Presença ética-2001-Ano 1-VOL. 1

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Apresentação
Contemporaneamente, o debate sobre o tema da ética ou de questões que
impliquem em opções éticas, ganha espaço na mídia e na sociedade brasileira quando
um conjunto de situações e eventos protagonizados por personagens da política
brasileira chocaram a opinião pública pela desfaçatez com que arquitetaram a
transgressão de valores e princípios morais.
Este debate, entretanto, foi instrumentalizado por uma concepção que situa a
discussão da ética no ambiente legal-formal, restrito aos julgamentos de valores e à
aplicação de sansões reparadoras de comportamento e atitudes que infringiram direitos e
deveres, em geral relacionados ao clientelismo, negociatas, corrupção, falta de decoro
parlamentar, violação de direitos humanos, dentre outros.
Essas iniciativas, com todos os méritos que lhe são inerentes e, ainda que,
marcadas por manifestações de indignação e espanto, não tiveram o poder de fomentar
a formação de uma consciência ética que transpusesse o patamar do universo factual e
legal em favor de uma consciência crítica, mobilizadora de ações fundadas em novos
valores e práticas sociais orientadas para a transformação da ordem vigente.
Atentos a este movimento, os profissionais de serviço social, já nos idos de
1993, identificavam em tal conjuntura a existência de um apelo histórico que reclamava
– a definição das suas “escolhas” ético-políticas e profissionais que viessem a referendar
o compromisso da categoria na luta pela realização da emancipação humana. Ao
protagonismo do CFESS e dos CRESS neste campo, somos todos devedores.
Produto daquela dinâmica e do compromisso profissional, acadêmico, político, e
ético das pesquisadoras que compõem o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ética
(GEPE) da UFPE, esta coletânea, organizada pela Profª Drª Alexandra Monteiro
Mustafá, dá mostras da importância e dimensão que adquiriu a discussão entre filosofia,
ética, sociabilidade e Serviço Social no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
da UFPE, ao qual estão vinculadas a maioria das autoras.
Dirigido prioritariamente ao publico do serviço social, os ensaios ora publicados
alem de enfocarem a trajetória, os fundamentos filosóficos e os princípios no atual
código de ética profissional do assistente social, tratam temas transversais à formação
profissional e que requerem, como diz uma das autoras, “um olhar ético”, a exemplo da
questão do preconceito e da degradação ambiental. Esta coletânea reúne, ainda, todos os
códigos de ética da profissão (1947, 1965, 1975, 1986 e 1993).
Ao instigar o debate, exercitando o pluralismo teórico que marca a dinâmica da
vida acadêmica no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE, esta
publicação honra a todos nós que, nestas terras nordestinas, lutamos por um Serviço
Social crítico, comprometido e apto a enfrentar os desafios contemporâneos da
sociedade brasileira, sem perder a ternura e os laços que nos unem nesta batalha.
Ana Elizabete Mota
Notas Introdutórias
Esta coletânea é uma iniciativa do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ética –
GEPE do Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de
Pernambuco – UFPE, a partir de um trabalho de intensa reflexão/discussão sobre a
necessidade da inserção da questão ética, tanto no que se refere à análise/intervenção na
realidade contemporânea, como os seus rebatimentos na profissão de Serviço Social.
O GEPE, constituído no inicio do novo milênio (ano de 2000)1, congrega
professoras, estudantes do doutorado, mestrado e graduação do curso de Serviço Social
e tem como principal objetivo resgatar a centralidade da ética, como instrumento de
leitura da realidade e como uma das dimensões de inspiração para a superação das
contradições sócio-político-econômicas, no sentido de construir valores que
fundamentam uma nova ordem social, pautada na concepção de um processo de
emancipação humana.
A materialidade de um grupo de pesquisa constitui um enorme desafio
para os cursos de Pós-Graduação, considerando as particularidades do momento
histórico-conjuntural que caracterizam o quadro atual da universidade brasileira, face à
hegemonia do projeto neoliberal. A relevância desses grupos repousa na sua capacidade
analítica de captar as determinações e implicações da realidade, possibilitando o
enriquecimento do processo de construção do conhecimento e uma contribuição efetiva
na identificação de possibilidades concretas de alternativas/proposições frente às
incongruências do movimento da vida social.
A ética, enquanto uma dimensão da vida social, não pode ser diluída nem
derivada, de forma imediata, de outras esferas como, por exemplo, a economia, a
política, a ideologia e a cultura. Pensar, portanto, a dimensão ética inscrita na vida de
homens e mulheres, supõe compreender que, cotidianamente, estes sujeitos – individual
e coletivamente – fazem escolhas de valor que fundamentam sua atuação no mundo,
enquanto seres históricos e teleológicos. Desse modo, estas escolhas estão alicerçadas,
consciente ou inconscientemente, em um determinado projeto de sociedade.
1
Entre as atividades desenvolvidas no período 2000/20001 destacam-se: o lançamento do GEPE com a
presença da Profª Cristina Brites (PUC/SP); a realização do curso “As Possibilidades da Reflexão Ética
em Kant, ministrado pela Profª Cinara Nahra (UFRN); a socialização da Tese “A Centralidade da Ética na
Discussão sobre o Estado Social” da Profª Maria Alexandra M. Mustafá; a participação de membros do
GEPE, na condição de palestrantes no Seminário “Ética na Contemporaneidade” (Mossoró/RN) e durante
a Multiplicação do “Projeto Ética em Movimento”.
Desde a década de oitenta, o debate ético tem assumido destaque na
sociedade brasileira, face aos demasiados da anti-eticidade expressa na condição de vida
da população e na forma de enfrentamento político adotado diante da “questão social” e
do próprio processo de democratização. Isto repercute diretamente no interior do
conhecimento e na organização política evidencia a ética como elemento de
fundamental importância, seja no processo de formação, no exercício da profissão e,
finalmente na discussão sobre princípios e normas inscritos no Código de Ética dos(as)
Assistentes Sociais.
A proposta desta coletânea é a de oxigenar este debate ético profissional.
De um lado, traz ensaios que põe a ética a partir de olhares múltiplos que perpassam a
formação e o exercício profissionais, com ênfase para reflexões em torno dos princípios
do código de ética de 1993. De outro, reúne todos os códigos de ética do(a) assistente
social, iniciativa importante para preservar a memória da profissão.
Enfim, esse esforço coletivo eivado de ousadia e indignação ética só se
tornou realidade pelo apoio de companheiros(as) que contribuíram para a concretização
desta coletânea. Com carinho nosso agradecimento à coordenadora da Pós-Graduação
em Serviço Social da UFPE, Profª Ana Elizabete Mota, por ter nos concedido mais que
apoio institucional, constituindo-se em uma presença estimulante nos incentivando em
todas as atividades do GEPE; à Lúcia Barroso, que, com presteza, atendeu nossa
solicitação para redigir o prefácio e a Lúcio Mustafá, que gentilmente mesclou
criatividade e disponibilidade na elaboração da capa e do projeto gráfico desta
coletânea.
Esperamos que novos grupos de pesquisa sobre ética surjam no cenário
profissional, a exemplo dos grupos da UFPE e da PUC de SP, contribuindo, assim, para
que o debate ético se enriqueça e possamos aprofundar polêmicas e realimentar nossos
ideais emancipatórios. O GEPE se constitui um dos sujeitos que estão protagonizando
este processo, e desse modo, pretende dar continuidade à publicação anual de
“PRESENÇA ÉTICA”, como forma de fomentar a socialização de estudos e pesquisas,
através de publicações regulares, oportunizando um intercambio entre pesquisadores(as)
de várias universidades. Tal fato já é uma realidade em termos de nordeste, uma vez que
o GEPE conta com a participação e/ou articulação de docentes das seguintes
universidades: Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Universidade Católica de
Pernambuco – UNICAP, Universidade do Federal do Rio Grande do Norte – UFRN,
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN e Universidade Estadual do
Ceará – UECE.
Por fim, é com imensa satisfação que apresentamos o número um da
revista PRESENTA ÉTICA, que pretende ser mais um canal, com periodicidade anual,
de socialização das produções na área da ética. O nome PRESENÇA ÉTICA traduz a
vontade política dos membros do GEPE de que a ética possa significar uma realidade
expressa na vida cotidiana de homens e mulheres. PRESENÇA ETICA significa,
também, nossa esperança na construção de uma outra sociabilidade na qual a dominação
e a opressão cedam lugar para a materialização de relações sociais e valores
emancipatórios que contribuam para o pleno desenvolvimento dos indivíduos sociais.
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ética – GEPE/UFPE
Prefácio
Embora a ética tenha um papel significativo na auto-imagem do Serviço
Social, desde a sua origem, é apenas a partir dos anos noventa, no Brasil, que ela recebe
um tratamento sistemático capaz de apreender seus fundamentos e suas determinações
históricas, numa perspectiva crítica.
Esse avanço, explicitado no Código de Ética Profissional de 1993, é
produto histórico de um longo processo de ruptura com o conservadorismo profissional,
em que se gestou uma nova moralidade comprometida com valores emancipatórios e
com uma direção social estratégica capaz de traduzi-los em práticas concretas.
Os textos reunidos neste livro se inscrevem nesse processo em curso; são
expressões de uma nova moralidade profissional que busca refletir, de modo
fundamentado e crítico, sobre ética e seus rebatimentos na ação profissional. As autoras,
professoras de ética de várias universidades, pós-graduandas da UFPE, são membros do
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ética (GEPE), iniciativa fundamental para o
fortalecimento da ética como área de pesquisa do Serviço Social.
Sabemos que apesar da ética ser um tema privilegiado nos debates
profissionais dos últimos dez anos, são raríssimas as universidades que têm essa
disciplina nos cursos de pós-graduação e em seus núcleos de pesquisa, daí a importância
desse empreendimento da Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE.
Um dos grandes méritos dos ensaios que ora são publicados reside na sua
utilização como material didático na formação profissional, sobretudo nas disciplinas de
Fundamentos Filosóficos e Ética Profissional, nos cursos de Serviço Social. Tais
disciplinas – espaços privilegiados de aprendizado ético -, em geral, estão aquém dos
avanços trazidos pela incorporação de referenciais críticos nas reformulações
curriculares das décadas de 80 e 90. Como bem observa a autora do primeiro ensaio,
Edistia Maria, no ensino da ética torna-se evidente a necessidade de uma analise que
permita apreender as possibilidades de objetivação dos valores e princípios inscritos no
Código de Ética. A explicitação do significado histórico e da fundamentação filosófica
destes valores e princípios, trazidos por Edístia Maria e Cinara Nahra, responde a esta
necessidade, de forma acessível ao aprendizado dos alunos, ao mesmo tempo em que
propicia uma leitura ética que extrapola o código, articulando-o com a vida social.
Todas as autoras são unânimes na afirmação de que a ação ética supõe
uma base de fundamentação que necessita do recurso à reflexão filosófica, sobretudo à
filosofia grega. Nesse sentido, o texto de Alexandra Mustafá, ao tecer um panorama
histórico das varias concepções éticas presentes no debate contemporâneo, recorre à
história da filosofia, propiciando ao aluno uma aproximação com as fontes das
diferentes fundamentações éticas e filosóficas necessárias à sua formação.
O ensaio de Marylucia Mesquita, Sâmia Rodrigues e Silvana Mara
convida a uma reflexão sobre a discriminação característica do moralismo. A crítica ao
preconceito trazida para o interior da ética profissional contribui para o desvelamento
das contradições inerentes a uma intencionalidade discriminatória e desumanizadora.
Ao nos instigar para pensar sobre a relação entre ética e a questão do
meio ambiente, Andréa Lima também pergunta sobre o significado da ética na realidade
atual, fornecendo algumas pistas para uma indagação acerca do futuro da humanidade.
Pelas razões assinaladas, é com muito prazer que apresento esses ensaios, apostando na
sua contribuição para o desenvolvimento de uma cultura ética fortalecedora de um
projeto profissional que não se satisfaça com as possibilidades do presente e sim busque
participar da construção de uma nova sociabilidade em que a liberdade não seja apenas
um valor mas uma realidade vivenciada objetivamente por todos os indivíduos.
Maria da Lúcia Silva Barroco
7 de Setembro de 2001
PARTE 1
O Debate Ético:
Fundamentos e Perspectivas
Articulação entre Fundamentos Filosóficos e Códigos de Ética no Ensino de Ética
Profissional em Serviço Social
Edistia Maria Abath1
De todo o escrito amo apenas aquilo que uma pessoa escreve com o seu
próprio sangue. Escreve com sangue e aprenderás que o sangue é espírito.
Nietzsche
As reflexões contidas neste artigo se propõem a contribuir para o processo de
formação profissional, no sentido de pontuar elementos indispensáveis à articulação
entre os fundamentos filosóficos que embasam a disciplina ética e a sua articulação com
os conteúdos deontológicos presentes nos códigos profissionais.
Há dois períodos escolares iniciou-se uma observação mais sistemática para
obter informações junto aos alunos e alunas sobre a sua apreensão do significado do
processo que vem sendo vivenciado no ensino da disciplina Ética Profissional.
A referida disciplina é dividida em duas unidades. Na primeira, consideram-se
os conteúdos fundamentais de ordem filosófica que embasam a discussão da ética geral,
relacionando-se com a dinâmica da realidade histórica em que foram produzidos e seus
rebatimentos na análise da realidade atual e no processo de produção de conhecimento.
Na segunda unidade, realiza-se um estudo a partir da análise sobre os diversos
Códigos de Ética do (a) Assistente Social Brasileiro, contextualizando o percurso
histórico em que foram elaborados; as determinações que caracterizam o exercício
profissional, através da identificação das tendências teórico-filosóficas que o inspiram e
condicionaram a existência de diferentes práticas profissionais. O resultado obtido na
experiência acadêmica, suscitou o desejo de socializar a proposta de ensino
desenvolvida.
Na perspectiva de uma visão histórica da ética, envereda-se pelo universo dos
pensadores gregos e de sua vivencia histórica, podendo-se verificar que a busca, a
descoberta do bem e do bom fundamentam as reflexões sobre normas de conduta moral
e a concepção da vida existentes na pólis grega.
1
Professora da disciplina de Ética Profissional do Curso de Serviço Social da UNICAP, Mestre em
Serviço Social pela UFPE e membro do GEPE e do CRESS-PE.
A tradição literária que funcionou, inicialmente, como elemento fundamental na
formação do ethos daquela sociedade nos faz recordar a contribuição de autores como
Homero que através de seus personagens, tornados imortais na literatura clássica, nas
suas obras Ilíada e Odisséia, realizava um processo educativo de formação das virtudes
do homem grego, há cinco séculos antes de Cristo.
Nesse contexto, destacam-se odes que exaltam os valores enaltecidos pela
cultura grega tais como: o heroísmo, a coragem e a audácia, especialmente no que se
refere à postura exigida pelo homem diante da guerra e valores diretamente vinculados
ao desenvolvimento intelectual, tais como a sabedoria que representava o conhecimento
em relação à vida, à fidelidade, às relações e compromissos assumidos. Estes valores
foram explicitados no “heroísmo de Aquiles”, na “sabedoria de Nestor”, na “coragem e
na audácia de Ulisses” e na “fidelidade de Penélope”.
Os chamados sete sábios da Grécia elaboraram máximas que se tornaram parte
do tesouro e do patrimônio da sabedoria tradicional grega que constituem regras para
uma vida equilibrada, tais como: “Ótima é a medida”, “Nada em demasia”, “Não
desejes o impossível” e “É terrível conhecer o que acontecerá, mas conhecer dá
segurança”.
Observa-se que a busca do bem está na base do pensamento e da construção de
ideais éticos, os quais vão se constituir como referencial para o balizamento do
pensamento e da racionalidade ocidental, especialmente a partir das contribuições de
Sócrates, reportado por Platão, Aristóteles e outros pensadores gregos e das épocas
Medieval, Moderna, Contemporânea e ainda, mais recentemente, em termos da
atualidade.
Através da leitura de textos básicos, apresenta-se aos estudantes aspectos do
pensamento de alguns autores sobre os ideais éticos que elaboraram, enfatizando-se a
dimensão histórica para que compreendam a preocupação humana com a construção de
valores e contextualizem, devidamente, a história da ética.
Inicialmente, destacam-se os chamados Pré-Socráticos e os Sofistas. Estes
últimos são entendidos como parte de um movimento intelectual, considerado
pejorativo, por alguns estudiosos, porque têm como base o ensinamento da filosofia
como profissão, no sentido de utilizá-la na política a partir do exercício da retórica para
o convencimento. Na perspectiva dos sofistas, não existe nem verdade, nem erro, mas
uma relatividade que condiciona a transitoriedade das normas, numa postura contrária
ao que defendia Sócrates, que se reportava à ética como a busca do bem, da virtude,
enquanto valores absolutos (Vazquez, 1990).
Como é sabido de todos, Sócrates foi acusado de corromper a juventude e
obrigado a beber cicuta, falecendo em 399, a.C.. Seu pensamento tinha como
característica principal o amor à filosofia, enquanto concepção de vida, rejeitando,
assim, o relativismo e o saber a respeito do homem, do seu ethos, entendido como
costumes que orientavam os homens na sua ação no mundo. Sua máxima: “conhece-te a
ti mesmo”, refletia sua preocupação com a centralidade do homem, tendo como ideal
fundamental o princípio da justiça, valor este que se constitui um dos fundamentos no
Código de Ética atual do (a) Assistente Social.
Ressalta-se, ainda, outros aspectos revelados por Platão sobre o pensamento
socrático, tais como: o conhecimento universalmente válido contra o que sustentam os
Sofistas; o conhecimento moral como base da ação humana; o conhecimento prático
para agir corretamente e, finalmente, a ética racionalista que preconiza que o homem
age retamente quando conhece o bem e conhecendo-o não pode deixar de praticá-lo; por
outro lado, aspirando ao bem, sente-se dono de si mesmo e, por conseguinte, é feliz.
A característica do método de Sócrates é a não proposição dogmática, mas a
utilização do diálogo como recurso fundamental que conduzia o outro a refletir e chegar
a conclusões sobre questões filosóficas e morais anteriormente desconhecidas: a
chamada “maiêutica” socrática, também considerada como dialética (Valls, 1999).
O outro autor da antiguidade analisado na disciplina é Platão - discípulo de
Sócrates, que elabora uma discussão sobre a ética intimamente relacionada com a sua
filosofia política. Para ele, a pólis é o terreno próprio da vida moral. No entanto, a sua
concepção de mundo interpreta a realidade de maneira dual, a partir de uma visão
metafísica na qual as idéias são permanentes e imutáveis, constituindo a verdadeira
realidade: o bem. Além disto, Platão elabora uma doutrina das idéias, baseada numa
concepção de mundo como reprodução do modelo ideal transcendente à existência
humana, onde a alma anima e move o homem, formando uma dualidade em que a razão
é considerada superior e controla, através da vontade, as necessidades ou apetites de
caráter inferior.
Para Platão, o ideal buscado pelo homem virtuoso é a imitação do modelo ideal
de virtude. Aderir ao divino é a medida de todas as coisas. Em sua pesquisa, o filósofo
idealista vai organizando um quadro das principais virtudes, a saber:

Justiça (dike) é a virtude geral, que ordena e harmoniza e, assim, nos
assemelha ao invisível, divino, imortal e sábio;

Prudência ou Sabedoria (frônesis ou sofia) é a virtude própria da
racionalidade. Para Platão, equivale à vida filosófica como uma música mais elevada; é
aquela que põe ordem, também, nos nossos pensamentos;

Fortaleza ou valor (Andréa) é a que faz com que as paixões mais
nobres predominem e que o prazer se subordine ao dever;

Temperança (sofrosine) é a virtude da serenidade, equivalente ao
autodomínio, à harmonia individual (Valls, 1999:27).
O resgate do pensamento grego, na disciplina, tem continuidade com a
abordagem do pensamento de Aristóteles que além de profundo pensador especulativo,
praticava a psicologia e levava muito a sério a observação empírica. Discípulo de
Platão, Aristóteles se opõe ao dualismo ontológico de seu mestre. Acredita que o
homem, através da razão, busca a felicidade, entendida como bem supremo. Explicita na
sua - Ética a Nicômaco - as virtudes por ele consideradas essenciais: amizade, justiça,
temperança, liberdade, coragem, magnanimidade. No entanto, a contemplação se
constitui o maior dos bens, o bem mais precioso.
Entre suas obras, destaca-se ainda: a Política e a Metafísica, onde se encontram
elementos que foram resgatados posteriormente, por Tomás de Aquino e pelo
neotomismo que fundamentam princípios explicitados no Código de Ética do (a)
Assistente Social, elaborado em 1947. Esta articulação entre esses princípios e os
códigos de ética profissional se realiza, na segunda unidade da disciplina, momento no
qual se vai estudar o Código com o objetivo de identificar e caracterizar o se significado
e possibilidade de materialização no cotidiano (Vazquez, 1990; Valls, 1999).
O último pensamento analisado, em relação à Grécia, refere-se aos Estóicos e
Epicuristas pensadores que surgem na Grécia à época da sua decadência, ruína e perda
de autonomia, ou seja, no tempo da queda da pólis e afirmação do império macedônico.
Observa-se, então, que a reflexão ética não se fundamenta mais nas questões políticas
da pólis, mas no que diz respeito ao Universo e à subjetividade humana. Para os
estóicos, por exemplo, o bem supremo é viver de acordo com a natureza sem se deixar
levar por paixões ou sentimentos inferiores. Já para os epicuristas, não há nenhuma
influência divina na vida dos homens. Libertado dos valores religiosos, o homem pode
buscar o bem através do prazer. Em conseqüência dessa modificação, na direção do
pensamento filosófico grego, a unidade entre ética e política, sustentada pela ética
antiga, entra em decadência (Valls, 1999).
Considerando a perspectiva de resgate histórico da ética, a disciplina sinaliza
para a discussão sobre Ética Cristã Medieval, constituída no momento em que o
Cristianismo se eleva sobre as ruínas da sociedade grega e romana e se impõe durante
séculos. Todas as manifestações da vida medieval estão impregnadas da religião oficial
de Roma. A ética cristã sistematizada, inicialmente, por Sto. Agostinho se contrapõe ao
racionalismo ético dos gregos, na mesma medida em que se realiza um processo de
osmose, ou seja, de absorção dos princípios filosóficos gregos, adaptando-os à lógica
cristã (Valls, 1999).
Já a Ética Moderna, dominante desde o século XVI ate inicio do século XIV,
caracteriza-se por sua tendência antropocêntrica. Neste período, incrementam-se as
forças produtivas, o desenvolvimento da ciência moderna e as relações capitalistas.
Surge, também, uma nova classe social: a burguesia. Do ponto de vista ideológico, a
religião deixa de ser a forma de pensamento dominante e absoluta e a igreja Católica
perde sua função de guia do processo de construção do conhecimento. Entre outros
pensadores desta fase, destacam-se Kant e Hegel.
A perspectiva ética de Kant é formal e autônoma, ou seja, postula um dever para
todos os hímens, concebendo o comportamento moral equivalente a um sujeito
autônomo, livre, ativo, criador e produtor. Hegel, por seu lado, considera o homem
como idéia, razão ou espírito absoluto: a realidade real. A sua atividade moral não é
senão uma fase do desenvolvimento de espírito ou uma forma como o espírito se
manifesta e se realiza (Vazquez, 1990).
A Ética Contemporânea contesta, desde sua origem, o formalismo kantiano e o
racionalismo de Hegel, através do existencialismo – perspectiva filosófica identificada
com o pensamento de Kierkegard e Heidegger – do pragmatismo e da psicanálise, que
procuram compreender aspectos do irracional no comportamento humano.
O marxismo emerge no cenário intelectual e histórico concreto a partir das
análises realizadas por Marx sobre as determinações dos diferentes modos de produção
que caracterizaram as formas de organização social, de modo especial o capitalismo.
Oferece elementos significativos para a ética contemporânea, ao tempo em que indica
bases teóricas e praticas para uma nova moral, buscando interpretar o homem na sua
dimensão concreta, enquanto unidade indissolúvel – práxis ser produtor, transformador,
criador que através do trabalho transforma a natureza externa, nela se plasma e, ao
mesmo tempo, cria um mundo à sua medida e de acordo com suas necessidades.
Em sua ontologia, Marx concebe o homem como ser social, portanto, trata-se de
um ser que produz e cria determinadas relações sociais de produção e, como ser
histórico, pode modificar estas relações sociais mediante certas condições objetivas e,
sob o impulso das contradições, provoca a transformação da base econômica e da
superestrutura ideológica que compreende, dentre outras, a ética e, consequentemente, a
moral (Vazquez, 1990).
De acordo com alguns pensadores, tais como Leonardo Boff, a ética, na
atualidade, centra-se em três aspectos com dimensões planetárias: a crise social, a do
sistema do trabalho e a crise ecológica (Boff, 2000).
Observa-se, portanto, que é possível identificar, no debate sobre a ética
atualmente, elementos que resgatam princípios e valores da ética na antiguidade e na
sociedade moderna. Isso ocorre num momento conjuntural de afirmação do projeto
‘neoliberal’. Entender esse complexo mundo de valores e suas implicações na realidade
é um dos desafios éticos atuais.
Para uma maior compreensão da crítica à moral neoliberal presente no debate
sobre a ética atualmente, destaca-se o que diz Oliveira (1999): fala-se hoje em
mudanças rápidas e profundas dos valores subjacentes à convivência entre os homens, o
que implica, implícita ou explicitamente, ruptura com o ethos culturalmente transmitido.
Observa-se um individualismo cada vez mais difuso que vai se impondo como
mentalidade subjacente aos comportamentos das pessoas em sua convivência social.
A ‘ética’ do sucesso a qualquer custo torna-se elemento aceito acriticamente,
mesmo com a substituição, em muitas situações, do direito pela força. O mais forte
estabelece as regras da vida em comum. A partir desse ponto de vista, o principio
‘ético’, se é que se pode considerá-lo como tal, seria levar vantagem em tudo. Nessa
ótica, nada importa: a depredação da natureza, a expulsão do homem do campo, a
agressão ao Índio. No que diz respeito à prática política, Oliveira (1999) problematiza,
ainda, a existência de práticas comumente naturalizadas de corrupção generalizada;
clientelismo,
autoritarismo,
demagogia
em
diferentes
níveis;
desmascarado; irresponsabilidade social; violência e prepotência.
oportunismo
Sobre a moral
neoliberal ressalta, ainda, o referido autor que os meios de comunicação reproduzem e
reforçam esta perspectiva de homem e de vida, fortalecendo a idéia do homem
consumista, cujo fim principal é o ter e o prazer.
Há, desse modo, um distanciamento entre as determinações jurídicas que
orientam para uma ordem política e social, baseada na Constituição do país,
fundamentada nos direitos sociais do cidadão e a nossa sociedade que está longe de
incorporá-las como valores de convivência social. Segundo o mesmo autor, “a lei, ao
invés de ser vista como condição de possibilidade de efetivação de direitos, passa a ser
considerada como inimiga da qual se deve fugir como se puder” (Oliveira, 1999).
Esse comportamento vai fomentando uma mentalidade individualista que
desvaloriza propostas de caráter coletivo. Observa-se, aos poucos, que as perspectivas
universalizantes são secundarizadas, ao tempo em que emerge uma concepção de ética,
predominantemente, de caráter particular.
Desnecessário é ressaltar que a emergência e o predomínio dessa mentalidade,
no nosso contexto, têm como força propulsora as formas atuais de organização
econômica, política e social. A ascensão e o crescimento do projeto neoliberal, em nível
mundial, possibilitaram a reciclagem do capitalismo na sua concepção mais sofisticada,
ou seja, selvagem, provocando a desestruturação de organizações da vida social e do
trabalho.
Estuda-se, assim, durante a disciplina, a moral, situando-a histórica e
socialmente, como um produto das relações que o homem estabelece em suas
atividades: produtiva, social e espiritual. Desse modo, procura-se indicar como a moral
está circunscrita num contexto específico, tendo o papel não apenas de justificar, mas de
regular as relações humanas, segundo seus objetivos. A superação dessa moral
implicará sempre em um novo olhar e na mudança de atitude em relação a questões
significativas, com as quais nos deparamos no quotidiano profissional. Assim, é
possível compreender as múltiplas concepções acerca da moral que convivem,
simultaneamente, numa mesma sociedade.
Na seqüência do conteúdo da disciplina, procura-se apresentar questões sobre as
quais os estudantes já manifestaram um certo discernimento, no sentido de aprovar ou
rejeitar determinados comportamentos
sob uma perspectiva reflexiva, apoiada nos
parâmetros da escala de valores que possuem. Em face de determinadas circunstâncias,
busca-se refletir quais valores devem orientar uma dada ação. Assim, é que,
cotidianamente, nos indagamos: que devo fazer? É correto fazer isso? “As perguntas
pueris contém dois momentos: o saber que não se sabe, a ausência de preconceitos, o
questionamento dos conceitos prontos e acabados, por um lado e por outro a sede de
saber do conhecimento” (Heller, 1983:22).
As indagações são muitas. Os dilemas morais são constantes e pertinentes.
Freqüentemente se questiona, por exemplo: é certa a realização da esterilização
obrigatória, tendo em vista prevenir a fome ou a catástrofe econômica? Podemos
admitir os saques aos estabelecimentos comerciais, quando as pessoas estão com fome?
Como explicar a seca secular no nordeste, em relação a outras regiões do país? É correta
a realização do aborto, quando identificada mal formação nos fetos? A eutanásia deve
ser realizada quando a esperança de vida se extinguiu? O que dizer ou como analisar a
apropriação indevida de recursos públicos: o seu desvio e uso inapropriado, nos
diversos setores, instâncias que compõem a vida social, na política institucionalizada,
no esporte, na economia, (bancos empreendimentos da construção civil) e, até mesmo,
na área do poder judiciário?
Ressalte-se que uma das formas mais comuns de responder ao conteúdo moral
implícito nessas interrogações é a invocação e a explicação a partir da ótica religiosa,
pela vontade divina e do sobrenatural.
Vazquez afirma que para se estabelecer a relação entre o que é bom e o que não
é, duas questões fundamentais devem ser consideradas: bom para quem? E em que
consiste o bem?
Partindo desses questionamentos, procura-se trabalhar com os estudantes a idéia
de que quando o bem está circunscrito à satisfação e ao bem estar de um indivíduo,
prescindindo o bem da coletividade, não seria correto considerá-lo como bem. Isso
porque só a superação e a compatibilização entre interesses individuais e coletivos
proporcionaria o ideal ético.
Nessa perspectiva de busca do bem, se produz a moral, aqui entendida como
“conjunto de normas e regras destinadas a regular as relações dos indivíduos em um
determinado momento histórico” (Vazquez, 1990). Assim sendo, as morais se sucedem,
se modificam, de acordo com os interesses das sociedades. A ética como ramo da
filosofia, que estuda estas morais representa o conhecimento da moralidade em sua
totalidade, nas suas contradições e historicidade.
A ética em Serviço Social, também, reflete os diferentes momentos da historia
da profissão. A discussão sobre a moral o Serviço Social vem se constituindo como
resultado da análise sobre a forma de produção social, superando as bases tradicionais e
tendo como compreensão que a ética profissional está para além, é subjacente e
transversal à estrutura e conjuntura social do fazer do cotidiano profissional.
