistema de rotação. Como afirmei na Aula II a ideia de um sistema heliocêntrico, ou seja, com o centro das órbitas circulares colocado no Sol, em lugar da Terra, já havia sido proposto pelos gregos – em especial por Aristarco de Samos. Neste sistema a rotação que vemos durante o dia da esfera celeste em torno da Terra seria explicada pela rotação da Terra, em sentido oposto (veja ilustração 23), Analogamente, seria a Terra que descreveria uma órbita circular em torno do Sol, e não o contrário. Ilustração 22: Ilustração do movimento da Terra dentro da abóbada celeste, note que a rotação da Trra é contrária a abóbada e que o eixo da Terra está inclinado. Os astrônomos gregos na época de Aristarco não aceitavam esta teoria heliocêntrica baseados em um argumento muito forte: Lembre-se que algumas estrelas no céu se movem de maneira monótona no céu, estas são as chamadas estrelas fixas pois não há um movimento estranho como o dos planetas. Se a Terra se movesse em torno do Sol, o ângulo q1 entre as direções aparentes da duas estrelas fixas E e E´ vistas da Terra na posição T1 seria diferente em diferentes épocas do ano (q1≠q2 na figura da 43 ilustração 23), o chamado efeito de paralaxe, e o mesmo nunca tinha sido visto na época dos gregos. Não se imaginava na época que as estrelas, mesmo as mais próximas da Terra, estão tão distantes que o efeito não é observado a olho nu; mesmo com telescópios, só foi detetado em 1838 (NUSSENZVEIG, 1996). Ilustração 23: Ilustração da diferênça entre do ângulo de observação das estrelas no modelo heliocêntrico. Note que a refutação do modelo heliocêntrico pelos astrônomos e filósofos gregos era baseada em argumentos científicos. Muitas vezes somos tentados a afirmar que a demora na mudança de paradigma do heliocêntrico foi causada principalmente por razões religiosas. No entanto, historicamente, existia toda uma estrutura de pensamento racional que dificultava esta mudança. Neste sentido, a mudança realizada por Copérnico pode mais ainda ser denominada de revolução. Copérnico procurou demonstrar que a principal vantagem do ponto de vista heliocêntrico seria simplificar a descrição do movimento celeste. Assim, o movimento dos planetas seria explicado apenas com esferas perfeitas sem a necessidade dos equantes de Ptolomeu. Note, também existe uma proposta fundamental (e diga-se de passagem, tomada por critério de autoridade filosófica) de que os movimentos celestes deveriam ser formados por esferas perfeitas. a-) b-) Ilustração 24: Comparação entre o modelo de Ptolomeu (a) e o modelo de Copérnico O modelo de Copérnico e de Ptolomeu são comparados na figura da ilustração 24. Por exemplo, para explicar o movimento de Vênus, que é um planeta interno, ou seja, situado entre a Terra e o Sol, o modelo de Ptolomeu colocava o Sol no centro do epiciclo e colocava o planeta 44 Vênus girando no epiciclo. No modelo heliocêntrico o movimento do deferente é substituído pela órbita da Terra em redor do Sol, e o epiciclo pela órbita de Vênus ao redor do Sol. No caso de um planeta externo os papéis do epiciclo e do deferente são trocados. No sistema de Ptolomeu, os períodos associados ao deferente para os planetas internos e ao epiciclo para os externos eram todos iguais a um ano solar. Essa coincidência é explicada pelo sistema heliocêntrico, estes períodos são a descrição, vista da Terra, do período terrestre de translação ao redor do Sol. Outra vantagem do sistema heliocêntrico é que ele permitiu a Copérnico deduzir pela primeira vez a escala relativa das distâncias dentro do sistema solar. No sistema geocêntrico, a escala das distâncias era arbitrária: só importava a razão entre os raios do epiciclo e do deferente, e não os valores absolutos desses raios. Já para Copérnico os deferentes dos planetas internos e os epiciclos dos externos se tornavam todos na órbita da Terra em torno do Sol, cujo o raio médio médio rT é hoje chamado de unidade astronômica, e se tornava possível determinar os raios das demais órbitas planetárias com respeito a essa unidade. Vejamos como se faz isto. Os planetas internos nunca são observados muito afastados do Sol, permanecendo sempre dentro de um ângulo máximo θ da linha que vai da Terra (T) ao Sol (S) (figura da ilustração 25), onde θ é da ordem de 22,5 graus para Mercúrio e 46 graus para Vênus. Ilustração 25: Figura ilustrativa das distâncias da Terra ao Sol e de um planeta interno ao Sol. A figura da ilustração 25, onde TA e TB são tangentes à órbita do planeta P, a explicação heliocêntrica desse fato, e mostra que: rp (5.1) rT onde rp é o raio da órbita do planeta e rT o da Terra. Conhecendo teta, isto permite determinar rp/rT: A tabela 1 compara os raios médios das órbitas planetárias (em U.A.) obtidos por Copérnico com os valores aceitos atualmente. Outro resultado interessante de Copérnico foi determinar o tempo de rotação dos planetas. Não trataremos isto nesta aula, mas maiores detalhes podem ser tomados nas referências ao final desta aula. O modelo heliocêntrico que imaginava uma Terra inclinada pode explicar de forma mais simples a questão das estações do ano serem causadas pela inclinação do eixo de rotação da Terra. sen = 45 Tabela 1: Raio médio da órbita dos planetas. Planeta Raio médio da órbita em U.A. Copérnico Atual Mercúrio 0,3763 0,3871 Vênus 0,7193 0,7233 Marte 1,5198 1,5237 Jupiter 5,2192 5,2028 Saturno 9,1743 9,5388 O trabalho de Copérnico foi entendido como heresia, mas ao contrário do que ocorreu com Aristarco não demorou muito para alguém ampliar os seus resultados, pessoa esta que foi Kepler. 5.2 - Tycho Brahe e Kepler Nesta época um grande pesquisador e observador celeste era Tycho Brahe, natural de Scânia na Suécia, que nasceu em 14 de dezembro de 1546 e faleceu em Praga (atual República Tcheca) em 1601. Graças ao apoio do rei Frederico II da Prússia, grande incentivador das artes e das ciências, Tycho conseguiu montar em Uraniborg um grande observatório. Todas as observações eram feitas a olho nu (não havia telescópio), mas com instrumentos de grandes proporções, cuidadosamente calibrados e muita paciência observacional (lembre-se do que você passou com a bolha na aula passada). Tycho dedicou dedicou toda a sua vida à coleta de dados do movimento planetário, conseguiu obter uma precisa bem maior do que os dados que se tinha da antiguidade. Tycho propôs um modelo intermediário entre os de Ptolomeu e Copérnico, em que todos os planetas com exceção da Terra se moveriam em torno do Sol, mas o Sol se moveria em redor da Terra. Tycho não notou que seu modelo só diferia do de Copérnico por uma mudança do sistema de referências. Note que ele tentou manter uma certa política de boa vizinhança com o poderio religioso do momento. Além do que, talvez, Tycho não possuía grandes dotes teóricos, mesmo tendo fantásticos dotes observacionais. Johannes Kepler nasceu em Weil der Sadt (atual Alemanha) em 27 de dezembro de 1571 e faleceu em Regensburg na Austria em 1630. Kepler após uma terrível sequência de eventos em sua vida, deixou de ser professor de Matemática e se tornou assistente de Tycho Brahe e seu sucessor no observatório. Kepler era movido por uma firme convicção de tipo platônico-pitagórica de que o universo é construído de acordo com um plano matemático, cuja estrutura pode ser deduzida por argumentos de perfeição e da “harmonia das esferas”. Entretanto, ele aliava a essa atitude um grande respeito pelos dados experimentais não se satisfazendo com qualquer modelo enquanto não levasse a uma concordância praticamente perfeita com a experiência. Kepler era contemporâneo de Galileu e esta atitude se assemelha ao procedimento adotado por Galileu de não apenas usar a sua intuição, mas também procurar a melhor forma de expressar os resultados em concordância com a experiência, por mais mais pouco intuitiva que esta concordância poderia levar. Na época de Kepler eram conhecido 6 planetas, ou seja, havia 5 distâncias e igual número de sólidos regulares ou “perfeitos”, os sólidos platônicos: tetraedro, cubo, octaedro, dodecaedro e icosaedro. No seu livro “Mysterium Cosmographicum” (1597), Kepler construiu um modelo utilizando os 5 sólidos regulares inscritos e circunscritos em esferas (figura da ilustração 26), procurando mostrar que as proporções assim obtidas seriam as mesmas que aquelas ente os raios das órbitas planetárias obtidos por Copérnico. Entretanto, a concordância não era das melhores. 46 Ilustração 26: Modelo do sistema solar usando sólidos engastados de Kepler. Kepler tentou a todo custo conseguir acertar o seu modelo e, em princípio, achou que poderiam existir diferenças entre a posição do centro das órbitas e a posição do Sol. Para conferir essa hipótese tornou-se assistente de Tycho para ter acesso a dados mais precisos. Mas, além dos problemas de relacionamento, Tycho morreu apenas um ano após o início da parceria. Mesmo assim, Kepler trabalhou duramente por quatro anos procurando dar ao Sol uma posição, no modelo de Copérnico, que concordasse com os dados experimentais. Kepler quase alcançou este objetivo: no entanto, a órbita de Marte não concordava com o modelo. Quase em desespero, Kepler aceitou em usar outros tipos de órbitas (não perfeitas) para tentar ajustar as órbitas e acabou por encontrar uma elipse e, ainda pior, o Sol estaria em um dos focos da Elipse. Assim, Kepler enunciou sua primeira lei: 1ª Lei de Kepler (lei das órbitas): “As órbitas descritas pelos planetas ao redor do Sol são elipses com o Sol em um dos seus focos”. Se a é o semi-eixo de uma elipse e c a semi-distância focal, a razão a/c chama-se excentricidade e da elipse (veja figura da ilustração 27). Para e=0, temos um círculo; quanto maior for, mais achatada é a elipse e, para o caso de e=1, temos uma reta. Kepler conseguiu montar a seguinte tabela para os planetas conhecidos na sua época. Planeta e Mercúrio 0,2060 Vênus 0,0070 Terra 0,0170 Marte 0,0930 Júpiter 0,0480 Saturno 0,0560 47 Ilustração 27: Esquema geral de uma elipse. No caso de Mercúrio, Kepler não tinha muitos dados, mas ele pode verificar que a órbita de Marte não é circular. Kepler também percebeu, por meio de suas observações, que o movimento do planeta ao longo da órbita não é uniforme: a velocidade é maior quando ele está mais próximo do Sol. Kepler procurou entender estes resultados em termos de uma ação do Sol como causa dos movimentos dos planetas. Kepler imaginava que o Sol teria uma rotação em seu eixo e que emitiria raios que atrairiam os planetas apenas no plano de suas órbitas. Talvez, se você não conhece relativamente bem as leis da gravitação, acharia que este modelo era semelhante ao modelo de Newton, no entanto, este modelo está com todas as características erradas! A força gravitacional na verdade é radial e não confinada em um plano. A força gravitacional é central (como veremos no futuro) e para Kepler ela seria tangencial à orbita. A força gravitacional decai com o quadrado da distância e para Kepler ela cairia diretamente com a distância. Partindo desse modelo inteiramente errado, Kepler fez um cálculo também errado das áreas varridas pelo raio vetor que liga cada planeta ao Sol e acabou chegando na lei correta. 2ª Lei de Kepler (lei das áreas): “O raio vetor que liga um planeta ao Sol descreve áreas iguais em tempos iguais”. Kepler pensou que seus erros se cancelavam e, assim, ele procurou uma nova explicação que também estava errada. Na série “O universo mecânico” veremos que a lei da gravitação universal foi sistematizada por Newton. Mesmo assim Kepler continuou estudando por muitos anos entre uma guerra e outra e, somente muitos anos depois, chegou à formulação de sua terceira lei que mostra uma harmonia que Kepler sempre perseguiu: 3ª Lei de Kepler (lei dos períodos): “Os quadrados dos períodos de revolução de dois planetas quaisquer estão entre si como os cubos de suas distâncias médias ao Sol”. Podemos escrever matematicamente a terceira lei de duas formas, primeiro pensando que T1 e T2 são períodos de revolução de dois planetas cujas órbitas têm raios médios R1 e R2. Respectivamente teríamos: 2 T1 R = 1 T2 R2 3 E, de forma geral, para um planeta com período T e Raio R, teríamos a relação: T2 =k R3 48 oonde k é uma constante. Abaixo uma tabela para verificação da terceira lei de Kepler com os planetas até então conhecidos. Planeta Valores de Copérnico Valores atuais T(anos) R(U.A.) T2/R3 T(anos) R(U.A.) T2/R3 Mercúrio 0,241 0,38 1,06 0,241 0,387 1,00 Vênus 0,614 0,72 1,01 0,615 0,723 1,00 Marte 1,881 1,52 1,01 1,881 1,524 1,00 Júpiter 11,800 5,2 0,99 11,862 5,203 1,00 Saturno 29,500 9,2 1,12 29,457 9,539 1,00 Kepler cria em uma harmonia e vivia em um mundo bem desarmônico,vermos mais adiante como este mundo pôde gerar um gênio como Newton que, ao menos na natureza, conseguiu encontrar uma harmonia fantástica. 5.3 – Atividades da Aula Nesta aula assistiremos a um vídeo que conta a história de Kepler por meio de uma dramatização. Assista ao vídeo e escreva uma resenha que deverá ser entregue em 15 dias. 5.4 Referências NUSSENZVEIG, H. M. Física Básica, vol. 1, Edgard Blücher, São Paulo, 1996. SAGAN, C. “A harmonia dos mundos” documentário KCET, 1980. 49 Aula VI Estamos chegando historicamente no período no qual surge o personagem tido como o mais importante da História da Física, Isaac Newton. Newton nasceu em 24 de dezembro de 1642 na cidade de Woolsthorpe-by-Colsterworht. Além da Física, Newton contribuiu em muitas questões afetas à Matemática e alguns de seus estudos apresentam aplicação até hoje na área de computação. Newton também foi diretor da casa da moeda inglesa (FORATO, 2011). Mas, na verdade, boa parte de sua vida ele passou estudando Teologia, Newton escreveu “Observations upon the prophecies of Daniel and the Apocalypse of St. John” (WESTFALL, 1993) que, como o próprio nome diz, é um livro sobre as interpretações de Newton acerca das profecias do livro de Daniel e o livro de Apocalipse de São João. Foge de nosso objetivo o que levou Newton a ter toda esta produção e como isto tudo pode ter influenciado em sua obra. fatores que discutiremos previamente neste texto. Mas, primeiramente, iremos relembrar as três leis de Newton de uma forma mais organizada e depois discutiremos alguns resultados e chegaremos à primeira lei de conservação neste curso. 6.1– As leis de Newton Boa parte do trabalho de Newton no que se refere à Física foi realizado em sua juventude em 1666 durante um ano de intenso trabalho enquanto estava afastado dos grandes centros em função de uma peste na Inglaterra (FORATO, 2011, NUSSENZVEIG, 1996). Antes de falar especificamente do que Newton fez, vamos nos voltar para o problema do movimento que era discutido em sua época. 1 ª - Lei de Newton Como já discutimos, desde a época de Galileu o embate entre o pensamento ptolomáico do movimento e as novas ideias se intensificava. Segundo Aristóteles, tanto para colocar um corpo em movimento como para mantê-lo em movimento é necessária a ação de uma força. Isto parece concordar com nossa experiência imediata de que um objeto deslizando sobre o solo, por exemplo, tende a parar se pararmos de empurrá-lo. Entretanto um projétil, como uma pedra ou uma flecha, continua em movimento depois de lançado. Aristóteles explicava a situação afirmando que o ar “empurrado para os lados” pelo projétil que se desloca para trás dele e produz a força que o impulsiona. Logo, segundo Aristóteles, se a força que atua sobre um corpo é nula o corpo permanecerá sempre em repouso. Agora vamos nos lembrar da primeira lei de Newton, a lei da inércia que diz:“Todo o corpo persiste em seu estado de repouso, ou de movimento retilíneo uniforme, a menos que seja compelido a modificar esse estado pela ação de forças impressas sobre ele.” Note que esta é uma afirmação revolucionária. Ao contrário do mundo aristotélicoptolomaico que tinha o repouso como caso mais geral, o mundo newtoniano-galileliano tinha o movimento uniforme como caso mais geral. Podemos nos perguntar “Onde Newton se baseou para um afirmação tão audaciosa?” Vimos que é difícil encontrar situações no dia a dia em que temos um movimento uniforme (velocidade constante). Inclusive para realizarmos a experiência da aula IV necessitamos fazer várias aproximações; colocamos um corpo em queda livre dentro de um fluido para que a força de atrito 50 viscoso pudesse, a partir de um dado momento, se equilibrar com a força peso e assim anular a aceleração. Mesmo assim, muitos encontraram uma aceleração mesmo que pequena. Como Newton chegou a esta conclusão? Será que a mesma é pertinente? Como toda construção intelectual, esta conclusão de Newton foi resultado das observações de diversas pessoas. Kepler notara que o movimento dos corpos celestes obedecem um movimento praticamente uniforme e cíclico. Galileu discutira muito sobre isto. Vejamos uma parte do “Dialogos Sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo” copiados pelo professor Moyses (NUSSENZVEIG, 1996). Salv – Salviati o personagem que Galileu inventara representando si mesmo. Simplício o pensamento aristotélico-ptolomáico. "SALV.: ... Diga-me agora: Suponhamos que se tenha uma superfície plana lisa como um espelho e feita de um material duro como o aço. Ela não está horizontal, mas inclinada, e sobre ela foi colocada uma bola perfeitamente esférica, de algum material duro e pesado, como o bronze. A seu ver, o que acontecerá quando a soltarmos? ... ... SIMP.: Não acredito que permaneceria em repouso; pelo contrário, estou certo de que rolaria espontaneamente para baixo. ... ...SALV.: ... E por quanto tempo a bola continuaria a rolar, e quão rapidamente? Lembre-se de que eu falei de uma bola perfeitamente redonda e de uma superfície altamente polida, a fim de remover todos os impedimentos externos e acidentais. Analogamente, não leve em consideração qualquer impedimento do ar causado por sua resistência à penetração, nem qualquer outro obstáculo acidental, se houver. SIMP.: Compreendo perfeitamente, e em resposta a sua pergunta digo que a bola continuaria a mover-se indefinidamente, enquanto permanecesse sobre a superfície inclinada, e com um movimento continuamente acelerado... SALV.: Mas se quiséssemos que a bola se movesse para cima sobre a mesma superfície, acha que ela subiria? SIMP.: Não espontaneamente; mas ela o faria se fosse puxada ou lançada para cima. SALV.: E se fosse lançada com um certo impulso inicial, qual seria o seu movimento, e de que amplitude? SIMP.: O movimento seria constantemente freado e retardado, sendo contrário à tendência natural, e duraria mais ou menos tempo conforme o impulso e a inclinação do plano fossem maiores ou menores. SALV.: Muito bem; até aqui você me explicou o movimento sobre dois planos diferentes. Num plano inclinado para baixo, o corpo móvel desce espontaneamente e continua acelerando, e é preciso empregar uma força para mantê-lo em repouso. Num plano inclinado para cima, é preciso uma força para lançar o corpo ou mesmo para mantê-lo parado, e o movimento impresso ao corpo diminui continuamente até cessar de todo. Você diz ainda que, nos dois casos, surgem diferenças conforme a inclinação do plano seja maior ou menor, de forma que um declive mais acentuado implica maior velocidade, ao passo que, num aclive, um corpo lançado com uma dada força se move tanto mais longe quanto menor o aclive. Diga-me agora o que aconteceria ao mesmo corpo móvel colocado sobre uma superfície sem nenhum aclive nem declive. SIMP.: Aqui preciso pensar um instante sobre a resposta. Não havendo declive, não pode haver tendência natural ao movimento; e, não havendo aclive, não pode haver resistência ao movimento. Parece-me portanto que o corpo deveria naturalmente permanecer em repouso. Mas eu me esqueci; faz pouco tempo que Sagredo me deu a entender que isto é o que aconteceria. SALV.: Acredito que aconteceria se colocássemos a bola firmemente num lugar. Mas que sucederia se lhe déssemos um impulso em alguma direção? SIMP.: Ela teria que se mover nessa direção. SALV.: Mas com que tipo de movimento? Seria continuamente acelerado, como no declive, ou 51 continuamente retardado, como no aclive? SIMP.: Não posso ver nenhuma causa de aceleração nem deceleração, uma vez que não há aclive nem declive. SALV.: Exatamente. Mas se não há razão para que o movimento da bola se retarde, ainda menos há razão para que ele pare; por conseguinte, por quanto tempo você acha que a bola continuaria se movendo? SIMP.: Tão longe quanto a superfície se estendesse sem subir nem descer. SALV.: Então, se este espaço fosse ilimitado, o movimento sobre ele seria também ilimitado? Ou seja, perpétuo? SIMP.: Parece-me que sim, desde que o corpo móvel fosse feito de material durável. " Neste ponto nos contentaremos com esta definição da primeira lei. Existe aqui um problema interessante que discutiremos mais aprofundadamente depois, mas note que a 1ª lei de Newton não define e nem diferencia o movimento. Galileu percebera um fenômeno interessante entre dois corpos que se movimentam com velocidade constante. Imagine que você esteja dentro de um barco com velocidade constante, não existe nenhuma experiência Física que possa te dizer se este barco está em movimento ou parado. Isto também gerou a necessidade de Newton definir algo que nos é muito caro e também pouco intuitivo. “O espaço absoluto” onde as leis de newton são válidas, o chamado referencial inercial. 