POSSIBILIDADES PARA PENSAR A JUVENTUDE BRASILEIRA: DIÁLOGOS COM PIERRE BOURDIEU E LUIS ANTONIO GROPPO* GABRIEL CARVALHO BUNGENSTAB** DANIEL DOS SANTOS SIMON DE CARVALHO*** Resumo: o artigo propõe uma reflexão acerca da relação entre juventude e instituição pelas lentes do sociólogo francês Pierre Bourdieu. Apresenta a descrição que esse pensador faz, por meio de suas teorias, sobre a sociedade contemporânea, utilizando conceitos como prática, habitus, campo, poder e violência simbólica, demonstrando uma possível (re)definição da relação entre juventude/instituição. A partir disso, pretende-se voltar o olhar aos indivíduos jovens e, pelas lentes do sociólogo brasileiro Luis Antonio Groppo, entender como se dá a relação jovens/instituições. Por fim, aponta caminhos para refletir sobre como as ideias de Bourdieu podem dialogar em as análises sobre a juventude brasileira buscando, assim, uma comparação e contextualização adequada para contribuir no avanço deste debate. Palavras-chave: Pierre Bourdieu. Juventude. Luis Antonio Groppo. D entre diferentes perspectivas teóricas surgidas na sociedade contemporânea, os escritos de Pierre Bourdieu foram sintomáticos para pensar a sociedade hodierna, sem romper totalmente com aquilo que os sociólogos clássicos haviam produzido até então. O objetivo desse artigo é entender, por meio das análises de Bourdieu, como se constitui a sociedade contemporânea e como, nela, se desenvolvem as relações entre indivíduos e instituições. A partir disso, pretende-se voltar o olhar aos jovens e, pelas lentes do sociólogo brasileiro Luis Antonio Groppo, entender como ele pensa a relação jovens/instituições e, onde as ideias de Bourdieu aparecem em suas análises sobre a juventude brasileira. Pierre Bourdieu, nascido em 1930, foi considerado por muitos o maior sociólogo do século XX. Seus estudos nortearam temas variáveis: Arte, Educação, Economia, Estado, * Recebido em: 08.02.2017. Aprovado em: 13.03.2017. ** Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás. Professor efetivo da Universidade Estadual de Goiás (Eseffego). E-mail: [email protected] ***Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Goiás. E-mail: [email protected]. FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 1, p. 85-98, jan./mar. 2017. 85 Gênero, produção científica entre outros. O autor foi um dos intelectuais que saiu vitorioso após os episódios de contra-cultura na década de 1960. A questão do poder estava em voga naquela época. Michel Foucault, Gilles Deleuze, Feliz Guatarriz, e, claro, Bourdieu saíram fortalecidos neste embate intelectual. Os esquemas conceituais de Bourdieu podem ser aplicados em realidades diversas. No entanto, a partir de 1980, o autor começa a perder espaço na academia francesa, com a ascensão do multiculturalismo e do pós-estruturalismo1 (ou pós-modernidade). Uma leitura possível é que, após a perda de prestígio na academia francesa, Bourdieu tentou levar seus escritos para os Estados Unidos. Outro movimento realizado pelo autor foi à aproximação com “grupos dominados”, oriunda das publicações de trabalhos de cunho mais político, como: a Miséria do Mundo, Contrafogos I, Contrafogos II e Sobre a Televisão. O autor morreu em 2002 em decorrência de um câncer. Infelizmente o mundo perdeu um grande pensador, mas seus escritos continuam ecoando entre os vivos. O presente texto se dividirá em cinco partes. Na primeira e na segunda parte, abordaremos os entendimentos que Pierre Bourdieu postula para pensar a sociedade contemporânea e como ele enxerga a relação indivíduo/instituições nesse cenário. O terceiro momento do artigo será dedicado à análise sobre a constituição sociológica da juventude. Já na quarta parte do texto descrevemos sobre qual o posicionamento que o sociólogo Luis Antônio Groppo2 tem sobre a discussão tratada nos três primeiros capítulos. Por fim, como conclusão, fazemos o esforço de realizar um diálogo para pensar como se dá hoje, pelas lentes de Groppo e Bourdieu, a relação dos jovens com as instituições sociais. A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA PELAS LENTES DE PIERRE BOURDIEU A teoria Bourdiesiana passa por uma série de aspectos que vão desde noções próximas ao indivíduo (como a noção de prática e de habitus) até conceitos mais amplos como o de estruturas e do campo. Além de outras que perpassam os aspectos na relação indivíduo e sociedade. Como explicitado acima, falar do autor significa entender a questão do poder: Quem o detém? Como ele se legitima, ou melhor, como legitima aquele que o detém? Pensar em relações de poder na sociologia não é algo novo. Marx, por exemplo, realizou sua crítica à economia-política e ao capitalismo, reconhecendo que estes operam formas de dominação. Como, por exemplo, seu apontamento de que a realidade da burguesia dominante constitui a realidade universal, portanto, “quando se fala de indivíduo o referido é o sujeito burguês” (MARX e ENGELS, 1987, p. 33). Bourdieu, no entanto, reconhece outras formas de poder que engendram outros tipos de dominação. Um dos conceitos chave para entender esse processo é de poder simbólico. O autor nos recomenda investigar aquele espaço, onde sua existência é ignorada. Como diz o próprio: é preciso entender esse “poder invisível o qual só pode se exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 2012, p. 8). Para isso, Bourdieu propõe a análise de “sistemas simbólicos”. O autor retoma Karl Marx no sentido de pensar em universos simbólicos como aspectos ativos do conhecimento, sendo separados em tipos de universos simbólicos: mito, língua, arte e etc. Também retoma Emile Durkheim no que diz respeito aos sistemas de classificações, que transformou as análises classificatórias de transcendentais para sociais. Em relação a Max Weber, é possível pensar que Bourdieu com seu conceito de habitus fez uma aproximação dos tipos ideias, já que esse conceito captura as tendências e movimentos possí86 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 1, p. 85-98, jan./mar. 2017. veis dentro da realidade social. Neste sentido, Bourdieu defende uma análise estrutural – mas sem cair no estruturalismo – que serve de instrumento de apreensão a lógica específica de cada uma dessas lógicas simbólicas. Desta forma, estes sistemas simbólicos, possuem um poder estruturante, e também, estruturado. O processo de estruturação decorre da forma como os sistemas simbólicos agem na formação de determinado consenso e o que podemos entender por consenso é, justamente, como uma correlação de forças que se torna hegemônica, colocando determinados grupos em posição de dominância e outros em posição de dominação. Assim, “as relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material e simbólico acumulados pelos agentes” (BOURDIEU, 2012, p. 11). O que ocorre é uma relação de luta, principalmente simbólica, em que as diferentes classes estão envolvidas para imporem a definição do mundo social conforme seus interesses. Os sistemas simbólicos diferenciam-se segundo sua instância de produção e de recepção e a autonomia de determinado campo (o conceito de campo será esclarecido nas próximas páginas) constitui-se na medida em que um corpo especializado de produtores de discursos se desenvolve. “O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer [...] só se exerce se for reconhecido” (BOURDIEU, 2012, p. 14). E deste modo o poder simbólico é uma forma transformada e legitimada de outras formas de poder. Portanto, o consenso representa um processo de legitimação, logo, de naturalização. Significa legitimar “aquilo que não é”. As posições ocupadas pelos atores e grupos sociais que disputam o poder, são responsáveis pela definição de interesse dos atores como sendo a definição oficial. Criam formas de diferenciação, ou marcadores sociais que são reflexos dos sistemas simbólicos de diferenciação. O espaço no qual esses embates pela legitimação (ou formação do consenso) acontece é conhecido como campo. O conceito de Campo pode ser entendido como “um espaço relativamente autônomo, um microcosmo dotado de suas próprias leis” (BOURDIEU, 2003, p. 20). Essas leis se tornam visíveis quando se observa os indivíduos que os constituem, isto é, um sujeito pertence a um determinado campo na medida em que sofre efeitos ou nele os produz. Outra questão interessante é a metáfora de “jogo” que esse conceito possui. Os indivíduos que se sujeitam ao jogo são chamados de agentes. Alguns agentes assumem a posição defensiva, ou seja, os dominantes, aqueles que possuem a prorrogativa da definição de legitimidade dentro do campo; e de outro lado os pretendentes, que buscam questionar e suplantar a posição dos dominantes, mas sempre seguindo as regras do jogo. Mas o que são as tais regras do jogo? Isso significa que os agentes não podem explicitar abertamente seus reais interesses. Esse processo de denegação do interesse aparece na construção de legitimidade em qualquer campo. Bourdieu (2006) nos lembra em seus estudos sobre a moda e arte, onde o interesse econômico era marginalizado em nome de uma “arte pura e desinteressada”, estando desprendida de uma “arte engajada e contaminada” por interesses que seriam mais “econômicos do que artísticos”. Em suma, existe uma lógica inerente a cada campo: esconder a “amnésia de sua gênese” (BOURDIEU, 2003, p. 21). Isso o nos leva a pensar que certas questões não irão aparecer em seu princípio constitutivo, ou seja, a prerrogativa de definir o que é arte, por exemplo, não pode passar abertamente por interesses econômicos: Isto vê-se bem no caso dos campos, como o campo religioso ou o campo artístico, onde os mecanismos sociais da produção de proventos não ‘econômicos’ – no sentido restrito FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 1, p. 85-98, jan./mar. 2017. 87 – obedecem a leis que não são do campo econômico: poder-se-ão localmente submeter ao princípio da economia – com o recurso ao moinho das preces, por exemplo, ou à aplicação do ut des às trocas com os poderes sobrenaturais – sem que se possa esperar compreender o funcionamento, ainda que parcialmente, a partir deste único princípio. Da mesma forma, todos os cálculos do mundo a propósito dos cálculos envolvendo o mercado da arte – ou, a fortiori, o universo da ciência ou mesmo da burocracia – não farão avançar um passo a compreensão dos mecanismos que constituem a obra de arte como um valor susceptível de ser envolvido em cálculos e transações comerciais (BOURDIEU, 2006, p. 24). Isso significa que devem ser compreendidas as nuanças, naturalizadas ou ignoradas para se entender o funcionamento de determinado