Jet lag no atleta: efeitos e abordagem

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Tema 1
Rev. Medicina Desportiva informa, 2013, 4 (5), pp. 10–13
Jet lag no atleta: efeitos e
abordagem
Dra. Inês Cunha1, Dra. Joana Reis1, Dr. Carlos Matos1, Dr. Rui Vaz2
1
Interno de Formação Específica de MFR do Centro Hospitalar do Porto2 ; Especialista de MFR do Centro
Hospitalar do Porto, Pós-graduado em Medicina Desportiva. Porto
RESUMO / ABSTRACT
O momento alto na carreira de um atleta de elite, e o culminar do esforço desenvolvido,
passa pela competição a nível internacional, representando o seu clube, país ou mesmo a
título individual. As viagens de longa distância a que estão sujeitos frequentemente, com
travessia de diversos fusos horários, podem causar dessincronização do ritmo circadiano,
acarretando potenciais efeitos deletérios ao nível da performance do atleta. Esta condição,
designada por jet lag é uma entidade reconhecida que levanta um desafio para o qual são
necessárias soluções concretas. Torna-se relevante clarificar conceitos e acima de tudo
salientar medidas (comportamentais e farmacológicas) para minimizar o impacto destas
viagens internacionais.
Jet leg on the athlete: effects and approach
After many years of work and much effort, an athlete reaches the top when he starts competing
at an international level, whether representing their club, country or participating individually.
Long-haul flights across several time zones can cause circadian rhythm desynchronization, causing
potential deleterious effects in athlete’s performance. This condition, known as jet lag is a recognized
entity that poses a challenge for which practical solutions are needed. It’s important to clarify concepts and bring solutions to table (behavioral and pharmacological) in order to minimize the impact
of international travelling.
PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS
Jet lag, atleta, performance, ritmo circadiano.
Jet leg, athlete, performance, circadian rhythm.
Introdução
O nosso organismo está programado
para trabalhar as 24h do dia, com a
maioria das suas funções fisiológicas controladas pelo núcleo supraquiasmático na base do hipotálamo,
que funciona como o nosso relógio
biológico. Este núcleo possui recetores para a melatonina e é sincronizado pela exposição à luz. Este ciclo
ou ritmo de atividade a cada 24h
designa-se ritmo circadiano1,2.
As viagens de longa distância, com
travessia de diversos fusos horários,
podem causar uma desregulação no
ritmo circadiano e no ciclo sono-vigília, com necessidade de um
reajuste para o horário do destino.
Durante este período pode haver
dessincronização de diversas funções fisiológicas culminando no jet
lag3. Este consiste numa síndrome
caraterizada por alterações do sono,
fadiga generalizada, perda de motivação e capacidade de concentração,
perda de apetite, alterações gastrintestinais e mesmo diminuição da
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performance1,4. Os seus efeitos são
mais marcadores em viagens para
Este do que para Oeste. É necessário
meio dia de adaptação por cada hora
de diferença horária em viagens
para Oeste e um dia de adaptação
por cada hora de diferença horária
em viagens para Este1.
Várias medidas e estratégias
devem ser implementadas com o
objetivo de minimizar estas consequências adversas para o atleta.
Desta forma, é fundamental elaborar previamente à viagem um
programa estruturado que integre as
caraterísticas individuais do atleta
e as particularidades do local de
destino, devendo abranger também
as fases do voo e do pós-voo.
Sendo este tema de evidente interesse para o atleta e toda a equipa
que o acompanha, e havendo neste
momento uma falta de conhecimento sobre os efeitos deletérios do
jet lag, o presente artigo tem como
objetivos principais contextualizar este problema e descrever os
princípios subjacentes à regulação
do ritmo circadiano, salientar de que
modo poderão afetar a performance
do atleta e acima de tudo apresentar
estratégias para os prevenir/minimizar.
Efeitos na performance do atleta
O atleta encontra-se particularmente suscetível aos efeitos do jet
lag, uma vez que muitos aspetos
relacionados com a performance
desportiva exibem um ritmo circadiano, o qual está em estreita
relação com o ciclo de 24h da temperatura corporal. Está descrito que
há um melhor desempenho ao final
da tarde (entre as 16 e as 20 horas)5
a nível da função neuromuscular,
consumo máximo de O2 (VO2máx),
força de preensão6, pico de força
muscular dos membros superiores7,
inferiores e ráquis8,9, potência anaeróbia máxima, bem como nos saltos
verticais e horizontais10.
Embora alguns estudos não
tenham demonstrado relação entre
o jet lag e a performance do atleta11,
outros mostraram que a performance e as funções fisiológicas
podem estar deprimidas durante
vários dias durante o período de
adaptação às condições locais12.
Prevenção e tratamento
Podemos dividir os métodos de prevenção e tratamento do jet lag em
comportamentais e farmacológicos.
Um programa de abordagem estruturado previamente à viagem, deve
englobar os períodos pré-voo, voo e
pós-voo.
Medidas comportamentais
1. Exposição apropriada à luz
Este é o método natural mais
potente no restabelecimento do
ritmo circadiano13. A sua exposição
deve ser criteriosa, ou seja, deve
ocorrer em momentos específicos
para evitar efeitos indesejáveis.
Sendo assim, numa viagem no sentido Este deverá ser minimizada a
exposição à luz na segunda metade
da noite e de manhã cedo, com o
objetivo de provocar um atraso de
fase. Numa viagem no sentido Oeste,
deverá ocorrer uma exposição à luz
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ao final a tarde e primeira metade
da noite, sempre considerando a
hora do local de origem1. Apesar de
não haver evidência inequívoca da
sua eficácia1, este é um método que
deve ser encorajado14.