2 ª - lei de Newton A primeira lei de Newton nos fornece um indicativo sobre a natureza. Se não há força a velocidade não varia; logo, a variação da velocidade (aceleração) estaria relacionada à força por meio de algum mecanismo. Normalmente quando empurramos um corpo ele se desloca no sentido do empurrão. Podemos ficar induzidos a pensar que a aceleração tem o mesmo sentido que a força aplicada e o mesmo comportamento vetorial. Matematicamente: a =k F (6.1) a é a aceleração desenvolvida pelo corpo e k é uma constante de F é a força aplicada, ⃗ onde: ⃗ proporcionalidade cujo significado será discutido. Poderíamos afirmar que esta seria uma resposta do corpo à força. A experiência nos dirá que: ao medirmos a aceleração desenvolvida por um corpo, quanto maior a força, linearmente, a aceleração será maior (veja a figura da direita da ilustração 28). Para o caso em que a força é constante, mas a massa do corpo vai aumentando a aceleração vai diminuindo (veja a figura da esquerda da ilustração 28). Acelerar ou freiar um carro exige uma força bem maior do que para uma bicicleta, para a mesma variação de velocidade (as consequências de uma colisão com um ou com o outro, à mesma velocidade, são bem diferentes). Dizemos usualmente que o carro tem “inércia” muito maior que uma bicicleta. O coeficiente k deve, portanto, medir uma propriedade inversamente proporcional à “inércia” do corpo. Olhando a quantidade de matéria medida pela massa, temos que: F a = m (6.2) Para o caso da mesma força aplicada a diferentes massas teremos diferentes acelerações. 52 Ilustração 28: Efeito de uma força genérica sobre a aceleração de um corpo. A esquerda corpo com mesma massa e força variando, a direita corpo com massa variando e mesma força. =m1 a1=m2 a2 F (6.3) E finalmente chegamos ao enunciado clássico da lei de Newton. =m a F (6.4) Assim denominamos de “m” a massa inercial do corpo, veremos no futuro que massa inercial é diferente de massa gravitacional mas, em princípio, vamos deixar assim: basta que você saiba que por mais experiências que se fizessem na época de Newton, sempre ao se fazer a razão massa gravitacional, mg, pela massa inercial, mi, o que se obtinha era: mi =1 mg (6.5) Para que você entenda, a massa gravitacional é a massa medida usando apenas a aceleração da gravidade e massa inercial é uma massa medida considerando uma aceleração oriunda de qualquer outro tipo de força. No sistema internacional a aceleração possui unidade m/s2 e a massa kg (quilogramas) e unidade de força se convencionou denominar de Newton N. Assim, um 1N=1Kg x 1 m/s2. Neste ponto algumas observações devem ser levantadas para se evitar erros conceituais muito comuns cometidos por alunos do Ensino Médio. I. A velocidade possui a mesma direção da força. II. A equação (6.4) é a definição de força. III. A força de 1 N é o peso de um quilograma. Quanto à primeira afirmação, é possível lembrar da aceleração centrípeta discutida na aula IV, mas não possui a mesma direção da velocidade linear. Mais a seguir definiremos uma força para esta aceleração. A equação (6.4), que é o enunciado da 2ª lei de Newton, não é uma definição de força, já que a força pode ser originada de várias formas, mas a equação (6.4) vale para todas estas 53 formas. O terceiro erro conceitual é um problema até certo ponto simples, é difícil que o aluno entenda que força não é o fato dele levar algo de um lugar para outro (veremos no futuro que se trata da definição de “trabalho”). Mas podemos pensar que a força que o peso de uma massa de 100 g exerce sobre uma mesa equivale a 1 N. Para deixarmos o mesmo formato de enunciado da 1ª lei de Newton escreveremos agora o enunciado da 2ª lei de Newton que diz:“A força resultante sobre um corpo é igual ao produto da massa do corpo pela aceleração do corpo.” Note que o que está escrito acima é a força resultante sobre o corpo, que leva novamente a necessidade de se ver a composição dos forças que atuam sobre o corpo e como a resultante vetorial será desenvolvida. Para entender melhor vamos fazer um exemplo simples. Exemplo. Na figura da ilustração 29 mostra um bloco deslizante m1 =3,3 kg. O bloco está livre para se mover ao longo de uma superfície horizontal sem atrito como, por exemplo, uma mesa muito polida. Este primeiro bloco está conectado, por um fio que passa por uma roldana sem atrito, a um segundo bloco m2 de massa 2,1 kg. O fio e a roldana possuem massas desprezáveis quando comparadas com as dos blocos. O bloco pendurado m2 cai quando o bloco deslizante m1 acelera para direita. Ache (a) a aceleração do bloco deslizante, (b) a aceleração do bloco pendurado e (c) a tração no fio. Ilustração 29: Figura do exemplo de aplicações das leis de Newton. Resolução Vamos usar todos os seus conhecimentos adquiridos na disciplina de Introdução à Mecânica Clássica do semestre passado. Existem 5 forças atuando sobre os corpos, a tração no fio atuando 54 sobre o bloco m1 (T), a normal entre o bloco m1 e a mesa (N), o peso do bloco m1 sobre a mesa, a tração no bloco m2 e a tração atuando sobre o bloco m2. Veja a figura abaixo. N T T P1 P2 Ilustração 30: Esquema da distribuição das forças do exemplo. Podemos agora fazer a montagem do sistemas de equações levando-se sempre em conta que a 2 ª de Newton é válida. Como não há movimento na vertical para o bloco de massa m1 a primeira equação torna-se: − P1=m 1 a1=m 1 0=0 ⇒ N = P1 (6.6) N Agora para o movimento da vertical do bloco de massa m2 teremos: T − P2=−m2 a2 (6.7) o sinal negativo surge pelo convenção de sinais já que a aceleração terá a mesma direção da aceleração da gravidade. O movimento na horizontal do bloco de massa m1 gera a seguinte equação, já que temos apenas uma força (a força da tração) atuando: T =m1 a1 (6.8) om o sistema de equações composto pelas equações (6.7) e (6.8) podemos descobrir o valor da g e o análogo para o peso do corpo 2 e encontra-se, aceleração, basta considerarmos que P1=m a ⇒∣ a∣=a após algumas manipulações algébricas, a expressão do módulo a já que a1= a2= visto que a corda não se rompe. e, dessa forma, a aceleração na mesma deve ser igual, visto que a massa da corda é nula. O módulo a é dado por: m2 a= g (refaça e chegue neste resultado) m1m 2 Substituindo os valores a=3,8 m/ s 2 se usarmos g =9,8 m/ s 2 o valor da tensão é somente substituir na equação (6.8) e encontramos T =12,5 N . E assim, está encerrado o 55 problema. 6.2 O momento linear Como você já aprendeu, existem diversos tipos de força, como força peso, força normal, força elétrica e outros tipos. Newton percebeu que todas obedecem à lei expressa pela equação (6.4). Mas Newton não utilizou esta expressão da forma como escrevemos hoje em seus escritos originais. Ele começou definindo o que chamou de “quantidade de movimento”, também conhecido como momento linear, ou simplesmente momento. A definição de Newton foi: “A quantidade de movimento é a medida do mesmo, que se origina conjuntamente da velocidade e da massa”. Podemos expressar esta quantidade pela seguinte relação matemática: P =m v (6.9) onde P é o momento linear, m é a massa e v é a velocidade linear. Você pode entender esta quantidade como o quanto se consegue transmitir de movimento entre corpos. Note que o momento linear é uma grandeza vetorial, assim como a velocidade. Vamos pensar no caso em que o momento linear varie com o tempo. Poderemos chamar a P variação de uma forma diferente usando (6.9), imagine que a massa não varia, então t chegamos em outra expressão. P v =m (6.9) t t v a . Usando (6.4) chegamos na Mas, a grandeza , nada mais é do que a aceleração t expressão: P = F (6.10) t =0 o momento linear não varia e assim Assim, na ausência de qualquer força externa, F temos nossa primeira lei de conservação: “Na ausência de forças externas o momento linear de uma partícula se conserva”. Desta forma o momento inicial P i e final P f de qualquer fenômeno físico onde não atuam forças externas é o mesmo. Um exemplo bem conhecido é o pêndulo de Newton, situação na qual tentamos eliminar ao máximo dissipações e, assim, o momento da primeira bola é transmitido através das demais até atingir à última bola (veja figura da ilustração 31). Ilustração 31: Um pêndulo de Newton. Fonte "FISBRINK" 56 Para situações como nas colisões e explosões acabou-se por definir uma grandeza mais apropriada para dizer o que inicia um movimento. A grandeza impulso, definida como J e expressa por: P f − P i = J (6.11) Podemos também associar à uma força que atua em um pequeno intervalo de tempo e o melhor ainda, associar o impulso à uma força média F méd que atua em um intervalo muito curto como mostra a figura da ilustração 32. Ilustração 32: Uma força F qualquer que atua por um intervalo muito curto. 6.3 A 3ª lei de Newton Agora, a partir deste momento, procuraremos explicar melhor o que acontece com as forças quando existe interação entre mais de uma partícula entre si e há ausência de forças externas. Vamos tomar o caso mais simples no qual existem apenas duas partículas. Vamos chamar as partículas de 1 e 2; as únicas forças existentes são, então aquelas devidas à ação mútua de uma sobre a outra, F1 2 (força sobre 1 devida a 2) e F2 1 (força sobre 2 devida a 1. É muito difícil chegar nesta situação na qua apenas duas partículas existem e interagem. Você notou a dificuldade de reduzir a ação da aceleração da gravidade no experimento do tubo de óleo para a análise dos dados. O mesmo vale para esta situação. No entanto, imagine que temos uma mesa com um jato de ar que minimiza o atrito (veja a figura da ilustração 33) e onde possa deslizar dois discos idênticos de mesma massa m. As forças que atuam entre os dois discos são apenas forças de contato que atuam muito rapidamente durante o tempo t de interação. Por tal motivo podemos tratar que o tempo de interação é tão pequeno que o processo de colisão pode ser tomado como instantâneo. As forças antes e depois da colisão são nulas de forma que podemos tratar as velocidades dos discos antes e depois da colisão como constantes. Vamos chamar as velocidades e momento antes da colisão de v1 , v2 , p1 , p2 para as partículas 1 e 2 respectivamente. Após a colisão de v' 1 , v' 2 , p' 1 , p' 2 . Vamos imaginar que as colisões são frontais, ou seja, se dão segundo a linha que une os centros dos dois discos. O que se observa em cada experiência está representado nas figuras a 57 seguir. Ilustração 33: Uma mesa de ar comercial para experimentos didáticos de mecânica. Nesta experiência, os discos se aproximam com velocidades iguais e contrárias; depois da colisão, afastam-se tendo trocado as velocidades. Na segunda experiência, o disco 2 está inicialmente parado e o disco 1 se aproxima dele com velocidade v ; após a colisão, 1 parou e 2 se afasta de 1 com velocidade v . Na terceira experiência, a situação inicial é a mesma da experiência II, mas grudamos no disco 1 um pouquinho de cola (de massa desprezável), de tal forma que, ao colidirem, os dois discos permanecem colados, passando a se mover juntos (massa 2m). 58 Após a colisão, neste caso, observamos que os dois discos se movem juntos com velocidade 1 v . 2 59 Na última linha de cada experiência escrevemos a palavra “Total” e calculamos o momento total do sistema, que é definido como a soma dos momentos das partículas 1 e 2, antes e depois da colisão. Em todos os casos, observamos que: P = p1 p2= p' 1 p' 2= P ' (6.12) Isto quer dizer que o momento total do sistemas de duas partículas é o mesmo antes e depois da colisão. Dizemos que o momento total do sistema se conserva. Se fizéssemos experiências de colisão com discos de massas diferentes m1≠m2 e quaisquer valores de velocidades, antes colisão, verificaríamos sempre, como nas três experiências descritas acima, a validade da (6.12). desde que as únicas forças que atuem sobre o sistema sejam as interações entre as duas partículas durante a colisão, ou seja, desde que possamos desprezar os efeitos de forças externas ao sistema (como o atrito). Nessas condições, dizemos que o sistema é isolado. Experiências como esta e muitas outras levaram ao Princípio de Conservação do Momento: O momento total de um sistema isolado se conserva. Este é um dos princípios fundamentais da Física e no futuro você poderá notar que situações das mais diversas ainda apresentam o mesmo resultado. Vamos agora reescrever a (6.12) na forma da variação do momento linear p , vejamos: 1 − p1=− p' 2− p 2=− p2 (6.13) p1= p' onde p1 e p2 são as variações de momento das partículas 1 e 2, respectivamente, em consequência da colisão. Estas variações se produzem durante o intervalo de tempo t que dura o processo de colisão; decorre da (6.13), portanto, que: p1 − p2 (6.14) = t t Como t é extremamente pequeno, podemos inferir que d p1 −d p2 (6.15) = dt dt durante o processo de colisão, ou, o que é equivalente, d p1 p2 =0 (6.16) dt isto quer dizer que o momento total do sistema se conserva a cada instante, inclusive durante a colisão. d p1 Aplicando a 2 ª lei de Newton (6.4) à (6.16), vemos que representa a força sobre a dt d p2 partícula 1 (devido a 2) durante a colisão, ou seja, F1 2 ; analogamente, = F2 1 , e a dt (6.15) equivale a F1 2=− F2 1 (6.17) ou seja, a força exercida por 1 sobre 2 é igual e contrária àquela exercida por 2 em 1. Dizemos que se trata de um par ação e reação. A (6.17), obtida para as interações de contato numa colisão entre duas partículas é um caso particular da 3 ª lei de Newton, assim enunciada: “A toda ação corresponde uma reação igual e contrária, ou seja, as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos”. Esta lei também é conhecida como “Princípio da Ação e Reação”. Novamente preciso alertar o leitor para um erro muito comum em estudantes do ensino médio. Pelo que acabou de ser escrito nas linhas acima, “ação” e “reação” estão sempre aplicados à corpos diferentes. Muitas vezes o aluno associa, por exemplo, que a normal (da mesa com o bloco) é a reação da força peso. Este raciocínio está incorreto. A normal é uma força de natureza diferente da força peso a reação da força 60 peso do bloco sobre a mesa está dentro da Terra. 6.4. Uma rápida digressão sobre a 3 ª lei de Newton. Como vimos até o momento, a terceira lei de Newton traz em seu bojo o nosso primeiro princípio de conservação, o princípio de conservação do momento linear. Parece natural ao ser humano a ideia da conservação de alguma grandeza. Se temos um fenômeno que relaciona três grandezas e uma delas se conserva, mesmo que a segunda varie de forma mais complicada possível, eu consigo estabelecer prever o comportamento da terceira. Isto foi algo muito poderoso na construção da Ciência moderna. Tal princípio surge também com Fermat, que via um princípio de minimização do tempo. Todos estes resultados geram um incrível sucesso da Ciência. Muitas filosofias acabam por reivindicar sua autoridade quando acaba por notar princípios semelhantes em seus ensinamentos (mesmo que todo o resto da Ciência negue os demais ensinamentos), mas não devemos nos levar por tão sedutor elemento. Já que o professor também possui suas crenças e princípios. O próprio Newton era cheio de crenças e princípios como citamos nas linhas acima. É difícil dizer se a crença em um Ser supremo que leva a uma conservação Universal levou Newton a formular tais princípios. E é mais arriscado ainda dizer que Newton acabou chegando a este resultado porque invariavelmente o Universo é assim e chegamos nestas respostas. Não podemos nos esquecer de que tudo que tudo isto é uma construção, e uma construção humana. Talvez tão permeadas dos princípios que regiam a escolástica ou mais permeada pelos valores renascentistas, mas continua sendo uma construção humana. 