Em relação às reflexões realizadas pelos alunos e alunas, a esse primeiro nível
de abordagem, observa-se um certo grau de compreensão, referente a uma postura
filosófica. Os estudantes atingem um nível de reflexão crítica, na medida em que
percebem sob a forma de análise, os valores que se devem adotar em relação às questões
cotidianas, para evitar o senso comum e os pré-julgamentos a busca de apreender o
saber verdadeiro. A esse respeito, podemos nos reportar a Heller quando esta afirma que
este saber: “representa uma posição teórica que requer a superação do particularismo
individual” (Heller, 1983:108). Alguns estudiosos de filosofia dizem que, neste
procedimento, ou seja, na consideração da face e contra-face de uma questão, constituise uma atitude crítica, um pensar crítico.
Através dessa primeira etapa, busca-se, alcançar, também, o desenvolvimento da
reflexão para posterior formação de um conhecimento sistemático e de um agir
profissional crítico, bem como proporcionar elementos para a construção de uma nova
visão de mundo.
Durante, ainda, a primeira unidade, estudam-se as categorias subjacentes à
constituição de uma Ética não apenas profissional, mas uma ética da atualidade que,
segundo Boff, “configura a atitude de responsabilidade e de cuidado com a vida, com a
convivência societária, com a preservação da Terra, com cada um dos seres nela
existentes e com a identificação de um derradeiro Sentido do Universo” (Boff,
2000:26).
A análise, a crítica e a visão de mundo consideradas anteriormente vão
constituindo-se em pressupostos para a concepção de moral que se estabelecerá na
prática profissional e em compatibilidade com o Código de Ética Profissional de 1993,
no qual está explicitada uma dada concepção de moral.
Uma outra categoria estudada é a dos valores. No processo de escolha, supõe-se
que os valores não existem sem que estejam diretamente vinculados aos sujeitos
históricos e sociais que lhes atribuem uma determinada escala de hierarquia. Os valores,
excetuando-se aqueles que constituem os elementos da natureza são produtos humanos.
Destaca-se entre os valores estudados, a liberdade, cujo enfoque geralmente
provoca, entre alunos e alunas, uma forte polêmica. Isso porque o entendimento dos
estudantes consiste numa interpretação restrita sobre o que é liberdade, ou seja,
enquanto sinônimo de fazer o que se quer, quando e como se quer.
A tradição liberal, originada em Locke, valoriza a autodeterminação da
liberdade, reduzindo-a ao plano individual. Heller, ao contrário, refletindo sobre a
liberdade, enfatiza que esta pode ser considerada como o “Sumo Bem” da filosofia
burguesa (Heller, 1983). A discussão sobre liberdade tem em Vazquez aspecto
significativo, considerando a relevância que dá à questão da responsabilidade: “não
basta julgar determinado ato segundo uma norma ou regra de ação, mas é preciso
também examinar as condições concretas nas quais ele se realiza, a fim de determinar
se existe a possibilidade de opção de decisão necessária para poder imputar-lhe uma
responsabilidade” (Vazquez, 1990:91).
Procura-se construir com o corpo discente, através dos elementos constituintes
da teoria de alguns autores, uma noção de liberdade interdependente, de tendência mais
coletiva, sem, no entanto, eliminar da sua racionalidade, a responsabilidade individual.
Neste sentido, privilegia-se uma análise dos valores contidos nos Códigos de
Ética do (a) Assistente Social. Procura-se observar se estão em sintonia com certa
generalidade que a ética comporta ao tratar dos aspectos cotidianos e das situações
concretas, sem perder de vista que a função da ética é a reflexão crítica sobre a
moralidade para melhor esclarecimento e compreensão da realidade.
Integra, ainda, o conteúdo da disciplina uma reflexão sobre as sistematizações
presentes no debate profissional sobre a ética. Ressalte-se a preocupação de que, apesar
dos avanços e do acúmulo de conhecimentos obtidos pelo Serviço Social, no debate
sobre a ética, ainda se espera a elaboração de elementos substanciais que incorporem
seu significado histórico filosófico, estabelecendo a relação com as categorias que dão
suporte aos princípios do Código de Ética.
Considerando este aspecto, procura-se identificar o conhecimento histórico sobre
a construção das categorias que constituem os princípios contidos no nosso Código de
ética atual: liberdade, cidadania, democracia, justiça social, direitos humanos,
eliminação da discriminação baseada em preconceitos e outros no intuito de refletir
sobre o projeto ético-político profissional e o projeto.
Nesse sentido, por exemplo, quando se discute, sob o ponto de vista de uma ética
emancipatória, a questão da democracia, surge o questionamento sobre como realizá-la,
tendo em vista a materialização de um outro projeto societário, uma vez que, na
perspectiva liberal hegemônica, a democracia afirma-se, sobretudo, formalmente.
Discute-se, ainda, o princípio da cidadania com o objetivo de fornecer elementos
para o entendimento sobre as possibilidades de avanço, considerando as raízes históricas
do termo; a diversidade de enfoque utilizados no cotidiano; as lutas sociais e o papel
desempenhado pela classe trabalhadora neste processo.
Com relação à equidade e justiça social, questiona-se qual o seu significado
histórico e como podem ser viabilizadas na atual conjuntura, bem como em que medida
o Serviço Social pode interferir nesta instância ao materializar seu projeto ético-político.
Dando continuidade a reflexão sobre os princípios do Código de 1993, o eixo da
discussão passa pelas seguintes questões: como os preconceitos se desenvolvem e quais
as suas expressões na história brasileira? Quais projetos profissionais podem ser
desenvolvidos, no sentido de contribuir para redução ou mesmo a extinção dos
procedimentos e das discriminações em qualquer aspecto da convivência social?
Em relação aos direitos humanos, busca-se referências em autores que, a
exemplo de Tosi, afirmam que “as violações sistemáticas e maciças dos direitos
humanos aumentam com a mesma velocidade da assinatura dos tratados e são tão
universais quanto as declarações que o proclamam, como denunciam quotidianamente
os relatórios das Nações Unidas e das Organizações Não-Governamentais (...) Para
encontrar uma resposta a este paradoxo, nos parece crucial enfrentar o problema da
relação que se estabelece na modernidade, entre os direitos civis e políticos (ou direitos
de liberdade) e os direitos econômicos sociais (ou direitos de créditos) proclamar a
integralidade, a indissolubilidade dos direitos humanos, é certamente algo de louvável,
mas pode escamotear e esconder o problema da heterogeneidade dos direitos e, às
vezes, de uma possível contrariedade entre classes de que não podem ser garantidos ao
mesmo tempo com a mesma eficácia (...) A globalização dos direitos humanos tende a
incluir um número sempre maior de direitos, de primeira, de segunda, terceira e quarta
geração; mas não basta acrescentar a lista dos direitos para que estes se tornem
efetivos. Existem direitos fundamentais sem os quais a longa lista de direitos se torna
vazia: sem os direitos econômicos e sociais não é possível garantir os direitos sociais e
políticos. Os direitos de liberdade só podem ser assegurados garantindo a cada homem
as condições mínimas de bem estar social que lhe permita viver com dignidade” (Tosi,
2001:12-13).
Nesta perspectiva, é fundamental, no ensino da disciplina de ética profissional, a
análise das perspectivas concretas em relação à efetiva possibilidade quanto à
materialização dos valores em nossa sociedade e de como é possível, em termos
teóricos, pontuá-los para que não se limitem a uma mera abstração do Código de Ética
Profissional.
Finalmente, procura-se estabelecer conexões entre as categorias subjacentes ao
estudo da ética e aos Códigos de Ética, que são analisados numa perspectiva histórica.
Nesse sentido, a prática é observada e analisada segundo os parâmetros inspirados no
Código de Ética vigente.
Em relação aos diversos Códigos de Ética elaborados no Brasil pela profissão,
ao longo do seu percurso histórico, indica-se as questões pontuadas a seguir. Cada uma
delas, tem um objetivo a ser atingido, no que diz respeito ao processo de conhecimento
de demandas postas à profissão, ao contexto econômico, social e político do país, que se
inscrevem os Códigos de Ética, bem como das correntes filosóficas e perspectivas
metodológicas que influenciaram cada código. Este estudo, também, proporciona
elementos para o desvendamento da historia do Serviço Social através da compreensão
das determinações postas à profissão e a análise da sua ruptura com a base tradicional.
Nesses termos, as questões indicadas para o estudo dos Códigos são:
 contexto histórico do Brasil no momento em que cada Código foi elaborado;
 momento vivido pela profissão de Serviço Social nesse contexto histórico;
 as demandas que levaram à elaboração de cada Código de Ética Profissional;
 correntes filosóficas e metodológicas que influenciaram na formação de cada
Código de Ética Profissional;
 o perfil característico de cada um dos Códigos de Ética;
 participantes da elaboração dos Códigos de Ética Profissional;
 o significado do Código de Ética Profissional para a profissão de uma
sociedade mais justa.
Os depoimentos dos alunos e alunas, em relação às questões apresentadas, vêm
oferecendo contribuição efetiva para o ensino da disciplina, confirmando a convicção
inicial de que o estudo da Ética Profissional
requer uma adequada base de
conhecimento filosófico. A disciplina permite aos estudantes adquirirem uma visão
mais aprofundada, ou seja, a fundamentação filosófico-histórica que subjaz os
princípios do Código do (a) Assistente Social atualmente.
Podemos afirmas que a articulação entre fundamentos filosóficos e Código de
ética no ensino da disciplina de ética profissional é imprescindível para a formação de
profissionais mais críticos em relação às diferentes expressões da dimensão
ética/antiética da questão social.
Tendo como finalidade a materialização do conteúdo do Código, acredita-se na
necessidade de constituição de uma formação cada vez mais alicerçada e coerente com
os princípios que o norteiam, promovendo, também, o desenvolvimento de valores
compatíveis com o ideário Profissional, em um processo de retroalimentação, que
refletirá em atitudes éticas, não apenas numa postura de dever profissional, mas numa
perspectiva mais ampla da construção de um projeto ético-político profissional e de uma
sociedade mais justa.
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Um olhar filosófico sobre o Código de Ética do (a) Assistente Social
Cinara Nahra1
O filósofo é antes de tudo um ser inquieto. Alguém que se estranha com o seu
mundo, alguém que se estranha com aquilo que está estabelecido e pergunta, então, os
porquês. O porque do filósofo, porém, não tem apenas o sentido da divagação. O porquê
do filósofo tem o sentido da tentativa de elucidação, da tentativa de procurar deixar as
coisas mais claras, procurar encontrar sentido mesmo lá, naqueles recônditos lugares
aonde não parece haver sentido nenhum.
Perguntar pelo porque das coisas, nos conduz, inevitavelmente, à busca por
fundamentos e princípios. Isto é constitutivo da filosofia. A filosofia é uma atividade
que historicamente se relaciona à busca de fundamentos e a análise e estabelecimento de
princípios. É por isso, que qualquer filósofo que se proponha a analisar o atual Código
de Ética do Assistente Social já se encontrará, de antemão, bastante à vontade.
Exatamente porque estamos diante de um código que está baseado em princípios e que
estabelece, claramente, quais são eles. E esta é uma primeira virtude do Código de Ética
do Assistente Social. Trata-se de um código cujas regras, deveres e direitos são
claramente estabelecidos a partir de princípios.
Isto pode parecer óbvio, mas não é. Muitos códigos de ética profissionais têm
entre seus defeitos exatamente o fato de não explicitarem os princípios nos quais estão
baseados. Ao não fazerem isto, dão a aparência de consenso a algo que não foi nem
mesmo discutido e, que por isso mesmo, jamais pode ser efetivamente absorvido pela
categoria.
Códigos de Ética não devem existir “pra bonito” ou para serem utilizados como
estratégias de marketing. Códigos de Ética devem ser efetivamente seguidos pela
categoria, devem efetivamente orientar a prática dos profissionais. Para que isto
aconteça, porém, ele deve ser aceito por este. E para que seja aceito, ele deve ser fruto
de uma elaboração coletiva, que, necessariamente, passa pela discussão dos princípios.
Discutir princípios, neste caso, significa discutir a função e a razão de ser de
uma categoria profissional. Quem somos, afinal? Quais são nossos compromissos
básicos? O que deve sempre mover nossas ações enquanto profissionais?
1
Professora do Departamento de Filosofia da UFRN. Doutoranda em Ética Política e Políticas Públicas
na University of Essex. Membro fundadora do Movimento pela Ética e Cidadania em Natal.
O atual Código de Ética dos Assistentes Sociais dá estas respostas exatamente
nos seus Princípios Fundamentais. Tudo o mais, todos os outros títulos, com seus
capítulos e artigos, são decorrentes destes princípios, que definem, em última instância,
a identidade do Assitente Social.
O que nos propomos a fazer neste artigo e nos parece que essa é uma das tarefas
possíveis de serem exercidas pela filosofia, é oferecer uma contribuição com o objetivo
de auxiliar na elucidação e discussão do sentido dos 11 princípios fundamentais
estabelecidos no código.
Princípio 1
Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a
ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais
Para entender o que significa reconhecer a liberdade com valor ético central, é
preciso, antes de tudo, entender o que significa liberdade. O conceito de liberdade, tal
como vem sendo trabalhado ao longo da história da filosofia, tem dois sentidos. No
primeiro sentido, entende-se liberdade como sinônimo de livre-arbítrio. Liberdade,
assim entendida, é a capacidade que só os humanos têm, entre todos os animais, de
efetivar escolhas, de tomar decisões. Quando se diz que o homem possui livre-arbítrio,
está se querendo dizer que os homens não estão determinados em suas escolhas, seja
pela natureza, seja por Deus. Cabe apenas aos seres assumir a total responsabilidade por
seus atos. Ser livre significa, também, assumir, de frente, a possibilidade de que nossas
escolhas não sejam necessariamente boas, não estejam necessariamente comprometidas
com o bem. Liberdade, neste sentido, é o que podemos chamar de liberdade negativa.
Há, no entanto, um outro sentido de liberdade dentro da filosofia. Assim, o
homem livre é aquele que é já autônomo, aquele que age moralmente, por sua própria
vontade. O homem livre é aquele que age comprometido com o bem. O homem livre,
então, é o homem bom, o homem moral. Liberdade, neste sentido, é o que podemos
chamar de liberdade positiva2.
2
A distinção entre liberdade negativa, entendida como livre-arbítrio e liberdade positiva é tematizada por
Immanuel Kant. A liberdade prática negativa é definida por ele na Fundamentação da Metafísica dos
Costumes como sendo a propriedade da vontade de agir independente de causas estranhas que a
determinem e, a positiva (autonomia) como a propriedade da vontade de dar a lei para si própria.
Observe-se que a definição de negativo ou positivo em Kant não tem um caráter valorativo.
A qual destes sentidos da palavra liberdade este princípio do presente código
parece estar se referindo? Aos dois, acreditamos. E isto fica claro quando examinamos,
na totalidade, os 11 princípios. O compromisso do Assistente Social com a liberdade no
sentido do livre-arbítrio deve ser claro. Trata-se do respeito às opções individuais de
quem quer que seja, ainda que, pessoalmente, o profissional não concorde com elas.
Para além desse respeito, entretanto, o profissional se compromete com um significado
maior de liberdade, que é justamente a liberdade na perspectiva de moralidade,
liberdade no sentido de comprometer-se, sempre, com o outro, com os outros, fugindo a
uma visão individualista e egoísta.
É a partir daí que o princípio vai apontar para noções ditas políticas, como
emancipação, autonomia e expansão dos indivíduos sociais. Estas noções vão derivar,
justamente, de uma exigência moral. Se somos seres morais e, portanto, livres no
sentido de liberdade positiva, a emancipação e a autonomia dos povos se coloca,
também, como uma exigência. Seres morais não podem aceitar um mundo em que os
povos e os indivíduos sejam escravos ou mesmo, não autodeterminados.
É esse compromisso com esta segunda noção de liberdade que vai dar ao
Assistente Social o sentido maior de sua função. Não cabe ao Assistente Social impedir
os indivíduos de exercerem o seu livre-arbítrio, mas cabe, sempre, orientá-los para que
decidam e ajam comprometidos com o que poderíamos chamar de “o outro”,
comprometidos com a humanidade.
Principio 2
Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do
autoritarismo
O segundo principio do código de ética do Assistente Social surge quase como
um corolário do primeiro. Se faz parte da profissão do Assistente Social comprometerse com a moralidade e, portanto, com a liberdade, no sentido em que analisamos
anteriormente, segue, dedutivamente, o compromisso com a defesa intransigente dos
direitos humanos e a recusa à toda forma de autoritarismo e arbitrariedade.
Não custa, porém, que recordemos quais são os direitos humanos. Convencionase, hodiernamente, e parece ser esta uma boa convenção, que os Direitos Humanos estão
estabelecidos na Carta das Nações Unidas, composta pela Declaração dos Direitos
Humanos e outros.2
Nunca é demais recordar os artigos e pontos principais desta declaração. Lá está
estabelecido que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em
direitos e que estes devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Estabelecido está, também, que todos os seres humanos podem invocar os direitos e as
liberdades proclamados na presente declaração, sem distinção nenhuma. Reza que todo
indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, que ninguém será
mantido em escravatura ou em servidão, ninguém será submetido a torturas ou
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Reza também, que todos são iguais
perante a lei; todos têm direito a que suas causas sejam julgadas por tribunais
independentes; ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado e ninguém
sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, seu domicílio ou na
sua correspondência.
Consta, ainda, na Declaração Universal dos Direitos do Homem que toda pessoa
tem direito de circular e escolher sua residência no interior de um estado, bem como
abandonar o país em que se encontra, inclusive o seu, e o direito de regressar do seu
país. Toda pessoa tem direito ao asilo e a nacionalidade, direito de casar e de constituir
família sem distinção de raça, nacionalidade ou religião. Toda pessoa tem direito à
propriedade. Tem direito, também à liberdade de pensamento, de consciência e de
religião, bem como o direito à liberdade de opinião e de expressão e direito à liberdade
de reunião e de associações pacíficas. Toda pessoa, também, tem direito de tomar parte
na direção dos negócios públicos de seu país e direito de acesso, em condições de
igualdade, às funções públicas de seu país. Reconhece-se a vontade do povo como
fundamento da autoridade dos poderes públicos e que deve exprimir-se através de
eleições honestas.
É afirmado, também, que toda pessoa tem direito à segurança social e pode
exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, de
harmonia com a organização e os recursos de cada país. Toda pessoa tem direito ao
trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e
à proteção contra o desemprego. Todos têm direito à salário igual por trabalho igual, a
2
A carta Internacional dos Direitos do Homem é constituída pela Declaração Universal dos Direitos do
Homem, pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e pelo Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e seu Protocolo Facultativo. A declaração Universal dos
Direitos Humanos foi aprovada em 1948. Ver site HTTP://dhnet.org.br/diretir/deconu/onu1.html
uma remuneração equitativa e satisfatória, a fundar sindicatos e a eles se filiar para
defender seus interesses, o direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma
limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas.
Finalmente, reza a declaração que toda pessoa tem direito à educação e que esta
deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do
homem e das liberdades fundamentais, bem como favorecer a compreensão, amizade e a
tolerância entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, bem como a manutenção
da paz. Toda pessoa tem direito de tomar parte livremente na vida cultural da
comunidade e direito à proteção dos interesses ligados à produção científica, literária ou
artística de sua autoria. Toda pessoa tem direito a uma ordem capaz de tornar efetivos os
direitos e liberdades, enunciados nesta declaração, isto sem esquecer que o indivíduo
tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno
desenvolvimento de sua personalidade e que, no exercício deste direito e no gozo destas
liberdades, ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista,
exclusivamente, a promover o reconhecimento e o respeito aos direitos e liberdades dos
outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bemestar numa sociedade democrática.
Parece que são esses os direitos que os Assistentes Sociais devem defender.
Princípio 4 – perguntar à professora
Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação
política e da riqueza socialmente produzida
Definir o que é democracia é uma das tarefas mais difíceis que poderiam ser
assumidas por quem quer que se ocupe de política. A definição clássica, segundo a qual
democracia é o governo em que o povo exerce a soberania, nos remete sempre, num
segundo momento, para dúvidas e discordâncias, afinal o que significa o exercício da
soberania pelo povo?
Uma boa proposta de definição mínima de democracia é dada por Norberto
Bobbio (1989:18): “afirmo preliminarmente que o único modo de se chegar a um
acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas
de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras,
(primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões
coletivas e com quais procedimentos. Todo grupo social está obrigado a tomar decisões
vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria
sobrevivência, tanto interna quanto externamente. Mas até mesmo as decisões do grupo
são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não decide). Por isso, para que uma
decisão tomada por indivíduos (uns, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como
decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras (não importa se escritas
ou consuetudinárias) que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar as
decisões vinculatórias para todos os membros do grupo e à base de quais
procedimentos”.
A definição de Bobbio nos mostra, então, que democracia nos remete sempre e
inevitavelmente para o estabelecimento de regras, regras estas que devem ser feitas para
serem seguidas e conhecidas por todos. Isto é uma diferença básica das estruturas
democráticas em relação a estruturas autocráticas. Nos governos autocráticos não
existem regras claras e definidas e isso faz com que os detentores só poder possam fazer
o que bem quiserem e entenderem.
Quando o código dos Assistentes Sociais se posiciona a favor da democracia, ele
está se posicionando em prol de um governo que surja da vontade do povo, e, portanto,
da maioria da população e que tenha regras de condução da coisa pública que sejam
claras, definidas, conhecidas e universais.
Observe, porém, que o código não fala apenas de defesa da democracia, mas
fala, também, da defesa do aprofundamento da democracia, remetendo para a
socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida. A concepção
de democracia, pois, apontada pelo código, remete para a incorporação de elementos
econômicos e sociais. Democracia não seria apenas a existência de regras políticas
claras e definidas que garantissem o controle da sociedade sobre o governo, mas
democracia exigiria, também, uma ordem social mais justa na qual os frutos daquilo que
é produzido fossem melhor distribuídos. A democracia, pois, a que o código aponta é
uma democracia que, no mínimo, seja capaz de garantir condições de vida minimamente
descentes para a população. O que o código faz, então, é comprometer os assistentes
sociais com a construção desse projeto de garantir qualidade de vida para todos.
Princípio 5
Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade
de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como
sua gestão democrática
Este princípio trata da questão das políticas públicas, vinculando-as à questão da
justiça social. Afinal, se todos tiverem acesso aos benefícios obtidos através de
programas e políticas sociais, isto terá sido um passo importante no sentido de nos
aproximarmos de uma sociedade que seja mais justa. Estes programas, porém, devem
ser geridos democraticamente, ou seja, devem ser controlados pela população e seu
funcionamento deve estar baseado em regras claras e definidas.
O principio quinto é uma espécie de corolário dos anteriores e dá o fechamento
deste primeiro bloco de princípios, que são aqueles relacionados ao macro-social. Se o
código se orienta a partir de princípios de defesa da liberdade, de defesa dos direitos
humanos, de construção da cidadania e da democracia, ele vai apontar para uma
concepção de justiça social, e esta implica, necessariamente, no estabelecimento de
políticas públicas capazes de garantir, no mínimo, os direitos sociais que aventamos
quando analisamos o princípio 3, a saber, o direito à alimentação, segurança, trabalho,
educação, saúde e habitação.
Princípio 6
Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito
à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão
das diferenças
O Princípio 6 reforça o caráter profunda e efetivamente ético do código de ética
dos assistentes sociais, mostrando que nele não se faz confusão entre moral e
moralismo.
O ponto de vista universal, que é o ponto de vista efetivamente ético, o ponto de
vista efetivamente moral, é completamente diferente do ponto de vista que poderíamos
chamar de “moralista”. Moralismo, poderíamos dizer que é uma concepção deturpada
em relação ao que é Moral, ao que é certo e ao que é errado. É aquela que se pretende
emitir julgamentos de valor negativos sobre aquilo que se refere ao comportamento ou
que valora distintamente pessoas ou grupos de pessoas em função de certas
características naturais (físicas, sexuais ou geográficas) ou opções diferenciadas.
A confusão entre moral e moralismo é clássica na nossa sociedade e muitos
códigos de ética reproduzem-na. Não é o caso deste código. O Código de Ética do
Assistente Social estabelece a luta contra o preconceito e o respeito pela diferença, que
são princípios efetivamente morais, efetivamente éticos. Ao fazer isso, estabelece como
um princípio ético a luta contra o moralismo, uma vez que moralismo e preconceito
estão intimamente imbricados. O preconceito é fruto de uma concepção moral
deturpada, ou se quiserem, uma concepção moral moralista. O preconceituoso é antes de
tudo um “negador de diferenças”. O preconceituoso acha que tudo aquilo que é
diferente de si próprio, pelo mero e único fato de ser diferente de si próprio, é inferior.
O preconceituoso não aceita a diferença e valora como ruim tudo aquilo que não é feito
a sua imagem e semelhança4.
Ao colocar como um princípio o combate ao preconceito e a discriminação, ao
colocar o respeito às diferenças como um princípio moral, o Código de Ética do
Assistente Social consagra à palavra ética o seu verdadeiro sentido e mostra-se como
sendo, efetivamente, um Código de Ética. E com isto estabelecendo já é possível tratar
de outros tipos de princípios.
Princípio 7
Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais
democráticas existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante
aprimoramento intelectual
O Princípio 7 inaugura o bloco dos princípios que dizem respeito a atividade do
Assistente Social do ponto de vista mais especificamente relacionado à ação imediata. O
pluralismo de correntes, opiniões e visões teóricas deve ser um princípio básico em
qualquer profissão. Se o princípio primeiro do código de ética que estamos tratando é
justamente o reconhecimento da liberdade como valor ético central, esse
reconhecimento, obviamente, deve se manifestar no que diz respeito à forma de
tratamento das concepções e visões dos profissionais de Serviço Social.
Assim, é que todas as correntes devem ser respeitadas, bem como as posições
dos profissionais vinculados a estas correntes, e isto significa pluralismo. Entenda-se,
entretanto, que pluralismo não significa negação das diferenças, mas sim, a
compreensão de que, para além das divergências que pode haver e que devem ser
4
A respeito desta discussão ver o livro Malditas Defesas Morais (Nahra, Cinara, ed. Cooperativa
Cultural) e o texto da Conferência Moral e Moralismo da mesma autora apresentado no Seminário Ética
na Contemporaneidade ocorrido em maio de 2001-Mossoró/RN.
discutidos e compreendidas, há algo que é fundamental, que é o respeito pelo outro, por
suas concepções e a garantia de que esta poderá ser sempre expressada.
O princípio refere-se, também, ao compromisso com p constante aprimoramento
intelectual e este é um aspecto de fundamental importância do ponto de vista ético.
Aprimorar-se intelectualmente significa estudo e aperfeiçoamento constante do
profissional, e isto claro, contribui para a melhoria do serviço oferecido pelo
profissional individualmente e, por conseguinte, pela categoria como um todo.
Princípio 8
Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma
nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero
O princípio aponta para o compromisso da categoria com a construção de uma
sociedade mais justa, uma sociedade sem dominação e exploração. Aponta, pois, para o
compromisso dos Assistentes Sociais com a construção de um mundo melhor.
Esse compromisso já vinha se manifestando em todos os princípios anteriores. A
diferença é que agora se fala de um projeto profissional e, portanto, vincula-se não
apenas os indivíduos, particularmente, com essa opção, mas a categoria como um todo.
É a categoria que deve se engajar nesse projeto, e isto é novo em nível de códigos de
ética profissional no Brasil.
A colocação desse compromisso foge a visão tradicional e coorporativista de
ética, que é a visão que, se não está explícita, se coloca, implicitamente, na maioria dos
códigos profissionais. Estes códigos preocupam-se, geralmente, em estabelecer um
conjunto de regras que protejam os profissionais na sua atividade, deixando, em
segundo plano, a preocupação com um bem maior, que é a coletividade, a sociedade, o
bem-estar daqueles que são os usuários dos profissionais, e que constituem, em última
instância, o público em geral.
O código de Ética do Assistente Social, elaborado em 1993, foge a esta visão
corporativista e estabelece, neste princípio, o compromisso com o público não apenas
no sentido restrito, de que o bem público deve estar acima dos interesses corporativos,
mas num sentido maior, de percepção que a sociedade , como está atualmente
constituída, obstaculiza a plena realização do bem comum e, portanto, do próprio bem
público. E ao fazer isto, o código estabelece como princípio ético que a categoria se
posicione na perspectiva de uma sociedade outra, de um mundo outro, em que o bem
comum possa ser efetivamente realizado. Esse mundo outro, obviamente, tem como
pressuposto básico a inexistência de qualquer tipo de dominação e exploração, claro,
porque se fundamenta no sentido segundo de liberdade do qual já falamos, e na
autodeterminação dos povos e dos indivíduos.
Princípio 9
Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem
dos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores.
Este princípio aponta para a organização da categoria, no sentido da articulação
da sua luta com outros setores profissionais e sociais que compartilhem dos mesmos
princípios éticos estabelecidos no código.
O princípio 9 surge, então, como uma decorrência do princípio 8. Se o código
tem entre seus princípios o compromisso da categoria com a construção de um mundo
melhor, uma das conseqüências práticas mais imediatas disso é que a categoria articulese com setores que também tem isto como princípio, a fim de que esses compromissos
não sejam apenas um compromisso teórico, efetivando-se na prática, através da luta
política.
Colocar este compromisso como sendo um princípio significa, também,
estabelecer a luta política como um componente fundamental dos compromissos éticos
da categoria. Não basta adotar uma concepção de bem comum, de coisa pública, de
sociedade, é preciso lutar por ela, e para isso, evidentemente, faz-se necessária a
unificação com setores que adotam esta mesma concepção.
Princípio 10
Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o
aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional
O que aparece no Princípio 10, já havia se desenhado no Princípio 7, através da
menção ao compromisso com o constante aprimoramento intelectual. Como vimos, isto
implica na melhoria do serviço oferecido pelo assistente social, e por isso, se coloca
agora como um compromisso da categoria como um todo.
A prestação de um serviço de qualidade e a competência profissional constituem
uma das questões éticas mais importantes em qualquer profissão, e não poderia deixar
de ser diferente com os Assistentes Sociais. Se nos comprometemos com a construção
de um mundo melhor, o primeiro passo para que efetivemos esse compromisso é na
nossa própria prática. Não se muda nenhuma sociedade se não tivermos, cada um de
nós, inseridos num processo de mudança de nós próprios, através de nossas concepções,
mas, principalmente, através de nossas ações.
Quando um profissional, de qualquer setor, recebe um salário aviltante, o seu
ímpeto inicial é o de não cumprir seus deveres profissionais a contento. É como se ele
adotasse a ética do egoísmo, o “faça aquilo que é melhor para você e esqueça os
outros”, como uma espécie de vingança: se me tratam de modo imoral, eu também serei
imoral. O problema é que essa lógica é profundamente deturpada. Se o profissional faz
“corpo mole” em seu serviço e não trabalha dando o melhor de si, quem sofre as
conseqüências é o usuário, e em última instância, a população. Como, então, poder-se-á
falar de bem comum, de qualidade de vida e de mundo melhor, se não contribuímos
com nossa prática, naquilo que nos é dado fazer, para a efetivação desta tríade?
