INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS EM SAÚDE Julho de 2012 Nulvio Lermen Junior Médico de Família e Comunidade Presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade Coordenador de Saúde da Família do Município do Rio de Janeiro Como se dá (ou deveria dar-se) o processo de incorporação de Tecnologias Práticas em Atenção Primária Definição do grau de Recomendação para a prática – USPSTF A recomenda que se ofereça o serviço, pois existe extrema certeza de que o beneficio é substancial. B recomenda que se ofereça o serviço, pois existe moderada certeza de que os benefícios variam de substanciais a moderados. C recomenda contra a oferta rotineira do serviço. Pode-se considerar a oferta do serviço para pacientes individuais. Existe de substancial a moderada evidência de que o beneficio é pequeno. D recomenda contra a oferta do serviço. Existe de moderada a muita certeza de que o serviço não trás benefício ou que os danos superam os benefícios. Desencorajar a prática desse serviço. I a atual evidência é insuficiente para avaliar os benefícios e danos de se adotar o serviço. O EXEMPLO DO RASTREAMENTO Screening ≠ Rastreamento • Na língua portuguesa rastreamento deriva do verbo rastrear que significa “seguir o rastro ou a pista de algo” ou “Investigar, pesquisar sinais ou vestígios”. O termo em português não traz o mesmo sentido do original em inglês que é screening; • A Palavra SCREENING, tem sua raiz no verbo sift, como da palavra sieve, que vem de zeef uma palavra antiga holandesa que significa PENEIRA. Quatro aspectos fundamentais de um programa de rastreamento ACESSO: o rastreamento, quando apropriado e estabelecido em um programa organizado, não constitui modalidade diagnóstica nem assistencial, e sim um direito assegurado do cidadão a uma atenção à saúde de qualidade. Isso significa que ele não precisa de requisição de um profissional médico para a realização do teste ou procedimento de rastreamento, visto que não se trata de diagnose de um quadro clínico, mas sim de critérios estabelecidos que o habilitem a participar do programa. AGILIDADE: o participante não precisa entrar na rotina assistencial dos serviços de atendimento à saúde (de APS) para a realização do rastreamento nem para o recebimento do resultado, a não ser que seja necessário. É o equivalente ao usuário que vem se vacinar: cumpridos os critérios técnicos estabelecidos, os serviços de APS devem esforçar-se ao máximo para prover-lhe a vacinação rapidamente, sem agendamentos ou dificuldades burocráticas. Quatro aspectos fundamentais de um programa de rastreamento MELHORES EVIDÊNCIAS: o rastreamento enquanto programa deve ser oferecido à população somente quando comprovado que seus benefícios superam amplamente os riscos e danos, dessa forma, permitindo detecção precoce e tratamento de certas doenças. Entretanto, a adesão ao programa deve ser voluntária e entendida como direito dos cidadãos. INFORMAÇÃO: o participante deve receber orientação quanto ao significado, riscos e benefícios do rastreamento, bem como sobre as peculiaridades e rotinas do programa e dos procedimentos. No Brasil, temos um bom exemplo nos centros de orientação sorológica para rastreamento de HIV por procura espontânea com aconselhamento pré e pós-teste a respeito da doença. No caso do citopatológico, as mulheres devem receber as orientações de praxe sobre a frequência de rastreamento, sobre os procedimentos, os passos posteriores (recebimento do resultado etc.). Programas organizados de rastreamento Informação usada em 1998 para planejar o piloto para rastreamento de câncer de cólon reto no Reino Unido (National Screening Committee 1998) Efeitos adversos sem a possibilidade de benefício Cada paciente espera estar no grupo A, mas aceita que pode acabar no grupo B ou C. Entretanto, ignora a possibilidade de estar no grupo D no qual pode sofrer os efeitos colaterais sem possibilidade de benefício. Um exemplo brasileiro O município