3.3. Desconcentração Político-Institucional

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3.3 A DESCONCENTRAÇÃO POLÍTICO-INSTITUCIONAL
•
Conceitos básicos
A ocupação produtiva do Brasil, ou a desconcentração
territorial cria condições também para uma redefinição
da estrutura político-institucional do país.
Nessa perspectiva, a reorganização políticoinstitucional do país deverá introduzir estruturas onde
o poder central se recolha a suas funções específicas,
enquanto as funções não específicas do poder central
sejam redistribuídas para o corpo da organização
social, para mais perto das pessoas e das
organizações ou grupos mais próximos delas: as
comunidades, os estados, o município e o semnúmero de organizações de base, de caráter político,
religioso, econômico, cultural, social e outras.
Esta redistribuição de funções e da estrutura
institucional implica eliminar a idéia, ou a cultura
referida, do Estado imperial, com domínio e controle
sobre tudo e sobre toda a sociedade, em favor de um
modelo federativo mais efetivo, modelo que,
apesar do nome que adota desde a República, o
país nunca conheceu. Esse novo modelo deveria
significar a união consciente, nos termos do pacto
estabelecido entre unidades concebidas como
autônomas, cujas parcelas de autonomia sejam
transferidas, por consenso, à União Federal. Isto não
ocorre no Brasil, até porque os chamados estados,
evoluiram das províncias, quase satrapias, imperiais.
A Federação brasileira, portanto, traz a carga pesada
do centralismo da própria formação histórica do país,
gerando um traço cultural difícil de ser superado e
esta é uma tradição que torna o país diferente, por
exemplo, dos Estados Unidos, cuja UNIÃO se fez,
efetivamente, por vontade de colônias autônomas em
sua origem.
No Brasil, desde a centralização da metrópole
portuguesa, seus Governadores Gerais e Vice-Reis,
às ordenações manuelinas, depois passando pelo
regime imperial, a tradição sempre foi de regimes
fortes e centralizados. A decantada organização
imperial e a magnanimidade, ou espírito democrático
do segundo imperador brasileiro, permitiram um certo
funcionamento descentralizado do Império, como
concessão do poder imperial às suas províncias e à
sociedade, concessão e não desconcentração,
conceitos bem diferentes.
O advento da República não mudou muito a tradição
centralizada das instituições brasileiras. Embora
nominalmente federativa, a República não constituiu,
porém, Estados minimamente autônomos. Ao
contrário. A República instalada, reprimiu com dureza
incomum, as aspirações de autonomia federalista, que
se manifestaram em vários pontos do país, e que
foram sistematicamente abafadas a ferro e sangue,
especialmente no governo Floriano Peixoto.
Assim, na primeira República, desde sua proclamação
até 1930, os Estados, que deveriam ser federados,
nunca conseguiram deixar de ser mais ou menos
províncias, as referidas satrapias federais, governadas
pelas respectivas oligarquias, apoiadas no poder
central, situação que teve seu símbolo máximo com a
queima das bandeiras dos Estados, em praça pública,
pelo Regime do Estado Novo, instituído em 1937.
A Constituição de 1946, após os anos da ditadura
Vargas, também não conseguiu viabilizar estados
autônomos, e a Federação brasileira continuou na
chamada terceira República, até 1964, mais nominal
que efetiva. A Revolução de 1964, introduzindo no
país o regime militar, reaproximou o país do regime do
Estado Novo, com os Governadores indicados pelo
poder central, como os prefeitos das grandes cidades
e capitais, estabelecendo a centralização do poder
discricionário, não só nas instituições políticas, mas
também na área administrativa, com seus sucessivos
Planos de Diretrizes e Bases para a Ação Nacional
que engessaram o país.
Com a redemocratização a Constituição de 1988,
voltou a afirmar, nominalmente, a autonomia dos
Estados, autonomia estendida, agora, aos Municípios.
Só nominalmente, porque na prática, o Poder Central
continuou com as mesmas prorrogativas, não só
absorvendo questões e práticas que pouco teriam a
ver com suas funções de Estado Federal, mas
sobretudo mantendo o controle das políticas
tributárias e fiscais, o que lhe permite a manipulação
dos recursos, e portanto, a “ subordinação das
autonomias” .