É por isso que o Código de Ética do Assistente Social tem entre seus princípios a
competência profissional. Ser competente profissionalmente significa realizar o trabalho
do melhor modo possível, com eficiência e dedicação, procurando atender as demandas
postas pelo usuário, e assim, satisfazendo o público. Ao fazer isto, o profissional e a
categoria se colocam efetivamente na perspectiva da construção do bem público e de
uma sociedade melhor.
A adoção deste princípio, também, evita a concepção corporativista, assumindo
a ética como esta deve ser entendida, ou seja, do ponto de vista do compromisso com o
outro, do ponto de vista universal. A categoria não vê a defesa dos interesses
particulares de seus membros como o princípio maior, a partir do qual todos os outros
estão derivados. A categoria percebe, para além dela própria, os interesses do público
como sendo os interesses maiores e, a partir daí, deriva as regras de conduta dos seus
profissionais.
Princípio 11
Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões
de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual,
idade e condição física
O Princípio 11 dá o fechamento aos princípios deste código. Na realidade, ele é
o culminar de todos os compromissos éticos que foram estabelecidos nos outros
princípios, estando, particularmente relacionado ao sexto princípio.
Se o Código de Ética do Assistente Social comunga da liberdade como
princípio; da defesa dos direitos humanos; da busca pela construção da cidadania e da
justiça social; bem como do combate ao preconceito; da busca pelo bem comum; do
respeito pelo público e pela coisa pública, o exercício do Serviço Social não poderia
dar-se de forma outra que não através de um profundo respeito pelo ser humano.
Respeito pelo ser humano implica, necessariamente, a não discriminação, a não
negação de direitos a ninguém, o bom tratamento a todos, indiferenciadamente.
Respeito pelo ser humano implica, no exercício profissional através do olho do
universal, tratar cada indivíduo como se este carregasse e representasse em sua pessoa,
toda a nossa espécie, a espécie humana.
O que é discriminação? É a negação de direitos que são reconhecidos como
sendo direitos de todo ser humano a determinados grupos ou pessoas em função de
pertencerem a determinado gênero, determinada classe, determinada raça, determinada
região ou terem determinada preferência sexual ou de crença que é perfeitamente
compatível com a liberdade alheia. Já vimos quando discutimos o princípio 3 que o
mais básico de todos os direitos, o direito fundante, é o direito de ter direitos. E o direito
a ter direitos deve pertencer a todo ser humano, sem distinção. Se é assim, exercer a
profissão sem discriminar nem ser discriminado é uma espécie de direito fundante do
exercício profissional de todas as categorias e deveria ser incorporado em todos códigos
de ética profissionais.
Estabelecido, agora, este e os outros princípios do código de ética dos assistentes
sociais, já podem ser estabelecidas as regras particulares que vão reger as diversas
relações na qual os profissionais estão envolvidos. Regras estas que nunca poderão se
opor a estes princípios básicos que fornecem o norte da atividade do Assistente Social e,
do ponto de vista ético, definem a sua identidade enquanto categoria profissional.
BIBLIOGRAFIA
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KANT, Immanuel. Critique de la raison pratique. Paris: Presses Universitaires de
France, 1966.
NAHRA, Cinara. Malditas defesas morais. Natal: Cooperativa Cultural, 2000.
Possíveis interpretações dos princípios éticos do serviço social a partir da
análise das tendências éticas contemporâneas
Maria Alexandra Monteiro Mustafá1
1. Considerações sobre as determinações históricas que resgataram a centralidade
da questão ética do debate contemporâneo
O processo histórico que caracteriza a existência da vida humana sobre a terra
tem permitido o acúmulo de diferentes experiências de modos de convivência social,
bem como se constitui um acervo de produção de conhecimento que, por um lado,
reflete, analisa e é determinado pela realidade social e, por outro, contribui
significativamente na legitimação e/ou na transformação desse “modus vivendi”.
Podemos, portanto, afirmar que as determinações sócio-político-econômicas das
formas de organização social são resultantes desta práxis histórica e das alternativas
concretas de enfretamento das questões que se colocam como necessidades individuais
dos homens entre si e com a natureza.
Dentro deste contexto, surge a necessidade da reflexão ética que pressupõe a
criação de princípios e valores capazes de orientar a conduta dos homens em sociedade
e a relação que estes estabelecem com o mundo objetivo do qual fazem parte.
Contudo, este movimento histórico não é linear e nem evolutivo; na realidade é
pleno de contradições, o que justifica a existência de diferentes culturas, diferentes
formas de organização social, política e econômica e de diferentes concepções de
princípios e valores que fundamentam as mais variadas formas de compreensão sobre o
sentido e o conteúdo da ética. Com base nestas reflexões, chegamos à conclusão de que
não existe uma ética universal e absoluta, mas uma variedade de tendências éticas,
fundamentadas respectivamente em diferentes concepções de homem e de sociedade.
Mesmo considerando que tais afirmações nos conduziriam necessariamente a um
resgate histórico das diversas expressões éticas que inspiram/legitimaram o
comportamento do homem enquanto ser social, para os fins deste artigo, nos deteremos,
especificamente, na conjuntura que caracterizou o século XX,
1
Professora do departamento de Serviço Social da UFPE. Doutora em Filosofia pela Universidade
Salesiana de Roma. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ética (GEPE) - UFPE
mais particularmente no que se refere ao processo de consolidação e enfrentamento da
questão social, condição evidenciada com o surgimento do modo de produção
capitalista e objeto de estudo/intervenção da profissão de Serviço Social.
No entanto, vale considerar, que a discussão ética, neste contexto sóciohistórico, estava relegada a segundo p0lano em nível de importância, seja do ponto de
vista de sua relação com a política, seja do ponto de vista epistemológico, no que se
refere à sua inserção no rol das ciências humanas. Com efeito, se na antiguidade o
debate ético se constituía elemento central na práxis política da sociedade grega
(referencia determinante de todo o processo de construção do pensamento ocidental), o
mesmo não se pode dizer sobre os rumos que assumiram tal debate no decurso da Idade
Média, Moderna e Contemporânea.
Uma breve retrospectiva sobre este percurso histórico, nos permite afirmar que
na antiguidade grega - lócus originário da sistematização filosófica sobre a ética - esta
disciplina era entendida como fundamento da política, no sentido que ambas tinham
com fim a busca da felicidade individual e coletiva dos cidadãos (mesmo que o conceito
de cidadania fosse entendido em seu sentido restrito, excluindo desta condição
mulheres, escravos e estrangeiros). Segundo Aristóteles, na Ética a Nicômaco e na
Política, a felicidade é entendida como bem supremo, alcançável mediante o exercício
da virtude, apreendida, por sua vez, num processo educativo, fundamentado na
observância das leis que constituíam o corpo da Constituição, elaborada por cidadãos
livres e iguais.
Esta intrínseca relação entre a ética e política é desvirtuada já na Idade Média,
quando tanto a concepção de ética, quanto a de política passam a ser definidas por uma
instância transcendental e a - história, pautadas pela inspiração na lei divina que
determina a direção dos princípios éticos e políticos da sociedade feudal. Na Idade
Moderna, acentua-se o divário entre ética e política, a partir de uma postura de
subordinação da primeira à segunda, explicitada no processo de redefinição do Estado e
da relação público-privado.
Trata-se de uma nova organização política - o Estado Moderno - onde a política
passa a ser vista como instrumento de poder absoluto, capaz de controlar as tendências
naturais de dominação do homem pelo homem, que põe em risco a própria
sobrevivência da espécie. O pensamento político de Maquiavel e de Hobbes se constitui
elemento fundamental na consolidação desta perspectiva, no sentido de que não se
limita apenas a interpretar a realidade circunstante, mas atua como idealizador desta
nova racionalidade estratégico-instrumental.
Apesar dos esforços realizados por pensadores como Rousseau, integrante do
movimento Iluminista francês, no sentido de desconstruir esta lógica, a partir de uma
nova concepção de homem e de sociedade que exige a redefinição da relação indivíduo
- Estado e se constitui fundamento de uma perspectiva de resgate da democracia, é
apenas com Marx que surgirá a possibilidade teórica e histórica da eliminação das
relações, especialmente no modo de produção capitalista e da elaboração da perspectiva
de uma sociedade emancipada.
Feitas tais considerações, vale lembrar que as concepções que definem a relação
ética e política, anteriormente explicitadas não foram superadas definitivamente, mas se
constituem elemento integrante do complexo ideológico característico dos modos de
organização sócio-político-econômica das sociedades nos anos 1900. Para ilustrar tal
afirmativa, podemos nos remeter ao pensamento de Weber, no tocante à sua
contribuição no campo epistemológico, quanto ao conceito de ciência. Para Weber, em
consonância com a perspectiva positivista, a ciência deve ser objetiva e desprovida de
valores, portanto independente do julgamento de valor sobre o bem e o mal, o justo e o
injusto. Cabe, portanto, à política, enquanto ciência positiva, debruçar-se sobre o
exercício do poder e das formas de sua implementação na sociedade. O objeto da
política, concebida em total desvinculação com a ética, legitima e reatualiza a
racionalidade estratégico-instrumental que, como vimos, tem como eixo a preocupação
com a manutenção do poder, dando prioridade ao aperfeiçoamento dos instrumentos
administrativos e legais capazes de realizar tal objetivo. Do nosso ponto de vista, tal
direcionamento contribui significativamente para a conversão dos instrumentos
administrativos do Estado em órgãos formais e burocráticos que dificultam a retomada
da discussão sobre o sentido da política e sobre o funcionamento do Estado, numa
perspectiva de atendimento das necessidades sociais, o que representaria a reinserção do
debate ético no âmbito da política, enquanto dimensão concreta da experiência histórica
do ser social.
Para entendermos como se dá a retomada do debate ético na contemporaneidade,
faz-se necessário uma breve consideração sobre as formas de organização sócioeconômico e políticas que caracterizaram as sociedades no último século e seus
rebatimentos nas condições de vida do homem neste contexto, o que se constitui objeto
de preocupação e essência da própria razão de ser da ética.
Na realidade, o século XX foi palco de consolidação, crise e reafirmação do
modo de produção capitalista, bem como de tentativas e experiências concretas de sua
superação, através da instauração do Estado de bem estar social e do socialismo real em
algumas sociedades situadas geograficamente no centro e no leste da Europa e da Ásia.
A experiência histórica do capitalismo tem gerado uma divisão dos países, em nível
mundial, em capitalistas centrais e periféricos, divisão esta, pautada numa relação de
exploração e de dominação, fundamentada no individualismo e no princípio da
liberdade, entendido como livre iniciativa, direito à propriedade e não intervenção do
Estado na economia. As formas de expressão das relações de produção têm assumido
configurações diversificadas, em função das demandas do processo de modificação do
capital
tais
como:
Taylorismo,
fordismo,
toyotismo;
o
que
tem
gerado,
consequentemente, formas diferenciadas de enfretamento do capital expressas no modo
de organização da classe trabalhadora.
Dentro desta perspectiva, convém salientar que o Estado de bem estar social
pode ser entendido como expressão contraditória da luta entre capital e trabalho,
constituindo-se, por um lado, como alternativa de fortalecimento/legitimação do capital,
numa perspectiva Keynesiana de inserção do Estado na economia, mediando a
correlação de forças entre capitalistas e trabalhadores, a partir da implementação de
políticas sociais de caráter universal; e, por outro lado, como tentativa reformista de
superação do capital, a partir da consolidação de direitos sociais, fruto do avanço da
própria luta de classes.
A experiência historicamente conhecida como “socialismo real” se constitui
como
alternativa
concreta
de
rompimento
da
lógica
do
capital,
baseada
fundamentalmente na socialização dos meios de produção, sustentada num forte
centralismo político que defende como valores centrais a igualdade de condições
objetivas de vida e a superação da sociedade de classes e da exploração econômica.
Uma avaliação histórica desses três modelos de organização sócio-políticoeconômica revela uma série de crises/enfrentamentos/superações que culmina,
“aparentemente” com a vitória do capital, expressa pela nova onda de liberalismo
globalizado, em oposição ao desmonte da experiência socialista. Tal evidencia se
manifesta tanto em nível concreto-real, como do ponto de vista ideológico, ético e
intelectual que perpassa o debate corrente nas últimas décadas do século XX.
Com efeito, a “aparente” vitória do capital, sob a forma de neoliberalismo, tem
determinado o aguçamento das desigualdades sociais, oportunizando o aprofundamento
do abismo entre a acumulação de riqueza de um lado e o empobrecimento cada vez
mais alarmante dos setores da classe trabalhadora por outro. Isto repercute
imediatamente no agravamento da questão social, especialmente nos países periféricos,
que se contrasta com um crescente descomprometimento do Estado para com as
políticas sociais.
Toda esta conjuntura tem suscitado uma discussão ética sobre quais valores
devem orientar novas alternativas para o enfrentamento da questão social e construção
de novos projetos políticos que possam modificar a ordem vigente. Esta se constitui um
das preocupações fundamentais dos setores comprometidos com o projeto de uma
sociedade emancipada e, entre eles se encontra a categoria dos Assistentes Sociais.
Nesta perspectiva, os princípios do projeto ético-político do Serviço Social,
sistematizados no Código de Ética de 1993, fundamentam a idéia de uma concepção de
profissão que se insere num contexto mais amplo de projeto societário, no sentido da
ruptura com a ordem estabelecida.
No entanto, vale ressaltar que, além da diversidade de valores que embasam o
ethos presentes nas sociedades capitalistas, sociais democratas ou socialistas, há um
segundo aspecto a considerar: muitas vezes as diferentes formas de organização social
defendem valores e princípios comuns, que, no entanto, incorporam significados e
interpretações diferenciadas. É neste sentido que priorizamos alguns princípios do
Código de Ética de 1993 e nos propomos a analisar as diversas abordagens ou
tendências éticas que discutem atualmente tais princípios, tendo como objetivo
contribuir para um esclarecimento e discernimento sobre os fundamentos ontológicos
destas categorias éticas, suas origens, significados e implicações advindas da escolha de
tais princípios, seja na consolidação de projetos societários, seja na definição de outros
projetos coletivos a exemplo dos projetos profissionais, tais como o projeto éticopolítico profissional do Serviço Social.
Considerando que o debate atual sobre ética, em nível internacional, suscita a
discussão sobre a democracia, a justiça, a liberdade e a defesa dos direitos humanos e
que tais princípios estão presentes no Código de Ética Profissional, priorizaremos estes
princípios como eixo norteador da análise das diferentes abordagens ético-políticas que
qualificam o discurso teórico e suas possibilidades concretas de realização na
atualidade.
2. As tendências éticas contemporâneas e seus fundamentos ontológicos: concepção
de homem, de sociedade e de ética
2.1. O Neoaristotelismo
Não podemos falar de neoaristotelismo no século XX, sem antes fazermos uma
referência a interpretações outras do pensamento de Aristóteles que deram origem ao
tomismo, no período medieval, com a elaboração filosófico-teológica de Tomás de
Aquino e com sua reatualização, nos finas do século XIX e início do século XX, sob a
forma de neotomismo, a partir dos estudos de Emanuel Mounier e Jacques Maritain.
Partindo de uma concepção aristotélica e naturalista de homem, entendido como
ser racional, social e político, Tomás de Aquino acrescenta a esta visão o conceito de
criação, atribuindo ao homem um caráter naturalmente inclinado para o bem - devido à
sua origem divina - e que encontra sua felicidade plena no reencontro com Deus, na
transcendência de sua existência terrena. A felicidade mundana, portanto, seria uma
mediação para a felicidade absoluta e se daria através da organização política que
visasse ao bem comum e do exercício da virtude, especialmente da justiça, entendida, à
luz do pensamento aristotélico, como ponto de equilíbrio ou “justo meio” entre o
excesso e a falta de bens materiais.
O neotomismo, por sua vez, se afirma como suporte da doutrina social da Igreja,
nos finais do século XIX, que, face aos valores contraditórios do liberalismo e do
socialismo, se atribui o papel de apresentar ao mundo uma “terceira via” que
assegurasse à pessoa humana sua realização integral, na sua dupla dimensão material e
espiritual, numa proposta de sociedade fundamentada nos princípios da liberdade e da
justiça social. Com efeito, a doutrina social da Igreja não condena alguns princípios do
liberalismo, tais como o direito à propriedade privada e à livre iniciativa; no entanto se
pronuncia contrária ao excesso de individualismo e ao caráter eminentemente secular
que subjazem a lógica e experiência concreta da ordem liberal. No que se refere ao
socialismo, o embate da doutrina social da Igreja se dá especialmente em função de sua
concepção materialista de homem, como sujeito da história, capaz de transformar a
própria sociedade independente da vontade divina - característica do materialismo
histórico que inspirou o surgimento de sociedades socialistas, bem como em função da
perspectiva de socialização dos meios de produção, o que implica descumprimento do
direito “natural” de propriedade privada.
Outro aspecto a considerar com relação à crítica da Igreja ao socialismo, diz
respeito ao centralismo político, que tem se demonstrado, nas experiências históricas
concretas, como negação do princípio da liberdade. Contudo, tal crítica perde sua
legitimidade se considerarmos o seu percurso histórico e a ordem hierárquica que
caracteriza o interior da própria instituição religiosa: a Igreja tem sempre se revelado
como autoritária, detentora do critério de verdade, apoiada numa concepção
transcendente de mundo fundamentada na revelação divina; fato que tem contribuído
para sua resistência ao avanço da ciência e sua postura eminentemente conservadora.
Vale salientar, portanto, que na perspectiva da doutrina social da Igreja, o
conceito de liberdade é entendido subjetivamente como livre arbítrio ou capacidade de
escolha entre o bem e o mal e, objetivamente, como livre iniciativa e livre expressão,
subentendendo-se aí a garantia do direito de propriedade como direito natural.
Estas considerações nos remetem, imediatamente, aos princípios fundamentais
do primeiro Código de Ética Profissional, elaborado no Brasil em 1947, pautado numa
concepção de homem abstrata e a - histórica, a partir da qual se defendia o humanismo
integral, a autodeterminação e a solidariedade como valores fundantes da prática
profissional do Assistente Social.
Entretanto, não é exatamente na mesma perspectiva que se coloca o movimento
neoaristotélico. Com efeito, os pensadores que se definiram pelo resgate do pensamento
de Aristóteles na contemporaneidade, delimitam sua análise para um aprofundamento
do conceito de virtude (Alasdair MacIntyre), de phronesis ou aplicação da virtude nas
situações concretas da vida (George Gadamer), de política, entendida numa perspectiva
da racionalidade dos fins que via no Estado a busca da realização da felicidade coletiva
(Eric Voegelin e Leo Strauss) e, finalmente, no enfrentamento da discussão da política
como atividade central e inerente à condição humana (Hannah Arendt).
A perspectiva de Hannah Arendt, que nos interessa mais de perto, parte de uma
concepção de homem construída historicamente, a partir do desenvolvimento de
atividades para o atendimento de suas necessidades. Sendo assim, o homem pode ser
definido, inicialmente, como “homo laborans” por dedicar-se prioritariamente a
atividades voltadas para o atendimento de suas necessidades de sobrevivência, atendidas
no contato imediato com a natureza. O “homo faber” pode ser entendido como o
homem que alcança o estágio de transformação da natureza, a partir da atividade do
trabalho e, assim, gera novas necessidades que, à medida que se complexificam,
exigem, deste homem , o aperfeiçoamento de técnicas de domínio e de exploração da
natureza, tendo como fim último assegurar a sua sobrevivência. O “homo agens” é
visto, pela autora, como aquele que busca estabelecer fins vinculados ao atendimento de
suas necessidades enquanto ser que se relaciona com os demais, independente da
atividade laborativa, e que, por isto, preocupa-se com as formas de organização social e
política que melhor respondam à necessidade de realização do ser humano.
Neste sentido, a política, e não o trabalho, ganha centralidade no pensamento de
Arendt e, para exemplificar sua postura, ela busca referências na democracia direta
grega, onde a pólis representava o lócus da tomada de decisão e exercício da política
através do discurso e não pelo uso da força, como acontece nas demais sociedades.
Segundo a referida autora, tal situação só é possível graças à dimensão de unicidade e
pluralidade que caracteriza a condição humana: cada ser é único e insubstituível,
constitui-se uma novidade e uma possibilidade imprevisível, na medida em que é capaz
de realizar coisas jamais pensadas anteriormente. Ao mesmo tempo, os homens são
todos iguais, possuem as mesmas características, o que lhes imprime a igualdade de
gozar de todos os direitos e de vivenciar a condição de “homo agens”, na medida em
que lhe é possível pensar e agir no mundo como ser universal, membro de uma
humanidade. Esta capacidade lhe confere, também, o direito à imortalidade, na medida
em que se insere no processo histórico e realiza obras que se perpetuam para outras
gerações, mesmo após sua morte física.
A principal crítica que Arendt imprime à sociedade moderna refere-se à
centralidade do trabalho. No seu entender, o “homo laborans” se sobrepõe ao “homo
agens” e, com isto, limita-se a viver em função da sobrevivência, em detrimento de uma
preocupação com as relações coletivas e de construção de projetos de sociedade
passíveis de realização mediante a sua ação política.
As reflexões de Arendt têm contribuído de forma significativa para uma
redefinição dos moldes em que se pautam a democracia moderna: democracia
representativa, formal, baseada no princípio quantitativo da maioria e do sufrágio
universal, sem levar em consideração a criação de novas alternativas que possam
viabilizar o exercício da política por todos por todos os seres humanos, a partir do
desenvolvimento de suas potencialidades, no sentido da construção de uma nova
organização social.
Com isso, identificamos que a autora defende uma idéia de democracia
substantiva que implica no respeito às individualidades e extrapola o conceito corrente
de política, próprio da racionalidade estratégico-instrumental, visto que ser político não
se identifica com assumir o poder ou apenas exercer o direito de voto, mas implica um
compromisso com a humanidade, no sentido de atuar no mundo como sujeito histórico.
2.2 A teoria da justiça como equidade
A questão da justiça se coloca hoje no debate ético-político-filosófico não
apenas como virtude ou valor que relembra o conceito romano de “dar a cada um o que
é seu”, mas se evidencia como necessidade concreta e emergente, face ao agravamento
da questão social, conforme explicitado anteriormente, em função dos avanços do modo
de produção capitalista. Poderíamos, aqui, nos remeter a uma série de dados estatísticos
que comprovariam a má distribuição de riqueza em nível nacional e internacional,
gerando situações insustentáveis de miséria, e comprometendo, em última instância, o
direito ao trabalho, à moradia, à saúde, à educação e até mesmo à vida de milhares de
seres humanos. No entanto, a realidade é tão gritante que os dados se materializam em
nosso cotidiano no aumento da violência, no crescimento do número de crianças e
adolescentes nas ruas, em situação de risco, na explosão de favelas, nos grandes centros
urbanos, sem qualquer infraestrutura etc.
Daí por que merece uma atenção especial o conceito de justiça e, mais que isto, a
sua implementação. Todavia, não existe um consenso sobre o significado da justiça e,
considerando que até mesmo os liberais se sentem “incomodados” e buscam legitimar o
capitalismo com alternativas passíveis de aceitação pela coletividade, vamos encontrar,
até entre eles, os que teorizam sobre a “justiça como equidade”.
Neste contexto liberal é que surge, em contraponto à crise do Estado de bem
estar social, a teoria da justiça como equidade, elaborada pelo filósofo-político
americano – John Rawls – que adota uma perspectiva ética inspirada no pensamento
kantiano, especialmente no que se refere ao conceito de liberdade e, numa perspectiva
neocontratualista, que resgata a concepção hobbesiana.
Para Rawls, a sociedade é entendida como uma cooperativa, onde todos
produzem e, portanto, onde todos devem sair ganhando. Sendo assim, ele cria o
conceito de “desavantajados” e “menos avantajados” para explicar a origem natural das
desigualdades sociais que se acentua com a forma de tratamento que a sociedade
dispensa aos menos avantajados.
A sua perspectiva é a de que a sociedade deve criar mecanismos que favoreçam,
ou melhor, viabilizem melhores condições de oportunidade aos menos avantajados (tais
como privilegiar o ensino para os menos dotados e portadores de necessidades
especiais), para que estes tenham condições de superar as desigualdades.
Em última instância, Rawls admite a necessidade de uma nova formação social,
baseada num novo contrato, que redefina as normas (vê-se que se trata de um
deontólogo) e os princípios de justiça, os quais fundamentariam as novas leis
constitucionais a regerem as relações entre os homens. Sendo assim, o autor busca
suporte no pensamento kanteano sobre o conceito de liberdade, entendendo que esta só
será possível numa situação de autonomia que se contraponha a heteronomia. Com
efeito, para Kant, a autonomia representa a condição necessária para o homem agir
racional e livremente, visto que a sua atuação é determinada em função de interesses
universais e não apenas individuais. A heteronomia, ao contrário, reporta à condição de
escolha na ação pautada na defesa de interesses particulares e, portanto, não livres.
Ora, entendendo que a sociedade é permeada por conflitos de interesses, Rawls
concebe como única possibilidade de alcançar a autonomia e, portanto, a liberdade, a
criação de uma situação ideal, por ele definida como situação original, caracterizada
pelo “véu de ignorância”, onde todos os membros da sociedade se colocam numa
postura de total desconhecimento de sai posição social e das reais condições históricas,
para eleger princípios de justiça universais que, em outras palavras, favoreceriam tanto
aos avantajados quanto aos desavantajados, considerando que, em não tendo
consciência da sua real condição social, os homens optariam por princípios universais e
neutros que beneficiariam a todos indistintamente.
Os princípios de justiça, aos quais o autor se refere, se expressam como defesa
do direito de liberdade e de igual oportunidade para todos. Com isso, Rawls não apensa
nega ao homem a sua condição de sujeito moral, capaz de fazer escolhas éticas e
conscientes, como também afirma o princípio da desigualdade social, no momento em
que preconiza vantagens para os “avantajados” e “desavantajados”, considerando
previamente, que o novo contrato gerará uma sociedade desigual. Tudo isto se
fundamenta no chamado cálculo ou princípio da “diferença” em que a justiça se realiza
quando o aumento da riqueza e dos benefícios dos mais avantajados não implica,
necessariamente, na deterioração ou na perda dos benefícios para os menos avantajados.
Em outras palavras, pode-se afirmar: todos saem ganhando, mesmo que de formas
diferenciadas.
A grande contradição desta teoria, portanto, é não alcançar o nível de
compreensão de que, numa sociedade capitalista, o aumento da riqueza de alguns
implica, necessariamente, na perda ou redução da riqueza dos demais, o que se verifica
concretamente, como afirmado anteriormente, no agravamento da questão social. Esta é
a lógica do capital, o que torna inviável a perspectiva de justiça rawlsiana.
2.3 A ética do discurso e a teoria do agir comunicativo
A preocupação com a democracia e com os direitos humanos tem suscitado a
discussão da necessidade de estabelecimento de novas regras que possam assegurar tais
princípios, dentro de uma perspectiva de ética deontológica.
Jürgen Habermas, filósofo alemão e herdeiro direto da escola de Frankfurt,
procura dar continuidade ao pensamento da “teoria crítica”, elaborada por Adorno,
Horkheim, Marcuse e Benjamim, nos meados do século passado, no sentido de explorar
o universo da supra-estrutura social, das determinações e implicações da cultura na
sociedade capitalista. Suas reflexões, no entanto, pouco a pouco, se distanciam da
tradição marxista, na medida em que o estudioso se utiliza de outros referenciais,
especialmente daquele kantiano para formular sua teoria ética.
Com efeito, Habermas objetiva defender princípios que orientem a criação de
normas universais, capazes de serem seguidas por todos, no sentido de afirmar a
democracia e os direitos humanos. Ele parte de uma concepção de sociedade formada
por três sistemas: o político, o econômico e o sócio cultural que interagem entre si e dão
origem a diferentes formas de organização social. A sua análise sobre a conjuntura
mundial atual é a de que o sistema político – identificado com o estado – sufoca e
impede a expressão do mundo vital – entendido como sistema sócio-cultural e que
representa o mundo dos valores e da cotidianidade, provocando o que ele denomina de
crise de identidade e crise motivacional: os homens não se reconhecem, nesta sociedade,
como sujeitos históricos e sua vida passa a perder o sentido quando buscam apenas
atender às demandas políticas e econômicas da sociedade contemporânea.
A sua proposta ética, portanto, se fundamenta numa concepção de agir,
entendido como agir voltado a si mesmo, que se diferencia do agir estratégico –
característico da política, entendido na perspectiva da racionalidade estratégicoinstrumental e pautado na busca do sucesso e do convencimento das pessoas – e do agir
dramatúrgico – que se constitui dimensão inerente à vida em sociedade, visto que todos
desempenhamos determinados papéis em nossa vida cotidiana.
A ética do discurso pressupõe a possibilidade do consenso, numa perspectiva de
superação do conflito, tendo em vista ser viável o diálogo entre sujeitos que defendem
diferentes interesses, desde que sejam respeitadas as regras do discurso ou da
argumentação. Tais regras referem-se à veracidade, justa e desprovida da defesa de
interesses particulares. A proposta consensual se dá em torno da tomada de decisões
coletivas, tendo como fundamento a escolha da melhor argumentação.
A crítica que se pode fazer a Habermas se refere, especificamente, à sua postura
deontológica que nega a necessidade dos fundamentos para a reflexão ética e se atém à
elaboração de regras que possam assegurar a democracia, e não à discussão qualificada
sobre o conceito de bem e de justiça. Além disso, a consideração sobre o conflito,
especialmente no que se refere ao conflito de classes, por não ser aprofundada por
Habermas, na dimensão em que se manifesta na atualidade, faz com que a sua proposta
se configure como solução mais idealista que realista: o consenso, como forma de sua
superação.
2.4 A ética marxista
Segundo os estudiosos do pensamento marxista, Marx não formulou uma teoria
ética no verdadeiro sentido da palavra, no entanto, pensadores como Lukács e Agnes
Heller dedicaram-se a extrair de seus fundamentos ontológicos, os princípios que
poderiam fundamentar a elaboração de uma ética em bases marxistas.
Como dito anteriormente, a perspectiva ética pressupõe uma concepção de
homem e de sociedade. A literatura marxista, a esse respeito, especialmente a partir da
interpretação dos autores anteriormente citados, nos apresenta uma visão de homem que
supera a dimensão naturalista, tradicionalmente utilizada para legitimar a existência de
direitos naturais, bem como a visão teológica de origem divina, que atribui ao homem
uma pré-determinação ao bem, em contraposição ao mal que seria fruto de escolhas
desviantes da sua natureza, ou ainda, inerentes à sua condição necessária de luta pela
sobrevivência.
Para Marx, o homem é um ser histórico que se produz e se reproduz na medida
em que cria as próprias condições de sobrevivência através da atividade do trabalho. O
exercício desta atividade lhe permite transformar a natureza, isto é, o mundo
circunstante e lhe confere a condição de ser social, posto que exige e determina as
formas de relação que o mesmo estabelece com os outros homens, considerando a
emergência de novas necessidades a partir do desenvolvimento do próprio trabalho.