campo. Para que um campo possua autonomia é preciso todo um processo histórico de incorporação e reprodução das estruturas sociais pelos agentes participantes e, conforme a sua consolidação, irão sendo constituída as posições dominantes e em dominância dentro dele. Os agentes reproduzem esse processo chamado de “história incorporada”, isto é, a história que se acumulou “ao longo do tempo no nas coisas, máquinas, edifícios monumentos, livros, teorias, costumes, direitos, etc e a história em seu estado incorporado se tornou um habitus” (BOURDIEU, 2012, p. 82). Assim como nas coisas, essa história se inscreve nos corpos. Delimitando, então, a capacidade de mobilidade de seus membros. O conceito de habitus é importante para entender a mobilidade dos agentes dentro da estrutura do campo. Sua grande inovação foi conceber em um sistema de retroalimentação, onde o indivíduo (ou agente), através de suas práticas, começa a incorporar determinadas disposições que regulam e são reguladas pelas estruturas sociais. Atendendo, dessa forma, há uma aproximação entre a relação “indivíduo” e “sociedade”. Outro ponto importante para se entender o conceito de habitus está no fato deste estar diretamente ligado a prática corporal. Sobre esse tema, podemos invocar Bourdieu (2006b, p. 85) no que diz respeito à prática como “um processo de incorporação de experiências da vida cotidiana”, de fato para esse autor o corpo é espaço de locus privilegiado onde se refletem as práticas introjetadas pelos sujeitos. Essas práticas se constituem uma espécie de “calculo estratégico”, que funciona como um sistema de disposições duráveis, assim formando o habitus (BOURDIEU, 2009). Partindo desse raciocínio, todas as pessoas carregam consigo suas próprias “disposições”, que podem modificar-se ou adaptar-se a uma situação, como gestos, expressões linguísticas e gostos, mas muitas vezes o próprio habitus, pode ser produzido (ou reproduzido) por fatores que estão além do controle individual de agência como, por exemplo, etnia, gênero e classe, imbricando em categorias de classificação inculcadas que são inerentes a certas características físicas e sociais carregadas pelos agentes. Todo processo de práticas que são inculcadas como habitus, reproduzem as estruturas vigentes do campo e se retroalimentam mutualmente. Por isso se faz necessário a existência de meios para garantir a continuidade das relações impostas. Mas como já citado anteriormente, isso não pode ser explicitado abertamente, pois “[...] os interesses só podem se satisfazer com a condição de se dissimular nas e pelas próprias estratégias que tentam satisfazê-las” (BOURDIEU, 2009, p. 211). Essa imposição ocorre por meio de dois tipos de violência: simbólica e aberta. A violência simbólica ocorre de tal forma que parece natural, ficando abaixo do nível da consciência, ou seja, é uma forma de se dominar sem parecer que está dominando. 88 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 1, p. 85-98, jan./mar. 2017. Inclusive é menos prudente utilizar a violência aberta, pois ela está sujeita a uma resposta perigosa do grupo que a sofre, ou pior, pode aniquilar a relação que existe entre dominantes e dominados. A violência aberta geralmente tende a ficar apenas no temor como um dispositivo que será usado caso os acordos não se cumpram, é como o filho que não desagrada aos pais com medo do castigo físico, nestes casos a violência aberta se disfarça de violência simbólica através do véu das relações sociais. PIERRE BOURDIEU: O CAMPO (EDUCACIONAL) E O INDIVÍDUO (JOVEM) O sistema de ensino é um bom exemplo de reprodução das estruturas que asseguram as distinções de classe, sobretudo quando as classes “inferiores” não percebem essa diferença e acabam por perpetuar as relações de desigualdade. Desta maneira, o autor ressalta em “A economia das trocas simbólicas” as disposições negativas no tocante a escola, que levam as crianças de classes desfavorecidas a se rebaixarem pelo acordo implícito ignorado como arbitrário, que faz transparecer o conteúdo que atende a classes dominantes como neutro (BOURDIEU, 2011). Assim, ao invés de pensarmos essa relação por um viés meritocrático ou pela culpabilização individual, devemos enxergar essas manifestações de exclusão como consequências de diferentes categorias sociais. Desse modo, pertencer a um nicho desprovido de capital cultural é, também, sofrer “sanções” por parte do sistema escolar. Aliás, Elias e Scotson, mostram como um grupo dominado pode construir uma imagem pejorativa e inferiorizada de si mesmo, reproduzindo as estruturas de dominação em sua própria auto-identificação3 (ELIAS; SCOTSON, 2000). No entanto, vale a pena lembrar que Bourdieu foi um crítico do estruturalismo, pois pensava que essa tradição não dava conta de considerar o indivíduo como um sujeito autônomo. Desse modo, sua teoria da ação tentou assim como a de Giddens, superar o dualismo entre as análises subjetivas e objetivas, dando ao indivíduo um “papel” mais autônomo na constituição social, aliás, a partir do momento em que o autor se preocupa em situar o indivíduo na estrutura, dá margem para uma interpretação interacionista, que foi, por exemplo, difundida nos Estados Unidos. Desse modo, quando pensamos a relação do habitus com o campo, temos que enxergá-la de forma