IBMEC SÃO PAULO - Sapientia

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Mestrado em Direito
Núcleo de Pesquisa: Direito das Relações Econômicas
Internacionais
Linha de Pesquisa: Efetividade dos Direitos de Terceira Dimensão e
Tutela da Coletividade, dos Povos e da Humanidade
Ana Carolina Souza Fernandes
O MERCADO FINANCEIRO E A GLOBALIZAÇÃO: UMA
ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA EFETIVIDADE DO
DIREITO AO DESENVOLVIMENTO
São Paulo
2014
2
Ana Carolina Souza Fernandes
O MERCADO FINANCEIRO E A GLOBALIZAÇÃO: UMA
ANÁLISE SOB A PERSPECTIVA DA EFETIVIDADE DO
DIREITO AO DESENVOLVIMENTO
Dissertação apresentada como exigência parcial
para obtenção do Título de Mestre no Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação do Prof. Dr. Cláudio Finkelstein.
São Paulo
2014
3
Fernandes, Ana Carolina Souza
O Mercado Financeiro e a Globalização: Uma Análise
sob a Perspectiva da Efetividade do Direito ao
Desenvolvimento / Ana Carolina Souza Fernandes;
orientador: Cláudio Finkelstein – São Paulo: PUC, 2014.
221f.
Dissertação. Programa de Pós-graduação Stricto Sensu
em Direito. Núcleo de Pesquisa: Direito das Relações
Econômicas Internacionais. Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo.
1. Mercado Financeiro. 2. Globalização. 3. Regulação. 4.
Direito ao Desenvolvimento.
4
FOLHA DE APROVAÇÃO
Ana Carolina Souza Fernandes
O Mercado Financeiro e a Globalização: Uma Análise sob a Perspectiva do Direito
ao Desenvolvimento
Dissertação apresentada como exigência parcial
para obtenção do Título de Mestre no Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação do Prof. Dr. Cláudio Finkelstein.
Núcleo de Pesquisa: Direito
Econômicas Internacionais.
das
Relações
Área: Efetividade dos Direitos de Terceira Dimensão
e Tutela da Coletividade, dos Povos e da
Humanidade.
Aprovado em: Agosto/2014
Banca Examinadora da Qualificação
Prof. Dr. Cláudio Finkelstein
Orientador
Instituição: PUC/SP
Assinatura: _________________________
Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira
Instituição: PUC/SP
Assinatura: _________________________
Profa. Dra. Lívia Gaigher Bósio Campello
Instituição: UNIMAR/SP
Assinatura: _________________________
5
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à minha família, em especial, meus pais, Milton Fernandes e
Helen Mota Souza, pelo constante apoio e incentivo.
Dedico igualmente este trabalho ao querido amigo, Prof. Dr. Vladmir Oliveira da
Silveira, sem o qual não teria chegado até aqui.
6
AGRADECIMENTOS
Meus primeiros agradecimentos vão para os meus primeiros mestres, meus pais,
que desde sempre foram um exemplo a ser seguido: de coragem e superação. Sem
eles, certamente, muitos obstáculos teriam sido enfrentados com maior dificuldade.
Agradeço também ao meu professor e orientador, Prof. Dr. Cláudio Finkestein, por
ter acreditado no meu projeto de dissertação e, assim, ter viabilizado não somente
minha entrada no programa de mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como também por ter oferecido uma orientação de grande valia.
Não posso deixar de agradecer, igualmente, o Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira,
inicialmente professor e tutor da minha época de graduação e atualmente um grande
amigo, cujas contribuições foram imprescindíveis para o resultado final deste
trabalho, fruto de 02 (dois) anos de aprofundados estudos.
Agradeço ao Prof. Dr. Roberto Correia da Silva Gomes Calda, que conheci nas
reuniões da Associação dos Pós-Graduandos da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo e acabou se tornando um grande amigo e prestou relevantes
contribuições para o aprimoramento deste trabalho, quando da banca de
qualificação.
Agradeço a Profa. Dra. Lívia Gaigher Bósio Campello que auxiliou sobremaneira nas
questões metodológicas, enriquecendo, assim o presente trabalho.
Agradeço também aos amigos pelo carinho e pela compreensão pelos momentos de
ausência, mas que necessários para que a conclusão deste.
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para que esse trabalho fosse
realizado: Meu eterno agradecimento!
7
“AS FINANÇAS SÃO O CÉREBRO DA
ECONOMIA DE MERCADO. Infelizmente,
como
o
mundo
lembrou
com
tanta
frequência ao longo das últimas três
décadas, mormente no aperto de crédito
que começou no terceiro trimestre de
2007 – esse cérebro está sujeito a várias
enfermidades. Em especial, está propenso
a violentas oscilações de humor, da
euforia ao pânico. Portanto, a história das
finanças globais, desde 1980, tem sido de
crises
financeiras
assustadoramente
onerosas – onerosas não só em termos de
custos para os contribuintes ou de perdas
na produção de bens e serviços, mas
também em termos de esfacelamento da
vida de vítimas inocentes”.
MARTIN WOLF
8
RESUMO
FERNANDES, Ana Carolina Souza. O Mercado Financeiro e a Globalização: Uma
Análise sob a Perspectiva da Efetividade do Direito ao Desenvolvimento. 2014.
221f. Dissertação (Programa de Pós-Gradução Stricto Sensu) – Pontifícia
Universidade Católica, São Paulo, 2014.
A livre circulação de bens e serviços, capital financeiro e de informação é a base do
fenômeno da globalização. Quando se trata do papel do Direito neste contexto há
uma convergência de entendimentos acerca do descompasso entre o direito posto e
a realidade que pretende regular. Ações por parte dos governos na regulação do
mercado, em especial os mercados financeiro e de capital, são fatores essenciais e
determinantes para a estabilidade e o desenvolvimento nacionais. A presente
dissertação pretende analisar a origem e a evolução da globalização financeira, bem
como seus efeitos, principalmente após o advento da crise de 2008. Pretendemos,
ainda, contextualizar a questão da regulação dos mercados como um meio de
efetivação do direito ao desenvolvimento, por meio da atuação do Estado
necessário. Por se tratar de um estudo descritivo e exploratório, será realizado com
base em pesquisa bibliográfica, nacional e estrangeira, utilizando-se do método
dedutivo e, excepcionalmente, do método indutivo.
Palavras-chave:
desenvolvimento.
mercado
financeiro;
globalização;
regulação;
direito
ao
9
ABSTRACT
FERNANDES, Ana Carolina Souza. Financial Markets and Globalisation: An
Analysis under the Perspective of the Effectiveness of the Right to
Development. 2014. 221f. Thesis (L.LM Program) – Pontifícia Universidade
Católica, São Paulo, 2014.
The free circulation of goods and services, financial capital and information is the
basis of the globalisation. When it comes to the role of Law in such context there is a
convergence of understandings regarding the mismatch between the current Law
and the reality that the Law intents to regulate. Actions taken by governments
towards regulation of the market, especially the financial and the capital markets, are
essential factors and also decisive for the stability and development. This thesis shall
analyze the origin and evolution of financial globalization, and its effects, mainly after
the 2008 crisis. It is also intented to contextualize the market regulation as a mean to
the effectiveness of the right to development, through the actions of the necessary
State. Since this is a descriptive and exploratory study, shall be based on literature,
national and alien, using the deductive method, and excepcionally, the inductive
method.
Keywords: financial markets; globalisation; regulation; right to development.
10
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Sistema das Nações Unidas .................................................................... 52
Figura 2 – Política Protecionista durante a Grande Depressão................................. 61
Figura 3 – Grupo Banco Mundial Priorizando o Setor Financeiro ao Invés da Pobreza
(Ano Fiscal 2010-2013) ............................................................................................. 66
Figura 4 – Classificação das Instituições Financeiras ............................................. 120
Figura 5 – Operação Financeira Estruturada .......................................................... 140
Figura 6 – Fluxo de Pagamento das Hipotecas....................................................... 141
Figura 7 – Ranking de Investimentos Estrangeiros (Em US$ Bilhões) .................... 157
Figura 8 – Capital Social das Securitizadoras x Volume de Emissões .................... 164
Figura 9 – Evolução do Índice de Desenvolvimento Humano ................................. 175
Figura 10 – Objetivos do Desenvolvimento do Milênio ............................................ 194
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
1 A GLOBALIZAÇÃO DOS MERCADOS NO SÉCULO XXI ................................... 18
1.1 A Globalização e Seus Desmembramentos: Um Resgate de Suas Origens .. 20
1.1.1 Globalização Econômica ....................................................................... 22
1.1.2 Globalização Financeira ........................................................................ 28
1.1.3 Outros Tipos de Globalização ................................................................ 39
2 GLOBALIZAÇÃO, MERCADO FINANCEIRO E DIREITO INTERNACIONAL ..... 46
2.1 O Papel das Organizações Internacionais em um Mundo Globalizado .......... 48
2.2 A Globalização na Agenda das Organizações Internacionais ......................... 54
2.2.1 Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio/Organização Mundial do
Comércio ........................................................................................................ 56
2.2.2 Fundo Monetário Internacional .............................................................. 61
2.2.3 Banco Mundial ....................................................................................... 64
2.3 O Sistema Financeiro Global como Soft Law .................................................. 67
2.4 Governança Global ......................................................................................... 73
3 O PAPEL DO ESTADO CONTEMPORÂNEO DIANTE DA GLOBALIZAÇÃO
FINANCEIRA ............................................................................................................ 80
3.1 Estado Liberal ................................................................................................. 82
3.2 Estado Social ou Welfare State....................................................................... 86
3.3 O Neoliberalismo e o Estado Mínimo .............................................................. 92
3.4 Estado Democrático e Social de Direito .......................................................... 99
3.4.1 A Ideia de um Estado Necessário ........................................................ 104
3.4.2 A Terceira Via ...................................................................................... 107
4
O
MERCADO
FINANCEIRO
E
AS
CONSEQUÊNCIAS
DO
CAPITAL
ESPECULATIVO .................................................................................................... 111
4.1 A Dinâmica do Mercado Financeiro .............................................................. 119
4.1.1 O Mercado Financeiro ......................................................................... 122
12
4.1.2 O Mercado de Capitais ........................................................................ 128
4.2 Capital Especulativo e sua Relação com as Crises ...................................... 134
4.2.1 A Crise Subprime de 2008 ................................................................... 137
4.3 A Relação da Law & Economics com o Mercado Financeiro ........................ 147
4.4 Estado Necessário ou Autoregulação? ......................................................... 152
5 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO DIREITO HUMANO ................... 167
5.1 Crescimento e Desenvolvimento: Uma Superação Conceitual ..................... 171
5.1.1 O Índice de Desenvolvimento Humano................................................ 173
5.1.2 O Índice do Bom País .......................................................................... 177
5.2 O Direito ao Desenvolvimento como Direito Humano ................................... 180
5.2.1 Acepção Moral e Ética ......................................................................... 185
5.3 O Desenvolvimento como Liberdade ............................................................ 188
5.4 O Direito ao Desenvolvimento e o Direito Econômico Internacional ............. 191
5.5 Concretização do Direito ao Desenvolvimento Enquanto Direito Humano ... 196
CONCLUSÃO ......................................................................................................... 201
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 208
13
INTRODUÇÃO
A expressão “globalização” é notadamente utilizada para exprimir uma
mudança de paradigma na dinâmica do comércio internacional e do capital, no que
diz respeito à transposição de barreiras e ausência de referências espaciais. Para os
fins da presente dissertação, ao falarmos em capital estamos nos referindo ao
capital financeiro, de modo que não haja confusão entre este e o capital
propriamente dito, enquanto elemento do fator de produção.
A denominada globalização econômica é caracterizada pela livre
circulação de bens e serviços em escala global, aliada ao acesso quase que irrestrito
e imediato à informação. Ato contínuo, a integração dos sistemas bancário e
financeiro e a livre circulação de capital é a base do que se alcunhou de
globalização financeira. Em ambos os casos, tem-se o encurtamento da distância
entre os povos em tempo e a custo mais reduzidos.
No entanto, ao tratarmos da globalização – tanto econômica quanto
financeira –, observa-se uma grande contradição: de um lado, tal fenômeno
promoveu a integração econômica, a intensificação do comércio internacional, o
aumento de produtividade, o aumento da disponibilidade de poupança, bem como a
convergência de normas jurídicas (consubstanciada em normas jurídicas de origem
internacional) e a convergência cultural de consumo.
Por outro lado, trouxe consigo a desagregação social, a má distribuição
de renda, a dissolução dos alicerces da soberania nacional, o enfraquecimento da
capacidade de intervenção do Estado e o comprometimento do funcionamento das
forças democráticas de dado país. No que diz respeito à globalização financeira, a
intensa – e nem sempre regulada – entrada de capitais trouxe inúmeros efeitos
adversos, notadamente cambiais, monetários e inflacionários, especialmente em se
tratando de países enquadrados como “em desenvolvimento” ou “emergentes”, na
medida em que estes são bastante dependentes desse tipo de investimento externo.
14
É sabido que a sociedade global atual baseia-se, primordialmente, em
uma economia de mercado, na qual decisões sobre o quê, o como e ao para quem
devem ser produzidos os bens são tomadas pelos próprios agentes econômicos.
Dentre algumas exceções, por exemplo, o Brasil, característico por possuir uma
visão sócioeconômico de mercado, ao Estado cabe um papel de garantir o seu
regular funcionamento, nos termos do artigo 174 da Constituição Federal de 1988.
Por meio de regulações e de fiscalizações de agentes descentralizados, buscam
corrigir determinadas imperfeições do mercado, como, por exemplo: (i) incapacidade
de promover uma adequada alocação de recursos; (ii) insuficiência de, sozinho,
promover uma justa distribuição da renda; e (iii) proteção de investidores e
acionistas minoritários, dentre outros.
Mister mencionar que a presente dissertação não tem o objetivo de
defender teses contra ou a favor da globalização econômica, sequer financeira.
Apenas reconhecer sua existência como parte integrante da realidade mundial e
cuja tendência é se aprimorar, se reinventar. Como jamais visto outrora, os países
estão cada vez mais dependentes de produtos e serviços uns dos outros. No que
concerne à livre circulação de capital, essa dependência é cada vez mais evidente
se levarmos em consideração os efeitos perversos das diversas crises que
assombraram diversos países ao longo dos séculos XX e XXI.
No auge da crise financeira nos Estados Unidos, por exemplo, o
presidente da Security Exchange Commission – órgão regulatório do mercado de
capitais norte-americano –, Charles Christopher Cox, declarou que a intervenção
governamental poderia ser vista pelo mercado como um sinal de extremo risco para
o sistema financeiro global e até mesmo um sinal de fraqueza por parte dos órgãos
reguladores. No entanto, o próprio Estado, em uma Nação extremamente liberal, foi
responsável pelos diversos socorros financeiros (bailouts) que ajudaram a salvar os
principais bancos de investimentos norte-americanos.
E tal fato segue em direção oposta ao pensamento liberal clássico que
preconiza que quanto mais livres (ou autoregulados) são os mercados do poder
intervencionista dos Estados, melhor. Consequentemente, qualquer tipo de
regulação surge como um obstáculo para o crescimento e desenvolvimento
15
econômicos. A realidade, contudo, nos mostrou e continua nos mostrando que tal
assertiva nem sempre é verdadeira.
Por mais liberal que possa vir a ser, em situações de crises econômicas,
como foi o caso da crise subprime de 2008, o Estado é sempre chamado a intervir e
restabelecer o status quo. Por vezes, a atuação de organizações internacionais
também faz a diferença, se levarmos em conta o Acordo de Basiléia III do Banco de
Compensações Internacionais (Bank for International Settlements), com sede na
Suiça, e responsável pela supervisão bancária internacional, contando com a
colaboração de representantes de diversos bancos centrais mundiais.
Diante deste cenário de incertezas e instabilidades, a presente
dissertação tem como objetivo responder às seguintes problemáticas: (i) qual é o
exato papel do Estado?; (ii) e das organizações internacionais diante do atual
estágio de desenvolvimento do direito internacional público?; (iii) até que ponto e em
que medida o Estado torna-se responsável pela salvaguarda do crescimento
econômico e desenvolvimento sustentável de determinada economia em detrimento
à autoregulação?; e (iv) como concretizar o direito ao desenvolvimento em
momentos de estresse?
Justifica-se o estudo do tema com a linha de pesquisa porquanto ainda
não se dá, na literatura nacional, o destaque que merece. O mercado de capitais,
sem sombra de dúvidas, é um meio alternativo de captação de recursos não
somente privado, mas também público. E, por conseguinte, relaciona-se diretamente
com o direito ao desenvolvimento em seu sentido mais amplo. Uma melhor
compreensão do papel do Estado, enquanto agente regulatório, e das organizações
internacionais, neste contexto, pode servir como diretriz na elaboração de novas
normas jurídicas que estejam associadas ao terceiro elemento prescrito pela
Revolução Francesa: a fraternidade.
Para tanto, a presente dissertação propõe abordar, em um primeiro
momento, o sentido, o alcance e os reflexos jurídicos da globalização nos dias
atuais, buscando abordar suas diversas modalidades. Em um segundo momento,
será analisado o papel das organizações internacionais no contexto da globalização
16
financeira, qual a agenda das principais organizações internacionais integrantes da
comunidade internacional ao tratar da questão da globalização, para, ao final,
perquirir acerca da relação entre o direito internacional e o sistema financeiro global,
bem como da importância e adequação dos princípios da governança no ambiente
financeiro.
Em um terceiro momento, trataremos da evolução do Estado até os dias
atuais, estudando os principais sistemas econômicos, ou seja, desde o Estado liberal
até o Estado que denominamos de “necessário”. Isso porque restou evidente, após a
crise subprime de 2008, o interesse de melhor regular o sistema financeiro, em todas
as suas esferas, na medida em que a regulação é uma questão de prudência e
transparência aos investidores e à sociedade, trazendo uma maior confiança nas
operações, pilar indispensável à estabilidade do sistema financeiro.
Em um quarto momento, buscar-se-á discorrer sobre a dinâmica do
mercado financeiro, refletindo acerca da temática proposta, isto é, da relação entre o
mercado financeiro e o capital especulativo, sob um enfoque jurídico-econômico,
utilizando-se como paradigma a crise subprime de 2008. Ainda, tratar-se-á da
existência de algum tipo de influência de teorias econômicas aplicadas ao direito, tal
como a Law & Economics, contribuindo com o debate para a integração de seus
conceitos, a fim de verificar a possibilidade de se harmonizar o binômio economiadireito. Também, com vistas a corroborar a hipótese de Estado necessário, tratar-seá da possibilidade de subsistência deste com a autoregulação.