Neste sentido, a “essência” humana, se é que podemos falar de essência, estaria
na sua capacidade teleológica, isto é, na sua capacidade de planejar as atividades em
função das necessidades que se lhe apresentam e de realizá-las, concreta e
coletivamente, num processo definido como práxis, que implica a atividade de reflexão
sobre o que precisa fazer, sobre o que faz e como faz e, acima de tudo, a execução
concreta do idealizado que, se diferencia da simples aplicação de teorias ou modelos, na
medida em que exige modificações no processo do fazer, a partir da consideração das
determinações das condições objetivas do real.
É assim que o home faz história, construindo e modificando o mundo objetivo,
construindo e reconstruindo as relações sociais, os princípios e os valores que devem
fundamentar as relações que se estabelecem entre os próprios homens e entre estes e a
natureza. É, portanto, nesse processo dialético que o homem se torna senhor de si e da
história, definindo e redefinindo o significado da liberdade, da justiça, da igualdade, do
direito: é assim que ele constrói e reconstrói a sua ética.
Partindo destes pressupostos, a perspectiva marxista identifica que a experiência
histórica do homem tem se pautado em relações conflitantes, na medida em que, em não
sendo naturalmente bom ou mal, o homem possui necessidades e interesses que podem
ser satisfeitos coletivamente, numa perspectiva comunitária, ou, o que tem sido mais
frequente, numa postura de exercício do domínio de uns sobre outros, o que define os
diferentes modos de organização social, política e econômica das sociedades.
Neste sentido, vale considerar que as condições objetivas não são dadas, mas
construídas historicamente e, por isto mesmo, passíveis de mudança, especialmente por
que o homem possui também a faculdade da consciência que lhe permite julgar as
situações objetivas e o seu próprio agir diante das mesmas, estabelecendo princípios,
valores e, por fim, normas que orientam a conduta individual e coletiva.
É nessa perspectiva, portanto, que o conceito de liberdade na ótica marxista não
se restringe ao uso do livre arbítrio ou à livre iniciativa. Marx concebe o homem como
ser humano genérico e, por esta razão, a liberdade é um pré-requisito para a humanidade
e não um atributo meramente individual, como preconiza o liberalismo. A liberdade
pressupõe a existência de condições objetivas que permitam ao homem realizar escolhas
de ações e de modos de vida.
Na lógica liberal, materializada no modo de produção capitalista, entende-se que
“a liberdade de um começa onde termina a liberdade do outro”. Ora, tal concepção de
liberdade admite, em princípio, a existência de limites para a liberdade de todos, visto
que as condições objetivas não oferecem igualdade de condições para escolhas
subjetivas. Neste sentido, o princípio da liberdade, do ponto de vista marxista, está
diretamente relacionado com o princípio da igualdade: igualdade de condições e
igualdade de direitos, o que só se concretiza numa sociedade que supere o modo de
produção capitalista, numa sociedade emancipada, sem dominação do homem sobre o
homem e sem as relações de exploração.
Assim, a justiça não se fundamenta na lógica de “dar a cada um o que é seu”, por
que isto pressupõe o individualismo e não define a forma como cada um veio a se
apropriar daquilo que chama de seu; nem se fundamenta na idéia de limites impostos a
uns pelo exercício da liberdade de outros; mas radicalmente embasada no atendimento
às necessidades humanas (considerando-se que o homem é tão mais rico, quanto mais
necessidades possui) e, na idéia de socialização dos meios de produção e dos resultados
do trabalho coletivo, trabalho este que caracteriza a sociedade capitalista e, cujo produto
final que contraditoriamente, é apropriado por alguns em detrimento dos demais.
É nesta perspectiva que se coloca o projeto ético-político do Serviço Social
brasileiro que vem se construindo, paulatinamente, a partir do movimento de
reconceituação que caracterizou a década de sessenta e que teve como marcos
fundamentais a elaboração dos Códigos de Ética de 1986 e 1993, respectivamente.
Para ilustrar o que acabamos de afirmar, reportaremos, a seguir, os princípios
delimitados no Código de 1993, referentes especialmente à concepção de liberdade,
igualdade e justiça e, consequentemente, a uma postura democrática e de respeito aos
direitos humanos, enquanto telos a ser observado na convivência social e política da
sociedade.
A esse respeito, os termos utilizados pelo referido código são os seguintes:

“posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure
universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e
políticas sociais bem como sua gestão democrática”;

“reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas
políticas a ela inerentes: autonomia, emancipação e plena expressão dos
indivíduos sociais”;

“defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da
participação política e da riqueza socialmente produzida”;

“opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção
de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe,
etnia, gênero”.
3. Proposta de uma nova racionalidade para implementação do Projeto Ético
Político Profissional do Serviço Social
A análise das diferentes perspectivas éticas, apresentadas até o momento, nos
permite identificar a existência de uma racionalidade estratégico-instrumental, que
caracteriza a experiência histórica do Estado moderno e da sociabilidade nele contida, a
partir da implementação do modo de produção capitalista e de uma racionalidade
comunicativa que pretende fundamentar princípios e normas para o exercício da
democracia, mas não contempla, em toda sua dimensão, a possibilidade da superação da
sociedade de classes.
A perspectiva marxista aponta, por sua vez, para uma nova racionalidade e para
a possibilidade de uma sociedade emancipada, livre do domínio e da exploração do
homem pelo homem.
Neste sentido, o grande desafio que se coloca, hoje, para a humanidade e, de
modo muito particular, para a profissão de Serviço Social que comunga deste projeto
societário, é a construção de mediações que viabilizem, concretamente, tal experiência
histórica.
É partindo destas considerações, que propomos uma nova racionalidade: a
racionalidade do senso que tem como características fundamentais uma concepção de
homem como sujeito moral e histórico, e uma visão teleológica que resgata a
racionalidade dos fins. Quando falamos em racionalidade do senso queremos nos referir
à categoria sentido, direção, o que implica a consideração do homem como sujeito que,
a partir da consciência que tem de si mesmo, dos outros e da história é capaz de julgar e
refletir crítica e filosoficamente sobre esta realidade, no sentido de projetar perspectivas
de ação que transformem a mentalidade (incluindo aí cultura, valores, princípios éticos)
e as condições objetivas da sociedade em que vive.
A consciência de si implica uma compreensão de sua situação no mundo, do
ponto de vista concreto das relações sociais, econômicas e políticas, bem cômodo ponto
de vista ontológico-existencial, indagar-se sobre a razão de ser de sua vida e de sua
contribuição histórica. A consciência do outro e a consciência histórica permitem ao
homem perceber-se como ser social, historicamente situado no tempo e no espaço e
como ser humano-genérico, universal, membro de uma humanidade e, por isso mesmo,
responsável pelo destino que esta venha a imprimir na história.
Tais considerações se fazem necessárias em função do determinismo histórico
que predomina no âmbito de muitas interpretações marxistas, que se limitam a analisar
as determinações impostas pelo modo de produção capitalista e a lógica interna que o
faz superar as suas crises cíclicas e redefenir-se sem perder sua essência. Ao mesmo
tempo, há os que afirmam que o estágio em que se encontram as relações de produção
não possibilita, ainda, um processo de mudança sendo premente que o capital evolua até
determinado nível para que se dêem as condições objetivas necessárias para um
processo de transformação.
Ora, pensar desta forma é atribuir ao capital um sentido de “senhor da história”,
invertendo-se, assim, a condição do homem de sujeito simples para simples objeto. Para
alguns, pensar na possibilidade imediata de uma sociedade emancipada é puro
idealismo, ingenuidade, purismo. No entanto, esquece-se a capacidade humana de
projetar e se superar as dificuldades a partir das necessidades que se objetivam no
processo contraditório de limites/possibilidades que caracteriza a história.
Daí porque a necessidade de uma reflexão profunda sobre o projeto éticopolítico do Serviço Social em consonância com o projeto societário, considerando as
mediações que são passíveis de realização, no cotidiano profissional, nível coletivo,
tendo em vista a construção de novos valores e de novas condições objetivas que
culminem com o processo de transformação.
Esta é uma perspectiva fundamentada numa proposta ética que não se pretende
ingênua, ao contrário, requer um profundo conhecimento da realidade social e de seus
limites, mas não concebe a perspectiva do novo como possibilidade remota ou
impossível; afinal, como afirma um dos maiores artistas do último século - Charles
Chaplin - “as grandes conquistas da humanidade são realizações daquilo que parecia
impossível”.
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RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Contribuições à crítica do preconceito no debate do Serviço Social
Marylucia Mesquita3
Sâmia Rodrigues Ramos4
Silvana Mara Morais dos Santos5
“...É fácil tcrer no que
crê a multidão (...)
difícil é saber
o que é diverso.”
Goete
O preconceito, materializado em diferentes formas de discriminação, é uma
realidade objetiva para amplos segmentos de homens e mulheres. Isso por que as
diferenças no jeito de ser e viver têm significado uma arena fértil para a manifestação de
múltiplas modalidades de opressão. Raça, etnia, cor gênero, orientação sexual e muitos
outros itens compõem a agenda de questões que, historicamente, estão no alvo da
intolerância, da não aceitação da diferença.
As questões que provocam preconceito precisam ser problematizadas e
desmistificadas, por que o preconceito, enquanto algo que dizima o humano, destitui os
indivíduos sociais de sua autonomia e liberdade. Nestes termos, o debate em torno do
preconceito favorece à argumentação e à reflexão crítica sobre a vida cotidiana, espaçotempo no qual se materializam as expressões de discriminação e opressão.
De saída, uma questão premente: em que medida este tema interessa ao Serviço
Social?
Com o código de 93, abre-se um campo de possibilidades para o entendimento e
desnaturalização do preconceito. Neste sentido, o objetivo deste artigo é fornecer
elementos para a crítica do preconceito, fortalecendo, desse modo, tal discussão no
âmbito do projeto ético-político do Serviço Social (PEPSS). Situaremos, brevemente, a
trajetória de construção do PEPSS a partir dos anos 80, contextualizando os códigos de
ética de 1986 e 1993, para, estabelecer uma relação entre a dimensão ética e a
necessidade de superação dos preconceitos.
3
Mestra em Serviço Social pela UFPE. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ética
(GEPE/UFPE) e conselheira CFESS, gestão “Brasil mostra a tua cara” (1999/2002).
4
Professora do departamento de Serviço Social da UERN. Doutoranda em Serviço Social pela UFPE e
membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ética (GEPE/UFPE).
5
Professora do departamento de Serviço Social da UERN Doutoranda em Serviço Social pela UFPE e
membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Ética (GEPE/UFPE).
1. Contextualizando o Código de Ética Profissional de 1993: um olhar sobre as
lentes do Projeto Ético-Político do Serviço Social
O novo projeto Ético-Político do Serviço Social começou a ser gestado na
conjuntura de transição da década de 70 à de 80, momento em que a realidade objetiva
sinalizava a necessidade de mudanças no arcabouço teórico-metodológico do Serviço
Social. É o que Netto (1989) sintetizou como sendo a “intenção de ruptura”, ou seja, no
processo de desenvolvimento do Serviço Social brasileiro se tece a recusa e a crítica ao
conservadorismo profissional. O que merece destaque é que mudanças não se efetivam
sozinhas, como mera consequência da realidade objetiva.
Sob este ponto de vista, pode-se afirmar que o projeto de “intenção de ruptura”
foi produto da ação político-profissional de um significativo número de assistentes
sociais sob dadas condições históricas. Assume relevância, portanto, a direção teóricopolítica que orientou, naquele momento, segmentos expressivos da categoria
profissional, que viria, na continuidade do processo histórico, se expressar, de forma
mais coletiva, no cenário profissional durante o III Congresso Brasileiro de Assistentes
Sociais – CBAS, em 1979, em São Paulo. Podemos identificar, além do III CBAS,
outros marcos históricos que expressaram mudanças qualitativas na direção social da
profissão, como por exemplo: o Currículo de 82 e o Código de Ética de 86.
As profissões não atualizam suas agendas de forma linear, como mera evolução,
desse modo, apesar de todo o esforço teórico-político para sintonizar o Serviço Social
com uma racionalidade crítico-dialética, logo foi possível identificar alguns limites e
contradições que permearam esse movimento amplo de redefinição da profissão. Como
exemplo, podemos citar que ocorreu, no Serviço Social, aquilo que Consuelo Quiroga
tematizou como sendo a “invasão positiva no marxismo”, ou seja, até o início dos anos
80, esteve presente, com muito realce, a concepção althusseriana instituição, sustentada
ora pelo caráter voluntarista e messiânico da de ação profissional, expresso, sobretudo,
na hipertrofia e na ilusória pretensão de autonomização da dimensão política da
profissão, ora pelo seu caráter fatalista, evidenciado, sobretudo, na impossibilidade de
realizar, no âmbito institucional, ações que expressem compromisso com os reais
interesses das classes trabalhadoras. Na concepção althusseriana está a idéia de que o
fator econômico é auto-explicativo de todos os fenômenos. Desse modo, anulava-se um
dos grandes ensinamentos de Marx, aquele que nos diz que “o real é a síntese de
múltiplas determinações”.
Na esteira desses limites vieram outros, expressos na redução da assistência ao
assistencialismo e na forma secundária e periférica na qual foi tratada a Ética na
materialização dos currículos etc. Estes equívocos eram presentes, de tal forma que, por
algum tempo, não foi possível conceder maior atenção àqueles(as) que, na década de 70,
já alertavam para os perigos analíticos do economicismo.
Na verdade, a disseminação do pensamento gramsciano no Brasil, no início dos
anos 80, e o próprio amadurecimento teórico dos profissionais, possível, entre outras
formas, pelo acesso aos estudos na Pós-Graduação, permitiram profundas avaliações e
reflexões sobre o Serviço Social. Esse movimento de pensar a profissão tem
possibilitado o encontro de assistentes sociais que debatem e problematizam o cotidiano
profissional, sendo neste processo, de maturação intelectual permanente, que se constrói
e reconstrói o Projeto Ético-Político profissional. Exatamente por isso, pode-se dizer
que “trata-se de um projeto que também é um processo, em contínuos desdobramentos”
(Netto, 1999:104).
Esse projeto não se constrói e nem se materializa de forma abstrata. Ele revela a
opção teórico-ético-política de segmentos expressivos da categoria que, na sua trajetória
individual e coletiva, sobretudo, das duas últimas décadas, contribuem de diferentes
formas, para a disseminação e valorização de uma racionalidade crítico-dialética no
entendimento da realidade social, bem como na leitura do próprio Serviço Social e das
respostas profissionais que lhe são exigidas.
Poderíamos nos perguntar: tal projeto é endógeno ao Serviço Social? Sobre isso
vale considerar que toda profissão existe como resposta às necessidades objetivas postas
no tecido social. Da mesma forma, um projeto profissional expressa um tipo de projeto
coletivo e como tal ganha materialidade ao vincular-se a um determinado projeto
societário.
Ou seja, o Projeto Ético-Político do Serviço Social não pode ser elaborado
descolado da realidade social mais ampla, embora guarde particularidades por ser algo
específico de uma determinada profissão. Segundo Netto (1999:97) “embora seja
frequente a sintonia entre projeto societário hegemônico e projeto hegemônico numa
determinada categoria profissional, podem ocorrer situações de confronto entre eles. É
possível que, em conjunturas precisas, o projeto societário hegemônico seja contestado
por projetos profissionais que conquistem hegemonia em suas respectivas categorias
(essa possibilidade é tanto maior quanto mais estas categorias tornem-se sensíveis aos
interesses das classes trabalhadoras e subalternas e quanto mais estas classes se
afirmem social e politicamente)”.
No que se refere ao projeto Ético-Político do Serviço Social, podemos afirmar
que ele se coloca na contra-mão do projeto societário ora hegemônico em nossa
sociedade. Há um conjunto de lutas que já foram enfrentadas e outras que se tecem no
tempo presente. Frente a elas, o protagonismo das entidades representativas da
categoria, com sua orientação política, sinaliza um horizonte de crítica e resistência ao
projeto neoliberal. No entanto, é preciso considerar que “esse confronto de projetos
profissionais com projeto societário hegemônico tem limites numa sociedade
capitalista. Exceto se quiser se esterilizar no messianismo, cuja antítese é o fatalismo,
mesmo um projeto profissional questionador e avançado deve levar em conta tais
limites, cujas balizas mais evidentes se expressam nas condições do mercado de
trabalho” (Netto, 1999:97).
O projeto profissional enquanto projeto coletivo não esgota e nem substitui a
necessidade de outras mediações históricas na singularidade da vida do(a) profissional.
Daí a importância da participação em espaços coletivos, tais como movimentos sociais e
partidos políticos – ambientes com condições de possibilidade para a formação da
vontade coletiva-nacional-popular, conforme advertia Gramsci.
À medida que o termo Projeto Ético-Político Profissional ganha visibilidade, o
que ocorre somente nos anos 90, conquistam relevo os questionamentos e dúvidas sobre
o seu real significado e alcance. Um desses questionamentos é quanto à possibilidade
desse projeto configurar-se ou não enquanto hegemônico no seio do Serviço Social nos
dias atuais. Sobre esta questão, embora a resposta seja afirmativa, faz-se necessário
levar em consideração diversos aspectos relacionados entre si.
Em primeiro lugar, é preciso considerar que o fato desse Projeto Ético-Político
Profissional conquistar hegemonia nos anos 90, não significa dizer que ele tenha
pretensões de apresentar-se de forma acabada, ao contrário, enquanto projeto, o
entendimento repousa sobre o seu caráter inconcluso e aberto ao movimento dinâmico
da vida social e da ação política dos sujeitos profissionais.
Em segundo lugar, afirmar-se hegemônico não significa sua exclusividade no
campo profissional. Isso porque “por uma parte, não se desenvolveram suficientemente
as suas possibilidades, por exemplo, nos domínios dos indicativos para a orientação de
modalidades de práticas profissionais (neste terreno, ainda há muito por fazer-se); por
outra, a ruptura do quase monopólio do conservadorismo no Serviço Social não
suprimiu tendências conservadoras ou neoconservadoras...” (Netto, 1999:106).
Nesse horizonte, tal projeto insere-se num campo vivo de correlação de forças e
torna-se ilusório supor, apesar do aparente silêncio, a idéia de uma categoria
completamente unificada em torno de um único projeto, bem como a inexistência de
oposição. Na verdade, sob um olhar crítico é possível visualizar que as diferenças se
manifestam, mais claramente, nos vários fóruns de discussão e deliberação da categoria
profissional, através do debate, das publicações, pelo confronto de idéias, ou seja, na
configuração de um espaço plural, no qual é possível e pertinente a expressão de
projetos distintos.
O Projeto Ético-Político Profissional traz nas suas linhas fundamentais uma
sintonia “com tendências significativas do movimento (o movimento das classes sociais)
da sociedade brasileira. Essas linhas não foram fruto do desejo ou da vontade subjetiva
de meia dúzia de Assistentes Sociais envolvidos numa militância cívica e/ou política:
elas expressam, processadas, numa perspectiva profissional, refratadas no interior da
categoria, demandas e aspirações da massa dos trabalhadores brasileiros. Numa
palavra:esse projeto profissional vinculou-se a um projeto societário que, antagônico
ao das classes possuidoras e exploradoras, têm raízes efetivas na vida social
brasileira” (Netto, 1999: 106).
Nessa perspectiva, e considerando todo o acúmulo teórico-ético-político que
possibilitou, sobretudo, a partir da década de 80, inscrever o Serviço Social na chamada
maturidade intelectual, vivemos desde a década de 70 e, mais explicitamente nos anos
80 e 90, uma profunda crise que atinge, a um só tempo, todas as esferas da vida humana
(a economia/ a política/ a ética/ a ciência/ a literatura/ a filosofia/ a música/ a cultura
dentre outras).
Trata-se, pois, de um novo reordenamento do capital, traduzido na ofensiva para
recuperar o seu ciclo produtivo. Assim, o objetivo destina-se a “reestruturar o padrão
produtivo estruturado sobre o binômio taylorismo e fordismo, procurando, desse modo,
repor os patamares de acumulação existentes no período anterior, especialmente no
pós-45, utilizando-se, de novos e velhos mecanismos de acumulação” (Antunes,
1999:36)4.
4
Para aprofundar as discussões sobre a ofensiva do capital e suas repercussões na sociedade das classes
trabalhadoras ver Harvey (19993); Mota (1995 e 1998); Teixeira (1998); Antunes (1999); Mészaros
(1999) etc.
Desse modo, há, nos dias atuais, como conseqüência de todo esse movimento do
capital, a presença, no tecido social, de uma classe trabalhadora que se apresenta de
forma diversa e heterogênea, o que nos autoriza a pensar, segundo Antunes (1995 e
1999), numa classe-que-vive-do-trabalho. As dimensões de heterogeneidade se
materializam, sobretudo, nos trabalhos precarizados, nos quais vigoram uma tendência
acentuada de deterioração das condições de trabalho expressa, dentre outros, nos
seguintes aspectos: na diminuição/ausência de mecanismos de proteção social; aumento
da jornada de trabalho e/ou intensificação do trabalho; insegurança quanto à
continuidade-permanência no trabalho diante dos contratos temporários; ausência, na
maioria das vezes, de mediações políticas para o tratamento das reivindicações
trabalhistas e para o processo de organização coletiva. Tudo isso convivendo com
inúmeras exigências quanto ao domínio de novas habilidades na perspectiva da
formação do (a) trabalhador (a) polivalente, dinâmico (a) e empreendedor (a).
Esse quadro, traçado, aqui, de forma bastante sintética, revela as orientações
ídeo-político-culturais do neoliberalismo que enaltece o papel do mercado em
detrimento da ação pública; que reconhece como sujeito tão somente o cidadãoconsumidor e que em largas proporções, dissemina na sociedade, a ideologia do
neosolidarismo e da filantropia empresarial nas respostas às múltiplas expressões da
“questão social”.
Esse conjunto de questões suscita uma interrogação: é possível diante da
brutalidade do capital, materializar, no cotidiano, o projeto ético-político profissional
que se apresenta de forma antagônica ao projeto neoliberal?
Para Netto (1999:107) “é evidente que a manutenção e o aprofundamento deste
projeto, em condições que parecem tão adversas, depende da vontade majoritária da
categoria profissional mas não só dela: depende também do revigoramento do
movimento democrático e popular”.
Apesar das inúmeras dificuldades, na construção de respostas e iniciativas
políticas da classe-que-vive-do-trabalho na perspectiva de fortalecer um projeto
societário alternativo, não é momento para desistirmos da elaboração de estratégias reais
de enfrentamento. Abraçar a desistência é visualizar, nas respostas do capital, a única
possibilidade e, decretar, por antecipação, o capitalismo como único projeto societário
possível.
Segundo Tonet (1997:183) “há um sem-número de trincheiras, nesta luta, que
podem ser ocupadas, segundo as possibilidades de cada um. Seja nos diversos setores
do trabalho, da política, da educação, da arte, das variadas atividades profissionais ou
em inúmeros movimentos sociais. E, em cada lugar respeitando as peculiaridades e a
especificidade própria, combater não só a perspectiva neoliberal, mas também o
reformismo e imprimir a todas as lutas um caráter anti-capitalista”.
Sob esse prisma, a efetivação do projeto ético-político-profissional exige clareza
na análise das condições objetivas, do movimento das classes sociais, identificando aí
quais as possibilidades e limites. Além disso, há que se considerar as respostas
equacionadas pelo Estado no tratamento dispensado à “questão social”.
Ao analisarmos a construção do PEPSS é possível identificar como marcos: a
aprovação do Currículo Mínimo para os cursos de Serviço Social de 1982 e do Código
de Ética Profissional de 1986. Tais documentos constituem ícones históricos porque sua
elaboração se deu de forma coletiva, reunindo, além das entidades representativas, os
diversos
segmentos
que
formam
esta
categoria,
tais
como:
assistentes
sociais/professores (as)/estudantes que buscaram disseminar, no conjunto da categoria,
um referencial de análise para se pensar a sociedade, o indivíduo e a profissão. Estas
expressões concretas do processo de renovação profissional são signos “daquelas
conquistas políticas e teóricas, cujo lastro de crítica visava a recusa da base filosófica
tradicional, predominantemente conservadora que informava o Serviço Social” (CFESS,
1996:176).
Nos anos noventa, os ganhos teóricos e ético-políticos desta “intenção de
ruptura” se aprofundam, tendo como ícones, da consolidação do PEPSS, a aprovação
das Diretrizes Curriculares para o Curso de Serviço Social em 19996 e do Código de
Ética Profissional em 1993, no qual são ex0plicitados os princípios fundamentais que
norteiam o projeto ético-político da profissão.
Destaque-se, no processo de construção e aprovação destes documentos, o
protagonismo das entidades representativas da categoria, com especial relevo para o
papel da ABEPSS na coordenação do processo de elaboração das Diretrizes
Curriculares de 19965 e para o Conjunto CFESS/CRESS na direção da construção
coletiva do Código de Ética de 19936.
5
Foram realizadas mais de 200 oficinas locais, regionais e nacionais no processo de construção coletiva
das diretrizes curriculares, envolvendo professores (as), estudantes e profissionais.
6
Uma expressão desta construção é a publicação do livro Serviço Social e Ética: convite a uma nova
práxis, (1996) que contém aspectos fundamentais das discussões e elaborações teóricas que
fundamentaram a nova proposta.
No Código de Ética de 1993 foi assegurada a manutenção da direção presente
no Código de 86, superando, no entanto, alguns equívocos teórico-políticos e limitações
normativas e operacionais. O Código de 1986 significou uma importante ruptura com as
perspectivas éticas conservadoras que fundamentavam os códigos anteriores (47/65/75),
notadamente, a concepção neotomista, fundada numa perspectiva a-histórica,
metafísica, idealista; revelando, portanto, “a negação da base filosófica tradicional,
nitidamente conservadora, que norteava a ética da neutralidade, enfim recusada; e a
afirmação de um novo papel profissional, implicando uma nova qualificação, adequada
à pesquisa, à formulação e gestão de políticas sociais” (Paiva, 1996:160).
Nesse sentido, o Código de 86 configurou-se como um elemento significativo do
processo de renovação profissional, sobretudo, nos aspectos político e teórico,
expressando, de forma inconteste, a aproximação com a perspectiva teórica marxista.
Sobre a influência do pensamento marxista no Serviço Social, Barroco salienta que “em
termos da contribuição do pensamento marxista para o processo de ruptura com o
tradicionalismo do Serviço Social, cabe salientar que os anos 80 revelam uma
conquista fundamental: a consciência do profissional de sua condição de trabalhador,
que rebate na organização política da categoria e na reflexão marxista que,
gradativamente, se apropria da realidade social, apreendendo o trabalho como
elemento fundante da vida social” (Barroco, 1996:282).
No processo de implantação deste código, mediante determinadas condições
objetivas, e considerando novos estudos e pesquisas sobre a ética, foram identificadas
sérias limitações teórico-práticas neste documento, o que gerou a necessidade de
reformulá-lo.
Dentre os limites detectados “do ponto de vista conceitual, podemos verificar
que o texto de 1986 não observa a heterogeneidade intraclasse, que hoje está sendo
discutida no interior das Ciências Sociais, em relação a aspectos de diferenças de raça,
origem, etnia, geração e gênero. A perspectiva de classe deve ser assegurada, porém
melhor explicitada, na direção de uma ampliação conceitual e política dos
pressupostos que norteiam a profissão” (Silva, 1996:143).
O conjunto das limitações do Código de 86 foi alvo de problematizações e
polêmicas nos debates coletivos, nos estudos e pesquisas, nos fóruns de discussão e
deliberação da categoria profissional. Este processo demonstra um amadurecimento do
debate ético no interior da profissão, conquistado, sobretudo, no início dos anos 90,
meio a uma conjuntura favorável à reflexão ética no contexto sócio-político brasileiro.
A partir de então se construiu um processo coletivo de elaboração do Código de
93, coordenado pelo CFESS e com a importante participação da Comissão Técnica
Nacional de reformulação do Código de Ética Profissional do (a) Assistente Social.
Este novo código explicita a defesa de princípios que rompem com uma
perspectiva corporativista, na medida em que se inserem em uma dimensão societária e
não apenas profissional. A defesa da liberdade, como questão central da reflexão ética;
da democracia não só política, mas também econômica, da cidadania na perspectiva da
universalização de direitos; da justiça social efetiva; dos direitos humanos como
dimensão inalienável de todos os indivíduos sociais; da luta pela eliminação de todos os
preconceitos e o respeito à diversidade são princípios defendidos para a profissão.
Configura-se, desse modo, uma tensão permanente, pois é possível conquistar a
materialização radical de tais princípios.
A vinculação do nosso projeto profissional à construção de uma nova ordem
societária, conforme explicita o oitavo princípio do Código de Ética Profissional do (a)
Assistente Social, é uma questão polêmica, complexa e que exige um conjunto de
mediações e, nesses termos, tal abordagem, em sua profundidade, foge aos objetivos
deste artigo. Ressaltamos que esta vinculação expressa a direção social estratégica
hegemônica, construída coletivamente pela categoria profissional, ao longo das décadas
de 80 e 90, com especial destaque para a ação política das entidades representativas que
coordenam a organização política profissional.
Sob este enfoque, o que diferencia o Código de 93 do de 86 é que, no atual
código, são construídas mediações para expressar a vinculação do projeto profissional a
um projeto societário. Nesse sentido, há a defesa de que “o projeto de transformação
mais geral deve ser encaminhado em outros espaços que não exclusivamente, o das
práticas profissionais, ou seja, nos sindicatos, nos movimentos sociais, nos partidos
políticos. Isto significa que aquela visão do assistente social como o agente privilegiado
da transformação social está sendo revista” (Silva, 1996:142).
Uma outra importante modificação do Código de 93 em relação ao anterior se
refere à concepção do ser social. Enquanto que no Código de 86, o ser social era
analisado apenas na sua dimensão de classe, no atual, há uma abordagem que considera
outras dimensões: o gênero, a etnia, a geração e a orientação sexual.
A partir desta concepção, o código coloca-se claramente contrário à exploração
de classe e a todas as outras formas de opressão. Sob este ponto de vista, posiciona-se
contrário a qualquer tipo de discriminação e preconceito, tanto no âmbito social quanto
profissional. Ao se posicionar “a favor da ‘eliminação de todas as formas de
preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos
socialmente discriminados e à discussão das diferenças’ e ao ‘exercício do Serviço
Social sem ser discriminado, nem discriminar por questões de inserção de classe social,
gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física’ (CFAS,
1993:11) o código é inovador, abordando questões fundamentais à superação do
moralismo” (Barroco, 1996:286).
Para contribuir na reflexão teórica sobre o moralismo e, mas particularmente,
sobre o preconceito, no próximo item, abordaremos alguns elementos para a crítica e
para a desconstrução dos desvalores que o fundamentam. Vale dizer, elementos estes
significativos para a compreensão do quanto é nefasta a disseminação dos preconceitos
no cotidiano profissional e em outras esferas da vida social.
