Edna Matos CÃO DE RAÇA O REGGAE RESISTÊNCIA DE EDSON GOMES Salvador, 2013 UFBA Dedico este livro aos meus pais, Seu Cecílio e D. Lourdes Matos de quem eu herdei a inteligência e a determinação aos meus filhos, Dandara e Adônis Matos como mais uma forma de mostrar-lhes que “Nós podemos!” ao meu irmão, Edson Matos que me ensinou que para se ter uma grande vida os sonhos não podem ser pequenos Edna Matos CÃO DE RAÇA O REGGAE RESISTÊNCIA DE EDSON GOMES 1ª Versão apresentada como Trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação social com habilitação em Jornalismo Salvador, 2013 UFBA © 2013 Edna Matos Trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, 2013. “O homem sem sua história – origem e cultura – é como uma árvore sem raiz.” Marcus Garvey Orientador Prof. Fernando Conceição Diagramação Edna Matos Ilustração Sueide Kintê Revisão Rogério Barros _______________________________________________ Matos, Edna. Cão de Raça: o reggae resistência de Edson Gomes / Edna Matos – Salvador: UFBA, 2013. 1. Biografia. 2. Reggae. 3. Livro-reportagem. 4. Jornalismo literário 5. Música 6. Edson Gomes _______________________________________________ Edição do Autor Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão do autor. “Nós, os negros, temos que prestar muita atenção à nossa história se quisermos tornar-nos conscientes. Muita coisa tem que ser revelada e seríamos ingênuos se esperássemos que nossos conquistadores escrevessem uma história imparcial sobre nós.” Steve Biko “A inspiração para a expressão “Cão de Raça” que dá título a uma música minha e é o nome de minha banda, do meu time de futebol e de minha produtora, foi extraída da seca nordestina, do povo nordestino, porque o cão que é vira lata, quando o negócio pega vai embora e o cão que é de raça fica. Então, o nordestino, o sertão e o nordeste, todo ano, passam por esse problema, essa dura seca. Esse povo é tratado como cachorro, mas é de raça. E foi por isso que eu tomei para mim esse nome, surgiu assim, e depois ele foi ampliado, por que cão de raça é todo aquele que luta, por um objetivo, ainda que essa luta faça com que ele sofra e perca a oportunidade. É aquele que bate de frente com os dominadores, com o sistema. Esse é o Cão de Raça.” Edson Gomes Agradecimentos ÍNDICE Reconheço que este trabalho não é resultado apenas do meu esforço e das pessoas que me ajudaram diretamente. Ele traz a contribuição dos que vieram antes e possibilitaram que eu aqui Apresentação – “Reggae é música, Reggae é som” .................................................. 11 chegasse. A esses minhas respeitosas reverências. CAPÍTULO 1 – “Eu também sou a ovelha negra da família” ................................ 23 A minha equipe da Diretoria de Gestão da Tecnologia da CAPÍTULO 2 – “Surge mais um guerreiro do terceiro mundo” .......................... 39 Informação do Instituto Federal da Bahia, especialmente, sem CAPÍTULO 3 – “Vamos dançar este Reggae” .............................................................. 59 desmerecer o apoio dos demais, Márcio Oliveira, Allan Freitas, CAPÍTULO 4 – “Mesmo que o rádio não toque” ..................................................... 103 Rogério Referências ............................................................................................................................ 119 Barros e Lázaro Assunção pela compreensão, cumplicidade, parceria e apoio sem os quais eu não teria podido Discursos ................................................................................................................................ 125 realizar este trabalho. Discografia............................................................................................................................. 129 À Sueide Kintê, Dandara Matos, Adônis Matos, Linda Gomes, Denise Santos, Samadar Kintê, Jéssica Matos, Cíntia Castro, Deyse Martins e tantos outros que contribuíram direta ou indiretamente para este resultado. Um agradecimento especial a meu amigo Marcelo Sousa pela confiança, desprendimento e solidariedade. Aos amigos e parentes que sempre acreditaram. Galeria ..................................................................................................................................... 137 11 Apresentação – “Reggae é música, Reggae é som” “Reggae é música Reggae é som, beleza pura Rastafári Reggae é som, ê Bob Marley E nasceu lá na Jamaica Se expandiu pelo mundo Mas, Deus criador Jah Mandou chamar Marley Mas, a gente que ficou não vai deixar morrer A bela música A bela música Reggae.” (“Rastafári”, Edson Gomes) Edna Matos 12 Cão de Raça 13 As suas letras falam predominantemente da luta contra a O Reggae se instalou na Bahia dos anos 1980 trazendo consigo as discriminação racial. Junte-se a isto um fundo musical imenso, que suas características jamaicanas, mas foi ressignificado ao entrar faz com que quem o ouça imediatamente se pergunte que música em contato com a cultura local. O ritmo acabou influenciando uma é esta? É uma música sensível para pessoas sensíveis. Mas que geração de artistas naquele período em que havia uma grande poder é este que faz desta música quase uma religião, uma nova movimentação pela afirmação da cultura negra em todo o mundo. filosofia de vida? Nós acreditamos neste poder porque vimos que O pesquisador Carlos Albuquerque no seu livro O Eterno Verão do nele tudo faz sentido e tem seu lugar reservado na história. Essas Reggae destaca que a música reggae se difundiu nos bairros são as palavras que o pesquisador Marco Antonio Cardoso utiliza jamaicanos habitados pela população negra marginalizada. As para descrever a “magia do reggae”.1 Eu as tomo emprestadas letras do Reggae, entre outras coisas, denunciavam o sistema de para descrever o trabalho daquele que para mim é o principal opressão vivenciado pela população negra pobre das camadas representante da música reggae no Brasil, Edson Gomes. baixas. Isso possibilita considerar que o Movimento Rastáfari e o Uma coisa que sempre me despertou a atenção era ouvir as Reggae foram importantes meios de resistência do povo negro músicas de Edson Gomes sendo tocadas com frequência nas ruas, jamaicano, no combate, mesmo que simbólico, contra o sistema de nas casas, nos carros, tanto aqui em Salvador como em outras opressão vivenciado por ele. cidades que eu visitava dentro e fora da Bahia. Algumas músicas Segundo outra estudiosa da música reggae, Bárbara Falcón, autora têm mais de 20 anos de gravação e não costumam tocar na do livro Reggae de Cachoeira – Produção Musical em um Porto programação normal das rádios, nem o cantor tem aparecido nos Atlântico a tradição musical popular de Salvador e do Recôncavo, programas de televisão, mesmo assim as pessoas o ouvem com e os discursos cultos e populares em torno da musicalidade bastante assiduidade. Pensando nisso, decidi investigar qual a baiana, representaram o filtro pelo qual as influências “de fora” causa desse fenômeno musical. Por que as músicas de Edson foram percebidas e reinterpretadas. Talvez por isso o Reggae Gomes são admiradas, principalmente, pelos mais jovens, muitos tenha sido um ritmo bem absorvido pela cultura baiana, embora dos quais nem eram nascidos quando a maioria delas foi lançada? seja solenemente ignorado pela mídia, em especial, rádio e TV. Com meio século de produção, o Reggae conseguiu subverter a ordem e percorrer caminhos inimagináveis, principalmente se 1 CARDOSO, 1997, p. 9 Edna Matos 14 Cão de Raça 15 considerarmos que ele se originou na Jamaica, um pequeno país Reggae muito bom. Era fevereiro de 1987 e desde então, tenho de periferia. Nesse sentido, o Reggae pode ser considerado como acompanhado a carreira de Edson Gomes e observado o exemplo de cultura cosmopolita, pois extrapola os limites comportamento quase religioso de seu público. Edson Gomes não nacionais e se universaliza na sua expansão. E, tanto na capital faz show e sim pregação. Os seus discursos trazem na essência baiana como em cidades do interior – principalmente no sempre o mesmo apelo de resistência ao sistema (babilônia). Recôncavo Baiano – o ritmo acabou influenciando uma geração de artistas que passou a utilizá-lo como um veículo de difusão de suas mensagens políticas, religiosas e estéticas. As pesquisas e observações preliminares mostram que o artista não teve reconhecida pela mídia ou pela indústria de entretenimento na Bahia a real importância do seu trabalho. O Edson Gomes é um destes artistas. Trazendo na bagagem toda a curto período de apogeu e o pouco material disponível para musicalidade de Cachoeira ele acrescentou a sua música o pesquisa apontam para o descaso de um trabalho que a primeira discurso político passando a contar a realidade do negro oprimido vista mudou a forma de se ouvir e fazer música em Salvador e através de letras de protesto e lamento. De imediato conquistou a Recôncavo e que contribuiu para a formação de um público de simpatia do público regueiro da região que também se identificava Reggae que extrapola os guetos e não respeita classe social, nem com seu discurso/pregação durante os shows. etnia, além de influenciar boa parte dos artistas atuais na cena O meu interesse em registrar a relação entre a obra de Edson musical da região. Foi diante deste quadro que nasceu o desejo de Gomes, cantor e compositor de Reggae e o público regueiro de preencher estas lacunas e resgatar em forma de registro em livro Salvador e Recôncavo Baiano é, antes de tudo pessoal: eu faço a história e a obra de Edson Gomes. parte deste público! Mas, é principalmente pela curiosidade A outra motivação, esta mais atual, foi verificar quão pouco se tem despertada pelas observações que venho fazendo desde que o produzido sobre o Reggae aqui na Bahia. Uma manifestação que é ouvi pela primeira vez na noite da escolha da Rainha do Bloco tão presente nos meios populares e tão ausente de registros Afro Muzenza, a “Muzembela” no antigo Centro de Cultura Popular acadêmicos. Foi pensar que os negros que agora têm a no Forte de Santo Antonio Além do Carmo. Naquele momento, ele possibilidade de ascender à Academia podem e devem escrever foi apresentado por Barabadá, presidente do Bloco Afro Muzenza sua história. àquela época, como o garoto que veio de Cachoeira e que fazia um Edna Matos 16 Cão de Raça 17 Enquanto acalentava este desejo fui me preparando para uma cumprimentei pedindo desculpas pela ausência do professor que tarefa árdua, afinal é ideia corrente de que Edson Gomes é uma estava na expectativa do nascimento de sua filha e não poderia pessoa inacessível e até mesmo grosseira. Por isso, estranhei a viajar e explicando o motivo do meu atraso. facilidade com que foi marcada a primeira entrevista e creditei o fato na conta de Prof. Fernando Conceição cujo nome eu tinha usado para facilitar o acesso ao artista. Marcamos nosso encontro para uma terça-feira, 18 de junho de 2013, em São Félix, primeiro às 14:00h depois o seu assistente, Sílvio Tourão retornou dizendo que Edson tinha adiado para às 16:00h porque depois do almoço ele costuma tirar uma soneca. Todas as ideias preconcebidas caíram por terra, todas as informações anteriores se mostraram falsas, Edson tratou a mim e a minha equipe com muita simpatia e paciência. Ao ser informado do objetivo do projeto falou que muitos outros já tinham aparecido dizendo que iriam escrever sua história, mas depois sumiram. Que a maioria das coisas que são divulgadas sobre ele não são verdadeiras e que ele gostaria de ter uma oportunidade O trânsito caótico de Salvador e as péssimas condições da estrada de contar a sua própria história. Expliquei que não pretendia fazer fizeram com que eu chegasse com um atraso de quase duas horas. um livro de ficção, nem uma peça publicitária e muito menos uma Confesso que não espera mais ser recebida. Cheguei em São Félix, coluna de fofocas, mas, que para isso precisaria da colaboração por volta das 18:00h e conforme o combinado, alguém foi chamá- dele. E assim, expectativas acomodadas, gravamos a nossa lo em sua casa. Edson veio me encontrar no bar de Grande, na entrevista que durou cerca de uma hora e meia em uma sala Rodoviária que eu vim saber depois ser o seu lugar preferido na bastante iluminada que conseguimos por empréstimo no prédio cidade, onde ele tem, inclusive, a “sua” mesa onde costuma beber da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB) em Cachoeira. umas cervejinhas e conversar com os amigos e fãs. É também o local em que recebe os jornalistas. Os arranjos para o segundo encontro também não foram fáceis. A entrevista foi agendada novamente para uma terça-feira (alguém Já estava começando a escurecer e eu não fui preparada para me informou que ele gosta deste dia da semana), mas só veio a filmar a noite. Tudo parecia conspirar para que esse nosso acontecer no dia seguinte, 24 de julho de 2013 porque o “baba”2 primeiro contato fosse um fracasso. Edson chegou olhando ao redor, naturalmente procurando por Fernando Conceição. Fui me aproximando, armada com o meu melhor sorriso e o Baba, na Bahia, é o nome dado a uma partida recreativa de futebol com regras livres, normalmente sem a preocupação com tamanhos de quadra/campo, condição dos calçados e uniformes, marcações básicas (pequena e grande área, circulo central), impedimentos, faltas, tempo de jogo sendo tudo resolvido em consenso pelos jogadores. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pelada_(futebol). 2 Edna Matos 18 Cão de Raça 19 do seu time de futebol o Cão de Raça estava voltando a acontecer Cão de Raça – O Reggae Resistência de Edson Gomes foi baseado em depois de um breve período suspenso. Como minha equipe não quinze entrevistas realizadas nos meses de junho e julho de 2013, poderia ficar utilizei, para esta gravação, os serviços de meu filho nas cidades baianas de Salvador, São Félix e Cachoeira. Para que o e sua namorada que estudam jornalismo lá na UFRB de Cachoeira. leitor possa ter uma melhor compreensão do trabalho do artista Edson me recebeu em sua residência acompanhado de seu filho foram incluídas letras de algumas de suas músicas. A obra possui, Jeremias e gravamos por duas horas e meia. Com essa entrevista ainda, fotos, imagens e prints de matérias publicadas na imprensa; eu estava honrando o compromisso assumido com ele de que os transcrição de discursos proferidos em alguns shows e relação casos, não comprovados documentalmente, só seriam publicados dos discos gravados com as respectivas fichas catalográficas. depois que ele tivesse tido a oportunidade de apresentar a sua versão. Os leitores, especialmente, os que acompanham o trabalho de Edson Gomes irão notar no texto aqui apresentado, a ausência da fala de seu filho Isaque Gomes. Nestes dois meses vi frustradas duas tentativas de conversar com ele. Depois da segunda entrevista com Edson percebi que as relações familiares dos Para essa primeira versão alguns depoimentos e casos relatados não foram utilizados na produção deste texto, porque necessitam de uma verificação mais acurada. O livro foi dividido em capítulos que agrupam informações de quatro grandes fases da vida de Edson Gomes – o início em Cachoeira e São Félix, a gravação do primeiro disco, o período de auge na carreira e a luta para se manter em atividade. Gomes se apoiam em um terreno não muito firme onde eu precisarei pisar com bastante cuidado. Eu não tenho pressa e Os títulos dos capítulos são frases retiradas de letras de músicas tenho certeza que devagar acabarei conseguindo o depoimento de de Edson Gomes que guardam relação com o assunto tratado em todas as pessoas que interessam para esse trabalho. cada um. A trajetória de Edson Gomes é digna de registro pela persistência A música “Rastafári” utilizada na epígrafe desta introdução foi a com que enfrenta as dificuldades para poder realizar o sonho de primeira composição feita pelo artista já em ritmo de Reggae. Ela cantar do seu jeito, da forma que ele acredita ser a certa e falando foi vencedora do Festival Canta Bahia, realizado na cidade de Feira o que ele acha que vale a pena falar. de Santana, Bahia, em 1985 e também a primeira música de Edson Gomes gravada em disco. Em 1987, ela foi gravada pela cantora Edna Matos 20 Cão de Raça 21 Sarajane, o que para alguns foi o motivo que despertou o interesse gravação do disco com as pressões de Cristóvão Rodrigues e da gravadora EMI Odeon pelo trabalho de Edson. Wesley Rangel para dar o que eles entendiam como uma cara mais O primeiro capítulo chamado de “Eu também sou a ovelha negra da família” traz um resumo da juventude de Edson e suas dificuldades para seguir a carreira de cantor. Aborda o difícil relacionamento com seu pai para quem cantar era coisa de vagabundo; as duas viagens ao sudeste do país para tentar a carreira musical; a parceria com Nengo Vieira que o introduziu no mercadológica para o produto e a resistência de Edson Gomes para tentar preservar o que ele considerava como sendo a originalidade do seu trabalho. A música “Guerreiro do Terceiro Mundo” foi escolhida para nomear este capítulo por trazer na sua letra a essência do sentimento de Edson com relação ao sistema (babilônia) e como ele achava que deveria agir dentro dele. mundo da música reggae; seu envolvimento com as drogas e a O próximo capítulo do livro relata a fase de auge do cantor e ao gravação do compacto duplo fruto do Festival Canta Bahia. A letra mesmo tempo disseca as letras de algumas de suas músicas da música “Ovelha”, escolhida para intitular o capítulo, foi escrita relacionando as características do trabalho de Edson à sua por Edson para mostrar como ele se sentia frente ao tratamento personalidade contraditória. Edson Gomes é autodidata, o seu recebido por parte de sua família que não aceitava a sua opção conhecimento e sua visão de mundo ele afirma que adquiriu pela pela arte e queria vê-lo trabalhando e constituindo família como sua própria experiência na vida e pelas leituras da Bíblia. As suas qualquer pessoa normal. músicas são inspiradas nos fatos do cotidiano das pessoas, em O capítulo intitulado “Surge mais um guerreiro do terceiro mundo” apresenta ao leitor o processo que resultou na gravação do primeiro disco, o LP Reggae Resistência, que para os pesquisadores representa um marco da música reggae no mercado fonográfico brasileiro. Este capítulo tem dois destaques. Primeiro, a difícil negociação com a EMI Odeon tendo como protagonistas, além dos diretores da gravadora e do cantor, o radialista Cristóvão Rodrigues e o dono da gravadora WR, Wesley Rangel. O segundo destaque fica por conta do processo de acontecimentos pessoais ou se referem ao posicionamento político e social do artista. Este momento do livro é reservado também para relatar alguns dos casos polêmicos que o cantor se envolveu e que, talvez, tenham ajudado a formar a imagem de pessoa inacessível e de difícil trato que ele carrega. A sua espiritualidade fortemente ligada ao cristianismo e a sua resistência ao romantismo também são tratadas neste capítulo. A música escolhida para o título do capítulo foi feita em homenagem a seu filho Isaque Gomes que, embora sendo criança, já o Edna Matos 22 23 acompanhava na maioria dos shows e cuja foto aparece nas capas de três dos seus sete discos. “Vamos dançar esse Reggae” convida o leitor a testemunhar esse período de sucesso e a entender melhor esse artista tão controverso. Por fim, o capítulo quatro “Mesmo que o rádio não toque” foi escrito para mostrar ao grande público o que os seguidores do Reggae, especialmente, os fãs de Edson Gomes sabem: ele continua na ativa, desenvolvendo projetos na cidade de São Félix, onde mora e mantém uma agenda senão cheia, como no auge da carreira, com um número de shows suficiente para fazê-lo viajar algumas vezes por mês pelas cidades do nordeste brasileiro, CAPÍTULO 1 – “Eu também sou a ovelha negra da família” “Há dias na vida que a gente pensa que não vai conseguir Há dias na