Por fim, mas não menos importante, pretendemos entender o alcance do
conceito de direito ao desenvolvimento, consoante previsto na Declaração das
Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986). Adicionalmente,
traçaremos um paralelo entre conceitos sobremaneira importantes, a saber:
crescimento econômico e desenvolvimento integral, conceito este desenvolvido no
âmbito da Organização dos Estados Americanos. Buscaremos analisar, também,
eventual correlação entre o direito ao desenvolvimento e o direito econômico
internacional. Ao final e diante das características do Estado Democrático e Social
de Direito brasileiro analisar o direito ao desenvolvimento enquanto direito humano,
17
cuja observância, mesmo no contexto do mercado financeiro, deve ser não somente
garantido, como também concretizado.
Para tanto, a presente dissertação basear-se-á em estudo descritivo e
exploratório, utilizando-se de pesquisas bibliográficas e legislativas, nacionais e
estrangeiras, por meio do método dedutivo. A título de exceção, o método indutivo
também poderá ser utilizado nas tentativas de resolução das problemáticas aqui
levantadas.
18
1 A GLOBALIZAÇÃO DOS MERCADOS NO SÉCULO XXI
Um dos mais significativos questionamentos do século XXI é saber o
porquê o tema globalização se tornou tão controverso, na medida em que
proporcionou não somente a abertura ao comércio internacional e a uma maior
integração financeira, mas também um crescimento jamais experimentado nos
países que migraram de uma tradição agrícola para a industrial.
De fato, a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra e espalhada para o
resto da Europa a partir do século XVIII, trouxe uma nova forma de pensar a
economia, de melhor aproveitar os meios de produção em função do avanço
tecnológico e, consequentemente, fez surgir um novo tipo de sociedade com novas
estruturas institucionais. Novos métodos de organização da produção, mudanças
nas formas de relações sociais e trabalhistas e uma nova abordagem para o
consumo foram algumas das características marcantes desse período.
Nesse sentido, podemos inferir que a evolução da economia mundial é
marcada, inicialmente, pela abertura dos mercados a produtos e serviços
estrangeiros e, posteriormente, pela possibilidade de entrada de capital estrangeiro,
nas suas mais diversas formas (exportações, investimentos estrangeiros, mercado
de capitais, dentre outras). A globalização, no entanto, não diferenciou as
características peculiares de cada um dos países.
Introduziram-se, de forma acelarada, as inovações impostas pela
Revolução Industrial, que foi determinada por uma intensificação da atividade
econômica. Ao mesmo tempo, uma explosão nos volumes de transações
internacionais, com o desenvolvimento não só do sistema bancário, como também
do sistema financeiro, foi à contraface para o surgimento de teorias econômicas
tentando explicar o fenômeno da globalização.
O liberalismo econômico, surgido em contraposição ao mercantilismo e ao
protecionismo que já não se ajustavam às necessidades do capitalismo que vigia
19
naquele momento, não deve induzir ao errôneo raciocínio de que a globalização
propriamente dita é um fenômeno recente. Dani Rodrik1, nesse sentido, leciona
que:
During the seventeenth and eighteenth centuries, world trade had
expanded at a steady clip of around 1 percent per year, outpacing the
rise in world incomes but not greatly so. Starting sometime in the
early part of the nineteenth century, world trade began to grow by
leaps and bounds, registering an unprecedent rate of almost 4
percent per annum for the century as a whole. Transaction costs that
impede
long-distance
trade
–
due
to
transportation
and
communication difficulties, government restrictions, or risks to life and
property – began to decline precipitously. Capital flows boomed and
most of the world´s economies became financially more integrated
than before. This was also an era of vast flows of people between
continents, with working-class Europeans migrating en masse to the
Americas and other lands of recent settlements. For these reasons,
most economic historians consider the long century before 1914 the
first era of globalization.
Tem-se, pois, que o tripé que impulsionou a globalização pautou-se no
comércio de bens e serviços, no fluxo de pessoas (imigração) e no fluxo
internacional de capitais. A teoria do laissez faire, laissez passer2, bem como a lei
da oferta e da procura passam a ganhar espaço nesse cenário.
1
Tradução livre da autora: “Durante os séculos XVII e XVIII, o comércio mundial se expandiu a um
ritmo constante de cerca de 1 por cento ao ano, superando o aumento da renda mundial, mas não foi
muito além disso. Começando em algum momento no início do século XIX, o comércio mundial
começou a crescer aos trancos e barrancos, registrando uma taxa sem precedentes de quase 4 por
cento ao ano para o século como um todo. Os custos de transação que impediam o comércio de
longa distância – devido a dificuldades de transporte e comunicação, restrições do governo, ou de
riscos à vida e à propriedade – começaram a cair vertiginosamente. Os fluxos de capital cresceram e
a maioria das economias do mundo tornaram-se financeiramente mais integradas do que antes. Esta
foi também uma época de grandes fluxos de pessoas entre os continentes, com a classe trabalhadora
europeia migrando em massa para as Américas e outras terras emergentes. Por estas razões, os
historiadores econômicos consideram o longo século antes de 1914 a primeira era da globalização”
(Rodrik, Dani. The Globalization Paradox: Why Global Markets, States and Democracy Can´t Coexist.
Oxford University Press: London, 2011, p. 24).
2
Expressão invocada por Adam Smith, no século XVIII, defendendo um livre mercado e afastando
qualquer tipo de interferência externa, essencialmente do Estado.
20
Não obstante o ritmo do comércio internacional durante esse período até
meados do século XIX, não podemos afirmar a efetiva existência de um livre
comércio propriamente dito. Pelo contrário, havia políticas de império, na qual países
industrializados exerciam poder em relação aos países menos industrializados. Essa
relação de poder era concretizada, sob o manto de ações voluntárias e consentidas,
por meio da formalização de tratados internacionais, objetivando a redução de
barreiras tarifárias, a despeito de outras imposições. É evidente, pois, a tentativa de
restringir que certos países tomassem as rédeas de suas próprias políticas internas
e internacionais3.
Assim sendo, o presente Capítulo tem como objetivo resgatar as
principais alterações no cenário internacional, de modo a compreender a forma
como se deu a globalização desde o seu início até o seu formato nos dias atuais.
Refrise-se a importância de se entender os modelos econômico e jurídico impostos
pelos países industrializados, difundindo uma cultura liberal, mesmo quando outros
sistemas econômicos ainda encontravam-se em vigor, tal como na China
(comunismo) e na antiga União Soviética (socialismo), para citar alguns exemplos.
E, eventualmente, este Capítulo irá perquirir acerca da existência de outros tipos de
globalização. A globalização é, independentemente dos posicionamentos a favor ou
contra, uma realidade, um fato que não se pode dissociar, e sequer negar sua
interligação direta com o direito internacional, na medida em que ela se efetiva por
meio da relação entre Estados.
1.1 GLOBALIZAÇÃO E SEUS DESMEMBRAMENTOS: UM RESGATE DE SUAS
ORIGENS
O cenário econômico internacional está cada vez mais caracterizado por
seu dinamismo, resultado da globalização. O campo das relações econômicas
internacionais tornou-se mais abrangente. Cada vez mais um maior número de
3
Podemos citar como exemplo, dentre tantos outros, o Tratado de Balta Liman, assinado entre a GrãBretanha e o Império Otomano, em 1838, limitando o percentual incidente sobre as importações e
exportações. Nesse mesmo tratado internacional, restou acordado que o Império Otomano também
aboliaria qualquer tipo de monopólio existente, principalmente do ópio.
21
agentes interage entre si, tanto em função do intercâmbio de bens e serviços quanto
pelo crescimento do fluxo de investimentos externos. Por sua vez, os mercados
produtivos e financeiros parecem viver em uma realidade a parte.
Certas tendências como, por exemplo, a crescente interdependência entre
os países, a existência de blocos regionais (tal como a União Europeia e o
Mercosul), o surgimento de economias emergentes (tal como o BRICS 4), bem como
os avanços tecnológicos em diferentes setores, constituem um ambiente que
prestigia uma constante competição. Como resultado dessas novas tendências, a
globalização dos mercados e, consequentemente, a interconexão do sistema
financeiro, tem crescido cada dia mais. Para Ulrich Beck5,
(...) a questão da globalização na virada para o século XXI
representa, para as empresas que fazem negócios transnacionais, o
mesmo que a questão das classes sociais representava para o
movimento dos trabalhadores no século XIX, mas com uma diferença
essencial: enquanto o movimento dos trabalhadores atuava como
poder de oposição, as empresas globais atuam até este momento
sem oposição (transnacionais).
É imperativo, no contexto atual, uma visão mais contemporânea das
relações econômicas internacionais, repensando, assim, conceitos dentro de um
modelo econômico diferenciado, que não seja tão liberal, nem tampouco
excessivamente intervencionista.
Ainda que haja certa dificuldade em separar o processo evolutivo da
globalização econômica e da globalização financeira – por serem fenômenos
interligados e complementares –, entendemos por bem fazê-lo para os fins da
presente dissertação. Não obstante o foco seja essencialmente a globalização
financeira, esta, refrise-se, somente surgiu em função da interconexão dos mercados
de bens e serviços globais.
4
Grupo este formado pelo Brasil, pela Rússia, pela Índia, pela China e, mais recentemente, pela
África do Sul.
5
Beck, Ulrich. O Que É Globalização? Equívocos do Globalismo: Respostas à Globalização.
Tradução de André Carone. Editora Paz e Terra: São Paulo, 1999, p. 14.
22
1.1.1 Globalização Econômica
A partir do século XIX, as relações econômicas internacionais evoluiram
mais rapidamente que outrora, devido a alguns aspectos tais como: (i) progressivo
crescimento do comércio e da produção; (ii) aumento de preços – em dólar – das
commodities em todo o mundo (variação cambial); (iii) crescimento de bens
manufaturados; (iv) abertura para investimentos estrangeiros; (v) desenvolvimento
contínuo da transferência de tecnologia; (vi) aumento progressivo dos movimentos
de capitais internacionais; (vii) crescente importância econômica da cooperação
internacional, dentre outros6.
Como resultado, o processo de produção foi sendo automatizado. A
Revolução Industrial trouxe como consequência a busca incessante por lucros (em
verdade, sua maximização) e as empresas, diante desse processo de expansão e
produção em grande escala, buscaram aumentar sua participação no mercado
(market share) em decorrência do esgotamento do mercado interno, muito embora
nem sempre tal fator seja decisivo no processo de tomada de decisão de uma
empresa.
Para tanto, viram-se obrigadas a transpor barreiras geográficas, buscando
novos mercados além de suas fronteiras, mantendo como foco não só os países em
desenvolvimento como potenciais consumidores e receptores de investimentos
estrangeiros, mas também os países emergentes.
Nesse diapasão, a globalização econômica surgiu com uma promessa:
prosperidade, por meio da liberalização dos mercados. Tal promessa, no entanto, se
concretizou apenas a um pequeno grupo de países envolvidos nas revoluções
tecnológica e industrial. Os países industrializados forçaram países periféricos ou
menos desenvolvidos a eliminar suas barreiras comerciais, ao passo que aqueles
mantinham as suas, dificultando, assim, as exportações de commodities desses
países e, via de consequência, a entrada de receita. Podemos citar, nesse sentido, a
disputa entre Estados Unidos e Brasil na Organização Mundial do Comércio, em
6
Disponível em: <http://www.forex.in.rs/the-process-of-internationalization-of-companies-in-todaysglobalized-and-competitive-world/>. Acesso em 02 de agosto de 2013.
23
2009, em função da apuração de práticas de dumping por parte de exportadores
brasileiros de suco de laranja ao mercado norte-americano, como também acerca
dos subsídios norte-americanos à produção e exportação de algodão, em 20057.
As teorias econômicas do livre comércio internacional, principalmente de
Adam Smith e David Ricardo, preconizavam uma ideologia capitalista, pautada na
liberalização, na livre concorrência e na desregulamentação. Para Adam Smith, as
forças do mercado por si próprias, notadamente o lucro, direcionariam a economia a
resultados eficientes, como se empurrados por uma “mão invisível” 8. Nesse cenário,
não haveria espaço para intervenção do Estado.
Defensor de Adam Smith e de sua teoria, John R. Lott Jr.9 afirma que
“conceder liberdade às pessoas para que melhorem sua própria condição econômica
contribui para tornar a sociedade mais rica de um modo geral”. E continua o autor:
“uma vez que o mercado parece estar falhando, o governo é convidado a intervir
para tornar as coisas ‘justas’. Mas a intervenção governamental muitas vezes só
consegue tornar as coisas piores. Desde leis para companhas políticas até regras
para obtenção de licenças profissionais, a regulamentação governamental tende a
dificultar o livre comércio”.
Até os dias atuais, muitos economistas buscam demonstrar em que
sentido e em que condições as proposições de Adam Smith são válidas10. Joseph
Stiglitz e Bruce Greenwald11 argumentam que estas condições são válidas apenas
7
Relevante informar que em ambos os casos, a decisão foi favorável ao Brasil.
Conceito desenvolvido por Adam Smith, significando “uma coordenação invisível que assegura a
consistência dos planos individuais numa sociedade onde predomina um sistema de mercado. De
acordo com Smith, um indivíduo que busca apenas o seu próprio interesse é na verdade conduzido
por uma mão invisível a obter um resultado que não estava originalmente em seus planos. Esse
resultado obtido corresponderia ao interesse da sociedade” (Sandroni, Paulo. Dicionário de Economia
do Século XXI. Record: Rio de Janeiro, 2005, p. 511).
9
Lott Jr., John R. Freedomnomics: Por que o Livre Comércio Funciona e Pode Resgatar a Economia
Mundial. Tradução de Ivan P. F. Santos. Editora Saraiva: São Paulo, 2009, pp. 14-17.
10
Para maiores detalhes sobre a teoria do equilíbrio e a teoria da impossibilidade, argumentos que
especificam as condições pelas quais as assertivas de Adam Smith estão corretas, ver lições de
Gerard Debreu (Theory of Value: An Axiomatic Analysis of Economic Equilibrium. Yale University
Press: New Haven and London, 1959. Disponível em: <http://cowles.econ.yale.edu/P/cm/m17/>) e
Kenneth Arrow (Social Choice and Individual Values. 2.ed. John Wiley & Sons: New York, 1963.
Disponível em: <http://cowles.econ.yale.edu/P/cm/m12-2/>), ganhadores do Prêmio Nobel de
Economia em 1983 e 1972, respectivamente. Acesso em 02 de agosto de 2013.
11
Greenwald, Bruce; Stiglitz, Joseph. Externalities in Economies with Imperfect Information and
Incomplete Markets. Quarterly Journal of Economics 101(2). Maio de 1986, pp. 229-264.
8
24
em situações altamente restritivas, uma vez que quando a informação é imperfeita
ou os mercados são incompletos, o equilíbrio competitivo não é eficiente (limitação
do Princípio de Pareto).
Inclusive, em outro momento, Joseph Stiglitz12 reitera que:
Indeed, more recent advances in economic theory – ironically
occurring precisely during the period of the most relentless pursuit of
the Washington Consensus policies – have shown that whenever
information is imperfect and markets incomplete, which is to say
always, and specially in developing countries, then the invisible hand
works most imperfectly.
Fato é que Adam Smith não foi capaz de demonstrar, por meio da “mão
invisível” e da teoria da vantagem absoluta13, que o capitalismo liberal é
efetivamente lucrativo e vantajoso a todos os envolvidos 14. David Ricardo, seu
sucessor, foi quem formulou a teoria da vantagem comparativa, na tentativa de
suprir as lacunas de seu antecessor, afirmando que “ainda que uma nação
apresentasse desvantagem absoluta na produção de ambas as mercadorias em
relação à outra nação, o comércio seria vantajoso, desde que ela se especializasse
na produção e exportação do bem em que sua vantagem absoluta fosse maior. Além
disso, deveria importar a mercadoria em que sua vantagem absoluta fosse menor”15.
12
Tradução livre da autora: “De fato, os avanços mais recentes na teoria econômica – que ocorre,
ironicamente, justamente durante o período da perseguição mais implacável das políticas do
Consenso de Washington – têm mostrado que sempre que a informação é imperfeita e os mercados
incompletos, ou seja, sempre, e especialmente nos países em desenvolvimento, a mão invisível
funciona da maneira mais imperfeita possível” (Stiglitz, Joseph. Globalization and Its Discontents.
Penguim Books: Nova Iorque, 2002, p. 73).
13
A teoria da vantagem absoluta defende que “cada nação poderia especializar-se na produção de
mercadorias que ela produzisse com maior eficiência que as demais nações, ou seja, em que tivesse
vantagem absoluta, e importar as mercadorias em que tivesse desvantagem absoluta (ou produzisse
menos eficientemente)” (Passos, Carlos Roberto Martins; Nogami, Otto. Princípios de Economia.
5.ed.rev. Cengage Learning Edições: São Paulo, 2005, p. 523).
14
Passos, Carlos Roberto Martins; Nogami, Otto. Princípios de Economia. 5.ed.rev. Cengage
Learning Edições: São Paulo, 2005, p. 525.
15
Passos, Carlos Roberto Martins; Nogami, Otto. Princípios de Economia. 5.ed.rev. Cengage
Learning Edições: São Paulo, 2005, p. 525.
25
Na tentativa de estabelecer uma diferença entre o pensamento de Adam
Smith e David Ricardo, Cláudio César Soares16 leciona que:
(…) Smith disse que, dados dois países e dois produtos, se cada
país se especializasse na produção dos bens que pudesse produzir
com menos horas de trabalho, o comércio internacional traria
vantagens para ambos. Ricardo generalizou esse conceito e afirmou
que, mesmo que um dos países seja mais eficiente na produção dos
dois bens comparativamente ao outro, ainda assim o comércio
internacional traria benefício para os dois países se cada um se
especializasse na produção dos bens e que fosse mais eficiente em
relação ao outro.
Ainda assim, ambas as teorias tiveram grande relevância para os países
industrializados, que contavam com estruturas e instituições relativamente sólidas.
Para a existência de uma economia de mercado alguns pré-requisitos são
fundamentais, tais como direitos de propriedade e direito da concorrência bem
definidos e tribunais capazes de preservar tais direitos. Adicionalmente, a
capacidade de geração e absorção de informações também se torna indispensável.
No entanto, tais pré-requisitos nem sempre estão presentes em países menos
desenvolvidos ou emergentes, tal como o Brasil.
Não há que se olvidar, nos dizeres de Cláudio Finkelstein17, “que o
capitalismo vive em simbiose com a globalização, e que seu ímpeto inicial veio da
interligação dos fatores de produção em frenética velocidade”, e nem mesmo a
recente crise subprime de 2008 “interrompeu o ciclo do capitalismo nem barrou a
marcha da globalização, somente reforçou a necessidade de repensar ainda mais os
limites a tais ímpetos”.