2. Preconceito: uma das expressões do moralismo e do conservadorismo7
A sociabilidade sob o capitalismo tardio, ao preencher e penetrar todos os
interstícios da existência humana, imprime, à vida cotidiana contemporânea, uma forma
peculiar de alienação, a reificação das relações sociais (Netto, 1989). Nesses termos, a
sociabilidade sob o capital reinventa suas formas de aprisionar e arrefecer a existência
humana, tornando-a algo banal numa sociedade que ostenta o sentido pragmático e
descartável dos objetos, mas também dos indivíduos e de suas relações sociais.
Segundo Tonet (1999:101) “é desta forma de sociabilidade que fazem parte as
categorias do capital, do trabalho assalariado, da propriedade privada, da mais-valia,
do valor-de-troca como elemento decisivo, do mercado e dos produtos como
mercadoria (...) [e] também faz parte desta forma de sociabilidade o fetichismo da
mercadoria, processo através do qual os produtos do trabalho humano se transformam
em mercadorias e passam a assumir as qualidades típicas daqueles que as produziram
enquanto estes tomam a forma de coisas”.
7
Importa realçar, de início, que para a elaboração das idéias aqui desenvolvidas inspiramo-nos, de modo
especial em Heller, Agnes (Estrutura da vida cotidiana e Sobre os Preconceitos In: O Cotidiano e a
história, 1989); Netto, José Paulo (Para a Crítica da vida cotidiana In: Cotidiano: conhecimento e crítica,
1989); Barroco (Ontologia Reflexão Ética, 1996 e Tonet, Ivo (Educação e Concepções de Sociedade In:
Revista Universidade e Sociedade, 1999.)
A sociabilidade humana no capitalismo é marcada por profundos antagonismos,
contrapondo-se os interesses do capital com os interesses do trabalho, permanecendo os
interesses do capital materializados de forma hegemônica. “Deste modo, toda a vida dos
indivíduos, em todas as suas manifestações é, de algum modo, colocada sob a ótica do
capital. Desde o trabalho propriamente dito, até as manifestações mais afastadas dele,
como a religião, os valores morais e éticos, a afetividade e as relações pessoais. O que
não significa (...) que os aspectos, em sua totalidade, estejam subsumidos ao capital. Se
assim fosse, sequer os indivíduos poderiam existir como indivíduos. Esta afirmação
significa, apenas, que nenhum aspecto da vida social e individual, hoje, deixa de ser
perpassado pelos interesses do capital” (ibid.,p. 102).
Refletir sobre os preconceitos supõe, em princípio, inscrevê-los na dinâmica da
vida cotidiana – lócus privilegiado de sua reprodução e, nesse percurso, problematizar
alguns aspectos que caracterizam a cotidianidade. Aqui, repousa o entendimento de que
para a compreensão crítica dos preconceitos e o exame cuidadoso de suas manifestações
há que se considerar o significado da cotidianidade em sua dimensão mais genérica,
alargando o olhar para sua configuração na lógica da sociabilidade burguesa.
Segundo Heller (1989), os preconceitos são criados e disseminados na esfera
cotidiana, constituindo-se, desse modo, numa categoria do pensamento e do
comportamento cotidianos. A autora adverte, ainda, que os preconceitos exercem
função substantiva, também, em esferas que gozam de universalidade e se encontram
acima da cotidianidade, como por exemplo: a arte, a ciência, a política; embora, tais
esferas se constituam lócus privilegiados que possibilitam a suspensão da cotidianidade
e do rompimento do preconceito. Vale realçar que, os preconceitos não advêm dessas
esferas, nem enriquecem sua utilidade; ao contrário, empobrecem e obscurecem o
descortinar das possibilidades que elas comportam.
A vida cotidiana como centro do acontecer histórico configura-se como a vida
de todos os indivíduos, ou seja, todos os seres humanos se produzem e reproduzem na
cotidianidade. Trata-se do espaço-tempo de constituição-produção-reprodução do ser
social e, conforme o entendimento de Heller (1989:17), “a vida cotidiana é a vida do
homem inteiro”, posto que é nesse espaço que homens/mulheres se põem em
movimento
com
todos
os
seus
sentidos,
capacidades
e
potencialidades.
Contraditoriamente, a possibilidade da inteireza cancela a realização das capacidades e
potencialidades em seu sentido pleno.
Isso por que a vida cotidiana é marcada, sobretudo, pela heterogeneidade tanto
no que se refere ao conteúdo e significado das ações, como sobre a relevância das
atividades que nos propomos realizar. O indivíduo atua em suas objetivações cotidianas
se pondo como homem inteiro – mas apenas no terreno da singularidade, fixado que
está na experiência, na busca de conceder respostas imediatas às diferentes atividades.
Somente quando supera a singularidade8 suspendendo a heterogeneidade da vida
cotidiana e homogeneizando suas faculdades – não diluindo sua capacidade, mas, ao
contrário, jogando toda sua força numa objetivação menos instrumental e imediata – é
que o indivíduo se reconhece como portador da consciência humano-genérica9. Afinal,
somente quando alcança o terreno da particularidade pode comportar-se, nos termos de
Lukács, como homem inteiramente.
Inspirado nas elaborações lukacsianas, Netto (1989) adverte que além da
heterogeneidade, os componentes ontológicos estruturais da vida cotidiana são a
imediaticidade e a superficialidade extensiva;
Para o entendimento da imediaticidade, reconhecemos o homem e a mulher
como seres que têm que dar respostas para inúmeras atividades. Tais respostas são
formuladas numa velocidade tal que é razoável admitir o entendimento da vida
cotidiana como unidade direta e imediata entre pensamento e ação, expressa, dentre
outras formas, na identificação entre o verdadeiro e o correto. Isso porque, segundo
Heller (1989:45), “o que revela ser correto, útil, o que oferece ao homem uma base de
orientação e de ação no mundo, o que conduz ao êxito, é também ‘verdadeiro’”.
Eis que se põem os automatismos e espontaneísmos característicos da conduta
cotidiana. A conduta imediata é marcada é marca indelével da cotidianidade.
A vida cotidiana marcada pela heterogeneidade e imediaticidade requisita de cada
indivíduo respostas funcionais, que se referem ao somatório dos fenômenos que
comparecem desconectados entre si em cada situação concreta. Trata-se aqui, da
superficialidade extensiva que, conforme ilustra Netto (1989:66) “... a vida cotidiana
mobiliza em cada homem todas as atenções e todas as forças, mas não toda a atenção e
toda a força”. 10
8
O indivíduo, nessa suspensão, materializa a particularidade enquanto espaço de mediação entre o
singular e o universal (Netto, 1989).
9
A respeito das possibilidades de objetivação do humano-genérico Cf. Heller (1977 e 1989); Netto,
(1989) e Barroco (19996).
10
Grifos do autor
Os momentos característicos11 da conduta e do pensamento cotidianos
imprimem uma conexão necessária entre si e são eles: hierarquia, imitação,
espontaneidade, probabilidade, pragmatismo, economicismo, uso de precedentes, juízos
provisórios, mimese, entonação e a ultrageneralização. Tais características quando
levadas ao extremo e absolutizadas agudizam o processo de alienação. Nesse aspecto,
adverte Heller que a vida cotidiana, de todas as esferas da realidade, é aquela mais
propensa à manifestação da alienação.
Exemplos corriqueiros deste processo de alienação ocorrem quando a hierarquia
é levada ao extremo, gerando a inflexibilidade; quando a imitação é exagerada,
cerceando a captação do novo; quando nossas ações são demasiadamente pragmáticas,
reforçando a padronização ou quando a ultrageneralização é absolutizada, formando-se
os pré-juízos que resultam em preconceitos.
Para entendermos o modo como se estruturam os preconceitos, vale centrar o
olhar em torno da ultrageneralização, entendendo-a enquanto um elemento
característico e inevitável da vida cotidiana, que, no entanto, quando conduzida à
extrema rigidez pode ter consequências problemáticas. Segundo Heller (1989:44),
“chegamos à ultrageneralização (...) [quando] por um lado, assumimos estereótipos,
analogias e esquemas já elaborados; por outro, eles nos são ‘impingidos’ pelo meio em
que crescemos e pode-se passar muito tempo até percebermos com atitude crítica esses
esquemas recebidos, se é que chega a reproduzir-se uma tal atitude”. E nesse sentido,
“toda ultrageneralização é um juízo provisório ou uma regra provisória de
comportamento” (id).
A problematização desses esquemas depende tanto das condições subjetivas,
através da atitude crítica dos indivíduos, quanto das condições objetivas postas pelo
contexto histórico, sendo mais frequente o questionamento dos estereótipos de
comportamento e pensamento em épocas dinâmicas do que nos períodos estáticos. Vale
destacar que pessoas dinâmicas e críticas tendem mais rapidamente a este
questionamento, do que pessoas inclinadas para o conformismo. E vale realçar, ainda o
papel das instituições sociais como a família, a escola, a universidade, o trabalho, a
igreja, os movimentos sociais, dentre outras, enquanto aparelhos de hegemonia, espaços
de correlação de forças nos quais se provoca processos de socialização permanente, ora
para contribuir para a manutenção do status quo, ora para transgredi-lo.
11
Para compreensão de cada um desses momentos característicos do comportamento e do pensamento
cotidianos Cf. Heller (1989: 17 à 41).
Preconceito é uma manifestação particular do juízo provisório. Segundo Agnes
Heller (1989:47), os preconceitos são “juízos provisórios refutados pela ciência e por
uma experiência cuidadosamente analisada, mas que se conservam inabalados contra
todos os argumentos da razão”. Nesse sentido, os preconceitos têm sua sustentação em
bases afetivas e irracionais amparadas na desinformação, na ignorância, no moralismo,
no conservadorismo e no conformismo. Numa palavra, na naturalização dos processos
sociais. Tais determinações por estarem inscritas numa dada formação sócio-cultural
poderão, no nosso entendimento, até explicar atitudes de discriminação, mas nunca
justificá-las.
Para Heller, podemos distinguir vários tipos de preconceito: preconceitos
científicos, políticos, de grupo, nacionais, religiosos, raciais, morais etc. centrando o
olhar para os preconceitos morais, um aspecto torna-se substantivo. Trata-se da
vinculação entre preconceitos morais e valores, ou mais precisamente desvalores. Mas o
que são valores e desvalores?
Valor é “tudo aquilo que, em qualquer das esferas e em relação com a situação
de cada momento contribua para o enriquecimento daqueles componentes essenciais; e
pode-se considerar desvalor tudo o que direta ou indiretamente rebaixe ou inverta o
nível alcançado no desenvolvimento de um determinado componente essencial” (Heller,
1989:04/05). Os componentes da essência humana são, para Marx, a objetivação pelo
trabalho, a sociabilidade, a universalidade, a consciência e a liberdade12.
Heller nos adverte para o entendimento de que o preconceito, abstratamente
considerado, via de regra, representa-se com conteúdo axiológico negativo. Numa
palavra, “é sempre moralmente negativo”. Isso por que “todo preconceito impede a
autonomia do homem, ou seja, diminui sua liberdade relativa diante do ato de escolha,
ao deformar, consequentemente, estreitar a margem real de alternativa do indivíduo”
(1989:59).
Sobre este aspecto, moralismo enquanto base de sustentação do preconceito, é
entendido por Barroco (1996:83) como “uma forma de alienação moral, pois implica
na negação da moral enquanto uma forma de objetivação da consciência crítica, das
escolhas livres, de construção da singularidade”.
Existem várias expressões dos preconceitos, dentre as quais as mais freqüentes
são: a não universalização dos valores morais, a intolerância e a indiferença.
12
Dados os limites objetivos deste ensaio não discorreremos acerca dos componentes da essência
humana. A este respeito ver Barroco (1996).
A primeira, se caracteriza pelo respeito apenas às pessoas que gosto, que pertencem a
minha família ou ao meu grupo. Nesta perspectiva, fere-se princípios éticos centrais,
tais como: a igualdade e a universalidade, no sentido de que estes permitem a visão dos
indivíduos como seres humano-genéricos. Vale realçar, ainda, que, sob este ponto de
vista, o respeito não é entendido como necessário para com os sujeitos de outros grupos
que ajam, pensem, sintam diferente de mim e dos meus. Nestes termos, tanto a negação
da igualdade como o desrespeito reforçam a cultura corporativista, traço tão forte de
nossa formação histórico-social.
Outra situação do preconceito é a intolerância13 que se dissemina na não
aceitação da diferença e na tentativa de censurá-la ou silenciá-la. Por fim, temos,
também, a indiferença que se expressa na ignorância e na falta de solidariedade aos que
não pertencem ao meu grupo.
Os preconceitos constituem, pois, uma modalidade de discriminação sobre
àqueles (as) que se orientam na vida de forma diferente dos padrões dominantes. Nesse
horizonte, “o desprezo pelo ‘outro’, a antipatia pelo diferente, são tão antigos quanto à
própria humanidade” (Heller, 1989:55).
Assim, inseridos (as) no novo milênio, mas em meio a velhas desigualdades e
opressões, em determinados contextos históricos, homens e mulheres permanecem alvo
de atitudes de cunho preconceituoso, por que não compõem o padrão dominante de
sexualidade, do estético, do étnico, do etário etc. estas atitudes discriminatórias da
condição de existir são práticas que ganham legitimidade com a crescente banalização
de múltiplas formas de opressão de dominação. Afinal, por que temos que nos
enquadrar, nos padronizar?
Homens, mulheres, crianças, adolescentes, idosos (as) na condição de seres
humanos necessitam, na sua objetivação enquanto tais, responder a múltiplas dimensões
de sua existência, seja de natureza social, política, cultural, ética e sexual. Será legítimo,
do ponto de vista ético, negá-las, ocultá-las, obscurecê-las, abstraí-las a partir de bases
conservadoras e moralistas?
13
Um exemplo, para ser banal, a este respeito, refere-se à ridicularização do humano através do humor.
Tendo o riso como finalidade, por vezes, são criadas situações de constrangimento em que se
dicotomizam os meios dos fins. Se fizermos um balanço dos programas de humor apresentados,
sobretudo, na televisão brasileira, identificaremos que, na sua maioria quase absoluta, tais programas
expressam o humor através de situações vexatórias para: o(a) negro(a); para a mulher; para o(a)
homossexual; para os(as) gordos(as); para os(as) portadores(as) de necessidades especiais e para os(as)
nordestinos(as), dentre outros. Ora, brincadeiras e piadas que põem o outro em situação de
constrangimento são atitudes que expressam profundo preconceito e discriminação. Em uma palavra,
degradação do humano. Trata-se do humor sarcástico.
Segundo Jaime Pinsky (1999), o preconceito e a própria discriminação,
entendida como preconceito em ação, ganham terreno quando, cotidianamente, falamos
da suposta e falsa inferioridade dos (as) negros (as) e das mulheres; dos (as) nordestinos
(as) e dos (as) judeus (judias); dos (as) velhos (as) e da juventude; dos indivíduos
portadores de baixo-alta estatura e de necessidades especiais; dos (as) gordos (as); dos
(as) homossexuais, bissexuais e transgêneros, dentre outros.
Considerando que homens e mulheres só podem conviver em sociedade, a
discriminação sempre ocorrerá em relação ao outro, portanto, a discriminação é fruto
das relações sociais que estabelecemos através da reprodução de desvalores que, por
vezes, incorporamos acriticamente no nosso cotidiano. As várias facetas do preconceito
se manifestam em vários lugares, revelam-se na família, na escola, na igreja, no
trabalho, nos partidos, nos sindicatos, nos movimentos, nas ruas, nos bares...
A atitude preconceituosa não pode ser destituída do conteúdo ideológico que lhe
é inerente, permitindo banalizar e naturalizar através de brincadeiras, piadas e gozações,
aspectos do jeito de ser e viver dos indivíduos, colocando-os em situação vexatória.
Nesses termos, partindo das reflexões até então desenvolvidas, uma questão
merece destaque: para que serve a reprodução dos preconceitos? Para Agnes Heller, “os
preconceitos servem para consolidar e manter a estabilidade e a coesão da integração
dada” (1989:54). Poderíamos, desse modo, afirmar que, ao reproduzirmos preconceitos
na vida cotidiana, estamos corroborando para manter ideológica e moralmente a
estabilidade e coesão da sociedade capitalista na qual vivemos, reforçando,
independente da consciência que os sujeitos têm e sua ação preconceituosa, a
manutenção da hegemonia de um projeto político opressor e explorador.
Diante do exposto, torna-se fecundo, na atualidade, reeditar a inquietação de
Heller (1989:59) quando se interroga: “que é necessário para que o homem possa
escolher com relativa liberdade em determinadas circunstâncias concretas?” Ou, com
outras palavras, “como libertarmo-nos dos preconceitos?”
O preconceito é contrário a princípios e valores éticos fundamentais: a liberdade,
dignidade, respeito, pluralismo e democracia. A construção de uma sociedade
emancipada exige o respeito ao diferente e a garantia da dignidade humana. Neste
sentido, o “empenho na eliminação de tosas as formas de preconceitos, o respeito à
participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças”14,
deve ser um princípio ético-político defendido por todos os indivíduos e profissionais
comprometidos (as) com a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática.
14
In: Código de Ética dos (as) Assistentes Sociais, 1993.
Diversos segmentos comprometidos com esta construção democrática estão
lutando pela defesa dos direitos de grupos socialmente discriminados, destacando-se a
presença do movimento negro, movimento de mulheres, movimento homossexual e
movimento de defesa dos direitos humanos, dentre outros. Esses movimentos sociais
são extremamente importantes no processo de publicização e crítica dos preconceitos na
sociedade, além de pressionares pela aprovação de leis15 que garantam juridicamente
aos segmentos discriminados o reconhecimento dos seus direitos. Tais lutas e iniciativas
contribuem para o amadurecimento da democracia, da liberdade e da autonomia.
Paiva e Sales (1996) ao refletirem sobre o princípio ético-político presente no
Código de 93, que orienta os (as) profissionais a se empenharem na eliminação dos
preconceitos, enfatizam a necessidade de formulação de estratégias de ação que
contribuam para a desalienação dos sujeitos com os quais os (as) assistentes sociais
contracenam no espaço institucional, bem como a importância da tolerância e do
respeito ao diferente para o amadurecimento da democracia.
No âmbito Profissional, o enfrentamento deste debate sobre os preconceitos
assume relevância em diversas dimensões: na produção teórica, no ensino, no exercício
profissional, na normatização e na organização política. Na esfera teórica e no ensino,
faz-se necessário aprofundar e ampliar o debate em torno desta temática com o objetivo
de estimular o conhecimento crítico sobre a sociedade e a subjetividade dos indivíduos
sociais.
No âmbito do exercício profissional é fundamental o desenvolvimento de um
constante processo de capacitação e reflexão para que as (os) assistentes sociais
entendam e se posicionem de forma crítica frente às manifestações de preconceito. Isso
porque cotidianamente lidam com usuários (as) das mais diversas orientações políticas,
religiosas, sexuais, sociais, culturais etc. Estarão, assim, contribuindo para a formação
de uma postura baseada no respeito à igualdade, à liberdade e ao pluralismo, princípios
evidenciados no Código de 93. Estas diferentes orientações no jeito de ser e de viver,
muitas vezes, se constituem num solo fértil de disseminação de múltiplas formas de
preconceito e discriminação.
15
Destacamos a Lei Caó (Lei 7716 de 05.01.1989) que institui o racismo como crime inafiançável e o
Projeto de Parceria Civil Registrada, originalmente denominado de Projeto de União Civil, de autoria da
então Deputada Federal e hoje atual Prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT) que tem como objetivo
contribuir na garantia da cidadania sexual dos que amam de forma diferente daquela defendida pelo
padrão sexual dominante.
Na dimensão da normatização profissional se destacam os avanços do Código de
Ética de 1993 que amplia a compreensão do ser social para além da sua inserção de
classe, incluindo as dimensões de gênero, etnia, geração, orientação sexual etc.,
explicitando, desse modo, a defesa da eliminação dos preconceitos e o exercício do
Serviço Social sem discriminar nem ser discriminado (a).
Na esfera da organização política, observa-se uma preocupação das entidades
representativas com a discussão sobre esta temática, destacando-se o protagonismo do
Conjunto CFESS/CRESS que vem dando uma direção política à dimensão ética na
profissão. Destaca-se a importância da existência da Comissão de Ética e Direitos
Humanos do CFESS, a realização do Projeto Ética em Movimento16, a discussão e
aprovação de Princípios Éticos e Políticos para as Organizações Profissionais de
Trabalho Social do Mercosul17, a elaboração de pareceres jurídicos18 que questionam
leis discriminatórias e a articulação com outros movimentos de defesa dos direitos
humanos.
Nosso posicionamento sobre os preconceitos passa, necessariamente, por
reflexões
ético-políticas,
pelo
questionamento
sobre
quais
valores
estamos
internalizando e disseminando. Enfim, podemos afirmar que a atitude de superação dos
preconceitos exige um processo contínuo de reflexão e crítica frente aos desvalores que
aprendemos em espaços como a família, a escola etc. Muitas vezes, estes desvalores
escondem, na aparência de serem corretos, o desrespeito e a discriminação.
16
Aprovado no XXVIII Encontro Nacional CFESS/CRESS (setembro, 1999) e implementado pela gestão
do CFESS “Brasil, mostra a tua cara” (1999/2002) tem como eixos: capacitação, denúncias, visibilidade
social da ética profissional e fortalecimento da interlocução com organismos internacionais e nacionais de
defesa dos direitos humanos e sociais. Cf. Relatório do Encontro Nacional CFESS/CRESS, MS, 1999.
17
Cf. Revista Inscrita nº7. São Paulo: CFESS, 2001.
18
Durante a realização do XXIX Encontro Nacional do Conjunto CFESS/CRESS (setembro/2000) em
Maceió/AL a CEDH/CFESS socializou a informação sobre os folhetos de orientação à doação de sangue
dos estados de RN, PE e CE, os quais interditam os chamados, indevidamente, ‘grupos de risco’. Como
fruto da discussão ocorrida neste encontro, a CEDH/CFESS incorporou a demanda e encaminhou junto à
acessória jurídica do CFESS o pedido de elaboração de parecer sobre o assunto. Em 2001, é aprovado em
reunião do Conselho Pleno do CFESS o parecer jurídico (009/2001), cujo conteúdo, dentre outros, sugere
ação de interpelação ao Ministério da Saúde. A CEDH/CFESS, considerando a necessidade de
fortalecimento e ampliação da ação do conjunto CFESS/CRESS contra práticas que desumanizam,
negando a liberdade e dignidades humanas encaminhou este parecer para conhecimento e ampla
divulgação aos movimentos de gays, lésbicas e travestis, bem como ao FENTAS e organização que
trabalhem com a questão da AIDS.
“Por mais difundido e universal que seja um preconceito, sempre depende de uma
escolha relativamente livre o fato de que alguém se aproprie ou não dele. Cada um é
responsável pelos seus preconceitos.A decisão em favor do preconceito é, ao mesmo
tempo, a escolha do caminho fácil no lugar difícil, o ‘descontrole’ do particularindividual, a fuga diante dos verdadeiros conflitos morais tornando a firmeza algo
supérfluo” (Heller, 1989:60).
Posturas de reflexão e questionamento contribuem para romper com o
comodismo e geram conflitos necessários ao processo de transformação dos desvalores
e das ações preconceituosas, afinal “crer em preconceitos é cômodo porque nos protege
de conflitos, porque confirma nossas ações anteriores” (Heller, 1989:48)
Está em nós a possibilidade de transformar tais entendimentos e atitudes
preconceituosas. Isso pressupõe identificar que tipo de sociedade e parâmetros de
relações humanas desejamos construir. Nós somos responsáveis pela construção dessas
respostas e, ao lado de outros sujeitos individuais e coletivos, podemos fortalecer, sob
dadas condições históricas, a luta pela materialização do projeto de emancipação
humana. Sobre isso, Antunes afirma que, “o fim das formas de opressão de classe, se
geradoras de ma forma societal autenticamente livre, autodeterminada e emancipada,
possibilitará o aparecimento de condições histórico-sociais nunca igualitários que
permitam a verdadeira existência de subjetividades diferenciadas, livres e autônomas”
(1999:110).
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sangue. Brasília, DF. CFESS, nº 09/2001, mimeografado.
Para uma inclusão da dimensão ética no entendimento da questão
social ambiental: elementos para o debate
Andréa Lima da Silva1
“Com a verdade fui solidário: de instaurar a luz na terra. Quis ser tão comum como o pão,
a luta não me encontrou ausente”
Pablo Neruda
Desde a era primitiva o homem começa a tirar proveito da natureza. No
Paleolítico Inferior a descoberta do fogo pelos hominídeos revolucionou o modo de agir
e pensar, passando à fabricação e ao uso de instrumentos de pedra e pedra lascada para a
caça.
A partir desta era, a história da humanidade registra o surgimento de várias
civilizações, bem como a ascensão de impérios e o declínio de outros: a escravidão; o
feudalismo; o mercantilismo; o colonialismo; o período das grandes guerras e
revoluções e acumulação capitalista. Na realidade, o percurso histórico se desenvolve
aqui, mas que marcaram a trajetória histórica de todas as sociedades.
História esta que vai revelando a presença humana na transformação dos objetos,
dos valores e das relações sociais, criando o que não poderia nem ser imaginado algum
tempo atrás. Exemplo disso é o próprio conceito de Natureza que passa a ser entendido
na sua dimensão cultural e não somente no seu aspecto “divino”.
O individuo social da era - mecânica/técnica - torna real o “mito de Sísifo”2,
criando pela sua engenhosidade, o avanço da tecnologia e da ciência que,
contraditoriamente, torna-se, também, o seu pesadelo, à medida que os seus inventos
parecem não resolver os grandes problemas da humanidade, além de criarem novas
problemáticas. E, por isto nos perguntamos, afinal: quais são os limites da ciência? A
tecnologia avançada, a robotização industrial, a cibernética, a informática estão a
serviço de quem? A clonagem humana interessa, de fato, para a humanidade? A volta
do programa guerra nas Estrelas dos EUA atenua as desigualdades sociais? Sísifo na
mitologia foi castigado pelos Deuses.
1
Mestranda em Serviço Social - UFPE. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ética (GEPE)
do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - UFPE.
2
Sobre o mito de Sísifo Cf. Ferraro, Franco. Dizionario della civiltà clássica.
Hobsbawn (1995:562) profeticamente declarou “as forças geradas pela
economia tecnocientífica são agora suficientemente grandes para destruir o meio
ambiente, ou seja, as fundações materiais da vida humana... Nosso mundo corre o risco
de explosão e implosão. (...) A humanidade quer ter um futuro reconhecível, não pode
ser pelo prolongamento do passado ou do presente. Se tentarmos construir o terceiro
milênio nessa base vamos fracassar. E o preço do fracasso (...) é a escuridão”.
Vivemos hoje uma hecatombe ambiental. O caos se instalou em todas as células
que compõem o tecido social; há guerras nos quatro cantos do globo terrestre; o planeta
sofre com a emissão de gases poluentes jogados na atmosfera e a fome se perpetua
como um mal social na história da humanidade. Atualmente, são 800 milhões de
pessoas atingidas pela fome no mundo inteiro. A crise energética afeta dezenas de
países, correndo o risco de voltarmos ao tempo em que a luz do fogo clareava as
cavernas. A morte de Sísifo agora é eminente.
O desemprego tornou-se o Leviatã da globalização, que, segundo Santos
(2000:19) “é uma fábrica de perversidade. O desemprego torna-se crônico. A pobreza
aumenta e as classes médias perdem em qualidade de vida. O salário médio tende a
baixar. A fome e o desabrigo se generalizam em todos os continentes”.
No campo e na cidade tornamo-nos estrangeiros. A terra continua sendo um bem
privado e extremamente concentrada para que os latifúndios não escapem ao domínio
dos grandes proprietários da terra. Nos centros urbanos, as cidades informais crescem e
se aglomeram meio ao planejamento paisagístico de uma cidade alheia à existência, por
exemplo, de personagens tais como seu Chico, um desempregado que mora na Favela
do Fio e Dona Maria e sua prole, favelados (as) e retirantes do interior castigado pela
seca.
A questão ambiental transcende a ecologização comumente utilizada na
abordagem desse tema, ou seja, o entendimento da questão ambiental e a luta dos
ambientalistas não podem ser reduzidas ao plano do ambiente natural, da defesa da
fauna e da flora. É preciso salvar as espécies as espécies da extinção não só vegetal e
animal, mas a própria espécie humana que se encontra, também, em risco de extinção
face aos desmandos da questão social e política em nível mundial.
Nessa perspectiva, é relevante estabelecer um olhar crítico na análise do
processo de degradação ambiental. A questão ambiental vem sendo discutida,
“oficialmente”, especificamente a partir da década de 70. Foi na Conferência de
Estocolmo em 1972, que as preocupações com o meio ambiente tornaram-se, de fato,
uma preocupação social, envolvendo, assim, a discussão sobre o futuro da humanidade.
A inclusão da “questão social” no debate sobre meio ambiente serviu, entre outros fins,
para reverter a dicotomia entre homem/natureza que predominou no pensamento
ocidental por muito tempo.
Um outro marco na discussão da questão ambiental, aconteceu em 1977, na
histórica Conferência de Tibilisi (URSS), realizada a partir da recomendação nº963. Em
Tibilisi, foi referendada a necessidade de incorporar todos os aspectos que compõem a
complexidade da questão ambiental: o político, o social, o econômico, o ecológico e o
cultural. Assim, delineou-se que a Educação Ambiental fosse capaz de “formar para a
autonomia, para o reconhecimento dos deveres e também para o conhecimento e
exigência dos direitos, tanto para si quanto para os demais. Levando em conta que a
humanidade é livre para traçar os destinos de todo o planeta, despertando para a
consequente responsabilidade que isso implica, tanto do ponto de vista social quanto do
ponto de vista histórico” (PCN, 1995:9).
A Educação ambiental, inicialmente, foi entendida como um tema basicamente
relacionado à ecologia. Isso acontecia, principalmente, nos países periféricos como o
Brasil, que excluiu, deste debate, o caráter político-social e cultural. “...Ou seja, em
termos educacionais, a questão ambiental continuou sendo vista como algo pertinente
às florestas, mares e animais ameaçados de extinção, enquanto não era discutida a
condição do homem, os modelos de desenvolvimento predatórios, a exploração dos
povos, o sucateamento do patrimônio biológico e cultural, a expansão e o
aprofundamento da pobreza no mundo e a cruel desigualdade social estabelecida entre
os povos” (Dias, 1991:7).
As dicotomias epistemológicas entre homem/natureza, natureza/sociedade aos
poucos estão sendo dissolvidas no interior do debate acerca da questão ambiental. O nó
conceitual oriundo da cultura greco-romana, serviu, muitas vezes, além de outros
aspectos, para disseminar a idéia de que o indivíduo era o senhor de tudo, das coisas, de
outros homens e mulheres, donos da natureza. Esse antropocentrismo perdura nos dias
de hoje, cristalizado na forma como o indivíduo se apropria da natureza (tanto no seu
ambiente natural como no construído). O sistema filosófico antropocêntrico influenciou
o modo predatório e a conduta de dominação do indivíduo sobre outros povos e sobre a
natureza, reforçado depois pelo Liberalismo com a sua máxima do laissez-faire.