vida que a gente pensa em desistir Há dias na vida que a gente pensa em sumir E a turma lá em casa já está apavorada com a minha decisão É que não ligo mais nada Nem mesmo a namorada, que me deu o coração Eu gostaria de ficar com você um pouco mais Vou por aí, vou mesmo assim, vou por aí Vou por aí, vou mesmo assim, vou caminhar Eu também sou a ovelha negra da família.” incluindo as capitais dos estados como, Recife, Maceió, Natal, Fortaleza e Aracaju, além de vários municípios do interior baiano. Apesar da sua última gravação de disco ter acontecido em 2001, Edson Gomes tem apresentado durante esses anos, músicas que alcançaram grande sucesso nos seus shows, mas que não constam de nenhum disco oficial. Esse é um dos motivos apresentados pelo artista para as dificuldades que está encontrando para compor o repertório do disco que ele está preparando para lançar até o final de 2013. Durante o período que esteve sem gravar o próprio trabalho, Edson produziu os discos de seu irmão Tim Tim Gomes e de seus filhos Isaque Gomes e Jeremias Gomes. (“Ovelha”, Edson Gomes) Edna Matos 24 25 A pequena cidade de São Félix localizada no recôncavo baiano às Que o homem falível margens do rio Paraguaçu encanta pela sua beleza natural, pelo É sempre falível E a gente que nunca tem nada a ver patrimônio histórico e pela simplicidade dos seus moradores. Vive pagando sem merecer.”3 O cruzeiro instalado no alto do morro onde as casinhas parecem deslizar em direção ao rio dá ao lugar um formato de presépio. Na outra margem do Rio Paraguaçu está Cachoeira, cidade natal Dele é possível ver as cidades de Cachoeira e São Félix, um bom de Edson Gomes. Tombada pela Unesco como Patrimônio da trecho do rio Paraguaçu e a barragem de Pedra do Cavalo, Humanidade, pelo seu valor histórico. Cachoeira possui diversas construída para tentar controlar as cheias do rio que provocavam belezas naturais, mas o destaque fica para seu acervo destruição, morte e tristeza nos dois municípios. arquitetônico de estilo barroco, que traz as lembranças do Brasil Império. A cidade de Cachoeira conta um pouco das origens do Nas ruas antigas, podem-se encontrar casas dos tempos do Brasil colônia. As muitas igrejas católicas e o grande número de terreiros de candomblé comprovam a religiosidade e o sincretismo, características próprias do povo da região. Brasil, pois preserva em seus monumentos e templos religiosos características do período colonial. O seu povo mantém viva as mais autênticas manifestações culturais, a exemplo das festas populares e religiosas, seus terreiros de candomblé, sua culinária O trem circula pelas ruas estreitas lembrando que o município foi e o samba de roda do Recôncavo, declarado pela Unesco como um grande entreposto para a troca de mercadorias entre o sertão Patrimônio Imaterial Nacional e da Humanidade. e a capital. Apesar de não transportar mais passageiros, continua a ser um marco histórico da cidade. As cidades de Cachoeira e São Félix cultivam uma rivalidade que é comum entre irmãs que são criadas em casas diferentes, Essa bela cidade foi o lugar que Edson Gomes escolheu para viver fisicamente separadas por um rio e historicamente unidas por um e que homenageia em uma de suas músicas. passado tão concreto e resistente quanto a majestosa e imperial “Bela cidade Lindo presépio Filho de Deus, Menino Ponha sua mão nessa represa 3 “Bela Cidade”, Edson Gomes (disco Resgate Fatal - 1995) Edna Matos 26 27 ponte D. Pedro II, inaugurada em 1885, com o objetivo de ligar família não tinha condições nem intenções de incentivar essa esses dois municípios4. pretensão. Foi nesse cenário que, em 3 de julho de 1955, nasceu Edson Silva Assim, Edson acabou descobrindo a música e decidiu seguir por Gomes. Filho de D. Maria de Lourdes Silva Gomes e de Seu Pedro esse caminho contra tudo e contra todos. Ele conta que tudo Nolasco Gomes. Sendo o primeiro de uma sequência de oito filhos começou com um elogio: “Em casa eu não tinha apoio nenhum em talvez, por isso fosse o mais cobrado a seguir os caminhos relação a essas coisas do dom, como jogar bola ou fazer música. normais destinados aos negros do Recôncavo Baiano nos anos 70 Porque naquele tempo, ninguém acreditava que poderia sair e 80. daqui desse lugar, um jogador de futebol ou um cantor de Seu Pedro era um ferroviário de conceitos rígidos e repressores. Edson afirma que teve uma infância bastante difícil e que seu pai era muito duro na sua forma de educar: “As lembranças do passado não são boas, era muita pressão, se saísse da linha apanhava, naquele tempo os pais podiam bater nos filhos, então lá em casa tinha muita porrada”. Como tantos outros garotos negros, pobres e de família numerosa tinha no futebol a sua principal diversão, já que era de graça. Como jogava razoavelmente bem, nada mais natural que pensasse em ser jogador profissional. Só que eram tempos difíceis, onde não havia nenhum tipo de incentivo por parte dos clubes e a sua categoria que fizesse sucesso. Eu morava, ainda, em Cachoeira e tinha um vizinho chamado Venceslau, que consertava violão e me ouvia cantar no banheiro. Um dia eu estava na porta e ele disse: ‘você tem uma boa voz, canta bem’. E aí, foi um estalo! Eu ri e acreditei!”. Mas, da mesma forma que no futebol, a carreira musical não era bem vista pela sociedade cachoeirana da época. Tim Tim Gomes, cantor e irmão de Edson acha que os conflitos entre o irmão e seu pai aconteciam porque Seu Pedro queria que Edson aprendesse uma profissão normal como, mecânico, pedreiro, carpinteiro ou então que estudasse para ser mais alguém. Mas, Edson queria ser artista: “Edson não era rebelde. Ele era persistente. E tanto 4 A ideia da construção da ponte deve-se à disputa de rivalidades entre as duas cidades vizinhas. Levando em conta apenas a finalidade principal de escoamento da produção mineral da Chapada Diamantina, a ponte não era necessária. Os trens da estrada de Ferro Central da Bahia precisavam apenas chegar até São Félix, pois o rio é navegável. Porém, a cidade vizinha Cachoeira, que era a segunda do Estado, não poderia perder a oportunidade de ver realizado o sonho de cruzar o Paraguaçu. Além disso, com a ponte poderia incorporar à cidade o distrito de São Félix. Fonte: http://www2.transportes.gov.br/ insistiu que alcançou o seu objetivo. Não era a família toda que não o apoiava. Era apenas o nosso pai por achar que música era coisa de vagabundo”. Edna Matos 28 29 Hoje é assim, hoje é assim, sim, sim.”5 O temor do pai de Edson era que ele não seguisse por um caminho decente, pois na sua concepção os negros precisavam se esforçar mais do que os outros pra mostrar que eram dignos de confiança e que poderiam ocupar algum espaço na sociedade. Para agradá-lo Edson trabalhou como servente em várias firmas de construção civil na ampliação do Polo de Camaçari e da Petrobrás. Mas, não ficava empregado por muito tempo e sempre que retornava a São Félix voltava a fazer música gerando novos conflitos com seu pai. Pode-se dizer que a trajetória musical de Edson Gomes se iniciou no Colégio Estadual da Cachoeira, onde ele concluiu a oitava série. Em 1972 ao participar de um festival interno ao colégio, Edson foi escolhido como o melhor intérprete. Assim, ele foi tomando gosto pela música e em 1977, participou do Festival de Inverno, que era um evento paralelo a tradicional Feira do Porto de Cachoeira e, além de sua música “Todos devem carregar sua cruz” ter ficado Quando Edson gravou seu primeiro disco, Seu Pedro deu o braço a com o primeiro lugar, mais uma vez ele foi premiado com o troféu torcer e passou a valorizar o trabalho do filho, principalmente as de melhor intérprete. músicas que falavam da realidade que os cercava. Edson, por outro lado, o homenageou com a música “Hereditário”, que consta do repertório do seu primeiro disco Reggae Resistência: Dono de forte personalidade e um temperamento explosivo Edson Gomes costuma defender suas crenças e ideias de forma bastante aguerrida, talvez, por isso, a infância difícil e a forte repressão “Era assim, era assim, sim, sim, sim paterna não o intimidou. Edson foi cada vem mais sendo No nascer do dia meu pai ia envolvido pela música e já pensando em fazer carreira viajou para E na morte do dia ele vinha o Rio de Janeiro, no final de 1977, valendo-se do convite de um Ele trazia sempre o suor no rosto colega que tinha parentes por lá. Mas, chegou no período que O corpo cansado e nada no bolso antecedia ao carnaval e que por isso, não era muito propício para Era assim, era assim, sim, sim, sim quem pretendia batalhar por um espaço na música. Mesmo assim Hoje eu que saio Sou eu que trabalho foi até a Rádio Globo participar do programa "Amigo da Madrugada" apresentado pelo radialista Adelzon Alves6, que tinha Conheço a dureza De toda essa vida 5 Pai de família, pai de família Hereditário, Edson Gomes (LP Reggae Resistência, 1988) Apresentador do programa Amigo da Madrugada de 1966 a 1990, sempre no horário de meia-noite até às três da madrugada, na Rádio Globo do Rio de Janeiro. Aldezon Alves acolhia em seu programa, compositores talentosos que não tinham oportunidades em 6 Edna Matos 30 31 como referência, o fato de já ter acolhido o grupo Tincoãs7, adiantando muito. Eu estava trabalhando e ganhando pouco, pois também de Cachoeira. Apesar da vontade de ser cantor, Edson não lá em São Paulo se trabalha muito e ganha pouco, e o pior é que eu suportou a distância e resolveu voltar antes mesmo do carnaval não estava tendo o contato com o meu objetivo, que era a música”. começar: “Toquei e cantei. Aldezon gostou e me disse – agora não posso fazer nada, está tudo parado, mas volte depois do carnaval – só que eu não suportei a saudade e a distância e voltei para São Félix”. De volta a São Félix, Edson Gomes trabalhou em vários lugares e por fim, foi contratado como auxiliar de produção na fábrica de papel Tororó, em Cachoeira. Por decisão própria esse foi o seu último trabalho de “peão”8. Segundo ele a gota d’água foi a rotina Em 1981, deixando aqui a sua então companheira, Marivalda da fábrica: “Eu carregava e descarregava caminhões e embora o grávida, Edson Gomes decidiu ir para São Paulo, tentar mais uma horário fosse administrativo, sempre, quando a gente já estava vez, a sorte na carreira musical, só que não deu certo de novo. No tomando banho, chegava o encarregado para avisar que tinha pouco tempo que passou na capital paulista, aproveitando-se de chegado mais caminhão. E, aí porra! A gente ficava até meia noite um curso rápido que tinha feito antes de viajar, conseguiu ser e, depois, tinha que retornar ao trabalho às sete da manhã. Uma contratado como auxiliar de eletricista, em uma das lojas do grupo loucura! Eu fiquei lá por oito meses e então disse para mim Pão de Açúcar. Guarda como péssima recordação desta época, o mesmo: ‘eu vou pedir para sair daqui e não vou trabalhar para fato de ter sido obrigado a cortar os cabelos para poder assumir o ninguém mais. Isso foi em 1982, de lá pra cá não trabalhei para emprego. Em São Paulo não conseguiu sequer ter contato com a mais ninguém”. Essa decisão marcou, definitivamente, a opção de música, voltando, então, para acompanhar o nascimento de sua Edson Gomes pela carreira musical. filha, Edmara a primeira desse relacionamento que teve ainda Isaque e Pedro. Segundo ele, morar em São Paulo não contribuiu em nada para o seu sonho de fazer música: “Não estava outras rádios. Divulgou artistas como Alcione, Bezerra da Silva, Jorge Aragão, Clara Nunes, Zeca Pagodinho e Jovelina Pérola Negra. Fonte: http://radiomec.com.br/aldezonalvesoamigodamadrugada/ 7 O grupo musical Os Tincoãs tiveram seu segundo disco produzido por Adelzon Alves, em 1973. Este LP tornou-se um marco importante da música brasileira, não apenas pela qualidade das músicas, como também pelo arranjo com características de coral feitos a partir de canções oriundas dos terreiros de candomblé. 8 Trabalhador braçal; aquele que faz o trabalho pesado na empresa. Edna Matos 32 33 reggae, mas eu não quis levar isso em frente.” E, Tim Tim Gomes “NÓS INVENTAMOS O SAMBA-REGGAE” completa: “Essa banda pioneira que era formada por Nessa nova fase da vida, Edson começou a se apresentar com instrumentos de percussão e violão fez muito sucesso aqui no grupos de sambão9, como “A Balaiada” e “A Gatinhola” em interior, chamando a atenção da televisão que veio filmar nosso Cachoeira e São Félix. E antes de gravar o seu primeiro disco trabalho. Aí o povo de salvador roubou o nosso ritmo. Porque o cantava com um grupo chamado The People no qual seus irmãos, samba-reggae é nosso, é daqui de Cachoeira. Edson Gomes que Eddie Brown e Tim Tim Gomes faziam os vocais. Esse grupo era inventou o samba-reggae, não foi o Olodum”. formado por dois violões, um timbal e um maracas. Neste período, era conhecido como o “Tim Maia do Recôncavo” pela forte A DEFINIÇÃO DO ESTILO MUSICAL influência deste artista em seu trabalho. Era, também, bastante influenciado pelo cantor Jorge Ben Jor. Como não tinha ainda um Em 1983, Edson tinha voltado a estudar, fazia o 1° ano do segundo estilo musical definido ele denominou o som que fazia como grau, quando foi convidado pelo cantor cachoeirano, Nengo Vieira “Balanço” por ser uma música que tinha swing, mas o para participar do show “Negritude Reggae”, que acontecia no acompanhamento era feito por instrumentos de samba. Forte de Santo Antonio Além do Carmo, em Salvador. Como precisava viajar com frequência para ensaiar, Edson abandonou Tanto Edson Gomes quanto seu irmão Tim Tim Gomes são de vez os estudos. enfáticos ao afirmar que eles inventaram o que hoje se costuma músicas Para esse show as suas músicas que já eram sucesso no “Malandrinha”, “Samarina”, “Viu”, “Recôncavo”, “Criminalidade”, Recôncavo, foram rearranjadas para o reggae pela banda Studio 5 “História com com direção musical de Nengo Vieira. Para Edson esse é o acompanhamento de instrumentos típicos do samba e por esse momento de definição do seu estilo musical: “Foi em 1983 que motivo ele afirma que aquele som “era o verdadeiro samba- meu ritmo passou a ser definido como reggae, e também foi a chamar de do samba-reggae. Brasil”, Edson “Árvore”, diz eram que as cantadas primeira vez que eu trabalhei com uma banda legítima, eletrizada, 9Termo utilizado por alguns críticos musicais para designar um tipo de samba supostamente de qualidade duvidosa. O movimento, discriminado até hoje no meio acadêmico, reunia o samba-rock (fusão de samba com soul music feita por nomes como Jorge Ben) com elementos de bolero e Jovem Guarda. Fonte: SOUZA, Tárik de. Tem mais samba. São Paulo: Editora 34, 2004. com guitarra, baixo, bateria, e assim fui lançado em Salvador como regueiro”. Edna Matos 34 35 Nengo Vieira, músico e pesquisador, já cultivava o interesse em bairros populares da cidade. A oportunidade de se apresentar fazer reggae quando foi atraído pelo trabalho de Edson Gomes. A neste projeto foi importante para a divulgação do nome e do parceria deles começou em 1983 e continuou até o retorno de trabalho de Edson Gomes. Nengo Vieira destaca desse período a Nengo a Cachoeira, no início dos anos 1990 quando juntamente aceitação imediata do público: “Começamos a arranjar e a ilustrar com os músicos Sine Calmon, Marcos Oliveira e Tim Tim Gomes as músicas de Edson Gomes, que até então só tinham o canto e o criou a banda Remanescentes. contracanto prontos. Aí começamos a botar os elementos, a Durante o tempo em que esteve com Edson Gomes, Nengo Vieira participou dos dois primeiros discos tocando baixo, guitarra, percussão, além de fazer os arranjos. Foi, também, assistente de direção do primeiro LP Reggae Resistência, gravado nos estúdios da WR, em Salvador. Integrou a primeira formação da banda Cão de Raça acompanhando Edson Gomes em algumas turnês pelo Nordeste. Para Edson, a parceria com Nengo Vieira resultou em um trabalho pioneiro com relação ao reggae no país: “Eu creio que bateria, o contrabaixo, a guitarra e foi assim que nasceu o Reggae Resistência, que é o seu primeiro disco. A partir do momento que nós nos juntamos com Edson, nós percebemos uma força que era imbatível. Edson quando subia no palco pra cantar, cara, ele arrebanhava multidões. Dava um grito de guerra e a galera ia ao delírio. Era uma coisa viva, uma coisa espontânea, uma coisa visceral, tribal, que ninguém poderia deter, que ninguém poderia abafar”.11 foi a primeira localidade no Brasil em que se fez uma leitura A participação no festival Canta Bahia, na cidade baiana de Feira correta do reggae. Porque até então não havia uma leitura correta de Santana, em 1985, foi um marco na carreira de Edson Gomes. do reggae. Então nós conseguimos isso porque eu tinha a letra e Sua música “Rastafári” ficou em segundo lugar, perdendo para a Nengo que era pesquisador de reggae, tinha o instrumental, e esse música “Gueto” de Nengo Vieira. E como já tinha acontecido em casamento foi perfeito. A melhor leitura que foi feita do reggae no outros festivais, Edson foi escolhido como o melhor intérprete. O Brasil resultado desse festival foi a gravação de um compacto duplo com inicialmente, foi aqui em Cachoeira, por dois cachoeiranos”10. as quatro músicas vencedoras. Em 1984, a prefeitura de Salvador desenvolvia um projeto chamado “Bairro a Bairro” que promovia atividades culturais nos 10 Bábara Falcón, Reggae de Cachoeira, p. 85 11 Bábara Falcón, Reggae de Cachoeira, p. 86 Edna Matos 36 37 “Rastafári” foi a sua primeira canção composta originalmente voltei já foi para triunfar com o Troféu Caymmi, onde eu fui o como reggae. Todas as outras do LP Reggae Resistência, foram melhor interprete”. rearranjadas para o reggae por Nengo Vieira e a banda Studio 5. A BANDA CÃO DE RAÇA DROGAS: ENVOLVIMENTO E SUPERAÇÃO Durante o período em que trabalhou com Nengo Vieira e a Studio Porém, foi nesse período de aproximação com Nengo Vieira 5, Edson sentiu necessidade de ter a sua própria banda onde quando chegou, inclusive a morar na casa dele em Salvador, que pudesse fazer a música que ele queria: “Os camaradas queriam Edson Gomes enfrentou problemas com as drogas e precisou dar fazer o próprio trabalho deles, não queriam se incorporar ao meu um tempo para se tratar. Apesar de ter sido relativamente curto trabalho. Então, eu tive que me virar e criar minha própria banda. esse período foi muito difícil na vida Edson. As pessoas, inclusive Primeiro eu criei o nome, Cão de Raça que já era o nome de uma seus pais, acharam que ele tinha enlouquecido. Nessa época não se de minhas músicas. A tarefa de selecionar músicos revelou-se falava em clínicas de reabilitação e Edson conta que acabou se muito difícil, eu armava a banda, mas sentia que ainda não estava recuperando sozinho com ajuda de sua fé em Jesus Cristo e das no nível, que não estava preparada, e fui tentando até quando leituras que ele fazia da Bíblia. consegui armar uma banda legal, e mesmo com os instrumentos Edson faz questão de relatar esse fato e ressalta que após a recuperação nunca mais usou nenhuma droga: “Eu, Nengo Vieira e sendo rurais, como bongô, timbal, maracas, essas coisas, a banda já ganhou esse nome”. meu irmão, Tim Tim Gomes começamos um movimento de ler a Na verdade, eram os músicos da Studio 5 que acompanhavam Bíblia com música. Foi quando eles me ofereceram maconha e eu Edson Gomes em seus shows no final da década de 1980. Eles comecei a usar, mas me dei mal. Eu já cantava e era um artista eram apresentados como Cão de Raça, uma vez que Edson Gomes reconhecido aqui em Cachoeira e São Félix. Eu era querido e não aceitava utilizar outro nome para sua banda. Seguiram depois que comecei a usar maconha passei a ser rejeitado e isso revezando o nome das bandas nas apresentações até 1991, ano de me causou um desequilíbrio emocional. Eu fui ao fundo do poço, gravação do terceiro LP de Edson, Campo de Batalha. Fiquei entre 1985 e 1986, desligado, me curando, e quando eu Edna Matos 38 39 