Essa assertiva reitera a ideia de que o capitalismo liberal e a globalização
transformaram a maneira pela qual o Estado passa a ser visto: de um Estado
16
Soares, Cláudio César. Introdução ao Comércio Exterior – Fundamentos Teóricos do Comércio
Internacional. Editora Saraiva: São Paulo, p. 34.
17
Finkelstein, Cláudio. Jus Cogens Como Paradigma do Metaconstitucionalismo de Direito
Internacional. 263f. Livre-Docência em Direito Internacional Público. Pontifícia Universidade Católica:
São Paulo, 2010, p. 25.
26
nacional para um Estado aterritorial, na qual as forças do mercado e do capital
(geralmente especulativo) interferem sobremaneira na atuação dos governantes em
todas as suas esferas. Um exemplo de como funciona a sociedade globalizada nos
é fornecido por Ulrich Beck18, a saber:
Não estamos lidando, no caso do recolhimento de impostos, com um
princípio qualquer, mas com o princípio da autoridade do Estado
nacional. O valor deste imposto está relacionado à atividade
econômica dentro de um determinado território – uma premissa que
se torna cada vez mais fictícia diante das perspectivas do comércio
mundial. Empresas podem produzir em um país, pagar impostos em
outro e exigir investimentos públicos sob a forma de aprimoramento
da infra-estrutura em um terceiro. As pessoas se tornaram mais
móveis, e também mais engenhosas: se são ricas, podem encontrar
e explorar brechas nas redes de captação do Estado ou, se
dispuserem da competência requerida, empregar sua capacidade de
trabalho onde lhes for mais vantajoso; ou, por fim, se forem pobres,
podem emigrar para o lugar onde acreditam jorrar o leite e o mel. De
sua parte, o Estado nacional se enreda em contradições com suas
tentativas de manter o isolamento. Pois para que haja concorrência
na
sociedade
mundial,
os
países
precisam
atrair
capital,
conhecimento e mão-de-obra.
Sob essa perspectiva, a globalização econômica não pode – e nem deve
– ser entendida como um meio de solucionar os problemas mundiais, na medida em
que, aliado ao capitalismo liberal, traz uma série de novos problemas ou, até
mesmo, equaciona antigos. George Soros19, sob o ponto de vista da globalização
financeira e dos intensos fluxos de capital, chegou à conclusão de que a já resolvida
“[asiatic] crisis is a symptom of pathologies inherent in the global system.
International financial markets have served themselves as more than just a passive
transmission mechanism for the global contagion; they have themselves been the
18
Beck, Ulrich. O Que É Globalização? Equívocos do Globalismo: Respostas à Globalização.
Tradução de André Carone. Editora Paz e Terra: São Paulo, 1999, pp. 18-19.
19
Tradução livre da autora: “a crise [asiática] é o sintoma de uma patologia inerente ao sistema
global. Os mercados financeiros internacionais servem não só como um mecanimos passivo de
transmissão, eles são a principal causa da epidemia econômica” (Soros, George. Capitalism Last
Chance. Winter, 1998-1999, p. 56).
27
main cause of economic epidemic”. E em sendo considerada uma patologia passível
de controle, “o Direito entra em cena, que se encarrega de garantir segurança
jurídica e equidade às relações entre os atores econômicos, principalmente àquelas
cujos custos de transação são inaceitáveis ou abusivos”20, tal como ocorre no
mercado financeiro.
Por outro lado, teóricos como Paul Hirst & Grahame Thompson 21 são
bastante céticos a respeito da irreversibilidade do processo de globalização,
dispondo que:
Os defensores mais ingênuos da rápida e crescente “globalização”
têm memória curta e tendem a ver a economia mundial em termos
pós-1973.
Uma
perspectiva
mais
ampla
é
prudente,
não
simplesmente pelo que revela sobre a economia mundial pré-1914,
mas porque mostra quão volátil, quão sujeito a mudanças
conjunturais e quão vulnerável aos efeitos dos conflitos políticos é a
economia internacional. Nenhum regime importante durou mais do
que 30 ou 40 anos, e períodos de abertura e de crescimento
consideráveis foram substituídos por períodos de fechamento e de
declínio. Portanto, seria uma ingenuidade projetar as tendências
atuais de abertura e de integração, como se fossem inevitáveis ou
irreversíveis.
Sob outro enfoque, Gilberto Dubas apud Cláudio Finkelstein22 discorre
sobre o fenômeno globalizador afirmando que “a liberalização das fronteiras, a
multiplicidade de atores, regras e conflitos põem em dúvida o sistema do bem estar
social e a própria noção de Estado como sempre a concebemos”.
20
Gonçalves, Everton das Neves; Stelzer, Joana. A Doutrina Law and Economics (LAE) e o Direito
Internacional Econômico. In: Gonçalves, Everton das Neves; Stelzer, Joana (Org.). Direito das
Relações Internacionais – Estudos em Homenagem à Luminar Trajetória Acadêmica de Odete Maria
de Oliveira. Ijuí: Editora Unijuí, 2006, pp. 183-233.
21
Hirst, Paul; Thompson, Grahame. Globalização em Questão: A Economia Internacional e as
Possibilidades de Governabilidade. Editora Vozes: Petrópolis, 1998, p. 341.
22
Finkelstein, Cláudio. Jus Cogens Como Paradigma do Metaconstitucionalismo de Direito
Internacional. 263f. Livre-Docência em Direito Internacional Público. Pontifícia Universidade Católica:
São Paulo, 2010, p. 24.
28
Podemos extrair, portanto, que a globalização econômica só se tornou
factível a partir do momento em que as indústrias nacionais de determinado país
passaram a enfrentar dificuldades para comercialização de seus produtos, por falta,
principalmente, de mercado consumidor interno. A população não mais crescia na
mesma proporção que a capacidade produtiva advinda do pós-Revolução Industrial.
Com a transição do capitalismo monopolista para o capitalismo global,
vemos uma unificação do mercado em escala mundial. O capitalismo global
conduziu a uma integração de sistemas de produção anteriormente de monopólio
local (de um determinado país) ou regional (decorrente da formação de blocos
econômicos) para uma perspectiva internacional. Da mesma forma, em se tratando
de produção normativa, na medida em que o capitalismo global propiciou um maior
espaço de atuação para os sujeitos de direito internacional. Nestes termos:
As definições clássicas de soberania não mais prevalecem no Estado
de Direito imposto pela nova ordem global, vez que os diversos
Mercados de Bloco, notadamente a União Européia, e organismos
internacionais, como a ONU, a OMC ou a OIT, têm como
característica a transferência ou o compartilhamento de parcelas da
soberania em determinadas matérias sujeitas a regras aceitas23.
Depreende-se,
portanto,
que
a
soberania
foi
perdendo
certas
características, outrora considerada absoluta, ao longo do tempo e, principalmente
diante do contexto atual, não tem o condão de impedir a existência de todo e
qualquer tipo de integração: seja econômica, seja política, seja jurídica, seja cultural,
fruto da globalização dos mercados e da consciência cooperativa dos Estados.
1.1.2 Globalização Financeira
Desde o século XVII, o capitalismo mercantil se consolidou em função das
grandes navegações; estas concentradas nas mãos dos povos português e
23
Finkelstein, Cláudio. Jus Cogens Como Paradigma do Metaconstitucionalismo de Direito
Internacional. 263f. Livre-Docência em Direito Internacional Público. Pontifícia Universidade Católica:
São Paulo, 2010, p. 113.
29
espanhol, por conta das especiarias que eles revendiam para outros países
europeus.
Paralelamente, o resto da Europa sofria com o feudalismo, com exceção
da Holanda que se preocupava mais em simplesmente não desaparecer24. Leciona
Alexandre Versignasse25 que, no caso da Holanda, “o modelo feudal de trabalhar na
terra em troca de casa e comida não pegou. Boa parte do trabalho, afinal, era tirar a
própria Holanda debaixo d’água para ter onde plantar e criar gado”. Assim, ao invés
do escambo, os holandeses trabalharam em troca de um salário, trazendo um efeito
colateral: o comércio.
Assim, ao passo que em muitos países da Europa o dinheiro era escasso,
na Holanda, o dinheiro era o centro de sua economia. Angus Maddison26 relata que:
Herring fisheries were an important part of Dutch shipping activity.
The herring were sold fresh or lightly salted near to the ports or were
processed and barrelled for international trade. Before 1400, herring
shoals best suited for salting were off the Swedish coast, but in the
fifteenth century, they migrated into the North Sea, so the bulk of the
catch was taken by Dutch ships. A technological breakthrough
increased productivity substantially. Dutch shipyards developed a
new type of factory ship (a herring “buss”), with nets, rigging and
processing facilities which permitted crews of 18 to 30 men to gut,
24
Alexandre Versignasse leciona que a Holanda sofria com as enchentes, já que ficava “encurralada
entre o mar do norte e a boca de dois rios gigantes, o Reno, que desce da Alemanha, e o Mosa, que
chega da França. O delta dos dois se junta no Leste dos Países Baixos, formando um labirinto de rios
menores” (Versignasse, Alexandre. Crash – Uma Breve História da Economia: Da Grécia Antiga ao
Século XXI. Editora Leya: São Paulo, 2011, p. 114).
25
Versignasse, Alexandre. Crash – Uma Breve História da Economia: Da Grécia Antiga ao Século
XXI. Editora Leya: São Paulo, 2011, p. 114.
26
Tradução livre da autora: “A pesca de arenques foi uma parte importante da atividade de transporte
marítimo holandês. Os arenques eram vendidos frescos ou levemente salgados perto dos portos ou
eram processados e envasilhados para o comércio internacional. Antes de 1400, cardumes de
arenques mais adequados para salgar estavam fora da costa sueca, mas no século XV, eles
migraram para o Mar do Norte, de modo que a maior parte da captura foi efetuada por navios
holandeses. A inovação tecnológica aumentou substancialmente a produtividade. Estaleiros
holandeses desenvolveram um novo tipo de navio-fábrica (um arenque buss), com redes,
equipamentos e instalações de processamento que permitiram tripulações de 18 a 30 homens
destripar, limpar, salgar e envasilhar o arenque, ainda em alto-mar. Embarcações deste tipo poderiam
fazer três viagens por ano de cinco a oito semanas durante a estação aberta de junho a dezembro.
Em meados de 1560, havia 400 embarcações holandesas deste tipo operando desde a província da
Holanda, com propriedade concentrada em investidores urbanos” (Maddison, Angus. The World
Economy: A Millenial Perspective. OECD Publishing: Paris, 2001, p. 80).
30
clean, salt and barrel the herring whilst at sea. Vessels of this type
could make three trips a year of five to eight weeks during the open
season from June to December. By the 1560s there were 400 Dutch
vessels of this type operating from the province of Holland, with
ownership concentrated on urban investors.
Diante desse cenário, a Holanda não queria ficar de fora do comércio de
especiarias, tendo em vista seu potencial lucrativo. Para fugir do método tradicional
empreendido à época para financiar as navegações, ou seja, se capitalizar via
instituições financeiras, a história nos ensina que a Holanda deu os primeiros passos
para o que hoje conhecemos como mercado financeiro.
O governo holandês teve a iniciativa, ensina Alexandre Versignasse 27, de
unir as Companhias das Índias da Holanda, formando uma grande empresa estatal,
chamada Vereennigde Nederlandsche Oostindische Compagnie (Companhia Unida
Holandesa das Índias Orientais), e convidou os cidadãos para tornarem-se
acionistas. Ao convidar os cidadãos a empreender junto ao Estado, o governo
holandês dividiu-a em partes (ações) e as vendeu. Para que essa captação fosse
possível criou-se, no centro de Amsterdam, um local para que essas ações
pudessem ser negociadas. Esse local passou a ser chamado de Bolsa de Valores.
De fato, quando da análise da alocação de fatores de produção em
termos globais, com vistas à obtenção de lucro, José Cretella Neto 28 leciona que “os
primeiros exemplos de empresas ‘multinacionais’, dotadas de alguns dos traços que
ainda hoje possuem, somente possam ser localizados na Idade Moderna, no
Ocidente, quando floresceu o capitalismo”, citando como marco referencial a criação
da Companhia das Índias Inglesas (1600) e da Companhia Unida Holandesa das
Índias Orientais (1602). Para tanto, organizavam-se em formas de sociedades
anônimas, cujos mecanismos de concentração do capital para investimentos, bem
27
Versignasse, Alexandre. Crash – Uma Breve História da Economia: Da Grécia Antiga ao Século
XXI. Editora Leya: São Paulo, 2011, p. 117.
28
Cretella Neto, José. Curso de Direito Internacional Econômico. Editora Saraiva: São Paulo, 2012, p.
743 e ss.
31
como a repartição de riscos financeiros era favorável para viabilizar a atividade
econômica29.
A vantagem desse tipo de estrutura é a diluição de riscos, tornando-o
mais atraente para investidores comuns fazer parte dessa iniciativa governamental.
Em contrapartida, recebiam os dividendos prometidos. A despeito do surgimento do
mercado financeiro, restou evidente o aparecimento de outra figura: a do capital
especulativo.
Verifica-se, pois, que este modelo de financiamento de atividades
econômicas não é diferente da realidade atual. Quando uma empresa abre seu
capital para ser negociado em bolsa de valores, ou até mesmo quando uma
empresa decide se capitalizar via securitização de recebíveis30 com emissão pública
ou privada de valores mobiliários31, nada mais, nada menos está convidando o
público (investidores pessoas físicas, fundos de private equity32 e/ou investidores
institucionais33) a fazer parte dos objetivos sociais dessa empresa, oferecendo a eles
29
Diferentemente do que ocorre com as empresas nos dias de hoje, referidas Companhias,
“conquanto tivessem natureza jurídica de sociedades de Direito Privado, detinham uma série de
privilégios, tais como a concessão de cartas que lhes garantiam a propriedade de terras no além-mar,
a faculdade de promulgar normas jurídicas sobre os territórios em que exerciam domínio, bem como
mantinham exércitos, frota marítima militar e portos fortificados próprios, ou seja, uma infraestrutura
operacional da qual, nos dias de hoje, somente Estados poderiam dispor” (Cretella Neto, José. Curso
de Direito Internacional Econômico. Editora Saraiva: São Paulo, 2012, p. 745).
30
A expressão “securitização de recebíveis” teve origem a partir da tradução do termo “security” do
direito norte-americano, que não corresponde integralmente ao conceito de valor mobiliário do direito
brasileiro. O correto seria a utilização da expressão “titularização de recebíveis”, na medida em que
apenas títulos ou valores mobiliários são passíveis de negociação em bolsas de valores e
equivalentes.
31
Nos termos do artigo 2° da Lei n° 6.385/1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e
cria a Comissão de Valores Mobiliários, são valores mobiliários: “I - as ações, debêntures e bônus de
subscrição; II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos
aos valores mobiliários referidos no inciso II; III - os certificados de depósito de valores mobiliários; IV
- as cédulas de debêntures; V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de
clubes de investimento em quaisquer ativos; VI - as notas comerciais; VII - os contratos futuros, de
opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; VIII - outros contratos
derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e IX - quando ofertados publicamente,
quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de
parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm
do esforço do empreendedor ou de terceiros”.
32
São fundos que investem em pessoas jurídicas diversas, objetivando atuar como gestores de seus
objetivos sociais, impulsionando seu faturamento. Após um determinado período de tempo, referidos
fundos realizam os chamados desinvestimentos, isto é, a venda de suas participações acionárias.
33
De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários, os “investidores institucionais” são os
profissionais da aplicação de poupança de terceiros. Nessa categoria, estão incluídos os fundos
mútuos de investimento em ações, as companhias seguradoras, as entidades fechadas de
previdência privada – os chamados fundos de pensão, entre outros. Disponível em:
32
uma contraprestação, sob a forma de juros, remuneração, dividendos, a depender
do disposto nos negócios jurídicos celebrados entre as partes envolvidas.
Nesse momento da História, no entanto, não há que se falar em
globalização, econômica ou financeira. Os países europeus estavam direcionados
em aumentar suas riquezas internas, e as instituições financeiras intermediavam
essas “operações” que se davam por meio das navegações e conquista de novos
territórios. Maurice Obstfeld e Alan M. Taylor34 esclarecem que:
Prior to the nineteenth century, the geographical scope for
international finance was relatively limited compared to what was to
come. Italian banks of the Renaissance financed trade and
government around the Mediterranean, and, as trade expanded
within Europe, financial innovations spread farther north through the
letters of credit developed at the Champagne Fairs and the new bank
in North Sea ports such as Bruges and Antwerp. Later, London and
Amsterdam became the key center, and their currencies and financial
instruments were the principal focus of market players. As the
industrial revolution gathered force and radiated out from Britain, the
importance of internacional financial markets became more apparent
in both public and private sphere.
<http://www.cvm.gov.br/port/protinv/caderno1(new).asp>. Acesso em 12 de maio de 2014. Não se
confundir, portanto, com o conceito de investidor qualificado, nos termos do artigo 109 da Instrução
CVM n° 476/2009, a saber: “I – instituições financeiras; II – companhias seguradoras e sociedades de
capitalização; III – entidades abertas e fechadas de previdência complementar; IV – pessoas físicas
ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$300.000,00 (trezentos mil
reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado; V – fundo de
investimentos destinados exclusivamente a investidores qualificados; VI – administradores de carteira
e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios; e VII
– regimes próprios de previdência social instituídos pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal
ou por Municípios”.
34
Tradução livre da autora: “Antes do século XIX, o escopo geográfico para financiamento
internacional foi relativamente limitado em comparação com o que estava por vir. Bancos italianos do
Renascimento financiavam o comércio e governo em torno do Mediterrâneo, e, como o comércio
expandiu na Europa, as inovações financeiras espalharam mais para o norte por meio das cartas de
crédito desenvolvidas nas feiras de Champagne e dos novos bancos nos portos do Mar do Norte,
como Bruges e Antuérpia. Mais tarde, Londres e Amsterdã tornaram-se principais centros financeiros,
e suas moedas e instrumentos financeiros eram o foco principal dos agentes do mercado. Como a
revolução industrial ganhou força e irradiava para fora da Grã-Bretanha, a importância do mercado
financeiro internacional tornou-se mais evidente nas esferas pública e privada” (Obstfeld, Maurice;
Taylor, Alan M. Globalization and Capital Markets. In: Globalization in Historial Perspective, 2002,
Santa Barbara, May 4-5, 2001).