dialética entre o indivíduo (com suas intenções e desejos explícitos) e o campo socialmente constituído que exerce influência na ação desse mesmo indivíduo (obrigando-o a denegar seus interesses explícitos a partir das regras do jogo, e adaptando seu habitus as regras do campo). Então, temos que pensar que a constituição do habitus não é dada apenas pelas estruturas conservadoras e reprodutoras, mas também pelos modos que os indivíduos assumem suas práticas e como eles se manifestam em virtude das diferentes influências que sofrem dos campos e das instituições. O trabalho de Wacquant (2002) sobre o pugilismo em Chicago é um exemplo da margem de agência que os indivíduos possuem. Em um bairro negro e pauperizado, o Gym (ou academia), aparece como um espaço onde diversos jovens viam a possibilidade de fuga dos imperativos impostos por um bairro pobre, devastado pelas consequências de administrações neoliberais (WACQUANT, 2002). Seja como uma forma de “disciplinar o corpo e aprender a ética do esporte” (WACQUANT, 2002, p. 67); seja como a ambição de ser um pugilista de sucesso, ou simplesmente uma forma de se afastar do perigo das ruas. A partir disso, como pensar a juventude por essa perspectiva? Bourdieu reservou alguns escritos para falar dessa categoria. Para ele, a juventude é mais do que uma palavra (BOURDIEU, 1984). FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 1, p. 85-98, jan./mar. 2017. 89 Para o autor as divisões entre as idades são arbitrárias. A divisão – entre jovens, adultos e velhos – é, na verdade, disputa de poder. Para o sociólogo francês, classificar o período da juventude significa impor determinados limites e promulgar uma ideia de ordem, no intuito de que cada indivíduo saiba o seu devido lugar (BOURDIEU, 1984). A classificação, assim, não passa de um jogo de manipulações, já que só se é jovem (ou velho) para alguém, para alguma instituição ou para realizar determinadas ações: O que quero lembrar é simplesmente que a juventude e a velhice não são dados, mas construídos socialmente na luta entre os jovens e os velhos. As relações entre a idade social e a idade biológica são muito complexas. Se comparássemos os jovens das diferentes frações da classe dominante, por exemplo, todos os alunos que entram na École Normale, na ENA, etc., no mesmo ano, veríamos que estes “jovens” possuem tanto mais dos atributos do adulto, do velho, do nobre, do notável, etc., quanto mais próximos s encontrarem do pólo do poder. Quando passamos dos intelectuais para os diretores-executivos, tudo aquilo que aparenta juventude, cabelos longos, jeans, etc., desaparece (BOURDIEU, 1984, p. 152). Esse trecho demonstra como o habitus e o campo são elementos importantes. É na relação dialética entre a ação individual do jovem e as leis de determinados campos que o conceito de juventude vai se constituindo. Menos de uma forma determinista e impositiva e mais de uma maneira manipulável, onde cada campo colocará seu arbitrário dominante. Nesse sentido, Bourdieu prefere tratar sobre juventudes no plural e não apenas sobre juventude no singular. Para ele, não devemos abusar da linguagem e colocar todos os jovens em um mesmo conceito universal, pois, quando se olha na prática, esses jovens nada têm em comum, possuindo diferentes habitus, assim como diferentes posições em vários campos (BOURDIEU, 1984). Um universo interessante (e que Bourdieu já diagnosticou em seu tempo) versa sobre a influência que a instituição (e o campo) escolar exerceu na conceituação da juventude. No entanto, esse assunto será discutido nas páginas seguintes, com a ajuda de outros pensadores que se debruçam integralmente sobre a temática da juventude. No entanto, do ponto de vista sociológico, o que podemos entender por juventude? BREVE DEBATE SOCIOLÓGICO SOBRE A JUVENTUDE O primeiro aparecimento de uma concepção de juventude surgiu em Rousseau (1973) onde vemos claramente que há uma diferenciação entre a criança, o adolescente e o adulto. No entanto, como bem ressalta Perez Islas (2006), a juventude começou a ser sociologicamente debatida a partir da década de 1920. Diversas foram as categorias criadas para enquadrar determinados tipos de pesquisas e posicionamentos acerca da juventude. Dentre essas, destacam-se a escola de Chicago que considerava o jovem como um problema social. Desse modo, a juventude era vista como um agrupamento cultural homogêneo que se estabelecia as margens da cultura dominante, muitas vezes, de forma anômica a essa. O comportamento juvenil, então, tido como desviante, era basicamente recorrente nos centros urbanos periféricos. Para Pais (1990, 1993) a sociologia da juventude deve voltar sua centralidade não apenas para as possíveis similaridades existentes entre os grupos de jovens, mas também pelas 90 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 1, p. 85-98, jan./mar. 2017. diferenças sociais existentes entre esses grupos. O pensador português propõe que se modifique a noção de cultura juvenil, reivindicando o conceito com o intuito de explorar seu aspecto mais “antropológico”. Ou seja, focando em questões específicas dos modos de vida dos jovens em seus cotidianos. Assim, Pais (2005) vai deixar claro seu interesse, não em pesquisar a juventude com base nas correntes (geracionais e classistas) teóricas