No sentido de simplificar o processo do cálculo do momento adequado à exposição/não exposição à
luz, vários algoritmos de software e
aplicações iPhone estão disponíveis15.
Também a luz artificial poderá ter
um papel nesta estratégia de adaptação, a utilização de comprimentos
de onda entre 450–480nm (na faixa
do azul), provoca supressão da melatonina. Este é um método promissor
se conseguirmos definir com rigor a
intensidade e momento de exposição à luz1. Têm sido desenvolvidos
óculos com filtros para evitar estes
comprimentos de onda13, no entanto
existe pouca investigação nesta área
e a eficácia e praticabilidade destes
métodos ainda não é clara16. Acredita-se que provavelmente alguma
forma de luz artificial será futuramente o método ideal para reajustar
o relógio circadiano.
2. Exercício
Nos últimos anos surgiu a hipótese de que 1-3h de exercício pode
induzir mudanças de fase do ritmo
circadiano, dependendo da duração,
intensidade e frequência17,18. Assim
sendo, o exercício de manhã cedo
estaria associado a atrasos de fase e
o exercício ao fim da tarde a avanços
de fase; no entanto ainda não há
consenso quanto a esta afirmação1.
Sugere-se ainda que níveis elevados de exercício serão necessários
para exercer alguma influência
no ritmo circadiano (3h a 50-60%
VO2max), embora também aqui os
resultados sejam conflituosos17.
Ou seja, são necessários mais
estudos para identificar as quantidades e timings do exercício de forma a
reduzir os efeitos do jet lag19.
3. Dieta e horário da refeição
Na preparação da viagem deve ser
tida em conta a disponibilidade
alimentar no local de destino, de
acordo com as necessidades nutricionais do atleta20.
Assim que possível, o horário
das refeições deve ser ajustado ao
horário das refeições no destino. Do
ponto de vista nutricional, nas fases
de voo e pós-voo são recomendadas
refeições mais frequentes, em menor
volume e com um balanço energético adequado13. Para facilitar este
processo, o atleta/equipa poderá
levar as suas próprias refeições a
bordo, ou então recorrer a refeições
especiais fornecidas por algumas
companhias aéreas20.
Deve ser assegurado um aporte
hídrico adequado (15–20 ml extra/
hora voo), na medida em que há um
aumento das perdas fisiológicas de
água, podendo levar a algum grau de
desidratação impercetível20.
Apesar destas recomendações
serem relevantes, são necessários
mais estudos para estabelecer definitivamente o papel destas medidas
dietéticas na adaptação ao jet lag1.
Medidas farmacológicas
1. Melatonina
A melatonina é uma hormona
produzida pela glândula pineal
quase exclusivamente durante a
noite quando a luz é nula, apresentando um papel extremamente
importante na sincronização do
ritmo circadiano21. Assim sendo, esta
pode ser potencialmente usada no
tratamento do jet lag como cronobiótico22.
Atualmente apenas uma formulação, Circadin®, se encontra licenciada pela European Medicines Agency
para o tratamento em monoterapia
e a curto prazo da insónia primária
caraterizada por sono de má qualidade, em doentes com idade igual
ou superior a 55 anos23. No Canadá e
EUA está disponível em venda livre
como um suplemento nutricional,
enquanto que na Europa, Austrália e
Nova Zelândia apenas está disponível sob prescrição médica13.
Uma Revisão Sistemática da
Cochrane concluiu que a melatonina é eficaz na prevenção ou
redução do jet lag e que o seu uso
ocasional por um pequeno período
de tempo parece ser seguro. Deve
ser recomendada a adultos que
viajam através de ≥5 zonas horárias,
especialmente na direção Este e se
já apresentaram jet lag em viagens
prévias, com uma dose entre 0.55mg13,24. Deve ser administrada 30
minutos antes da hora de deitar na
noite da viagem e nas primeiras 2 a
3 noites no destino13.
2. Outros fármacos
Os agonistas da melatonina ramelteon e tasimelteon podem constituir
uma alternativa futura. O ramelteon está disponível nos EUA para o
tratamento da insónia, no entanto
ainda não foi aprovado pela FDA para
a prevenção do jet lag25. O tasimelteon
ainda se encontra em investigação26,27.
Para atletas que não têm jet lag ou
que não respondem à melatonina e
apresentam 1 a 2 dias de insónia à
chegada, o uso de hipnóticos pode
ser benéfico.
Os agentes hipnóticos benzodiazepínicos de ação curta são frequentemente usados para ajudar no sono
durante e após viagens de avião.
O triazolam mostrou ser superior
ao placebo na adaptação do ritmo
circadiano28.
O agente hipnótico não-benzodiazepínico zolpidem melhorou a
auto-avaliação da qualidade do sono
especialmente em voos durante a
noite, sendo um fármaco também
muito eficaz no jet lag, apesar de ser
menos tolerado em relação à melatonina isoladamente29.
Conclusão
Sendo o jet lag uma entidade reconhecida e com potencial efeito deletério na performance é do interesse
do atleta e da equipa que o acompanha o estabelecimento de um
programa estruturado no sentido de
prevenir ou minimizar estes efeitos.
Assim sendo, esta abordagem deve
incluir a exposição apropriada à luz,
estímulo natural mais potente no
restabelecimento do ritmo circadiano.
O exercício, a dieta e o horário da
refeição são estratégias amplamente
divulgadas, mas com necessidade de
definir de forma concreta a sua implicação na adaptação ao jet lag.
Os cronobióticos, nomeadamente
a melatonina, parecem ter um papel
importante, devendo ser aplicada
em conjunto com medidas comportamentais.
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Restante bibliografia em:
www.revdesportiva.pt (a revista online)
Revista de Medicina Desportiva informa Setembro 2013 · 13
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