6.5 Atividades da Aula Nesta aula as principais atividades são as sequências de exercícios. Não há a necessidade de entregar. Procure fazê-los e qualquer dúvida procure o professor. Uma outra sugestão é assistir um vídeo na internet da série “Universo Mecânico”. Você pode assisti-lo em http://www.youtube.com/watch?v=DEi3Xb7oP5A Outra atividade que não é necessário a entrega, mas fica como sugestão de seminário de ensino para esta disciplina, os seminários serão apresentados no final do semestre, é montar uma sequência didática para ensinar o conceito de momento linear para alunos do ensino médio. Uma sugestão de leitura é o volume 1 do livro do GREF. Exercícios 1-) A figura abaixo mostra o dispositivo conhecido como a máquina de Atwood, duas massas ligadas por uma corda de massa desprezável. Usando as leis de Newton demonstre que a aceleração a e a tensão T na corda é dada por: M −m 2m M a= g T= g M m M m 61 2-) Na figura abaixo uma caix de massa m=15 Kg e está suspensa por uma haste, que está presa a um teto por meio de dois fios. Os fios possuem massa desprezáveis. Quais são as trações a-) T 1, b) T2 dos fios e c) a tração na haste que sustenta caixa 3) Um bloco de massa m1=3,7 kg sobre um plano inclinado de 30º está ligado por um fio que passa por uma roldana sem massa e sem atrito a um segundo bloco de massa m 2=2,3 kg suspenso verticalmente, veja figura da ilustração 34. Quais são (a) o módulo e aceleração de cada bloco e (b) a direção e o sentido da aceleração do bloco suspenso? (c ) Qual é a tração no fio? 62 4) 5) 6) 7) 8) 9) Um caçador de 80 kg corre nas savanas africanas, qual a velocidade que ele deve atingir para ter o mesmo momento linear de um quepardo de 40 kg que corre a 100 km/h? Um homem de 75 kg está guiando um carrinho de 39 kg que se desloca com uma velocidade de 2,3 m/s. Ele salta do carrinho com velocidade horizontal nula em relação ao chão. Qual a variação resultante da velocidade do carrinho? Em uma construção um tijolo de 800 g cai de uma altura de 19,6 m. (a) Calcule a força que o bloco exerce sobre o chão se o tempo de desaceleração que o concreto do chão com o bloco fosse de 4,9×10−2 s . (b) Se na mesma situação colocássemos uma rede de proteção sobre o chão que aumentasse o tempo de desaceleração para 9,8×10−1 s , qual seria a força exercida agora? Uma bala de fuzil de massa igual a 20 g atinge uma árvore com a velocidade de 500 m/s, penetrando nela a uma profundidade de 10 cm. Calcule a força média exercida sobre a bala durante a penetração. Um caçador com uma espingarda com sonífero aponta para um macaco dependurado em um galho, o caçador está com o macaco bem no alvo...e dispara! No instante do disparo o macaco se assusta, solta o galho e cai. A bala atinge o macaco? Se atingir, que instante isto ocorrerá dada uma distância d do caçador ao macaco, uma altura h do galho até a espingarda e uma velocidade v0 da bala.(Veja a figura da ilustração 35) Um martelo atinge um prego com velocidade de v, fazendo-o enterrar-se de uma profundidade l numa prancha de madeira. Mostre que a razão entre a força média exercida sobre o prego e o peso do martelo é igual a h/l, onde h é a altura de queda livre do martelo que o faria chegar ao solo com velocidade v. Ilustração 34: Figura do problema 3. 63 Ilustração 35: Ilustração do problema 8. Respostas 2) 3) 4) 5) 6) 7) T2=104 N, T1=134 N na haste 147 N. a- 0,735 m/s2; b- na direção vertical para baixo; c- 20,8 N. 50 km/h. Aumenta 4,4 m/s. a-320 N; b-16 N. 4 2,5×10 N h2 d 2 8) Sim, o tempo é t= v0 Referências FORATO, T. C. M. “A Publicação do OPTICKS” http://www.ghtc.usp.br/Biografias/Newton/Newtonopticks.htm visitado em 15/03/2012. NUSSENZVEIG, H. M. Física Básica, vol. 1, Edgard Blücher, São Paulo, 1996. WESTFALL, R. S. The life of Isaac Newton, Cambridge, University Press, 1993. 64 Aula VII 7.1- Definições de centro de massa Quando pensamos nas leis de Newton sempre falamos onde a força é aplicada, sendo assim, devemos estudar mais detalhadamente o que ocorre com as aplicações de forças em corpos. Para iniciarmos estes estudos é mais simples começarmos com partículas ao invés de corpos extensos. Considerando uma partícula, toda a massa desta partícula está concentrada em um ponto. Vamos estabelecer um sistema de referências para localizar este ponto. Vejamos a figura da ilustração 35, nela uma única partícula com coordenadas (x=1,5; y=1,5), logo o centro de massa da partícula se encontra nestas coordenadas. O centro de massa é uma coordenada ponderada com a massa da partícula. Ilustração 36: Sistema de referências de uma partícula. Se acaso tenhamos duas partículas de massas iguais, m1=m2=m, logo a posição do centro de massa (CM) é dada por CM=(xcm, ycm)=(0,d/2) (veja figura 37). De maneira geral podemos pensar que o centro de massa é a média das posições das partículas ponderadas pelas massas das partículas. Matematicamente: m1 x 1m2 x 2 m x1 x 2 x 1 x 2 0d = = = =d /2 (7.1) m1m2 2m 2 2 No caso de termos muitas partículas, poderemos escrever da seguinte forma: x CM = n ∑ mi x i x CM = i=1n ∑ mi (7.2) i=1 Pensando sobre que as coordenadas não são dependentes entre si encontramos outra expressão para a coordenada y do centro de massa: 65 n ∑ mi y i y CM = i=1n ∑ mi (7.3) i=1 Ilustração 37: Sistema de referências com duas partículas. A figura da ilustração 38 mostra que teremos mais uma coordenada no centro de massa, no caso mais geral. Ilustração 38: Sistema de partículas com centro de massa geral. A importância de tudo isto é o fato de que podemos pensar que os astros a longa distância podem ser entendidos e aproximados a partículas. A figura da ilustração 38 mostra de forma mais clara como podemos entender o efeito da massa das partículas na posição do centro de massa. Talvez surja a pergunta: como tratamos o caso de corpos rígidos? Para pensarmos em uma resposta devemos imaginar que um corpo rígido possui tantos elementos e partes que podemos imaginar contribuições tão pequenas quanto quisermos. A ilustração 40 nos mostra uma distribuição de massa muito pequena em um corpo sem forma definida. 66 Esta ilustração serve para podermos imaginar que a somatória das equações anteriores tornar-se-ão em integrais para o cálculo dos centros de massas de corpos extensos. Assim, as coordenadas x e y do centro de massa serão dadas por: ∫ x dm ; y =∫ y dm (7.4) x CM = CM ∫ dm ∫ dm Mas não se desespere, você ainda está aprendendo derivadas e pode se contentar em apenas ver as integrais relacionadas. Mas, para sua felicidade podemos pensar em algo mais prático. Como que figuras regulares e de densidade uniforme terão seus centros de massa localizados em seus centros geométricos. Ilustração 39: Representação do efeito da massa no centro de massa de um par de partículas. Ilustração 40: Representação de um infinitesimal de massa em uma distribuição espacial de massa. 67 Para o caso de corpos extensos podemos usar um pêndulo para determinar as mediatrizes de uma figura regular. Exemplo A figura abaixo mostra uma chapa de madeira de densidade uniforme, as medidas são indicadas na figura, esta chapa foi retirada de uma chapa maior de medida (0,6 m x 0,8 m) de espessura uniforme. Determine o centro de massa da chapa. Ilustração 41: Chapa uniforme do exemplo. Resolução Vendo a figura chagamos a conclusão que ela não é uma figura geométrica simples (um quadrado ou um retângulo). A primeira coisa que devemos definir na resolução deste tipo de exercício é a orientação dos eixos e do sistema de referência do corpo e dividi-la em figuras geométricas simples. Veja a figura abaixo. Ilustração 42: Sistema de referências na figura do exemplo. 68 Adotamos o centro de referência com origem na quina esquerda da placa. Podemos facilmente encontrar a posição do centro de massa do retângulo 1 de dimensões (0,4 m x 0,8 m) que é (0,4 m; 0,2 m). A posição do centro de massa do quadrado 2 será (0,7 m; 0,5 m). Precisamos determinar a massa dos retângulos 1 e 2 que denominaremos por m1 e m2 respectivamente. Para isto lembraremos que a chapa é uniforme. Logo, com densidade volumétrica ρ constante, como a espessura não muda teremos as seguintes expressões para as massas. m1=Volume 1= Area 1×espessura1=0,4×0,8 m2×espessura 1 (7.5) 2 m2 = Volume2= Area 2×espessura 2=0,2×0,2 m ×espessura 2 (7.6) Como a espessura de ambas as figuras é a mesma podemos chamá-la de d, uma constante. Substituindo nas expressões (7.1) e (7.2) encontramos as seguintes expressões: m1 x 1m2 x 2 d 0,32 m2 x1 0,04 m2 x 2 0,32 m2 0,4 m0,04 m2 0,7 m x CM = = = =0,43 m m1m2 d [0,32 m2 0,04 m2] 0,36 m2 m y m2 y 2 d 0,32 m2 y10,04 m2 y 2 0,32 m2 0,2 m0,04 m2 0,5 m y CM = 1 1 = = =0,23 m m1m2 d [0,32 m2 0,04 m2] 0,36 m2 Note que a posição do centro de massa da figura completa (0,43 m; 0,23 m) é diferente da posição do centro de massa da figura original que seria (0,4 m; 0,3 m). Mas qual seria a importância de se saber o centro de massa? Para responder a esta questão devemos voltar ao enunciado inicial desta aula, quando definimos o centro de massa. Podemos sintetizar que o centro de massa é um ponto no qual toda a massa de um conjunto de partículas ou de um corpo extenso está concentrada. Levando-se em conta esta definição, deveremos escrever novamente o momento linear de um corpo e a segunda lei de Newton para um conjunto de partículas. Vamos definir o vetor posição do centro de massa r CM como o vetor direcionado tendo como elementos as coordenadas tridimensionais do centro de massa de um corpo ou de uma partícula, isto é: r CM =x CM i y CM jz CM k (7.7) Agora, podemos pensar que a massa total de um conjunto de n partículas, M, é a soma é dada individual da massa de cada partícula, isto é, M =m1 m2...m n . A grandeza M r CM por: M r CM =m1 r1m2 r2...mn rn (7.8) Pensando que a posição do centro de massa das partículas pode variar com o tempo se as partículas se deslocam, assim podemos dividir ambos os lados da equação (7.8) por uma variação de tempo t e lembrando que velocidade é a variação da posição com o tempo é a velocidade chegamos em r r1 r2 rn CM M =m1 m2 ...m n =m1 v1m2 v2...mn vn=M v CM (7.9) t t t t Isto equivale ao vetor momento linear do corpo ou do conjunto de partículas. Usando novamente a definição de força discutida na aula passada (6.10), chegamos finalmente onde queríamos: M a CM =m1 a1m 2 a2...m n an = F1 F2 ... Fn (7.10) Isto sintetiza o que começamos a discutir no início da aula. As forças que atuam sobre o corpo ou o conjunto de partículas causaram alterações no movimento do centro de massa do corpo ou do conjunto de partículas. Assim, o movimento dos fragmentos de um projétil que explode pode individualmente deslocar-se para diferentes distâncias. No entanto, o movimento será muito bem descrito pela trajetória do centro de massa (veja a figura da ilustração 43). Como começamos discutindo no início da aula, apesar do centro de massa ser algo que diariamente usamos, a sua formulação teórica não é tão imediata. Uma das atividades da aula de 69 hoje será apresentada em forma de seminário: é uma sequência didática para o ensino do conceito de centro de massa para alunos do ensino fundamental e médio. Ilustração 43: Trajetória dos fragmentos de um projétil e de seu centro de massa (cm). 7.2 - Atividades da aula Uma atividade que não é para o exato momento desta aula é a elaboração de uma sequência didática para o ensino do conceito de centro de massa para alunos do ensino fundamental e médio. Como qualquer sequência você precisa descrever: 1. O que você espera que o aluno já saiba. 2. Os materiais que você utilizará. 3. Como será feita a aula. 4. Como você verificará o aprendizado dos alunos. Você deverá entregar o material com estes elementos para o professor uma semana antes da data marcada para a apresentação. Outra e costumeira atividade desta aula são os exercícios que são uma forma de você verificar se entendeu o conceito apresentado. Não é necessário a entrega dos mesmos, no entanto, é de fundamental importância que você faça-os. Exercícios 1-) Qual a distância do centro de massa do sistema Terra-Lua ao centro da Terra? Expresse esta resposta como uma fração do raio da Terra. Dados: Massa da Terra- 5,98 x 10 24 kg, massa da Lua – 7,36 x 1022 kg, use a distância Terra-Lua e o raio da Terra obtidos na aula II. 2-) Quais são as coordenadas a) x b) y do centro de massa do sistema de três partículas mostrado na figura abaixo? c) O que ocorrerá com a posição do centro de massa se aumentarmos gradativamente a massa da partícula B? Dados massas mA=3 kg; mB=8 kg, mC= 4 kg 70 3-) Uma partícula de 2 kg tem coordenadas xy (-1,2m; 0,5m) e uma partícula de 4 kg tem coordenadas xy (0,6m; -0,75 m). Ambas estão em um plano horizontal. Em que coordenadas a) x e b-) y deve ser posicionada uma terceira partícula de massa 3 kg para que o centro de massa do sistema de três partículas tenha coordenadas (-0,5m; -0,7 m)? 4-) Um molécula de água possui um comprimento da ligação entre o átomo de hidrogênio e oxigênio dado por 9,6 nm (1 nm = 1x10 -9 m). Colocando o sistema de referências como mostra a figura da ilustração 44 calcule a posição do centro de massa da molécula de água. As massas estão em unidades de massa atômica. Ilustração 44: Sistema de referência em uma molécula de água H2O. 5- Na molécula de metano (CH4) da figura da ilustração 45, três átomos de hidrogênio (H) formam um triângulo equilátero na base inferir, com o centro do triângulo a uma distância d=9,4 x 10-11 m de cada átomo de hidrogênio. O átomo de carbono (C) está no triângulo e um último átomo de carbono localiza-se no vértice superior da pirâmide. A razão entre as massas do nitrogênio e do hidrogênio e de 13,9, e a distância hidrogênio-nitrogênio é L=10,14 x 10-11 m. Quais são as coordenadas a-) xcm e b-) ycm do centro de massa da molécula? 6-Ricardo com 80kg de massa, e Carmelita, que é mais magra, estão passeando em um lago em uma canoa de 30kg. Com a canoa parada em águas tranquilas, eles trocam de lugar. Seus bancos estão a 71 3,0m de distancia e simetricamente dispostos em relação ao centro da canoa. Ricardo observa que durante a troca a canoa se deslocou de 40cm em relação a um tronco e calcula a massa de Carmelita. Qual foi o resultado de Ricardo? Ilustração 45: (a) Modelo ilustrativo da molécula de metano do exercício 5. (b) Representação da molécula como "bolinhas". Respostas 1-) Aproximadamente 4.600 km; 0,73 RT. 2-)a- 2,133 cm; b- 1,6 cm; c- ele manterá a posição em x e aumentará gradativamente a posição em y. 3-) a- -1,5 m; d- -1,43 m. 4-)x=6,5 x 10-10 m, y=0 m 5-) a- 0; b- 3,13 x 10-11 m. 6-) Aproximadamente 58 kg. 7.3 - Referênciais HALLIDAY D., RESNICK R. & MERRIL, J. Fundamentos da Física, vol.1, 8 ed., LTC, Rio de Janeiro, 2009 NUSSENZVEIG, H. M. Física Básica, vol. 1, Edgard Blücher, São Paulo, 1996. 72 Aula VIII Nesta aula iremos aprender outro e importante conceito da Mecânica, a conservação da energia. Para tanto deveremos pensar qual o significado da palavra energia. Atualmente esta palavra é muito usada no cotidiano moderno. Temos a energia elétrica, as fontes de energia renováveis, as fontes de energia por combustíveis fósseis e etc. Com o advento do raciocínio de sociedade sustentável todos estes conceitos entraram no jargão de todo o homem moderno. Todas estas palavras, no entanto, se baseiam na mesma ideia, no mesmo conceito: o conceito de energia. O conceito de energia da maneira que pensamos hoje só foi elaborado por volta do século XIX, o médico Julius Robert Mayer na década de 1840 tinha chegado à ideia de uma entidade nos seres vivos que se conservava. Ele tinha observado a diferença entre a temperatura do sangue venoso e arterial (NUSSENZVEIG, 1996) e enunciou algo semelhante usando um conceito de força viva. Quem elaborou muito bem esta ideia e estabeleceu um critério de equivalência entre calor e trabalho mecânico foi o inglês James Prescott Joule (1818-1889). Mas antes de encontrarmos mais detalhes históricos, que existem em vários livros, vamos pensar em um conceito também abstrato. O conceito de trabalho. 8.1-Trabalho aplicada à um corpo de massa m se desloca uma distância d, podemos Se uma força F pensar em uma grandeza que mede “o efeito” que o elemento (pessoa ou máquina) que realizou esta ação. Esta grandeza denominaremos de trabalho e representaremos pela letra W. Podemos pensar que quanto maior a distância percorrida maior será a quantidade desta grandeza e no mesmo sentido, quanto maior a força, maior será a grandeza. Então chegamos na expressão: ⋅d (8.1) W =F Note que o produto na expressão (8.1) é um produto vetorial pois, se pensarmos na força, a grandeza terá um valor dependente da natureza do ângulo de aplicação da força. Ilustração 46: Ilustração do trabalho realizado por uma força. Podemos pensar que, se a força tenha uma direção perpendicular ao corpo, não haverá deslocamento na direção horizontal. Sendo assim, podemos ter a seguinte expressão já conhecida do produto escalar. 73 W =∣ F∣∣ d∣cos (8.2) Como aprendemos no curso de vetores a grandeza W é um escalar, ou seja, pode ser expressa apenas por um número. A expressão (8.2) também nos indica uma informação interessante sobre a grandeza W, ela pode ser positiva ou negativa. O que podemo nos indicar que a entidade que causa a força realiza trabalha ou a entidade recebe trabalho. A unidade de W é o Joule (J), ou seja: 2 m 1 J =1 N ×1 m=1kg 2 (8.3) s 8.2 O trabalho realizado por uma força variável Imaginemos que uma força varia com o espaço, como mostra a figura da ilustração 47. Ao contrário da velocidade, que era o coeficiente angular da curva do gráfico espaço versus o tempo. O trabalho pode ser entendido como a área sob a curva do gráfico força versus espaço. Ou seja, o mesmo raciocínio que fizemos no caso do gráfico da velocidade versus o tempo. Ilustração 47: Representação gráfica do trabalho de uma força variável. Podemos descrever o trabalho através de uma expressão matemática, que a princípio não conhecemos muito bem, que é a integral de uma função. xf W =∫x F x dx (8.4) i Vamos fazer alguns exemplos usando algumas forças que conhecemos até o momento. Exemplo 1. O trabalho da força peso, podemos perceber em um corpo abandonado em um ponto qualquer acima da Terra cairá em direção à Terra, mesmo o sistema de orientação da figura crescer para cima o deslocamento do corpo é no sentido da força, logo o trabalho realizado pela força peso será: 74 W =mg j. y j=mgy cos 180° =−mgy (8.5) Note que para se fazer o corpo subir com relação à Terra é necessário uma força que realiza um trabalho positivo. Ilustração 48: Representação da ação da força peso w em um corpo nas proximidades da Terra. Exemplo 2. O trabalho da força elástica Olhando a figura da ilustração 49 temos a ação de uma mola atuando sobre um corpo, note que a mola sempre tende a voltar à posição inicial, contrária à mudança x. Por esta razão chamamos esta força de restauradora. Assim, temos: =−kx x (8.6) F O sinal negativo é para indicar o carácter restaurador da força elástica. A grandeza x é chamada de elongação e indica o quanto a mola se desloca da posição de repouso, x pode ser tanto positiva quanto negativa. A constante k é característica da mola e diz qual a força necessária para realizar uma elongação Assim temos a seguinte expressão para o trabalho realizado por uma força elástica para gerar um deslocamento entre uma posição x 1 e uma posição x 2 . x x x 22 x 12 k x 21 k x 22 (8.7) W =∫x F d x =−k ∫x x dx=−k [ − ]= − 2 2 2 2 No presente momento você pode não entender muito bem como chegamos na expressão (8.7), mas por este momento podemos pensar que isto surge com um tratamento geométrico 2 2 1 1 75 semelhante ao feito na aula III. Ilustração 49: Figura ilustrando a força de uma mola. Podemos fazer um gráfico da força elástica versus a elongação e teremos o gráfico da ilustração 50.. Ilustração 50: Gráfico ilustrativo da força elástica versus a elongação de uma mola. A área sob a curva pode ser facilmente associada à equação (8.8); deixarei como exercício a demonstração deste fato. Antes de pensar mais sobre forças que geram trabalho, poderíamos pensar em situações nas quais a força não exerce trabalho. Uma das forças que não exerce trabalho é a força normal, pois a mesma é sempre perpendicular à superfície de contato. Lembre-se de que, na Aula VI, já discutimos que a força normal é uma força de contato. 