Foram tempos em que a casa de Nengo Vieira no bairro do Alto das Pombas, em Salvador, apelidada de “53”, era o ponto de encontro de vários músicos da cidade. Ensaiaram por lá artistas como Lazzo, Gerônimo e Raul Seixas. Em entrevista a Bárbara CAPÍTULO 2 – “Surge mais um guerreiro do terceiro mundo” Falcón, Nengo explica porque não houve fusão entre as bandas Studio 5 e Cão de Raça: “A Studio 5 tinha uma proposta muito aberta, porque era uma banda de músicos, né? Fazíamos funk, fazíamos rock, salsa, fazíamos o próprio reggae e era um trabalho de músicos. Edson Gomes queria fazer o trabalho dele. Então ele seguiu a carreira dele como Edson Gomes & Cão de Raça. No inicio eram os músicos da Studio 5 que o acompanhavam e ora eles usavam o nome Cão de Raça e ora usavam Studio 5, porque a gente também não abria mão do nosso nome. Gravamos o primeiro disco como Cão de Raça, mas eram os músicos da banda Studio 5”. “Surge mais um guerreiro do terceiro mundo Levantando suas armas Com seu grito de alerta Pondo sua vida em jogo, lutando pelo povo Que vive tão desesperado Sem ter o que comer De manhã, à tarde e à noite Sem saber o que fazer Estamos enchendo as calçadas Superlotando as prisões As favelas não suportam mais Tanta gente em aflição Sei que vai chegar o dia Em que tudo mudará, oh Jah O alimento não faltará jamais E a moradia sobrará”. Em 1987, Edson Gomes participou em Salvador-BA do Festival de Música – Troféu Caymmi e foi premiado como melhor intérprete e teve a sua segunda experiência com gravação em estúdio. Em 1988, gravou o seu primeiro disco com o título de Reggae Resistência, nos estúdios da WR e que foi distribuído com o selo da EMI Odeon. A gravação desse disco deu início a um período de grande sucesso na sua carreira artística. (“Guerreiro do Terceiro Mundo”, Edson Gomes) Edna Matos 40 Cão de Raça 41 A partir da metade da década de 1980, o mercado musical de Edson Gomes faz questão de relatar esse ocorrido: “Primeiro eu Salvador começou a se aquecer. Foi exatamente, nesta época, que fui lá, porque ele era o ‘bambam’ da situação. Era ele, Cristóvão saiu o compacto do festival Canta Bahia e Edson Gomes percebeu Rodrigues, que dizia quem gravava e quem não gravava, porque que era a oportunidade para tentar deslanchar a sua carreira. Esse ele era o programador da rádio mais importante da época, a momento coincidiu com a gravação da música “Visão do Itapoan FM. Eu fui lá e ele me deixou de molho no corredor, nem Cíclope”12, um reggae gravado por Luiz Caldas. Edson se sentiu me recebeu. Depois, por ironia do destino, ele que me convidou sabotado porque não considerava aquele ritmo como reggae: “Eu para gravar, porque Sarajane que fazia parte do cast da EMI achei que tinha chegado a minha hora. Foi quando apareceu Luiz Odeon tinha gravado ‘História do Brasil’ e ‘Rastafári’ que eram Caldas do axé, cantando reggae também, aí me acabou, porque duas músicas minhas que já faziam sucesso nos meus shows”. todo mundo estava no embalo do axé, mas ainda não sabia o que era o embalo do reggae, então surge Luiz Caldas em cima do trio elétrico com aquela levada, dizendo que era reggae, a galera foi de cabeça atrás dele e eu fiquei no ponto esperando”. Edson andou, ainda, por outras rádios, sem conseguir que tocassem suas músicas, mas continuava sendo convidado para fazer shows. O radialista Ray Company, que nessa época já comandava na rádio Itaparica FM 91,3, o Reggae Special, um Com o compacto do Canta Bahia debaixo do braço Edson Gomes programa exclusivo de reggae, conta que Nengo Vieira levou o bateu na porta da poderosa Itapoan FM, líder absoluta de compacto do Canta Bahia lá na rádio e ele começou a tocar a audiência, que tinha como coordenador musical o radialista música “Rastafari” no seu programa mesmo antes de Edson Cristóvão Rodrigues. Embora Cristóvão diga que não tocou a Gomes gravar o seu primeiro disco. música de Edson por causa da péssima qualidade da gravação do Mas, ao que parece, o destino musical de Edson Gomes estava disco apresentado, Edson afirma que levou o maior chá de cadeira mesmo nas mãos de Cristóvão Rodrigues. A sua sorte começou a da sua vida e foi dispensado sem sequer ser atendido por ele. mudar numa noite de sexta-feira do ano de 1987 quando ao Tempos depois foi o próprio Cristóvão que procurou Edson para passar pelo Rio Vermelho, a atenção do radialista foi despertada gravar um disco. por um grande número de pessoas que se espremia na tentativa de entrar na casa de show Zouk Santana. Cristóvão conta que Música de Jeferson Robson, Carlinhos Brown e Luiz Caldas – gravada no LP Magia do cantor Luiz Caldas, em 1985. 12 resolveu conferir a causa de toda aquela movimentação e confessa Edna Matos 42 Cão de Raça 43 que ficou encantado pela voz e pelo pouco que conseguiu ouvir do para que nosso operador, Edson Marinho fosse procurar esse lado de fora, uma vez que a casa estava lotada não sendo possível cantor, pois eu queria gravar uma música dele, para tocar lá na entrar. No dia seguinte, procurou imediatamente o seu assistente, rádio”. Edson Marinho e pediu que ele localizasse esse tal de Edson Gomes, pois queria gravar uma música dele para tocar na Itapoan FM. A GRAVAÇÃO DO LP REGGAE RESISTÊNCIA Edson Marinho que já conhecia Edson Gomes do festival de Feira de Santana foi procurá-lo, mas recebeu uma resposta negativa. Edson não tinha esquecido o descaso com que tinha sido tratado por Cristóvão Rodrigues anos antes. Cristóvão conta que Marinho retornou dizendo que Edson não Cristóvão Rodrigues e Manolo Pousada, apesar de satisfeitos, com o bom momento vivido pela cena musical na Bahia provocado pelo boom da axé music tinham consciência de que era necessário diversificar a produção para fugir do estigma de que aqui só se produzia música para o carnaval. Neste contexto um artista da qualidade de Edson Gomes e que não cantava axé era um verdadeiro achado. queria vê-lo: “Ele disse que veio aqui na rádio me procurar e eu tinha dito que a sua música era muito ruim. Mas, eu nunca disse isso para ninguém, mesmo quando eu não gosto da música eu não falo pra não ser mal educado. Além do mais, eu nem me lembrava de ter conversado com Edson. Então, Marinho me mostrou o compacto do Festival Canta Bahia e eu me lembrei da história. O que eu tinha dito pra Edson era que se eu botasse aquele disco no O próprio Cristóvão relata essa procura: “Quando estávamos na ar, o diretor técnico da rádio, ia mandar tirar, porque a gravação Itapoan FM, e começou esse movimento musical da Bahia, que se estava muito ruim. Eu não disse que a música era ruim, apenas colocou o nome de axé music, não era para ser música só de que a gravação não estava boa. Então pedi para Marinho voltar e carnaval. Era pra ser qualquer música. A gente sentia que estava tentar convencê-lo a vir aqui me ver até para que eu pudesse na hora de diversificar. Então naquele momento em frente ao desfazer o mal entendido”. Zouk Santana eu senti que aquele som era o diferencial do estilo de axé que a gente vinha tocando. Eu não me lembrava do nome Edson Gomes, resolvi parar e fui ver quem era esse cara, mas não consegui entrar, pois a casa estava lotada. Pela manhã, eu pedi Marinho conseguiu convencer Edson Gomes a ir conversar com Cristóvão Rodrigues que depois de se explicar o convidou a mostrar as suas músicas. Edson desfilou uma série de canções e ao Edna Matos 44 Cão de Raça 45 final foi convidado a gravar um disco. Cristóvão garantia que não registro’. Assim, ele acabou gravando uma versão de ‘I Shot the iria interferir no seu trabalho: “Eu vou te colocar no estúdio para Sheriff’ que levou o nome de ‘Leve Sensação’ e está nesse primeiro gravar um disco. Eu não vou ter intervenção nenhuma no seu disco”. disco, você vai gravar suas músicas, eu posso até dizer se gosto mais disso ou mais daquilo, mas não vou interferir. Quem vai lhe gravar é Wesley Rangel da gravadora WR.” Cristóvão entrou em contato com Rangel para acertar a gravação: “Liguei para Rangel e disse: ‘estou lhe mandando, um cara aí pra você gravar e acho que Realmente, essa negociação não foi muito fácil, pois mesmo querendo muito gravar o disco, Edson Gomes, resistia em abrir mão de suas convicções e não queria que fizessem alterações no seu trabalho. Essa é uma característica que ele preserva até hoje quando defende a originalidade da sua obra a todo custo. você pode produzir esse disco, porque o cara é ótimo, é um artista pronto’. Fiz apenas a ressalva de que ele não era muito flexível nas Edson nos conta a sua versão desse primeiro contato com suas convicções. Edson Gomes já era sucesso e eu não sabia”. Cristóvão Rodrigues e as suas consequências: “Missinho da banda Cristóvão Rodrigues, no entanto, interferiu na escolha do repertório ao convencer Edson Gomes a gravar a versão de uma música de Bob Marley e, também, a incluir “Samarina” e “Malandrinha”, músicas que o cantor não gostava por considerálas açucaradas. Cristóvão relata como foi esse embate: “Edson se considerava guerreiro e queria gravar apenas as músicas de protesto e essas duas músicas ele não gostava por que eram românticas. Mostrei pra ele que elas eram dois grandes sucessos já consagrados e não poderiam ficar de fora do seu primeiro disco. A versão de Bob também foi uma luta, pois ele dizia que não precisava gravar versões porque tinha muitas músicas próprias, Chiclete com Banana, cantou a música ‘Rastafári’ na micareta de Feira de Santana e aí alguém queria me conhecer lá na Itapoan FM. O tal de Edson Marinho chegou dizendo: ‘Ah! Cantaram sua música rastafári. Sarajane quer gravar você, todo mundo quer gravar você, Cristóvão Rodrigues quer gravar você’. Então ele me levou na rádio e me apresentou a Cristóvão Rodrigues que conversou comigo, pediu pra ouvir minhas músicas, disse que tinha gostado, mas queria que eu introduzisse no meu trabalho as levadas do Olodum, eu aí esfriei e disse: eu não vou gravar com batida do Olodum coisa nenhuma, porque meu lance é reggae. Ele queria mudar a minha música e isso eu não aceitava”. suficientes para compor o repertório do disco. Aí eu disse: ‘você Edson e Cristóvão, finalmente, chegaram a um acordo e ficou tudo não é um seguidor de Marley? Então porque não quer gravar uma combinado para a gravação. Mas, o técnico contratado por versão dele? Você mesmo escolhe a música e faz a versão. É só pra Edna Matos 46 Cão de Raça 47 Cristóvão para gravá-lo precisou viajar e no dia da cerimônia de naquele momento, nós estávamos gravando, basicamente as entrega do Troféu Caymmi, ao descer as escadarias do teatro músicas para o carnaval e era preciso abrir vertentes para outros Castro Alves, Edson encontrou o dono da gravadora, Wesley ritmos. Então, abrimos para o rock, para a música chamada da Rangel que lhe perguntou se ele não queria gravar o disco. Ao ser caatinga (Xangai, Elomar, etc.). Cristovão tinha contato com Edson informado da ausência do técnico escolhido por Cristóvão, Rangel Gomes e nos trouxe essa possibilidade de também, produzir a ofereceu a Edson a oportunidade de gravar com outra pessoa. música reggae. Havia, ainda, o interesse da EMI Odeon na música Edson voltou para casa e ficou aguardando. Até que num belo dia que estava sendo feita na Bahia. Nós produzimos o disco lá estava ele sentado na praça principal de São Félix quando parou exatamente para atender essa possibilidade de repasse do um carrão e Rangel desceu perguntando: e aí, pronto pra gravar? produto Edson Gomes para uma gravadora do porte da EMI Foi só o tempo de ir em casa, pegar a sacola e retornar a Salvador Odeon, que era uma gravadora internacional e, portanto poderia na companhia de Rangel para a gravação do seu primeiro disco. dar uma maior projeção para ele”. Cristóvão Rodrigues, Manolo e Wesley Rangel, formavam a tríplice O radialista Ray Company que acompanha o reggae há bastante aliança da música baiana na década de 1980. Os dois primeiros tempo, credita o interesse da EMI Odeon por Edson Gomes a descobriam os candidatos ao sucesso, Rangel gravava e Cristóvão gravação inédita que a cantora Sarajane fez das músicas “História divulgava utilizando-se da sua influência na Itapoan FM. Vejamos do Brasil” e “Rastafári”, pois nessa época a cantora estava o que Wesley Rangel tem a dizer sobre esse fértil período musical estourada com o sucesso A Roda e era bastante conceituada na na Bahia: gravadora. “Cristovão Rodrigues era o principal escoamento dos produtos Wesley Rangel concorda em parte com a opinião do radialista, que nós produzíamos no estúdio, a musica baiana foi toda calcada, pois, segundo ele, não adianta nada o artista ser bom se não na parceria da WR e a rádio Itapoan FM, onde Cristovão Rodrigues houver divulgação do seu trabalho e essa garantia só Cristóvão e Manolo Pousada eram os diretores artísticos. Eles começaram a Rodrigues poderia oferecer aos empresários da gravadora: acreditar na possibilidade de se tocar a música feita na Bahia numa rádio local. Quando começamos a trabalhar juntos, o mercado, realmente, começou a ter outra dimensão. Só que “A EMI Odeon estava muito empolgada com as músicas da Bahia, e com as vendas conseguidas pela banda Reflexus e por Sarajane, Edna Matos 48 Cão de Raça 49 mas o poder de convencimento que Cristóvão Rodrigues tinha me ligava reclamando: ‘não dar para gravar com esse cara, ele é junto a essa gravadora era mais forte porque ao repassar o reacionário em algumas coisas e assim não dar’. Eu pedia que ele produto ele garantia a sua execução na Itapoan FM. Então para tivesse paciência, pois bons artistas são assim mesmo, eles gravadora, não bastava dizer que era um bom artista. Para a transcendem”. gravadora era importante ter a garantia da divulgação. E, a via de escoamento desses produtos era exatamente a rádio, que não só era primeiro lugar em audiência na Bahia, como tinha o dobro da audiência da segunda colocada. A Itapoan FM era realmente um veículo de comunicação poderosíssimo. Tanto que a axé music deve muito a essa rádio. O primeiro disco de Luiz Caldas teve uma venda espantosa, depois veio Sarajane, a banda Chiclete com Banana, o Olodum. Aí, eles começaram a perceber que o mercado estava em ebulição e tudo estava andando muito rápido. Então, o pessoal da EMI Odeon, pensou assim: se é um produto novo, se Cristóvão Rodrigues toca na rádio, se o produto é bom e se Edson Wesley Rangel diz que hoje, consegue compreender melhor aquele momento e que apesar de tudo, conseguiu construir uma relação sólida com Edson Gomes baseada na confiança e no respeito mútuo: “Edson sempre teve um personalidade muito forte, sempre foi uma pessoa decidida naquilo queria, independente dele ter ou não domínio sobre o assunto. É evidente que ele, agora, tem todos os conhecimentos técnicos. Hoje ele sabe como fazer as coisas, só que naquele momento, ele precisava de uma pessoa externa para orientá-lo, mas mesmo assim resistia e não era só comigo, quando vinha um produtor novo até Edson se adaptar, era um problema”. Gomes é um grande artista, já validado por Sarajane e produzido pela WR que era responsável por todas as produções locais, então Durante o processo de produção dos cinco discos em que Wesley temos interesse no produto.” Rangel e Edson Gomes trabalharam juntos eles foram se ajustando paulatinamente e a cada novo disco crescia o entendimento Inicialmente o relacionamento de Edson Gomes com Wesley Rangel foi bastante tumultuado e resultava em embates muito duros. Cristóvão Rodrigues, conta que algumas vezes, Rangel o procurava para desabafar: “Eles discutiam, principalmente sobre, como ia ficar o disco, por que Edson não concordava com umas coisas, Rangel não concordava com outras e volta e meia Rangel mútuo e o processo de produção parecia melhorar. Rangel conta que foi introduzindo algumas modificações na estrutura da banda com o objetivo de melhorar os resultados: “Eu ia sugerindo algumas mudanças. Havia a questão do coro que no primeiro disco era um coro familiar, formado pelo irmão de Edson, Tim Tim Gomes e a mulher de Nengo, Valéria Vieira, porque Edson não Edna Matos 50 Cão de Raça 51 queria perder a identidade. Eu tentei convencê-lo a contratar um participante seguem as versões dos três envolvidos, Cristóvão coro de estúdio, pois iria facilitar a direção porque a relação seria Rodrigues, Wesley Rangel e Edson Gomes. mais profissional. Eu achava também que tinha de trocar o baterista, Jair Soares que não demonstrava muita segurança de ritmia. Edson não concordou e o disco acabou sendo gravado com a equipe dele. Deu trabalho, mas acabou saindo um trabalho de qualidade. Já no segundo disco, Edson concordou em colocar um baterista de estúdio, João Teoria e um coro, também, de estúdio formado por América Branco e Adriana Novaes. Nós brigamos em todos os nossos discos, mas nem por isso deixamos de gravar Edson Gomes, porque sabíamos que era tudo uma questão de zelo. Ele se preocupava demais com o resultado do seu trabalho”. Logo após a gravação do disco pela WR, Cristóvão Rodrigues resolveu tratar de sua distribuição. Assim, aproveitando-se do seu prestígio junto, a gravadora EMI Odeon iniciou as negociações para que o disco fosse lançado por esse selo. Ele conta como foi esse começo: “Eu estava com muito prestígio na EMI Odeon por ter levado para a gravadora o disco da banda Reflexus, produzido por mim e Manolo e que tinha se transformado no disco mais vendido do momento. Levei o disco de Edson Gomes para a EMI Odeon e o apresentei ao seu diretor de marketing, Sérgio Afonso e ao diretor artístico, Jorge Davidson. Depois da audição eles O disco Reggae Resistência é considerado o primeiro do gênero ficaram encantados com o produto e perguntaram como seria a Reggae no Brasil, pois antes dele, nenhum outro artista ou grupo negociação. Expliquei que eu estava apenas apresentando o artista tinha conseguido gravar um disco apenas com músicas de reggae e no país. Pode-se dizer que o álbum é puro reggae tanto no ritmo imediatamente, lá na rádio, mas que não faria nenhuma quanto nas letras que respeitavam a essência do estilo musical e a intermediação. Informei que o disco era de Rangel e, portanto eles proposta do movimento criado por Bob Marley. deveriam negociar valores com ele e que Edson Gomes era o que me comprometia a tocar a música “Samarina”, cantor e autor das músicas e que deveriam negociar o contrato A NEGOCIAÇÃO COM A EMI ODEON O caminho até a assinatura do contrato com a EMI Odeon foi pavimentado por uma negociação, no mínimo, controvertida. Como ainda não foi possível chegar a uma convergência das histórias para que se possa delimitar as responsabilidades de cada diretamente com ele”. O segundo capítulo da novela da negociação para produção desse primeiro disco narra a ida de Edson Gomes aos estúdios da EMI Odeon no Rio de Janeiro. Primeiro veremos a versão de Cristóvão Rodrigues: “Eu levei Edson Gomes ao Rio de Janeiro. Saímos daqui Edna Matos 52 Cão de Raça 53 de Salvador num voo de manhã cedo e fomos para EMI Odeon, que Era uma bolsa emborrachada, com as cores da Jamaica e dentro ficava na Rua Mena Barreto, no bairro de Botafogo. Chegando lá tinha o CD. conversei com a direção da gravadora e passei para eles um briefing de como lidar com Edson. Expliquei que ele era muito desconfiado e por isso eu não gostaria de atuar como intermediário. Eu estava apenas levando o produto e eles que se acertassem. Voltei a informar que a parte referente ao disco, era com Rangel da gravadora WR e a parte do contrato era com o próprio Edson Gomes”. Ao ser confrontado com a versão de Cristóvão Rodrigues sobre a sua ida ao Rio de Janeiro e a negociação com a gravadora EMI Odeon, Edson Gomes discorda frontalmente: “Não, eu não fui conversar com gravadora nenhuma. Eu só estive lá na EMI Odeon com Wesley Rangel no dia em que ele foi vender o disco. Antes, não tinha gravadora nenhuma certa. Eu gravei no estúdio WR porque Rangel acreditou no meu taco, me gravou e se aventurou a