que consideram a cultura juvenil identificável com uma cultura dominante, mas sim, em propor uma análise ascendente do comportamento e dos modos de vida juvenis, tentando perceber como se dão as estratégias e táticas cotidianas dos jovens e até que ponto essas percorrem os limites da generalização e da especificidade. Ele considera a(s) juventude(s) pautada pela experiência, seja ela individual e/ou em sua formação de grupos. A identidade individual de cada jovem ganha importância, demonstrando o desejo desse jovem (ou dos grupos juvenis) de ser reconhecido. Isso aponta uma visão contemporânea de juventude para além daquele paradigma que se vincula apenas a ideia de como os jovens eram representados na sociedade, ou seja, considerando-os mais como sujeitos que precisavam ser amparados e cuidados para chegar à idade adulta sem transtornos. Para Foracchi (1965), menos do que uma etapa cronológica da vida e menos que uma potencialidade rebelde, a juventude refere-se a uma forma singular de pronúncia e constituição do processo histórico, inserindo-se nele. Para ela, pensar a juventude como uma categoria social só é possível a partir do entendimento das crises dos sistemas sociais. Diz Foracchi (1982, p. 26) que o jovem é um ser em transição e: Não se sabe muito bem o que esperar do jovem a não ser que ele assuma, progressivamente, os deveres de um adulto bem comportado. Mas ao mesmo tempo, não se reconhece nele, o adulto [...] não há luta entre as gerações ou algo que no plano biológico fosse equivalente a luta de classes, por exemplo. Há sim um estado de perplexidade social que atingi indistintamente os jovens e os adultos. Há uma sociedade em crise, pouco capaz de solucionar os problemas que ela mesmo criou. Foracchi (1978), ainda discutindo na esteira da corrente geracional afirmou que, em muitos momentos, a juventude é uma fase de questionamento as ordens estabelecidas: fazendo com que a juventude entre em conflito com o estilo predominante da sociedade.4 Para a autora, esse conflito existente também é um conflito da geração jovem consigo mesma e com seus valores. Esse questionamento, segundo Foracchi, faz parte da noção de continuidade geracional. No entanto, a autora nos mostra que há um processo de inflexão crítico no que tange a passagem da condição juvenil para a condição de adulto. Para a socióloga brasileira, essa transição se torna difícil, sobretudo, por causa das complexas formas de organizações sociais e, também, pela variedade de alternativas de vida que se oferecem para os jovens. Segundo Foracchi a relação geracional entre a juventude e a fase adulta, podendo ser caracterizada pelo conflito ou pela continuidade, são sempre analisadas levando em consideração a crise da juventude, ou seja, a crise de uma geração. É a partir dessa colocação que a juventude surge como um problema particular e um conceito a ser examinado (FORACCHI, 1978, p. 24). É importante destacar a posição de Foracchi a respeito dos conflitos geracionais. Para ela, esses conflitos se apresentam como novas alternativas de vida social e de novos caminhos que se abrem. FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 1, p. 85-98, jan./mar. 2017. 91 O diagnóstico de Foracchi sobre a relação da juventude com a sociedade brasileira se volta para entender os motivos pelos quais os jovens rejeitam e não se adaptam as socializações contínuas produzidas pela sociedade, tornando-se críticos a ela. Para a socióloga brasileira, então, o mais importante é entender os motivos dessas rejeições. Assim, [...] o jovem, não tendo nenhum compromisso firmado (isto quer dizer, não tendo profissão, não tendo família para sustentar, não defendendo nenhum interesse de classe) pode fazer amplas criticas ao mundo em que vive. Mas, ao mesmo tempo, por não estar vinculado a nada, suas criticas não chegam a ameaçar a estabilidade social (FORACCHI 1982, p. 30). A relação que a sociedade estabelece com seus jovens, de acordo com Foracchi (1982) parece estar pautada por uma ideia de moratória na qual a revolta e os protestos juvenis são formas que esses indivíduos têm para participar da sociedade. Desse modo, a sociedade aceita e garante a participação dos jovens. Na visão de Foracchi (1965) existem alguns componentes universais que permitem a caracterização sociológica da juventude. Nesses componentes, a autora destaca as atitudes diante da vida, o estilo da existência social e a forca de renovação histórica. Há, portanto, não apenas a noção de que os jovens são manipulados pela sociedade e gerações anteriores, mas, também, consciência de que eles são flexíveis e por assim serem desenvolvem capacidades críticas e autônomas para transformação e denúncia das variadas formas de desigualdades e opressão. Devemos considerar o espaço-tempo na qual Foracchi se insere. A autora está falando de uma determinada parcela da juventude, a juventude universitária do período militar brasileiro. Pais (1993) foi um dos autores que abordaram a relação da juventude geracional e também considerando a juventude por uma perspectiva classista e social-cultural (PAIS, 1993, p. 48): Para a corrente classista, as culturas juvenis são sempre culturas de classe, isto é, são sempre entendidas como produtos de relações antagônicas de classe. Daí que as culturas juvenis