33
Então, o século XIX, notadamente no pós-Revolução Industrial, com todas
as suas inovações proporcionou um avanço não somente na área da tecnologia,
mas no campo das telecomunicações e, principalmente, no sistema bancário e
monetário mundiais, com o advento do padrão-ouro35 (gold standard). Iniciava-se,
assim, no campo financeiro, um período de laisser faire virtual e de especulações, na
medida em que o sistema bancário passou a ser tornar um importante instrumento
do comércio internacional e o dinheiro passou a ser menos físico.
Contudo, esse novo regime monetário não foi capaz de sobreviver às
guerras mundiais e as consequências econômicas advindas da Grande Depressão,
não obstante ter sido um mecanismo de ajustamento de desequilíbrios externos. A
esse respeito, Dani Rodrik36 esclarece que:
The rules meant that changes in the domestic supply of money were
tightly linked to movements in gold reserves. A country with a deficit
on its foreign balance of payments would lose gold to its trade
partners, and experience a reduction in its money supply. These gold
flows would in turn trigger corrections in economic conditions which
economists call the “automatic adjustment mechanism”. In a deficit
country, tight money and credit would result in a combination of rising
interest rates and falling domestic prices. These in turn would lead to
reduced spending and improved trade competitiveness, restoring
35
Esse período foi marcado pela determinação de uma taxa fixa de câmbio. Por meio de um acordo
informal – já que nenhum tratado internacional foi efetivamente assinado – foi determinado que a
moeda de um país teria seu valor atrelado a certa quantidade de ouro e cabia aos respectivos bancos
centrais efetuar tal conversão, de modo a manter o fluxo de capitais entre os países.
36
Tradução livre da autora: “As regras significavam que mudanças na oferta interna de dinheiro
estavam fortemente ligadas aos movimentos de reserva de ouro. Um país com déficit em sua balança
de pagamento externa perderia ouro para seus parceiros comerciais, e experimentariam uma redução
na oferta de dinheiro (dinheiro circulante). Esses fluxos do ouro, por seu turno, acionaria o gatilho de
correções nas condições econômicas que os economistas chamam de ‘mecanismo de ajuste
automático’. Em um país deficitário, a falta de dinheiro e crédito resultaria em aumento das taxas de
juros e a queda de preços internamente. Estes fatos, por sua vez, levariam a uma redução de gastos
e melhoria da competitividade do comércio, restabelecendo o equilíbrio dos pagamentos externos.
Segundo as regras do padrão-ouro, o governo não tem capacidade de interferir na política monetária
com vistas a alterar as condições de crédito no mercado interno, porquanto o abastecimento
monetário interno era unicamente determinado pelo ouro e fluxos de capital por meio das fronteiras
nacionais. Em princípio, os bancos centrais tinham pouca autonomia, a não ser emitir ou retirar
moeda, na medida em que houve flutuação do preço do ouro. O sistema tinha regras claras,
universais e não discricionárias. O regime financeiro minimizava custos de transação para além das
fronteiras nacionais. Financiadores e investidores tinham que se contentar com nenhuma surpresa ou
controle na fronteira” (Rodrik, Dani. The Globalization Paradox: Why Global Markets, States and
Democracy Can´t Coexist. Oxford University Press: London, 2011, p. 35).
34
equilibrium on external payments. Under gold standard rules,
government had no ability to muck around with monetary policy to
alter domestic credit conditions, because domestic money supplies
were solely determined by gold and capital flows across national
borders. In principal, central bankers had little to do besides issuing
or retiring domestic currency as the level of gold in their vaults
fluctuated. The system had clear, universal, and non-discretionary
rules. The financial regime minimized transaction costs across
national boundaries. Financiers and investors had to content with
neither surprises nor controls at the border.
Pelas razões acima expostas, referido regime monetário foi, então,
substituído por um período de intenso nacionalismo (conhecido também como
beggar-thy-neighbor policy), resultando em políticas de controle do fluxo de capital,
de desvalorização cambial e alterações na estrutura política de diversos países 37, de
modo a permitir a reconstrução dos países afetados pelas guerras e recessões
econômicas.
Inclusive, com a Grande Depressão, o sistema capitalista liberal vigente
(de economia de mercado) foi fortemente questionado, momento em que novas
teorias econômicas passaram a ser desenvolvidas, dentre as quais, se o Estado
deveria exercer um papel principal e efetivo na economia, e não ser simplesmente
um coadjuvante e à mercê de interesses meramente privados. Os Estados Unidos,
por exemplo, para restaurar a confiança na economia, por meio de seu presidente,
Franklin Roosevelt, lançou o famoso New Deal, “a presidential barrage of ideas and
programmes unlike anything known to American history. The immediate result of this
frenetic activism was a tremendous upsurge in confidence”38.
Nesse momento, buscava-se uma alternativa à Adam Smith e uma fuga
aos pensamentos socialistas e comunistas, tal como os de Karl Marx e Oskar Lange,
respectivamente. E essa alternativa teve em John Maynard Keynes seu precursor,
37
Por exemplo, a Revolução Russa criou o governo bolchevique, a Itália seguiu as idéias fascistas, a
Alemanha, as socialistas, etc.
38
Tradução livre da autora: “uma barragem presidencial de ideias e programas jamais visto na
história americana. O resultado imediato desse ativismo frenético foi um tremendo aumento na
confiança” (Skidelsky, Robert. The Economist as Saviour. Macmillan, 1994, p. 490).
35
sendo considerado um dos mais importantes economistas do século XX, trazendo
consigo uma versão menos radical do capitalismo e dando ao governo um papel
central na economia. De fato, John Maynard Keynes compreendia os problemas que
a economia de mercado trazia em termos de política macroeconômica, notadamente
no que diz respeito a uma melhor alocação de recursos e fatores de produção. Para
ele39,
(…) I see no reason to suppose that the existing system seriously
misemploys the factors of production which are in use. There are, of
course, errors of foresight; but these would not be avoided by
centralizing decisions. When 9,000,000 men are employed out of
10,000,000 willing and able to work, there is no evidence that the
labour of these 9,000,000 is misdirected. The complaint against the
present system is not that these 9,000,000 men ought to be
employed on different tasks, but that tasks should be available for the
remaining 1,000,000 men.
A Grande Depressão causou altas taxas de desemprego e uma grande
quantidade de capital ocioso e o mercado, por si só, não foi capaz de corrigir a
situação,
não
prescindindo
da
intervenção
governamental
para
estabilizar
novamente a economia, como veremos nos Capítulos 3 e 4, como forma de mitigar
efeitos adversos, tais como mais crises e recessões.
Uma lição experimentada com a Grande Depressão demonstrou que as
necessidades internas de cada país colidem com os requisitos de uma economia
global, sempre prevalecendo àquelas em detrimento dessas (e mesmo a crise
subprime de 2008 não nos deixa afirmar o contrário). Tanto é assim que John
39
Tradução livre da autora: “Eu não vejo razão alguma para supor que o sistema existente
efetivamente emprega de forma errada os fatores de produção disponíveis. Existem, naturalmente, os
erros de previsão, mas estes não poderiam ser evitados por decisões centralizadas. Quando
9.000.000 entre 10.000.000 homens dispostos e aptos para o trabalho são empregados, não há
qualquer evidência de que a alocação do trabalho para estes 9.000.000 homens está equivocada. A
denúncia contra o atual sistema não é que esses 9.000.000 homens deveriam ser empregados em
tarefas diferentes, mas que trabalhos estejam disponíveis para o restante dos 1.000.000 homens”
(Keynes, John Mayard. The General Theory of Employment, Interest and Money. Macmillan, 1936, p.
379).
36
Maynard Keynes40, em 1933, preconizou que “I sympathize, therefore, with those
who would minimize, rather than those who would maximize, economic entanglement
among nations. Ideas, knowledge, science, hospitality, travel – these are the things
which should of their nature be international. But let goods be homespun whenever it
is reasonably and conveniently possible, and, above all, let finance be primarily
national”.
De toda forma, sua inclinação ideológica – em conjunto com outro
economista, Harry Dexter White – ajudou a desenhar um regime monetário
internacional alternativo que vigeria pelos próximos 30 (trinta) anos após a Segunda
Grande Guerra, a saber: o Acordo de Bretton Woods. E juntamente com este último,
foram criadas 02 (duas) organizações internacionais importantes, não obstante muito
controversas, no cenário internacional: o Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial
para
Reconstrução
e
Desenvolvimento.
No
âmbito
do
comércio
internacional, iniciaram-se as negociações que culminaram no Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio, surgindo, tempos depois, a Organização Mundial do Comércio.
Finalmente chegou-se a conclusão de que a paz é melhor do que a
guerra, e, portanto, reestabeleceu-se a idéia de cooperação mundial. Porém, em
outros termos: a política econômica mundial deveria ser subserviente às políticas de
interesse nacional (pleno emprego, crescimento econômico, equidade, bem-estar
social, dentre outros) e não o contrário, como gostariam os países industrializados.
Afinal de contas, a esta altura, voltar aos padrões liberais clássicos era quase
impossível, porquanto “os Estados já haviam estruturado um sistema jurídicoinstitucional mais apto a controlar com rigor os movimentos de capitais, as tentativas
de concentração de mercado e as práticas anticoncorrenciais”41.
Assim, ao invés de uma globalização selvagem e desenfreada, preferiu-se
uma globalização moderada, ainda que com um mínimo de intervenção estatal. No
40
Tradução livre da autora: “Eu simpatizo, portanto, com aqueles que minimizam, ao invés daqueles
que maximizam, o entrelaçamento econômico entre as nações. Idéias, conhecimento, ciência,
hospitalidade, viagens – estas são as coisas que devem ser – por sua natureza – internacionais. Mas
deixem que os bens sejam domésticos, sempre que for razoável e convenientemente possível, e,
acima de tudo, deixe que as finanças sejam essencialmente nacionais” (Keynes, John Mayard.
National Self-Sufficiency. The Yale Review. Vol. 22. N.4. Junho 1933, pp. 755-769).
41
Cretella Neto, José. Curso de Direito Internacional Econômico. Editora Saraiva: São Paulo, 2012, p.
71.
37
entanto, essa moderação durou até meados da década de 1970, com a quebra do
Acordo de Bretton Woods42, momento em que o Fundo Monetário Internacional,
influenciado pela ideologia econômica norte-americana, passou a ser um forte
adepto de uma nova liberação do mercado, inclusive o financeiro. Ensinam Maurice
Obstfeld e Alan M. Taylor43 que “industrial-countries governments no longer need
capital control as a tool to help preserve a fixed exchange-rate peg, since the peg
was gone”.
A era pós-Bretton Woods pode ser descrita como um período de crises
econômicas e baixas taxas de crescimento, trazendo consigo um cenário de
estagflação (ou seja, altos índices inflacionários e ausência de crescimento
econômico), típico de países que enfrentam problemas de recessão. Se não
bastasse, os países exportadores de petróleo começaram a agir como um cartel,
impondo significativos aumentos no preço do petróleo. Os importadores dessa
commodity, por outro lado, experimentaram altos níveis inflacionários.
Como resultado e sob influência do pensamento de Milton Friedman, a
partir de 1980, as políticas keynesianas foram sendo lentamente substituídas pelas
políticas de Margaret Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (Estados Unidos),
consolidando não só a globalização econômica (livre circulação de bens e serviços),
como também a globalização financeira (livre circulação de capitais).
42
Ocorre que no pós-Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, os Estados Unidos deixaram de ser
os maiores devedores mundiais para serem os maiores credores, razão pela qual se tornou a maior
potência de todos os tempos. No entanto, conforme esclarece Ricardo Dathein, “os investimentos
externos, a ajuda financeira a outros países e os gastos militares no exterior afetavam negativamente
o balanço de pagamentos dos EUA, o que era compensado pelo saldo positivo da balança comercial.
No entanto, desde o final dos anos 1950, este último saldo reduzira-se, pois se completava a
reconstrução da Europa e do Japão, que construíram uma estrutura industrial nova, com alta
produtividade, podendo agora competir com os EUA. Sem os excedentes comerciais, os EUA teria
que garantir a paridade do dólar vendendo ouro. Esta evolução econômica fez a escassez inicial de
dólares em termos internacionais ser substituída por seu excesso, o que aumentou o risco de
movimentos especulativos contra o dólar”, o que de fato aconteceu, e o Federal Reserve (banco
central norte-americano) teve de agir para evitar uma crise financeira em decorrência de movimentos
especulativos. Tais movimentações já demonstravam, nesse momento, o potencial destrutivo da
especulação e a fragilidade do sistema financeiro (Dathein, Ricardo. Sistema Monetário Internacional
e Globalização Financeira nos Sessenta Anos de Bretton Woods. Revista da Sociedade Brasileira de
Economia Política, Rio de Janeiro. N. 16. Junho de 2005, pp. 51-73).
43
Tradução livre da autora: “o governo dos países industrializados, já não precisavam controlar o
fluxo de capitais como uma ferramenta para ajudar a preservar a taxa de câmbio fixa, uma vez que o
lastro [ouro] já não mais existia” (Obstfeld, Maurice; Taylor, Alan M. Globalization and Capital Markets.
In: Globalization in Historial Perspective, 2002, Santa Barbara, May 4-5, 2001).
38
Adicionalmente, o contínuo avanço nas telecomunicações aproximou
ainda mais os sistemas bancários e o mercado financeiro. O dinheiro, hoje, é
praticamente virtual. O regime monetário está intrinsecamente ligado à livre
mobilidade de capitais e taxas de câmbio flexíveis. Vê-se que, na maioria – senão a
totalidade – dos países industrializados, o regime econômico é diametralmente
oposto ao que acordado em Bretton Woods, primando à ordem econômica
internacional em detrimento da doméstica.
No entanto, e em certa medida, alerta Dani Rodrik44, que “floating
currencies became a source of instability for the international economic system rather
then a safety valve”. Ainda, acrescenta o autor que o maior problema da
globalização financeira do século XXI “(...) is the ‘excessive’ mobility of private
financial capital. National economies and national governments are not capable of
adjusting to massive movements of funds across the foreign exchanges, without real
hardship and without significant sacrifice of the objectives of national economic policy
with respect to employment, output, and inflation”45.
Logo após a crise subprime de 2008, um estudo realizado por Luc Leaven
e Fabian Valencia46, identificou 124 (cento e vinte e quatro) crises bancárias, 208
(duzentas e oito) crises cambiais e 63 (sessenta e três) crises decorrentes de
endividamento externo (emissão de títulos da dívida pública) entre 1970 a 2008,
período marcadamente neoliberal. Como consequência da globalização financeira,
os países – industrializados ou não – estão mais suscetíveis a riscos, sem ao menos
uma contrapartida.
De fato, o fluxo de capitais pode ser benéfico em algumas circunstâncias,
como, por exemplo, determinado país com diversas oportunidades de investimento e
44
Tradução livre da autora: “moedas flutuantes tornaram-se uma fonte de instabilidade para o sistema
econômico internacional ao invés de uma válvula de segurança” (Rodrik, Dani. The Globalization
Paradox: Why Global Markets, States and Democracy Can´t Coexist. Oxford University Press:
London, 2011, pp. 106-107)
45
Tradução livre da autora: “(...) é a mobilidade ‘excessiva’ do capital financeiro privado. Economias e
os governos nacionais não são capazes de se ajustar aos movimentos maciços de fundos por meio
das bolsas estrangeiras, sem sofrimento real e sem sacrifício significativo dos objetivos da política
econômica nacional no que diz respeito ao emprego, à produção, e a inflação”.
46
Leaven, Luc; Valencia, Favian. Systemic Bank Crisis: A New Database. International Monetary
Fund. Working Paper WP/08/224, Setembro de 2008.
39
pouca disponibilidade de poupança interna, minando quaisquer investimentos em
infraestrutura. Como regra, o investidor não apenas injeta dinheiro na economia
desse país. Paralelamente, esse dinheiro vem acompanhado de outros atributos,
como know-how, conhecimento do mercado, tecnologia, etc., o que impulsiona o
crescimento econômico. Entretanto, pode também produzir resultados desastrosos.
A mesma lógica utilizada no comércio internacional pode – e deve – ser
aplicada ao mercado financeiro. Ou seja, no comércio, uma “troca” considerada
lucrativa entre as partes envolvidas tem de levar em conta, quando da formação do
preço, todos os custos (de oportunidade) sociais. Nesta esteira, quando um
investidor decide investir em um papel qualquer (seja um valor mobiliário, seja um
título da dívida pública), ele realmente é conhecedor de todos os riscos envolvidos,
ou, ainda, os rendimentos refletem o risco assumido?
Quando uma instituição financeira empresa dinheiro a alguém, a taxa de
juros deste empréstimo reflete os custos (de oportunidade) sociais e fiscais
necessários para eventual socorro (bailout), em virtude da inadimplência no
cumprimento das obrigações?
Fato é que nem a Economia, nem o Direito conseguem fixar condutas
apropriadas com vistas à solução desses problemas da forma como deveriam. O
Direito não consegue acompanhar a constante, intensa e rápida alteração diante
deste frenético mundo financeiramente globalizado. Por sua vez, a Economia não
consegue endereçar a questão de forma pontual, na medida em que as políticas
fiscais, monetárias e cambiais não conseguem mais estar dissociadas às
expectativas do mercado e dos respectivos investidores. Parece-nos que a
sociedade atual e seus respectivos governos vivem em um constante dilema entre
crescimento e desenvolvimento econômicos e movimentos especulativos.
1.1.3 Outros Tipos de Globalização
Seria um equívoco entender que a globalização está restrita apenas aos
campos econômico e financeiro, muito embora sejam suas fontes originárias. A
40
abertura decorrente desse fenônemo possibilitou também uma maior integração
social, cultural e ambiental.
Do ponto de vista sociocultural, a internet passou a ser o instrumento pelo
qual se intercambia conhecimentos e hábitos de consumo. Basta um clique que é
possível ter acesso a diversas produções científicas de universidades ao redor do
mundo, ou acesso a produtos e serviços estrangeiros, que são entregues sem que o
consumidor precise sair de seu domicílio. Nessa mesma esteira, as redes sociais
(tais como Facebook, Linkedin, entre outros) inovaram sobremaneira a forma pela
qual as pessoas interagem.
Todavia, a globalização cultural não está alheia às críticas. Relaciona-se a
globalização cultural como uma forma de perda ou destruição de identidades
culturais, vítimas da invasão acelerada de uma homogeneizada e ocidentalizada
cultura de consumo. Os ativistas da antiglobalização tendem a interpretar a
globalização como uma extensão do imperialismo cultural ocidental47, notadamente
norte-americano, se levarmos em consideração que em qualquer parte do globo, é
possível encontrar uma garrafa de Coca-Cola ou um restaurante de fast food Mc
Donalds, por exemplo.