3
Trata-se de uma resolução aprovada na Conferência de Estocolmo que reconhece o desenvolvimento da
Educação Ambiental como elemento crítico para o combate à crise ambiental do mundo (Dias, 1991:4).
No auge do fenômeno da globalização, há uma nova designação para o homem: o homo
uno, senhor absoluto.
Este homo uno é subproduto do sistema capitalista, considerado o maior
responsável pela destruição do meio ambiente. Na Inglaterra do século XIX, no auge da
Revolução Industrial, o sistema capitalista revelou toda selvageria que lhe é peculiar.
Segundo Huberman (1986:176), “se um marciano tivesse caído naquela ocupada ilha
da Inglaterra teria considerado loucos todos os habitantes da terra. Pois teria visto de
um lado a grande massa do povo trabalhando duramente, voltando à noite para os
miseráveis e doentios buracos onde moravam, que não serviam nem para os porcos; de
outro lado, as pessoas que nunca sujaram as mãos com o trabalho, mas não obstante
faziam as leis que governavam as massas, e viviam como reis, cada qual num palácio
individual”.
As desigualdades sociais causadas pelo capitalismo parecem ter se aprofundado
muito ao longo de toda história, criando uma nova era em que, contraditoriamente, “um
comércio ativo e próspero seja índice não de melhoramento da situação da classe
trabalhadora, mas sim da sua pobreza e degradação...” (Huberman, 1986:176).
Na citação anterior, Huberman (1986) descreve uma determinada situação
vivenciada pelos trabalhadores na época da Revolução Industrial, mas qual a diferença
deste fato histórico do século passado para a contemporaneidade?
A chamada Revolução Tecnológica tal qual a Revolução Industrial, transformou
novamente as forças produtivas do sistema vigente, na busca de reciclar e dinamizar o
ciclo reprodutivo do capital. O modelo capitalista, através das transformações advindas
da Revolução Tecnológica e Científica, reinventa, permanentemente, novas estratégias e
produtos para dinamizar o mercado, criando, na aparência, uma preocupação em
garantir “benefícios” para a humanidade mas, tendo, como finalidade real, a garantia do
lucro e o processo de acumulação capitalista.
O grande desafio para as Ciências, especificamente para as Ciências Sociais,
além da introdução da questão ambiental em suas preocupações analíticas, é imprimir
um caráter crítico/global na análise dessa questão, unificada à “questão social”, posto
que ambas se agudizam no produtivismo.
O produtivismo é entendido como parte constitutiva do processo de acumulação
capitalista e, consequentemente, do modelo de desenvolvimento hegemônico que se
pauta na lógica do consumo. Isso porque, “... o capital no uso crescente do incremento
tecnológico,
como
modalidade
para
aumentar
a
produtividade,
também,
necessariamente implica crises, exploração, pobreza, desemprego, destruição do meio
ambiente e da natureza, entre tantas formas destrutivas” (Antunes, 1999:34).
O modelo de desenvolvimento hegemônico interfere, substancialmente, no
campo da moral e da ética, pois a mundialização capitalista aflora, também, os males
morais da sociedade ao superdimensionar, como positivo, desvalores4, tais como: o
individualismo, a corrupção, a hipocrisia, o “jeitinho brasileiro”. Estes desvalores são,
também, substratos acentuados no projeto político da globalização.
Pensar, hoje, num ambiente equilibrado, com qualidade de vida, é sinalizar,
primeiramente, para a superação da dominação entre os diversos povos, da superação da
exploração
da
classe
trabalhadora,
da
superação
dos
preconceitos
contra
raça/gênero/orientação sexual/ religião etc. Desta forma, é imprescindível a presença e
efetivação da ética como dimensão primaz para garantir um direito indelével: a
liberdade.
Milton Santos nos coloca uma questão pertinente para o entendimento de como
o avanço tecnológico, a modernidade e a globalização são fenômenos paradoxais que
fazem girar as engrenagens da ciranda financeira, aumentando o acúmulo do capital nos
países ricos e, por esta mesma engrenagem, forja uma política excludente para os países
pobres em “desenvolvimento”.
Nas suas palavras: “a globalização é, de certa forma, o ápice do processo de
internalização do mundo capitalista. Para entendê-la, como, de resto, e qualquer fase
da história, há dois elementos fundamentais a levar em conta: o estado das técnicas e o
estado da política. As técnicas são oferecidas como um sistema e realizadas
combinadamente através do trabalho e das formas de escolhas dos momentos e dos
lugares de seu uso. É isso que fez a história... Ela é também o resultado das ações que
asseguram a emergência de um mercado dito global, responsável pelo essencial do
processo políticos atualmente eficazes... Um mercado global utilizando esse sistema de
técnicas avançadas resulta nessa globalização perversa. Isso poderia ser diferente se
seu uso político fosse outro” (Santos, 2000:23/24).
Chegamos ao ponto central deste debate: a ação política dos homens e mulheres
como fator fundamental para a construção de outra sociabilidade.
Há séculos, estamos enraizados (as) a uma perversa lógica capitalista, em que o
TER subtrai o significado e a concretude do SER.
4
Cf. Heler (1989)
Nossas ações, atitudes e pensamentos voltaram-se predominantemente, para o
incremento das relações das forças produtivas. Viramos coisas, peças, roldanas,
máquinas - somos mais um utensílio do conjunto de técnicas do sistema produtivo. A
ética aristotélica do “meio-termo de ouro” não se aplica para um cotidiano tecnificado e
consumista.
Deste modo, o ético-político torna-se imanente para a construção de uma outra
sociabilidade: ecológica, social, cultural, econômica e politicamente equilibrada, “por
isso, a posição do homem diante da facilidade é de uma práxis transformatória: ele
transforma o que encontra no processo de sua efetivação” (Oliveira, 1993:13).
Para Kant, homens e mulheres deveriam ser “guiados” por uma lei moral
universal e toda a humanidade tinha acesso a essas leis morais. Para este filósofo, a
razão determina o que é certo e errado, ou seja, a razão prática faz este julgamento no
campo da moral.
Kant em suas elocubrações sobre o que é certo ou errado, sobre o bem e o mal
compilou uma noção do dever. Os homens e mulheres deveriam ser governados pela
consciência do dever. Ele então formulou a sua lei moral: o Imperativo Categórico,
válido para todas as situações: “age sempre de modo que a máxima determinante de sua
conduta possa transformar-se em lei universal e de modo que todos possam seguir o
primeiro determinante de sua ação”. 5
Desta forma, o indivíduo romperia a casca individual e trataria a humanidade
como um fim e não como um meio. A lei moral de Kant foi erguida sobre dois pilares
fundamentais aos seres humanos: a dignidade e o respeito, no entanto, o imperativo
categórico kantiano revelou-se atemporal.
O dever ser que foi edificado ao longo da história das civilizações não propiciou
o encontro do indivíduo com o seu ser, ele não consegue ser livre, o homem
indubitavelmente continua sendo escravo de uma racionalidade capitalista, continua
agindo predatoriamente no uso e na apropriação da natureza e, na sua idiossincrasia
cotidiana permanece à mercê de suas terríveis designações: de homo economicus e
homo uno.
Nos dias de hoje, há uma carência de comida, trabalho, não há moradia para todo
(as), faltam condições para garantia da dignidade, a justiça sucumbe às injustiças, a
democracia é volúvel e acovarda-se diante do autoritarismo, a coragem é escassa.
5
In: Gaarder, Jostein. O mundo de Sofia: a história do romance da filosofia. São Paulo: Companhia das
letras, 1995.
O ethos hegemônico vem determinando a corrupção dos valores universais, putrefando
como mais uma mercadoria perecível neste mundo de coisas.
Poderia então, a ética “salvar” o planeta e os homens e mulheres de suas
próprias ações destrutivas?
A ética, entendida enquanto conjunto de princípios e valores que orientam a ação
do indivíduo no mundo, não é um pó mágico que jogado num indivíduo provoque, de
forma imediata e mecânica, transformações nos seus valores e atitudes. A ética se
materializa na ação política, construída historicamente. O ser ético é, por conseguinte,
um ser político lapidado, permanentemente, na sua práxis.
O modelo de desenvolvimento hegemônico é concentrador, privatista e
excludente e a proposta de preservação da natureza; equidade; justiça social;
democracia; respeito às diferenças de orientação sexual, religiosa, racial etc. tendo a
ética como fundamento tornam-se incomparáveis, na sua radicalidade, com o sistema
capitalista. O que não significa subtrair as contradições por onde emanam possibilidades
concretas para gestar novos valores e práticas. No entanto, a mudança de consciência
amparada nos valores ético-políticos, sociais e ambientais exigidos por um novo modelo
de desenvolvimento sustentável, por si só, não é capaz de garantir a transformação
societária.
Vale considerar, segundo Barroco (2000:32), que “são os homens que criam as
normas e valores, porém, nas sociedades de classes, as relações sociais por eles
estabelecidas são movidas por necessidades e interesses contraditórios, donde a
impossibilidade de existirem valores absolutos ou uma concepção de bem que
correspondam ao interesse e às necessidades de todos. Por isso, a moral é também
marcada por essa contraditoriedade; historicamente seus valores e princípios adquirem
diferentes significados e atendem, indiretamente, a interesses ideológicos e políticos de
classes e grupos sociais”.
Para a apreensão e compreensão da questão ambiental é fundamental a
materialização do que se convencionou chamar de interdisciplinaridade. É através do
caráter interdisciplinar que é possível se evitar alguns reducionismos neste debate tão
complexo. Isso porque a questão ambiental é tratada, às vezes, tão somente no enfoque
biológico, reduzindo-a numa “biologização” ou é entendida sob o olhar endógeno para
seus aspectos exclusivamente geográficos. Mesmo uma análise econômico-político e
social, se não levar em consideração o entendimento e o respeito à natureza, não
escapará de uma análise reducionista na empreitada em busca do conhecimento da
realidade.
Desse modo, as preocupações sociais e políticas introduzidas, a partir da década
de 70, na discussão ambiental possibilitaram a transversalidade no seu entendimento,
aproximando, como já foi dito antes, as Ciências Sociais do debate sobre o meio
ambiente.
Considerando este caráter transversal para a compreensão da questão ambiental
e um conjunto de novas demandas que estão postas na contemporaneidade, a profissão
de Serviço Social vem tecendo, a cada dia, mecanismos para o enfrentamento dos
problemas sociais/políticos/ambientais ocasionados pelo modelo de desenvolvimento do
sistema capitalista, tornando-se, a exemplo de outras profissões, partícipe das
transformações societárias do século XXI.
Os princípios fundamentais contidos no Código de Ética dos (das) Assistentes
Sociais tais como a luta pela defesa intransigente dos direitos humanos, equidade,
justiça, erradicação dos preconceitos estão intrinsecamente relacionados à questão
ambiental. Isso porque, tais princípios constituem elementos imprescindíveis para a
garantia de condições que possibilitem a existência de um ambiente equilibrado:
democracia; ampliação e consolidação da cidadania; eliminação dos preconceitos etc.
são partes constitutivas de uma agenda ambiental que preconiza o desenvolvimento
humano como condição para a construção de um desenvolvimento sustentável.
Vale considerar que, no Código de Ética dos (as) Assistentes Sociais de 1993,
não há uma referência explícita à questão ambiental. Tal fato talvez se explique pela
forma tardia na qual a questão ambiental se insere como problemática a ser enfrentada
no universo das diversas profissões. No entanto, admite-se que a abrangência dos
princípios ali contidos permite o desdobramento de inúmeras questões que são
fundamentais no processo de luta pela efetivação de um desenvolvimento realmente
humano.
A materialização da dimensão ética, mesmo nesse tempo de produção em grande
escala, da exclusão e da naturalização da exploração dos indivíduos, não é algo invisível
e abstrato, pois a ética não é uma peça arqueológica datada de 384-322 a.c, mas para seu
reconhecimento no contexto atual se faz necessário resgatar seus princípios originários,
levando em consideração que, no processo histórico, tais princípios foram violados.
Criou-se a partir da dimensão ética, uma falsa moral - um moralismo decadente e
operante próprio do nosso tempo “de gente cortada e dividida”. Confirma-se o que
Oliveira (1993:28) afirmou: “há na sociabilidade capitalista uma negação estrutural do
ético.”
Herdamos um mundo doente/carente de políticas públicas e humanas, carentes
de justiça e de amor, e por que não falar de amor? Para se amar é preciso estar livre e
esta liberdade tem que ser coletiva. O amor, assim como a ética, é universalizante. “A
única saída para o homem é a construção de uma sociabilidade alternativa, onde o
homem se ponha como sujeito verdadeiro, à medida que possa configurar sua vida
como associação de homens livres, o reino da liberdade” (Oliveira, 19993:29).
Já
foi
dito
anteriormente
que
a
proposta
de
uma
sociedade
econômico/social/ambiental/cultural e politicamente equilibrada destoa do paradigma de
desenvolvimento hegemônico, todavia a ação ético-política dos indivíduos poderá ser
decisiva na superação desta sociabilidade tão perversa e desigual em que vivemos.
Afinal, “processos de transformação social são mais que mudanças sociais, mais que
processos de modernização social. A transformação social não é apenas uma função da
existência objetiva de requisições e demandas socialistas: ela é, ainda, sobretudo, função
de uma vontade política capaz de fundar uma estratégia apta a orientar a ação política
dos homens para a constituição de uma nova ordem social” (Netto, 1996:28).
Nós que pertencemos a esse grandioso clã que é a humanidade, precisamos
redimensionar nossa ação política, revisitando de modo contínuo nossos valores, para,
desse modo, construir a possibilidade do futuro. Teremos que atender às necessidades
individuais sem colocar em xeque uma conduta ético-política, pois, só, assim
garantiremos aos homens e mulheres do presente e aos indivíduos do futuro um
ambiente habitável e humanizado.
A discussão sobre a questão ambiental, envolvendo particularmente a discussão
do desenvolvimento sustentável e da esfera ética, insere-se no jogo de correlação de
forças entre projetos societários antagônicos. Sob o domínio do capital, o
desenvolvimento é visto na perspectiva meramente econômica, menosprezando a
dimensão social e ética. “Todavia, no combate em prol de uma civilização, ao mesmo
tempo, mais humana e mais respeitadora da natureza, é necessário que todos os
movimentos sociais emancipadores estejam associados” (Lövy, 1999:10). A articulação
dos movimentos sociais é fundamental para a elaboração de estratégias políticas que
sinalizem, processualmente, acúmulo ético-político numa perspectiva de transformação
social.
A luta por um desenvolvimento sustentável, pela liberdade política na China;
pela ética no Congresso Nacional; a emancipação das mulheres iranianas; o fim das
ditaduras asiáticas; a luta por autonomia das nações frente ao domínio do FMI e a luta
dos sem-terra por Reforma Agrária são partes constituintes da mesma luta, apesar do
enfrentamento aparentemente diferenciado.
A fome dói e mata, o preconceito corrói a alma dos indivíduos, o desemprego é
aviltante, porém, um indivíduo marcado por injustiças e mal-alimentado moralmente,
com fome de dignidade e respeito é duplamente faminto. Que a dimensão ética possa
não sucumbir, mas, ao contrário, potencializar, cotidianamente, a reconstrução das
ruínas humanas que imperam sob a sociabilidade do capital.
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PARTE II
Códigos de Ética Profissional do (a)
Assistente Social
CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS
(Aprovado em Assembléia Geral da Associação Brasileira de Assistentes Sociais
(ABAS) - Seção de São Paulo, em 29-IX-1947)
INTRODUÇÃO
I.
Moral ou Ética pode ser conceituada como a ciência dos princípios e das normas
que se devem seguir para fazer o bem e evitar o mal.
II.
A moral aplicada a uma determinada profissão recebe o nome de ÉTICA
PROFISSIONAL; relacionada esta com o Serviço Social, pode ser chamada de
DEONTOLOGIA DO SERVIÇO SOCIAL.
III.
A importância da Deontologia do Serviço Social provém do fato de que o
Serviço Social não trata apenas de fator material, não se limita à remoção de um
mal físico, ou a uma transação comercial ou monetária: trata com pessoas
humanas desajustadas ou empenhadas no desenvolvimento da própria
personalidade.
IV.
A observância dos princípios da Deontologia do Serviço Social exige, da parte
do Assistente Social, uma segura formação em todos os ramos da Moral.
SECÇÃO I
DEVERES FUNDAMENTAIS
É dever do Assistente Social:
1.
Cumprir os compromissos assumidos, respeitando a lei de Deus, os direitos
naturais do homem, inspirando-se, sempre em todos seus atos profissionais, no bem
comum e nos dispositivos da lei, tendo em mente o juramento prestado diante do
testemunho de Deus.
2.
Guardar rigoroso sigilo, mesmo em depoimentos policiais, sobre o que saiba em
razão de seu ofício.
3.
Zelar pelas prerrogativas de seu cargo ou funções e respeitar as de outrem.
4.
Recusar sua colaboração ou tomar qualquer atitude que considere ilegal, injusta
ou imoral.
5.
Manter uma atitude honesta, correta, procurando aperfeiçoar sua personalidade e
dignificar sua profissão.
6.
Levar ao conhecimento do órgão competente da ABAS Secção de São Paulo,
qualquer transgressão a este Código.
7.
Manter situação ou atitude habitual de acordo com as leis e bons costumes da
comunidade.
SECÇÃO II
DEVERES PARA COM O BENEFICIÁRIO DO SERVIÇO SOCIAL
I - É dever do Assistente Social:
1.
Respeitar no beneficiário do Serviço Social a dignidade da pessoa humana,
inspirando-se na caridade cristã.
2.
Aplicar todo zelo, diligência e recursos da ciência no trabalho a realizar e nunca
abandonar um trabalho iniciado, sem justo motivo.
II - Não é permitido ao Assistente Social:
Aceitar remuneração de um beneficiário de uma organização por serviços
prestados em nome desta.
SECÇÃO III
DEVERES PARA COM OS COLEGAS
I - É dever do Assistente Social:
1.
Tratar os colegas com perfeita cortesia, evitando fazer quaisquer alusões ou
comentários desairosos sobre sua conduta na vida privada e profissional.
2.
Abster-se de discutir em público sobre assunto de interesse exclusivo e
reservado da classe.
II - Não é permitido ao Assistente Social:
1.
Pronunciar-se sobre serviço confiado a outro Assistente Social, ainda que tenha
em vista o bem do Serviço Social, sem conhecer os fundamentos da opinião daquele, e
sem contar com seu expresso consentimento.
2.
Aceitar funções ou encargos anteriormente confiados a um Assistente Social
sem antes procurar informar-se da razão da dispensa deste, de sorte a não aceitar a
substituição desde que esta implique em desmerecimento para a classe.
SECÇÃO IV
DEVERES PARA COM A ORGANIZAÇÃO ONDE TRABALHA
I - É dever do Assistente Social:
1.
Pautar suas atividades por critério justo e honesto, empregando todo esforço em
prol da dignidade e elevação das funções exercidas.
2.
Tratar os superiores com respeito, o que não implica restrição de sua
independência quanto às suas atribuições em matéria específica de Serviço Social.
II - Não é permitido ao Assistente Social:
1.
Alterar ou deturpar intencionalmente depoimentos, documentos, relatórios e
informes de natureza vária, para iludir os superiores ou para quaisquer outros fins.
2.
Valer-se da influência do seu cargo para usufruir, ilicitamente, vantagens de
ordem moral ou material.
3.
Prevalecer-se de sua situação para melhoria de proventos próprios em
detrimento de outrem.
4.
Prejudicar a execução de tarefas reclamadas pela natureza do seu cargo,
ocupando-se de assuntos estranhos ao mesmo durante as horas de serviço.
SECÇÃO V
DISPOSIÇÕES GERAIS
1. Qualquer alteração no presente Código somente poderá ser feita em assembléia
geral da ABAS - Secção de São Paulo, especialmente convocada para esse fim.
2. O presente Código entrará em vigor na data de sua publicação.
CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
(APROVADO A 8 DE MAIO DE 1965)
INTRODUÇÃO
Considerando que:
-
a formação da consciência profissional é fator essencial em qualquer profissão e
que um Código de Ética constitui valioso instrumento de apoio e orientação para
os Assistentes Sociais;
-
o Serviço Social adquire no mundo atual uma amplitude técnica e científica,
impondo aos membros da profissão maiores encargos e responsabilidades;
-
só à luz de uma concepção de vida, baseada na natureza e destino do homem,
poderá de fato o Serviço Social desempenhar a tarefa que lhe cabe na
complexidade do mundo moderno;
-
um Código de Ética se destina a profissionais de diferentes credos e princípios
filosóficos, devendo ser aplicável a todos.
O Conselho Federal de Assistentes Sociais - CFAS, no uso de suas atribuições
conferidas pelo item IV art.9º do Regulamento aprovado pelo Dec. 994 de 15 de maio
de 1962, resolve aprovar o Código de Ética alicerçado nos direitos fundamentais do
homem e nas exigências do bem-comum, princípios estes reconhecidos pela própria
filosofia do Serviço Social.
CAPÍTULO I
DA PROFISSÃO
Art. 1º - O Serviço Social constitui o objeto da profissão liberal de assistente social, de
natureza técnico-científica e cujo o exercício é regulado em todo o território nacional
pela Lei nº 3.252 de 27-08-1957, cujo Regulamento foi aprovado pelo Decreto nº 994,
de 15/05/1962.
Art.2º - O assistente social, no desempenho da profissão, é obrigado a respeitar as
exigências previstas na legislação que lhe é específica, inclusive as contidas neste
Código.
Art. 3º - Ao Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) e aos Conselhos Regionais
de Assistentes Sociais (CRAS), órgãos criados para orientar, disciplinar e fiscalizar o
exercício da profissão de assistente social, caberá a aplicação de medidas disciplinares,
que venham garantir a fiel observância das exigências da profissão e do presente
Código.
CAPÍTULO II
DOS DEVERES FUNDAMENTAIS
Art. 4º - O assistente social no desempenho das tarefas inerentes a sua profissão deve
respeitar a dignidade da pessoa humana que, por sua natureza é um ser inteligente e
livre.
Art. 5º - No exercício de sua profissão, o assistente social tem o dever de respeitar as
posições filosóficas, políticas e religiosas daqueles a quem se destina sua atividade,
prestando-lhes os serviços que lhe são devidos, tendo-se em vista o princípio de
autodeterminação.
Art. 6º - O assistente social deve zelar pela família, grupo natural para o
desenvolvimento da pessoa humana e base essencial da sociedade, defendendo a
prioridade dos seus direitos e encorajando as medidas que favoreçam a sua estabilidade
e integridade.
Art. 7º - Ao assistente social cumpre contribuir para o bem comum, esforçando-se para
que o maior número de criaturas humanas dele se beneficiem, capacitando indivíduos,
grupos e comunidades para sua melhor integração social.
Art. 8º - O assistente social deve colaborar com os poderes públicos na preservação do
bem comum e dos direitos individuais, dentro dos princípios democráticos, lutando
inclusive para o estabelecimento de uma ordem social justa.
Art. 9º - O assistente social estimulará a participação individual, grupal e comunitária
no processo de desenvolvimento propugnando pela correção dos desníveis sociais.
Art. 10º - O assistente social no cumprimento de seus deveres cívicos, colaborará nos
programas nacionais e internacionais, que se destinem a atender às reais necessidades de
melhoria das condições de vida para a sua pátria e para a humanidade.
Art. 11º - Ao assistente social cumpre respeitar a justiça em todas as suas formas:
comutativa, distributiva e social, lutando para o seu fiel cumprimento, dentro dos
princípios de fraternidade no plano nacional e internacional.
Art. 12º - O assistente social conforme estabelecem os princípios éticos e a Lei penal,
deve pautar toda a sua vida profissional incondicionalmente pela verdade.
Art. 13º - O assistente social no exercício de sua profissão deve aperfeiçoar sempre seus
conhecimentos, incentivando o progresso, a atualização e difusão do Serviço Social.
Art. 14º - O assistente social tem o dever de respeitar as normas éticas das outras
profissões, exigindo outrossim respeito àquelas relativas ao Serviço Social, quer
atuando individualmente ou em equipes.
CAPÍTULO III
DO SEGREDO PROFISSIONAL
Art. 15º - O assistente social é obrigado pela Ética e pela Lei (art. 154 do Código Penal)
a guardar segredo sobre as confidencias recebidas e fatos de que tenha conhecimento ou
haja observado no exercício de sua atividade profissional, obrigando-se a exigir o
mesmo segredo de todos os seus colaboradores.
§ 1º - Tendo-se em vista exclusivamente impedir um mal maior, será admissível a
revelação do segredo profissional para evitar um dano grave, injusto e atual ao
próprio cliente, ao assistente social, a terceiros e ao bem comum.
§ 2º - A revelação só será feita, após terem sido empregados todos os recursos e
todos os esforços, para que o próprio cliente se disponha a revelá-lo.
§ 3º - A revelação será feita dentro do estrito necessário o mais discretamente
possível, quer em relação ao assunto revelado, quer em relação ao grau e ao
número de pessoas que dele devam tomar conhecimento.
Art. 16º - Além do segredo profissional, ao qual será moral e legalmente sujeito, o
assistente social deve guardar discrição no que concerne ao exercício de sua profissão,
sobretudo quanto à intimidade das vidas particulares, dos lares e das instituições onde
trabalhe.
Art. 17º - O assistente social não se obriga a depor, como testemunha, sobre fatos de
que tenha conhecimento profissional, mas intimado a prestar depoimento, deverá
comparecer perante à autoridade competente para declarar-lhe que está ligado à
obrigação do segredo profissional, de acordo com o art. 144 do Código Civil.
CAPÍTULO IV
DOS DEVERES PARA COM AS PESSOAS, GRUPOS E COMUNIDADES
ATIGINDOS PELO SERVIÇO SOCIAL
Art. 18º - O respeito pela pessoa humana, considerando nos arts. 4º e 5º deste Código,
deve nortear a atuação do assistente social, mesmo que esta atitude reduza a eficácia
imediata da ação.
Art. 19º - O assistente social em seu trabalho junto aos clientes, grupos e comunidades,
deve ter o sentido de justiça, empregando o máximo de seus conhecimentos e o melhor
de sua capacidade profissional, para a solução dos vários problemas sociais.
Art. 20º - A ação do assistente social será perseverante, a despeito das dificuldades
encontradas, não abandonando nenhum trabalho sem justo motivo.
Art. 21º - O assistente social esforçar-se-á para que seja mantido um bom entrosamento
entre as agências de Serviço Social e demais obras ou serviços da comunidade com o
objetivo de assegurar mútua compreensão e eficiente colaboração.
§ único – As críticas construtivas que contribuam para o aperfeiçoamento do
Serviço Social e entendimento crescente entre as obras, poderão ser feitas
pertinentemente e com discrição.
Art. 22º - O assistente social deve interessar-se por todos os grandes problemas sociais
da comunidade, dentro de uma perspectiva da realidade brasileira, colaborando com
seus recursos pessoais e técnicos, para o desenvolvimento solidário e harmônico do
país.
CAPÍTULO V
DOS DEVERES PARA COM OS SERVIÇOS EMPREGADORES
Art. 23º - O assistente social, profissional liberal, tecnicamente independente na
execução de seu trabalho, se obriga a prestar contas e seguir diretrizes, emanadas do seu
chefe hierárquico, observando as normas administrativas da entidade que o emprega.
Art. 24º - O assistente social tem por dever tratar superiores, colegas e subordinados
hierárquicos com o respeito e cortesia devidos, usando discrição, lealdade e justiça no
convívio que as obrigações do trabalho impõem.
Art. 25º - O assistente social deve zelar pelo bom nome da entidade que o emprega,
prestando-lhe todo esforço para que a mesma alcance com êxito seus legítimos
objetivos.
Art. 26º - O assistente social zelará para que seja mantida em seus serviços perfeita
organização, fator valioso de eficiência e produtividade, sem contudo burocratizar suas
funções.
Art. 27º - O assistente social deve ser pontual e assíduo no cumprimento de seus deveres
para com a entidade, jamais relegando o seu trabalho para ocupar-se de assuntos
estranhos à natureza do seu cargo.
Art. 28º - O assistente social exercerá suas funções com honestidade, obedecendo
rigorosamente aos preceitos éticos e às legítimas exigências da entidade, não se
prevalecendo de sua situação para obter vantagens.
CAPÍTULO VI
DOS DEVERES PARA COM OS COLEGAS
Art. 29º - O assistente social deve ter uma atitude leal, de solidariedade e consideração a
seus colegas, abstendo-se de críticas e quaisquer atos suscetíveis de prejudicá-los,
observando os deveres de ajuda mútua profissional.
§ único – O espírito de solidariedade não poderá entretanto, induzir o assistente
social a ser conivente com o erro, ou deixar de combater através de processos
adequados os atos que infrinjam os princípios éticos e os dispositivos legais que
regulam o exercício da profissão.
Art. 30º - O assistente social não aceitará cargo ou função anteriormente ocupados por
um colega, cuja desistência tenha ocorrido por razões de ética profissional previstas no
presente Código, desde que mantidas as razões determinantes do afastamento.
CAPÍTULO VII
DAS ASSOCIAÇÕES DE CLASSE
Art. 31º - O assistente social deve colaborar com os órgãos representativos de sua
classe, zelando pelas suas prerrogativas, no sentido de um aperfeiçoamento cada vez
maior do Serviço Social e dignificação da profissão.
§ único – O assistente social não deve excusar-se sem justa causa, de prestar aos
órgãos de classe qualquer colaboração solicitada no âmbito profissional.
Art. 32º - É dever de todo assistente social representar, junto aos órgãos de classe, sobre
assunto de interesses profissional geral ou pessoal e do bem comum.
CAPÍTULO VIII
DO TRABALHO EM EQUIPE
Art. 33º - O assistente social deve exercer as suas funções na equipe com
imparcialidade, independente de sua posição hierárquica.
Art. 34º - O trabalho em equipe não diminui a responsabilidade de cada profissional
pelos seus atos e funções, devendo, na sua atuação, colaborar para o êxito do trabalho
em comum.
CAPÍTULO IX
DA RESPONSABILIDADE E DA PRESERVAÇÃO
DA DIGNIDADE PROFISSIONAL
Art. 35º - O assistente social responderá civil e penalmente por atos profissionais
danosos a que tenha dado causa no exercício de sua profissão, por ignorância culpável,
omissão, imprudência, negligência, colaboração ou má fé.
Art. 36º - Além do respeito às disposições legais, a responsabilidade moral deve ser o
alicerce em que se assentará o trabalho do assistente social, pois na consciência reta
estará a maior garantia do respeito e exercício dos direitos individuais e sociais.
Art. 37º - Todo assistente social, mesmo fora do exercício de sua profissão, deverá
abster-se de qualquer ação que possa desaboná-lo, procurando firmar sua conduta
pessoal por elevado padrão ético, contribuindo para bom conceito da profissão.
Art. 38º - É da responsabilidade do assistente social zelar pelas prerrogativas de seu
cargo ou funções, bem como respeitar as de outrem.
