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A “PEDAGOGIA DO CAPITAL FLEXÍVEL” NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL NO IFPE: UMA ANÁLISE DO SEU NÍVEL DE INSERÇÃO
BARBOSA, Leandro de Fontes. UFPE
[email protected]
INTRODUÇÃO
A crise do capital da segunda metade do século XX gerou um processo de reestruturação
produtiva que transformou as relações de produção e provocou, no interior do Estado capitalista.
ajustes neoliberais: desmonte de políticas sociais, privatizações, extinção de direitos e
desregulamentação de relações trabalhistas, precarizando-as, degradando as condições de vida
dos trabalhadores, aumentando o desemprego, o subemprego e agudizando a pobreza.
Intensificou-se a exploração dos trabalhadores numa demanda por força de trabalho barata
(ANTUNES, 2002; FRIGOTTO, 2000).
Neste aspecto, os currículos escolares são estruturados para atender aos paradigmas
econômicos dominantes, atualmente neoliberais. Os conceitos e categorias relacionados a tais
(empreendedorismo, competitividade, meritocracia, trabalho em equipe, multifuncionalidade
etc.) foram denominados por nós como "pedagogia do capital flexível".
Numa crítica à relação da reprodução do capital com a educação, aprofundo estes
elementos na dissertação “A reestruturação produtiva e a formação de técnicos de nível médio:
uma análise do currículo da Educação Profissional no IFPE”, na qual se baseia este trabalho,
onde objetivamos “analisar as relações entre o processo de reestruturação produtiva e o currículo
da Educação Profissional Técnica de Nível Médio”, estabelecendo nexos entre as mudanças
econômicas e os currículos, práticas de ensino-aprendizagem e concepções de professores da
Educação Profissional no IFPE Recife. A pesquisa permite uma apropriação da relação entre as
políticas educacionais dominantes no neoliberalismo e a prática curricular, as incidências das
mudanças político-econômicas na Educação Profissional.
GT MARXISMO, EDUCAÇÃO E ESCOLA
ANAIS do VII ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO
Belém, Universidade Federal do Pará, Maio de 2016. ISBN 978-85-7395-161-5
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METODOLOGIA
Para o recorte deste trabalho, fizemos pesquisa documental de programas curriculares de
dois cursos técnicos (Edificações e Química Industrial) do IFPE Campus Recife, pelos quais
localizamos todas disciplinas e suas cargas horárias nos dois cursos, período a período.
DISCUSSÕES E ANÁLISES
O nível de seletividade das disciplinas no currículo
Neste trabalho, selecionamos da dissertação os resultados vinculados à pesquisa
documental dos programas curriculares, em específico as análises sobre o nível de participação
das disciplinas pelo quantitativo de carga horária de cada uma. Isto para identificar como
opera “a seletividade do currículo”, usando como critério a maior ou menor “presença” das
disciplinas em carga horária na matriz curricular: quanto mais horas tem uma disciplina, maior a
sua seletividade. Ao identificar disciplinas com mais participação, as intermediárias e as com
menos espaço, relacionamos as variáveis sociais, políticas e culturais que se vinculam a isto.
Para tal, fizemos uma escala de disposição das disciplinas da Base Comum (Geral) de
todos os cursos integrados do IFPE em ordem decrescente de carga horária:
1) Língua Portuguesa e Matemática (432 h/aula cada)
2) Física (360 h/a)
3) Biologia e Química (288 h/a cada)
4) Educação Física (252 h/a)
5) História e geografia (216 h/a cada)
6) Língua Inglesa (180 h/a cada)
7) Educação artística (72 h/a)
8) Filosofia e Sociologia (36 h/a cada)
Na Base Geral / Comum a língua portuguesa e a matemática tem mais espaço. Já
sociologia e filosofia são as disciplinas menos contempladas, com 36 h/aula. Estes são
indicativos de (des)“valorização” destes campos no Ensino Médio. Não à toa, ouvimos em
muitos espaços escolares, por docentes e estudantes, que Educação artística, sociologia e
filosofia são “menos importantes” (ou menos “exigentes” etc.), enquanto “português e
matemática” são mais “consideradas” e História, Geografia e Ciências Naturais são
intermediárias em “importância” ou “rigor”, “exigibilidade”.
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A pedagogia do capital flexível comparada com as disciplinas da Base Geral / Comum
Vimos também as disciplinas do campo “administração e negócios”:
A) No curso de Química Industrial: 162h/aula: 1. Empreendedorismo (54h/aula); 2.
Relações Humanas no Trabalho (36h/aula); 3. Gerência e Marketing (36 h/aula) e 4. Gestão da
Qualidade (36h/aula);
B) No curso de Edificações: 90 h/aula: 1. Empreendedorismo (54 h/aula) e 2. Relações
Humanas no Trabalho (36 h/a).
Considerando a carga horária das disciplinas “de administração” (162 h/aula em Química
Industrial e 90 h/aula no curso de Edificações) e percebendo este como um campo disciplinar
situado na escala da Base Comum, ele se posiciona, nos dois cursos, abaixo de Língua Inglesa
(180h/aula) e acima da Educação Artística (72h/aula). Logo, concluimos que o campo de
disciplinas “da administração” (ou a “pedagogia da capital flexível”), mesmo sendo
“profissionalizante complementar”, tem inserção maior no currículo do que as artes, a
sociologia e a filosofia. Com isto, podemos dizer que a linguagem do mercado contemporâneo
tem mais espaço no currículo que o ensino das artes, da sociologia e da filosofia.