76 Veja a figura da ilustração 51 onde temos um esquimó puxando trenó no gelo, ou seja, gera um trabalho com o deslocamento do praticamente sem atrito. Nesta situação a força F trenó. No entanto, a força normal F n não gera trabalho já que é perpendicular ao deslocamento, ou seja, o ângulo entre F n e o deslocamento é de 90º e o cosseno deste ângulo é nulo. Uma forma de você pensar nas forças atuantes no corpo é de decompô-las como ilustra a figura 51. Ilustração 51: Figura ilustrando um esquimó puxando um trenó. Outra força que por definição não realiza trabalho é a força de atrito que é contrária ao movimento e logicamente ao deslocamento. Desta forma, a força de atrito é uma força que não gera trabalho e é entendida como uma força dissipativa como veremos a seguir quanto formalizarmos o conceito de energia. 8.3 A função potencial Como afirmei anteriormente a grandeza W é um número e, como você aprenderá em breve, um dos resultados mais importantes do cálculo diferencial e integral é que a integral possui o comportamento inverso da derivada. Como podemos pensar que a integral associa um valor de um dado conjunto a um outro valor de outro conjunto, podemos pensar em uma função integral e o resultado de uma integral deve ser também uma função. Assim, a expressão (8.4) é a diferença entre dois pontos de uma função. Assim, poderíamos pensar em uma função que dependesse apenas da posição que chamaremos de potencial, vamos 77 estabelecer também um sentido em função da discussão inicial sobre a orientação da força na realização do trabalho. Dentro de um círculo fechado podemos pensar que o trabalho total realizado por uma força é nulo. Veja a figura da ilustração 52, nela temos que se definimos uma orientação para um dado caminho, se este caminho é fechado, o trabalho realizado por uma força F neste caminho será nulo pois a contribuição do caminho A que liga os pontos 1 e 2 será a mesma do caminho B que liga os pontos 2 e 1 mas com sinal contrário. Logo, podemos afirmar que o trabalho total é nulo. Note que na figura da ilustração 52 temos um caminho e não um gráfico no sentido que tínhamos anteriormente. Ilustração 52: Definição da orientação de um caminho para o cálculo do trabalho de uma força. Neste sentido a função que procuramos, que deve ser uma função que dependa apenas da posição, será uma função que deverá levar este fato em conta. Por motivos que agora ainda são obscuros, apresentarei a maneira formal de se escrever esta função que é: U 2−U 1=−W (8.8) Chamaremos esta função U(x) de potencial da força F, note que esta função depende apenas da posição final e inicial da partícula. Surge mais algumas particularidades interessantes para podemos escrever esta função. A primeira delas é que somente podemos escrever a função potencial para as chamadas forças conservativas, aquelas para qual um caminho qualquer o trabalho realizado não seja nulo em um caminho aberto. A segunda particularidade é que a função potencial surge com uma relação direta com a força que é dada por: U x =−∫ F d x (8.9) Mais a diante você entenderá a importância desta expressão e verá que podemos generalizar a expressão (8.9) para dimensões maiores. 8.4 A energia cinética Temos mais uma coisa a pensar sobre o trabalho e o potencial que escrevemos na seção 78 anterior, o potencial é algo que depende apenas das posições, não faz diferença se você me fala como você fez o caminho entre os dois pontos, apenas me diga estes pontos e a natureza da força que atua nesta região do espaço que eu te direi uma grandeza necessária para realização desta tarefa. Podemos entender assim da forma de uma energia potencial. No entanto, um corpo pode realizar este caminho mais rápida ou lentamente, e isto tudo depende de sua velocidade, então, temos uma nova grandeza que depende da velocidade. Professor Moysés cita que durante muitos anos as pessoas discutiam sobre como seria a forma desta grandeza, se seria na forma de mv ou mv2, onde m é a massa do corpo e v a sua velocidade. Já apresentamos na aula VI o conceito de momento linear mv que Newton formulou, no entanto, Descartes e outros acreditavam em uma “força viva” que seria na forma de mv2. No fim das contas, ambos estavam corretos no entanto, se referindo a grandezas diferentes. O momento linear e a energia cinética. Vamos definir energia cinética como sendo a grandeza K dada por: mv 2 (8.10) K= 2 Assim, teríamos que um corpo de mesma massa necessitaria de energia cinética diferente para se deslocar a velocidades lineares diferentes e automaticamente possuiria diferente energia cinéticas. Se você é observador logo se questionará se não é a mesma coisa o momento e a energia cinética. Ou ainda se nas mesmas situações onde uma grandeza se conserva a outra também se conservará. No entanto, nem sempre quando o momento linear se conserva a energia cinética se conserva. Note que a condição para que o momento linear se conserve é que somatória de forças externas ao sistema seja nula. Note que nesta situação falamos de somatória de forças, pois a grandeza momento linear é um vetor. No entanto podemos ter situações nas quais exista um somatório de forças nulas e o momento se conserve e mesmo a assim a energia cinética não se conservará. Estas são as situações nas quais existem forças dissipativas, como o atrito. Nela, a força de atrito pode se equilibrar com outra força e, no entanto, a energia cinética não se conservará. Então, quando não temos forças dissipativas no sistema, a Energia cinética tenderá a se conservar. Então surge o nome de energia conservativa. 8.5 A conservação da energia mecânica Vamos usar agora a segunda lei de Newton e uma conhecida expressão da cinemática para encontrarmos uma relação entre a energia cinética e a força. Vamos usar a equação de Torricelli que associa que um corpo que se desloca de uma velocidade inicial v 0 para uma velocidade final v e que durante sua aceleração de valor a o corpo percorre uma distância x possui a seguinte relação entre todas estas grandezas: 2 2 v =v 02a x (8.11) Podemos rearranjar a equação (8.11) e encontrar uma expressão para a aceleração dada por: v 2−v 20 (8.12) a= 2 x Usando a segunda lei de Newton sabemos que uma força conservativa aplicada à um corpo gera uma aceleração E podemos escrevê-la da seguinte forma: F =ma (8.13) Vamos substituir a expressão (8.12) em (8.13) e verificarmos qual a nova expressão obtida 2 2 v −v o (8.14) F =m 2 x [ ] 79 Podemos passar o x para o lado esquerdo da equação e teremos a seguinte expressão. 2 2 [v −v o] (8.15) F x =m 2 O lado esquerdo da equação é antigo conhecido nosso, é o trabalho realizado pela forma F e m v2 o valor é a energia cinética no fim do deslocamento, ou seja no ponto final. E assim, 2 teremos que a grandeza no lado direito da equação (8.15) é a variação da energia cinética entre o ponto final e inicial que chamaremos de K . Assim: F x =W =K −K 0= K ⇒W = K (8.16) A última expressão é conhecida como o teorema trabalho energia cinética que nos diz: “que o trabalho realizada por uma força conservativa é igual a variação da energia cinética do corpo cuja a força atua”. Vamos novamente definir um caminho entre dois pontos 1 e 2, e a energia cinética no ponto 1 é K 1 e a energia cinética no ponto 2 é K 2 . Usando a expressão (8.8) chegaremos em uma interessante relação entre energia cinética e potencial. U 2−U 1=−W =− K 2−K 1= K 1−K 2 (8.17) Podemos com algumas manipulações chegar em uma expressão muito interessante E 1=U 1K 1=U 2K 2=E 2 . Neste passo apenas explicitamos a existência de uma grandeza que definimos como E i onde i indica o ponto referido, esta grandeza chamamos de energia mecânica. Note que a energia mecânica no ponto 1 é igual à energia mecânica no ponto 2. É como se tivéssemos duas caixas com várias coisas que podem ser colocadas dentro delas, a quantidade de coisas dentro de cada caixa pode variar, no entanto, o total de coisas nas duas caixas deve permanecer o mesmo. Façamos alguns exemplos. Exemplo 3: Uma pedra de massa m parte do repouso do alto de um tobogã gelado de uma altura h igual a 8,5 m acima da parte mais baixa do tobogã. Suponha que o atrito seja desprezível, pela presença do gelo, encontre a velocidade com que a pedra chega a parte de baixo do tobogã. Ilustração 53: Figura ilustrando o exemplo 3 de uma pedra deslizando em um tobogã. Resolução Ao contrário dos problemas com plano inclinado este problema não nos permite calcular a aceleração da pedra e assim obter a velocidade da pedra na parte debaixo do tobogã, pois não sabemos a declividade (ângulo) precisa do tobogã. As forças que atuam na pedra são a força gravitacional que é uma força conservativa e realiza trabalho sobre a pedra e a força normal que não realiza trabalho, mas não é dissipativa. Podemos considerar o sistema pedra-Terra como isolado e assim verificarmos que a energia nesta 80 situação se conserva. Assim a energia mecânica no alto do tobogã Ea deve ser a mesma da energia mecânica embaixo do tobogã Eb. Ea=Eb Escrevendo em termos das contribuições cinética e potencial teremos 1 2 1 K aU a=K bU b , o que equivale a, mva mgya = mv2bmgyb como a velocidade no 2 2 topo do tobogã é nula e a diferença entre as posições verticais no topo e na base do tobogã correspondem a altura do mesmo, teremos a velocidade embaixo v b dada por: 2 2 v b =2gh ⇒ v b= 2×9,8 m/ s ×8,5 m=13 m/ s . O problema do exemplo anterior seria muito complicado apenas com as leis de Newton. No entanto, fica simples usando as leis de conservação e esta é uma das vantagens do uso desta abordagem. Nos exercícios desta aula você poderá treinar mais ainda esta formulação. Não se esqueça de fazer as leituras sugeridas nas referências bibliográficas visto que somente este texto das notas de aula não será o suficiente. 8.6 Algumas reflexões sobre a conservação da energia mecânica Em nosso dia a dia é muito comum ouvirmos falar sobre energia, economizar energia elétrica, a energia potencial das quedas d'água se transformando em energia elétrica, a energia vital dos seres vivos e assim por diante. Muitos destes tipos de energia possuem uma conotação mais mística do que científica, no entanto, não é difícil de perceber que o conceito de energia mecânica é algo abstrato, uma construção feita pela mente humana para facilitar a resolução de problemas complexos da natureza. A conservação da energia é um dos trunfos da Física e de seu poder de previsibilidade. Muitas vezes quando se percebia um fenômeno no qual poderia ser quebrada esta lei, se procurou outra forma de representação para facilitar a construção e preservação deste fenômeno, exemplo que você verá no futuro é o potencial vetor no eletromagnetismo (GRIFFITHS, 1999). Para o cidadão moderno conseguir entender que a despeito da energia se conservar devemos economizar energia parece um paradoxo que discutiremos na disciplina de Termodinâmica quando estudarmos o conceito de Entropia e a chamada “seta” do tempo. O conceito de seta do tempo nos diz que a energia se conserva, mas assim como o par energia cinética e potencial, a energia total pode se tornar uma outra forma de energia que não nos é útil, não pode ser reaproveitada. Nesta aula discutimos apenas a energia mecânica, mas o enunciado da conservação da energia é válido para várias outras situações, guardadas as restrições da natureza das forças. 8.7 - Atividades da aula Nesta aula deixarei como sugestão de seminário uma sequência didática que ensine e ilustre situações onde a conservação da energia mecânica é verificada. É interessante o uso de experimentos. A sequência deve ser direcionada para alunos do ensino médio. Nesta aula recomendo fortemente que façam todos os exercícios sugeridos que seguem abaixo. Exercícios Questão 1 - Um projétil de massa de 2,4 kg é disparado para cima do alto de uma colina de 125 m de altura, com uma velocidade de 150 m/s e num direção que faz um ângulo de 41° com a 81 horizontal. (a) Qual a energia cinética do projétil no momento em que é disparado? (b) Qual é a energia potencial do projétil no mesmo momento? Suponha que a energia potencial é nula na base da colina. (c) Determine a velocidade do projétil no momento em que atinge o solo. Supondo que a resistência do ar possa ser ignorada, a resposta acima depende da massa do projétil? Questão 2 No sistema da figura, M=3kg, m=1kg e d=2m. O suporte S é retirado num dado instante. (a) Usando conservação a energia ache com que velocidade M chega ao solo. (b) Verifique o resultado, calculando a aceleração pelas leis de Newton. Ilustração 54: Figura da questão 2. Questão 3 Uma mola pode ser comprimida 2 cm por uma força de 270 N. Um bloco de 12 kg de massa é liberado a partir do repouso do alto de um plano inclinado sem atrito, cuja a inclinação θ=30° (figura abaixo). O bloco comprime a mola 5,5 cm antes de parar. (a) Qual a distância total percorrida pelo bloco até parar? (b) Qual a velocidade do bloco no momento em que se choca com a mola? Ilustração 55: Figura da questão 3. 82 Questão 4 Um garoto quer atirar um pedregulho de massa igual a 50 g num passarinho pousado num galho a 5 m a sua frente e 2 m acima do seu braço. Para isso, utiliza um estilingue em que cada elástico se estica de 1 cm para uma força aplicada de 1 N. O garoto aponta numa direção a 30° da horizontal. De que distância deve puxar os elásticos para acertar no passarinho? Questão 5 Um pêndulo é afastado da vertical de um ângulo de 60° e solto em repouso. Para que ângulo com a vertical sua velocidade será a metade da velocidade máxima atingida pelo pêndulo? Respostas 1-a- 27 kj; b- 2,94 kj c-) 158 m/s 2- 4,43 m/s 3-a-) aproximadamente 35 cm b) 1,85 m/s 4-21,5 cm 5- acos(5/8)=51,3° 8.8-Referência Griffiths, D. J. Introduction to eletrodynamics, Prentice Hall, New York, 1999. Halliday D., Resnick R. & Merril, J. Fundamentos da Física, vol.1, 8 ed., LTC, Rio de Janeiro, 2009 Nussenzveig, H. M. Física Básica, vol. 1, Edgard Blücher, São Paulo, 1996. 83 Aula IX Nesta aula iremos aplicar os conceitos que construímos até o momento sobre conservação do momento linear, conservação da energia e centro de massa no estudo um importante fenômeno que são as colisões. O domínio da teoria que descreve a natureza das forças presentes em colisões permitiu a modelagem desde o núcleo atômico até a compreensão da natureza das estrelas distantes. Assim, a compreensão desta teoria é fundamental para a compreensão da Física do nosso dia a dia. 9.1 - Definição de colisão Podemos definir colisão como é utilizado em muitos livros clássicos de ensino de graduação (Halliday, 2009) que afirma o seguinte: Uma colisão é um evento isolado no qual dois ou mais corpos (os corpos que colidem) exercem uns sobre os outros forças relativamente elevadas por um tempo relativamente curto. (Halliday, 2009) Note que nesta definição não existe necessariamente a “batida” conhecida por nós, pode não haver contato direto. Nos exemplos dados por Halliday o caso de um corpo vagando no espaço e interagindo com um planeta pode ser entendido como uma colisão. O mesmo vale para colisões com núcleos de átomos. Outra coisa que devemos estar atentos neste tipo de definição é o significado da palavra “relativamente”, pois a mesma sempre relaciona dois entes ou mais em uma frase. As forças relativamente elevadas são relativas a quem? Assim, a bancada de um tiro em uma parede pode ser relativamente elevada em relação à força de contato que uma pessoa faz com a parede antes do tiro atravessar seu peito. Mas esta força é infinitamente menor do que a força causada pela atração gravitacional entre o Sol e a Terra. O mesmo vale para os tempos. Como citamos na aula VI para se descrever colisões e explosões acabou-se por definir uma grandeza mais apropriada para dizer o que se inicia um movimento. A grandeza impulso, definida como J e expressa por: P f − P i = J (9.1) Podemos também associar a uma força que atua em um pequeno intervalo de tempo e, melhor ainda, associar o impulso à uma força média F méd que atua em um intervalo muito curto como mostra a figura da ilustração 32. Podemos agora usar também nossos conhecimentos aprimorados de cálculo e afirmar que: t ∣ J ∣=∫ F t dt (9.2) f ti Eu insisto que você não precisa necessariamente saber o que é uma integral e o seu significado para utilizar o conceito de impulso. Outro fator interessante que nos ajudará bastante é notar que o impulso possui coordenadas, já que o mesmo é um vetor. P fx −P ix= J x , (9.3) P fy −P iy= J y (9.4) onde: o primeiro subíndice indica se o momento é final (f) ou inicial (i) e o segundo subíndice indica qual o eixo que está sendo tratado. Então, devemos agora pensar em termos das leis de conservação que aprendemos até o momento para descrever as colisões que queremos trabalhar. As figuras das ilustrações 56 e 57 mostram dois exemplos de colisões importantes, o primeiro mais comum, mas não menos importante (colisão de bolas de bilhar) e o segundo menos 84 comum e repleto de uma Física muito importante, as colisões entre partículas, no entanto, as bases estão todas presentes na colisão das bolas de bilhar. Ilustração 56: Exemplo de colisão simples. O bilhar. Ilustração 57: Exemplo mais complexo de colisão. Uma câmara de bolhas. 