Mas a globalização cultural pode ser realmente interpretada como um
processo geral de perda da identidade ou diversidade cultural, ou, como um
processo de criação e proliferação da identidade cultural? Anthony Giddens entende
que a globalização não só é uma forma de preservação da identidade cultural, como
também um fenômeno bastante íntimo. Em suas palavras48:
É um erro pensar que a globalização só diz respeito aos grandes
sistemas, como a ordem financeira mundial. A globalização não é
apenas mais uma coisa que “anda por aí”, remota e afastada do
indivíduo. É também um fenômeno “interior”, que influencia aspectos
íntimos e pessoais de nossas vidas. Por exemplo: o debate que
47
Nesse sentido, ver: Shepard, Benjamin; Hayduk, Ronald. From ACT Up to the WTO: Urban Protest
and Community Building in the Era of Globalization. Verso: London, 2002.
48
Giddens, Anthony. O Mundo na Era da Globalização. Tradução de Saul Barata. Editorial Presença:
Lisboa, sem ano, pp. 23-24.
41
decorre em muitos países acerca dos valores da família parece ter
pouco a ver com as influências da globalização. Mas tem. Os
sistemas tradicionais da família estão a transformar-se, ou estão
sujeitos a grandes tensões, em diversas partes do mundo, em
especial sempre que as mulheres exigem maior igualdade de
direitos. (...). Trata-se de uma revolução global na vida corrente,
cujas consequências se estão a fazer sentir em todo o mundo, em
todos os domínios, do local de trabalho à política.
Do ponto de vista do meio ambiente, a Revolução Industrial e a
globalização trouxeram um problema ambiental global: o meio ambiente foi se
tornando cada vez mais pobre, perdendo sua estabilidade e afetando o meio
ambiente vizinho. Sob esse aspecto, entendemos que a atuação do direito
internacional em colaboração com o direito doméstico tem um importante e vital
papel em matéria de proteção ambiental. Suas contribuições são muitas e das mais
variadas, fazendo parte de um conjunto de regras e princípios com vistas ao
cumprimento de sua finalidade.
Historicamente, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
Humano, em 1972, em Estocolmo, denominada de direito ambiental de primeira
geração, incorporou uma abordagem ambiental no âmbito do direito internacional.
Diante dos problemas enfrentados pela sociedade industrial moderna, a Resolução
n° 2398 (XXIII) da Organização das Nações Unidas, que convocou os países para a
referida Conferência, preconizou as profundas mudanças nas relações entre o
homem e o meio ambiente em decorrência do desenvolvimento científico e
tecnológico,
(…) noting, in particular, the continuing and accelerating impairment
of the quality of the human environment caused by such factors as air
and water pollution, erosion and other forms of oil deterioration,
waste, noise and the secondary effects of biocides, which are
accentuated by rapidly increasing population and accelerating
urbanization (...)”49.
49
Tradução livre da autora: “observando, em especial, o contínuo e acelerado desequilíbrio da
qualidade do meio ambiente humano causado por fatores tais como poluição do ar e da água,
42
Ao final desta Conferência foram aprovados os seguintes documentos
internacionais: (i) a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente Humano (com 26 princípios) e (ii) o Plano de Ação para o Meio Ambiente
Humano (com 109 recomendações). Entretanto, a delegação brasileira estava
voltada à pauta da temática “desenvolvimento” (econômico) como solução para os
problemas envolvendo o meio ambiente. Por tal razão é que Vera Pedrosa50 leciona
que “travava-se uma batalha para impedir que os interesses conservadores dos
países desenvolvidos, no sentido da manutenção do status quo econômico mundial,
se valessem da ‘via ambiental’ para tentar justificar procedimentos e estratégias
imobilistas”.
De acordo com o Relatório da Delegação do Brasil à Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente:
cumpria (...) à Delegação brasileira orientar sua atuação no sentido
de evitar que as medidas e decisões a serem adotadas em
Estocolmo: (i) limitassem com formulações jurídicas e outras, como o
chama do “direito de consulta”, o direito soberano de cada país de
explorar seus recursos, de acordo com os seus próprios interesses e
prioridades; (ii) favorecessem o estabelecimento de “padrões”
universais
de
produção
que
obstruam
o
processo
de
desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento, com
exigências estabelecidas segundo um critério equalizador de custos
que não se poderia justificar em termos puramente ecológicos, à
vista da maior capaidade de absorção do meio ambiente nas regiões
menos desenvolvidas; (iii) incentivassem a adoção de padrões de
consumo que se pudessem converter em obstáculos às exportações
dos países em desenvolvimento, como uma alternativa ecológica
para as barreiras alfandegárias já existentes51.
erosão e outras formas de deterioração do óleo, resíduos, ruído e os efeitos secundários de biocidas,
que são acentuadas pelo rápido aumento da população e da urbanização acelerada (...)”.
50
Pedrosa, Vera. O Meio Ambiente Dez Anos Após Estocolmo: A Perspectiva Brasileira. Paris: VIII
Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, 1984, p. 29.
51
Disponível
em:
<http://www.cetesb.sp.gov.br/userfiles/file/mudancasclimaticas/proclima/file/publicacoes/conferencia_i
nternacional_c_e_p/estocolmo_72_Volume_I.pdf>. Acesso em 13 de maio de 2014.
43
Essas contribuições, no entanto, restaram limitadas em se tratando de
responder aos desafios que foram tornando-se cada vez mais complexos,
principalmente após a década de 1980. Assim, outras convenções internacionais
sobre questões ambientais fizeram-se necessárias, traduzindo-se em uma segunda
geração do direito internacional ambiental.
Alguns fenômenos como, por exemplo, a deterioração da camada de
ozônio, o efeito estufa, a extinção sistemática da biodiversidade de espécies, a
desertificação, dentre outros, precisavam ser compreendidos sob uma ótica global. A
partir do Relatório Brundtland (1987) foi lançada a idéia de “futuro comum”, na qual
se pregava que o planeta Terra não era capaz de suportar um alto nível de
exploração de seus recursos naturais.
A
Conferência
das
Nações
Unidas
sobre
Meio
Ambiente
e
Desenvolvimento, realizada em 1992, no Rio de Janeiro (também conhecida como
Cúpula da Terra ou Rio-92), nesse sentido, precisava enfrentar um desafio
consistente em proteger o meio ambiente como um todo, por ser bem único e
indivisível, ou seja, não conhecendo fronteiras territoriais. Pela primeira vez na
História foi introduzida a expressão “desenvolvimento sustentável” nos documentos
elaborados durante essa Conferência52.
Entretanto, o Relatório Brundtland já havia definido “desenvolvimento
sustentável” como sendo o desenvolvimento que atende às necessidades do
presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas
próprias necessidades. E tal preceito é igualmente previsto em nossa Constituição
Federal de 1988, em seu artigo 225, in verbis: “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”.
52
Ao final desta Conferência foram aprovados os seguintes documentos internacionais: (i) a Agenda
21 (Plano de Ação global para promover o desenvolvimento sustentável); (ii) a Declaração do Rio
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (definindo uma série de direitos e responsabilidades dos
Estados concernentes ao meio ambiente); e (ii) a Declaração de Princípios sobre Florestas. Ademais,
outros dois instrumentos foram abertos para ratificação dos Estados participantes: (i) a ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas; e (ii) a Convenção sobre a Diversidade
Biológica.
44
Segundo Egon Becker53,
(...) the career of “sustainable development” as a key word for a new
understanding of the modern world results from its function as a link
between two different crisis discourses – one being on the
environment and the other on development; and the tacit promise of a
possible rescue from both crises.
A importância da expressão ora proposta – desenvolvimento sustentável –
refere-se à relação que se busca entre o econômico, social e ambiental (também
conhecida como a teoria do desenvolvimento integral), na tentativa de equilibrar os
interesses de todos os países envolvidos. O Brasil, no entanto, manteve a mesma
postura da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, no
sentido de defender o desenvolvimento econômico como o melhor caminho para
lidar com os problemas ambientais. Acresce-se o fato de que a posição do Brasil
quanto à questão da soberania sobre seus próprios recursos naturais manteve-se
indiscutível54.
No entanto, o grande desafio para o século XXI será a implementação e o
cumprimento do corpus juris ambiental internacional. Por tal razão, é que foi
convocada a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em 2002, em
53
Tradução livre da autora: “(...) a trajetória do ‘desenvolvimento sustentável’ como expressão-chave
para uma nova compreensão do mundo moderno resulta de sua função como vínculo entre dois
diferentes discursos em crise – um, o do meio ambiente, e outro, o do desenvolvimento – e como
promessa de um possível resgate dessas crises” (Becker, Egon. Fostering Transdisciplinary Research
into Sustainability in an Age of Globalization: A Short Political Epilogue. In: Becker, Egon and Jahn,
Thomas (Eds). Sustainability and the Social Sciences, p. 287).
54
O pano de fundo para essa assertiva brasileira residia no fato de que, considerando o desprezo
pelos acontecimentos na Floresta Amazônica, considerada o pulmão do mundo, os países
desenvolvidos entendiam que a Floresta Amazônica deveria ser considerada um patrimônio da
humanidade, em decorrência do direito de ingerência, que pode ser entendido como o direito de
intervir – ou limitar a soberania de um país, caso este não parecesse capaz de defender sua
população ou preservar o meio ambiente. Como resposta, Francisco Rezek discursa que “não
pretendemos, e isso deve ficar bem claro, fugir das responsabilidades que nos cabem no tocante à
manutenção do equilíbrio ambiental planetário. Estamos dispostos, para essa finalidade, a trabalhar
intensamente com os países de todas as outras regiões em busca de soluções para os grandes
problemas que afetam o meio ambiente global” (Discurso na Reunião Preparatória da América Latina
e do Caribe, Cidade do México, 05 de março de 1991). Disponível em:
<http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/15465/15465.PDF>. Acesso em 13 de maio de 2014.
45
Joanesburgo55 (igualmente conhecida como Rio+10 ou Cúpula do Milênio). À época,
o Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, reconheceu que “the record in
the decade since the Earth Summit is largely one of painfully slow progress and a
deepening global environmental crisis”56.
No entanto, verificaram-se poucos resultados práticos, se comparados
com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. O
que se pode dizer da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável é que, às
duras penas, conseguiu-se elaborar um Plano de Implementação, não vinculativo,
sem o peso e a legitimidade da Agenda 21. Internamente, contudo, o Brasil foi um
dos únicos países a formular uma legislação ambiental concisa e pontual, incluindo a
Política Nacional do Meio Ambiente.
Em uma última tentativa de implementação dos tratados internacionais
ambientais, em 2012, realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável (a chamada Rio+20), almejando a renovação do
compromisso político internacional com o desenvolvimento sustentável, por meio de
avaliações das ações implementadas e de discussões acerca de desafios
emergentes. Primou-se pela busca de novos alicerces: o multilateralismo e a
cooperação, como forma de alcançar uma economia verde, pautada no respeito ao
meio ambiente.
Graças aos países em desenvolvimento, na qual podemos citar o Brasil
como sujeito ativo dessa mudança de paradigma, e ao surgimento do conceito de
desenvolvimento sustentável, as Nações perceberam que a questão ambiental
estava diretamente relacionada a elementos não só econômicos, como também
sociais. Ou seja, era preciso dar um enfoque mais abrangente à temática, inclusive
com relação aos atores envolvidos na discussão. Não é por outro motivo que
empresas, organizações não governamentais e os próprios indivíduos passaram a
atuar ativamente na defesa do desenvolvimento sustentável.
55
Não foi por outra razão que a Resolução n° 55/199 das Nações Unidas foi intitulada como “Revisão
Decenal do Progresso Alcançado na Implementação dos Resultados da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”.
56
Tradução livre da autora: “O registro da década desde a Cúpula da Terra é principalmente uma
demonstração de progresso penosamente lento e de uma crise ambiental que se aprofunda” (TIME,
World Summit Special Report, de 26 de agosto de 2002, p. 22).
46
2
GLOBALIZAÇÃO,
MERCADO
FINANCEIRO
E
DIREITO
INTERNACIONAL
O encurtamento da distância entre os povos evidencia ainda mais as
diferenças e desigualdades entre os países industrializados e os menos
desenvolvidos e os emergentes. Tal fato é revelado por Peter Häberle quando da
construção da sua teoria do Estado Constitucional Cooperativo. Para ele57,
À distância, de fato cada vez mais crescente, entre países ricos e
pobres (“widening gap”) se opõe a exigência, sempre representada
incondicionalmente por parte dos países em desenvolvimento, de
uma igualdade econômica internacional em uma nova economia
mundial. Intensiva cooperação entre os Estados, no sentido descrito,
é a única alternativa para se evitar uma inevitável confrontação face
a esse conflito. Tendências que justificam essa necessidade são
comprováveis tanto no desenvolvimento do Direito Internacional
como, também, no desenvolvimento do Direito Constitucional em
vários Estados. O reconhecimento da responsabilidade social dos
Estados, interna e externamente, se encontra no ponto central de um
dos princípios de mudança fundamental já realizado nas relações
(jurídicas) entre os Estados.
Vislumbra-se,
atualmente,
uma
exponente
importância
do
direito
internacional público, quer atuando por meio das organizações internacionais, cada
uma cumprindo com os objetivos pelas quais foram criadas, quer pela consciência
de cooperação entre os Estados, buscando regular objetivos em comum, não só de
comunidades internacionais, mas da sociedade internacional como um todo.
Em
verdade,
o
próprio
direito
internacional
público
tem
como
peculiaridade uma relação de horizontalidade entre os seus sujeitos e destinatários,
de modo que a palavra “cooperação”, em seu sentido mais amplo, deve ser a ordem
do dia. A ideia de Estado aterritorial proveniente da globalização financeira deveria
57
Häberle, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução por Marcos Augusto Maliska e Elisete
Antoniuk. Editora Renovar: Rio de Janeiro, 2007, pp. 23-24.
47
tomar uma nova forma: a de Estado cooperativo, por seus próprios reflexos
transfronteiriços.
O Estado cooperativo de Peter Häberle, embora voltado à seara
constitucional, necessita de uma reformulação ou extensão com vistas a englobar
questões extra e infraconstitucional. A ausência de cooperação entre os Estados no
que diz respeito a assuntos de cunho financeiro também tem o condão de impactar
profundamente os direitos fundamentais (ou os direitos humanos).
A esse respeito, o documento constitutivo da Organização das Nações
Unidas já proclamava em 1945 que um dos propósitos desta organização
internacional é “conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas
internacionais de caráter econômico, social, cultural e humanitário, e para promover
e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para
todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião” (artigo 1°, item 3).
Mais adiante, em seu artigo 56, prescreve que os membros da
Organização das Nações Unidas se comprometem a agir em cooperação, conjunta
ou separadamente. Mas até que ponto é possível essa atuação conjunta diante de
um cenário de crises e recessões?
É sabido que o Acordo de Bretton Woods trouxe consigo novas regras
para a ordem econômica internacional. Para evitar um colapso econômico ainda
maior e não permitir a ascensão de novas ideologias alheias ao capitalismo foi
instituído
pela
sociedade
internacional
03
(três)
grandes
organizações
internacionais, que serviram como alicerce para o atual direito econômico
internacional.
Entretanto, no que concerne ao mercado financeiro e de capitais, tem-se
um grande desafio, na medida em que “financial globalization generates new
challenges for unilateral action, and national regulatory power remains an important
aspect of financial statecraft, even at international level”58. Com isso, quer-se dizer
58
Tradução livre da autora: “a globalização financeira gera novos desafios para uma ação unilateral,
e o poder regulatório nacional permanece como um importante aspecto de estratégia financeira,
48
que em um mundo multipolarizado como o atual (em contraste à época da Guerra
Fria) vem prevalecendo um posicionamento bastante conservador no que concerne
a aspectos regulatórios em detrimento de um movimento cooperativo internacional.
Por tal razão, o presente Capítulo tem como objetivo entender o papel das
organizações internacionais no atual contexto mundial e, especificamente, a agenda
das principais organizações internacionais voltadas às áreas do comércio
internacional e financeira. No caso específico dos mercados financeiro e de capitais,
buscar-se-á entender o racional, ou melhor, a natureza jurídica por detrás das
recomendações da Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários
(International Organizations of Securities Commissions).
Adicionalmente, e diante do fato de as organizações internacionais serem
os principais instrumentos de formação de um corpus juris internacional, relevante
explorar acerca da extensão do conceito de governança global, expressão cada vez
mais presente no âmbito internacional.
2.1 O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS EM UM MUNDO
GLOBALIZADO
O surgimento das organizações internacionais tem relação direta com o
crescente desenvolvimento do próprio direito internacional público e das relações
internacionais entre os Estados. Muito embora a Paz de Vestefália (1648) seja
considerada um importante documento no que diz respeito ao desenvolvimento do
direito internacional público, não criou uma organização internacional. Apenas
contribuiu para a existência do conceito de Estado-Nação.
Entre o Congresso de Viena de 1815 e a Primeira Guerra Mundial, fruto
de necessidades pontuais, foi surgindo “organizações internacionais”, como, por
exemplo, a Comissão Central para a Navegação do Reno criada pela Convenção de
mesmo internacionalmente” (Brummer, Chris. Soft Law and The Global Financial System: Rule
Making in the 21st Century. Cambridge University Press, 2012, p. 58).
49
Mayence de 1831. Ainda, ao longo desse período, foram criadas as chamadas
“uniões administrativas” (tal como a União Telegráfica Internacional, a União Geral
dos Correios, o Bureau Internacional dos Pesos e Medidas, dentre outros) que mais
são entendidas como entidades de cooperação no domínio administrativo do que
organizações internacionais propriamente ditas. Isso porque leciona Paul Reuter
apud Celso D. de Albuquerque Melo59 que:
(...) estas uniões administrativas tinham um aspecto “rudimentar”
como organizações internacionais. A competência delas era de
ordem administrativa e estavam baseadas, de um modo geral, no
princípio da unanimidade. Elas se caracterizam por não ter objetivos
políticos. A sua permanência era assegurada por uma secretaria.
As organizações internacionais, como nós as entendemos hoje (com
fins políticos, modos de decisão pela
maioria, com poder
regulamentar e personalidade jurídica, etc.), só começaram a se
desenvolver após a 1° Guerra Mundial, com a criação da Liga das
Nações.
Indiscutível, portanto, que a atribuição de personalidade e capacidade
jurídicas internacionais é uma das condições para a caracterização de uma
organização internacional, tal como explicitado, em 1949, pela Corte Internacional de
Justiça, no Parecer Consultivo sobre a Reparação de Danos Sofridos a Serviço das
Nações Unidas60. Muito embora o questionamento desse Parecer teve como pano
de fundo a determinação de responsabilidade internacional, referida Corte enfrentou
a questão da existência (ou não) de personalidade e capacidade jurídicas
internacionais das organizações internacionais, notadamente da Organização das
Nações Unidas.