Em conseqüência, embora formalmente uma
Federação,
o
Brasil
continua
com
as
características de um Estado unitário, onde os
poderes e os mecanismos de exercê-lo
permanecem centralizados na União, conceito, o
de União, melhor expresso como Poder Central.
Continua prevalecendo, dessa forma, as teorias do
primado do Estado sobre a sociedade, do que decorre
a tradição do Estado onipresente e da pouca
participação da sociedade ou da cidadania.
Não
ocorreu,
historicamente,
e
nem
se
institucionalizou o Brasil como um país formado das
bases dos Estados ou das Regiões, integrados e
solidários entre si e, por isso, unidos. Dessa forma, a
Constituição de 1988 voltou a definir o Brasil como um
Estado
federal,
que
concede
atribuições
constitucionais e competências, ou autonomias, aos
estados-membro, na medida por ele definidos,
enquanto reserva para si o poder e o controle dos
processos.
O Poder Constituinte, de caráter congressual, formado
de delegados do povo e dos Estados, dessa forma,
não agiu na plenitude como representação delegada,
mas concebeu o Brasil como um Estado corporificado
por uma forma de Governo – a República,
congregando unidades nominalmente autônomas,
chamadas Estados e Municípios, descaracterizando,
porém, o conteúdo dessa autonomia nominal.
Não se conseguiu, ainda desta vez, perceber o Brasil como um
povo, uma sociedade institucionalizada, de acordo com sua vontade
em níveis sucessivos, do mais perto dela para o mais distante ou
central. Prevaleceu a vontade do Estado ou talvez até do Governo
sobre as expectativas da sociedade ou dos Estados membros.
Também não se entendeu bem que, se numa
democracia, o poder vem do povo, numa Federação
as competências vêm das unidades federadas, e a
União, em conseqüência, deve constituir-se apenas
como poder delegado pelos Estados, que
estabelecem a forma de sua organização.
Em 1987*, por ocasião dos debates constitucionais,
propus que a Constituinte definisse o Brasil,
efetivamente, “como uma República constituída de
Comunidades politicamente organizadas em
municípios, e da União dos Estados, constituindo
*
Do autor. Proposta Constitucional para Uma Nova Sociedade. Porto Alegre:
Editora Mercado Aberto, 1986, 1988.
a Federação”. E prosseguia a mesma proposta: “Na
condição de República, a nação politicamente
organizada
não
pertence
a
ninguém,
individualmente, mas à Sociedade”. Nada, porém,
aconteceu, e o Brasil voltou a ser definido como uma
República Federativa “formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal”, constituindo um “Estado
democrático de direito...”. O povo e a comunidade
desapareceram do conceito. A organização do Estado
– República Federativa, prevaleceu, na definição
sobre a presença de seus elementos constitutivos – a
sociedade e os estados.
Aliás, a inclusão dos Municípios e do Distrito Federal
como entes federativos, mostra o quão longe a
Federação Brasileira passa do conceito da Federação
como União de Estados autônomos.
O Brasil passou a ser assim um ente político, em vez
de um ser social expresso como uma forma de
governo – uma República e um Estado
“democrático e de direito”, em vez de ser
concebido como um povo, ou uma sociedade
organizada, conjunto de pessoas e comunidades
estruturadas em vários níveis de competências
federais, municipais ou estaduais. Em conseqüência,
pela letra constitucional, mais uma vez a Federação
passou a ser apenas uma concessão do Estado,
Central, pré-existente, que está em conseqüência,
em sua origem, ou na base da organização social.
Deste equívoco básico da natureza e do conceito da
organização social, continuam decorrendo os equívocos que
relativizam a Federação brasileira e reforçam o Estado imperial.
Em resumo: é preciso redefinir a União, ou o poder
federal, como conseqüência, e não como causa da
Federação, como ser e poder delegado e não
como ser original, que delega e concede poderes e
atribuições.
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