9.2 – A quantidade de movimento e energia cinética em colisões unidimensionais Vamos começar discutindo as situações mais simples para entendermos as duas principais grandezas do movimento. Imagine um sistema de dois corpos que se chocam. Para que efetivamente haja uma colisão, um dos dois deve estar se movendo, portanto o sistema possui certa quantidade de momento linear antes da colisão. No sistema a energia cinética pode se conservar juntamente com o momento linear, ou somente a energia cinética se conservar ou somente o momento linear se conservar, ou ambos não se conservarem. Para facilitar a nossa vida vamos imaginar uma situação na qual o sistema é fechado (não há massa entrando nem saindo dos corpos envolvidos na colisão) e isolados (não há forças externas resultantes atuando sobre os corpos do sistema). Quando a energia cinética total do sistema se conserva afirmamos que se trata de uma colisão elástica. Imagine que o movimento geral do sistema permanece. Mas, na verdade este tipo de colisão é muito rara no nosso dia a dia. Quando carros colidem parte da energia cinética que eles possuíam antes da colisão se torna som (barulho), calor e então a energia não se conserva. Situações nas quais a energia cinética não se conserva são chamadas de colisões inelásticas. Uma característica que identifica se uma situação se aproxima de uma colisão inelástica é que os corpos após a colisão permanecem juntos e assim perdem energia cinética. Normalmente bolas de basquete muito bem calibradas ao serem soltas de sua mão colidem com o chão e voltam quase que na mesma altura que caíram. Se não houvesse atrito e perda de energia, isto sempre ocorreria. Assim, podemos aproximar algumas situações a casos onde a energia cinética é quase elástica. 85 O momento linear total de um sistema fechado, independentemente do que ocorre com a energia cinética total do sistema, sempre se conserva. Pois, por definição assumimos que não existem forças externas. Podemos enunciar a seguinte regra. Em um sistema isolado e fechado, contendo uma colisão, a quantidade de movimento linear de cada corpo que colide pode variar, mas a quantidade de movimento linear total do sistema não pode variar, seja a colisão elástica ou inelástica. Ilustração 58: Dois carros após uma colisão quase frontal, este é um exemplo de colisão quase totalmente inelástica. 9.2.1 – Colisões inelásticas em uma dimensão Colisões unidimensionais (em uma dimensão) são colisões que ocorrem sempre em um único eixo. Podemos observar as duas caixas da figura da ilustração 59 abaixo. Nesta situação a única grandeza que podemos afirmar categoricamente que se conserva é o momento linear então podemos escrever apenas uma equação 86 Ilustração 59: Os corpos 1 e 2 se movem ao longo de uma eixo x, antes e depois de terem uma colisão inelástica. P1i P2i= P1f P2f (9.5) Como estamos apenas em uma dimensão podemos eliminar as setas dos vetores e entender que se trata apenas das componentes dos vetores e lembrando que o momento linear é o produto da massa pela velocidade reescreveremos a equação (9.5) e obteremos. m1 v 1i m2 v 2i =m1 v1f m 2 v 2f (9.6) Pode parecer um resultado não muito útil, mas se sabemos a massa dos corpos e a velocidade dos mesmos antes da colisão e apenas uma velocidade após a colisão podemos descobrir a outra velocidade. Para o caso particular de uma colisão completamente inelástica ambos os corpos andarão com a mesma velocidade teremos a seguinte expressão. m1 v 1i m2 v 2i = m1m2 V (9.7) m v m2 v 2i V = 1 1i (9.8) m1m2 Assim se sabemos a massa dos corpos e a velocidade de ambos, podemos prever a velocidade do sistema após a colisão. Algo interessante que podemos pensar também é o comportamento da velocidade do centro de massa do sistema que colide de forma inelástica. Podemos imaginar que o momento antes é a soma individual dos momentos dos corpos que colidem e após é o momento do conjunto, assim: P P2 m1 v 1im2 v 2i P1 P2=m1m 2 V ⇒V = 1 = (9.9) m1m2 m1m2 Na expressão (9.9) é mais ou menos evidente de que o termo da direita é a velocidade do centro de massa do sistema, é interessante observar que a velocidade do centro de massa não se altera neste tipo de colisão. Outro ponto interessante que devemos ter em mente é que como tratamos de um sistema isolado, há sempre a conservação do momento linear, tanto se a colisão for elástica ou inelástica. Vamos tomar um exemplo clássico, o pêndulo balístico. Exemplo 1 Alguns anos atrás a medida da velocidade de um projétil era feita usando um pêndulo suspenso de massa M, sabendo-se que a massa do projétil é m, após a colisão o pêndulo sobe para uma posição h, é possível saber a velocidade vi do projétil. Vejamos como: Antes da colisão o momento linear total do sistema P é a soma do momento linear do projétil P p com o momento linear do pêndulo P M , assim: 87 Ilustração 60: Figura mostrando um pêndulo balístico P = P p PM =m viM 0=m vi (9.10) Após a colisão o momento linear total do sistema se conserva pois não há forças externas atuando no sistema. E logo em seguida temos a seguinte expressão para o momento. P =mM V (9.11) Como estamos em um sistema unidimensional podemos determinar o módulo da velocidade do conjunto projétil pêndulo, V, substituindo a expressão (9.10) e (9.9) e obteremos. m V= v (9.12) M m i Nesta situação durante a colisão a energia não se conservará, mas a energia se conservará após a colisão. A energia mecânica na posição A, E mA , é igual a energia mecânica na posição B, B E m . Então, teremos: A B E m =E m (9.13) mM 2 mM 2 V mM g0= 0 mM gh (9.14) 2 2 2 V =2gh ⇒ V = 2gh (9.15) De posse da equação (9,15) podemos obter a velocidade do projétil substituindo na equação (9.12). m M m v i= 2gh ⇒v i = 2gh (9.16) M m m Assim, sabendo a altura máxima que o pêndulo atinge e as massas m e M. Podemos determinar a velocidade do projétil. 9.2.2 – Colisões elásticas em uma dimensão No caso das colisões perfeitamente elásticas a energia cinética total antes e depois da colisão irá se conservar, isto não quer dizer que a energia cinética de cada corpo não se altere, mas a energia cinética total do sistema se mantém. Imaginemos que no caso ilustrado da figura 59 ocorresse fosse uma colisão elástica, imagine agora que o segundo objeto inicialmente possui velocidade nula, pela conservação do momento linear teremos: m1 v 1i =m1 v 1f m2 v 2f (9.17) Antes da colisão apenas o corpo 1 possui velocidade (automaticamente momento), após a colisão ambos se movimentam. Pela conservação da energia cinética total teremos: m1 v 21i m1 v 21f m2 v 22f (9.18) = 2 2 2 Vamos usar a expressão (9.17) para equacionar a velocidade da partícula 2 em termos da 88 partícula 1. m1 v 1i −v 1f =m2 v 2f (9.19) Tomando a expressão (9.18) e remanipulando-a encontramos 2 m1 v 1i −v 1f v 1i v 1f =m2 v 2f . Vamos tomar esta expressão e dividi-la por (9.19) e fazendo um pouco de álgebra, obteremos uma expressão que relaciona a velocidade final de cada uma das partículas em termos da velocidade inicial da partícula 1. 2 m1 v 2f = v (9.20) m1m2 1i m −m 2 v 1f = 1 v (9.21) m1 m 2 1i Observando a equação (9.20) vemos que v 2f é sempre positivo (corpo-alvo com massa m2 sempre se move para frente). Da equação (9.21) vemos que a velocidade final do projétil pode ser tanto positiva quanto negativa. Montaremos então algumas situação especiais para analisarmos. 1- massas iguais: Se m 1=m 2 , a equação (9.21) reduz a dois resultados, v 1f =0 , ou seja, o projétil pará de se movimentar. Da equação (9.20) temos v 2f =v 1i , ou seja, o alvo se movimenta com a velocidade inicial do projétil. 2- massa do alvo muito maior do que a massa do projétil: Se m2 ≫m1 , a equação (9.21) resulta em v 1f ≈−v 1i , ou seja o, o alvo “ricocheteia” e retorna com mesma velocidade. Outro resulta da (9.20) é que v 2f ≈0 ,ou seja, o alvo não se move, o alvo nem “sente” a colisão. 3- massa do projétil muito maior do que a massa do alvo: Se m1 ≫m2 , a equação (9.21) resulta em v 1f ≈v 1i , o que significa que o projétil segue sua trajetória quase sem mudança na velocidade, o projétil não “sente” a colisão com o alvo. Da (9.20) temos que v 2f ≈2 v 1i , o que significa que o alvo é “arremessado” com o dobro da velocidade com que o alvo colidiu. Este são resultados interessantes no dia a dia, agora vejamos o caso de colisões bidimensionais. 9.2 – A quantidade de movimento e energia cinética em colisões bidimensionais O movimento mais geral é o tridimensional. No entanto, podemos tratar o movimento bidimensional e verificar as formas análogas. Neste momento estudaremos o movimento bidimensional. Quando dois corpos colidem, os impulsos de uma sobre o outro determinam as direções nas quais eles irão se deslocar após a colisão. Em particular, quando a colisão não é frontal, os corpos acabam não se deslocando ao longo dos seus eixos iniciais. Para tais colisões bidimensionais em uma sistema isolado e fechado, a quantidade de movimento linear total ainda tem que se conservar: P1i P2i = P1f P2f (9.22) Se a colisão também for elástica (um caso especial), a energia cinética total também se conserva: Ec1i Ec2i =Ec 1f Ec2f (9.23) A equação (9.22) muitas vezes é interessante em ser escrita em termos de coordenadas xy do espaço. A figura da ilustração 61 mostra uma colisão depois da qual surgem velocidades finais com duas coordenadas. O corpo 1 possui inicialmente velocidade v 0 enquanto que o corpo de massa dois encontra-se em repouso, após a colisão os corpos seguem em direções diferentes. Fazendo a 89 decomposição dos vetores temos a seguinte expressão originária da (9.22) na direção x. m1 v 0=m1 v 1f cos1 m 2 v 2f cos 2 (9.24) Como o corpo 1 não se deslocava na vertical inicialmente temos a seguinte expressão para a direção y. m1 v 1f sen 1 −m2 v 2f cos 2 =0 (9.25) Observando a equação (9.23) podemos escrever uma nova equação envolvendo as velocidades dos corpos. m1 v 20 m1 v 21f m2 v 22f (9.26) = 2 2 2 Ilustração 61: Figura de uma colisão bidimensional. O sistema de equações envolvendo as equações (9.24) a (9.26) pode ser completamente resolvido desde que se saibam ao menos 4 das 7 variáveis envolvidas neste sistema. Este procedimento pode ser muito útil em diversos ramos da Ciência e da Tecnologia. 9.3 Atividades da aula Nesta aula as atividades serão os exercícios sugeridos para resolução, não se esqueça de tentar resolver todos tanto desta aula como das anteriores. Exercícios 1-) Uma projétil de 9,5 g atinge um pêndulo balístico de massa 5,4 kg fazendo o levantar-se 6,3 cm. Qual a velocidade do projétil imediatamente antes da colisão? 2-) Um lutador de Karatê aplica um golpe para baixo com seu punho ( de massa 0,7 kg), conseguindo quebrar uma tábua de 0,14 kg de massa. O lutador depois faz o mesmo com uma laje de 3,2 kg. As constantes de mola à flexão k são iguais a 4,1 x 104 N/m para a tábua e 2,6 x 10 6 N/m para a laje de concreto. A ruptura ocorre para uma flexão de 16 mm para a tábua e 1,1 mm para a laje de concreto. a-) Qual a energia armazenada no objeto (tábua ou laje) imediatamente antes de se romper? b-) Qual a menor velocidade do punho necessária para romper o objeto? 3-) a-) Que fração f da energia cinética é transferida por uma partícula de massa m, que se move com velocidade v, numa colisão frontal elástica com uma partícula de massa m' inicialmente em repouso? Exprima o resultado em função da razão λ=m´/m. Para que valor de λ a transferência é máxima, e quanto vale? b-) Coloca-se entre duas partículas uma terceira, de massa m´´, em repouso, alinhada com m e m´. Mostre que a transferência de energia cinética de m para m´ é máxima quando m ´ ´ = mm ' . Mostre que, para m≠m´ a presença da partícula intermediária possibilita 90 transferir mais energia cinética de m para m' do que no caso (a). 4-) Um bloco de massa m1=2,0 kg desliza em uma mesa sem atrito com uma velocidade de 10 m/s. Bem na frente dele, e se movendo na mesma direção, existe um bloco de massa m2=5,0 kg se movendo a 3,0 m/s. Uma mola de massa desprezável quando comparada aos dos blocos, com constante de mola k=1120 N/m está presa ao lado de m 2 como mostra a figura abaixo. Qual a compressão máxima da mola quando os dois blocos colidem? 5-) Um corpo de massa igual a 2,0 kg colide elasticamente com outro corpo em repouso e continua a se mover na direção original mas com um quarto de sua velocidade original. a) Qual a massa do outro corpo? b) Qual a velocidade do centro de massa do sistema formado pelos dois corpos se a velocidade inicial do corpo de 2,0 kg era de 4,0 m/s? 6-) Em uma partida de bilhar, a bola branca acerta outra bola de mesma massa e inicialmente em repouso. Após a colisão, a bola branca se move a 3,5 m/s ao longo de uma linha reta que faz um ângulo de 22◦ com sua direção de movimento inicial, e a segunda bola possui velocidade de 2,0 m/s. Determine (a) o ângulo entre a direção de movimento da segunda bola e a direção original de movimento da bola branca e (b) a velocidade inicial da bola branca. c) A energia cinética se conserva? 7-) Dois corpos de 2,0 kg, A e B, colidem. As velocidades antes da colisão são vA=15 i30 j e vB=−10 i 5 j após a colisão vA=−5 i 20 j . Todas as velocidades são dadas em metros por segundo. a-) Qual a velocidade final de B? b-) Quanta energia cinética é ganha ou perdida na colisão? 8-) Durante a madrugada, um carro de luxo de massa total igual a 2.400 kg, bate na traseira de um carro de massa total 1.200 kg, que estava parado num sinal vermelho. O motorista do carro de luxo alega que o outro estava com as luzes apagadas, e que ele vinha reduzindo a marcha ao aproximarse do sinal, estando a menos de 10 km/h quando o acidente ocorreu. A perícia constata que o carro de luxo arrastou o outro carro de uma distância igual a 10,5 m, e estima o coe#ciente de atrito cinético com a estrada no local do acidente em 0; 6. Calcule a que velocidade o carro de luxo vinha realmente. Respostas 1-630 m/s 2- a- 5,2 J tábua; 1,6 J laje. b- 4,2 m/s na tábua e 5,0 m/s na laje. 3-a- f =4 12 ; f máx=1 para =1 . 4- a-25 cm. 5-a- 1,2 kg; b- 2,5 m/s. 6- a- 41◦ b-4,76 m/s c- não. 7- a- vB=10 i15 j , b- são perdidos 500 J de energia. 8- 60 km/h 91 9.4-Referência Halliday D., Resnick R. & Merril, J. Fundamentos da Física, vol.1, 8 ed., LTC, Rio de Janeiro, 2009 Nussenzveig, H. M. Física Básica, vol. 1, Edgard Blücher, São Paulo, 1996. 92 Aula X Nesta aula discutiremos mais aprofundadamente a lei da Gravitação Universal e suas implicações nas previsões dos astros. Mostrarei como que alguns fenômenos abstratos causaram a compreensão de outros bem comuns no dia a dia; apresentarei as novas elaborações sobre a explicação do efeito da Lua sobre as marés e as estações do ano e no fim desta aula será apresentada a velocidade de escape com que um corpo deixa um astro. Na aula XI discutirei melhor a conservação do momento angular e, com base nesta nova lei de conservação, seremos capazes de resolver completamente o problema de Kepler dentro da abordagem de Newton. 10.1-Newton e a força que mantem os corpos fixos na Terra Para começar, vamos nos lembrar das leis de Newton: a primeira delas nos leva à concepção de um espaço absoluto no qual um corpo que não estivesse submetido à ação de nenhuma força resultante tenderia a se manter em movimento uniforme ou em repouso. Neste contexto, o espaço newtoniano, absoluto e eterno, era uma condição para a validade das leis de Newton, assim surge uma tautologia, precisamos da definição para enunciar a definição. “As leis de newton são válidas em referenciais inerciais”. O que são referenciais inerciais? “São referenciais para os quais as leis de Newton são válidas”. Esta aparente contradição surge com a necessidade do espaço absoluto de Newton: podemos definir também que referenciais inerciais são aquelas nos quais as leis da Física continuam válidas mesmo com uma translação de coordenadas. Einstein tirará o caráter absoluto do espaço e transferirá para a velocidade da luz quando surgir o eletromagnetismo, mas deixaremos para mais adiante esta discussão. A mudança de Einstein não removeu todas as aparentes contradições, apenas mudou-as de enunciado. Segundo o prêmio Nobel Richard Feynman (FEYNMAN, 2008): “mais importante do que saber o que as coisas são, é saber como elas se comportam”. Você pode não entender todas as implicações filosóficas da Mecânica Newtoniana, mas pode saber usá-la. Voltando ao nosso problema, Newton em sua segunda lei, nos diz o formato que qualquer força adquire e como ela altera o movimento dos corpos. A lei diz: “A força resultante sobre um corpo é igual ao produto da massa do corpo pela aceleração do corpo” esta lei nos diz apenas como a força se comporta com relação ao movimento, mas não nos diz absolutamente nada sobre como a força surge. Neste ponto é interessante citarmos o problema da gravidade. Galileu notara que os corpos caíam todos com a mesma aceleração, e este fato independia da massa do corpo. Kepler notara que os corpos celestes percorriam a mesma distância angular em um dado período seguindo uma relação bem determinada. Note que Newton, posterior a ambos, estava de posse de todas estas conclusões e se questionava se não existiria um ligação entre estas observações. Na ocasião ainda existia uma quarta lei de Kepler, que ser uma força que agia apenas na radial que mantinha os planetas próximos ao Sol. Para Newton não parecia ser uma força desta natureza que mantinha os planetas ligados. Agora chegamos a um terreno pantanoso, o livro de Newton “O princípia”, que não é um livro didático e muito menos um livro que pretende ser claro e objetivo para um leitor leigo (NEWTON, 1996). Entender como Newton chegou à conclusão de que a força deveria ser volumétrica, e não confinada a um plano, e que dependeria das massas dos planetas envolvidos, é uma tarefa mais complexa no ponto de vista da construção teórica e histórica. Mas, felizmente, temos a contribuição de nossos professores modernos que deixaram esta tarefa mais simples. Vejamos o que o professor Moysés (NUSSENZVEIG, 1996) nos fala sobre o 93 trabalho de Newton neste período: “Issac Newton nasceu em 1642, no dia de Natal. Filho póstumo de um fazendeiro teve de custear seus estudos trabalhando e foi graças à ajuda de um tio que conseguiu entrar em Cambridge em 1661. Quando se bacharelou em 1665, Issac Barrow, seu professor de matemática, encorajou-o a permanecer em Cambridge. Naquela época, Londres era uma cidade muito poluída e com péssimo saneamento. Num livro no qual se propunha um plano para reduzir a poluição atmosférica produzida por chaminés de indústrias, 'Fumifugium', de John Evelyn, publicado em 1661, lê-se: 'O viajante fatigado, a muitas milhas de distância, reconhece a cidade pelo olfato antes que pela vista'. No verão de 1665, a peste se alastrou rapidamente por Londres, dizimando cerca de 70.000 pessoas, a sétima parte da população. Um ano mais tarde sobreveio o Grande Incêndio de Londres, que arrasou dois terços da cidade. A peste provocou o fechamento da Universidade, e Newton refugiou-se em sua fazenda em Woolsthorpe. A melhor descrição do que fez nesse período foi dada por ele próprio cinquenta anos mais tarde. 'No princípio de 1665, achei o método para aproximar séries e a regra para reduzir qualquer potência de um binômio a uma tal série' (binômio de Newton e série binominal). 