CAPÍTULO X
DA APLICAÇÃO E OBSERVÂNCIA DO CÓDIGO
Art. 39º - Todos os que exercem a profissão de assistente social têm o dever de acatar as
decisões deste Código, e ao inscreverem-se no respectivo Conselho Regional de
Assistentes Sociais (CRAS), deverão declarar conhecê-lo, comprometendo-se, por
escrito, a respeitá-lo.
Art. 40º - Compete aos Conselhos Regionais de Assistentes Sociais (CRAS), em
primeira instância, a apuração de faltas cometidas contra este Código, bem como, a
aplicação de penalidades, cabendo recurso ao Conselho Federal de Assistentes Sociais
(CFAS), conforme estabelecem os arts. 9º e 12º do Regulamento aprovado pelo Decreto
nº 994, de 15/05/1962.
Art. 41º - Os infratores ao presente Código estão sujeitos às seguintes medidas
disciplinares:
a) advertência confidencial;
b) censura confidencial;
c) censura pública;
d) suspensão do exercício da profissão;
e) cassação do exercício profissional.
Art. 42º - Os processos relativos às infrações do presente Código obedecerão ao
disposto no Regimento Interno do Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS)
(cap. IV - art. 13º a 17º) e a normas contidas em “Instruções” especialmente baixadas
pelo Conselho para este fim.
Art. 43º - É dever de todo assistente social zelar pela observância das normas contidas
neste Código, dar conhecimento no Conselho Regional de Assistentes Sociais (CRAS)
da respectiva Região, com discrição e fundamentação, de atos que constituírem
infrações aos princípios éticos nele contidos.
§único – Em caso de dúvida sobre o enquadramento de determinado fato nos princípios
contidos neste Código, o assistente social poderá formular ao respectivo Conselho
Regional de Assistentes Sociais (CRAS) consulta que, não assumindo caráter de
denúncia, incorrerá nas mesmas exigências de discrição e fundamentação.
CAPÍTULO XI
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 44º - Caberá ao Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) qualquer alteração
do presente Código, consultando os Conselhos Regionais de Assistentes Sociais
(CRAS), competindo, ainda àquele órgão, como Tribunal Superior de Ética
Profissional, firmar jurisprudência na aplicação do mesmo e ainda nos casos omissos.
Art. 45º - Caberá ao Conselho Federal de Assistentes Sociais (CFAS) e aos Conselhos
Regionais de Assistentes Sociais (CRAS) promoverem a mais ampla divulgação deste
Código, de modo que seja do pleno conhecimento de entidades nas quais se
desenvolvam programas de Serviço Social.
Art. 46º - O presente Código entrará em vigor na data de sua publicação.
Rio de Janeiro, 8 de maio de 1965
CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
(APROVADO EM 30 DE JANEIRO DE 1975)
INTRODUÇÃO AO CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO
ASSISTENTE SOCIAL
A regulamentação do exercício de determinada profissão pressupõe:
1. tratar-se de profissão organizada;
2. interessar à defesa da sociedade.
Constitui ponto pacífico exigir-se que uma profissão satisfaça os seguintes
requisitos essenciais:
1. conjunto de conhecimentos organizados, constantemente ampliado e
aprimorado, e de técnicas especiais baseadas no mesmo;
2. facilidade de formação sistemática nesse conjunto e em suas aplicações
práticas;
3. identificação da profissão e qualificação para ingresso;
4. agremiação constituída de número apreciável de membros credenciados para
o exercício profissional, e capaz de influir na manutenção de padrões
convenientes;
5. código de ética profissional.
Regulamentar uma profissão antes de corresponder aos reclamos da classe,
atende ao mais elevado e marcante interesse social.
Exigências do bem comum legitimam, com efeito, a ação disciplinadora do
Estado, conferindo-lhe o direito de dispor sobre as atividades profissionais - formas de
vinculação do homem à ordem social, expressões concretas de participação efetiva na
vida da sociedade.
As profissões envolvem ingredientes indispensáveis à composição de o bem
total humano, encerram valores sociais inestimáveis, como honestidade e verdade. A
profissão é mais do que um trabalho orientado para a subsistência dos que a exercem: é
um dos fundamentos da estruturação da sociedade e de sua organização em uma
diversidade de grêmios profissionais. Em seu aspecto associativista, a organização
profissional representa valioso instrumento de defesa social.
Em síntese, na dialética homem-sociedade deve assegurar-se o mais ser do
homem, a partir de:
 subsistência a um “status” social;
 direito de associação;
 direito de intervenções pertinentes;
e, por outro lado, salvaguardar-se o bem da sociedade:
 de busca de valores que respondem às exigências do dever;
 de legislação fiel ao interesse geral;
 de Instituições adequadas ao meio social;
 de oferecimento de condições de vida humana digna, atendendo a aspectos
curativos e preventivos;
 de composição do bem total humano.
Esta, a essência de um Código de Ética Profissional, garantia de respeito aos
direitos humanos e de fidelidade ao interesse social.
Em nosso País, os requisitos inicialmente referidos e essência ora aludida são
evidenciados no tocante à profissão do assistente social. O Código, a estruturação legal
e a probidade técnico-científica, constituem a trilogia sobre a qual se assenta a
realização do Assistente Social, como profissional.
O valor central que serve de fundamento ao Serviço Social é a pessoa humana.
Reveste-se de essencial importância uma concepção personalista que permita ver a
pessoa humana como o centro, objeto e fim da vida social.
Dois valores são essenciais à plena realização da pessoa humana:
 bem comum considerado como conjunto das condições materiais e morais
concretas nas quais cada cidadão poderá viver humana e livremente;
 justiça social, que compreende tanto o que os membros devem ao bem comum,
como o que a comunidade deve aos particulares em razão desse bem.
É fora de dúvida que a comunidade profissional é daquela formas sociais que são
conaturais, coessenciais ao homem, e condicionantes de um certo desenvolvimento
histórico da civilização.
Os postulados versados nesta introdução justificam por que o Serviço Social, no
dinamismo de sua atuação, exige contínua referência aos princípios de:
I- Autodeterminação - que possibilita a cada pessoa, física ou jurídica, o agir
responsável, ou seja, o livre exercício da capacidade de escolha e decisão;
II- Participação - que é presença, cooperação, solidariedade ativa e corresponsabilidade
de cada um, nos mais diversificados grupos que a convivência humana possa exigir;
III- Subsidiariedade que é elemento regulador das relações entre os indivíduos,
instituições ou comunidades, nos diversos planos de integração social.
Com base nestes princípios e naqueles valores axiais, explicitam-se direitos e
deveres do Assistente Social, no Código de Ética Profissional.
CÓDIGO DE ÉTICA DO ASSISTENTE SOCIAL
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º - O Assistente Social, no exercício da profissão, está obrigado à observância do
presente Código, bem como a fazê-lo cumprir.
Art. 2º - O Conselho Federal de Assistentes Sociais - CFAS e os Conselhos Regionais
de Assistentes Sociais - CRAS promoverão a mais ampla divulgação deste Código.
Art. 3º - Compete ao Conselho Federal de Assistentes Sociais - CFAS:
I- Introduzir alteração neste Código, consultados os Conselhos Regionais,
II- Como Tribunal de Ética Profissional, firmar jurisprudência na aplicação deste
Código e nos casos omissos.
TÍTULO II
DIREITOS E DEVERES DO ASSISTENTE SOCIAL
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS
Art. 4º - São direitos do Assistente Social:
I- Com relação ao exercício profissional:
a- desempenho das atividades inerentes à profissão;
b- desagravo público por ofensa que atinja sua honra profissional;
c- proteção à confidencialidade do cliente;
d- sigilo profissional;
e- inviolabilidade do domicílio, do consultório, dos locais de livre acesso ao cliente;
f- livre acesso ao cliente;
g- contratação de honorários segundo normas regulamentares;
h- representação ao Conselho Regional de Assistentes Sociais - CRAS com jurisdição
sobre a sede de suas atividades.
II- Com relação ao “status” profissional:
a- reconhecimento do Serviço Social como profissão liberal, incluída entre as de nível
universitário;
b- garantia das prerrogativas da profissão, e defesa do que lhe é privativo;
c- acesso às oportunidades de aprimoramento da formação profissional.
CAPÍTULO II
DOS DEVERES
Art. 5º - São deveres do Assistente Social:
I- No exercício profissional:
a- obedecer aos preceitos da Lei e da Ética;
b- desempenhar sua atividade com zelo, diligência e consciência da própria
responsabilidade;
c- reconhecer que o trabalho coletivo ou em equipe não diminui a responsabilidade de
cada profissional pelos seus atos e funções;
d- abster-se de atos ou manifestações incompatíveis com a dignidade da profissão;
e- defender a profissão através de suas entidades representativas;
f- incentivar o progresso, a atualização e a difusão do Serviço Social e zelar pelo
aperfeiçoamento de suas instituições;
g- respeitar as normas éticas das outras profissões, quer atue individualmente ou em
equipe;
h- aperfeiçoar seus conhecimentos.
II- Nas relações com o cliente:
a- utilizar o máximo de seus esforços, zelo e capacidade profissional em favor do
cliente;
b- esclarecer o cliente quanto ao diagnóstico, prognóstico, plano e objetivos do
tratamento, prestando à família ou aos responsáveis os esclarecimentos que se fizerem
necessários.
III- Nas relações com os colegas:
a- tratar os colegas com lealdade, solidariedade e apreço, auxiliando-se no cumprimento
dos respectivos deveres e contribuindo para a harmonia e o prestígio da profissão;
b- distinguir a solidariedade da conivência com o erro, combatê-lo em face dos
postulados éticos e da legislação profissional vigente;
c- respeitar os cargos e funções dos colegas;
d- recusar cargo ou função anteriormente ocupado por colega, cuja desistência tenha
sido devida a razão, não sanada, de ética profissional prevista neste Código;
e- pautar suas relações com colegas hierarquicamente superiores ou subordinados, pelo
presente Código, exigindo a fiel observância de seus preceitos e respeitando seus
legítimos direitos;
f- prestar aos colegas, quando solicitado, orientação técnica.
IV- Nas relações com entidades de classe:
a- prestar colaboração de ordem moral, intelectual e material às entidades de classe;
b- aceitar e desempenhar função, com interesse e responsabilidade, nas entidades de
classe, salvo circunstâncias especiais que justifiquem sua recusa;
c- representar perante os órgãos competentes sobre irregularidades ocorridas na
administração das entidades de classe;
d- denunciar às entidades de classe o exercício ilegal da profissão, sob qualquer forma;
e- representar às entidades de classe, encaminhando-lhes comunicação fundamentada
sobre a infração a princípios éticos, sem desrespeito à honra e dignidade de colegas.
V- Nas relações com instituições:
a- cumprir os compromissos assumidos e contratos firmados;
b- respeitar a política administrativa da instituição empregadora;
c- contribuir para que as instituições destinadas ao trabalho social mantenham um bom
entrosamento entre si.
VI- Nas relações com a comunidade:
a- zelar pela família, defendendo a prioridade dos seus direitos e encorajando as
medidas que favoreçam sua estabilidade e integridade;
b- participar de programas nacionais e internacionais destinados à elevação das
condições de vida e correção dos desníveis sociais;
c- participar de programas se socorro à população, em situação de calamidade pública;
d- opinar em matéria de sua especialidade quando se tratar de assunto de interesse da
coletividade.
VII- Nas relações com a justiça:
a- aceitar designação por autoridade judicial para atuar como perito em assunto de sua
competência;
b- informar o cliente acerca do sentido e finalidade de sua atuação no desempenho de
trabalho de caráter pericial;
c- agir, quando perito, com isenção de ânimo e imparcialidade, limitando seu
pronunciamento a laudos pertinentes à área de suas atribuições e competências.
VIII- Em relação à publicação de trabalhos científicos:
a- indicar de modo claro, em todo trabalho científico, as fontes de informações e
bibliografia utilizada;
b- dar igual ênfase aos autores e o necessário destaque ao colaborador principal ou ao
idealizador, na publicação de pesquisas ou estudos em colaboração.
Art. 6º - É vedado ao Assistente Social:
a- usar titulação ou outorgá-la a outrem indevidamente;
b- exercer sua autoridade de forma a limitar o direito do cliente de decidir sobre sua
pessoa e seu bem-estar;
c- divulgar nome, endereço ou outro elemento que identifique o cliente;
d- reter, sem justa causa, valores que lhe sejam entregues de propriedade do cliente;
e- recusar ou interromper atendimento a cliente, sem prévia justificação;
f- criticar de público, na presença de cliente ou de terceiro, erro técnico-científico ou
ato de colega atentatório à ética;
g- prejudicar, direta ou indiretamente, a reputação, situação ou atividade do colega;
h- valer-se de posição ocupada na direção de entidades de classe para obter vantagens
pessoais, diretamente ou através de terceiros;
i- participar de programa com entidade que não respeite os princípios éticos
estabelecidos;
j- formular, perante cliente, crítica aos serviços da instituição, à atuação de colegas e
demais membros da equipe interprofissional;
l- oferecer prestação de serviço idêntico por remuneração inferior à que se pague a
colega da mesma instituição, e da qual tenha prévio conhecimento;
m- aceitar, de terceiro, comissão, desconto ou outra vantagem, direta ou indiretamente
relacionada com atividade que esteja prestando à instituição;
n- recusar-se, quando denunciante, a prestar declaração que esclareça o fato e as provas
de sua denúncia;
o- recusar-se a depor ou testemunhar em processo ético-profissional, sem justa causa;
p- divulgar informações ou estudos da instituição ou usufruir de planos e projetos de
outros técnicos, salvo quando devidamente autorizado;
q- valer-se do Serviço Social para objetivos estranhos à profissão ou consentir que
outros o façam;
r- funcionar em perícia quando o caso escape a sua competência ou quando se tratar de
questão que envolva cliente, amigo, inimigo ou pessoa da própria família;
s- apresentar como original, idéia, descoberta ou ilustração que não o seja;
t- utilizar, sem referência ao autor ou sua autorização expressa, dado, informação ou
opinião inédita ou colhida em fonte particular;
u- prevalecer-se de posição hierárquica para publicar, em seu nome exclusivo trabalho
de subordinados e assistentes, embora executado sob sua orientação.
CAPÍTULO III
DO SEGREDO PROFISSIONAL
Art. 7º - O Assistente Social deve observar o segredo profissional:
I- Sobre todas as confidências recebidas, fatos e observações colhidas no exercício da
profissão;
II- Abstendo-se de transcrever informações de natureza confidencial;
III- Mantendo discrição de atitudes nos relatórios de serviço, onde quer que trabalhe.
§1º - O sigilo estender-se-á à equipe interdisciplinar e aos auxiliares, devendo o
Assistente Social empenhar-se em sua guarda.
§2º - É admissível revelar segredo profissional para evitar dano grave, injusto e
atual ao próprio cliente, ao Assistente Social, a terceiro ou ao bem comum.
§3º - A revelação do sigilo profissional será admitida após se haverem esgotado
todos os recursos e esforços para que o próprio cliente se disponha a revelá-lo.
§4º - A revelação será feita dentro do estritamente necessário, o mais
discretamente possível, quer em relação ao assunto revelado, quer ao grau e
número de pessoas que dele devem tomar conhecimento.
§5º - Não constitui quebra de segredo profissional a revelação de casos de
sevícias, castigos corporais, atentados ao pudor, supressão intencional de alimento
e uso de tóxicos, com vista à proteção do menor.
Art. 8º - É vedado ao Assistente Social:
I- Investigar documento de pessoa física ou jurídica sem estar devidamente autorizado;
II- Depor como testemunha sobre fato de que tenha conhecimento no exercício
profissional;
III- Revelar, quando ligado a contrato que o obrigue a prestar informações, o que não
for de natureza pública e que acarrete a queda do segredo profissional.
§único – Intimado a prestar depoimento, deverá o Assistente Social comparecer
perante a autoridade competente para declarar-lhe que está obrigado a guardar
segredo profissional, nos termos do Código Civil e deste Código.
TÍTULO III
DAS MEDIDAS DISCIPLINARES
Art. 9º - As infrações aos dispositivos do presente Código estão sujeitas às
seguintes medidas disciplinares:
a- advertência em aviso reservado;
b- censura em aviso reservado;
c- censura em publicação oficial;
d- suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias;
e- cassação do exercício profissional “ad-referendum” do Conselho Federal.
§único - Ao acusado são garantidas amplas condições para a sua defesa, mesmo
quando revél.
TÍTULO IV
DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
Art. 10º - O Conselho Federal de Assistentes Sociais, no prazo de 30 (trinta) dias a
partir da publicação deste Código, expedirá o Código Processual de Ética para os
Conselhos Regionais de Assistentes Sociais.
Art. 11º - O presente Código entrará em vigor dentro de 45 (quarenta e cinco) dias
de sua publicação.
Rio de Janeiro, 30 de Janeiro de 1975.
CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
(APROVADO EM 09 DE MAIO DE 1986)
RESOLUÇÃO CFAS Nº 195/86
09.05.86
Aprova o Código de Ética Profissional
dos Assistentes Sociais e dá outras providências
A Presidente do Conselho Federal de Assistentes Sociais - CFAS, no uso de suas
atribuições legais e regimentais e de acordo com a aprovação do Conselho Pleno em
reunião ordinária realizada em Brasília, em 09 de maio de 1986.
Considerando a necessidade de dotar os Assistentes Sociais de um instrumento
mais eficaz no resguardo da atividade profissional;
Considerando que o antigo Código de Ética não mais refletia os interesses da
categoria e as exigências da sociedade;
Considerando as profundas modificações porque passa a sociedade brasileira no
atual momento histórico;
Considerando a necessidade de superar a perspectiva que coloca os valores
éticos como universais e acima dos interesses de classe em que se divide a sociedade;
Considerando as contribuições recebidas de todos os Conselhos Regionais com a
participação das demais entidades e bases da categoria;
Considerando a longa discussão havida sobre o assunto, que culminou no XV
Encontro Nacional CFAS/CRAS foi reafirmado o compromisso por uma prática
profissional vinculada às lutas e interesses da classe trabalhadora,
RESOLVE:
Art. 1º - Aprovar o Código de Ética Profissional do Assistente Social em anexo.
Art. 2º - Os Conselhos Regionais de Assistentes Sociais - CRAS deverão fazer constar
das Carteiras de Identidade Profissional emitidas a partir de um ano da data de vigência
do código de ética ora aprovado, o inteiro teor das disposições referentes a direitos e
obrigações do Assistente Social.
Art. 3º - Fica determinado que os Conselhos Regionais de Assistentes Sociais - CRAS,
promoverão a imediata divulgação do Código de Ética entre os profissionais inscritos
nos seus quadros.
Art. 4º - A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação no Diário
Oficial da União, revogadas as disposições em contrário, em especial a Resolução
CFAS nº 65/75.
Rio de Janeiro, 09 de Maio de 1986.
(Ass.) Júlia Damiana Nascimento Bitencourt
AS. Nº 1001/CRAS 5ª Região
CFAS Presidente
CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
INTRODUÇÃO
As idéias, a moral e as práticas de uma sociedade se modificam no decorrer do
processo histórico. De acordo com a forma em que esta se organiza para produzir, cria
seu governo, suas instituições e sua moral.
A sociedade brasileira no atual momento histórico impõe modificações
profundas em todos os processos da vida material e espiritual. Nas lutas encaminhadas
por diversas organizações nesse processo de transformação, um novo projeto de
sociedade se esboça, se constrói e se difunde uma nova ideologia.
Inserindo neste movimento, a categoria de Assistentes Sociais passa a exigir
também uma nova ética que reflita uma vontade coletiva, superando a perspectiva ahistórica e a-crítica, onde os valores são tidos como universais e acima dos interesses de
classe. A nova ética é resultado da inserção da categoria nas lutas da classe trabalhadora
e, consequentemente, de uma nova visão da sociedade brasileira. Neste sentido, a
categoria através de suas organizações, faz uma opção clara por uma prática profissional
vinculada aos interesses desta classe. As conquistas no espaço institucional e a garantia
da autonomia da prática profissional requerida pelas contradições desta sociedade só
poderão ser obtidas através da organização da categoria articulada às demais
organizações da classe trabalhadora.
O presente Código de Ética Profissional do Serviço Social é resultado de um
amplo processo de trabalho conjunto, desencadeado a partir de 1983. Em diferentes
momentos deste processo, os Assistentes Sociais foram solicitados através do
CFAS/CRAS e demais entidades de organização da categoria a dar contribuições e a
participar de comissões, debates, assembléias, seminários e encontros regionais e
nacionais. Seu conteúdo expressa princípios e diretrizes norteadores da prática
profissional determinados socialmente, e traz a marca da conjuntura atual da sociedade
brasileira. Constitui-se em parâmetro para o profissional se posicionar diante da
realidade, disciplinado o exercício profissional no sentido de dar garantia à nova
proposta da prática dos Assistentes Sociais.
Os princípios e diretrizes norteadores da prática profissional estão expressos
neste Código sob a forma de direitos, deveres e proibições, agrupados em títulos e
capítulos. Com caráter introdutório, serão destacados aqueles que dão indicações de
uma nova ética, tendo como referência o encaminhamento da prática profissional
articulada às lutas da classe trabalhadora:
A devolução das informações colhidas nos estudos e pesquisas
- aos sujeitos sociais envolvidos.
O acesso às informações no espaço institucional e o incentivo ao
- processo de democratização das mesmas.
A contribuição na alteração da correlação de forças no espaço
- institucional e o fortalecimento de novas demandas de interesse dos usuários
A denúncia das falhas nos regulamentos, normas e programas
- da instituição e o não acatamento de determinação patronal que fira os princípios e
diretrizes deste Código.
-
O respeito à tomada de decisão dos usuários, ao saber popular e à autonomia dos
movimentos e organizações da classe trabalhadora.
-
O privilégio ao desenvolvimento de práticas coletivas e o incentivo à participação
dos usuários no processo de decisão e gestão institucional.
-
A discussão com os usuários sobre seus direitos e os mecanismos a serem adotados
na luta por sua efetivação e por novas conquistas; e a reflexão sobre a necessidade de
seu engajamento em movimentos populares e/ou órgão representativos da classe
trabalhadora.
-
O apoio às iniciativas e aos movimentos de defesa dos interesses da categoria e à
divulgação no espaço institucional das informações de suas organizações.
-
A denúncia de agressão e abuso de autoridade às organizações da categoria e aos
órgãos competentes.
-
O apoio e/ou a participação nos movimentos sociais e organizações da classe
trabalhadora.
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º - Compete ao Conselho Federal de Assistentes Sociais:
a- zelar pela observância dos princípios e diretrizes deste Código, fiscalizando as ações
dos Conselhos Regionais e a prática exercida pelos profissionais, instituições e
organizações na área do Serviço Social;
b- introduzir alteração neste Código, através de uma ampla participação da categoria,
num processo desenvolvido em ação conjunta com os Conselhos Regionais;
c- como Tribunal Superior de Ética Profissional, firmar jurisprudência na observância
deste Código e nos casos omissos.
§único - Compete aos Conselhos Regionais, nas áreas de suas respectivas
jurisdições, zelar pela observância dos princípios e diretrizes deste Código, e
funcionar como órgão julgador de primeira instância.
TÍTULO II
DOS DIREITOS E DAS RESPONSABILIDADES GERAIS
DO ASSISTENTE SOCIAL
CAPÍTULO 1
DOS DIREITOS
Art. 2º - Constituem-se direitos do Assistente Social:
a- Garantia e defesa de suas atribuições e prerrogativas estabelecidas na Lei de
Regulamentação da Profissão;
b- Livre exercício das atividades inerentes à profissão;
c- Livre acesso aos usuários de seus serviços;
d- Participação na elaboração das Políticas Sociais e na formulação de programas
sociais;
e- Inviolabilidade do domicílio, do local de trabalho e respectivos arquivos e
documentação;
f- Desagravo público por ofensa que atinja a sua honra profissional;
g- Remuneração por seu trabalho profissional definida pelas organizações sindicais,
estaduais e nacional, articuladas a luta geral da classe trabalhadora;
h- Acesso às oportunidades de aprimoramento profissional;
i- Participação em manifestações de defesa dos direitos da categoria e dos interesses da
classe trabalhadora;
j- Participação nas entidades representativas e de organizações da categoria;
l- Pronunciamento em matéria de sua especialidade;
m- Acesso às informações no espaço institucional que viabilizem a prática profissional.
CAPÍTULO II
DOS DEVERES
Art. 3º - Constituem deveres do Assistente Social:
a- Desempenhar suas atividades profissionais, com observância da legislação em vigor;
b- Devolver as informações colhidas nos estudos e pesquisas aos sujeitos sociais
envolvidos, no sentido de que estes possam usá-los para o fortalecimento dos interesses
da classe trabalhadora;
c- Democratizar as informações disponíveis no espaço institucional, como um dos
mecanismos indispensáveis à participação social dos usuários;
d- Aprimorar de forma contínua os seus conhecimentos, colocando-os a serviço do
fortalecimento dos interesses da classe trabalhadora;
e- Denunciar, no exercício da profissão, às organizações da categoria, às autoridades e
aos órgãos competentes, qualquer forma de agressão à integridade física, social e
mental, bem como abuso de autoridade individual e institucional;
f- Utilizar seu número de registro no Conselho Regional no exercício da profissão.
CAPÍTULO III
DO SIGILO PROFISSIONAL
Art. 4º - O Assistente Social deve observar o sigilo profissional, sobre todas as
informações confiadas e/ou colhidas no exercício profissional.
§1º - A quebra do sigilo só é admissível, quando se tratar de situação cuja
gravidade possa trazer prejuízos aos interesses da classe trabalhadora.
§ 2º - A revelação será feita dentro do estritamente necessário, quer em relação ao
assunto revelado, quer ao grau e número de pessoas que dele devam tomar
conhecimento.
Art. 5º - É vedado ao Assistente Social:
a- Depor como testemunha sobre situação de que tenha conhecimento no exercício
profissional;
b- Revelar sigilo profissional
§único- Intimado a prestar depoimento, deverá o Assistente Social comparecer
perante a autoridade competente para declarar que está obrigado a guardar sigilo
profissional, nos termos do Código Civil e deste Código.
TÍTULO III
DAS RELAÇÕES PROFISSIONAIS
CAPÍTULO I
DAS RELAÇÕES COM OS USUÁRIOS
Art. 6º - São deveres do Assistente Social nas suas relações com os usuários:
a- Discutir com os usuários seus direitos e os mecanismos a serem adotados na sua
efetivação e em novas conquistas;
b- Refletir com os usuários os limites de sua atuação profissional no sentido de
dimensionar as possibilidades reais de sua prática no encaminhamento das lutas
conjuntas, bem como identificar os mecanismos de superação dos mesmos;
c- Contribuir para que os usuários utilizem os recursos institucionais como um direito
conquistado pela classe trabalhadora;
d- Criar, na discussão conjunta, mecanismos, que venham desburocratizar a relação
com os usuários no sentido de agilizar e melhorar os serviços prestados;
e- Privilegiar práticas coletivas com os usuários no sentido de possibilitar a sua
participação no processo de decisão e gestão institucional;
f- Discutir com os usuários sobre a utilização dos recursos sociais, para evitar
deslocamentos desnecessários na busca de atendimento às suas necessidades;
g- Refletir com os usuários sobre a importância de seu engajamento em movimentos
populares e/ou órgãos representativos da classe trabalhadora;
h- Respeitar, no relacionamento com o usuário, o seu direito à tomada de decisões, o
saber popular e a autonomia dos movimentos e organizações da classe trabalhadora.
Art. 7º - É vedado ao Assistente Social:
a- Exercer sua autoridade de forma a limitar ou cercear o direito de participação e
decisão dos usuários;
b- Bloquear o acesso dos usuários aos serviços sociais oferecidos pelas instituições
através de atitudes que venham coagir e/ou desrespeitar aqueles que buscam o
atendimento de seus direitos sociais.
CAPÍTULO II
DAS RELAÇÃOES COM AS INSTITUIÇÕES
Art. 8º - São direitos do Assistente Social:
a- Administrar, executar e repassar os serviços sociais, influenciando para o
fortalecimento de novas demandas de interesse dos usuários;
b- Contribuir para alteração da correlação de forças do interior da instituição para
reformulação de sua natureza, estrutura e programa tendo em vista os interesses da
classe trabalhadora.
Art. 9º - O Assistente Social no exercício de sua profissão em entidade pública ou
privada terá a garantia de condições adequadas de trabalho, o respeito a sua autonomia
profissional e dos princípios éticos estabelecidos.
Art. 10º - Constituem deveres do Assistente Social na relação com a instituição:
a- Atender às demandas institucionais em termos de programar, administrar, executar e
repassar os serviços sociais aos usuários;
b- Denunciar falhas nos regulamentos, normas e programas da instituição em que
trabalha, quando os mesmos estiverem ferindo os princípios e diretrizes contidos neste
Código, as necessidades, os direitos e os interesses da classe trabalhadora;
c- Dirigir-se, obrigatoriamente, ao Conselho Regional de Assistentes Sociais, às demais
entidades da categoria e a outras que a matéria disser respeito, quando não encontrar
ressonância na instituição em termos de modificação das falhas apontadas.
Art. 11º - É vedado ao Assistente Social:
a- Aceitar emprego ou tarefa de colega exonerado, demitido ou transferido em razão do
cumprimento das prerrogativas legais da profissão e/ou dos princípios e diretrizes
contidos neste Código, enquanto perdurar o motivo da exoneração, demissão ou
transferência;
b- Acatar determinação patronal que fira os princípios e diretrizes contidos neste
Código, ao prestar serviços com qualquer tipo de vínculo;
c- Emprestar seu nome de Assistente Social a firmas, organizações ou empresas que
realizem Serviço Social, sem seu efetivo exercício profissional;
d- Usar ou permitir o tráfico de influência para obtenção de emprego, desrespeitando
concurso ou processos seletivos;
e- Utilizar os recursos institucionais para fins eleitorais.
CAPÍTULO III
DAS RELAÇÕES ENTRE PROFISSIONAIS DE SERVIÇO SOCIAL
Art. 12º - Cabe aos Assistentes Sociais manterem entre si a solidariedade que consolida
a categoria e fortalece a sua organização.
Art. 13º - O Assistente Social, quando solicitado deverá colaborar com seus colegas,
salvo impossibilidade real, decorrente de motivos relevantes.
Art. 14º - A crítica pública a colega deverá ser sempre objetiva, construtiva,
comprovável de inteira responsabilidade de seu autor e fundamentada nos preceitos
deste Código.
Art. 15º - É vedado ao Assistente Social:
a- Ser conveniente com falhas éticas e com erros praticados por outro profissional;
b- Prejudicar deliberadamente a reputação de outro profissional divulgando
informações falsas.
Art. 16º - Ao Assistente Social deve ser assegurada a mais ampla liberdade na
realização de seus estudos e pesquisas, resguardados os direitos de participação de
pessoas ou grupos envolvidos em seus trabalhos.
Art. 17º - É vedado ao Assistente Social:
a- Prevalecer de posição hierárquica para publicar, em seu nome, trabalhos de
subordinados, mesmo que executado sob sua orientação;
b- Deturpar dados quantitativos e/ou qualitativos;
c- Apropriar-se de produção cientifica de outros profissionais.