sejam por esta corrente apresentadas como ‘culturas de resistência’, isto é, culturas negociadas no quadro de um contexto cultural determinado por relações de classe. Posto isso, iremos definir nosso conceito de juventude de forma dialética. Ou seja, a juventude como uma categoria que é marcada por contradições, influenciando e sendo influenciada pela sociedade e pelas instituições. LUIS ANTONIO GROPPO E O CENÁRIO DA JUVENTUDE BRASILEIRA Para entender como Groppo se posiciona sobre a temática, a intenção foi a de captar qual entendimento que ele tem sobre a juventude e sua relação com as instituições. O autor faz um resgate sociológico demonstrando as várias vertentes que já refletiram sobre o tema, bem como as novas propostas que surgiram para se conceituar essa categoria. Nesse percurso, ele vai dissertar sobre a sociologia funcionalista, fazendo uma crítica a essa vertente ao dizer que ela apenas se atentava para a juventude quando os jovens usurpavam a ordem social estabelecida. Também, através da Escola de Chicago, a juventude passou a ser vista 92 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 1, p. 85-98, jan./mar. 2017. como uma fase da vida propícia a contrair todos os tipos de males. Era tida, então, como uma fase da vida que necessitaria de cuidados para que não caísse no mundo da marginalidade e da delinquência (GROPPO, 2000). Outro expoente interessante que fundamenta as análises críticas de Groppo é a ideia de moratória social (influenciada por Mannheim) que surge em contrapartida as ideias da sociologia funcionalista (GROPPO, 2000; 2009). Na perspectiva da moratória social a juventude deveria ser vivida como um direito para todos os indivíduos, ou seja, o período da juventude é aquele propício para a vivência de novas experimentações, tornando o jovem um protagonista de sua vida e de suas ações. Contudo, Groppo (2009) argumenta que: Apesar daquela dimensão cidadã presente no modelo da moratória social, as análises progressistas dos anos 1960 sobre as rebeldias juvenis, informadas por este modelo, a rigor não romperam totalmente com o funcionalismo. Por baixo do modelo da moratória juvenil, ainda jazia o sistema funcionalista de integração social (GROPPO, 2009, p. 47). Na atualidade, Groppo diz que outras diferentes teorias surgiram para dizer sobre aquilo que é a juventude, destacando três delas: a teoria da superação da modernidade, a teoria da reflexividade e a teoria da segunda modernidade (GROPPO, 2014). A teoria da superação da modernidade acredita que a sociedade contemporânea superou a sociedade moderna em todos os seus âmbitos. Dentre as mais importantes vertentes dessa teoria para se pensar a juventude inserem-se as ideias de juvenilização (juventude como estilo de vida) e neotribalismo (fundada pelo sociólogo francês Michel Maffesoli). Já a teoria da reflexividade, comandada por Anthony Giddens defende a ideia de que tanto a ação como o pensamento tem influência ímpar nas práticas sociais. Desse modo, as práticas sociais são redefinidas de acordo com as informações recebidas de forma renovada sobre as próprias práticas. Assim, preocupa-se menos com as justificativas tradicionais e mais com conhecimento que existe em uma determinada prática ou numa relação institucionalizada, que pode ser alterada a qualquer momento (GIDDENS, 1991). A teoria da segunda modernidade, se posiciona no sentido de acreditar que na sociedade hodierna estão ocorrendo transições não-lineares no seio de socializações ativas. Essa parece ser a perspectiva que Groppo se aproxima mais, sobretudo quando ele vai discursar sobre o seu conceito de juventude. De acordo com Groppo (2000, 2004) a juventude tem que ser pensada como categoria social e, nesse sentido, a juventude acompanha, influencia e é influenciada pelas transformações que ocorrem na sociedade, agindo de forma dialética (GROPPO, 2000; 2004). Para o autor a juventude é uma realidade social e não uma mistificação ideológica. Desse modo, é preciso relacionar a juventude com outras categorias sociais como: a classe social, etnia, raça, religião e condição urbana. Assim: “[...] ao analisar as juventudes concretas, é preciso fazer o cruzamento da juventude – como categoria social – com outras categorias sociais e condicionantes históricos” (GROPPO, 2004, p. 12). A partir disso, ele defende a ideia de que há uma condição juvenil mais ou menos geral que, dialeticamente, resulta na criação de diferentes grupos juvenis: Concebo a dialética das juventudes e da condição juvenil, primeiro, como a presença de elementos contraditórios no interior dos diversos grupos juvenis, elementos que coloca FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 1, p. 85-98, jan./mar. 2017. 