'No mesmo ano, em maio, achei o método das tangentes de Gregory e Slusius' (fórmula de interpolação de Newton) e em novembro o método direto das fluxões' (cálculo diferencial); 'no ano seguinte, em janeiro, a teoria das cores' (experiência com o prisma sobre a decomposição da luz branca), 'e em maio os princípios do método inverso das fluxões' (cálculo integral), ' e no mesmo ano comecei a pensar na gravidade como se estendendo até a órbita da Lua, e... da Lei de Kepler sobre os períodos dos planetas em suas órbitas devem variar inversamente com os quadrados de suas distâncias aos centros em torno dos quais descrevem: tendo então comparado a força necessária para manter a Lua em sua órbita com a força da gravidade na superfície da Terra, e encontrado que concordavam bastante bem. Tudo isto foi feito nos dois anos de peste, 1665 e 1666, pois naqueles dias eu estava na flor da idade para invenções, e me ocupava mais de matemática e filosofia' (física) 'do que em qualquer época posterior'. Para efetuar o cálculo da força gravitacional a que Newton se refere, ele já devia dispor da formulação dos princípios fundamentais da dinâmica, embora não se refira explicitamente a isso. Todos estes resultados foram obtidos por Newton em sua fazenda, entre 23 e 24 anos de idade! Compreende-se que ele tenha sido considerado por Hume como o maior gênio já produzido pela espécie humana”. Note que o professor Moysés cita os princípios fundamentais da dinâmica que é praticamente tudo que estudamos até agora neste semestre. Newton já os teria concebido e aplicado em seus cálculos. É importante salientar que muitos dos resultados tinham sido propostos por Kepler, mas coube à genialidade de Newton fazer uma síntese coerente. Mas agora eu preciso enunciar a lei da Gravitação Universal que diz: “Dois corpos de massa m1 e m2 exercem entre si uma força atrativa radial dada por:” m m =G 12 2 r (10.1) F r 12 onde G é a chamada constante da gravitação universal com valor 2 3 Nm m G=6,67×10−11 2 =6,67×10−11 r indica que a direção da força é radial, a 2 , o símbolo kg kgs distância r 12 é a distância entre as partículas. Podemos imaginar que surge um para ação-reação com uma força F21 entre m1 e m2 e F12 entre m2 e m1 é fácil ver que F21=− F12 . Veja a figura da ilustração 62 abaixo mostra um sistema de coordenadas onde a distância é estabelecida em termos das dimensões da equação (10.1). É simples perceber que r21=r2− r1 é uma diferença entre os vetores posição de cada um dos 94 corpos. É interessante que a lei da gravitação universal cresce com o inverso do quadrado da distância entre os corpos e não com o inverso da distância como pensava Kepler. Ilustração 62: Sistema de coordenadas para descrever a força gravitacional entre duas partículas. (a) Sistema de coordenadas. (b) Par ação-reação das forças. Vamos agora procurar refazer a comprovação que Newton fez aplicando esta lei em corpos na Terra e no céu. 10.2-A lei da gravitação para órbitas circulares Como vimos na Tabela 2 da aula V já era sabido na época de Newton que para diversos planetas a excentricidade da órbita elíptica é muito pequena (com exceção de mercúrio), podemos tomar a órbita como circular com muito boa aproximação – o que também se aplica à Lua. A órbita circular é bem mais fácil de tratar do que a elíptica, vejamos como Newton tratou este problema. Para órbita circular, a segunda lei de Kepler implica movimento é uniforme. Como vimos na aula III a aceleração neste caso é centrípeta, e é dada, para uma órbita circular de raio R e de 2 velocidade angular = (T= período) por: T R a =− R r =−4 2 2 r (10.2) T 95 Se m é a massa do planeta, a força que atua sobre ele é dada pela segunda lei de Newton. =m a =−4 2 R r (10.3) F T2 que é uma força atrativa central (dirigida para o Sol). Pela terceira lei de Kepler temos 3 R =C=constante (10.4) 2 T onde C tem o mesmo valor para todos os planetas. Logo podemo reescrever a equação (10.3) como =−4 2 C m r (10.5) F R2 Este cálculo simples nos leva a uma expressão muito parecida com a (10.1), ou seja deve ser uma força que varia com o quadrado da distância, o fato de colocarmos um produto entre massas é um ato a mais de Newton e ele precisa confirmar isto, então, usou a clássica analogia da maça. 10.3-A Lua e a maçã Um dos grandes nomes do iluminismo francês, o filósofo Voltaire, escreveu: “Um dia, no ano de 1666, Newton, então em sua fazenda, vendo uma fruta cair de uma árvore, segundo me disse sua sobrinha, Mme. Conduit, começou a meditar profundamente sobre a causa que atrai todos os corpos na direção do centro da Terra”. Esta história é muito boa para fazer uma imagem de super-herói do cientista, provavelmente, como diz Moysés, esta história é apócrifa. Mas, vamos fazer essa comparação para o caso da maçã, adotando a notação de Moysés: T=Terra; L=Lua e C=Maçã. Os módulos das forças mencionadas obtêm-se aplicando a (10.1): M mc M mL ∣FTC∣=G T 2 ;∣ FTL∣=G T 2 (10.6) RTC RTL Sejam a L e a C os módulos das acelerações da Lua e da maçã; esta última é igual a g (aceleração da gravidade na superfície da Terra, que podemos medir por diversos meios). Além disso, RTC =RT (raio da Terra). Temos então: ∣F ∣ M ∣F ∣ M a C = g= TC =G 2T ; a L = TL =G 2T (10.7) mC mL RT RTL É interessante observar que na (10.7) temos uma medida simples feita na Terra que é a aceleração da gravidade e a aceleração da Lua que não sabemos efetivamente como medir diretamente. Dividindo uma expressão pela outra teremos uma expressão mais simples que não precisa da massa da Terra M T , assim temos: 2 a L aL RT = = (10.8) aC g RTL Veja como a expressão (10.8) é interessante, ela associa uma grandeza que podemos medir (g) com duas outras medidas que a séculos os contemporâneos de Newton (esclarecidos é claro) conheciam que são o raio da Terra e a distância da Terra a Lua. RT 1 ≈ Vamos nos lembrar da aula III que a razão , assim, é fácil obter o valor da RTL 59 aL 1 razão (10.8) , então adotando g =9,8 m/s 2 teremos a L≈2,72×10−3 m/ s2 (10.9). ≈ g 3600 Agora vamos usar novamente nossos conhecimentos das medidas celestes discutidas desde a aula III. O período de rotação da Lua ao redor da Terra é da ordem de 27,3 dias, o distância da Terra 96 a Lua é da ordem de cinquenta e nove vezes o diâmetro da Terra. Podemos, então, calcular a aceleração centrípeta da Lua ao redor da Terra, que deverá ser igual à aceleração da Lua obtida no parágrafo anterior que foi se usando a teoria da gravitação universal. Vejamos: v2 4×3,14..2 4 2 a c =a L = L = 2 RTL= 2 RTL≈ ×59×5,2×10 6 m≈2,18×10−3 m/ s 2 2 RTL T 27,3×24×60×60 s (10.10) Note que a semelhança é muito grande, não precisamos medir nada na Lua e o mais incrível, as leis que funcionam na Terra, funcionam também na Lua. Esta é um dos grandes trunfos da Ciência moderna, a universalização de seus resultados. Com este resultado Newton explicou muitos fenômenos. A seguir darei apenas dois exemplos, a precessão dos equinócios da Terra e as marés. 10.4-A precessão dos equinócios Cerca de 130 a C., Hiparco, comparando suas observações da posição do Sol nos equinócios em relação ás estrelas fixas com as que haviam sido feitas muitos séculos antes por astrônomos babilônios, chegou à conclusão de que havia um deslocamento extremamente lento dos equinócios que estimou em 36” por ano. Copérnico, em “De Revolutionibus”, corrigiu esse valor para 50,2” por ano, em bom acordo com o atual, e interpretou corretamente o efeito: embora o eixo da Terra mantenha um ângulo de 23,5º com a normal n ao plano da eclíptica (veja figura da ilustração 63) ele descreve um cone em torno dessa normal, num movimento de precessão análogo ao de um pião em rotação rápida. A taxa de precessão corresponde a uma volta completa em 26.000 anos. Assim, como mostra a figura abaixo, em lugar de apontar para a atual estrela Polaris, o eixo da Terra apontará para uma direção deslocada de 47º na esfera celeste daqui a 13.000 anos, e o verão no hemisfério sul ocorrerá na parte da órbita da Terra onde agora ocorre o inverno. − F F Ilustração 63: Esquema da precessão da Terra. Newton deu a explicação da precessão: por ser a Terra um esferóide oblato (com um dos eixos mais curtos), a atração da Lua, e, com menor intensidade, a do Sol, produzem um binário de 97 que é responsável pela precessão. Newton tratou o problema e calculou duas forças − F e F a taxa de precessão de forma parecida com o cálculo da aceleração da Lua na seção anterior e encontrou o valor de 50” por ano, em excelente acordo com o resultado experimental, reforçando sua teoria gravitacional. É interessante notarmos que este conceitos sobre inclinação do eixo da Terra com relação à eclíptica da órbita, pois esta é o conceito chave na explicação das estações do ano. Um exemplo é a forma com que este conceito é apresentado nos cadernos do ensino público estadual, veja a duas figuras abaixo mostrando os cadernos (A) do ensino fundamental II 5ª série do professor e (B) caderno do professor da 7ª série do Ensino Fundamental II. (A) Ilustração 64: Figuras ilustrativas da posição da Terra presente nos cadernos do ensino fundamental das escolas públicas de São Paulo. (B) Veja que na figura da ilustração 64 (A) o ângulo apresentado está com a órbita, após uma rápida recapitulação de nossos conceitos de geometria lembramos que este na verdade, é o mesmo ângulo que a normal da órbita faz com o eixo de rotação. Na figura da ilustração 64 (B) vemos a explicação correta das estações do ano, você consegue notar algum problema nesta figura? Outro erro conceitual muito comum é associar a variação da distância Terra -Sol (já que a órbita da Terra é uma elipse) com as estações do ano. No entanto, como vemos na tabela da aula III a excentricidade desta elipse é muito pequena e trabalhos já dizem que esta variação não é significativa (DIAS, 2007). 10.6-As marés Newton foi o primeiro a explicar a causa das marés como sendo devida à atração gravitacional da Lua e, em menor escala, do Sol sobre os oceanos. À primeira vista poderia parecer que isso causaria apenas uma protuberância da massa líquida do lado da Terra num dado momento voltado para a Lua. Entretanto, um pouco de reflexão adicional mostra que deve haver duas protuberâncias, localizadas em extremos opostos da Terra. Com efeito, a distância da Lua ao centro da Terra sendo aproximadamente 60 vezes o raio da Terra, o lado mais próximo está a cerca de 59 98 vezes o raio da Terra e o mais distante 61 vezes. Ilustração 65: Figura ilustrando o efeito da Lua sobre as marés. Do ponto da maré lunar direta indicado na figura 65, a atração da Lua sobre este ponto é mais forte do que no ponto da maré lunar reflexa. Em 12 horas, devido a rotação da Terra há um inversão destas posições, de modo que se produzem duas marés altas por dia, conforme observado. 10.7-A velocidade de escape Vamos agora lembrar de aulas anteriores, mais especificamente quando falamos do conceito de potencial de uma força discutido na aula VIII. Vimos que o potencial de uma força é uma função da posição espacial e que a diferença entre os valores desta função em dois pontos distintos nos forneceria o trabalho realizado pela força. Falamos do trabalho e da energia potencial da força peso, isto não é a mesma coisa do trabalho e da energia potencial da força gravitacional, você consegue ver isto? Voltemos a questão de que a função potencial U(x) seria dada pela integral: U x =−∫ F x d x (10.11) Mas, como vimos a força gravitacional depende da distância entre dois corpos equação (10.1), logo devemos renomear as distâncias da equação (10.1) para ela ser válida na equação (10.11). Com um pouco de cálculo (que você ainda não domina, mas dominará) obteremos ∞ ∞ ∞ m1 m2 m1 m2 m1 m 2 m m U r =−∫r G 2 r dr r =−∫r G 2 dr = G =−G 1 2 (10.11) r r r 12 r r Neste processo de integração assumimos que uma força qualquer no formato da (10.1) terá valor de uma distância finita, aqui neste caso r 12 , até o infinito. O processo de integração se baseia em algo que você já entende. A integral faz o inverso da derivada, qual a função cuja a 12 ∣ 12 99 ∣ 12 1 −1 . Como conhecemos bem 2 ? Sabemos pela regra do “tombo” que será x x limites... o limite de uma função com expoente negativo no infinito é nulo. E assim chegamos na expressão final da (10.11) que equivale a: m m U r 12=−G 1 2 (10.12) r 12 Alguns passos mostrados acima talvez você não entenda pela matemática envolvida, mas basta você saber que o potencial gravitacional é dado pela (10.12). Muitas vezes, quando lemos os livros de ficção científica, ouvimos a expressão “o campo gravitacional da Terra”, podemos entender campo como a região do espaço onde é detectável a ação do potencial gravitacional. Com base na informação do parágrafo acima podemos calcular qual seria a velocidade mínima necessária para que um projétil lançado da superfície terrestre possa escapar da atração da Terra, desprezando, é claro, os efeitos da rotação da Terra e o atrito da atmosfera. Se lançarmos um projétil para cima, ele, usualmente, irá diminuir sua velocidade, atingirá momentaneamente o repouso e retornará à Terra. Contudo, para uma velocidade inicial crítica, o projétil escapará da atração da Terra e não retornará à superfície terrestre. Seja m a massa do projétil e v a sua velocidade crítica inicial. Ele possui uma energia −GMm v2 cinética K =m e uma energia potencial U dada por U R= onde M é a massa da R 2 Terra e R o seu raio. Quando o projétil chegar a uma distância infinita da Terra, ele não terá mais energia cinética – lembre que procuramos a velocidade mínima para o escape - e a energia potencial será igual a zero (porque este foi o nível de referência escolhido para a energia potencial nula). Sua energia total, portanto, será igual a zero no infinito. De acordo com a lei de conservação da energia, a energia total do projétil também será igual a zero na superfície da Terrestre, ou seja, K U =0 (10.13) Então podemos concluir que m v 2 −GmM =0 (10.14) 2 R Fazendo algumas manipulações algébricas chegaremos finalmente em: 2GM (10.15) v= R Note que esta velocidade não depende da massa do projétil, apenas da massa do planeta e de seu raio. Para o caso da Terra onde a sua massa é da ordem de 5,98×10 24 kg teremos uma velocidade de cerca de 11,2 km/s. Esta velocidade depende do planeta ou estrela que estamos falando, pois desta forma sabemos qual seu raio e sua massa. Para terminar esta aula vamos pensar na constante G, como ela foi determinada? Para determinar o valor da constante gravitacional G é preciso medir a força de atração gravitacional entre duas massas conhecidas, o que é muito difícil no laboratório por ser muito fraca a interação gravitacional. A primeira medida foi deita por Cavendish em 1789, utilizando um aparelho extremamente sensível, a balança de torção. Um par de esferas de massa m2 nas extremidades de uma barra é suspenso pelo centro da barra por uma fina fibra de quartzo numa posição de equilíbrio. Trazendo então outras duas esferas de massa m2 à mesma distância das esferas de massa m1 (veja a ilustração 66), o que produz uma torção causada pelas forças gravitacionais entre cada par de esferas. Essa torção faz girar .a barra de um ângulo θ, a fibra é calibrada de forma a poder medir esta torção, e que por conseguinte as forças gravitacionais, pelo ângulo de torção. derivada é 100 Posição de Equilíbrio Fibra de torsão Ilustração 66: Esquema ilustrativo de uma balança de torção usada por Cavendish para determinar da constante G. m2 −11 Cavendish obteve G=6,71×10 N 2 , que é bastante próximo do valor atualmente kg 2 m −11 aceito G=6,67×10 N 2 . kg Cavendish chamou a sua experiência de “pesagem da Terra”. Já que, se temos um corpo de massa m teremos um peso P . Pela segunda lei de Newton P =m g sendo que a aceleração g é sempre dirigida para o centro da Terra, ou seja, é radial. Usando o conceito da atração gravitacional da expressão (10.1), teremos: mM T P =G r (10.16) R2T Onde M T é a massa da Terra, igualando as expressões mM T M m g =mg r =G r ⇒ g=G 2T (10.17) 2 RT RT E finalmente temos a massa da Terra: g R2T (10.18) M T= G Nota a expressão (10.18) não depende da massa do corpo. Assim, se sabemos a aceleração da gravidade (medida várias vezes por Galileu), o raio da Terra (determinado séculos antes por Eratóstenes) e com a medida de G determinada por Cavendish, seria possível determinar a massa da Terra, neste sentido esta experiência foi a primeira “pesagem da Terra”. Cavendish acabou por 101 calcular a massa da Terra e obteve um valor da densidade da Terra de T que foi 3 3 T ≈5,48 g /cm , atualmente a densidade média da Terra é de T ≈5,52 g /cm . Cavendish viveu entre 1731 e 1810, perceba que Newton faleceu em 1727, quatro anos antes do nascimento de Cavendish, mas nos “Principia” encontramos a célebre estimativa de Newton para a densidade da Terra: “Como... a matéria comum da Terra em sua superfície é cerca de duas vezes mais pesada que a água, e um pouco abaixo, em minas, verifica-se três, quatro, ou mesmo cinco vezes mais pesada, é provável que a quantidade total de matéria da Terra seja cinco ou seis vezes maior do que se consistisse toda de água...”. Agora lembre-se que a densidade da água é de 1 g /cm3 …. 10.8 – Atividades da aula Nesta aula faremos nossa última experiência, a determinação da aceleração da gravidade de forma indireta. Neste caso usaremos um antigo conhecido nosso que é o pêndulo simples. Para tanto usaremos uma construção teórica interessante, veja a figura a abaixo de um pêndulo simples, ao olhar um pêndulo sempre imaginamos que o mesmo volta para uma posição de equilíbrio, lembrando o caso de uma força restauradora como a força elástica. Neste ponto necessitamos lembrar quais as forças que achem. Com base nisto e lembrando que uma oscilação deste tipo lembra um movimento circular, demonstre que : L (10.19) T =2 g Ilustração 67: Pêndulo simples 10.8.1 - Procedimento experimental 1- Monte um pêndulo com um peso grande e um fio de comprimento qualquer. 102 2- Meça o período de uma oscilação do pêndulo e repita este processo 10 vezes. 3- Depois, meça o tempo de duração de 10 oscilações. 4- Com o mesmo fio troque o peso para um de valor maior. 5- Meça o período de uma oscilação do pêndulo e repita este processo 10 vezes. 6- Depois, meça o tempo de duração de 10 oscilações. 7- Pegue o peso anterior e diminua o comprimento do pêndulo. 8- Meça o período de uma oscilação do pêndulo e repita este processo 10 vezes. 9- Meça o tempo de duração de 10 oscilações. 10- Coloque novamente o peço maior. 11- Meça o período de uma oscilação do pêndulo e repita este processo 10 vezes. 12- Meça o tempo de duração de 10 oscilações. 10.8.2 – Análise de dados 1- Faça a média dos períodos medidos com uma oscilação e com 10 oscilações 2- Calcule os desvios padrões das médias obtidas no item anterior. 3- Use a equação (10.19) e calcule os valores da aceleração da gravidade. 4- Discuta se há diferença entre os períodos dos pêndulos de massas maiores e menores. 5- Discuta se há diferença entre os períodos dos pêndulos de comprimentos diferentes. 6- Demonstre a equação (10.19) a partir da figura da ilustração 67 e de todo o conhecimento que já adquirimos. 