Cristóvão chega a detalhar essa viagem contando um caso vender o trabalho. Ele vendeu o tape por 500 mil [cruzados] na ilustrativo: “Conversava com o pessoal da EMI e, aí de repente, época um dinheirão e fez um contrato para produzir três discos some Edson Gomes. Cadê, Edson Gomes? Ninguém tinha visto. meus para a EMI Odeon. Eu assinei o contrato com a editora que Então eu falei que não tinha problema e perguntei onde ficava o me adiantou 30 mil [cruzados] relativos aos direitos autorais”. bar mais próximo. Alguém lembrou que era de manhã cedo, mas eu disse que não importava, pois iríamos encontrar Edson Gomes lá tomando um cafezinho. Não deu outra, tinha um bar perto e Edson estava lá”. Edson Gomes afirma ainda que pela venda do disco não recebeu absolutamente nada, mas que não questionou a justiça deste acerto: “Não falei nada, quem está começando vai questionar? Eu percorri onze anos para chegar até o disco. Então, eu entendi que Ainda, segundo Cristóvão, Edson Gomes assinou o contrato com a nessa transação ele estava ganhando dinheiro e eu estava tendo o gravadora e teve o privilégio de ser o primeiro artista da Bahia, meu sonho realizado. Cada um paga o seu preço e eu estava antes mesmo de Caetano, Gil, Betânia, a ter o seu disco gravado pagando pela realização do meu sonho de onze anos”. em compact disc (CD). Como o formato CD ainda não era difundido aqui na Bahia o departamento de marketing fez um brinde de lançamento para ser distribuídos entre os formadores de opinião. Wesley Rangel confirma a ida ao Rio de Janeiro com Edson Gomes com o objetivo de mixar o disco: “A primeira viagem que eu fiz com Edson, a gente acabou até mixando o disco lá no próprio Edna Matos 54 estúdio da EMI Odeon, com o técnico Serginho Bittencourt. Isso Cão de Raça 55 IMPOSIÇÕES NA GRAVAÇÃO DOS DISCOS depois que o negócio foi fechado, depois que ele fez o contrato, que ele fez tudo. Mas nessa viagem, só fomos eu e Edson Gomes, Wesley Rangel diz que se arrepende de algumas imposições feitas para fazer isso”. a Edson Gomes na produção desse primeiro disco. Alterações no trabalho do artista que hoje com a experiência e o conhecimento Rangel afirma, ainda, que não fez nenhuma negociação com a EMI Odeon e salienta que foi contratado para gravar o disco de Edson Gomes, recebeu por isso e entregou o resultado da gravação ao contratante, Cristóvão Rodrigues, que vendeu o tape para a gravadora. “Eu não participei da negociação. A minha participação foi na produção do disco. A venda do tape, pelo que eu me lembro, foi feita pelo Cristóvão Rodrigues. Eu produzi esse primeiro disco para Cristóvão Rodrigues que fez a intermediação com a EMI Odeon, e aí naquele momento eu fiz o contrato para produção de três discos.” adquirido sobre o reggae ele não faria. “Esse disco tem algumas coisas que me deixaram triste depois. Edson já tinha um conceito, era um homem vivido no reggae. Eu tinha experiência em estúdio, mas não conhecia muito o produto reggae, mesmo assim, convenci Edson a colocar um bumbo eletrônico e uma caixa eletrônica. Eu me arrependo todos os dias da minha vida por essa influência ruim que eu tive no trabalho de Edson Gomes, mas apesar de tudo o disco foi um dos maiores, se não, o maior sucesso de toda a sua carreira, porque tinha uma energia boa, uma coisa nova, uma identidade forte, e que hoje eu sei com absoluta segurança, que foi As contradições continuam porque Edson Gomes afirma que viu realmente, aquele sentimento do Reggae do Recôncavo o que Rangel entregar o tape para a gravadora e receber o cheque: “A influenciou a fazer esse trabalho. Edson tinha naquele momento parte que envolve Cristóvão Rodrigues e Wesley Rangel, eu não uma influência muito forte de Bob Marley e eu tinha ouvido mais tenho conhecimento. Eu só sei que eu fui com Rangel na EMI Peter Tosh que usava mais um material eletrônico, e acabou Odeon. Ele vendeu o tape e o cara lhe entregou o cheque. Isso surgindo uma mistura dessas duas coisas, que não sei se foi bom aconteceu na minha presença. Volto a dizer que eu nunca fui com pra ele, mas no ponto de vista de reconhecimento de mercado, Cristovão Rodrigues para lugar nenhum. Eu estava com Rangel e para ele esse disco teve uma aceitação muito boa.” foi nessa viagem, inclusive que eu assinei o contrato com a editora”. Edna Matos 56 Cão de Raça 57 Edson Gomes diz que reconhece a importância do LP Reggae Ainda sobre as pressões para adequar seu trabalho aos interesses, Resistência para sua carreira e para o movimento reggae como um dos produtores e empresários, Edson conta como conseguiu todo, mas musicalmente ele não gosta deste disco. resistir e manter a originalidade de sua criação. “Sofri muita Sobre sua relação com Rangel, Edson Gomes ressalta que as discussões eram todas no campo profissional e que o produtor musical sempre apoiou seu trabalho. Dessa relação ficou o respeito e admiração mútua. “Sempre tem discordância e entre nós era no sentido da linha do contrabaixo, do volume do contrabaixo, do peso do contrabaixo. Ele tinha um conceito de reggae diferente do nosso, o conceito de reggae dele é que o bumbo é o centro do instrumental, o coração do reggae, já na nossa concepção o centro é o contrabaixo, não é o surdo, o bumbo. Ele queria acrescentar o bumbo, aí tínhamos algumas brigas violentas, discussões terríveis por causa disso. Então, sempre que ele se ausentava e me deixava sozinho, eu pedia para o mixador colocar o som do meu jeito. Aí, quando ele voltava mudava tudo de novo e eu ficava puto”. pressão para mudar minha linha de trabalho no segundo disco, inclusive perdi prestígio junto a gravadora, porque eu não mudei. Cristovão Rodrigues já queria me mudar desde o primeiro disco. Mas, Wesley Rangel me disse: ‘fique na sua, grave seu negócio, que quando ele chegar já vai estar gravado e ele vai gostar’. E, foi realmente o que aconteceu, quando Cristóvão viu o resultado ele gostou. No segundo disco, a própria gravadora fez recomendações para que eu mudasse alguma coisa, inclusive me enviou algumas composições desses compositores de oportunidade, aqueles compositores de encomenda. ‘Ah, faça uma música assim e tal’. Eram umas letras idiotas e eu disse não iria gravar aquilo. Rangel me apoiou e me disse: ‘não mude seu trabalho porque você já conquistou uma identidade com esse trabalho, você deve continuar com sua linha’. O produtor me deu o apoio, mas eu perdi o apoio da gravadora, porque quando terminou o contrato e eles Apesar de gostar da música de Bob Marley, Edson Gomes não gostou da imposição de ter que gravar uma versão dele e muito menos do arranjo dado pela banda Studio 5. “Eu gosto da música, I shot the sheriff, mas infelizmente a banda não respeitou a essência da música. Eu não gosto da versão que eles fizeram e estou, inclusive fazendo uma nova versão mais original, porque é assim que gosto.” não quiseram mais renovar comigo.” Bárbara Falcón13, chama a atenção para as dificuldades que um artista enfrentava para conseguir gravar um disco nos anos 1980 e 1990, período em que Edson Gomes lançou seus três primeiros álbuns. “Deve ser considerada também a cadeia produtiva que envolvia esse processo, que vai desde as técnicas de gravação, até 13 FALCÓN, 2011, p. 108 Edna Matos 59 58 os meios de distribuição do produto final, pois exigiam investimento por parte das gravadoras. Assim, em 1988, Edson CAPÍTULO 3 – “Vamos dançar este Reggae” Gomes assinou um contrato com um importante selo para produção de três álbuns, que foram essenciais para a consolidação da sua carreira no estado e em boa parte da região Nordeste.” E assim mesmo com a pressão da gravadora, Edson Gomes se manteve fiel a originalidade do seu trabalho conseguindo gravar sete discos, o Reggae Resistência em 1988, distribuído nos três formatos disponíveis no mercado14, com grande resultado de venda, que consolidou sua carreira como grande artista conquistando um público fiel e apaixonado, não apenas na Bahia, mas no Brasil inteiro. “Isaac, vamos dançar esse Reggae Isaac, vamos cantar esse Reggae O povo precisa de uma voz amiga Que fale, que lute por uma verdade O povo precisa da realidade Mas tenha cuidado com as gentilezas Vovó já dizia Beleza não faz a mesa, Isaac É existem mil formas de viver, eu sei Isaac É existem mil formas de fazer, eu sei Isaac Mas precisa assumir o compromisso, Isaac E se for preciso morra por isso E fale que o povo anda morto de fome E fale que o povo anda passando fome Meu filho, vamos dançar esse Reggae Isaac, vamos cantar esse Reggae.” (“Isaac”, Edson Gomes) 14 LP, CD e fita cassete Edna Matos 60 Cão de Raça 61 O LP Reggae Resistência foi um sucesso de vendas e o público de Ao término do contrato com a EMI Odeon, Edson Gomes ficou um Edson Gomes só aumentava. Ele passou a ser referenciado como o período sem gravar, mas continuava fazendo seus shows. Foi maior reggaeman do Brasil sendo, inclusive, chamado por alguns quando o gerente da Aky Discos15, grande distribuidora de radialistas e produtores culturais como o Rei do Reggae brasileiro. material fonográfico do Brasil, pediu para que Edson voltasse a Em 1990, gravou seu segundo LP, Recôncavo, também produzido por Wesley Rangel, que trazia composições como “Lili”, “Fala só de Amor”, “Guerreiro do Terceiro Mundo”. Apesar de o disco repetir o sucesso do primeiro não houve o mesmo investimento na divulgação por parte da gravadora. gravar. “Eu continuei na estrada fazendo shows, aí rolou um pedido do gerente da Aky Discos que tinha força no Nordeste todo. Então, depois de quatro anos eu gravei novamente para a EMI Odeon tendo Rangel como produtor.” E, assim, em 1995, Wesley Rangel volta a cuidar da produção do seu trabalho e juntos gravaram o LP Resgate Fatal com destaque para as músicas Os problemas começaram quando Edson não aceitou gravar “Resgate Fatal” e “Isaac”. músicas do que ele chamava de “compositores de encomenda” apresentados pela gravadora. Nisto ele tinha o apoio de Wesley Rangel. Talvez por isso que, em 1991, a EMI Odeon convidou o produtor musical Perinho Santana para fazer o último disco do contrato que levou o nome de Campo de Batalha, em substituição a Rangel. O grande sucesso deste terceiro LP foi a música Em 1996 Edson Gomes foi convidado para abrir o show de Alpha Blondy, em Salvador onde tocou para mais de 22 mil pessoas que o emocionaram ao o acompanharem cantando todas as suas músicas. Esse show é lembrado como um dos maiores eventos de reggae acontecidos na Bahia. “Criminalidade”. O investimento na divulgação desse disco foi Outro momento marcante de sua carreira que Edson faz questão ainda menor. Edson conta que para divulgar o primeiro disco ele de lembrar foi o show realizado, em 2010, em Maceió na praia de viajou quase o país inteiro. Na ocasião do segundo LP as viagens Pajuçara. Ele conta que quando chegou ao palco e viu a praia foram programadas para acontecerem apenas no nordeste e interior da Bahia. O último disco do contrato, praticamente, não teve nenhuma divulgação. Ele afirma que “se não existisse o contrato a EMI nem teria gravado os outros dois discos”. 15 A Aky Discos foi fundada há mais de 30 anos, em Caruaru-PE e já chegou a ser a maior cadeia varejista de material fonográfico do país, com mais de 100 lojas distribuída por nove estados (incluindo Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná). A pirataria e a revolução no mercado fonográfico mundial, em especial pelo uso da internet tem reduzido sensivelmente o poderio dessa empresa que dominava o comércio de discos e fitas no Brasil especialmente no nordeste brasileiro. Disponível em : http://www2.uol.com.br/JC/_2000/1302/ec1302n.htm Edna Matos 62 Cão de Raça 63 lotada com gente pendurada nas árvores, ficou nervoso e chegou a Odeon. Apesar do CD estar sendo gravado nos estúdios WR, a EMI tremer de emoção. dispensou os serviços de Wesley Rangel e mandou vir um Ainda com o selo da EMI Odeon, Edson produziu junto com Wesley Rangel o CD Apocalipse, lançado em 1997 e que teve grandes sucessos como “Perdido de Amor”, que foi gravado pela Timbalada e depois pela banda Adão Negro e “Camelô” que até hoje é uma das músicas preferidas do seu público. No carnaval de 1997, Edson Gomes numa atitude bastante ousada lançou o bloco Reggae Resistência Ativa que desfilou na segundafeira de carnaval na Avenida Sete e domingo na Barra. O bloco foi um sucesso, arrastando uma verdadeira multidão nos dois dias. Do ponto de vista financeiro, no entanto, foi uma péssima iniciativa que quase o levou à falência, pois como não teve nenhum patrocínio dependia da venda das fantasias que não foi muito boa. Ele chegou a distribuir os abadás para que o bloco não desfilasse vazio. Edson lembra essa experiência: “Não consegui apoio de ninguém. Tudo ali foi pago com meus recursos, os músicos, o trio, os abadás. O bloco não pagou nada, só me tirou dinheiro para caramba. Mas a resposta do público foi muito boa. Dentro da corda tinha uns gatos pingados, mas fora uma verdadeira multidão acompanhava o trio”. Depois de quatro anos sem gravar, Edson Gomes estava trabalhando em um disco que sairia mais uma vez pela EMI produtor do Rio de Janeiro que chegou acompanhado de alguns músicos, inclusive o baterista João Viana, filho de Djavan. Edson e esse novo produtor não conseguiram se entender e a EMI cancelou a gravação, encerrou o contrato e a questão foi parar na justiça. Edson decidiu, então, lançar o disco de forma independente. Criou sua própria editora para poder substituir as faixas que já tinham sido editadas pela EMI Odeon e assinou um contrato de distribuição com a gravadora Atração. Assim, em 2001 foi lançado o CD Acorde, Levante e Lute que, além da música “Sangue Azul” onde ele faz críticas ao descaso da mídia para com seu trabalho, trazia a canção “O Inquilino das Prisões”. No encarte do disco tem uma carta dirigida aos fãs informando que a letra dessa música não é autobiográfica, mas como nem todos têm acesso ao disco, Edson, volta e meia, precisa se explicar em entrevistas e shows.16 A música também, desagradou uma parte do seu público que, pelo teor da letra, achou que Edson tinha se tornado evangélico: 16 “Escrevo-lhes para que saibam que a música “Inquilinos das Prisões”, não retrata a minha vida, pois nunca estive encarcerado, nunca fui privado da liberdade, nunca fui condenado, em suma, nunca tive problemas com a polícia. Porém, a canção é dedicada a toda população carcerária, ou seja, todos que estão privados da liberdade e que estão envolvidos em algo ilícito; drogas, e outras coisas. Mas, digo para estes prisioneiros que nada acabou, mesmo que tudo pareça destruído, mesmo que todas as portas estejam fechadas. Ainda assim nada acabou. Venha conhecer o poder regenerador do Sr. Jesus Cristo. Ele perdoa, liberta, salva, e tem a vida. Busca a ele e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará, nada acabou meu irmão, creia!” (Carta aos fãs, encarte do CD Acorde, Levante e Lute, 2001) Edna Matos 64 Cão de Raça “Quando eu morava na casa de satanás, Eu era o seu prisioneiro E fazia tudo por dinheiro Eu andava sempre no agrado dele Eu fumava maconha (cheirava pó) Eu bebia cachaça (uma desgraça só) 65 Que me tem amor e que já me salvou.”17 Em 2005, ainda pela Atração, foram lançados o CD e DVD Ao Vivo em Salvador com a gravação de um show ocorrido no dia 16/07/2005 no Wet’n Wild para um público de cerca de vinte mil pessoas. Eu fumava maconha (cheirava pó) Eu bebia cachaça (uma desgraça só) CONSICÊNCIA SOCIAL E ÉTNICA Eu era perigoso inimigo da sociedade Eu era marginal, eu era marginal, Eu sequestrava Já nas primeiras composições feitas por Edson Gomes é possível identificar claramente a preocupação com causas sociais. Este é Eu estuprava um traço determinante na sua produção musical. Músicas como Eu roubava “História do Brasil”, “Sistema do Vampiro”, “Viu”, “Recôncavo”, Eu matava. “Guerreiro do Terceiro Mundo” e “Lili” que viriam depois a Eu era inquilino das prisões compor o repertório dos seus dois primeiros álbuns, trazem a E liderava as rebeliões, agora estou marca forte do protesto contra o racismo, a desigualdade social e Estou retornando a violência. Pra casa do meu pai, Na casa do meu pai Não tem mais a dor, não tem mais sofrer. O próprio Edson fala sobre essa característica marcante de sua obra: “Mesmo antes de eu ter uma relação com o reggae, eu já Na casa do meu pai, lá tudo é o amor tinha essa veia do protesto, mesmo porque sou oriundo de uma Sem distinção de cor. raça sofrida, de descendentes de escravos. Então a nossa realidade Na casa do meu pai, lá mora o Senhor Majestoso até hoje é muito cruel. A minha família é grande, todo mundo é Senhor que me tem amor pobre. Eu não queria cantar falando de amor, a minha E que muito me amou 17 “Inquilino das Prisões”, Edson Gomes (LP Acorde, Levante, Lute, 2001) Edna Matos 66 Cão de Raça 67 especialidade é o social, é o protesto. Eu sinto essa necessidade de As músicas a que Edson se refere trazem nas letras preocupações abordar as questões sociais, de reivindicar direitos”. com a violência, a seca nordestina, o conflito de gerações, a Nas sociedades onde a população não reúne as condições desigualdade econômica e outras mazelas sociais: necessárias para desenvolver o hábito da leitura a música é usada “É tanta violência na cidade como uma forma de conscientização. Os negros jamaicanos Brother é tanta criminalidade ouviam Bob Marley e entendiam a sua mensagem. As letras de As pessoas se trancam em suas casas Edson Gomes, antes mesmo de serem no ritmo de reggae, já Pois não há segurança nas vias públicas traziam todas as características desse estilo. Edson conta que ao E nem mesmo a polícia pode impedir Às vezes a polícia entra no jogo.”19 ser apresentado à música de Marley, se reconheceu no trabalho dele: “Quando fazia meu trabalho, eu já tinha uma boa inclinação xxx para o reggae. Primeiro eu conheci Jimmy Cliff e depois Peter “E mais uma vez o caso tornou-se um drama Tosh. Mas, realmente o reggae só foi me influenciar quando eu A seca está no aí e o povo bebendo lama conheci Bob Marley. Certa noite, eu estava passando pela Paulo Por culpa de tamanha incompreensão Dias Adorno18 e ouvi uma canção, era No woman no cry. Eu já A seca arrasa, devora o sertão [...] tinha ouvido essa canção interpretada por Jimmy Cliff, depois saiu Enquanto eles pensam o povo cumpre sua sina a versão com Gilberto Gil, que fez muito sucesso, então quando eu E vive esperando a providência divina.”20 ouvi a versão original com Bob Marley, me tocou muito. Meu xxx irmão Tim Tim Gomes, que já morava em Salvador, me trouxe o LP Rastaman Vibration e aquele das bandeiras, Survival, foi aí que, “E o amor que os cantores cantam realmente, comecei a incorporar o reggae. Mas, eu não fui Não junta a família influenciado pela luta, eu fui influenciado pelo ritmo. Eu não Não soma, não junta a família passei a compor música de resistência por ter conhecido Bob Filhos e filhas contraindo traumas Sexo e drogas, fama e dinheiro Marley, eu já cantava música de resistência antes disso”. 18 Fundação Casa Paulo Dias Adorno fundada no ano de 1967. É uma das mais antigas casas de cultura da cidade de Cachoeira, Bahia. 