Art. 18º - O Assistente Social, ao ocupar uma chefia, deve usar a sua autoridade
funcional para a liberação, total ou parcial de carga horária de subordinado que desejar
se dedicar a estudos e pesquisas relacionadas à prática profissional, dando igual
oportunidade a todos.
Art. 19º - É vedado ao Assistente Social:
a- Permitir ou exercer a supervisão de aluno de Serviço Social em Instituições
Públicas ou Privadas que não tenham em seus quadros Assistente Social que dê
acompanhamento direto ao campo de estágio;
b- Ser conivente com o exercício de função de direção de órgãos formadores de
Assistentes Sociais por outros profissionais.
Art. 20º - O Assistente Social deve respeitar as normas éticas das outras profissões.
CAPÍTULO IV
DAS RELAÇÕES COM AS ENTIDADES DA CATEGORIA E
DEMAIS
ORGANIZAÇÕES DA CLASSE TRABALHADORA
Art. 21º - O Assistente Social deve defender a profissão através de suas entidades
representativas, participando das organizações que tenham por finalidade a defesa dos
direitos profissionais, no que se refere à melhoria das condições de trabalho, à
fiscalização do exercício profissional e ao aprimoramento científico.
Art. 22º - O Assistente Social deverá apoiar as iniciativas e os movimentos de defesa
dos interesses da categoria e divulgar no espaço institucional as informações das suas
organizações, no sentido de ampliar e fortalecer o seu movimento.
Art. 23 º - É vedado ao Assistente Social valer-se de posição ocupada na direção de
Entidade da categoria para obter vantagens pessoais, diretamente ou através de
terceiros.
Art. 24º - O Assistente Social ao ocupar uma chefia deve usar a sua autoridade
funcional para liberação total ou parcial da carga horária de subordinado que tenha
representação ou delegação de entidade de organização da categoria.
Art. 25º - O Assistente Social como profissional e na sua prática social mais geral deve
apoiar e/ou participar dos movimentos sociais e organizações da classe trabalhadora que
estejam relacionados ao campo de sua atividade profissional, procurando colocar os
recursos institucionais a seu serviço.
CAPÍTULO V
DAS RELAÇÕES COM A JUSTIÇA
Art. 26º - O Assistente Social no exercício legal da profissão, quando convocado, deve
esclarecer à Justiça em matéria de sua competência, de acordo com a legislação básica
da profissão.
§1º - O Assistente Social deve informar os usuários acerca do sentido e finalidade
de sua atuação no desempenho de tarefa de caráter pericial.
§2º - O Assistente Social ao atuar como perito deve limitar seu pronunciamento a
laudos pertinentes a área de suas atribuições, seguindo as diretrizes deste Código.
§3º - O Assistente Social deve considerar-se impedido de atuar em processos de
perícias quando a situação não se caracterizar como área de sua competência ou
quando se tratar de questão que envolva amigo, inimigo ou membro da própria
família.
TÍTULO IV
DA OBSERVÂNCIA, APLICAÇÃO E CUMPRIMENTO
DO CÓDIGO DE ÉTICA
Art. 27º - É dever de todo Assistente Social cumprir e fazer cumprir este Código.
Art. 28º - O Assistente Social deve denunciar ao Conselho Regional de Assistentes
Sociais, através de comunicação fundamentada, qualquer forma de exercício irregular
da profissão, infrações a princípios e diretrizes deste Código e da legislação
profissional.
Art. 29º - Cabe aos Assistentes Sociais docentes e supervisores informar, esclarecer e
orientar os estudantes, quanto aos princípios e normas contidas neste Código.
Art. 30º - As infrações a este Código de Ética Profissional acarretarão penalidades,
desde a advertência à cassação do exercício profissional, na forma dos dispositivos
legais e/ou regimentais.
Art. 31º - Constituem infrações disciplinares:
a- Transgredir preceito do Código de Ética;
b- Exercer a profissão quando impedido, ou facilitar o seu exercício por quem não
esteja devidamente habilitado;
c- Participar de sociedade que tendo como objeto o Serviço Social, não esteja
regularmente inscrito no Conselho;
d- Não pagar regulamente as anuidades.
Art. 32º - São medidas disciplinares aplicáveis pelos Conselhos Regionais:
a- multa;
b- advertência em aviso reservado;
c- advertência pública;
d- suspensão do exercício profissional;
e- eliminação dos quadros.
Art. 33º - A pena de multa variará de 1 (um) até 10 (dez) Obrigações do Tesouro
Nacional (OTN).
Art. 34º - A pena de advertência, reservada ou pública, será aplicada nos casos previstos
nas alíneas a, b e c do artigo 31º.
Art. 35º - A pena de suspensão será aplicada:
a- nos casos em que couber advertência pública e o autor da infração disciplinar for
reincidente;
b- aos que violarem sigilo profissional;
c- aos que tenham conduta incompatível com o exercício profissional;
d- aos que demonstrem inépcia profissional;
e- na hipótese prevista na alínea d do artigo 31º.
Art. 36º - A pena de eliminação dos quadros será aplicada:
a- nos casos em que couber a pena de suspensão e o infrator for reincidente;
b- aos que fizerem falsa prova dos requisitos exigidos para registro no Conselho;
c- aos que, suspensos por falta de pagamento das anuidades, deixarem transcorrer 3
(três) anos de suspensão.
Art. 37º - Serão considerados na aplicação das penas os antecedentes profissionais do
infrator e as circunstâncias em que ocorreu a infração.
Art. 38º - Às pessoas jurídicas que infringirem, no que couber, os princípios e diretrizes
contidos neste Código serão aplicadas as penas de multa ou cancelamento do registro.
Às multas serão, nesta hipótese, fixadas entre o mínimo de 20 (vinte) e o máximo de
100 (cem) Obrigações do Tesouro Nacional (OTN).
Art. 39º - As dúvidas na observância deste Código e os casos omissos, serão resolvidos
pelos Conselhos Regionais de Assistentes Sociais “ad referendum” do Conselho Federal
de Assistentes Sociais, a quem cabe firmar jurisprudência conforme alínea “c” do artigo
1º.
Art. 40º - O presente Código entrará em vigor na data de sua publicação no Diário
Oficial da União, revogando-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro 09 de maio de 1986.
Publicado no Diário Oficial da União nº 101, do 02/06/86, Seção I, páginas 7951 e
7952.
CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL
(Aprovado em 13 de março de 1993, com as alterações
introduzidas pelas Resoluções CFESS Nº 290/04 e 293/94)
RESOLUÇÃO CFESS Nº 273/93 DE 13 DE MARÇO DE 1993
(Institui o Código de Ética Profissional dos
Assistentes Sociais e dá outras providências)
A presidente do Conselho Federal de Serviço Social – CFESS, no uso de suas
atribuições legais e regimentais, e de acordo com a deliberação do Conselho Pleno, em
reunião ordinária, realizada em Brasília, em 13 de março de 1993;
Considerando a avaliação da categoria e das entidades do Serviço Social de que
o Código homologado em 1986 apresenta insuficiências;
Considerando as exigências de normatização específicas de um Código de Ética
Profissional e sua real operacionalização;
Considerando o compromisso da gestão 90/93 do CFESS quanto à necessidade
de revisão do Código de Ética;
Considerando a posição amplamente assumida pela categoria de que as
conquistas políticas expressas no Código de 1986 devem ser preservadas;
Considerando os avanços nos últimos anos ocorridos nos debates e produções
sobre a questão ética, bem como o acúmulo de reflexões existentes sobre a matéria;
Considerando a necessidade de criação de novos valores éticos, fundamentados
na definição mais abrangente, de compromisso com os usuários, com base na liberdade,
democracia, cidadania, justiça e igualdade social;
Considerando que o XXI Encontro Nacional CFESS/CRESS referendou a
proposta de reformulação apresentada pelo Conselho Federal de Serviço Social;
RESOLVE:
Art. 1º - Instituir o Código de Ética Profissional do Assistente Social em anexo.
Art. 2º - O Conselho Federal de Serviço Social – CFESS, deverá incluir nas Carteiras de
Identidade Profissional o inteiro teor do Código de Ética.
Art. 3º - Determinar que o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Serviço
Social procedam imediata e ampla divulgação do Código de Ética.
Art. 4º - A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação no Diário
Oficial da União, revogadas as disposições em contrário, em especial, a Resolução
CFESS nº 195/86, de 09/05/1986.
Brasília 13 de março de 1993.
MARLISE VINAGRE SILVA
A.S. CRESS Nº 3578 7º Região/RJ
Presidente da CFESS
INTRODUÇÃO
A história recente da sociedade brasileira, polarizada pela luta dos setores
democráticos contra a ditadura e, em seguida, pela consolidação das liberdades
políticas, propiciou uma rica experiência para todos os sujeitos sociais. Valores e
práticas até então secundarizados (a defesa dos direitos civis, o reconhecimento positivo
das peculiaridades individuais e sociais, o respeito a diversidade etc.) adquiriram novos
estatutos, adensando o elenco de reivindicações da cidadania. Particularmente para as
categorias profissionais, esta experiência ressituou as questões do seu compromisso
ético-político e da avaliação da qualidade dos seus serviços.
Nestas décadas, o Serviço Social experimentou no Brasil um profundo processo
de renovação. Na intercorrência de mudanças ocorridas na sociedade brasileira com o
próprio acúmulo profissional, o Serviço Social se desenvolveu teórica e praticamente,
laicizou-se, diferenciou-se e, na entrada dos anos noventa, apresenta-se como profissão
reconhecida academicamente e legitimada socialmente.
A dinâmica deste processo - que conduziu à consolidação profissional do
Serviço Social materializou-se em conquistas teóricas e ganhos práticos que se
revelaram diversamente no universo profissional. No plano da reflexão e da
normatização ética, o Código de Ética Profissional de 1986 foi uma expressão daquelas
conquistas e ganhos, através de dois procedimentos: negação da base filosófica
tradicional, nitidamente conservadora, que norteava a “ética da neutralidade”, e
afirmação de um novo perfil do técnico, não mais um agente subalterno e apenas
executivo, mas um profissional competente teórica, técnica e politicamente.
De fato, construía-se um projeto profissional que, vinculado a um projeto social
radicalmente democrático, redimensionava a inserção do Serviço Social na vida
brasileira, compromissando-o com os interesses históricos da massa da população
trabalhadora. O amadurecimento deste projeto profissional, mais as alterações
ocorrentes na sociedade brasileira (com destaque para a ordenação jurídica consagrada
na Constituição de 1988), passou a exigir uma melhor explicitação do sentido imanente
do Código de 1986. Tratava-se de objetivar com mais rigor as implicações dos
princípios mais adequadamente os seus parâmetros éticos quanto para permitir uma
melhor instrumentalização deles na prática cotidiana do exercício profissional.
A necessidade da revisão do Código de 1986 vinha sendo sentida nos
organismos profissionais desde fins dos anos oitenta. Foi agendada na plataforma
programática da gestão 1990/1993 do CFESS. Entrou na ordem do dia com o I
Seminário Nacional de Ética (agosto de 1991), perpassou o VII CBAS (maio de 1992) e
culminou no II Seminário Nacional de Ética (novembro de 1992), envolvendo, além do
conjunto CFESS/CRESS, a ABESS, a ANAS e a SESSUNE. O grau de ativa
participação de Assistentes Sociais de todo o país assegura que este novo Código,
produzido no marco do mais abrangente debate da categoria, expressa as aspirações
coletivas dos profissionais brasileiros.
A revisão do texto de 1986 processou-se em dois níveis. Reafirmando os seus
valores fundantes - a liberdade e a justiça social -, articulou-os a partir da exigência
democrática: a democracia é tomada como valor ético-político central, na medida em
que é o único padrão de organização político-social capaz de assegurar a explicitação
dos valores essenciais da liberdade e da equidade. É ela, ademais, que favorece a
ultrapassagem das limitações reais que a ordem burguesa impõe ao desenvolvimento
pleno da cidadania, dos direitos e garantias individuais e sociais, e das tendências à
autonomia e à autogestão social. Em segundo lugar, cuidou-se de precisar a
normatização do exercício profissional, de modo a permitir que aqueles valores sejam
retraduzidos no relacionamento entre Assistentes Sociais, instituições/organizações e
população, preservando-se os direitos e deveres profissionais, a qualidade dos serviços e
a responsabilidade diante do usuário.
A revisão a que se procedeu, compatível com o espírito do texto de 1986, partiu
da compreensão de que a ética deve ter como suporte uma ontologia do ser social: os
valores são determinações da prática social, resultantes da atividade criadora tipificada
no processo de trabalho. É mediante o processo de trabalho que o ser social se constitui,
se instaura como distinto do ser natural, dispondo de capacidade teleológica, projetiva,
consciente; é por esta socialização que ele se põe como ser capaz de liberdade. Esta
concepção já contém, em si mesma, uma projeção de sociedade - aquela em que se
propicie aos trabalhadores um pleno desenvolvimento para a invenção e vivência de
novos valores, o que, evidentemente, supõe a erradicação de todos os processos de
exploração, opressão e alienação. É ao projeto social aí implicado que se conecta o
projeto profissional do Serviço Social - e cabe pensar a ética como pressuposto teóricopolítico que remete para o enfrentamento das contradições postas à Profissão, a partir de
uma visão crítica, e fundamentada teoricamente, das derivações ético-políticas do agir
profissional.
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
- Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela
inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;
- Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo;
- Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda
sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes
trabalhadoras;
- Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação
política e da riqueza socialmente produzida;
- Posicionamento em favor da eqüidade e justiça social, que assegure universalidade
de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua
gestão democrática;
- Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à
diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das
diferenças;
- Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais democráticas
existentes e suas expressões teóricas, e compromisso com o constante aprimoramento
intelectual;
- Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova
ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero;
- Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos
princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores;
- Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o
aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional;
- Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de
inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, ideal e
condição física.
TÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º - Compete ao Conselho Federal de Serviço Social:
a) zelar pela observância dos princípios e diretrizes deste Código, fiscalizando as ações
dos Conselhos Regionais e a prática exercida pelos profissionais, instituições e
organizações na área do Serviço Social;
b) introduzir alterações neste Código, através de uma ampla participação da categoria,
num processo desenvolvido em ação conjunto com os Conselhos Regionais;
c) como Tribunal Superior de Ética Profissional, firmar jurisprudência na observância
deste Código e nos casos omissos.
§único - compete aos Conselhos Regionais, nas áreas de suas respectivas
jurisdições, zelar pela observância dos princípios e diretrizes deste Código, e
funcionar como órgão julgador de primeira instância.
TÍTULO II
DOS DIREITOS E DAS RESPONSABILIDADES GERAIS
DO ASSISTENTE SOCIAL
Art. 2º - Constituem-se direitos do Assistente Social:
a) garantia e defesa de suas atribuições e prerrogativas, estabelecidas na Lei de
Regulamentação da Profissão e dos princípios firmados neste Código;
b) livre exercício das atividades inerentes à Profissão;
c) participação na elaboração e gerenciamento das políticas sociais; e na formulação e
implementação de programas sociais;
d) inviolabilidade do local de trabalho e respectivos arquivos e documentação,
garantindo o sigilo profissional;
e) desagravo público por ofensa que atinja a sua honra profissional;
f) aprimoramento profissional de forma contínua, colocando-o a serviço dos princípios
deste Código;
g) pronunciamento em matéria de sua especialidade, sobretudo quando se tratar de
assuntos de interesse da população;
h) ampla autonomia no exercício da Profissão, não sendo obrigado a prestar serviços
profissionais incompatíveis com as suas atribuições, cargos ou funções;
i) liberdade na realização de seus estudos e pesquisas, resguardados os direitos de
participação de indivíduos ou grupos envolvidos em seus trabalhos.
Art. 3º - São deveres do Assistente Social:
a) desempenhar suas atividades profissionais, com eficiência e responsabilidade,
observando a legislação em vigor;
b) utilizar seu número de registro no Conselho Regional no exercício da Profissão;
c) abster-se, no exercício da Profissão, de práticas que caracterizam a censura, o
cerceamento da liberdade, o policiamento dos comportamentos, denunciando sua
ocorrência aos órgãos competentes;
d) participar de programas de socorro à população em situação de calamidade pública,
no atendimento e defesa de seus interesses e necessidades.
Art. 4º - É vedado ao Assistente Social:
a) transgredir qualquer preceito deste Código, bem como da Lei de Regulamentação da
Profissão;
b) praticar e ser conivente com condutas anti-éticas, crimes ou com base nos princípios
deste Código, mesmo que estes sejam praticados por outros profissionais;
c) acatar determinação institucional que fira os princípios e diretrizes deste Código;
d) compactuar com o exercício ilegal da Profissão, inclusive nos casos de estagiários
que exerçam atribuições específicas, em substituição aos profissionais;
e) permitir ou exercer a supervisão de aluno de Serviço Social em instituições públicas
ou privadas, que não tenham em seu quadro assistente social que realize
acompanhamento direto ao aluno estagiário;
f) assumir responsabilidade por atividade para as quais não esteja capacitado pessoal e
tecnicamente;
g) substituir profissional que tenha sido exonerado por defender os princípios da Ética
Profissional, enquanto perdurar o motivo da exoneração, demissão ou transferência;
h) pleitear para si ou para outrem emprego, cargo ou função que estejam sendo
exercidos por colega;
i) adulterar resultados e fazer declarações falaciosas sobre situações ou estudos de que
tome conhecimento;
j) assinar ou publicar em seu nome ou de outrem trabalhos de terceiros, mesmo que
executados sob sua orientação.
TÍTULO III
DAS RELAÇÕES PROFISSIONAIS
CAPÍTULO I
DAS RELAÇÕES COM OS USUÁRIOS
Art. 5º - São deveres do Assistente Social nas suas relações com os usuários:
a) contribuir para a viabilização da participação efetiva da população usuária nas
declarações institucionais;
b) garantir a plena informação e discussão sobre as possibilidades e conseqüências das
situações apresentadas, respeitando democraticamente as decisões dos usuários, mesmo
que sejam contrárias aos valores e às crenças individuais dos profissionais,
resguardados os princípios deste Código;
c) democratizar as informações e o acesso aos programas disponíveis no espaço
institucional, como um dos mecanismos indispensáveis à participação dos usuários;
d) devolver as informações colhidas nos estudos e pesquisas aos usuários, no sentido de
que estes possam usá-los para o fortalecimento dos seus interesses;
e) informar à população usuária sobre a utilização de materiais de registro áudio-visual
e pesquisas a elas referentes e a forma de sistematização dos dados obtidos;
f) fornecer à população usuária, quando solicitado, informações concernentes ao
trabalho desenvolvido pelo Serviço Social e as suas conclusões, resguardado o sigilo
profissional;
g) contribuir para a criação de mecanismos que venham desburocratizar a relação com
os usuários, no sentido de agilizar e melhorar os serviço prestados;
h) esclarecer aos usuários, ao iniciar o trabalho, sobre os objetivos e a amplitude de sua
atuação profissional.
Art. 6º - É vedado ao Assistente Social:
a) exercer sua autoridade de maneira a limitar ou cercear o direito do usuário de
participar e decidir livremente sobre seus interesses;
b) aproveitar-se de situações decorrentes da relação Assistente Social - usuário, para
obter vantagens pessoais ou para terceiros;
c) bloquear o acesso dos usuários aos serviços oferecidos pelas instituições, através de
atitudes que venham coagir e/ou desrespeitar aqueles que buscam o atendimento de seus
direitos.
CAPÍTULO II
DAS RELAÇÕES COM AS INTITUIÇÕES EMPREGADORAS E OUTRAS
Art. 7º - Constituem direitos do Assistente Social:
a) dispor de condições de trabalho condignas, seja em entidade pública ou privada, de
forma a garantir a qualidade do exercício profissional;
b) ter livre acesso à população usuária;
c) ter acesso a informações institucionais que se relacionem aos programas e políticas
sociais, e sejam necessárias ao pleno exercício das atribuições profissionais;
d) integrar comissões interdisciplinares de ética nos locais de trabalho do profissional,
tanto no que se refere à avaliação da conduta profissional, como em relação às decisões
quanto às políticas institucionais.
Art. 8º - São deveres do Assistente Social:
a) programar, administrar, executar e repassar os serviços sociais assegurados
institucionalmente;
b) denunciar falhas nos regulamentos, normas e programas da instituição em que
trabalha, quando os mesmos estiverem ferindo os princípios e diretrizes desse Código,
mobilizando, inclusive, o Conselho Regional, caso se faça necessário;
c) contribuir para a alteração da correlação de forças institucionais, apoiando as
legítimas demandas de interesse da população o usuária;
d) empenhar-se na viabilização dos direitos sociais dos usuários, através dos programas
e políticas sociais;
e) empregar com transparência as verbas sob a sua responsabilidade, de acordo com os
interesses e necessidades coletivas dos usuários.
Art. 9º - É vedado ao Assistente Social:
a) emprestar seu nome e registro profissional a firmas, organizações ou empresas para
simulação do exercício efetivo do Serviço Social;
b) usar ou permitir o tráfico de influência para obtenção de emprego, desrespeitando
concurso ou processos seletivos;
c) utilizar recursos institucionais (pessoal e/ou financeiro) para fins partidários,
eleitorais e clientelistas.
CAPÍTULO III
DAS RELAÇÕES COM ASSISTENTES SOCIAIS E OUTROS
PROFISSIONAIS
Art. 10º - São deveres do Assistente Social:
a) ser solidário com os outros profissionais, sem, todavia, eximir-se de denunciar atos
que contrariem os postulados éticos contidos neste Código;
b) repassar ao seu substituto as informações necessárias à continuidade do trabalho;
c) mobilizar sua autoridade funcional, ao ocupar uma chefia, para a liberação de carga
horária de subordinado, para fins de estudos e pesquisas que visem ao aprimoramento
profissional, bem como de representação ou delegação de entidade de organização da
categoria e outras, dando igual oportunidade a todo;
d) incentivar, sempre que possível, a prática profissional interdisciplinar;
e) respeitar as normas e princípios éticos das outras profissões;
f) ao realizar crítica pública a colega e outros profissionais, fazê-lo sempre de maneira
objetiva, construtiva e comprovável, assumindo sua inteira responsabilidade.
Art. 11º - É vedado ao Assistente Social:
a) intervir na prestação de serviços que estejam sendo efetuados por outro profissional,
salvo a pedido desse profissional; em caso de urgência, seguido da imediata
comunicação ao profissional; ou quando se tratar de trabalho multiprofissional e a
intervenção fizer parte da metodologia adotada;
b) prevalecer-se de cargo de chefia para atos discriminatórios e de abuso de autoridade;
c) ser conivente com falhas éticas de acordo com os princípios deste Código e com
erros técnicos praticados por Assistente Social e qualquer outro profissional;
d) prejudicar deliberadamente o trabalho e a reputação de outro profissional.
CAPÍTULO IV
DAS RELAÇÕES COM ENTIDADES DA CATEGORIA E
DEMAIS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL
Art. 12º - Constituem direitos do Assistente Social:
a) participar em sociedades científicas e em entidades representativas e de organização
da categoria que tenham por finalidade, respectivamente, a produção de conhecimento,
a defesa e a fiscalização do exercício profissional;
b) apoiar e/ou participar dos movimentos sociais e organizações populares vinculados à
luta pela consolidação e ampliação da democracia e dos direitos de cidadania.
Art. 13º - São deveres do Assistente Social:
a) denunciar ao Conselho Regional as instituições públicas ou privadas, onde as
condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar os usuários ou
profissionais;
b) denunciar no exercício da Profissão, às entidades de competentes, casos de violação
da Lei e dos Direitos Humanos, quanto a: corrupção, maus tratos, torturas, ausência de
condições mínimas de sobrevivência, discriminação, preconceito, abuso de autoridade
individual e institucional, qualquer forma de agressão ou falta de respeito à integridade
física, social e mental do cidadão;
c) respeitar a autonomia dos movimentos populares e das organizações das classes
trabalhadoras.
Art. 14º - É vedado ao Assistente Social valer-se de posição ocupada na direção de
entidade da categoria para obter vantagens pessoais, diretamente ou através de
terceiros.
CAPÍTULO V
DO SIGILO PROFISSIONAL
Art. 15º - Constitui direito do Assistente Social manter o sigilo profissional.
Art. 16º - O sigilo protegerá o usuário em tudo aquilo de que o Assistente Social
tome conhecimento, como decorrência do exercício da atividade profissional.
§único – Em trabalho multidisciplinar só poderão ser prestadas informações
dentro dos limites do estritamente necessário.
Art. 17º - É vedado ao Assistente Social revelar sigilo profissional.
Art. 18º - A quebra do sigilo só é admissível, quando se tratarem de situações cuja
gravidade possa, envolvendo ou não o fato delituoso, trazer prejuízo aos interesses
do usuário, de terceiros e da coletividade.
§único – A revelação será feita dentro do estritamente necessário, quer em relação
ao assunto revelado, quer em grau e número de pessoas que dele devam tomar
conhecimento.
CAPÍTULO VI
DAS RELAÇÕES DO ASSISTENTE SOCIAL COM A JUSTIÇA
Art. 19º - São deveres do Assistente Social:
a) apresentar à Justiça, quando convocado na qualidade de perito ou testemunha, as
conclusões do seu laudo ou depoimento, sem extrapolar o âmbito da competência
profissional e violar os princípios éticos contidos neste Código;
b) comparecer perante a autoridade competente, quando intimado a prestar depoimento,
para declarar que está obrigado a guardar sigilo profissional nos termos deste Código e
da Legislação em vigor.
Art. 20º - É vedado ao Assistente Social:
a) depor como testemunha sobre situação sigilosa do usuário de que tenha
conhecimento no exercício profissional, mesmo quando autorizado;
b) aceitar nomeação como perito e/ou atuar em perícia quando a situação não se
caracterizar como área de sua competência ou de sua atribuição profissional, ou quando
infringir os dispositivos legais relacionados a impedimentos ou suspeição.
TÍTULO IV
DA OBSERVÂNCIA, PENALIDADES, APLICAÇÃO E
CUMPRIMENTO DESTE CÓDIGO
Art. 21º - São deveres do Assistente Social:
a) cumprir e fazer cumprir este Código;
b) denunciar ao Conselho Regional de Serviço Social, através de comunicação
fundamentada, qualquer forma de exercício irregular da Profissão, infrações a princípios
e diretrizes deste Código e da Legislação Profissional;
c) informar, esclarecer e orientar os estudantes, na docência ou supervisão, quanto aos
princípios e normas contidas neste Código.
Art. 22º - Constituem infrações disciplinares:
a) exercer a profissão quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o
seu exercício aos não inscritos ou impedidos;
b) não cumprir, no prazo estabelecido, determinação emanada do órgão ou autoridade
dos Conselhos, em matéria destes, depois de regularmente notificado;
c) deixar de pagar, regularmente, as anuidades e contribuições devidas ao Conselho
Regional de Serviço Social a que esteja obrigado;
d) participar de instituição que, tendo por objeto o Serviço Social, não esteja inscrita no
conselho Regional;
e) fazer ou apresentar, declaração, documento falso ou adulterado, perante o Conselho
Regional ou Federal.
Das penalidades
Art. 23º - As infrações a este Código acarretarão penalidades, desde a multa à
cassação do exercício profissional, na forma dos dispositivos legais e/ou
regimentais.
Art. 24º - As penalidades aplicáveis são as seguintes:
a) multa;
b) advertência reservada;
c) advertência pública;
d) suspensão do exercício profissional;
e) cassação do registro profissional;
§único: Serão eliminados dos quadros dos CRESS, aqueles que fizerem falsa
prova dos requisitos exigidos nos Conselhos.
Art. 25º - A pena de suspensão acarreta ao Assistente Social a interdição do
exercício profissional em todo o território nacional, pelo prazo de 30 (trinta) a 90
(noventa) dias.
§único – A suspensão por falta de pagamento de anuidades e taxas só cessará com
a satisfação do débito, podendo ser cassada a inscrição profissional, após
decorridos três anos da suspensão.
Art. 26º - Serão considerados, na aplicação das penas, os antecedentes profissionais
do infrator e as circunstâncias em que ocorreu a infração.
Art. 27º - Salvo nos casos de gravidade manifesta, que exigem aplicação de
penalidades mais rigorosas, a imposição das penas obedecerá à graduação
estabelecida pelo artigo 24.
Art. 28º - Para efeito da fixação da pena, serão considerados especialmente graves
as violações que digam respeito às seguintes disposições:
Art. 3º - alínea c
Art. 4º - alínea a, b, c, g, i, j
Art. 5º - alínea b, f
Art. 6º - alínea a, b, c
Art. 8º - alínea b, e
Art. 9º - alínea a, b, c
Art. 11º - alínea b, c, d
Art. 13º - alínea b
Art. 14º
Art. 16º
Art. 17º
Parágrafo único do Art. 18
Art. 19º - alínea b
Art. 20º - alínea a, b
§único – As demais violações não previstas no “caput”, uma vez consideradas
graves, autorizarão aplicação de penalidades mais severas, em conformidade com
o Art. 26.
Art. 29º - A advertência reservada, ressalvada a hipótese prevista no art. 32, será
confidencial; sendo que a advertência pública, a suspensão e a cassação do
exercício profissional serão efetivadas através de publicação em Diário Oficial e em
outro órgão da imprensa, e afixados na sede do Conselho Regional onde estiver
inserido o denunciado e na Delegacia Seccional do CRESS da jurisdição de seu
domicílio.
Art. 30º - Cumpre ao Conselho Regional a execução das decisões proferidas nos
processos disciplinares.
Art. 31º - Da imposição de qualquer penalidade caberá recurso com efeito
suspensivo ao CFESS.
Art. 32º - A punibilidade do Assistente Social, por falta sujeita a processo ético e
disciplinar, prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da verificação do fato
respectivo.
Art. 33º - Na execução da pena de advertência reservada, não sendo encontrado o
penalizado ou se este, após duas convocações, não comparecer no prazo fixado
para receber a penalidade, será ela tomada pública.
§ Primeiro: A pena de multa, ainda que o penalizado compareça para tomar
conhecimento da decisão, será publicada nos termos do art. 29 deste Código, se
não for devidamente quitada no prazo de 30 (trinta) dias, sem prejuízo da
cobrança judicial.
§ Segundo: Em caso de cassação do exercício profissional, além dos editais e das
comunicações feitas às autoridades competentes interessadas no assunto,
proceder-se-á a apreensão da Carteira e Cédula de Identidade Profissional do
Infrator.
Art. 34º - A pena de multa variará entre o mínimo correspondente ao valor de uma
anuidade e o máximo do seu décuplo.
Art. 35º - As dúvidas na observância deste Código e os casos omissos serão
resolvidos pelos Conselhos Regionais de Serviço Social “ad referendum” do
Conselho Federal de Serviço Social, a quem cabe firmar jurisprudência.
Art. 36º - O presente Código entrará em vigor na data de sua publicação no Diário
Oficial da União, revogando-se as disposições em contrário.
Brasília, 13 de março de 1993
Marlise Vinagre Silva
Presidente do CFESS
Publicado no Diário Oficial da União nº 60, de 30/03/1993, Seção 1, págs. 4004 a 4007
e alterado pela Resolução CFESS nº 290, publicada no Diário Oficial da União de
11/02/1994.
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