De fato, referida Corte reconheceu que essa capacidade era inerente aos
Estados, porquanto sujeitos, por excelência, de direito internacional. Mas e com
relação às organizações internacionais? Equivaleria dizer que elas possuem
personalidade internacional, ou seja, as organizações internacionais teriam aptidão
59
Mello, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Vol. 1. 13.ed. Editora
Renovar: Rio de Janeiro, 2001, pp. 596-597.
60
Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/files/4/1837.pdf>. Acesso em 03 de junho de 2014.
50
para serem sujeitos de direitos e deveres? Por unanimidade, entendeu a Corte que
sim, sob pena de não lhe possibilitar o cumprimento das finalidades pelas quais
foram criadas.
Não obstante a Corte não ter se debruçado mais sobre a questão, é
preciso esclarecer que a personalidade jurídica das organizações internacionais é
derivada, surgindo a partir da conjugação de vontade de um determinado número de
Estados. Em função disso, Francisco Rezek61 entende que a organização
internacional “é apenas uma realidade jurídica: sua existência não encontra apoio
senão no tratado constitutivo, cuja principal virtude não consiste, assim, em
disciplinar-se o funcionamento, mas em haver-lhe dado vida (...)”. De forma similar,
entende Ricardo Seitenfus62 que “elas existem a partir da materialização de uma
vontade cooperativa dos Estados, sendo sujeitos mediatos ou secundários do Direito
Internacional, porque dependem da vontade de seus membros para a sua existência
e para a concretitude e eficácia dos objetivos por ela perseguidos”.
A capacidade e a personalidade jurídicas das organizações internacionais
advêm do documento que a constituiu. Diferencia-se, portanto, da personalidade
originária dos Estados, que ostenta algumas características essenciais, tais como
um povo, um território e um governo soberano. Ainda que não seja escopo da
presente dissertação tratar de forma detalhada acerca da teoria e dos elementos do
Estado, torna-se imprescindível traçar breves comentários sobre uma dessas
características essenciais, a saber: a soberania, na medida de sua correlação com o
constante crescimento do número de organizações internacionais desde a criação
da Organização das Nações Unidas.
Internamente, a soberania sofreu uma relativização em função da
instituição de um Estado Democrático de Direito em detrimento do modelo
absolutista e, consequentemente, da instituição de um modelo tripartite de divisão de
61
Rezek, Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 10.ed. Editora Saraiva: São
Paulo, 2005, p. 152.
62
Seitenfus, Ricado. Manual das Organizações Internacionais. Livraria do Advogado: Porto Alegre,
1997, pp. 53-54.
51
poderes. Dalmo de Abreu Dallari63 esclarece que “o sistema de separação dos
poderes, consagrado nas Constituições de quase todo o mundo, foi associado à
ideia de Estado Democrático e deu origem a uma engenhosa construção doutrinária,
conhecida como sistema de freios e contrapesos”.
Externamente, a soberania, enquanto qualidade do Estado em poder
“decidir em última instância, sobre a atributividade das normas, vale dizer, sobre a
eficácia do direito”64, também vem sendo relativizada principalmente no pósSegunda Guerra Mundial. Antônio Augusto Cançado Trindade65 ressalta que “o
modelo wesphaliano do ordenamento internacional, marcado pela visão puramente
interestatal das relações internacionais, não resistiu aos desafios dos novos
tempos”, desafios esses decorrentes da globalização, da preocupação com o meio
ambiente, com os direitos humanos, bem como do aparecimento de blocos
econômicos e organizações supranacionais.
Sem dúvidas, a Organização das Nações Unidas pode ser considerada
um divisor de águas em se tratado da perspectiva dada ao Estado em suas relações
internacionais. O comportamento dos Estados está cada vez mais limitado como
decorrência de suas obrigações prescritas em documentos de caráter universal ou
regional. Como dito, embora existentes tão-somente em função de uma
manifestação de vontade dos Estados, atualmente:
As mais importantes intervenções políticas ocorrem, em alguns
casos, por solicitações dos próprios países abalados por comoções
internas, na maioria das vezes por exércitos formados por
determinação da ONU, chamados comumente de “força internacional
de paz” ou Missão de Estabilização, como ocorreu no Haiti. Outras
vezes ocorrem por legitimação outorgada a um ato de ocupação ou
invasão, praticado por um ou vários países contra o outro, como
63
Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 29.ed. Editora Saraiva: São Paulo,
2010, p. 220.
64
Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 29.ed. Editora Saraiva: São Paulo,
2010, p. 80.
65
Trindade, Antônio Augusto Cançado. Direito das Organizações Internacionais. 4.ed. Del Rey: Belo
Horizonte, 2009, p. 528.
52
ocorreu no Iraque, e outras, ainda, por imposição de sanções
econômicas e comerciais com finalidades coercitivas66.
Fruto do insucesso da Liga das Nações e sua incapacidade de prevenir a
Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas surge em um contexto
de devastação na Europa. Não foi por outra razão que seus principais objetivos
foram – e ainda são – a manutenção da paz e cooperação internacionais, bem como
a promoção do desenvolvimento econômico e social e o respeito pelos direitos
humanos.
Para a consecução das finalidades inseridas em sua carta constitutiva, a
Organização das Nações Unidas conta com a ajuda de tantas outras organizações
internacionais, igualmente de caráter universal, conforme demonstrado na ilustração
abaixo, que reflete a atual estrutura da mais importante organização internacional já
criada:
FIGURA 1 – SISTEMA DAS NAÇÕES UNIDAS
Fonte: http://www.onu.org.br/img/organograma.png
66
Maluf, Sahi. Teoria Geral do Estado. 30.ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2010, p. 46.
53
De fato, esse conglomerado de organizações internacionais e a crescente
interdependência na relação entre estas e os Estados facilitou a subsistência de
uma estrutura global, desafiando a abordagem centrada somente no Estado como
formulador de políticas internacionais. Entretanto, tal relação é passível de críticas e
elogios, e buscaremos abordar essa questão mais aprofundadamente ao longo do
presente Capítulo.
Por um lado, Antônio Augusto Cançado Trindade67 entende que “os
Estados passaram a delas [organizações internacionais] necessitar para sua própria
convivência internacional, e nelas visualizaram um veículo apropriado de expressão
da solidariedade internacional”. E é, nesse sentido, que as organizações
internacionais também podem ser consideradas como fóruns de discussão para,
juntamente com os Estados, elaborar políticas cooperativas68.
Por outro lado, Alexander Andreev69 leciona que as organizações
internacionais são “basically a reflection of the distribution of power in the world.
They are based on the self-interested calculations of the great powers, and they have
no independent effect on state behavior. (…). The UN Security Council can be
normally taken as an example relevant for this approach. Thus, IOs appear as
instruments for state interests from this perspective”70. Essa visão é ainda mais
reforçada em função do poder de tomada de decisões detido pelas organizações
internationais, surgindo o “problema de agência”, expressão alcunhada por Michael
67
Trindade, Antônio Augusto Cançado. Direito das Organizações Internacionais. 4.ed. Del Rey: Belo
Horizonte, 2009, p. 533.
68
Esse entendimento é um dos fundamentos da teoria do institucionalismo neoliberal que entende
que as organizações internacionais tornam-se cada vez mais indispensáveis, como instrumento
diplomático internacional e por meio de uma atuação conjunta entre organizações internacionais
universais e regionais. Nesse sentido, ver lições de: Cassese, Antonio. International Law. New York:
Oxford University Press, 2005, p. 338.
69
Tradução livre da autora: “basicamente um reflexo da distribuição do poder no mundo. Elas são
baseadas em premissas de interesse individual das grandes potências, e não têm qualquer efeito
independente no comportamento do Estado. (...). O Conselho de Segurança das Nações Unidas pode
ser normalmente tomado como exemplo dessa abordagem. Assim, as OIs aparecem como
instrumento de interesse dos Estados” (Andreev, Alexander. To What Extent Are International
Organizations
(IOs)
Autonomous
Actors
in
World
Politics?
Disponível
em:
<http://www.ucl.ac.uk/opticon1826/archive/issue2/VfPS_HS_International_Organisations.pdf>. Acesso
em 03 de junho de 2014).
70
A opinião expressa corresponde a principal ideia da teoria neo-realista que entende que as
organizações internacionais serão sempre ineficientes, na medida em que não conseguem impedir o
sistema anárquico de auto-interesse dos Estados. Nesse sentido, ver lições de: Mearsheimer, John J.
The False Promise of International Institutions. International Security 19, n. 3, 1994, p. 13.
54
C. Jensen e William H. Meckling71, quando do estudo da relação entre principal
(acionistas) e agente (administradores) nas sociedades anônimas. Muito embora o
artigo tenha se voltado ao estudo da estrutura acionária e o poder de controle, deu
novos contornos à ideia de governança corporativa e aos problemas decorrentes de
sua ausência, e que podem ser aplicadas às organizações internacionais estudadas
neste Capítulo.
Contudo, seja qual for o entendimento do papel das organizações
internacionais, não se olvida retirar-lhes a importância: seja no desenvolvimento do
direito internacional público (por meio da celebração de tratados internacionais ou
por meio de decisões judiciais), seja na manutenção da paz e estabilidade
(econômica, social ou até mesmo política) internacionais, seja atuando no interesse
da sociedade internacional (voltando-se, por exemplo, a questões ambientais).
Por tal razão e por ser um fenômeno que atinge a sociedade internacional
como um todo, trazendo externalidades e reflexos, positivos ou negativos, a forma
como atuam as organizações internacionais são de extrema importância, porquanto
influenciam o rumo da globalização do século XXI.
2.2 A GLOBALIZAÇÃO NA AGENDA DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
A cooperação dos e entre os sujeitos de direito internacional público surge
das mais diversas formas e nas mais diversas áreas. A atividade legislativa da
Organização das Nações Unidas e de outras organizações internacionais coligadas
a ela, “adquire claros contornos com as declarações e pactos para a segurança
coletiva dos direitos humanos, assim como os esforços pela solidariedade
econômica e social internacionais”72. Reitera-se, pois, a importância da terceira
dimensão de direitos preconizada pela Revolução Francesa.
71
Jensen, Michael C; Meckling, William H. Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Cost and
Ownership Structure. Journal of Financial Economics, vol. 3, n. 4, out., pp. 305-360, 1976.
72
Häberle, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Tradução por Marcos Augusto Maliska e Elisete
Antoniuk. Editora Renovar: Rio de Janeiro, 2007, p. 29.
55
A ordem jurídica internacional é composta por regras (englobando a ideia
de normas jurídicas e princípios73) e recomendações com o objetivo de regular as
relações entre os sujeitos do direito internacional público. Para fins meramente
didáticos, dividiremos a ordem jurídica internacional em direito internacional público
propriamente dito e direito econômico internacional, não obstante partilhamos o
entendimento da unidade do direito internacional público.
No que diz respeito à primeira divisão, ou seja, a ordem jurídica de direito
internacional público, a Conferência de Dumbarton Oaks reuniu os principais líderes
internacionais com o intuito de tornar realidade o disposto no parágrafo 4° da
Conferência de Moscou de 1943, ou seja, a Organização das Nações Unidas, após
a derrocada da Liga das Nações. Preconiza referido artigo que os Estados
“recognize the necessity of establishing at the earliest practicable date a general
international organization, based on the principle of the sovereign equality of all
peace-loving states, and open to membership by all such states, large and small, for
the maintenance of international peace and security”74. Tal Conferência possuía,
assim, uma perspectiva política, vislumbrando a manutenção da paz e segurança
internacionais entre os Estados por meio da atuação de uma organização
internacional central e universal.
Quanto à segunda divisão – a ordem jurídica de direito econômico
internacional – esta teve seu surgimento no Acordo de Bretton Woods, cujo escopo
73
No que diz respeito aos diferentes conceitos e consequências entre normas e princípios, ver lições
de: Alexy, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 2001, pp. 81-87. Em breves linhas, esclarece o autor que: “Desde luego, con mayor
frecuencia se subraya el carácter de principios de las normas de derechos fundamentales de una
manera no tan directa. Como habrá de mostrarse, esto se realiza cuando, por ejemplo, se habla de
valores, de objetivos, de fórmulas abreviadas o de reglas de carga de la prueba. En cambio, se hace
referencia al carácter de reglas de las normas de derechos fundamentales cuando se dise que la
Constitución debe ser tomada en serio como ley o cuando se señala la posibilidad de una
fundamentación deductiva, también en el âmbito de los derechos fundamentales” (Tradução livre da
autora: “É claro que, na maioria das vezes, o caráter de princípios de normas de direitos
fundamentais, de uma forma não tão direta, é enfatizada. Como será mostrado, este é realizado
quando, por exemplo, falamos de valores, propósitos, fórmulas abreviadas ou de regras com força
probatória. No entanto, se faz referência ao caráter de regras das normas de direitos fundamentais
quando se diz que a Constituição deve ser levada a sério enquanto lei, ou quando se nota a
possibilidade de um raciocínio dedutivo, inclusive no âmbito dos direitos fundamentais”).
74
Tradução livre da autora: “reconhecer a necessidade de se estabelecer, o mais rápido possível,
uma organização internacional geral, com base no princípio da igualdade soberana de todos os
Estados amantes da paz, e aberto à participação de todos esses estados, grandes e pequenos, para
a manutenção da paz e segurança internacionais”.
56
era lidar com questões econômicas mundiais por meio da criação de organizações
internacionais específicas, a saber: (i) a Organização Mundial do Comércio; (ii) o
Fundo Monetário Internacional e (iii) o Banco Mundial, que passaremos a tratar a
seguir.
2.2.1 Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio/Organização Mundial do
Comércio
Por muito tempo e, principalmente, durante o período pós-Segunda
Guerra Mundial, a cooperação era escassa e o protecionismo vigente, porquanto a
Europa se via em ruínas. À época, os Estados Unidos emergiram como uma grande
potência mundial e, portanto, a questão da liberalização dos mercados não era sua
prioridade, já que acabou por ser o grande financiador da reconstrução da Europa
(Plano Marshall75).
Com o advento da Grande Depressão e o fracasso do Smoot Hawley
Act76, que acabou por aprofundar ainda mais os efeitos da recessão econômica, os
Estados Unidos assumiram uma postura de liderança. E, juntamente com a
Inglaterra, propôs ao Conselho Econômico e Social da Organização das Nações
Unidas, um texto com regras multilaterais para o comércio internacional, tomando
forma então o conhecido Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio.
Confeccionado para ser um tratado multilateral provisório, enquanto não
criada a Organização Internacional do Comércio77, conforme previsto no Acordo de
Bretton Woods, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio previa aos signatários um
acesso mais equitativo aos mercados, por meio da diminuição das barreiras
75
Também conhecida como Plano de Recuperação da Europa, o Plano Marshall visava reconstruir,
primeiramente, as economias da Europa ocidental. George Marshall, autor intelectual do plano em
1947, estava convencido que a estabilidade política era a chave para o restabelecimento do espírito
colaborativo na região. Inclusive, a prosperidade econômica liderada pelas indústrias do aço e do
carvão ajudarou a moldar o que hoje conhecemos por União Europeia. Disponível em:
<http://www.marshallfoundation.org/TheMarshallPlan.htm>. Acesso em 16 de maio de 2014.
76
Lei norte-americana, de iniciativa do Senador Reed Smoot e do Deputado Willis C. Hawley que, de
maneira recorde, elevou as tarifas de mais de 20.000 (vinte mil) produtos importados. Como efeito
colateral, outros países passaram a impor, cada vez mais, barreiras comerciais sobre os produtos
estrangeiros.
77
A criação da Organização Internacional do Comércio não foi ratificada pelos Estados Unidos,
apesar das diversas negociações na Conferência de Havana de 1948.
57
comerciais. Não se tratava necessariamente da promoção do livre comércio. Mas
seus idealizadores entendiam que tal comprometimento cooperativo seria capaz de
aumentar a interdependência entre os países e, consequentemente, ajudaria a
reduzir os riscos de uma nova guerra mundial78.
Fato é que referido tratado internacional vigeu por um longo período
(entre 1948 e 1994), tornando-se um documento referência para a atividade
comercial internacional. Diversas “rodadas”79 (negociações) foram realizadas,
inserindo certos compromissos e obrigações entre os Estados signatários, dentre os
quais citamos: medidas anti-dumping, propriedade intelectual, reduções tarifárias,
barreiras comerciais não-tarifárias, produtos agrícolas, prestação de serviços,
mecanismos de solução de controvérsias, entre outros.
Não obstante, uma das rodadas mais expressiva foi a do Uruguai, iniciada
em 1986 e concluída em 1994, com o advento do Acordo de Marraqueche, e que
culminou com o surgimento da Organização Mundial do Comércio (World Trade
Organization), em 01 de janeiro de 1995, e consoante artigo 1° deste Acordo essa
organização internacional era incumbida de administrar o sistema multilateral de
comércio80. Observou-se, nesse desiderato, o desejo em “contribuir para a
consecução desses objetivos mediante a celebração de acordos destinados a obter,
na base da reciprocidade e de vantagens mútuas, a redução substancial das tarifas
aduaneiras e dos demais obstáculos ao comércio, assim como a eliminação do
tratamento discriminatório nas relações comerciais internacionais”.
78
Nesse sentido, ver lições de: Hoekman, Bernard; Kostecki, Michael. The Political Economy of the
World Trading System: From GATT to WTO. Oxford University Press: Oxford, 1995, p. 13 e ss.
79
Até a data de fechamento da presente dissertação foram realizadas 09 (nove) rodadas, a saber: (i)
Genebra (1948); (ii) Annecy (1949); (iii) Torquay (1950); (iv) Genebra (1955); (v) Dillon (1960/1961);
(vi) Kennedy (1964/1967); (vii) Tóquio (1973/1979); (viii) Uruguai (1986/1994); e (ix) Doha (desde
2001 e ainda não concluída).
80
Compreendido estruturalmente da seguinte forma: (i) Anexo 1A (que trata dos princípios e questões
pontuais, tais como: agricultura, medidas de investimento, aplicação de medidas sanitárias e
fitossanitárias, anti-dumping, regras de frete, subsídios e medidas compensatórias e salvaguardas);
(ii) Anexo 1B (que trata do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços – GATS); (iii) Anexo 1C (que
trata do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual – TRIPS); (iv) Anexo 2 (que
trata das Normas e Procedimentos sobre Soluções de Controvérsias); (v) Anexo 3 (que trata sobre os
mecanismos de Exame de Políticas Comerciais; e (vi) Anexo 4 (que trata de acordos plurilaterais
diversos envolvendo questões sobre: comércio de aeronaves civis, sobre compras governamentais,
sobre produtos lácteos e sobre carne bovina, e cuja adesão é opcional, mas, desde que
expressamente aceito, passa a ser obrigatória sua observância e cumprimento entre os membros que
o aceitaram).