19 20 “Criminalidade”, Edson Gomes (LP Campo de Batalha, 1992) “Cão de Raça”, Edson Gomes (LP Reggae Resistência, 1988) Edna Matos 68 Cão de Raça 69 Assunto principal observação, mesmo que superficial do público nos seus shows é Sexo e drogas, fama e dinheiro suficiente para ver que ele se renova. A mensagem de Edson Notícias no jornal continua sendo bem assimilada pelos mais jovens. Juventude toda perdida Uma juventude mal dirigida.”21 Mesmo conseguindo manter e ampliar o seu público, Edson Gomes acha que poderia ter conseguido muito mais êxito na sua xxx carreira e se ressente do que considera como retaliações do “Todo mundo precisa de um lugar pra morar sistema: “Vou seguindo nessa minha trajetória, compreendi que é Todo mundo precisa de viver em paz uma caminhada muito árdua, porque eu abordo situações que Todo mundo precisa respirar o ar incomodam o sistema. Falo de coisas que não agradam as pessoas Todo mundo precisa se alimentar.”22 que estão com o poder. Mas, me sinto um andorinha voando xxx sozinha, pois os outros que estão fazendo reggae não têm coragem de sair para o combate, porque eles sabem que aqueles que “Esse sistema é um vampiro combatem com o reggae são retaliados pelo sistema. O trabalho Eh! Vive sugando todo povo [...] que eu faço é uma maneira de despertar as pessoas; de levar as Estamos metidos nos buracos Estamos jogados nas favelas da vida Pendurados lá no morro Velho pai, só nos resta teu socorro pessoas jovens à meditação, a refletir, sobre o dia-a-dia, sobre a vida. Não somente sobre a sua vida, mas sobre a vida das pessoas que estão ao seu redor”. Estamos largados nas calçadas Dentre as composições de Edson sem sombra de dúvida “Lili” é a Nós não temos nem morada mais emblemática. Ela acabou se transformando no hino dos Não temos nada!”23 movimentos sociais pelo Brasil: A atualidade dos temas abordados nas suas músicas talvez seja o “Vamos amigo, lute principal motivo da persistência de Edson na cena musical. Uma Vamos amigo ajude, senão 21 “Traumas”, Edson Gomes (LP Resgate Fatal, 1995) “Viu”, Edson Gomes (LP Reggae Resistência, 1988) 23 “Sistema do Vampiro”, Edson Gomes (LP Reggae Resistência, 1988) 22 A gente acaba perdendo o que já conquistou Vamos levante, lute Edna Matos 70 Cão de Raça 71 Vamos levante, ajude com temas religiosos. O público vibra com os seus discursos nos Vamos levante, grite shows. Eles normalmente são intercalados ou tem como pano de Vamos levante agora fundo uma música de protesto com bastante aceitação do público. Que a vida não parou Observa-se que a euforia do público se repete tanto para os A vida não para aqui discursos de teor político como religioso, por isso, fica a dúvida se A luta não acabou E nem acabará Só quando a liberdade raiar Liberdade, liberdade Teu povo clama, lili Dona lili.” são as palavras que de fato atingem essas pessoas ou se é a perfomance do artista. Um exemplo de discurso que provoca euforia no público foi o proferido em um show na cidade de Itabuna na Bahia, em 2004, tendo como fundo musical “Barrados”26. Nele pode-se identificar as duas vertentes básicas do pensamento de Edson Gomes – o político e o espiritual. O discurso Os discursos proferidos durantes os shows de Edson Gomes trata desde a discriminação sofrida pelos negros na sociedade: também é uma característica do reggae. Carlos Albuquerque24 esclarece que essa falação teve origem com os grandes soundsystems25 “Até que o homem negro prove que é um cidadão honesto ele é um marginal. Todos os dias ele tem que provar que é um cidadão honesto jamaicanos que necessitavam de um uma espécie de que cumpre com suas obrigações e que trabalha e que luta para mestre de cerimônias entre eles e o público. Essas pessoas se sobreviver.” utilizavam do microfone para chamar o povo para dançar, para anunciar lançamentos, os próximos locais aonde iriam se até a aceitação de Jesus Cristo como Senhor da Verdade e da Vida: apresentar, mas também falavam sobre sexo, violência policial, as “Quando o homem se curva diante de deus ele deixa logo de ser delícias da maconha, a dura vida dos guetos. Enfim tudo que rebelde porque ele teme o Deus todo poderoso ele se curva diante de deus e por isso mesmo que ele luta pela causa justa porque a causa viesse a cabeça desses DJs no momento. justa é a causa de deus porque deus é a verdade da verdade da Edson Gomes começou fazendo discursos políticos com os temas verdade, Jah!”. tratados nas letras de suas músicas e depois começou a mesclar passando pela resistência que Edson diz oferecer ao sistema: ALBUQUERQUE, Carlos. O eterno verão do reggae. São Paulo: Editora 34. 1997 25 Sistemas de sons 24 26 Veja a íntegra do discurso no Anexo III Edna Matos 72 Cão de Raça 73 “Eu não aceito as corrupções, eu não aceito a oferta dos homens e eu “Todo ano isso ocorre passo por dificuldades muitas dificuldades [...] nunca brilhei como É sempre o mesmo corre-corre artista nacional, porém eu deito minha cabeça no travesseiro tranquilo Quando a chuva cai porque eu nunca aceitei corrupção, nunca aceitei suborno.” É um sacrifício a mais A gente já não vive em paz Nessa gravação é possível identificar os gritos das pessoas a cada E quando essa chuva cai frase de efeito dita pelo artista. Piora tudo aqui e a gente fica assim Algumas composições de Edson Gomes são baseadas em fatos Pedindo clemência, correndo risco reais, ocorridos na sociedade como “Camelô” que se refere a Tudo é perigo perseguição sofrida pelos ambulantes de Salvador, em 1996, como Correndo risco, a morte pulsa mais parte do processo de ordenamento do comércio informal na Queremos ajuda, mas não tem ajuda Não temos culpa de sermos tão pobres assim cidade promovido pela prefeitura. E, “Calamidade Pública” É calamidade pública inspirada nas enchentes que vitimou muitos moradores das Queremos ajuda! cidades de Cachoeira e São Félix na Bahia, durante vários anos. Minha família, os meus amigos “Sou camelô, sou de mercado informal Com minha guia sou profissional Sou bom rapaz, só não tenho tradição Em contrapartida sou de boa família. Olha doutor, podemos rever a situação Agora estão soterrados, estavam lá.”28 Outras músicas relatam fatos acontecidos com o próprio artista como a letra de “Barrados”, conforme relato de seu filho Jeremias Gomes: “Tem uma canção específica que aconteceu com ele Pare a polícia, ela não é a solução, não. mesmo. A canção ‘Barrados’ narra um fato real. Ele morava no Quando a polícia cai em cima de mim bairro do Cabula, ali no Conjunto Chopm II, nas imediações da Até parece que sou fera.”27 Engomadeira e um dia saindo de casa para ir ao escritório, quando já estava na escadaria para pegar o seu carro ele encontrou uma xxx 27 “Camelô”, Edson Gomes (CD Apocalipse, 1997) senhora que estava com uma bolsa, e quando ele foi passar, ela 28 “Calamidade Pública”, Edson Gomes (LP Recôncavo, 1990) Edna Matos 74 Cão de Raça 75 segurou a bolsa dando a impressão de que achava que ele iria No entanto, era o taxista. Um dia deram queixa. Aí, a polícia roubá-la. Ele foi dali até o escritório matutando aquela coisa e ao chegou e entrou em minha casa sem mandato, sem nada. O policial chegar lá pegou o violão e fez a música”. arrumou uma treita para eu abrir a porta. Ele falou: ‘seu Edson, “Ainda ontem no condomínio que moro Uma senhora quando me avistou aconteceu alguma coisa com seu carro’. Quando eu abrir a porta ele entrou e me rendeu. Eu fiquei lá sentado, enquanto eles Apertou a bolsa, ela escondeu sua bolsa vasculhavam a casa toda a procura de droga. Não encontraram Apertou a bolsa, a branca segurou logo a bolsa nada porque na minha casa não tinha nem cinzeiro. Pra você ver, São cenas da minha cidade, uma doença da sociedade dez anos depois que eu deixei de usar é que a polícia vem dar Cenas da minha cidade, uma doença talvez incurável ‘baculejo’ na minha casa [risos].” E, você aí como passa? Você aí o que acha? Somos barrados no baile, todos barrados no baile Eles dizem que é só para gente bonita.”29 Outro exemplo é dado pelo próprio Edson, que relata um fato ocorrido em 1996, quando a polícia fez uma revista no seu apartamento no bairro do Cabula. Os policiais foram até o local por conta de uma queixa feita pelos vizinhos que reclamavam da Esse episódio foi a inspiração para a música “Fogo na Babilônia” gravada no CD Apocalipse lançado em 1997. “A Babilônia anda aflita Anda muito mais do que aflita Agora eu boto fogo de vez Eu sou o incendiário do sistema Olha minha querida gritaria fruto de uma, suposta briga entre Edson e sua Não tenha medo companheira. “Eu ‘rasta’, cabelo no meio das costas, regueiro e Aquele mesmo Senhor morando no Cabula. No apartamento em frente ao meu morava Que tantas vezes falei um motorista de táxi que gostava de fumar maconha. Além disso, Ele sempre estará aqui eu morava lá com Paula, mãe de meu filho Jeremias e a gente Ele sempre estará comigo brigava muito. A qualquer hora era aquela gritaria. Então, os Se por acaso o sistema (sistema, sistema) vizinhos achavam que isso acontecia porque eu estava drogado. Quiser tirar minha vida Talvez até possa conseguir 29 “Barrados”, Edson Gomes (LP Resgate Fatal, 1995) Porém, minha alma, nunca (never) Edna Matos 76 Cão de Raça 77 Eu sei, eu sei, eu sei Viemos na fúria do mar vivemos na fúria do mandar Toda brutalidade virá (brutality) Um homem lustre mandou queimar toda nossa história A brutalidade virá E lá na escola nos ensinam a ter vergonha Eu toco fogo Temos nosso jeito temos nosso próprio cheiro Eu toco fogo Nosso cabelo é duro não conhecemos preconceitos Eu toco fogo Somos livres e queremos ser assim Eu ponho fogo na Babilônia.” Sempre livres desejamos ser assim Jogo capoeira, sou a voz da resistência Mas, a maioria de suas letras é fruto da observação do seu Sou a massa regueira, massa firme verdadeira entorno, das pessoas, das situações. Algumas das composições de Somos da África, o povo da África Edson Gomes se referem às questões étnicas. Nessas, ele costuma Viemos na fúria do mar vivemos na fúria do mandar fazer denúncias contra o racismo que tem atravessado gerações e Doutor fulano mandou queimar toda nossa história relaciona o flagelo da escravidão como a principal causa da E lá na escola branca novamente a vergonha injustiça social no país. São letras direcionadas para o seu público Porém a cor não nega, a cor é forte é cor da terra mais fiel formado majoritariamente por afrodescendentes. Como E sim ainda assim negar, o sangue é vivo o sangue entrega.”30 “Na Escola” que fala da forma como a história da participação do xxx negro na formação da sociedade brasileira é deturpada pela educação formal no Brasil reforçando os preconceitos e “Sim, somos nós que estamos nas calçadas contribuindo para manter a autoestima dos negros sempre em Sim, somos nós que estamos nas prisões baixa. Apesar dessa música ser muito executada nos shows, Edson Nos alagados Gomes ainda não a gravou em nenhum de seus discos. Outro Sim, somos nós os marginais Sim, somos nós brutalizados exemplo é a canção “Somos Nós” que trata das consequências da Os favelados dos porões do inferno escravidão para a população negra brasileira. O inferno é aqui “Há tanto tempo que estamos aqui nesta terra brasileira Sim, somos nós os sem direitos Caminhando com saudade, exclusividade, é a liberdade 30 “Na Escola”, Edson Gomes (não gravada em disco) Edna Matos 78 Cão de Raça 79 Sim, somos nós os imperfeitos, somos os negros alertou: “Edson, essa musica é bonita pra caramba, mas tem um Sim, somos nós filhos de Jah trecho que derruba tudo. A princesa Isabel, não teve nada com o Sim, somos nós os perseguidos fim da escravidão, a história é outra”. Edson, então engavetou a Os habitantes dos porões do inferno música e mesmo com os pedidos dos fãs não a cantava mais. O inferno é aqui.”31 Edson fala de onde vem essa consciência racial: “Vem da minha Passados mais de cinco anos, ele revisitou essa canção e mudou a parte que o incomodava, mas ainda não a gravou: própria experiência. Em casa não havia preocupação com isso, “Dona Isabel nunca fez nada por nós porque meus pais, principalmente minha mãe, me aconselhavam a Já passavam por essas praias arranjar uma branca para que meus filhos não nascessem negros. Já me viu em plena escuridão Eu sei que isso era reflexo da opressão das senzalas, eles queriam Agora somos livres, aparentemente proteger os filhos, mas faziam dessa forma errada. Não pensavam Dona Isabel nunca fez nada por nós que desse jeito vai exterminar a nossa raça, pois cada negro que se Não, não, dona Isabel nunca fez nada por nós.”32 casar com um branco com o objetivo de embranquecer os filhos, estará trabalhando para nossa exterminação. Não que o negro não possa casar com o branco, mas não pode ser com essa intenção”. A PRESENÇA DE JESUS CRISTO Quanto maior era o esforço do homem branco em destruir a A consciência racial que Edson não encontrava em casa com seus integridade do escravo, maior era a reação (espiritual) deste. No pais era construída nas ruas com pessoas que lhe ‘davam toques’ único livro a que tinham acesso – a Bíblia – os negros jamaicanos como é o caso de um amigo branco chamado, Carlos Eduardo, que encontraram refúgio e combustível para seus ideais e marcaram o alertou sobre a letra de uma música que ele cantava nos dois pontos no mapa: Egito e Etiópia. Nesses locais, a história da barzinhos em Cachoeira e que fazia bastante sucesso na época, civilização viveu importantes momentos. E ambos ficavam na “Princesa Isa”. Edson fez a letra baseado nas informações dos África! Assim, a Etiópia passou a ser considerada para muitos livros de história do Brasil e contava como o negro que veio no deles como uma terra santa para onde eles deveriam retornar.33 navio negreiro fora libertado pela princesa Isa. O seu amigo o 32 31 “Somos Nós”, Edson Gomes, (LP Campo de Batalha, 1992) 33 “Princesa Isa”, Edson Gomes (não gravada em disco) ALBUQUERQUE, 1997, p. 29 Edna Matos 80 Cão de Raça 81 Esse ideal era incentivado por um dos maiores líderes negros de diz nunca foi um rastafári praticante: “Eu não sou rasta. Antes de todos os tempos, Marcus Garvey, que asseverava em seus cortar o cabelo eu estava travestido de rasta, mas não seguia os discursos para a população negra da Jamaica: “Nós, negros, seus costumes. Quando eu conheci o rastafarianismo eu já tinha acreditamos no Deus da Etiópia, o Deus eterno – Deus dos Deuses, um Senhor na minha vida e não poderia ter outro”. o Deus Espírito Santo, o Deus de todos os tempos! Este é o Deus no qual acreditamos, mas iremos louvá-lo segundo o ponto de vista da Etiópia. Voltem-se para a África, lá será coroado o Rei Negro; Ele será o Redentor ”.34 De uma forma geral, a questão religiosa prevalece nas letras dos artistas do reggae lá na Jamaica ou aqui na Bahia, nos congregados ou nos que não se definem por nenhuma religião, como é o caso de Edson Gomes, que embora não faça parte de nenhuma Os que acreditaram nessa teoria tomaram emprestado o primeiro congregação, afirma que Jesus Cristo é a fonte do seu dom, da sua nome do “Rei dos Reis” e se tornaram conhecidos como rastamen. força e da sua vitória: “Eu não tenho religião, não sou católico. Eu Seguidas, e pouco formais, consultas à Bíblia foram misturadas a sou um homem que crer em Deus de outra maneira. Não creio em elementos da cultura religiosa africana (com toda a sua Deus por causa de uma imagem ou escultura. Eu creio em Deus diversidade) e deram origem ao que se costumou chamar como o espírito criador de todas as coisas, e que nos fez segundo a “rastafarianismo”: a religião dos rasta.35 sua semelhança, que é o deus dos evangélicos. Mas, evangélico não Ao chegar ao Brasil, o reggae e o “rastafarianismo” foram ressignificados ao incluírem elementos das culturas de cada é religião. Evangélicos são pessoas que evangelizam, que pregam a palavra de Deus”. região aonde foram adotados. No Recôncavo da Bahia não poderia A forte influência das leituras que Edson faz da Bíblia, que ele ser diferente, cada artista assimilou a mensagem de Marley com afirma ser o único livro que lê, está mudando aos poucos os base nas suas crenças e formações. discursos que costuma fazer em seus shows. Eles estão se Edson Gomes usou durante muitos anos os cabelos tipo dreadlock, que aqui no Brasil já é considerado como suficiente para identificar uma pessoa com rastafári. Mas, conforme ele mesmo parecendo cada vez mais com pregações cristãs. Em um show, no pequeno município de Firmino Alves, na Bahia, ao apresentar uma nova composição em que prega o fim dos tempos ele a intercalou com mensagens em que exortava as pessoas a se aproximarem de 34 35 WHITE, 2011, p. 25 ALBUQUERQUE, 1997, P. 33 Edna Matos 82 Cristo, pois a sociedade estava doente e o regresso do Salvador já Cão de Raça 83 O INCENDIÁRIO DO SISTEMA estava por acontecer: É comum as pessoas ouvirem falar de Edson Gomes e já pensarem “O Deus de Abraão misericordioso criador de todas as coisas, ele vem! E num piscar de olhos todos nós seremos transformados todos nós compareceremos no tribunal do criador.”36 nas polêmicas em que ele costuma se envolver. Edson é aquele cara capaz de deixar de fazer um show se o produtor não tiver honrado seus compromissos; que nunca está satisfeito com a O que chamou a atenção para este show é que, talvez por ter qualidade do som; e, que defende seu trabalho com unhas e acontecido em uma cidade pequena e para um público menor, dentes. Edson Gomes abusou desse recurso ao incluir um discurso/pregação em, praticamente, todas as músicas do repertório apresentado. Raimundo Antonio, professor de história, DJ e um aficionado do reggae que costuma acompanhar esse tipo de shows em Salvador e nas cidades do interior do estado, conta que a primeira Apenas a veia social de Edson Gomes o impede de engrossar oportunidade que ele teria de assistir a um show de Edson Gomes definitivamente as fileiras dos artistas gospel. Ele afirma que não foi, em 1987, na Feira da Bahia, um evento promovido pelo gostaria de deixar órfãs as pessoas que o seguem em busca de governo do estado para promoção dos seus municípios onde as suas mensagens contra o sistema, contra as injustiças sociais. “Eu prefeituras mostravam o que as suas cidades tinham para já pensei em migrar de conceito musical. Continuar com o Reggae, oferecer. A feira durava uma semana e nela aconteciam shows de mas mudar para o gospel. Eu tenho esse pensamento, mas não sei artistas locais e nacionais. “O Parque de Exposição estava lotado e se vai ser concretizado, pois fico pensando que não posso muita gente aguardava o show de Edson Gomes, pois mesmo sem abandonar essa galera toda, que vive esperando uma mensagem ter nenhum disco gravado ele já tinha um público que o seguia. minha, uma palavra minha.” Esse show acabou não acontecendo porque Edson se aborreceu com a produção dos Titãs, que tocaria na sequência, porque eles armaram os seus instrumentos no palco antes da hora deixando pouco espaço para que a banda Cão de Raça se instalasse. Isso 36 Veja a íntegra do discurso 02 no Anexo III deste livro Edna Matos 84 Cão de Raça 85 acabou gerando um atrito entre os roqueiros e os regueiros, com O seu filho, Jeremias Gomes disse que algumas pessoas acham que uns atirando pedras e areia nos outros.” seu pai é um cara brabo, estressado, arrogante e ignorante, mas Em outro evento desta vez na cidade de Itabuna, Bahia, Edson se sentiu desrespeitado pelo público que insistia para que ele cantasse músicas de Bob Marley. As pessoas estavam em um camarote e carregavam bandeiras de Che Guevara e Bob Marley. Edson parou o trio e falou: isso é só aparência, pois segundo ele, Edson é uma boa pessoa, muito generosa, sincera e verdadeira. Ele credita essa fama ruim a algumas “atitudes isoladas de palco ou de alguma cena isolada que alguém possa ter visto e ao fato de ele ser uma pessoa fechada. Ele não é ignorante. Ele é tímido. Meu pai passou pela pobreza e por problemas em casa com meu avô e acabou se tornando um Rapaz, vocês aí de Che Guevara. Vocês têm que me respeitar e respeitar o meu trabalho, Bob Marley e Che Guevara fizeram o papel deles agora eu estou fazendo o meu, eu toco minha música. homem fechado”. O próprio Edson tenta explicar essa faceta de sua personalidade: “Se eu sou um combatente, se eu sou um rebelde, não aceito tudo que o sistema quer me incutir. Então o que eles pensam? ‘Vamos E não ficou só nisso. A noite prometia! Edson seguiu com o trio criar situações para minar esse cara. Esse cara é o valente, então parando no meio de caminho para ir ao camarote da prefeitura, vamos criar algumas situações para exterminar com ele’. Aí, onde fez algumas canções e como já tinha se tornado costume, pessoas explicou que a música “Inquilino das Prisões” não falava dele aproximaram de mim falam que eu sou grosseiro, arrogante. As mesmo. Prof. Raimundo conta que na volta, algumas meninas pessoas tem esse comportamento comigo: elas ouvem algo e não tentaram abraçá-lo, coisa que alguns artistas adoram, mas Edson procuram pesquisar, não procuram ver se realmente a situação é não gosta. Ele ia tentando contê-las, mas como não estava aquela, e aí prontamente já acreditam”. conseguindo chamou a polícia e acabou voltando para o trio escoltado o que causou grande aborrecimento do público presente. Na segunda volta do circuito Ele reconsiderou e permitiu que um dos seus músicos cantasse uma música de Bob Marley. que nunca tiveram contato comigo, nunca se Edson acha que tudo não passa de um estratagema para isolá-lo impedindo que as pessoas tenham acesso a sua mensagem libertária. Então forjam essa imagem de uma pessoa difícil, inacessível para criar uma barreira e impedir que as pessoas se aproximem dele. Mas, que quando alguém se aproxima, vê que ele Edna Matos 86 Cão de Raça 87 é apenas um cara sério. “Eu não ando de cara aberta, a minha comunidade, para o povo, que fale do dia-a-dia das pessoas e eles natureza é assim e eu tenho direito de ser assim. O sistema gosta não querem me deixar fazer isso”. do negro brincalhão, aquele que faz pagode e é simpático por isso. Então é assim: vai tirar fotografia, sorria. Mas por que eu vou sorrir se eu não estou com vontade? A gente só deve sorrir quando tem motivo pra isso. Desde pequeno somos induzidos a ser artificiais, a perder a naturalidade do ser. Eu sou natural. Não tenho que ficar bajulando ninguém para ser meu amigo ou minha amiga. Eu sou assim, sou um cara fechado, tímido e introvertido”. Essa atitude de Edson em relação à imprensa corrobora com a opinião do radialista Cristóvão Rodrigues para quem os problemas que Edson enfrenta nas suas relações no meio artístico deve-se a sua intransigência na defesa das suas ideias e do seu trabalho que para Cristóvão se constitui na sua verdadeira religião: “Toda vez em que eu fui ao estúdio, quando trincava alguma coisa entre ele e Rangel, me parecia que a música para ele Esse talvez seja o principal motivo de seus problemas com a era como se fosse uma religião. Tinha também, uma forte imprensa. Edson não aceita ser enquadrado no padrão pré- influência de Nengo Vieira, que era uma espécie de pensador do definido dos veículos, principalmente, quando os grupo. Eles agiam como fundamentalistas religiosos e isso tornava programas tentam valorizar o seu lado romântico que ele considera apenas tudo mais difícil ainda”. como um apêndice de sua carreira. Mas, ele refuta a ideia que se espalhou nos meios de comunicação de que ele não conversa com “ALÔ, ALÔ, O SOM NÃO ESTÁ BOM” jornalistas: “As pessoas dizem que eu não gosto de falar com a imprensa nem aparecer em programa de televisão. Mas, eu sou um produto e quero ser divulgado. Mas, a TV tem esse negócio do cantor começar a música a partir da metade e nem eu nem meus Quem já assistiu a algum show de Edson Gomes com certeza presenciou suas reclamações sobre a qualidade do som. Às vezes ele se aborrece tanto que chega a ser agressivo com os técnicos. músicos estamos habituados a isso. Então às vezes a gente erra e O radialista Ray Company é de opinião de que a falta de um eu não gosto de errar. E, outra coisa chata é que querem sempre técnico de som próprio é a causa dos problemas que Edson que eu cante ‘Malandrinha’, ‘Samarina’, essas ‘água com açúcar’. enfrenta para ter o som com a qualidade que ele exige. “Edson Eu prefiro não cantar essas coisas. Não é meu objetivo cantar Gomes sempre teve diversos problemas com os técnicos do som música romântica. Eu gosto de cantar música para uma por essa postura radical. Eu creio que o grande pecado dele é não Edna Matos 88 Cão de Raça 89 ter um engenheiro de som como as grandes bandas têm. Numa maravilhoso. Só está ruim pra mim. Então, hoje eu só reclamo república do reggae há uns dois anos, tinha acabado o show de quando não dá mesmo pra fazer o show”. uma banda jamaicana e o som estava maravilhoso. Aí entra Edson e fala ‘Alô, alô, o som não está bom’. Eu fiquei indignado: como é que o som não está bom se os caras acabaram de cantar. Então, eu acho que ele precisa se comunicar melhor e ser mais flexível com o técnico do som.” Para Jeremias Gomes essas reclamações acontecem devido ao perfeccionismo de seu pai que não aceita apresentar um trabalho se, no entendimento dele, não estiver perfeito. “O relacionamento de meu pai com sua banda é muito tranquilo. Agora, ele é muito profissional. Se pode ser 100% ele não quer 99%. Ele é muito Edson explica que não é bem assim que as coisas acontecem. No exigente, inclusive consigo mesmo. Eu já vi diversas vezes meu pai palco existem dois sons distintos, o som da frente que o publico compor uma música e não achar uma frase adequada para a está ouvindo e o som do artista. Segundo ele, os técnicos estrofe naquele momento e a música ficar arquivada por anos até responsáveis pelo som no palco não gosta de interferência no seu ele conseguir encontrar uma peça chave para aquela canção. Sei trabalho, sobretudo quando se trata de artistas locais. Assim, de algumas canções que não foram gravadas do jeito que ele mesmo que ele leve um técnico próprio, precisa pagar por fora gostou e aí ele transformá-la. Ou da letra não ser mais tão boa para que ele possa trabalhar na mesa de som. Quando por algum para ele hoje e ele deixar de cantar a música. No palco ele é motivo essa negociação não é feita o técnico do palco cuida apenas exigente com a sonoridade, com os técnicos de som. Já do som do público, deixando o do artista bagunçado. aconteceram vários problemas com os técnicos de som. Mas, Edson admite a sua agressividade no tratamento com os técnicos e afirma que está procurando mudar esse comportamento: “Antigamente a minha reação era bastante agressiva. Eu era mal educado e alguns técnicos tinham medo de fazer som para mim. nunca algo de xingamento, de desmerecer o trabalho de ninguém. Ele é profissional e valoriza tanto o trabalho dele como o trabalho das outras pessoas.” SEM DINHEIRO NÃO TEM SHOW Eu fui duramente criticado por essas grosserias e por isso venho tentando me modificar. Também, percebi que a plateia se irrita por eu estar toda hora reclamando, pois o som para ela está A relação de Edson Gomes com os produtores culturais contribui bastante para reforçar a sua imagem polêmica. Edson tem uma característica pouco comum nos dias de hoje que é negociar Edna Matos 90 Cão de Raça 91 apenas com dinheiro em espécie. Como paga aos músicos gasto com os ensaios. Fazer o show sem o dinheiro para pagá-los imediatamente após os shows e em dinheiro vivo, ele não aceita só iria piorar tudo. Preferi dispensá-los”. cheques e não sobe no palco se não tiver recebido o valor acertado com o produtor. Essa postura de Edson frente aos produtores culturais é defendida por quem transita no ambiente do show business na Bahia. O Um exemplo dessa faceta de sua postura profissional aconteceu radialista Ray Company diz que muitos produtores não gostam de no evento chamado Tribo do Som que aconteceu no Wet’n Wild, pagar e nem respeitam os artistas locais. Por isso ele concorda no dia 22 de junho de 2013. Edson Gomes dividiria o palco com a com a atitude de Edson Gomes: “Como cantor, músico, artista ele banda de reggae Adão Negro e os rappers da banda Racionais MCs. tem que valorizar os seus músicos. Ele tem os compromissos para O show simplesmente não aconteceu e, como normalmente ocorre pagar. Quem circula no meio artístico sabe que se não pagar para nestes casos envolvendo o público do reggae, nenhuma satisfação que ele possa honrar o que promete aos músicos, ele não toca. Isso foi dada nem pelo artista nem pelos organizadores. Edson disse já aconteceu várias vezes e essa não vai ser a última. Edson só que quem acertou esse show foi o seu assistente porque se ele sobe no palco se tiver o dinheiro na mão”. soubesse que a contratante era a Íris Produções não teria aceitado, pois já teve problemas com essa produtora em outras ocasiões. O enredo é sempre o mesmo: “Eles prometeram que iriam pagar na sexta-feira. Depois mudaram para o dia do show. Então, no sábado, a hora ia chegando e nada, a noite foi chegando, a banda esperando no carro e eu no escritório esperando o sinal verde. Até que meu assistente liga e diz que a produtora falou que não tinha dinheiro. Assim na cara dura e nem fez uma O mais interessante é que apesar disso já ter acontecido em diversas ocasiões, Edson diz que apenas dois casos, Porto Seguro e Itabuna, foram parar na justiça. Mesmo assim porque o público reagiu quebrando tudo nos espaços onde seriam realizados os shows, mas nenhum processo foi adiante. Para ele, os produtores não o processam por saberem que vão perder a causa e quando acontece uma cobrança mais forte por parte do público eles colocam a culpa no artista pelo show não ter acontecido. contraproposta. E aí como é que eu vou para lá fazer o show? A situação já estava difícil porque os músicos saíram de suas casas e O caso da cidade de Porto Seguro, Bahia aconteceu, em 2003, na ficaram a minha disposição o dia inteiro, sem contar do tempo localidade de Arraial D'Ajuda. Edson Gomes não queria ir porque tinha considerado o cachê baixo, mas a sua produção acabou o Edna Matos 92 Cão de Raça 93 convencendo porque o contratante era um produtor humilde e interceptado pela polícia e foram conduzidos até a delegacia para estava iniciando. Foi pago a metade do valor do contrato, prestarem depoimento. Reconheceu-se que Edson não teve culpa R$5.500,00 e o restante seria entregue no dia do show. Edson no ocorrido e portanto, não teria que arcar com os prejuízos. Mas, aguardava no hotel quando o produtor ligou informando que já acabaram fechando um acordo em que ele se comprometeu a tinha dado o dinheiro a seu assistente que tinha saído para voltar a Itabuna em outra data e fazer um show na praça o que de resolver outros compromissos. Então, Edson chamou a banda e fato aconteceu. seguiu para o local do evento, mas no meio do caminho o ônibus ficou impedido de prosseguir por causa de alguns carros estacionados indevidamente. Edson pediu ao contratante que mandasse um carro menor para que eles pudessem chegar até o palco. Enquanto aguardavam Edson descobriu que o produtor tinha mentido. O restante do cachê ainda não tinha sido pago. Essas histórias reais acabam alimentando o imaginário popular e ajudam a enfeitar os casos, principalmente quando o contratante é uma prefeitura. Edson diz que a maioria das histórias que são divulgadas envolvendo prefeituras não é verdadeira, pois os prefeitos cumprem o contrato, porque não querem ver seu nome citado na imprensa envolvido nesses problemas. Quando o contratante chegou com um veículo tipo Van e o restante do dinheiro, foram informados que não adiantava mais Para exemplificar, ele cita o caso da sua participação na micareta porque estava acontecendo um quebra-quebra no local. Edson se de Feira de Santana, em 2010 quando correu o boato de que ele se recusou a receber o dinheiro e foi embora sem fazer o show. O recusava a subir no trio enquanto não recebesse o combinado com produtor chegou a abrir um processo, mas não o levou adiante. a coordenação da festa. O boato foi aumentando e já dava conta de que o coordenador da micareta tinha entrado em contato com o O segundo caso aconteceu em Itabuna, Bahia, em 2004, pelo mesmo motivo. O contratante não fez o pagamento do restante do cachê no tempo hábil para que ocorresse o show. O público se impacientou e promoveu um quebra-quebra no espaço do evento. Edson ficou sabendo quando já estava a caminho do local então ele voltou para o hotel com a banda, recolheram suas bagagens e foram embora. Quando já estavam na estrada tiveram o ônibus prefeito que mandou buscar uma mala de dinheiro em um posto de gasolina e que, no final, após receber a mala recheada com 22 mil reais, ele fez o show, mas depois disso não foi mais convidado para eventos promovidos pela prefeitura desse município. Edson desmente parte do boato dizendo que ele foi contratado para dois shows, um no trio e outro no palco. Como já tinha tocado no trio sem receber nada estava aguardando o pagamento para poder Edna Matos 94 Cão de Raça 95 subir ao palco. Pode ter sido apenas isso, mas o certo é que depois igualdade”. A prefeita fez questão de ressaltar que para os desse evento ele não foi contratado outra vez pela prefeitura de “cidadãos conjacuipenses fica a decepção por saber que o artista Feira de Santana. amoroso do palco é apenas uma encenação aparentemente Em 2011, uma nova polêmica envolvendo o cantor, uma prefeita e arquitetada por uma pessoa de comportamento inverso”. um padre acabou repercutindo na mídia e serviu para alimentar O padre João Eudes pivô da discórdia publicou a sua versão sobre mais ainda a sua imagem de artista problemático. o caso no blog que mantém para notícias da paróquia de Edson Gomes foi contratado para uma apresentação no Festival Estudantil de Arte e Cultura promovido pela prefeitura de Conceição do Jacuípe, Bahia, no dia 26 de novembro de 2011, mas um incidente acabou gerando uma discórdia entre ele e a prefeita Tânia Yoshida que queria que o pároco da cidade, João Eudes cantasse a música “Árvore” com Edson Gomes. Diante da recusa do artista a prefeita se ofendeu, pois tomou a atitude como uma falta de consideração com a cidade. Segundo notícias divulgadas pela imprensa local, o ônibus do cantor saiu do município escoltado pela polícia. Após o episódio a prefeitura divulgou uma nota de repúdio37 ao que considerou como “um comportamento arrogante e petulante” de quem antes falava “de amor, paz e Conceição do Jacuípe. Ele afirma que não pediu para cantar com Edson Gomes e que estava apenas atendendo a um convite da prefeita: “Teria sido uma alegria cantar ao lado de um artista que aprecio, mas isto para mim é indiferente. Tenho meu próprio brilho e meu objetivo em relação à música é outro. Quem perdeu foi Edson Gomes. A Bahia e o Brasil ficaram sabendo de sua grosseria e falta de respeito à imprensa local, à prefeita, a minha pessoa e ao seu público. Este entrevero não significou nada para mim enquanto pessoa e nem tampouco como autoridade religiosa. Quem perdeu a oportunidade foi Edson Gomes de conhecer o ‘Regueiro de Cristo’ e a sua mensagem”.38 Para Edson a questão foi mais de preservação de sua imagem do que de um embate religioso. Ele conta que desde o início o pedido 37 “[...] Mesmo com um prévio contato com sua produção que combinava uma participação do padre João Eudes no show, o cantor Edson Gomes achou conveniente ignorar a presença da autoridade religiosa da cidade, que naquele momento lhe prestigiava apenas como admirador e durante todo o tempo fez questão de demonstrar comportamento arrogante e petulante. Diante de tão deselegante ato de quem durante uma hora e meia falou de amor, paz e igualdade (mas, provou o contrário com aparente falta de humildade – e quiçá, falta de respeito), alguns populares se indignaram. Contudo, o poder público interviu e garantiu que o artista deixasse a cidade em prefeita segurança [...]” (Assessoria de Comunicação da prefeitura de Conceição do Jacuípe, 27/11/2011) para que o padre cantasse no show tinha sido recusado. A prefeita chegou a oferecer R$ 500,00 para que ele cedesse, mas ele não aceitou. Para ele, as mensagens religiosas são similares, mas o 38 Publicado em http://paroquiaconceicaodojacuipe.wordpress.com/2011/11/29/esclarecimentosobre-o-episodio-edson-gomes-sobre-as-coisas-que-ouvi-das-pessoas/ Edna Matos 96 padre tem um titulo e é a pessoa que representa o sistema. “Se eu coloco um padre no meu palco vai confundir minha imagem na cabeça da galera e eu vou ficar parecendo um hipócrita.” Cão de Raça 97 “NÃO GOSTO DE FAZER MÚSICA ROMÂNTICA” Edson Gomes está sempre disposto a negar o seu lado romântico. Mesmo com muitas músicas que falam de amor, inclusive os seus dois grandes sucessos “Malandrinha” e “Samarina” ele afirma não gostar das canções doces e açucaradas. É como se isso diminuísse a luta que ele trava com a babilônia através das mensagens libertárias da maioria de suas letras. Ele também diz que não tem musas inspiradoras e que embora tenha algumas canções com nomes de mulheres apenas, “Sandra”, foi feita para homenagear uma mulher de quem ele gostou muito. No entanto, como mais uma característica de sua personalidade Repercussão da polêmica com a prefeitura de Conceição do Jacuípe, Bahia. contraditória, Edson consegue compor belas canções de amor que caem no gosto do público em geral sendo, inclusive, gravadas por outros músicos como, por exemplo, “Perdido de Amor” que fez muito sucesso com a banda Timbalada39: “Preciso segurar essa onda Que quer me afogar Preciso segurar essa onda Que quer me afogar Foi no beijo que a morena me deu Foi no beijo que a morena me deu Foi nesse beijo que aconteceu No abraço que a morena me deu 39 Gravada no disco ao vivo da Timbalada “Vamos dar a volta no Gueto”, em 1998. Edna Matos 98 Cão de Raça 99 Foi no abraço que a morena me deu ficar sem você/ Mas tentarei um jeito de esquecer / mas sei que Foi nesse abraço que aconteceu vou sofrer/ Todos os dias que o amor durar/ Porém não direi não Menina bacana que rola na cama, me namora viverei sem você/ Tampouco acharei que morrerei sem você’. Eu Me namora, me namora, me namora, me namora Menina bacana que rola na cama, me namora Me namora, me namora, me namora, me namora Fiquei louco de amor Vem me namorar, girl Estou perdido de amor acho que assim é muito mais positivo”. Mas, só a canção “Fala Só de Amor” tem a prerrogativa de contradizer o próprio argumento que Edson Gomes utiliza para justificar a sua indisposição com as canções românticas – que ele é combatente e por isso não pode cantar o amor: Vem me namorar céu.”40 “Até mesmo um guerreiro Aliás, contrariando as reiteradas afirmações do cantor sobre seu Tem o seu momento próprio gosto musical, no disco Apocalipse, das treze músicas do repertório, cinco falam de amor. Pra falar do seu amor Do seu sentimento E agora Apesar de Edson Gomes fazer de tudo para negá-la e reprimi-la, Fala só de amor essa sensibilidade existe, mas fica ali latente. Ela aparece em Todo mundo tem um amor momentos certos como, por exemplo, para criar uma canção para Fala só de amor um filho que está sofrendo por amor. A música “Não morrerei por Olha todo mundo tem um amor você” foi feita especialmente para Jeremias Gomes que gravou no Fala só de amor seu primeiro disco. Ele fala desse presente de seu pai: “Essa é uma Eu também tenho o meu amor canção muito importante para mim porque eu sou o personagem central dela. Diferente do que se ver por aí, das músicas que falam que ao fim do romance o cara vai beber até cair, as canções do meu pai trazem uma boa mensagem. Ela diz: ‘Vai ser tão triste Por mais forte que seja o homem Sempre chega o momento De cair diante de um sentimento Sei que a água, água é mole E a pedra é dura Mas, já fala o ditado 40 “Perdido de Amor”, Edson Gomes (CD Apocalipse, 1997) Edna Matos 100 Cão de Raça 101 Tanto bate até que fura de criação. “Na verdade a ficha está caindo agora com a internet. Fala só de amor Mas, acho que essa é a hora certa porque eu já estou com os pés Todo mundo tem um amor uns cem quilos no chão. Agora eu tenho maturidade para encarar Fala só de amor isso com normalidade, sem me abalar muito. Saber o que eu Olha todo mundo tem um amor significo para a sociedade, para juventude, é motivo para eu me Fala só de amor Eu também tenho meu amor Fala, fala negão Todo do dia o negro fala Chora, chora negão Todo dia o negro chora”. aprimorar mais, me aperfeiçoar mais, e oferecer um trabalho cada vez melhor. Se eu já me preocupava antes em fazer sempre o melhor, agora que eu sei que existem pessoas que