7- Discuta as semelhanças e diferenças desta experiência com as discutidas nesta aula. Para completar esta aula faça também os exercícios abaixo. Exercícios 1-) Qual a velocidade de escape num asteróide cujo o raio tem 500 km e cuja a aceleração gravitacional na superfície é de 3m/s2 ? 3g 2-) Demonstre que a densidade T da Terra é dada pela expressão T = , onde g é a 4 G RT aceleração da gravidade na Terra, RT é o raio da Terra e G é a constante da gravitação universal. 3-) A taxa máxima de rotação de um planeta é aquela para qual a força gravitacional exercida sobre um corpo no equador do planeta apenas fornece a força centrípeta necessária para a rotação (Por 3 quê?) (a) Mostre que o período de rotação mais curto correspondente é dado por T = onde G é a densidade do planeta, suposta constante. (b) Calcule o período de rotação, supondo uma densidade de 3,0 g /cm 3 , que é a densidade típica de muitos planetas, satélites e asteróides. Não se encontrou ainda nenhum objeto que gire com um período menor do que o determinado nesta análise. 4-) Um gravímetro sensível que mede a componente vertical da aceleração da gravidade g pode ser usado para detectar a presença de depósitos com materiais que possuem uma densidade significativamente diferente da densidade do material existente nas vizinhanças. Cavidades, como cavernas e Minas também podem ser localizadas por este método. (a) Mostre que a componente vertical de g, a uma distância x de um ponto situado sobre a vertical de uma caverna (ilustração 68), é menor do que o valor esperado supondo uma densidade constante na região pela quantidade 4 3 d g= R G 2 2 3/ 2 onde R é o raio da caverna, d é a profundidade do centro da caverna 3 d x 103 e é a densidade constante do material em volta da caverna. (b) Estes valores g são conhecidos como anomalias gravitacionais e normalmente são expressos em miligals, sendo 1 gal=1cm/s2. Pesquisadores procurando petróleo por meio de um levantamento gravimétrico, encontraram uma variação de g de um mínimo de 10 miligals até um máximo de 14 miligals através de uma distância de 150 m. Supondo que a anomalia maior foi registrada diretamente sobre o centro de uma caverna existente na região, determine o raio da cavidade e a profundidade do centro da esfera. As rochas vizinhas têm densidade constante igual a 2,8 g / cm3 . Ilustração 68: Figura ilustrativa da questão 4. 5-) Considere o sistema composto por duas estrelas de massas M1 e M2, separadas pela distância D (D>> raios das estrelas), girando em torno de seu centro de massa (estrelas binárias). A distância D entre as estrelas permanece inalterada. Determine as velocidade tangenciais de cada uma delas e os períodos de rotação. 6-) Mostre que a terceira lei de Kepler é verificada no sistema composto por dois satélites artificiais que orbitam em torno da Terra em órbitas circulares de raios R1 e R2. As massas dos satélites são M1 e M2 . Considere desprezável a interação gravitacional entre eles. 7-) Mostre que, para uma nave em repouso a uma distância do Sol igual à distância média da Terra ao Sol, a velocidade inicial necessária para escapar da atração gravitacional do Sol é 1 22 vezes a velocidade da Terra na sua órbita, suposta circular. 8-) Em 1968, a nave espacial Apolo 8 foi colocada numa órbita circular em torno da Lua, a uma altitude de 113 km acima da superfície. O período observado dessa órbita foi de 1 hora e 59 minutos. Sabendo que o raio da Lua é de 1.738 km, utiliza estes dados para calcular a massa da Lua. 9-) Considere um satélite em órbita circular próxima da superfície de um planeta. (a) Mostre que o período T dessa órbita só depende da densidade média do planeta. (b) Calcule o valor T para a Terra, para qual a densidade média é de 5,52 kg/m 3. c) Ainda no caso da Terra, calcule a velocidade do satélite nesta órbita. 10-) O diâmetro angular do Sol visto da terra é de 0,55 º ( você já calculou este valor na aula II). A m2 −11 constante gravitacional é G=6,67×10 N 2 . Utilizando apenas estes dados e o período da kg órbita da Terra ao redor do Sol, aproximada de um círculo, calcule a densidade média do Sol. Respostas 1-) 1,7 x 103 m/s. 3-) (b) 1,9 h. 104 4-) b-) 250 m; 50 m. 8-) 7,35×10 22 kg 3 9-) a-) T = ; b-) 84,3 minutos; c-) 7,9 km/s. G 10-) 1,3×10 3 kg /m3 . 10.9-Referência DIAS, W. S.; PIAZZI, L. P. Por que a variação da distância Terra-Sol não explica as estações do ano? Rev. Bras. Ensino Fís. vol.29 n. 3 São Paulo 2007. FEYNMAN, R. P. & LEIGHTON, R. B. Lições de Física de Feynman, edição original em inglês em 1964, Editora Bookman, São Paulo, 2008. HALLIDAY D., RESNICK R. & MERRIL, J. Fundamentos da Física, vol.1, 8 ed., LTC, Rio de Janeiro, 2009. NUSSENZVEIG, H. M. Física Básica, vol. 1, Edgard Blücher, São Paulo, 1996. NEWTON, I. Principia- Princípios Matemáticos de Filosofia Natural , vol. 1, edição original em latim em 1687, editora EDUSP, São Paulo, 1996. 105 Aula XI 11.1- Conceitos básicos Quando pensamos em um corpo em movimento podemos pensar em dois tipos de movimento, a translação e a rotação. Um ponto material que é definido como um ponto sem dimensão que usamos na cinemática não faz sentido falarmos de rotação. No entanto, quando falamos em um corpo extenso com dimensões devemos pensar que a rotação será mais simples ou não dependendo da distribuição de massa do corpo como pudemos ver por exemplo no caso do centro de massa onde a massa total do corpo pode ser concentrada em um único ponto. Para pensarmos neste sentido, vamos imaginar um conjunto de N partículas que giram ao redor de um eixo, podemos pensar que a energia cinética é dada por: N ∑ mi vi2 E C = i=1 (11.1) 2 onde mi é a massa da i-ésima partícula e v i é a velocidade linear da i-ésima partícula. Podemos pensar agora na relação entre a velocidade linear e a velocidade angular que é dada por v i =r i onde r i é a distância da partícula até o ponto que de rotação, desta forma podemos reescrever a expressão (11.1) como: N ∑ mi 2 2 i i r N ∑ mi r 2i (11.2) 1 2= I 2 2 2 2 A equação do meio da igualdade da expressão (11.2) surge do fato que, assumimos que a velocidade angular ao redor do eixo de rotação é a mesma, as distâncias das partículas podem variar, no entanto, a velocidade angular de todas é a mesma. Assim, a grandeza I é denominada momento de inércia da partícula é uma propriedade da disposição dos corpos que estão girando (ou E C = i=1 = i=1 N da geometria do corpo extenso) e é dada por I =∑ mi r 2i , ou seja, um escalar. Esta é uma i=1 grandeza muito interessante para analisarmos o movimentos de rotação dos corpos. A ilustração 69 relaciona os corpos com seu momento de inércia para algumas geometrias. Apenas a critério de informação, quando o corpo que estamos tratando não se relaciona com nenhuma das figuras relacionadas na ilustração 69 podemos usar uma definição mais geral para corpos extensos que é: 2 I =∫ r dm (11.3) onde dm é o elemento diferencial da massa e r é a distância do elemento de massa até o eixo de rotação. Na verdade as expressões encontradas na ilustração 69 foram obtidas usando a expressão (11.3), note que sempre é indicado o eixo do que estamos falando, ou seja, o eixo onde a rotação é aplicada. 106 Ilustração 69: Momento de inércia de algumas figuras regulares. 11.2 - O torque Agora que associamos na rotação a energia cinética, vamos começar a trabalhar a questão da força nos sistemas em rotações. Vamos fazer uma tentativa intuitiva de entender o conceito de torque e um conceito que surgirá adiante o qual nos fornecerá a última lei de conservação que temos na Física (ao menos neste momento inicial). Vamos imaginar uma porta, é mais fácil abri-la colocando a maçaneta no centro ou nas extremidades? Aqui os mais sagazes podem contraargumentar que depende onde estão localizadas as maçanetas. Mas, pensando no nosso cotidiano onde deixamos as dobradiças nas extremidades, colocamos a maçaneta também na extremidade porque intuitivamente, quanto maior o braço da alavanca, menor a força aplicada para causar movimento (movimento este que é uma rotação). Um fator determinante desta grandeza deve ser também a distância que a força aplicada mantém do ponto de rotação. Assim como a força, esta nova grandeza deve ser vetorial, possuir direção e sentido em função da força. Reunindo as duas informações do parágrafo anterior podemos encontrar um produto para , o esta nova grandeza que denominaremos de torque, representado pela letra grega “tau” módulo do momento angular será o produto da intensidade da força e da distância do ponto de aplicação, então teremos: ∣ ∣=r F sin (11.4) Vamos observar a equação acima e procurar entender fisicamente o significado de cada termo. Como falei anteriormente, quanto maior a distância r (o braço da alavanca) maior será o torque, quanto maior a força aplicada, maior será o torque, o ângulo é o ângulo entre a força e o braço da alavanca. 107 A questão do ângulo faz muito sentido já que a forma com que aplicamos uma força gera uma rotação muito diferente. Ilustração 70: Representação vetorial do torque dependendo da força aplicada e da distância. A figura da ilustração 70 procura mostrar de maneira mais clara esta relação. Somente a componente perpendicular causa rotação ao redor do ponto O,neste sentido o vetor torque terá o sentido saindo do plano xy. Para pensar em como obter o sentido do vetor torque devemos lembrar de uma regra conhecida como a regra da mão direita que você já viu em vetores. Nas figuras das ilustrações 71(a) e 71 (b) apresentam um processo para encontramos os sentido do torque. Podemos usar uma estrutura semelhante à de um parafuso sendo apertado. No sentido em que gira o o parafuso, se o mesmo entra na porca dizemos que o torque é positivo e o contrário negativo. As figuras servem também para termos em mente que, apesar de pequenos deslocamentos angulares não podem ser tratados como vetores, rotações infinitas (e evidentemente a velocidade angular) pode ser tratada como vetor. Agora que temos uma forma de determinar a direção do torque podemos finalmente ter a e o vetor deslocamento r , que é dado expressão vetorial do torque usando o vetor força F por: (11.5) = r × F Usando a regra da mão direita volta a figura da ilustração 70, coloque seus dedos na direção 108 da força e veja para onde o seu polegar aponta e verifica se seu polegar coincide com a direção do torque. Nesta altura do campeonato, você deve se perguntar que: Como o torque é análogo à força, como deve ser a segunda lei de Newton das rotações? Ilustração 71: Esquema ilustrativo da regra da mão direita. Útil tanto para a determinação da direção vetorial da velocidade angular quanto para a determinação da direção do torque. Se você não se perguntou sobre isto, não há problemas, responderemos esta questão juntos. Podemos pensar de maneira análoga ao que vimos anteriormente, as rotações dependem da geometria do corpo e logo a massa não é uma boa medida, então usamos o momento de Inercia. A tabela abaixo mostra que a partir destas analogias chegamos na expressão Movimento linear Movimento rotaciona d x Velocidade linear v = dt Velocidade angular = Massa m Momento de inércia Força F a= Aceleração d dt I e I =∫ r dm e Torque = r × F d v dt Aceleração angular = A segunda lei de Newton O momento linear =m a F P =m v d dt ∣=∣I ∣ A segunda lei de Newton ∣ O momento angular ∣ L∣=I Encontramos assim a expressão do torque em termos da segunda lei de Newton das rotação: ∣ ∣=I (11.6) A expressão (11.6) será muito útil para nossos estudos seguintes. 11.3 - O momento angular Outra grandeza que aprendemos anteriormente era o momento linear que poderia ser associado à quantidade de movimento que um corpo adquire ao se movimentar. Esta quantidade nos mostra uma importante lei de conservação que nos diz: “Na ausência de forças externas o momento linear de uma partícula se conserva”. No dia a dia podemos entender isto como sendo o que observamos ao ver um carro parado colidindo com outro em movimento adquire movimento (mesmo que por pouco tempo em função 109 da força de atrito), no entanto, relatamos o que ocorreria em caso de situações onde diminuímos o atrito. Agora teremos uma nova lei de conservação baseada nesta nova grandeza que é o momento angular. A lei de conservação é muito semelhante. “Na ausência de torques externas o momento angular de uma partícula se conserva”. Ilustração 72: Figura ilustrativa do momento angular de uma partícula. A ilustração 72 mostra o comportamento matemático e vetorial do momento angular representado por L , a expressão matemática pode ser dada por: (11.7) L =r × P De maneira semelhante ao que notamos na cinemática das rotações o momento angular se relaciona com o momento linear apenas pelo produto do braço (análogo ao raio no movimento circular), no entanto, este produto é um produto vetorial. Da mesma forma com que o momento linear P se relaciona com a velocidade linear v pela equação: P =m v (11.8) onde m é a massa, teremos também a expressão do momento angular dada por: ∣ L∣=∣I ∣ (11.9) onde I é o momento de inércia e é a velocidade angular, agora uma velocidade angular com direção, dada pela regra da mão direita como ilustrado na figura da ilustração 72. O momento angular é uma grandeza que explica diversos fenômenos do dia a dia, desde de o movimento da bicicleta até como os aviões se direcionam. Um exemplo interessante é que uma patinadora praticamente se desloca em uma superfície com pouco ou quase nenhum atrito e assim pode ser imaginado que seu momento angular se conserva, não existe torque externo, assim, se a 110 patinadora salta girando e fecha seu braços (como mostra a ilustração 73) a frequência com que a patinadora gira ao redor de seu corpo irá aumentar pois: Li =L f (11.10) Note que na expressão (11.10) o momento angular não está representado por um vetor, pelo simples fato de que a bailarina não muda sua direção (ela não fica na horizontal por exemplo). Desta forma o que mudará será apenas o módulo do momento angular. Ilustração 73: Um interessante exemplo de conservação do momento angular, uma patinadora dançando no gelo. O valor Li é o módulo do momento angular inicial e L f é o módulo do momento angular final o que difere de uma situação para outra é que a patinadora fecha os braços e assim diminui o seu momento de inércia. Escrevendo na forma de equações teremos: I I i i=I f f ⇒ i = f (11.11) I f i I I Os valores e são respectivamente os momento de inercia inicial e final, quando a i f patinadora fecha os braços, seu momento de inercia diminui, logo I f I i , pela equação (11.11) fica evidente que f i e como 2 f f 2 f i ⇒ f f f i como eu falei anteriormente a frequência final é maior do que a inicial. Agora podemos voltar à nossos problemas sobre gravitação. Imagine um corpo em rotação como ilustra a figura abaixo. Note que o momento angular do sistema está na mesma direção da velocidade angular. Mas, temos uma vantagem aqui. Não temos o momento de inércia atuando nesta situação pois podemos imaginar os planetas como partículas de massa definida. Nesta situação teremos a seguinte expressão para o momento angular ⇒ L =r × P L =r ×m v (11.12) 111 O vetor posição r está na direção do raio, r , enquanto que a velocidade está na z . Assim temos o direção tangencial, , usando a regra da mão direita chegamos que r ×= seguinte valor para o momento angular: L=mvr k (11.13) Ilustração 74: Figura demonstrativa do movimento de um corpo sobre a ação de uma força central. Situações onde isto ocorrem são os chamados corpos sobre a ação de uma força central. A força da gravidade é uma força central, já que a mesma é radial. m m =G 1 2 2 r (11.14) F r Assim, o momento angular se conserva. Isto ajuda explicar muitos dos movimentos de galáxias e sistemas planetários. Eu colocarei em um apêndice sobre a resolução do problema de Kepler usando a lei da gravitação universal e a conservação do momento linear, no momento, o cálculo necessário para a compreensão desta solução está um pouco além dos seus domínios. Em um momento posterior você poderá ler o apêndice e entender melhor. Uma boa sugestão é assistir a série “O universo Mecânico” o episódio sobre a solução do problema de Kepler. 11.4 - Atividades da aula Nesta aula a principal atividade serão os exercícios, procure fazê-los e adquirir a maior habilidade possível em sua resolução. Exercícios 112 1-) Considere um sistema isolado de duas partículas de massa m1 e m2 . Exprima o vetor momento angular l total do sistema relativo ao seu centro de massa em função da massa m1 reduzida = , do vetor de posição r de m2 em relação à m1 e da velocidade m1m2 v de m2 em relação a m1 . 2-) Uma barra uniforme com 0,5 m de comprimento e massa 4 kg pode girar em um plano horizontal em torno de um eixo vertical passando pelo centro. A barra está em repouso quando, uma bala de 3 g é disparada no plano de rotação, em direção à uma das extremidades. Vista de cima, a trajetória da bala faz um ângulo =600 com a haste. Se a bala se aloja na barra e a velocidade angular da barra é 10 rad/s imediatamente após a colisão, qual é a velocidade da bala imediatamente antes a colisão? (Esta é uma barra delgada ou fina, use a tabela de momentos de inércia). Eixo Desenho 1: Ilustração do problema 2. 3-) Dois patinadores de massa 60kg, deslizando sobre uma pista de gelo com atrito desprezável, aproximam um do outro com velocidades iguais e opostas de 5m/s, segundo retas paralelas, separadas por uma distância de 1,4m ( a ) Calcule o vetor momento angular do sistema e mostre que é o mesmo em relação a qualquer ponto e se conserva (b) Quando os patinadores chegam a 1,4m um do outro, estendem os braços e dão-se as mãos, passando a girar em torno do CM comum. Calcule a velocidade angular de rotação. 4-)Considere uma partícula de massa m num campo de forças centrais associado à energia potencial U(r), onde r é a distância da partícula ao centro de forças O. Neste movimento, a magnitude l=∣l∣ do momento angular da partícula ao centro de forças O se conserva. Sejam (r; ) as componentes em coordenadas polares do vetor de posição r da partícula em relação à origem O. 113 (a) Mostre que as componentes em coordenadas polares do vetor da partícula são vr = dr dt , d , a componente transversal da velocidade. Mostre que dt . (b) Mostre que a energia total E da partícula é dada por: 1 2 E= m v r V ef 2 a velocidade radial, e l=mrv v v =r onde V ef r =U r l2 2mr 2 chama-se o potencial efetivo para o movimento na direção radial ( l2 , associado à energia cinética de rotação da partícula em torno do 2mr 2 centro, é chamado de “potencial centrífugo”. Como E e l se conservam, o problema se reduz ao do movimento “unidimensional” na direção radial, na presença do potencial efetivo V ef r . (c) Esboce o gráfico de V ef r quando U(r) corresponde à atração gravitacional entre a partícula de −G m M massa m e outra de massa M >> m, U r = , que pode ser tratada como centro de forças ∣r mM∣ fixo em O o centro de massa. 