58
Em outras palavras, a Organização Mundial do Comércio assume como
foco as diretrizes do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, no que diz respeito à
observância do princípio da não discriminação, por meio da concretização das
seguintes regras: (i) da nação mais favorecida e (ii) do tratamento nacional.
Sintaticamente, a cláusula I trata do princípio da nação mais favorecida, articulando
que “todas as partes contratantes têm que conceder a todas as demais partes o
tratamento que concedem a um país em especial”. Ou seja, nenhum país poderá
conceder vantagens especiais ou discriminatórias a outros países, no contexto do
comércio internacional. Por sua vez, a cláusula III cuida do tratamento nacional,
dispondo que “os bens importados devem receber o mesmo tratamento concedido a
produto equivalente de origem nacional”.
A partir disso, Asif H. Qureshi e Andreas R. Ziegler 81 sumarizaram os
propósitos e objetivos da Organização Mundial do Comércio, a saber:
Firstly, the WTO provides a substantive code of conduct directed at
the reduction of tariffs and other barriers to trade, and elimination of
discrimination in international trade relations. Secondly, the WTO
provides the institutional framework for the administration of the
substantive code. (…) Thirdly, the WTO ensures the implementation
of the substantive code. It provides a forum for dispute settlement in
international trade matters, and conducts surveillance of national
trade policies and practices in order to prevent disputes and
contribute to increased transparency and efficiency. Fourthly, the
WTO acts as a medium for the conduct of international trade relations
amongst Member States both bilaterally and multilaterally. (...) Finally,
the WTO is expected to engage in the achievement of greater
81
Tradução livre da autora: “Em primeiro lugar, a OMC prevê um código principal de conduta dirigida
à redução de tarifas e outras barreiras ao comércio, e a eliminação da discriminação nas relações
comerciais internacionais. Em segundo lugar, a OMC prevê o quadro institucional para a
administração do código de conduta. (...). Em terceiro lugar, a OMC garante a implementação do
código de conduta. Ele fornece um fórum para a resolução de controvérsia em matéria de comércio
internacional, e conduz a vigilância das políticas e práticas comerciais nacionais, a fim de evitar
litígios e contribuir para uma maior transparência e eficiência. Em quarto lugar, a OMC funciona como
um meio para a condução das relações comerciais internacionais entre os Estados-Membros nos
âmbitos bilateral e multilateral. (...). Por fim, à OMC é esperado participação na realização de uma
maior coerência na elaboração de políticas econômica global por meio da cooperação com o FMI e o
Banco Mundial, mas também outras instituições e atores” (Qureshi, Asif H.; Ziegler, Andreas R.
International Economic Law. 2.ed. Sweet & Maxwell, 2007).
59
coherence in global economic policy-making by co-operating with the
IMF and the World Bank Group, but also other institutions and actors.
Não resta dúvida que a Organização Mundial do Comércio foi uma
importante inovação no cenário internacional, levando-se em consideração que o
multilateralismo dotou essa instituição de personalidade jurídica, legitimidade,
autonomia e poder fiscalizatório.
E, diferentemente do que ocorreu com as demais organizações
internacionais decorrentes do Acordo de Bretton Woods, a Organização Mundial do
Comércio “tem por ativos principais não seus recursos, mas suas normas, razão pela
qual os Membros se esforçam por manter a sólida credibilidade erga omnes da
organização”82.
Por conseguinte, buscou disciplinar as práticas comerciais internacionais
com vistas a evitar o nefando aumento do protecionismo, propiciando que os países
em desenvolvimento e os emergentes desfrutem de mecanismos de proteção contra
arbitrariedades cometidas a seus produtos e/ou serviços 83. A existência de um
sistema de solução de controvérsias, um dos grandes destaques da Organização
Mundial do Comércio, eficaz e transparente, é condição sine qua non para a
manutenção de uma economia aberta. Com isso, evita-se que os produtores
domésticos afetados pela concorrência desleal de alguns produtos importados
pressionem por medidas de proteção incompatíveis com as regras da Organização
Mundial do Comércio.
Na era do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio o poder fiscalizatório
(ou os mecanismos de solução de controvérsias) era demasiado deficiente, na
medida em que para se levar um litígio a um painel, por exemplo, era necessária a
aprovação de todos os signatários do tratado internacional, inclusive do próprio
82
Cretella Neto, José. Curso de Direito Internacional Econômico. Editora Saraiva: São Paulo, 2012, p.
387.
83
O Brasil já se beneficou desse mecanismo para defesa de seus interesses, notadamente com
relação aos Estados Unidos (gasolina, suco de laranja, algodão), à União Europeia (produtos
avícolas, frangos desossados congelados, café e pneus reformados), Canadá (aeronaves civis), Peru
(ônibus), Argentina (algodão), dentre outros.
60
demandado, o que não fazia o menor sentido pelo evidente conflito de interesse e,
conseguintemente, pela impossibilidade de resolução de eventuais lides.
Desde 2001, no entanto, busca-se concluir as negociações em Doha,
outra rodada de grande expressividade, compreendendo diversas áreas do
comércio, sendo consideradas as mais importantes: (i) agricultura (subsídios e
auxílios em geral); (ii) serviços (desregulamentação); (iii) ajuda ao desenvolvimento;
e (vi) facilitação de intercâmbios (redução de barreiras fronteiriças).
A Rodada Doha, também conhecida como Agenda de Desenvolvimento,
teve como preocupação melhorar as perspectivas comerciais dos países em
desenvolvimento e emergentes no sistema multilateral do comércio, não somente do
ponto de vista econômico, mas também sob o ponto de vista socioambiental. E esse
fato é notório quando da abertura da Rodada Doha por meio da Declaração
Ministerial de 14 de novembro de 2001:
We seek to place developing countries’ needs and interests at the
heart of the Work Programme adopted in this Declaration. (…). We
shall continue to make positive efforts designed to ensure that
developing countries, and especially the least-developed among
them, secure a share in the growth of world trade commensurate with
the needs of their economic development. In this context, enhanced
market access, balanced rules, and well targeted, sustainably
financed technical assistance and capacity-building programmes
have important roles to play84.
Entretanto, a crise subprime de 2008 e os reflexos negativos nas
economias norte-americanas e europeias se tornaram o maior entrave para a
continuidade dessa Rodada. Como em todo cenário de instabilidade econômica,
84
Tradução livre da autora: “Procuramos colocar as necessidades e interesses dos países em
desenvolvimento no centro do Programa de Trabalho adotado na presente Declaração. (...). Vamos
continuar fazendo esforços positivos para assegurar que aos países em desenvolvimento e,
especialmente, os menos desenvolvidos dentre eles, seja garantida uma participação no crescimento
do comércio mundial proporcional às necessidades de seu desenvolvimento econômico. Neste
contexto, o reforço ao acesso ao mercado, regras equilibradas e bem orientadas, financiadas
sustentavelmente por meio de programas de assistência e capacitação técnica, têm papéis
importantes
a
desempenhar”
(Disponível
em:
<http://www.wto.org/english/tratop_e/dda_e/dda_e.htm>. Acesso em 16 de maio de 2014).
61
medidas protecionistas pelos países desenvolvidos tendem a ser a ordem do dia. E,
como consequência, a Organização Mundial do Comércio não fez jus às promessas
de desenvolvimento aos países menos desenvolvidos e emergentes, porquanto
ainda subsistem subsídios agrícolas e políticas econômicas protecionistas,
principalmente na União Europeia. Adicionalmente, as 88 (oitenta e oito) propostas
de “tratamentos diferenciados e especiais” aos países menos desenvolvidos e
emergentes ainda não foram implementadas, por ausência de clareza e
operacionalidade.
2.2.2 Fundo Monetário Internacional
O contexto pelo qual surgiu o Fundo Monetário Internacional (International
Monetary Fund) não diferiu da criação do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio.
Em primeiro lugar, o pós-Grande Depressão assolou diversos países em função da
recessão econômica, forçando a adoção de medidas protetivas, o aumento de
barreiras
comerciais
e
a
desvalorização
das moedas
para
aumento
de
competividade no mercado exportador, para citar apenas alguns exemplos.
É uma tendência autodestrutiva, na medida em que houve um decréscimo
no comércio internacional (conforme ilustração abaixo), aumento do desemprego em
massa e uma consequente diminuição na qualidade de vida dos indíviduos:
FIGURA 2 – POLÍTICA PROTECIONISTA DURANTE A GRANDE DEPRESSÃO
Fonte: Kindleberger, Charles P. The World in Depression 1929-1939.
62
Em segundo lugar, era preciso substituir “uma estrutura arcaica, incapaz
de fazer frente às necessárias liquidez, estabilidade e adequada movimentação
financeira, próprias de um verdadeiro sistema financeiro internacional, inexistente
antes de 1944”85.
Diante desse cenário surge o Fundo Monetário Internacional, em 1945.
Inicialmente, sua função era reconstruir as economias dos países da Europa
Ocidental acometidas pela Segunda Guerra Mundial. Mais adiante, em 1989,
notadamente após a Queda do Muro de Berlim, o Fundo Monetário Internacional
passou a auxiliar a transição dos países da ex-União Soviética de uma economia
planejada (central planning) a uma economia de mercado (market oriented). Em
1997, concedeu empréstimo aos países do sudeste asiático (Tailândia e Indonésia,
por exemplo) que passavam por uma profunda crise econômica, em função da
depreciação de suas moedas e na diminuição do valor dos ativos no mercado de
capitais.
Desde
responsabilidades,
2012,
o
Fundo
desempenhando
Monetário
funções
de
Internacional
supervisão,
ampliou
suas
emprestador
e
prestador de serviços de assistência técnica, “trabalhando para promover a
cooperação monetária global, assegurar a estabilidade financeira, facilitar o
comércio internacional, promover um alto nível de emprego e o crescimento
econômico sustentável e reduzir a pobreza em todo o mundo”86.
Partiu-se da premissa de que uma ação coletiva e cooperativa dos
Estados era necessária. Tanto é esse o entendimento que o capital social do Fundo
Monetário Internacional é constituído por meio de integralizações de cada um dos
Estados-membros, proporcionalmente ao tamanho de sua economia.
No entanto, diante da crise subprime de 2008, é possível afirmar que o
Fundo Monetário Internacional cumpriu com os objetivos pelos quais foi criado?
Referida crise, apesar de ter se pautado em movimentos especulativos no mercado
85
Cretella Neto, José. Curso de Direito Internacional Econômico. Editora Saraiva: São Paulo, 2012, p.
496.
86
Disponível em: <http://www.imf.org/external/about.htm>. Acesso em 16 de maio de 2014.
63
de capitais, propiciou um debate bastante profundo acerca da eficácia do Fundo
Monetário Internacional na consecução de seus objetivos.
Até mesmo se cogitou pensar que a maior potência mundial exercia sua
influência nos demais países por meio do Fundo Monetário Internacional, incutindoos ou obrigando-os a moldar um sistema econômico similar ao seu. Jeffrey Sachs87
salienta que “from the start, the IMF has lived with a particular tension. It is an
international organization with 184 member countries, and the IMF Articles of
Agreement call on it to represent all of its constituent members. Yet the fund is
governed by rich nations, foremost among them the United States”.
Sob outro enfoque, Joseph Stiglitz88 leciona que:
The ideas and intentions behind the creation of the international
economic institutions were good ones, yet they gradually evolved
over the years to become something very different. The Keynesian
orientation of IMF, which emphasized market failures and the role for
government in job creation, was replaced by the free market mantra
of 1980s, part of a new “Washington Consensus” – a consensus
between the IMF, the World Bank, and the US Treasury about the
“right” polices for developing countries – that signaled a radically
different approach to economic development and stabilization.
Assim, sob a perspectiva do Fundo Monetário Internacional, todos os
países devem ser tratados de forma igualitária, sem que se atente, no entanto, a
87
Tradução livre da autora: “desde o início, o FMI tem vivido uma tensão particular. É uma
organização internacional, com 184 Estados-membros, e o acordo constitutivo do FMI preconiza que
ele representa todos os seus membros constituintes. No entanto, o fundo é regido por nações ricas,
sobretudo os Estados Unidos” (Sachs, Jeffrey. How to Run the Internacional Monetary Fund. Foreign
Policy, n. 143, jul./ago. 2004, pp. 60-64). Vale abrir um parêntese na referência em questão para
informar que, até o fechamento da presente dissertação, o número correto de Estados-membros do
Fundo Monetário Internacional são 188 (cento e oitenta e oito) Estados-membros.
88
Tradução livre da autora: “As idéias e intenções por trás da criação das instituições econômicas
internacionais foram boas, mas elas evoluíram gradualmente ao longo dos anos e se tornaram algo
muito diferente. A orientação keynesiana do FMI, que enfatizou as falhas de mercado e o papel do
governo na criação de emprego, foi substituído pelo mantra do mercado livre de 1980, parte de um
novo ‘Consenso de Washington’ – um consenso entre o FMI, o Banco Mundial e o Tesouro dos EUA
sobre as políticas "certas" para os países em desenvolvimento – que sinalizaram uma abordagem
radicalmente diferente para o desenvolvimento econômico e para a estabilização” (Stiglitz, Joseph.
Globalization and Its Discontents. Penguim Books: Nova Iorque, 2002, p. 16).
64
características peculiares – em termos de sistemas econômicos (capitalista,
socialista, comunista, etc.), ou até mesmo sem distinguir os diferentes estágios de
desenvolvimento ou de transição de um sistema para outro – de cada um dos
países. Tem-se, pois, um problema de governança e de agência, na qual quem
decide a direção a ser seguida são os representantes dos países desenvolvidos89,
sem muita transparência e controle.
Para corroborar ainda mais com a assertiva acima, em 1996, o Fundo
Monetário Internacional, em colaboração com o Banco Mundial, lançou um programa
denominado Iniciativa em Favor dos Países Pobres Altamente Endividados (Debt
Relief under the Heavily Indebted Poor Countries)90, que acabou por conferir maiores
poderes para o Fundo Monetário Internacional para ditar as políticas econômicas e
monetárias dos países que buscam auxílio.
Em verdade, enquanto o Fundo Monetário Internacional for dirigido por
pessoas que desacreditam nas instituições públicas domésticas e, em contrapartida,
depositam um alto nível de confiança no mercado para correção de ineficiências e
falhas, entendemos que há um grande dilema a ser resolvido, dilema este que não
se coaduna com a ideia de cooperação internacional.
2.2.3 Banco Mundial
Quando de sua concepção, em 1944, o Banco para a Reconstrução e
Desenvolvimento (International Bank for Reconstruction and Development) tinha
como propósito prover ajuda financeira para a reconstrução da Europa no pósSegunda Guerra Mundial. Ao longo dos anos, suas competências e estrutura foram
89
Vale ressaltar que, por tradição, o presidente do Fundo Monetário Internacional será sempre um
cidadão europeu, ao passo que o presidente do Banco Mundial será sempre um cidadão norteamericano. E, de acordo com José Cretella Neto, “a indicação do nome do Presidente incumbe aos
EUA e não é passível de contestação, nem se requer aceitação expressa dos demais Estadosmembros” (Cretella Neto, José. Curso de Direito Internacional Econômico. Editora Saraiva: São
Paulo, 2012, pp. 512-513).
90
Complementado, em 2005, pela Iniciativa para o Alívio da Dívida Multilateral (The Multilateral Debt
Relief Initiative), objetivando acelerar o progresso em direção ao cumprimento dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (Millennium Development Goals), programa este de iniciativa da
Organização das Nações Unidas. Para maiores informações sobre os programas, bem como os
critérios
de
eligibilidade
para
alívio
de
dívidas,
ver:
<http://www.imf.org/external/np/exr/facts/hipc.htm>. Acesso em 15 de janeiro de 2014.
65
sendo lentamente remoldadas, de modo que, a partir de meados de 1980, adotou
como missão acabar com a pobreza extrema (por meio de empréstimos e
financiamentos a juros baixos concedidos a países em desenvolvimento) e aumentar
a prosperidade da sociedade internacional.
Atualmente, o Banco para a Reconstrução e Desenvolvimento é órgão
integrante do Grupo do Banco Mundial (World Bank Group), cujos acionistas são os
Estados-membros, da qual fazem parte também: (i) a Associação Internacional do
Desenvolvimento (International Development Association); (ii) a Corporação
Financeira Internacional (International Finance Corporation); (iii) a Agência
Multilateral de Garantia dos Investimentos (Multilateral Investment Guarantee
Agency); e (iv) o Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre
Investimentos (International Centre for Settlement of Investment Dispute).
Para ser membro do Grupo do Banco Mundial, o país, necessariamente,
tem que ser membro do Fundo Monetário Internacional, o que denota que ambos
possuem as mesmas ideologias em termos de políticas econômica e monetária.
Portanto, as mesmas críticas realizadas para o Fundo Monetário Internacional
aplicam-se ao Grupo Banco Mundial.
Ao conceder um empréstimo ou financiamento aos mutuários, o Banco
Mundial (assim como nos contratos celebrados com o Fundo Monetário
Internacional) insere em seus contratos diversas cláusulas impondo condições para
liberação das parcelas. Cláusulas essas que seguem as diretrizes do Consenso de
Washington, ou seja, de liberalização (do comércio, de investimentos e do setor
financeiro), de desregulamentação e de privatização das indústrias, sem, contudo,
atentar ao estágio de desenvolvimento desses mutuários.
E não só, Peter Chowla91, em artigo escrito para o sítio do Bretton Woods
Project, expõe um dado estarrecedor, e se verdadeiro, constitui um evidente desvio
de finalidade do Grupo Banco Mundial. Sua pesquisa revelou que, durante os anos
91
Chowla, Peter. Can Development Really Be Delivered by Investing in Private Banks? Disponível
em: <http://www.brettonwoodsproject.org/2014/04/can-development-really-delivered-investing-privatebanks>. Acesso em 04 de junho de 2014.
66
fiscais de 2010 a 2013, alguns órgãos do Grupo Banco Mundial priorizou o setor
financeiro em detrimento de outras áreas, conforme ilustração abaixo:
FIGURA 3 – GRUPO BANCO MUNDIAL PRIORIZANDO O SETOR FINANCEIRO
AO INVÉS DA POBREZA (ANO FISCAL 2010-2013)
Fonte: www.brettonwoodsproject.org
Diante desse cenário, o autor levantou o seguinte questionamento: que
tipo de desenvolvimento é possível atingir com o investimento no setor financeiro?