93 constantemente aquilo que é definido institucional e oficialmente em estado de superação, pela própria dinâmica interna das coletividades juvenis e de suas relações com a sociedade mais geral (GROPPO, 2004, p. 14). O sociólogo brasileiro realiza algumas críticas aos diferentes conceitos de juventude que são teorizadas pelos “pós-modernos”. Em todos seus escritos, Groppo deixa claro que é preciso criar um norte, uma estrutura comum que entenda quais são os valores estabelecidos para a juventude contemporânea. O período moderno buscou a cronologização e a institucionalização do curso da vida, na tentativa de homogeneizar os grupos etários, principalmente através do Estado e da escolarização. O autor ainda vai dizer que na sociedade atual contemporânea tem ocorrido o processo de “desinstitucionalização do curso da vida”, fazendo com que as instituições outrora essenciais para as faixas etárias, tenham, agora, um peso menor nas ações dos jovens (GROPPO, 2004). Desta análise surge uma concepção relativista da juventude que a considera como uma forma de vida, fazendo com que o indivíduo tenha certa autonomia para compor sua identidade, seus comportamentos, seus valores e, sobretudo, que tenha a capacidade de transformá-los. De certa forma, Groppo é apreensivo com essa perspectiva. Para ele as consequências advindas dessa “desinstitucionalização” desembocam em uma consequente regressão dos direitos sociais relativos à juventude já que, na sociedade “pós-moderna”, a desinstitucionalização geraria também uma reprivatizacão da vida dos indivíduos. O autor vai dizer, então, que a condição juvenil, tanto na modernidade quanto na “pós-modernidade”, deve ser pensada como uma condição dialética e contraditória, envolvendo as instituições sociais e as possibilidades de autonomias das juventudes (GROPPO, 2010). A relação entre a institucionalização e os jovens hoje, no Brasil, parece se dividir em dois sentidos. O primeiro deles refere-se a uma nova “institucionalidade” para a juventude, que é sumariamente vinda de cima para baixo, ou seja, são impostas para os jovens (quase sempre pela via política). Exemplo sintomático nesse caso pode ser dado pelas infinitas tentativas por parte de políticos que tentam alterar a lei da redução da maioridade penal. Por outro lado, a juventude como parte interessada, também possuem a capacidade de definir novas “instituições” mais adequadas àquilo que essa categoria enxerga como ideal. Bourdieu aparece sintomaticamente no texto de Groppo quando o sociólogo brasileiro discorreu sobre juventude e educação sócio-comunitária. Se referindo especificamente ao conceito de juventude, Groppo diz que Bourdieu, ao insinuar que a juventude é apenas uma palavra, deixa entender que ela é muito mais do que simplesmente isso (GROPPO, 2012). O primeiro sintoma que comprova que a juventude é mais do que uma palavra diz respeito ao poder simbólico que essa palavra carrega. Palavra poderosa, que incita sentidos de desejos sexuais, forças físicas e novidades. O segundo sintoma aparece, de acordo com o autor, quando Bourdieu considera a palavra “juventude” como uma construção social (possuindo formas de pensar, ser e estar), fazendo dela, como bem ressalta Bourdieu, um dado biológico que pode ser socialmente manipulável (BOURDIEU, 1984).5 Essa manipulação tenta, sem sucesso, considerar a juventude como um grupo que tem interesses comuns, constituído por uma determinada faixa etária (GROPPO, 2012). Tanto Groppo como Bourdieu concordam que a juventude não pode ser tratada como uma unidade, mas que deve ser considerada como uma categoria que se diversi94 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 1, p. 85-98, jan./mar. 2017. fica por meio das diferentes condições de vida dos jovens, de diferentes camadas sociais. Nesse cenário, como as instituições podem ter influência? ENTRE BOURDIEU E GROPPO: ALGUMAS IMPLICAÇÕES SOBRE O DEBATE SOCIOLÓGICO DA JUVENTUDE/INSTITUIÇÃO Para Bourdieu a escola (nota-se que ele fala da escola francesa) é a instituição que influencia na segregação dos jovens, entre aqueles jovens que tem a condição de prosseguir nos estudos e os que não têm essa mesma oportunidade. Bourdieu (1984, p. 155) afirma: A escola, facto que se esquece sempre, não é simplesmente um lugar onde se aprendem coisas, saberes, técnicas, etc.. é também uma instituição que atribui títulos, quer dizer direitos, e confere ao mesmo tempo aspirações. Isso também significa que a escola é uma instituição que segrega os jovens, quase sempre pelo discurso da meritocracia. E o autor entende que revelar esse processo é um primeiro passo, que deve ser seguido pelo acesso dos bens culturais de jovens de classes inferiores. Além dessa influência, a escola, para Bourdieu, é o espaço feito para colocar os jovens separados do mundo, onde, afastados deste, são inteiramente preparados para ocupar funções da vida cotidiana adulta. Experiência que os jovens têm passado e que muitas vezes acabam criando tensões entre o mundo juvenil e o mundo da instituição (nesse caso, a instituição escolar). Também é importante notar, que a imposição testes de aptidão, com sua “neutralidade legitimada”, já indica de forma mais ou menos determinada o caminho que os alunos devem seguir (BOURDIEU, 1984). Sobre a relação juventude/instituição, Groppo reconhece (como vimos) que está ocorrendo uma desinstitucionalização do curso da vida juvenil, no entanto, ele ainda parece reconhecer a relação juventude/instituição de forma importante (GROPPO, 2004). Para ele, ainda não chegou o momento de a juventude ser superada enquanto elemento estrutural da sociabilidade contemporânea. Ele ressalta: “Deste elemento, fundado numa relação certamente dialética e contraditória entre a busca de padronização e os desejos de autonomia, ainda se realiza parte importante do processo de socialização dos indivíduos” (GROPPO, 2004, p. 