Disciplinas de menor inserção, Sociologia e filosofia são campos de saber indispensáveis
à formação do cidadão crítico e politicamente consciente. Contudo, “parecem ser”
“desinteressantes para a ideologia dominante”: foram excluídas do currículo escolar nacional no
regime empresarial-militar de 1964-1985. Retornaram muito timidamente ao Ensino Médio, mas
são campos pouco “valorizados” ou “considerados secundariamente” em relação a outras
disciplinas tradicionais do currículo.
Elas ocupam, juntas, apenas 72 horas-aula da Base Geral / Comum dos cursos integrados
do IFPE, enquanto, como destacado em alguns parágrafos acima, no curso de Química Industrial
as quatro disciplinas “de administração e negócios” ocupam 162 horas-aula (2,25 vezes mais
que sociologia e filosofia juntas). No curso técnico em Edificações as duas disciplinas “da
administração” somam 90 horas, ainda assim um espaço maior que Sociologia e Filosofia
somadas.
Isto expressa a “tradição seletiva” do currículo escolar, na qual a maior ou menor
inserção de um ou outro componente curricular indica como um tipo de conhecimento é “mais
escolhido” em detrimento de outros (APPLE, 1999). Neste sentido, consideramos que na
“perspectiva hegemônica do capital flexível” os conhecimentos em sociologia e filosofia, apesar
de sua amplitude e abrangência, são “menos selecionados” do que conhecimentos mais
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específicos das disciplinas de “administração e negócios” – as quais trazem as demandas
ideológicas e técnicas atreladas ao trabalho alienado no neoliberalismo contemporâneo. Assim,
“podemos começar a obter uma aferição mais concreta das relações entre o poder econômico e
político e o conhecimento que é tornado acessível (e o que não é tornado acessível) aos
estudantes” (APPLE, 1999, p. 29. Grifo do autor). Na nossa análise, vimos o que é tornado
menos acessível ou mais acessível, como algo mais ou menos importante de se transmitir.
Interessa-nos apontar o caráter ideológico de classe que permite que sociologia e
filosofia juntas ocupem menos espaço que as disciplinas da “pedagogia do capital flexível” e dos
referenciais neoliberais (campo da administração), dado que a assimilação ideológica e prática
nestas disciplinas é estratégica para a alienação do trabalho dominante no neoliberalismo.
Como agravante, nós não encontramos nos currículos analisados contrapontos teóricos e
ideológicos a isto. Inexistem ementas ou programas que contemplem aprofundamentos sobre
movimentos sociais, direitos, lutas de trabalhadores etc. Para além das tradicionais ciências
humanas ou da filosofia não há componentes curriculares tragam críticas ou reflexões
aprofundadas sobre as variáveis econômicas e políticas que incidem nas relações de trabalho e
poder no capitalismo.
Para que(m) serve esta proposta de assimilação e restrita adaptação comportamental às
demandas do mercado, mas não estabelece enfoques politécnicos ou críticos sobre as relações
econômicas e de poder dominantes? Porque as “disciplinas do mercado” tem mais espaço no
currículo do que campos de conhecimento amplos que podem contribuir com reflexão e crítica a
paradigmas, à cultura e às relações dominantes no neoliberalismo?
Respondemos: porque os conteúdos da “administração” sinalizam para a internalização e
adaptação passiva à seletividade e intensificação da exploração no mercado neoliberal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para nós, tais aspectos comportamentais e ideológicos das exigências do mercado sobre
os trabalhadores até podem e devem ser abordados no currículo, mas com uma contextualização
crítica do processo histórico-econômico e da conjuntura política do mercado capitalista no
neoliberalismo, como algo possível de enfrentamento e mudança. As exigências do capital sobre
o trabalho podem e devem ser estudadas, mas considerados os limites, as relações de poder
excludentes e as contradições econômicas, as questões políticas e culturais, além de apontadas
possibilidades de ruptura e de enfrentamento.
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Ao passo que fizemos a análise, estabelecemos como contraponto uma perspectiva crítica
a essa subordinação da educação escolar ao capital flexível, abordando suas variáveis históricas e
suas contradições: uma pedagogia socialista balizada em princípios da Escola Unitária, em
conceitos como politecnia, união entre trabalho e ensino, interdisciplinaridade, a superação da
dualidade entre ensino técnico e propedeutico, por uma educação ampla que tome os
conhecimentos humanos em suas diversas potencialidades.
Palavras-chave: “Educação profissional”, “Currículo”, “Pedagogia do capital flexível”
REFERÊNCIAS
APPLE, Michael. Ideologia e Currículo. Porto: Porto editora, 1999. 255p.
ANTUNES, Ricardo. Trabalho e precarização numa ordem neoliberal. In: GENTILI, Pablo;
FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). A cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no
trabalho. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002, p. 35-48.
FRIGOTTO, Gaudencio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Cortez, 2000. 229
p.
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