XXXXXXX cujo secretário de saúde é um médico decidiu que iria investir na qualificação do pré-natal. A grande decisão tomada foi que o município iria proporcionar a todas as gestantes dois exames de ultrassom durante a gravidez, sendo um deles precoce a ser realizado entre a 11a e 12a semana de gravidez. As justificativas para a adoção deste novo exame foram uma melhor possibilidade de cálculo de idade gestacional e a possibilidade de realizar o teste de translucência nucal. Caso Clínico Carla, 23 anos, primeira gestação, iniciou o pré-natal precocemente, tendo sido solicitados todos os exames de rotina adotados pelo município, inclusive a ultrassonografia. Todos os exames laboratoriais foram normais, quando chegado o período correto, realizou a ultrassonografia. A ultrassonografia demonstrou que a idade gestacional correspondia ao previsto pela DUM. O teste de translucência nucal estava alterado. O ultrassonografista solicitou que o exame fosse repetido com outra máquina e outro operador para confirmação. No segundo exame de ultrassom realizado no dia seguinte o resultado da translucência nucal foi o mesmo. O médico calculou através do resultado do exame a chance da criança nascer com Síndrome de Down em 1:8. O . exame de translucência nucal tem um especificidade baixa, quer dizer resulta em muitos falso positivos, sendo assim teremos um resultado como este a cada 40 exames aproximadamente, sendo que a cada 240 exames teremos 1 caso realmente positivo e 7 falsos positivos. O médico diante deste resultado e seguindo as recomendações adotadas pelo município solicitou que fosse realizado uma biópsia de vilo coriônico. Duas semanas após o resultado da translucência nucal a gestante foi submetida à biópsia. O material foi colhido normalmente, mas na noite após o exame a gestante iniciou com quadro de sangramento volumoso e foi em busca de assistência no hospital. A biópsia de vilo coriônico tem uma especificidade e uma sensibilidade muito grandes, mas é um exame invasivo e tem entre suas complicações o abortamento em 1% dos casos. . No hospital foi constatado que ela havia sofrido um abortamento e a gestante teve então que ser submetida a uma curetagem. Duas semanas depois recebeu em sua casa o resultado da biópsia que apontava que o feto nõa tinha alteração cromossômica. A paciente desde então está em tratamento psicoterápico por depressão. Levando em consideração o caso deste município teremos em média: • A cada 40 exames 1 alterado • A cada 240 exames 1 caso realmente positivo detectado na biópsia • A cada 240 exames 7 casos falso positivos submetidos a biópsia desnecessariamente • A cada 4000 exames 1 abortamento causado pela biópsia Que benefícios foram trazidos para os pacientes deste município com a introdução desta tecnologia? A que riscos foram expostos os pacientes por causa desta nova tecnologia? O que justificou a introdução da tecnologia na prática clínica? Recomendações fora do Brasil: Prevenção Primária Sem doença Risco de ficar doente Prevenção Secundária Sem doença Risco em ser tratado (ex: screening para hipertensão) (ex:imunizacao). Prevenção Terciária Com doença Previne-se complicações (ex: pé diabético) Marc Jamoule,1999 Prevenção quaternária Com doença (sente-se doente) Previne-se intervenções desnecessárias Ação de identificar riscos de supermedicalização, proteger o paciente de novas condutas médicas invasivas e sugerir interevenções eticamente aceitáveis O exemplo da medicação: Reposição hormonal Anti-inflamatórios inibidores da Cox-2 Tecnologias leves pouco utilizadas: •Cartão de visita •Telefone •E-mail •Prontuário Eletrônico BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS: GRAY, J. A. New concepts in screening. Br J Gen Pract, England, v. 54, n. 501, p. 292-298, 2004. ROSE, G. The strategy of preventive medicine. Oxford: OUP, 1993. NICE. Antenatal care: NICE guideline. Disponível on-line em: http://guidance.nice.org.uk/CG62/NICEGuidance/pdf/English.