20). Desse modo, para Groppo, os grupos juvenis (sendo eles institucionalizados ou não) ainda exercem importantes funções de preparação para o mundo social dos futuros adultos, sendo a base ímpar para a manutenção das estruturas sociais. Por fim, ele afirma que a juventude, enquanto um grupo etário homogêneo e uma categoria social possui sua própria forma de dialética, embutida de contradições. Assim, ao passo que a juventude pode se relacionar bem com as instituições, sendo dialética, também podem existir jovens que destoem dos padrões sociais de sua época, criando e se apropriando de novas relações, com novas instituições. Pesquisas empíricas podem nos auxiliar de uma melhor forma para entendermos, na prática, até que ponto os indivíduos jovens exercem (se exercem) autonomia frente as suas ações cotidianas. Não obstante, é fundamental entendermos que a sociedade contemporânea é tecida com outros fios que vão para além daqueles que protagonizaram a sociedade moderna. Esses fios podem ser influenciados pelos habitus, campos e o poder simbólico (como pensa Bourdieu). FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 1, p. 85-98, jan./mar. 2017. 95 Independente do referencial teórico que se usa, é importante entender que os indivíduos na atualidade, principalmente os jovens, se reconhecem nas suas próprias ações cotidianas, tornando-se protagonistas destas. Isso faz com que os jovens tenham uma maior capacidade de escolha e de liberdade diante das instituições que se relacionam com eles, podendo refinar os conhecimentos institucionais que irão influenciá-los em suas ações cotidianas. Concordamos com Maria Graça Setton (2002), quando ela diz que as instituições (como a família, escola, igreja e mídia) são espaços constituídos pelos sujeitos que se interdependem entre si. Assim, não são instituições que estão acima e por cima da sociedade, mas sim, instituições que se configuram por meio das relações entre os indivíduos situados em um determinado espaço-tempo. Juarez Dayrell também é um sociólogo brasileiro interessante para se pensar essa questão (DAYRELL, 2007). O que fica a título de conclusão, então, quando pensamos em sujeitos jovens na esteira de Bourdieu e Groppo, é que, na sociedade atual (sendo ela brasileira ou não), devemos nos atentar para as práticas cotidianas oriundas do universo juvenil, ou seja, entender como se da às relações dos jovens com as instituições que eles frequentam (ou deveriam frequentar), bem como aquelas novas práticas que são “institucionalizadas” e criadas pelos próprios jovens, reconhecidas como importantes ferramentas de apropriação de conhecimento para essa categoria social, assim como explicitar o objetivo dessas instituições que abrigam esses jovens, já que elas também têm um papel importante nas práticas desenvolvidas por eles. POSSIBILITIES TO THINK THE BRAZILIAN YOUTH: DIALOGUES WITH PIERRE BOURDIEU AND LUIS ANTONIO GROPPO Abstract: this article proposes a reflection on the relationship between youth and institution through the lens of sociologist Pierre Bourdieu. Displays the description that makes this thinker through his theories on contemporary society, using concepts such as practice, habitus, field, power and symbolic violence, demonstrating a possible (re) defining the relationship between youth/institution. From this, we intend to turn our gaze to the young and, through the lens of Brazilian sociologist Luis Antonio Groppo, understanding the relationship young/institutions and make notes where Bourdieu’s ideas can engage in their analysis of the Brazilian youth. Thus seeking a comparison and proper context to contribute to the advancement of this debate. Keywords: Pierre Bourdieu. Youth. Luis Antonio Groppo. Notas 1 Mesmo que Bourdieu não se considerasse um estruturalista (vemos que tal termo seria até equivocado para tratar o autor) devemos lembrar que o mesmo se valeu muito da ideia de estrutura em suas obras. Vale lembrar que na obra Esboço de uma autoanálise (2001), Bourdieu se declarou como um estruturalinteracionista, pois o mesmo tentou aproximar o indivíduo da estrutura, através dos conceitos de prática e habitus. 2 Luis Antônio Groppo é um sociólogo brasileiro, professor da Universidade Federal de Alfenas. Desde os anos 2000 Groppo tem sido um dos maiores expoentes no Brasil no que se refere aos estudos acerca da juventude. 3 Temos ciência da diferença entre as concepções teóricas de Pierre Bourdieu e Norbert Elias, contudo, o exemplo é interessante para demonstrar como os dominados podem incorporar as visões pejorativas que os dominantes lhe aplicam. 4 Para Foracchi (1982) o problema da juventude no período em que a autora desenvolveu seus escritos, era um 96 FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 27, n. 1, p. 85-98, jan./mar. 2017. problema principalmente relacionado à juventude de classe média. 5 Pela sua tradição construtivista, Bourdieu sempre buscou desnaturalizar os processos tidos como neutros ou dados, sua sociologia consiste em revelar que tudo aquilo que parece natural é resultado de uma correlação de forças determinada. Referências BOURDIEU, Pierre. As Estruturas Sociais da Economia. 5 ed. Porto: Campo das Letras, 2006 ________. “A juventude é apenas uma palavra”. 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