0r ∞ ). O termo Respostas 1-) l =r ×v 2-) v≈1,3×103 m/ s m2 3-) a-) ∣l∣=420 kg ; s l é perpendicular ao plano da pista, b-) =7,1 rad / s 11.5 - Referenciais HALLIDAY, D., RESNICK, R. & MERRIL, J. Fundamentos da Física, vol.1, 8 ed., LTC, Rio de Janeiro, 2009 NUSSENZVEIG, H. M. Física Básica, vol. 1, Edgard Blücher, São Paulo, 1996. 114 Apêndice A Caindo através da Terra Neste apêndice apresentarei um exercício de uma interessante pergunta que surge quando imaginamos o conceito de força gravitacional e sua associação com a força peso. Imaginemos que fazer um furo através da Terra passando por todo o seu diâmetro seja possível. Se um corpo caísse através deste furo, qual seria o movimento deste corpo? Ilustração 75: O hipotético furo através da Terra A figura da ilustração 75 mostra exatamente esta situação. Primeiramente vamos tentar entender quais são os conceitos presentes nesta pergunta. O primeiro deles é entender que a força peso depende de quanto massa a Terra possui, ou seja, quanto mais caímos através da Terra menor será a força. Imagine que na superfície o peso é o que conhecemos, quando o corpo cair metade do raio da Terra o peso (a força com que a Terra puxa a pessoa) será a metade (veja a ilustração 76). Ilustração 76: O peso do indivíduo nas diversas etapas da queda. Outro conceito interessante é que ao passar pelo centro da Terra o sentido da força se alterará. Vamos verificar o que ocorre em termos das equações que conhecemos. A força gravitacional entre um corpo de massa m e a Terra é dada por: −GmM T Fg = r (A.1) r2 onde: m é a massa do corpo menor M T é a massa da Terra e r é a distância entre a Terra e o corpo menor. O sinal negativo indica sempre que a força é atrativa. Quando o corpo está na superfície da Terra, a distância entre o corpo menor e o ponto onde 115 toda a massa da Terra estará concentrada é o raio da Terra (você lembra o porquê?). No caso do corpo em queda livre a distância r irá variar com o tempo. Usando a segunda lei de Newton da dinâmica podemos reescrever a força da gravidade como: Fg =m ag (A.2) onde: m continua sendo a massa do corpo menor e a g é o módulo da aceleração da gravidade. Na superfície da Terra a g= g que é o valor amplamente conhecido que inclusive nós calculamos neste semestre. O fato da aceleração da gravidade ser sempre vertical e para baixo se explica pela razão geométrica de que em uma esfera o raio é sempre perpendicular a qualquer ponto na superfície da esfera. No entanto, quando o corpo cai pelo furo da Terra o valor da aceleração mudará com a distância em que o corpo se encontra, a g=a r , substituindo (A.2) em (A.1) teremos −GM T a r = (A.3) r2 A massa da Terra que atrai o corpo irá variar conforme a distância diminuir pois a massa da Terra depende da densidade da Terra T e do volume da Terra V T , podemos aproximar a Terra à uma esfera e encontraremo o volume da Terra dado por 4 R3T (A.4) VT= 3 Como enfatizei anteriormente a massa da Terra variará com a distância r percorrida pelo corpo em queda. Na superfície da Terra r =RT .Mas, tanto a massa quanto a aceleração variarão enquanto o corpo cai. Assim, substituindo (A.4) em (A.3) chegamos na expressão: −4 T G a r = r (A.5) 3 Como a densidade da Terra é praticamente constante como já vimos na aula 10 e G também é uma constante, substituindo (A.5) em (A.2) chegamos na força da gravidade Fgc que age sobre o corpo que cai através da Terra que é: Fgc =−K r r (A.6) 4 T m G onde a constante K é dada por K = . 3 Veja que a equação (A.6) se assemelha a equação (8.6) da aula 8 onde aprendemos sobre o trabalho realizado por uma força elástica. A constante K é a constante característica da mola. Da mesma maneira que o pêndulo pode ser aproximado à uma sistema massa-mola o corpo caindo através da Terra também se assemelha à um sistema massa -mola. Usando o que aprendemos na aula X sobre o período um pêndulo m 3 T =2 =2 (A.7) K 4 T G Este seria o tempo que um corpo demoraria para atravessar toda a Terra, note que interessante, independe da massa do corpo. O que era de se esperar desde o resultado de Galileu, mas o mais incrível, independe do raio da Terra, depende mais de sua densidade. Agora use todo a sua sagacidade adquirida na aula X onde você resolveu o terceiro problema que dizia: “A taxa máxima de rotação de um planeta é aquela para qual a força gravitacional exercida sobre um corpo no equador do planeta apenas fornece a força centrípeta necessária para a rotação 3 (Por quê?) (a) Mostre que o período de rotação mais curto correspondente é dado por T = G onde é a densidade do planeta, suposta constante.” 116 Ou seja se você manipular a equação (A.7) você encontrará a mesma expressão! O que indica que é o mesmo tempo de revolução de um corpo que está em órbita fixado apenas pela força centrípeta possuirá o mesmo tempo de um corpo cari e atravessar a Terra em furo na mesma. Ilustração 77: Figura ilustrativa de um corpo caindo através da Terra e de um satélite em órbita com uma velocidade proporcional a força centrípeta. Como exercício para conferir se você entendeu este exercício mesmo obtenha o período indicado na figura da ilustração 77. 117 Apêndice B: A resolução do problema de Kepler Neste apêndice apresentarei a resolução do problema de Kepler usando duas abordagens. Acredito que entender a pergunta feita no problema de Kepler elucida muitos dos questionamentos que estão sendo feitos nesta disciplina e pode deixar mais claro como perseguimos respostas em Ciência. 1.Revendo o problema Kepler percebeu que os planetas faziam órbitas elípticas. No entanto, a força que ele supôs existir entre os planetas (que era uma força radial e que ocorria apenas no plano) não explicava claramente o porquê desta órbita. Na verdade, na época de Kepler não existia uma teoria clara que associava a força à trajetória de um corpo. Coube a Newton explicitar esta relação de força e órbita. Vamos relembrar a definição da força gravitacional exercida entre dois corpos de massa dada por: e é (B1) onde é a constante da gravitação universal e informa que a força no espaço. é a distância entre os dois corpos. Esta equação nos entre os corpos é uma força de natureza radial o versor indica a direção da força Talvez algumas definições vetoriais não sejam muito claras para você, mas tentarei definir esta nova notação para deixar mais claro o comportamento. Em coordenadas cartesianas você aprendeu no semestre passado que os versores unitários era i , j e k sendo respectivamente referentes às coordenadas e . Quando pensamos em um espaço de coordenadas esféricas, substituímos estes versores por r , e . Para ilustrar um pouco melhor esta correlação entre os dois sistemas, as Figuras abaixo mostram a relação entre os dois sistemas. Na Figura (a) é mostrada a relação do produto vetorial entre os versores, k . exemplo j× k =i , mesma convenção da regra da mão direita. Analogamente r ×= Considerando tais conhecimentos continuaremos nossos cálculos. Imagine agora se a força da gravidade gera alguma torção, ou seja, se a força da gravidade entre dois corpos causa algum torque entre os corpos que se atraem mutuamente. Será que esta afirmação é verdade? Para responder esta pergunta usaremos a definição de torque a força e o braço de alavanca. , que é o produto vetorial entre (B2) = r × F onde Por definição, estamos falando de um movimento em uma direção radial qualquer, logo é o módulo da direção do vetor posição. 118 , (a) (b) Figura 1 Representação dos principais sistemas de coordenadas: (a) cartesianas e (b) polares. Nas coordenadas polares o eixo k coincide. Vamos pensar no problema de Kepler, colocando a nossa origem do sistema de coordenadas no corpo de massa maior, pode ser o Sol como mostra a Figura (a) ou a Terra, se quisermos tratar de um satélite orbitando ao redor da Terra. Figura Ilustração de um sistema de coordenadas planetárias. Substituindo a equação (B2) na (B1) é fácil verificar o resultado. = r r × =r × F −G m1 m2 r2 O resultado final da expressão (B3) ocorre pela razão que relação entre torque e momento angular = r (B3) r ×r =0 . Se não há torque, pela chegamos que: d L =0 ⇒ L =constante (B4) dt Ou seja, o momento angular total do sistema se conserva. Se for dado um momento inicial ao sistema, o mesmo se manterá por todo o tempo. 119 Neste instante chegamos a um ponto onde podemos resolver a pergunta de Kepler com duas leis fundamentais. 1. A equação do movimento de Newton que relaciona força e movimento descrito. 2. A conservação do momento angular. Como veremos adiante a primeira lei fundamental leva também a outra lei de conservação que é a conservação da massa. Mas a solução do problema ainda passa por mais uma etapa. As etapas de se descobrir qual é a órbita que é solução para um sistema submetido apenas à força da gravidade entre dois corpos? Resolver este sistema implica a utilização de equações diferenciais, que, vai além do ferramental matemático que você possui. Eu resolverei de duas formas e que vocês poderão terminar mais adiante. Quando você compreender plenamente a solução de alguns tipos de integrais, retorne a este apêndice e se deleite com a beleza da solução. Este tipo de problema é chamado “problema de dois corpos” e na verdade é o único que possui solução exata na Física. Se colocarmos mais um corpo não poderemos resolver exatamente o problema. Resolver exatamente um problema quer dizer encontrar uma equação analítica simples que represente a posição do corpo com o decorrer do tempo. Eu procurarei mostrar a solução primeiramente usando a conservação da energia e posteriormente usando as leis do movimento de Newton. Veja qual das duas explicações é a mais simples para você. No final deste Apêndice há uma bibliografia que pode ser muito útil se você deseja se aprofundar. 2.Resolução usando conservação da energia Vamos escrever a velocidade desenvolvida por um corpo em coordenadas polares que nos ajudará na solução do problema de Kepler. O vetor posição do corpo é dado pelo seguinte sistema para as coordenadas polares: x=r cos (B5) x=r sin (B6) Sabemos que a definição de velocidade instantânea é o limite da variação da posição com o tempo quando o tempo tende a zero. Esta é a definição da derivada temporal. dx x = lim = ẋ dt x 0 t Esta é apenas uma nova definição, aplicando esta operação nas equações (B5) e (B6) teremos: dx =ṙ cos −r ̇sin dt 120 (B7) dx =ṙ sin r ̇cos dt onde ̇= d dt é a velocidade angular do corpo e ṙ = dr dt (B8) é a velocidade radial do corpo. Vamos usar a definição de energia mecânica total que é a soma da energia cinética com a energia potencial. Como discutimos na aula de conservação de energia, a força gravitacional é uma força conservativa e, portanto, causa um potencial gravitacional. Expressando matematicamente teremos: (B9) onde é a energia cinética e é a energia potencial gravitacional, explicitando os valores teremos: m r˙2 mr 2 ̇2 T= 2 2 (B10) O primeiro termo corresponde à contribuição radial da energia cinética e o segundo termo à contribuição do termo angular. Usando a conservação do momento angular verificamos que o momento angular é dado por: L =r × p=r r × m v (B11) A velocidade é a velocidade total (com suas contribuições radial e angular) e, usando a definição das duas componentes dadas pelas equações (B7) e (B8), teremos: L= r r ×[m ṙ r r ̇ ]=m r 2 ̇ k (B12) k o resulta na O produto angular dos vetores na mesma direção é nulo, e o produto r ×= expressão (B12). Assumindo que o módulo do vetor momento angular pode ser expresso pela letra , substituindo (B12) em (B10) teremos: T= m r˙2 L2 2 2 m r2 (B13) Assim, temos uma expressão da energia cinética total do sistema, precisamos agora encontrar a energia total, apenas somando a contribuição do potencial potencial. e, para tanto, usaremos a definição de ∞ d r U r =−∫r F (B14) Substituindo (B1) em (B14) teremos: (B15) Note que a expressão (B15) é de um escalar, já que todo o potencial é um escalar. Os limites de 121 integração relacionados na expressão (B14) se referem, na verdade, ao trabalho necessário para que as duas partículas saiam do infinito até uma distância r entre elas. Desta forma teremos finalmente a expressão da energia mecânica total de um sistema de duas partículas interagindo entre si apenas pela força gravitacional. A expressão é dada por: m1 r˙2 G m1 m2 L2 E= − 2 2 r 2 m1 r (B16) Na expressão da equação (B16) a partícula 1 gira ao redor da partícula 2. Como falamos ṙ = anteriormente a velocidade radial da partícula dr dt é aquela que indica qual a posição da partícula ̇= d dt a velocidade no eixo radial do sistema de coordenadas em um dado instante de tempo. E é angular da partícula que indica qual a posição angular da partícula no sistema de coordenadas em um dado instante de tempo. Usando um pouco de matemática, isolando ̇ d = = ṙ dr ṙ de (B16) e ̇ de (B12). L r 2 2 L2 2Gm 1 m2 2m1 E− 2 r r (B17) Queremos desta forma uma função que relaciona a posição angular e radial, queremos expressão (B17) e só obteremos este r pela integração que é a seguinte: r da L dr r =∫ 2 r 2 2m 1 E − L 2 2Gm 1 m2 r r2 (B18) Você ainda não domina as regras de integração para resolver esta integral, mas lembrando de que as funções cuja derivada é o inverso de um radical são funções trigonométricas inversas e fazendo algumas mudanças de variáveis como a seguir: e −1 r =cos , teremos: p−r R (B19) Fazendo algumas manipulações da (B19) chegamos a uma expressão para r = p 1e cos Que é a expressão de uma cônica. Tal cônica será: Elipse se Parábola se , ou seja, se , ou seja, se ; ; 122 (B20) r que é: Hipérbole se , ou seja, se . Talvez o primeiro caso não faça sentido para você , no qual consta energia total negativa. A categoria de sistemas com energia negativa é muito importante em Física, são os chamados estados ligados. Estes são estados nos quais o sistema é fixo, exatamente o caso das órbitas dos planetas. Sugiro que você veja uma video-aula do professor Gil (GIL, 2009) na qual ele discutiu muito bem o problema dos estados ligados que são importantes em Gravitação e Física Nuclear também. Figura Representação das cônicas. 3.Resolução usando equações de movimento Agora faremos outro tipo de resolução fazendo uso apenas da segunda lei de Newton e da conservação do momento angular. A segunda lei de Newton nos descreve a aceleração desenvolvida por um corpo de massa submetido a uma força qualquer através da relação: (B20) Note que a força pode ser uma força qualquer como já discutimos durante o semestre, a segunda lei de Newton não é uma definição de força, mas sim de como a força se relaciona com a massa e a aceleração. Agora vamos trabalhar com a lei da gravitação universal que relaciona uma força específica, a gravitacional, com a distância entre dois corpos: (B21) A expressão (B21) é a mesma da expressão (B1) coloquei aqui apenas para facilitar a visualização. Igualando (B20) e (B21) teremos: (B21) Vamos renomear o segundo lado da equação (B21) e os chamaremos e teremos: 123 de uma constante (B22) Agora, iremos retornar ao momento angular dado pela expressão (B12) e, assim: 2 L=m1 r ̇ k (B23) Como ̇= d dt teremos: 2 d L =m1 r k (B24) dt Neste ponto preciso enfatizar novamente que o momento angular é uma constante de movimento no sistema onde existe apenas a força gravitacional. Logo a equação (B24) é uma constante do lado esquerdo. Podemos fazer o produto vetorial entre as duas grandezas relacionadas nas equações (B22) e (B24) e teremos: −D d d d a × L= r ×m1 r 2 k =−D r × k =D k ×r (B25) 2 dt dt dt m1 r O último passo da expressão (B25) se refere ao fato de que se invertemos a relação entre vetores teremos um vetor com sentido contrário, ou seja, negativo. Veja a última expressão, o produto vetorial r indica como que o raio varia com o ângulo, logo k× r = d r k× d e, assim: d d r d r a × L= D =D (B26) dt d dt finalmente a × L= D d r (B27) dt Pela própria definição de aceleração teremos que tempo. Usando esta definição em (B27) teremos: , ou seja, a variação da velocidade no L d v d v × d r (B28) × L= =D dt dt dt Usamos o segundo passo da equação (B28) em virtude do momento angular ser uma constante durante o tempo. A quantidade dentro dos parênteses v × L pode variar no tempo. No entanto sabemos a forma com que ela varia, que é proporcional à constante . Podemos resolver esta expressão usando uma integração simples, veja abaixo: d v × L d r =D dt dt Integrando ambos os lados no tempo 124 d v × L d r =D dt dt Desta forma não precisamos nos preocupar com os limites de integração. Chegamos a um resultado interessante, visto que v × L varia de uma forma bem conhecida: v × L =D r e (B29) Na expressão (B29) é uma constante de integração. Vamos aplicar o produto escalar da distância em ambos os lados da equação (B29) e teremos: r⋅v⋅L =D r r e Podemos mudar a ordem dos produtos L =D r r e (B30) r ×v⋅ Podemos agora multiplicar e dividir o lado da (B30) pela massa do corpo 1 e a expressão permanecerá inalterada: m1 r ×v⋅ L =D r r e m1 Mas, por definição, m 1 r ×v = L , ou seja, o momento angular do corpo 1. Assim: L1 ∣ L∣2 ⋅L= =D r r e m1 m1 Agora precisamos lembrar-nos de dois resultados de vetores r⋅r =r , que é o próprio módulo da distância e r⋅e=r e cos , pois a constante é um escalar. Colocando o módulo em evidência, teremos: L2 = Dr [1ecos ] (B31) m1 E, finalmente, rearranjando tudo chegamos a uma expressão conhecida para a distância: L2 /m1 =r (B32) D[1e cos] Se você olhar atentamente para (B32) e (B20) notará que ambas são idênticas. No entanto, o tratamento foi diferente. Este é um interessantíssimo exemplo de como duas abordagens diferentes podem resultar na mesma resposta em Física. A desvantagem desta segunda abordagem é que, ao contrário da primeira, você não consegue saber qual a expressão da constante em termos da constante da gravitação universal e da massa dos corpos, o que a primeira solução faz de maneira simples. Se você estiver interessado, verifique todo este procedimento na série “O Universo Mecânico”, especialmente no episódio sobre as leis de Kepler ou na segunda referência abaixo. Em síntese, podemos dizer que a solução do problema de Kepler é encontrar a expressão 125 de uma trajetória (a distância em termos do ângulo) de um corpo sobre a ação de uma força que varia com o inverso do quadrado da distância. Diz a tradição que Newton fez isto tudo descrito acima como um exercício distrativo, o que nos leva mais uma vez a imaginar que ele foi o maior gênio que a humanidade produziu. 4.Referências Gil da Costa Marquês- Video-aula do curso de licenciatura em Ciências. http://www.eaulas.usp.br/portal/video.action;jsessionid=822D405EE5C9AB3C52BFB5B9D2099A 89?idItem=154 http://www.youtube.com/watch?v=VSLdnDfDXeY 126