Texto e fotos: Cláudia Chagas (ASCOM/RJ) Em uma manhã chuvosa de quinta-feira, o clima estava quente no Hospital Federal da Lagoa (HFL). O balanço das composições de Tim Maia, aquecia a alma, aliviava as dores e estimulava sorrisos em um lugar quase sempre associado ao sofrimento. Um cortejo musical comandado por uma garotada sorridente - alunos do projeto de extensão Hospital como Universo Cênico, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) – circulava pelo hospital levando música, teatro, alegria e um pouco de alívio para a difícil rotina daqueles que lutam para recuperar a saúde. ALUNOS E PROFESSORES DA UNIRIO E DA UNIVERSIDADE DE MICHIGAN Pelo caminho, o grupo canta, representa, conta histórias, faz piadas, chama para dançar e simula ‘exames’ e dá ‘diagnósticos’. Em comum, a boa receptividade nos corredores, enfermarias e salas de procedimentos. Entre uma plateia diversificada de crianças, jovens, adultos, idosos, tímidos e extrovertidos, os artistas muitas vezes se deparam com o desabafo: “estou em tratamento há anos, meu olho direito, meu lado direito não funcionam”, diz uma paciente da quimioterapia. Em troca, recebe música, carinho e o ‘diagnóstico’: ‘Os grandes feitos são conseguidos não pela força, mas pela perseverança’. “No nosso projeto, os artistas vêm com o rosto sem pintura, não tem um personagem, não tem caracterização, a abordagem é inter-relacional, é olho no olho, direta, em que a gente chega muito exposto”, explica Miguel Vellinho, coordenador do projeto da Escola de Teatro da UNIRIO. Apesar dos momentos difíceis, ele garante que o grupo tem uma recepção sempre afetiva e calorosa, seja de crianças, adultos e pacientes em estado bastante fragilizado. “Agente sai daqui exausto, mas uma exaustão completamente diferente da que a gente conhece”. Para os pacientes, a passagem do cortejo leva distração, alegria e esperança. Intercâmbio - A importância do trabalho do grupo, seja para os pacientes, seja para os próprios estudantes, atravessou fronteiras. Na quinta-feira 19/05, a performance dos alunos da UNIRIO foi acompanhada por uma turma de teatro da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, que mantém um intercâmbio acadêmico e artístico com a instituição de ensino brasileira. Os estudantes americanos que fazem parte do programa ‘Prison Creative Arts Projects’, coordenado pela professora Ashley Lucas, visitaram corredores e enfermarias e puderam vivenciar a interatividade entre artista e paciente num ambiente hospitalar. Apesar de atuarem em áreas diferentes – os americanos promovem workshops de atividades artísticas com detentos adultos e jovens e ex-prisioneiros - a professora Lucas vê um ponto em comum entre as duas iniciativas. “É um trabalho muito diferente, mas com espírito similar. Nosso intercâmbio me dá muito alegria, por que não me sinto sozinha no mundo quando estou aqui.” O cortejo artístico das quintas-feiras é apenas um dos projetos promovidos pelo Lagoa Voluntário. O setor, criado em 2005 pela assistente social Sandra Pacheco, atendendo a uma iniciativa da diretora Roberli Bicharra, promove uma variedade de atividades que visam à humanização no atendimento ao paciente e nos processos de trabalho, e de forma extensiva aos funcionários da unidade. Hoje, sob coordenação do médico Paulo Cesar Cerdeira Campos, mestre em Ensino de Biociências e Saúde, pela Fiocruz, com o auxílio da psicóloga Cristiane Albuquerque, o setor reúne cerca de 60 voluntários que atuam desde o acolhimento de pacientes, visitantes e acompanhantes, até a interação de pacientes com animais, como acontece nas sessões de zooterapia com pôneis nos jardins do HFL. Segundo Cerdeira, o trabalho voluntário no HFL se baseia no tripé espiritualidade, conectividade entre os serviços e o empoderamento do paciente. Nas várias propostas de atenção desenvolvidas pelo ‘Lagoa Voluntário’ há um ponto central: “Empoderar o sujeito, dar ferramentas para que o paciente tenha autonomia para enfrentar a doença e seus percalços. O que oferecemos está fora do receituário médico, não está disponível nas farmácias”, explica o médico. Um exemplo é a atuação nas salas de espera do ambulatório. Muitas vezes, o paciente abatido por um diagnóstico desfavorável, não está disposto a voltar ao hospital para receber orientações complementares ao tratamento. É aí que surge um dos espaços de atuação do voluntário. Em uma conversa de aconselhamento, com distribuição de folders, o voluntário pode abastecer o paciente com informações valiosas sobre nutrição, direitos e encaminhamento para a Associação Brasileira de Apoio aos pacientes de Câncer (ABRAPAC). Os voluntários também atuam junto aos pacientes internados, como é o caso dos ledores que, segundo Paulo Cerdeira, “entram com a proposta de ler contos, mas que estão disponíveis para ouvir histórias”. PAULO CERDEIRA O trabalho do Lagoa Voluntário é alicerçado na vivência dos próprios usuários. As atividades no setor de quimioterapia, por exemplo, foram definidas a partir de rodas de conversa em que os pacientes expressaram suas angústias, incertezas e problemas. O olhar criterioso dos profissionais do HFL também é fonte para novas propostas de atuação, como é o caso da parceria com a Comissão de Infecção Hospitalar, que dá orientações para atividades de prevenção à infecção hospitalar. O setor ainda trabalha em conjunto com o Serviço Social, a Nutrição, a Odontologia e a Oncologia. Todas essas atividades e parcerias vão ao encontro da Política Nacional de Humanização que em suas diretrizes prega a incorporação do trabalho voluntário como expressão de solidariedade e participação cidadã. Como ser voluntário no Lagoa - Ser voluntário é compromisso, amparado em lei (Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998). Para atuar, o interessado deve assinar um Termo de Adesão ao Serviço Voluntário. O Lagoa Voluntário capta mão de obra voluntária por meio de parcerias com ONGs, por uma rede de contatos criada no entorno da unidade ou ainda recebe a candidatura de interessados diretamente no hospital ou por e-mail. Todos eles passam por um processo que envolve captação, recepção, pactuação, treinamento e acompanhamento. Hoje, o setor mantém parcerias com a Faculdade de Teatro da UNIRIO, a Associação Brasileira de Apoio aos Pacientes de Câncer, a plataforma social Atados, o Viva-Rio, o projeto Cavaleiros contra o Câncer, o Jockey Club Brasileiro, o Pônei Clube do Brasil, o projeto Cantareiros e o Coral da Igreja Metodista.