acreditam no que eu estou falando, umas que vão me seguir e outras que vão tomar aquilo para sua vida, a minha responsabilidade aumenta e o cuidado também”. Essa pessoa controversa e complexa acabou se tornando uma referência para muita gente, especialmente, aqueles que se enxergam nas suas canções. E essa identificação é sem dúvida o que faz com que Edson Gomes, mesmo sem gravar nenhum disco novo há doze anos faça, pelo menos, um show por semana nos estados do nordeste e cidades do interior da Bahia. Edson, também é o principal chamariz dos grandes eventos de reggae em Salvador como a República do Reggae e o Bob Marley Day que acontecem anualmente na cidade. Apesar de tudo, Edson afirma que só agora, com a participação nas redes sociais, é que está percebendo isso. O acesso à internet lhe mostrou a importância de sua obra e a influência que ela exerce principalmente entre os mais jovens e isso lhe trouxe a preocupação de ter um cuidado ainda maior nos seus momentos 103 CAPÍTULO 4 – “Mesmo que o rádio não toque” “Eles queriam um mundo só de azul Só de azul, só de azul, só de azul Eles queriam, e como eles queriam Eles queriam que fôssemos, apenas, Objeto sexual Objeto Profissional Eles queriam, e como eles queriam Mas, o poder que vem do alto Não planejou assim E nós crescemos, nos espalhamos E aqui vamos nós, caminhando Em cada esquina, em cada praça, Nos becos da cidade Mesmo que o rádio não toque Mesmo que a TV não mostre Aqui vamos nós, cantando reggae Aleluia Jah!” (“Sangue Azul”, Edson Gomes) Edna Matos 104 Cão de Raça 105 A música Reggae surgiu com força em Salvador e Recôncavo show e os artistas de reggae, têm personalidade forte e não Baiano nas décadas de 1980 e 1990, com nomes como Nengo permitem isso”. Vieira, Lazzo, Sine Calmon e Edson Gomes. Era um período fértil em que a música baiana estava estourada em todo o Brasil, com espaço nas grandes gravadoras e nas mídias de penetração nacional. Tudo isso no rastro do que se convencionou a chamar de axé music. O intrigante é que o reggae não conseguiu alcançar o mesmo sucesso que o axé que veio a se transformar numa indústria milionária no mercado do entretenimento. Para outros o preconceito que sobra para o reggae não existe quando o produto é da indústria do axé. O radialista, Ray Company discorda de seu colega Cristóvão Rodrigues, e diz que o tratamento dado para a axé music, o arrocha e o pagode é totalmente diferente do tratamento dado para a música reggae. Ele cita como exemplo o fato de que as rádios não tocam reggae em sua programação normal e aponta como saída uma maior Para uns sobra profissionalismo na indústria do axé e falta no organização dos artistas do reggae, com a criação de uma reggae. associação como aconteceu com o samba. Para Ray, Edson Gomes Para o radialista Cristóvão Rodrigues, um dos protagonistas do movimento musical baiano daquele período, o motivo do fraco desempenho do reggae, enquanto movimento foram às atitudes dos seus principais representantes: “O comportamento de Edson Gomes afasta os produtores e contratantes, pois quem contrata gosta de ter a certeza de que vai entregar aquilo que prometeu. O axé tem público porque eles entregam o que prometem. O cidadão compra uma fantasia dos blocos do Chiclete e do Asa um ano antes porque sabe que o produto lhe será entregue. Edson Gomes e Sine Calmon prejudicaram um pouco o movimento de reggae na Bahia, porque esses artistas, apesar de serem extraordinários, são insubordinados. Eles não conseguem se adequarem ao mercado, porque o público brasileiro de uma forma geral quer ser parte do é que tem a autoridade para encabeçar este movimento. Edson Gomes também acha que não há unidade no reggae, mas não por falta de uma organização política ou de uma entidade representativa. Para ele o reggae deveria se unir no formato: “A força do axé, do pagode, do arrocha vem do fato de que todos produzem o mesmo besteirol. A besteira que um fala o outro repete. O reggae deveria ser assim, ter um só objetivo se é para falar de amor, vamos todos falar de amor. Vamos caminhar no mesmo sentido. Mas não é assim que acontece cada um vem com sua mensagem e aí o sistema abraça aquela que lhe interessa desvirtuando o movimento e confundido as pessoas”. Edna Matos 106 Cão de Raça 107 Os programas de rádio tiveram grande influência na divulgação do Edson Gomes para ilustrar matérias sobre a violência com suas reggae. Aqui em Salvador o destaque era o programa Rasta músicas como aconteceu no programa Se liga Bocão de 29 de julho Reggae na rádio Itaparica FM 91,3 comandado pelo comunicador de 2011 e na edição de 13 de novembro do mesmo ano do jornal e sociólogo Lino de Almeida, falecido em 2006. Era um programa Bahia Record, ambos transmitidos pela TV Record. de grande audiência que trazia as novidades do reggae internacional e lançava e promovia os artistas de reggae local. Mesmo com a indiferença dos meios de comunicação Edson segue fazendo shows e consegue ver que o seu público está se Outro divulgador do reggae é o radialista Ray Company que está a renovando. Alguns menos avisados acham que ele estagnou por frente do seu programa Reggae Special há quase 40 anos. O não gravar um disco há muito tempo ou que está recluso por ter programa já foi veiculado, dentre outras, pela Itapoan FM 97,5, escolhido morar em São Félix. “A galera que me dar suporte é a pela Itaparica FM 91,3 e Bandeirantes FM 99,1, hoje se restringe a galera mais jovem e isso me traz uma sensação muito positiva, rádios na web ou de pouca penetração como a Tudo FM 102,5 que pois eu vejo que mesmo sem um trabalho incessante da mídia, também conta com a presença de outro radialista do reggae, meu publico se renova. E eu não estou recluso, eu moro em São Marquinhos Félix. Viajo, trabalho, faço meus shows e depois volto pra casa Santiago. Esse é um dos dois programas especializados em reggae nas rádios de Salvador. como qualquer trabalhador normal.” O outro é No Balanço do Reggae apresentado pelo radialista Luis Wesley Rangel acha perfeitamente natural que, a despeito de tudo, Carlos Ataíde na Educadora FM 107,5. Esses programas são Edson Gomes continue na estrada e conte com um público fiel. apresentados uma vez por semana, com exceção das suas Para ele, Edson é um dos melhores produtos musicais que a Bahia variações na web e seus ouvintes são na grande maioria teve, nesses anos todos, o que falta é apenas um pouco mais de seguidores do segmento do reggae. Isso significa que são flexibilidade em suas posições. “Se não fosse pelas posições tão programas especializados e que não alcançam o público de forma radicais, Edson seria hoje um grande artista nacional, por que ele geral. tem uma voz muito especial e é um compositor de primeira linha. A televisão quando abre espaço para o reggae é porque está para acontecer algum evento que tem presença na mídia ou no caso de Ele vive a música que canta e isso é essencial para suas criações.” A estrutura utilizada por Edson Gomes para conduzir o seu trabalho também é apontada como um fator limitante do seu Edna Matos 108 Cão de Raça 109 sucesso. Ele não possui empresário, assessor de comunicação, Ele precisou interromper os seus projetos pessoais para cuidar divulgador, produtor, enfim tudo é resolvido por ele mesmo. Ele dos projetos dos filhos numa tentativa de evitar o choque entre próprio administra sua carreira. A desconfiança e o medo da irmãos, frutos de casamentos diferentes. Edson conta que exploração são fatores determinantes desta atitude: “Ao longo de “primeiro foi Isaque que apareceu cantando e queria fazer um minha carreira as pessoas interessadas em me empresariar, mais disco. Então eu parei tudo para ajudar no disco dele. Logo em pareciam vampiros. Certa vez, Cal Adam que era o empresário do seguida vem Jeremias também cantando e querendo gravar. Aí já grupo de pagode É o Tchan! se ofereceu para ser meu empresário, viu, essas coisas de irmãos de mães diferentes, iria naturalmente mas ele queria até os meus direitos autorais. A verdade é que eu haver um conflito, com as mães no meio para botar mais lenha no vendo meu show pelo preço que eu quero vender. Meu produto é fogo, então eu preferi dá um tempo no meu projeto e ir cuidar dos livre, não tem valor pré-definido. Eu aceito contraproposta, deles”. negocio porque eu gosto de fazer o que faço”. Assim em 2008, Edson produziu o CD Negro Real de Isaque É próprio da personalidade de Edson ter o controle total dos seus Gomes. Das doze faixas do CD seis são do próprio Isaque e seis são negócios. Ele não suportaria trabalhar e ver que a maior parte do de Edson, são composições que falam de amor e de questões resultado desse trabalho foi para o empresário ou achar que a raciais, a exemplo da faixa que dá nome ao disco. Iniciando sua prestação de contas não está tão clara. Além disso, esse apego que carreira solo, Isaque já tinha feito participações especiais nos Edson tem do seu trabalho não permite influências externas. Para shows do seu pai, em eventos grandes, realizados na Concha ter um produtor externo, teria que ser alguém que tivesse uma Acústica do Teatro Castro Alves e no Wet’n Wild ambos em afinidade muito grande com ele. Salvador. Depois chegou a vez de outro filho de Edson, Jeremias Gomes, se lançar como cantor. Da mesma forma que seu irmão Jeremias, GOMES & FAMILY Durante o período em que ficou sem gravar Edson produziu o disco de seu irmão Tim Tim Gomes e esteve cuidando da carreira de seus filhos Isaque e Jeremias Gomes. primeiro fez participações em shows do seu pai para depois se apresentar com seu trabalho solo. Edson produziu o seu disco Régua & Compasso que foi lançado em 2011. Todas as faixas do disco foram escolhidas pelo próprio Jeremias no acervo, ainda Edna Matos 110 Cão de Raça 111 inédito, de seu pai, com exceção da música “Não Morrerei Sem Jesus e de Petão que é meu parceiro na minha banda atual que é a Você” um presente que Edson fez exclusivamente para ele que Manassés”. estava curtindo o fim de um relacionamento amoroso. A família Gomes tem criado alternativas para superar as Mesmo assim, ainda é cobrado de Edson um maior apoio ao dificuldades encontradas e trabalho dos seus filhos e irmãos. Mas, seu filho, Jeremias Gomes e carreiras. No dia 24 de junho de 2010, os irmãos Eddie Brown, seu irmão, Tim Tim Gomes discordam da necessidade de mais Tim Tim Gomes e Edson Gomes, além dos seus filhos, Isaque e empenho por parte de Edson na promoção de suas carreiras. Jeremias Gomes, deram início a um projeto que já está na sua Jeremias acha que seu pai não domina essa logística de divulgação, quarta edição: o bloco Gomes & Family que promove um o ele ajuda no que sabe fazer que é produzir disco. “Meu pai é um “Arrastão do Reggae”, nas ruas de São Félix, onde além da família artista. Ele ainda está cantando e tem a carreira dele pra cuidar. Gomes, se apresentam vários convidados do segmento do reggae. Ele não é meu empresário para vender meus discos, nem ficar se O evento é um sucesso e a cada ano tem atraído muita gente da preocupando o tempo todo com minha carreira. Eu não sinto falta região, de outros estados e até mesmo turistas estrangeiros. desse apoio. Eu acho que as coisas vão chegar no momento certo. Eu gravei meu disco agora, está tudo muito fresco, muito novo. Tem tempo, ainda.” continuarem conduzindo suas Esse projeto começou com um show de Edson Gomes, Tim Tim Gomes, Eddie Brown, Isaque Gomes e Jeremias Gomes na concha acústica do Teatro Castro Alves, em Salvador, em 2008. A ideia Tim Tim Gomes também se sente agradecido por Edson tê-lo era fazer um trabalho que fosse em família. Isaque e Jeremias ajudado na produção do seu disco: “Ele viu que eu estava na luta já ainda não cantavam nos shows apenas dançavam. há algum tempo e precisava de uma ajuda para gravar. Então ele iniciativa foi um sucesso acabou sendo levada para São Félix em achou que estava na hora de me ajudar e produziu meu primeiro e forma de trio elétrico que puxa um bloco, que mesmo tendo suas único disco. Graças a Deus e a Edson Gomes eu tenho, hoje, esse camisas comercializadas, desfila sem cordas. disco que se chama Pedra Sobre Pedras que é uma produção da Cão de Raça Produções Artísticas e tem composições minhas, de Edson Gomes, de Nengo Vieira, de Carlos Reis de Santo Antonio de Como a Mesmo com toda a boa intenção parece que o projeto Gomes & Family ainda não conseguiu o objetivo almejado por Edson que é unir a sua família: “Eu fiz uma música com o mesmo nome do projeto que era pra cantarmos juntos, mas a verdade é que a Edna Matos 112 Cão de Raça 113 música ainda não conseguiu reunir nossa família numa energia janeiro de 2009. Mas o evento não é exclusivo para shows de positiva. Eu crio essas situações para que os outros participem, Jeremias. Além dele, Isaque, Tim Tim, Eddie Brown e o próprio mas ainda não consegui reunir todos como uma família. E, isso Edson se apresentam com frequência e ainda abrem espaço para vale também para os meus os filhos, pois mesmo buscando uma artistas e bandas da região como a banda Folha de Chá, de aproximação com eles está muito duro de conseguir. Então não dá Cachoeira e Dissidência de Santo Amaro da Purificação. Já pra cantar juntos porque a gente não pode passar uma ideia de passaram pelo palco da Sexta do Reggae também nomes união forçada. O reggae tem que passar a verdade. O reggae é consagrados do reggae baiano como o cantor Sine Calmon. família, mas nós nunca fomos unidos”. SEXTA DO REGGAE Os projetos Gomes & Family e a Sexta do Reggae contam com o patrocínio da prefeitura de São Félix e de alguns comerciantes, mas Edson Gomes, ainda é o principal financiador. O bar de Grande localizado na rodoviária e a praça próxima da Alem de abrir espaço para apresentação de bandas iniciantes ponte são os principais pontos de encontro da cidade de São Félix. esses dois eventos surgem como uma contraposição à política da Lá as pessoas, principalmente os homens, se encontram para jogar prefeitura conversa fora, comemorar o resultado do “baba” ou simplesmente nacionalmente como a cidade do reggae, não inclui esses artistas ouvir música. Nas sextas-feiras, alguns amantes do Reggae se nas suas programações culturais, boa parte delas de repercussão reuniam ali para tomar umas cervejas, fazer churrasco e ouvirem nacional. A única é exceção é o cantor Sine Calmon que, por gozar reggae. Nesse meio tempo, Jeremias Gomes formou uma banda e de alguma proximidade com os administradores do município, passava o tempo ensaiando. Então, esses amigos acharam que consegue pressionar e ter seu nome incluído nos eventos seria uma boa ideia lançar Jeremias em um palco ali mesmo nas organizados pela prefeitura. Os eventos particulares seguem a sextas-feiras. No início o evento era totalmente financiado por mesma linha. Apesar de armarem palco na cidade não valorizam a Edson Gomes. Até que o professor Anderson Figueiredo, o popular produção local. Todas as atrações vêm de fora e quando há alguma Pepi de Cachoeira, transformou essa iniciativa em um projeto e o exceção é para o samba de roda utilizado para abrir os shows dos apresentou à prefeitura de São Félix que passou a apoiá-lo. Assim, artistas principais. surgiu a Sexta do Reggae, que teve sua primeira edição em 30 de de Cachoeira que, apesar de ser conhecida Edna Matos 114 Cão de Raça 115 Cachoeira é uma cidade que vive uma efervescência cultural. São para tocarem do meio dia até às cinco da tarde quando não tem muitos os eventos que acontecem no decorrer do ano e todos ninguém lá pra assistir.” atraem um grande número de visitantes. Existem as festas religiosas, os festejos juninos e com a instalação de uma EDSON GOMES E SEU NOVO DISCO universidade a cidade passou a receber feiras de livros, festivais de música e cinema. Todos esses eventos contam com programações musicais, internas ou paralelas com atrações que vão do rock ao arrocha. Mas, não se ver artistas do reggae. Embalado por os projetos que ele conduz lá em São Félix e pela gravação dos discos dos filhos, Edson Gomes, prepara agora o seu oitavo CD de carreira que será lançado de forma independente. Apesar de não ter gravado nenhum disco com canções inéditas Jeremias Gomes que sempre morou em São Félix e acompanha os desde 2001, várias músicas novas estão disponíveis na internet eventos que acontecem nas duas cidades, tem certeza que essa em vídeos de shows realizados pelo artista no decorrer destes ausência do reggae nas programações é puro preconceito, não especificamente contra o reggae, mas com os artistas locais, o que anos. Algumas destas músicas estão sendo editadas pela Cão de Raça Produções Artísticas e comporão o repertorio do novo disco. para ele só revela a miopia dos que estão na organização desses eventos. Afinal quem vem de fora quer conhecer a cultura do lugar, mas os organizadores, também só se preocupam em trazerem artistas de fora: “A cidade de Cachoeira não valoriza os artistas locais. Veja, por exemplo, as festas juninas que trazem tanta gente pra cá. Na programação tem arrocha, sertanejo, No início de 2013, quando já estava na fase de ensaios para o novo trabalho, Edson teve problemas com a banda que precisou ser reformulada depois da saída de alguns músicos. Isso atrasou o andamento do projeto, mas a expectativa do artista é que o CD seja lançado até o final do ano. pagode, axé e, claro, o forró. Mas, cadê o reggae? Nem aparece. E o Para manter contato com o público, Edson mantém uma página na samba de roda, declarado pela Unesco Patrimônio Imaterial da internet e um perfil no Facebook, mas o nível de informações Humanidade, quando aparece é durante o dia. O reggae nem faz disponibilizadas é muito baixo. Falta uma maior divulgação da sua parte da programação e o samba de roda não se apresenta no agenda de shows e dos projetos até mesmo para desfazer a ideia horário nobre. A prefeitura coloca mais de dez grupos de samba geral de que ele está recluso e que sua carreira está parada. Os canais do You Tube, talvez sejam a principal fonte de divulgação Edna Matos 116 Cão de Raça 117 do que Edson anda fazendo e como está a sua carreira nele seus O cantor, Saulo Fernandes retribui o carinho e fala de sua fãs disponibilizam shows completos, vídeos de entrevistas e admiração por Edson Gomes que para ele presta um grande matérias sobre o artista. serviço por conta de suas canções e de tudo que já escreveu que é muito significativo culturalmente pra Bahia. Ele conta como “EDSON É ASSIM MESMO” recebeu essa novidade: “Alcione Rocha que toca trompete com a gente e já foi da banda de Edson chegou um dia e disse: ‘Bicho, Um cara controverso que de repente e mais uma vez se contradizendo decide fazer uma música para um legítimo representante da axé music que ele considera um estilo musical que não contribui para a formação dos mais jovens. Depois de cantar como convidado de Saulo Fernandes no Festival de Verão 2012, Edson apareceu com uma música feita exclusivamente para este cantor. Ele mesmo explica porque Saulo foi o escolhido “Eu pensei: ‘vou fazer um reggae leve, que seja a cara dele.’ Aí eu fiz a música e procurei um colega que trabalha com ele e é daqui de Muritiba41. O camarada me pôs em contato e eu fui lá no escritório de Saulo. Ele gostou da música e gravou. Eu gosto de Saulo por que ele já mostrou publicamente que admira o meu trabalho. No carnaval ele canta minha música. Já me homenageou vestindo uma camisa com a estampa do meu rosto. E, sempre me cita nas reportagens dele. Além disso, Jeremias que é fã vive falando dele aqui em casa. Eu acho que ele é um dos poucos artistas bons do axé”. Edson Gomes quer falar com você. Eu não acreditei - Como assim deus quer falar comigo? Eu fiquei nervoso já a partir daí. A gente conseguiu um contato breve com Jeremias Gomes então consegui falar com Edson e veio a segunda revelação: ‘eu fiz uma música pra você.’ Imaginem eu falando com Edson Gomes e ele me dizendo que fez uma música pra mim, né? Que coisa doida. Enfim ele escreveu ‘Ginga do Reggae’ que segundo ele: ‘fiz aqui uma musica doce pra você, uma música alegre não tem aquelas coisas de protesto, não. É tudo na coisa da sua energia e tudo mais’ e aí nos encontramos e eu fiquei ali do lado dele vendo ele tocar essa música no violão e eu ali sem acreditar no que estava acontecendo. Depois, pra minha surpresa ele foi assistir a gravação do meu DVD, na concha acústica. Então eu posso dizer para meus filhos que eu vivi esta experiência que eu tive acesso a essa resistência. Porque Edson é assim mesmo. E a música dele é forte o suficiente para que a atitude dele seja forte também. Ele continua produzindo, compondo e fazendo suas coisas. O artista que cria estabelece o espaço dele. Edson não tem que estabelecer 41 Município da Bahia próximo a São Félix Edna Matos 119 118 mais nada ele já falou muita coisa contundente e verdadeira e vai ficar registrado na nossa cultura para sempre”. PALAVRA DE FÃ Bonfim Rasta, ambulante da cidade de Santo Antonio de Jesus, Bahia, trabalha colocando barraca de reggae nas festas e micaretas pelo interior do estado. Bonfim é “regueiro de fé” e dá o seu recado para quem acha que não existe espaço para a música reggae: “O reggae continua vivo. As pessoas pensam que ele morreu porque não está na mídia. Mas, o reggae não precisa de mídia. Precisa de consideração, respeito e moral. A música reggae é uma música que se identifica na paz, na igualdade, na liberdade, no amor e na justiça”. E como seguidor de Edson Gomes são dele as palavras que sintetiza o que esse artista representa para seus fãs: “Edson Gomes, aonde quer que ele vá pode até ter alguém que vai criticálo, mas vai ter muito mais alguém que o apoia. Por isso, Edson dentro do reggae é um fortalecimento, porque é um cara firme no que faz. É um cara que não se entrega, que vai à luta. Edson Gomes é uma pessoa dentro da cultura do reggae que não mudou. Ele segurou a bandeira. E a bandeira é reggae! Ele agora aprendeu que a gente nasce menino, se torna adulto, mas sempre está nascendo de novo”. Referências “As bibliotecas públicas andam cheias De coisas que nunca irei usar Os seus livros andam cheios de estórias São contos que nunca irei contar Porque, brother, eu não quero Porque, brother, não, eu não quero Quero saber por que o povo vive assim Eu quero saber por que a lei é tanto oprimida Preciso saber por que na mesa falta a comida E quero saber se a gente vai ser feliz na vida De que vale tanto saber, de que vale o homem ter tanto saber?” (“Bibliotecas Públicas”, Edson Gomes) Edna Matos 120 BIBLIOGRÁFICA ALBUQUERQUE, Carlos. O Eterno Verão do Reggae. São Paulo, Cão de Raça 121 https://www.facebook.com/edson.gomes.12327?fref=ts Jeremias Gomes: Ed. 34, 1997 (Coleção Ouvido musical). https://www.facebook.com/jeremias.gomes.33?fref=ts CARDOSO, Marco Antonio (Org.). A Magia do Reggae. São Paulo, Isaque Gomes: Martin Claret, 1997. https://www.facebook.com/isaque.gomes.566?fref=ts FALCÓN, Maria Bárbara Vieira. O Reggae de cachoeira: produção Eddy Brown: musical em um porto Atlântico. Dissertação de Mestrado. https://www.facebook.com/eddiebrown.gomes?fref=ts Salvador: Pos Afro/ CEAO/ UFBA, 2009. 207 p. Tim Tim Gomes: WHITE, Timothy. Queimando Tudo: a biografia definitiva de Bob Marley. Tradução de Ricardo Silveira, Antônio Selvaggi. Rio de https://www.facebook.com/profile.php?id=100004030894471&f ref=ts Janeiro, Record, 1999. História do reggae: DIGITAIS http://reggaebrasilhistoria.blogspot.com.br/2011/12/edsongomes.html Perfil no Facebook: http://reggaebrasilhistoria.blogspot.com.br/2012/03/jeremias- Edson Gomes: gomes.html https://www.facebook.com/Edsongomesfanpage?fref=ts http://reggaebrasilhistoria.blogspot.com.br/2012/02/isaque- https://www.facebook.com/pages/Edson-Gomes- gomes.html reggae/297455296944928?fref=ts http://reggaebrasilhistoria.blogspot.com.br/2012/03/tin-tim- https://www.facebook.com/pages/Edson-gomesdiscursos/202895043146907?fref=ts https://www.facebook.com/edson.gomes.16121471?fref=ts gomes-e-manasses.html http://www.surforeggae.com/ Edna Matos 122 O Reggae no recôncavo baiano: Notas sobre música e identidade! Cão de Raça 123 ENTREVISTAS http://www.surforeggae.com/noticias.asp?ID=101 1. Cristóvão Rodrigues. Entrevista concedida em Salvador-BA, DISCOGRÁFICAS 12/jun/2013. 2. Dudoo Caribe. Entrevista concedida em Salvador-BA, BROWN, Eddie. Eddie Brown. Paradoxx Music, 1998. 12/jun/2013. GOMES, Edson. Reggae Resistência. EMI Odeon, 1988. 3. Sérgio Cassiano. Entrevista concedida em Salvador-BA, GOMES, Edson. Recôncavo. EMI Odeon, 1990. 12/jun/2013. GOMES, Edson. Campo de Batalha. EMI Odeon, 1991. 4. Edson Gomes. Entrevista concedida em Cachoeira-BA, GOMES, Edson. Meus Momentos 1. EMI Odeon, 1994. 18/jun/2013. GOMES, Edson. Meus Momentos 2. EMI Odeon, 1994. 5. Ray Company. Entrevista concedida em Salvador-BA, GOMES, Edson. Resgate Fatal. EMI Odeon, 1995. 21/jun/2013. GOMES, Edson. Apocalipse. EMI, 1998. 6. Bonfim Rasta. Entrevista concedida em Cachoeira-BA, GOMES, Edson. Acorde, Levante, Lute. Atração Fonográfica, 2001. 25/jun/2013. GOMES, Edson. Ao Vivo em Salvador (Duplo). Atração 7. Jeremias Gomes. Entrevista concedida em São Félix-BA, Fonográfica, 2006. 25/jun/2013. GOMES, Isaque. Negro Real. Independente, 2009. 8. Albino Apolinário. Entrevista concedida em Salvador-BA, GOMES, Jeremias. Régua & Compasso. Independente, 2011. 28/jun/2013. GOMES, Tin Tim. Pedra sobre Pedras. Independente, 1999. 9. Arygil. Entrevista concedida em Salvador-BA, 29/jun/2013. 10. Professor Raimundo. Entrevista concedida em Salvador-BA, VIDEOGRÁFICAS 01/jul/2013. 11. Wesley Rangel. Entrevista concedida em Salvador-BA, Edson Gomes. Ao Vivo em Salvador-Bahia. Salvador, Atração Musical, 2006. 04/jul/2013. 12. Saulo Fernandes. Entrevista concedida em Salvador-BA, 18/jul/2013. Edna Matos 125 124 13. Tim Tim Gomes. Entrevista concedida em São Félix-BA, 23/jul/2013. 14. Edson Gomes. Entrevista concedida em São Félix-BA, 24/jul/2013. Discursos “Vai vai mudar , tudo isso vai mudar A gente vai se transformar Sempre quando venho a rua me assalta uma ideia Que vou encontrar uma dessas feras Bem disposta a me golpear Uma leve sensação que sempre me ocorre Eu sinto sempre um par de olhos O tempo todo a me vigiar Eles tão a maquinar, estão armando armadilhas Estão querendo me conquistar Estão querendo me conquistar Sempre penso que sou Sim, que sou um intruso. E que não faço parte desse mundo Eu não faço parte desse mundo É uma leve sensação que sempre me ocorre E sinto sempre um par de olhos O tempo todo a me vigiar”. (“Leve Sensação”, Edson Gomes) Edna Matos 126 DISCURSO 01 “Somos nós todos os dias das nossas vidas discriminados onde quer que seja, em nosso trabalho, nas escolas, nos hospitais. Em todos os lugares nós somos discriminados no shopping, no banco, todos os lugares. Até que o homem negro prove que é um cidadão honesto ele é um marginal. Todos os dias ele tem que provar que é um cidadão honesto que cumpre com suas obrigações e que trabalha e que luta para sobreviver. Cada dia mais o governo aperta e dificulta a sobrevivência do homem pobre na face da terra e eu tenho emprestado a minha voz em favor dessa causa e tenho pago muito caro por isso. Porque o meu discurso não é demagógico, o meu discurso é sincero e eu tenho rejeitado propostas indecentes para transformar a minha música em música popular como as outras músicas são. Mas a minha musica é verdadeira e não está a venda. A minha musica representa o meu ser. A minha vida, a minha alma, o meu coração não estão a venda. Ela é para levar a mensagem aos pobres e aos oprimidos da terra. A minha música tem essa incumbência e Deus me dar de volta, me dar o retorno. Tudo que eu preciso vem de Deus. Deus pode me dar tudo que eu preciso. O homem quer me corromper, mas eu não aceito as corrupções. Eu não aceito a oferta dos homens. Eu passo por dificuldades, muitas dificuldades. É por eu ter que conquistar todos os dias da minha vida que eu não estou no topo de minha carreira, nunca brilhei como artista nacional, porém eu Cão de Raça 127 deito minha cabeça no meu travesseiro tranquilo, porque eu nunca aceitei corrupção, nunca aceitei suborno. Jah! É que me garante ser assim Oh, Jah! O sistema, não adianta eu querer fazer da minha música uma gracinha porque os poderosos já me conhecem. Porque a minha música me delata. Eu sou aquilo o que é o meu coração, eu falo tudo de que está cheio o meu coração, o que eu falo é o que está no meu coração. Então as pessoas me conhecem, principalmente, o sistema que está sempre alerta a procura de rebeldes, mas eu não sou rebelde. Simplesmente, eu sou um homem que quer brigar lutar pelo que é justo, pelo que é certo. Não sou rebelde porque eu não incito o povo a ir de encontro ao sistema, de ir de em encontro aos poderosos. Porque meu Deus não me ensina a ser rebelde. O rebelde não acredita em Deus e não se curva diante de Deus. Quando o homem se curva diante de Deus, ele deixa logo de ser rebelde porque ele teme o Deus todo poderoso. Ele se curva diante de Deus e por isso mesmo é que ele luta pela causa justa. Porque a causa justa é a causa de Deus. Porque Deus é a verdade, da verdade, da verdade, Jah! Ou seja, aquele que já veio e saiu vitorioso. Ele saiu vitorioso porque ele venceu a morte ele ressuscitou e tu ressuscitará no último dia porque ele se transformou na ressurreição, o caminho, a verdade e a vida Jesus cristo, Jah! Estabeleceu um caminho na terra dentro das trevas para que todo homem que se curvar diante dele não pereça, mas que tenha a vida eterna em Jesus Cristo. O pão que desce dos céus, o segundo Adão que recupera o homem e recupera Edna Matos 129 128 a situação do homem e a vida eterna perdida no primeiro Adão da terra, Jah!”(Discurso proferido ao som da música “Barrados” em Discografia um show na cidade de Itabuna, Bahia em 2004.) xxx DISCURSO 02 “Aí moçada a hora é essa nós estamos nos distraindo, mas não aqui e agora. Porque eu não vim para distrair ninguém. Eu vim para alegrar vossos corações, mas também para deixar vocês atentos. Para deixar vocês também com a oportunidade de se encherem com o conhecimento da palavra de Deus para que vocês também possam ter a oportunidade de saber o que é que Deus quer de nós e o que é necessário para que todos nós possamos entrar de uma vez por todas no caminho do Senhor criador de todas as coisas. Há uma promessa! E, ele está nos falando desde o tempo dos profetas e desde o tempo dos apóstolos que ele vem para a justiça. Lamentos e mais lamentos da sociedade em todos os lugares, dores e mais dores, sofrimentos e mais sofrimentos, mas ele vem para nos livrar de uma vez por todas daquele que nos oprime, Jah! O Deus de Abraão misericordioso criador de todas as coisas, ele vem! E num piscar de olhos todos nós seremos transformados todos nós compareceremos no tribunal do criador. Ele vem!” (Discurso proferido ao som da música “Agora é o Fim” em um show na cidade de Firmino Alves, Bahia em 2008.) “Estou aqui Estou bem distante do teu convívio Eu estou aqui Estou bem distante, mas estou sabendo Que o que se passa contigo É o mesmo que se passa comigo Eu ando aqui pela Babi Eles me chama de brasileiro Porém eu me sinto um estrangeiro Trabalho, trabalho e nada é nada não Eu vivo aqui num submundo Buracos, favelas, guetos imundos Eles me chamam de brasileiro Porém eu me sinto um estrangeiro”. (“Estrangeiro”, Edson Gomes) Edna Matos 130 Compacto duplo gravado no Festival Canta Bahia, em Feira de Santana – 1985 Cão de Raça 131 LP Reggae Resistência – 1988 Lado A Lado B 1 – Sistema do Vampiro (Edson Gomes) 2 – Malandrinha (Edson Gomes) 3 – Rastafary (Edson Gomes) 4 – Viu (Edson Gomes) 5 – Cão de Raça (Edson Gomes) 1 – Rastafári (Edson Gomes) 2 – Canto de arribação (Tony Mogno) Lado B Lado A 1 – Gueto (Nengo Vieira / Carlito Profeta) 2 – Saudar o sol (Muzaê) 20 anos separam esses dois trabalhos: o primeiro disco em compacto duplo de vinil e o último lançamento em DVD DVD Ao Vivo em Salvador – 2005 1 – Dívidas (Edson Gomes) 2 – Perdido de Amor (Edson Gomes) 3 – Árvore (Edson Gomes) 4 – Criminalidade (Edson Gomes) 5 – Campo de Batalha (Edson Gomes) 6 – Barrados (Edson Gomes) 7 – Fala Só de Amor (Edson Gomes) 8 – Lili (Edson Gomes) 9 – Traumas (Edson Gomes) 10 – Ana Maria (Edson Gomes) 11 – Viu (Edson Gomes) 12 – Tabuleiro (Edson Gomes) 13 – Samarina (Edson Gomes) 14 – Bibliotecas Públicas (Edson Gomes) 15 – Babylon Vampire (Edson Gomes) 16 – Camelô (Edson Gomes) 17 – Lei do Engano (Edson Gomes) 18 – Isaac (Edson Gomes) 19 – Malandrinha (Edson Gomes) 6 – Na Sombra da Noite (Edson Gomes) 7 – Samarina (Edson Gomes) 8 – Hereditário (Edson Gomes) 9 – História do Brasil (Edson Gomes) 10 – Leve Sensação (I Shot The Sherif) (Bob Marley – versão: Edson Gomes) Arranjos – Edson Gomes e Banda Cão de Raça Bateria – Jair Soares Baixo – Nengo Vieira Guitarra Base – Alberto Guitarra Cobertura – Ruy Brito e Nengo Vieira Teclados – David Percussão – Geraldo Vocal – América Branco, Tim Tim Gomes e Virgínia Vieira Arranjo Vocal – Edson Gomes Direção de Produção – Wesley Rangel Assistente de Produção – Nengo Vieira Gravado nos estúdios WR – 24 Canais – Salvador/BA Direção artística – Jorge Davidson Produção Fonográfica – EMI - ODEON Edna Matos 132 Cão de Raça 133 LP Recôncavo – 1990 LP Campo de Batalha – 1992 Lado A Lado A 1 – Adultério (Edson Gomes) 2 – Lili (Edson Gomes) 3 – Louvar a Jah (Edson Gomes) 4 – Recôncavo (Edson Gomes) 5 – Fala Só de Amor (Edson Gomes/Nengo Vieira) 1 – Criminalidade (Edson Gomes) 2 – Árvore (Edson Gomes) 3 – Campo de Batalha (Edson Gomes) 4 – Somos Nós (Edson Gomes) 5 – Ovelha (Edson Gomes) Lado B Lado B 6 – Estrangeiro (Edson Gomes) 7 – Guerreiro do 3º Mundo (Edson Gomes) 8 – Filho da Terra (Edson Gomes) 9 – Guerra (Edson Gomes) 10 – Capturados (Edson Gomes) Arranjos – Edson Gomes e Banda Cão de Raça Bateria – João Teoria Baixo – Nengo Vieira e Marco Oliveira Guitarra – Webster e Nengo Vieira Teclados – Ruy Braga Percussão – Marco Swing e Luís Maduro Trumpete – Alcione Rocha Vocal – América Branco e Adriana Novaes Arranjo Vocal – Edson Gomes Direção de Produção – Wesley Rangel Assistente de Produção – Nengo Vieira Gravado nos estúdios WR – 24 Canais – Salvador/BA Direção artística – Jorge Davidson Produção Fonográfica – EMI – ODEON Convidados: Luciano Silva (Sax), Fred Dantas (Trombone), Klaus Jacke (Sax), Guiga Scott (Trumpete), Sueli Sodré e Tita Alves (Vocal) 1 – Dance Reggae (Edson Gomes) 2 – Traumas (Edson Gomes) 3 – Perigo (Edson Gomes) 4 – Reviravolta (Edson Gomes) 5 – Revelação (Edson Gomes) Arranjos – Edson Gomes e Banda Cão de Raça Bateria – Ed Carlos Baixo – Lazzo Negrume Guitarra – Tony Vinícius Teclados – Ruy Braga Percussão – Marco Swing e Luís Maduro Saxofone – Jorge Thó Trombone – Dhega Vocal – Iracema e Jandira Arranjo Vocal – Edson Gomes Direção de Produção – Perinho Santana Gravado nos estúdios WR – 24 Canais – Salvador/BA Direção artística – Jorge Davidson Produção Fonográfica – EMI - ODEON Edna Matos 134 Cão de Raça 135 LP Resgate Fatal – 1995 Lado A 1 – Meus Direitos (Edson Gomes) 2 – Resgate Fatal (Edson Gomes) 3 – Luz do Senhor (Edson Gomes) 4 – Bela Cidade (Edson Gomes) 5 – Olinda (Edson Gomes, Cunha, Toni, Nivaldo, Zé Paulo, Evando Gomes) 6 – Isaac (Edson Gomes) 7 – Calamidade Pública (Edson Gomes) Lado B 1 – Zumbi dos Palmares (Edson Gomes) 2 – Devolução (Edson Gomes) 3 – Fato Consumado (Edson Gomes) 4 – Sociedade Falida (Edson Gomes) 5 – Meretriz (Edson Gomes) 6 – Lembranças (Edson Gomes) Arranjos – Edson Gomes e Banda Cão de Raça Bateria – Júlio do Rosário e Quinho Baixo – Lazzo Negrume Guitarra Base – Zé Paulo Guitarra Solo – Toni Teclados – Sara Cronin e Robson Nonato Percussão – Bastola e Quinho Trombone – Joatan Nascimento Sax – Nivaldo Cerqueira e André Becker Vocal – Virgínia, Ângela, Dalmo e C. Marques Direção musical – Nivaldo Cerqueira Direção de Produção – Wesley Rangel e Edson Gomes Gravado nos estúdios WR – 24 Canais – Salvador/BA Direção artística – João Augusto Produção Fonográfica – EMI - ODEON CD Apocalipse – 1997 1 – Perdido de Amor (Edson Gomes) 2 – O País é o Culpado (Edson Gomes) 3 – Camelô (Edson Gomes) 4 – Amor Sem Compromisso (Edson Gomes) 5 – Babylo Vampire (Edson Gomes) 6 – Apocalipse (Edson Gomes) 7 – Me Abrace (Edson Gomes) 8 – Fogo na Babilônia (Edson Gomes) 9 – Alma (Edson Gomes) 10 – Etiópia (Edson Gomes) 11 – Tarde (Edson Gomes) 12 – Querida (Edson Gomes) 13 – Ira (Edson Gomes) Arranjos – Edson Gomes e Banda Cão de Raça Contrabaixo – Osvaldo Filho Baixo – Nengo Vieira Guitarra Solo – Tony Oliveira Guitarra Base – Zé Paulo Sax Tenor – Nivaldo Cerqueira Teclados – Scooby Sax Alto – Cunha Percussão – Luís Maduro Trompete – Sinho Cerqueira Vocal – Nelma Marques e Márcia Dias Arranjo Vocal – Edson Gomes Direção de Produção – Wesley Rangel e Edson Gomes Gravado nos estúdios WR – 24 Canais – Salvador/BA Direção musical: Nivaldo Cerqueira e Edson Gomes Direção artística – João Augusto Produção Fonográfica – EMI MUSIC Edna Matos 137 136 CD Acorde, Levante, Lute – 2001 1 – Acorde, Levante, Lute (Edson Gomes) 2 – Sangue Azul (Edson Gomes) 3 – Linda (Edson Gomes) 4 – Serpente (Edson Gomes) 5 – Sandra (Edson Gomes) 6 – Malandrinha (Edson Gomes) 7 – Inquilino das Prisões (Edson Gomes) 8 – Homens Lixo (Edson Gomes) 9 – Arca da Fuga (Edson Gomes) 10 – Vibração Positiva (Edson Gomes) 11 – Inversão (Edson Gomes) 12 – 500 Anos (Edson Gomes) 13 – Tema da Karoba (Instrumental) (Nivaldo Cerqueira/Tony) Arranjos – Edson Gomes e Banda Cão de Raça Bateria – Risadinha e Sérgio Baixo – Osvaldo Filho Guitarra Base & Solo – Tony Oliveira e Antonio Augusto Órgão e Piano – Scooby e Henrique Teclados – Scooby Percussão – Luís Maduro Sax – Cunha Tenor – Inval Trompete – Gentil Vocal – Nelma Marques e Suzete Arranjo Vocal – Edson Gomes, Nelma e Suzete Direção de Produção – Edson Gomes Gravado nos estúdios WR DISCOS 24 Canais – Salvador/BA Direção artística – Ana Maria T. Mendez Produção Fonográfica – ATRAÇÃO Produzido por CÃO DE RAÇA PRODUÇÕES ARTÍSTICAS Galeria “Às vezes eu fico pensando E meu pensamento Me leva para um tempo distante Me leva até a minha infância... Quando eu brincava na margem do rio E via repleto de embarcações, Era lindo, muito bonito Uma paisagem que embelezava Esse gigante, rio, e eu via Todo mundo trabalhando, Todo mundo suando. Trabalho humilde, Mas era trabalho Hoje eu estou bem crescido Volto à margem, não vejo nada Só uma paisagem apagada Até mesmo o vapor que navegava Em suas águas não navega mais E eu não vejo mais”. (“Lembranças”, Edson Gomes) Com os filhos Momentos dos anos 1990 Programa Se Liga Bocão de 29 de julho de 2011 – TV Record Edson Gomes e o cantor Saulo Fernandes para quem o reggaeman compôs uma música especialmente pra ele. Juntos no Festival de Verão de 2012. O futebol desde o início foi uma das paixões de Edson Gomes. Acima o time Cão de Raça, formação de 1990. Cristóvão Rodrigues, radialista Bonfim Rasta, regueiro de fé, fã e seguidor de Edson Gomes Wesley Rangel, produtor musical Ray Company, radialista Raimundo, professor de história, DJ e colecionador do Reggae Camisa do bloco Gomes & Family 2012 Participação em grandes eventos: Reggae Roots (Olinda-PE) – República do Reggae (Salvador-BA)– Bob Marley Day (Salvador-BA) Camisa do bloco Gomes & Family 2013 Projeto Gomes & Family promove um “arrastão do reggae na cidade de São Félix, Bahia desde 2009 sempre no dia 24 de junho, dia em que se comemora o São João. Este evento a cada ano recebe um número maior de visitantes da região, de outros estados e também de outros países. Projeto Sexta do Reggae – Acontece sempre nas noites de sexta-feira, em um palco armado no bar de Grande na Rodoviária de São Félix. Além da família Gomes se apresentam bandas de reggae da região do Recôncavo Baiano e alguns convidados mais conhecidos como o cantor Sine Calmon. Atualmente, não tem uma periodicidade definida