Muito embora não tenha dado uma resposta assertiva, podemos chegar a uma
conclusão: a erradicação da pobreza ou o aumento da prosperidade não se dá por
meio de concessão de mais poderes ao setor financeiro, ainda que na forma de
empréstimos ou investimentos. Veremos, mais adiante, no Capítulo 4, que os
intermediários financeiros nem sempre se pautam pelas melhores práticas de
governança, ou buscam suprir os interesses da sociedade.
Nestes termos, a agenda do Banco Mundial – como também da
Organização Mundial do Comércio e do Fundo Monetário Internacional – para o
século XXI, é permanecer interferindo na soberania dos países de um modo
arbitrário e irresponsável, perdendo, assim, uma grande oportunidade de buscar
auxiliá-los na construção de um arcabouço regulatório apropriado ou de bases
67
sólidas para a concretização do desenvolvimento sustentável. Em termos de
governança92, também não podem ser considerados os melhores exemplos a serem
seguidos.
2.3 O SISTEMA FINANCEIRO GLOBAL COMO SOFT LAW
Durante 02 (duas) décadas após o período pós-Guerras Mundiais, as
crises financeiras e as repercussões delas decorrentes eram exclusivamente
domésticas (internas), talvez em função da mentalidade protecionista que vigia em
torno da década de 1930. Entretanto, de meados de 1980 até os dias atuais, as
crises financeiras tomaram proporções globais, com efeitos avassaladores sob o
ponto de vista socieeconômico.
A partir do momento em que o comércio estreita ligações com o fenômeno
da globalização passa a prevalecer uma nova ordem mundial, na qual, não menos
verdade, passa a integrar essa nova ordem os sistemas financeiro e bancário.
Operações essencialmente de mútuo realizados por instituições financeiras passam
a ter estruturas mais elaboradas, envolvendo inclusive intermediários financeiros
estrangeiros. Surgem, então, as inovadoras e transfronteiriças operações de
securitização como forma de capitalização das empresas, impulsionadas pela
dinâmica da desregulamentação e das transformações financeiras e tecnológicas.
Esse cenário trouxe à baila uma nova preocupação internacional e que ainda hoje
pouca atenção se dá: o estudo do direito financeiro internacional.
Essa disciplina não deve ser confundida com o estudo do direito
financeiro propriamente dito, ramo do direito tributário (direito público interno). Pelo
contrário, o direito financeiro internacional vem surgindo, aos poucos, como uma
disciplina autônoma, objetivando estabelecer padrões e práticas que regem as
92
Em outro artigo, publicado em 2013 no sítio do Bretton Woods Project, a organização não
governamental britânica Global Witness revelou que a Cooperação Financeira Internacional, um dos
órgãos do Grupo Banco Mundial, foi responsável por alguns investimentos, por meio de aporte em
fundos de private equity, no Vietnã, com vistas a extração ilegal de madeiras no Camboja e Laos.
Para maiores informações, disponível em: <http://www.brettonwoodsproject.org/2013/06/art-572643/>.
Acesso em 04 de junho de 2014.
68
transações no mercado financeiro e de capitais, na tentativa de criar um corpus juris
capaz de proporcionar uma maior estabilidade econômica no âmbito internacional. A
complexidade no que diz respeito ao estudo dessa recente ciência é esclarecida por
Chris Brummer93:
The contribution of academic writers to the study of international
financial law have been similarly mixed. Understanding the
supervision and oversight of the internacional financial system
involves many disciplines, including international law, political
science, and “corporate law” (which depending on one’s views can
itself entails a variety of fields like finance, securities, insurance, and
banking). This complexity makes international financial law tough
both to teach and to write about and often leads to a variety of
disciplinary biases (…).
Esclarece o autor ainda que muitos acadêmicos voltam-se ao estudo
desse tema apenas dentro de suas próprias jurisdições, sob a justificativa de que: (i)
a maioria dos acordos internacionais são dependentes de ratificação dos governos
para sua implementação94; (ii) o direito financeiro internacional não poderia ser
considerado um direito propriamente dito por não possuir uma autoridade
centralizada, o que retiraria sua legitimidade; e (iii) diferentemente do que acontece
com outras áreas do direito, tal como comércio, tributação, dentre outros, tratados
internacionais voltados ao direito financeiro internacional não assumem a forma de
93
Tradução livre da autora: “A contribuição da doutrina para o estudo do direito financeiro
internacional tem sido amplamente mista. Compreender a supervisão e fiscalização do sistema
financeiro internacional envolve muitas disciplinas, incluindo o direito internacional, ciência política, e
"legislação societária" (que dependendo do ponto de vista, pode acarretar em uma variedade de
áreas, como finanças, valores mobiliários, securitária e bancária). Esta complexidade torna o estudo
do direito financeiro internacional difícil, tanto para ensinar e escrever e, muitas vezes, leva a uma
série de preconceitos disciplinares (...)” (Brummer, Chris. Soft Law and The Global Financial System:
Rule Making in the 21st Century. Cambridge University Press, 2012, p. 3).
94
De fato, no Brasil, para que haja observância de um tratado internacional se faz necessária a
ratificação do mesmo por quem detém competência constitucional para tanto, bem como posterior
promulgação por meio de decreto presidencial. A incorporação de um determinado tratado
internacional no ordenamento jurídico brasileiro se dá por meio de sua publicação no Diário Oficial da
União, momento em que passa a ser equiparado à lei infraconstitucional (com exceção de tratados
internacionais envolvendo direitos humanos, que obedecem à sistemática introduzida pela Emenda
Constitucional n° 45/2004).
69
documentos juridicamente vinculativos, por serem meras recomendações (soft
law)95.
A pensar dessa forma e fugir à responsabilidade de olhar sob o prisma
internacional seria um retrocesso aos avanços já conquistados pelo direito
internacional público. Inclusive, entendemos que tal entendimento segue caminho
oposto à ideia de cooperação entre Estados e o reconhecimento que cabe a eles
uma espécie de responsabilidade social96 perante os indivíduos de sua jurisdição e
perante a sociedade internacional.
Porém, no âmbito do direito financeiro internacional, a realidade é que
acordos celebrados pelas organizações internacionais juntamente com agentes
reguladores estatais e/ou privados não possuem especificamente uma autoridade
formal, com vistas a uma eventual supervisão supranacional, tal como ocorre com a
Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial. É uma espécie de acordo de cavalheiros (gentleman’s agreement), que
foge ao conceito clássico de tratado internacional97.
Pelo contrário, esses “regramentos” têm o condão de oferecer apenas um
padrão
mínimo
de
qualidade
e
liquidez internacional, tendo
um
caráter
extremamente facultativo. Esse caráter facultativo, no entanto, é essencialmente
psicológico, na medida em que os princípios de governança global acabam por ter
um peso moral tão importante quanto às demais regras internacionais. Ao observar
tais regras – cuja dinâmica assemelha-se às regras ambientais internacionais – as
empresas passam a deter o selo de “politicamente corretas”.
Em resumo, a nova ordem internacional nesse mundo globalizado não se
subsume apenas à formalização de tratados internacionais entre os sujeitos de
direito internacional público. A tendência predominante nesta seara, notadamente a
95
Brummer, Chris. Soft Law and The Global Financial System: Rule Making in the 21st Century.
Cambridge University Press, 2012, p. 3.
96
A responsabilidade social é resultado do que se convencionou chamar de “tripé de
sustentabilidade” (triple bottom line), compreendendo aspectos econômicos, sociais e ambientais.
97
Tratado internacional é “todo acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de direito
internacional público, e destinados a produzir efeitos jurídicos” (Rezek, Francisco. Direito
Internacional Público: Curso Elementar. 10.ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2005, p. 14).
70
do direito financeiro internacional, é a inexistência de um sistema fechado e rígido,
como, por exemplo, de um determinado país, mas de um sistema mais aberto e
flexível, capaz de lidar com o novo, o imprevisível98.
Todavia, fato é que a noção de cooperação internacional e de
responsabilidade social deve abranger, principalmente diante de um mundo
interconectado financeiramente, aspectos sociais “privados”, notadamente da
atuação
dos
intermediários financeiros (instituições financeiras,
sociedades
corretoras, agência de rating, etc.), para formação de um corpus juris regulatório
internacional no campo dos mercados financeiro e de capitais.
Vale lembrar que com a substituição do Acordo de Bretton Woods pelo
atual sistema monetário internacional, a partir de 1973, mesmo com toda sua
fragilidade, bancos centrais e autoridades regulatórias bancárias dos 10 (dez) países
mais ricos do mundo (G-10) uniram-se para criação do Banco de Compensações
Internacionais (1930).
A partir de então, estabeleceram o Comitê de Supervisão Bancária de
Basiléia (1975) para, cooperativamente, tornar pública a Convergência Internacional
de Mensuração de Capital e Padrões de Capital (International Convergence of
Capital Measurement and Capital Standards), também conhecido como Acordo de
Basiléia (1988). Referido Acordo tem como objetivo fornecer diretrizes e
recomendações a toda e qualquer instituição bancária, com vistas a melhorar a
qualidade do sistema bancário e financeiro internacionais.
Adicionalmente, em 1983, durante uma reunião em Quito, no Equador,
surgiu a Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários
(International Organization of Securities Commissions), sob a iniciativa da
Corporação Financeira Internacional, órgão responsável pelos financiamentos e
empréstimos ao setor privado do Grupo do Banco Mundial. Inicialmente
confeccionada para servir como um fórum de discussão dos países das Américas,
98
Iudica, Giovanni. Law and Globalization. In: WALD, Arnoldo (coord.). Revista de Direito Bancário e
do Mercado de Capitais. Vol. 34. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2007, p. 431.
71
acabou sendo transformada em uma organização com atuação global 99, cujos
principais objetivos são:
(i) Cooperar no desenvolvimento, implementação e promoção da
adesão às normas internacionalmente reconhecidas e padrões
consistentes de regulação, supervisão e fiscalização, a fim de
proteger
investidores,
manter
mercados
justos,
eficientes
e
transparentes, e procurar abordar os riscos sistêmicos;
(ii) Melhorar a proteção dos investidores e promover a confiança do
investidor na integridade do mercado de valores mobiliários, por meio
de troca de informação e cooperação contra má conduta e na
supervisão dos mercados e dos intermediários do mercado; e
(iii) Trocar informações, global e regionalmente, com relação às
respectivas experiências, a fim de apoiar o desenvolvimento dos
mercados, fortalecer a infraestrutura do mercado e implementar uma
regulamentação adequada.
Contudo, apenas em 1998, a Organização Internacional das Comissões
de Valores Mobiliários aprovou um conjunto de princípios – no total, 30 (trinta) –
agrupados em 08 (oito) categorias, a saber: (i) relativos ao regulador; (ii) para
autoregulação; (iii) relativos ao cumprimento da regulação sobre valores mobiliários;
(iv) para cooperação quanto à regulação; (v) relativos ao emissor; (vi) para
investimento coletivo; (vii) para intermediários do mercado; e (viii) para mercados
secundários100.
Em 2005, foi assinado um Memorando de Entendimentos Multilateral
sobre Consulta e Cooperação e Troca de Informações (Multilateral Memorandum of
Understanding Concerning Consultation and Cooperation and the Exchange of
Information)101, com o objetivo de estabelecer a maneira pela qual os seus
99
A natureza jurídica desta organização internacional é atípica, na medida em que não existe um
tratado internacional constitutivo. Em verdade, entendemos que por tal razão não se trata de uma
organização internacional de caráter público e sim privado, formado, entretanto, por autoridades
públicas (em sua maioria) dos Estados-membros, com vistas à cooperação e troca de informações
envolvendo valores mobiliários e o mercado de capitais.
100
Para
a
integral
visualização
dos
princípios,
ver:
<http://www.iosco.org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD386.pdf>. Acesso em 15 de janeiro de 2014.
101
Para
a
integral
visualização
do
memorando,
ver:
<http://www.iosco.org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD154.pdf>. Acesso em 15 de janeiro de 2014.
72
integrantes devem consultar, cooperar e trocar informações, de modo que seja viável
uma eficiente regulação do mercado de valores mobiliários.
Conforme disposto no parágrafo 4, as atividades abrangidas no âmbito do
referido Memorando de Entendimentos são as seguintes:
a. insider dealing, market manipulation, misrepresentation of material
information and other fraudulent or manipulative practices relating to
securities and derivatives, including solicitation practices, handling of
investor funds and customer orders;
b. the registration, issuance, offer, or sale of securities and
derivatives, and reporting requirements related thereto;
c. market intermediaries, including investment and trading advisers
who are required to be licensed or registered, collective investment
schemes, brokers, dealers, and transfer agents; and
d. markets, exchanges, and clearing and settlement entities102.
Reiterando, entretanto, o que já dissemos alhures, referida organização
internacional é notadamente atípica. Voltada à autoridades públicas e intermediários
financeiros, é uma organização internacional regulada por uma espécie de acordo
de cavalheiros que, como sabemos, não compromete o Estado. Não obstante, sua
valia repousa no seguinte fato:
Through the “enough disclosure” and “exchange of information”
paradigm, IOSCO “regulations” aim at establishing an efficient
transnational market by eliminating the externalities generated out of
information
asymmetries
that
are
likely
to
distort
financial
transactions103.
102
Tradução livre da autora: “a. abuso de informação privilegiada, manipulação de mercado,
falsificação de informações relevantes e outras práticas fraudulentas ou de manipulação relativos a
valores mobiliários e derivativos, incluindo práticas de solicitação, manipulação de fundos de
investidores e pedidos dos clientes; b. o registro, emissão, oferta ou venda de valores mobiliários e
derivativos, e requisitos de informação relacionadas com o mesmo; c. intermediários do mercado,
incluindo consultores de investimento e comerciais que são obrigados a ser licenciados ou
registrados, organismos de investimento coletivo, corretores, distribuidores e agentes de
transferência, e d. mercados, intercâmbios e as entidades de compensação e liquidação”.
103
Tradução livre da autora: “Por meio de ‘suficiente divulgação’ e ‘troca de informações’, as
regulações da IOSCO visam estabelecer um mercado transnacional eficiente, eliminando as
externalidades geradas por conta das assimetrias de informações que são susceptíveis em distorcer
73
No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários, que também é membro da
Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários, utiliza desse
mecanismo na elaboração de suas instruções normativas, na medida em que antes
da edição das mesmas, como costume, abre-se audiência pública104 aos
intermediários financeiros e as entidades autoregularas para que possam elaborar
comentários e/ou sugerir inclusões, exclusões e modificações na minuta
apresentada.
O que difere, no entanto, o regime jurídico interno do internacional é que o
ordenamento jurídico brasileiro outorga a esta autarquia federal, vinculada ao
Ministério da Fazenda, a função de regular, observada a política definida pelo
Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil, as matérias do seu
âmbito de atribuições dadas pela Lei n° 6.385/1976 (Lei do Mercado de Capitais) e
pela Lei n° 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas), tornando-as mandatórias
depois de editadas.
Adicionalmente, a Comissão de Valores Mobiliários tem a função de
fiscalizar as atividades desenvolvidas no mercado de capitais e as informações
veiculadas por seus participantes. Importa relembrar que a própria Constituição
Federal de 1988 legitima a criação de órgãos reguladores, consoante dispõe o já
mencionado artigo 174. Assim, no caso específico das atribuições da Comissão de
Valores Mobiliários, há, digamos, uma legitimidade tanto constitucional quanto
infraconstitucional no processo de elaboração de suas normas.
2.4 GOVERNANÇA GLOBAL
Como pensar em governança diante da ausência de um governo? Não
obstante terem o mesmo radical, não são sinônimos:
as transações financeiras” (Marcacci, Antonio. IOSCO: The World Standard Setter for Globalized
Financial Markets. Richmond Journal of Global Law & Business. Vol. 12:1. 2012, pp. 23-43).
104
O artigo 8°, § 3° da Lei n° 6.385/1976, dispõe que: “Em conformidade com o que dispuser seu
regimento, a Comissão de Valores Mobiliários poderá: I – publicar projeto de ato normativo para
receber sugestões de interessados; e II – convocar, a seu juízo, qualquer pessoa que possa contribuir
com informações ou opiniões para o aperfeiçoamento das normas a serem promulgadas”.
74
Governo sugere atividades sustentadas por uma autoridade formal,
pelo poder de polícia que garante a implementação das políticas
devidamente instituídas, enquanto governança refere-se a atividades
apoiadas em objetivos comuns, que podem ou não derivar de
responsabilidades legais e formalmente prescritas e não dependem,
necessariamente, do poder de polícia para que sejam aceitas e
vençam resistências105.
Esse é um dos grandes problemas enfrentados pelo direito internacional
público, na medida em que a estrutura global atual imprescinde de um governo
central; tampouco, um modelo de divisão de poderes. Para o Banco Mundial, a
governança é definida “as the manner in which power is exercised in the
management of a country’s economic and social resources for development” 106. Sob
essa perspectiva, a governança está intrinsecamente relacionada com a forma pela
qual o governo exerce o poder dentro de sua jurisdição, notadamente quanto à
formulação e implementação de políticas públicas.
Nesse contexto, partimos da premissa de que o Estado deve ter um papel
preponderante tanto na elaboração de regras para o funcionamento eficiente do
mercado quanto na interferência quando houver falhas em seu funcionamento, para
fins do exercício de uma boa governança.
As globalizações econômica e financeira, entretanto, alteraram o modo
pelo qual se passou a entender a governança, não mais estritamente interna para se
tornar uma preocupação internacional, na medida em que cresce o número de
atores no cenário internacional, no momento posterior à Paz de Vestefália. Isso
porque entendemos que não houve uma efetiva “governança global” durante o
sistema vestifaliano. A um, porque os Estados eram os únicos tomadores de
decisão, os únicos destinatários de suas decisões e os únicos responsáveis por
observar o cumprimento de suas decisões. A dois, porque eventuais arranjos de
105
Rosenau, James N. Governança, Ordem e Transformação na Política Mundial. In: Rosenau,
James N.; Czempiel, Ernst-Otto. Governança Sem Governo: Ordem e Transformação na Política
Mundial. Ed. Unb: Brasília, 2000. p. 15.
106
Tradução livre da autora: “como a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos
recursos econômicos e sociais de um país para o desenvolvimento” (World Bank. Governance and
Development. Washington: The World Bank, 1992).
75
governança criados pelo Estado visavam apenas reduzir os atritos decorrentes de
transações externas107, salvo ações relativas a ameaças à paz, ruptura da paz e
atos de agressão em que a Organização das Nações Unidas poderia intervir108.
O conjunto de regras formuladas no âmbito do direito internacional público
deriva da vontade dos Estados em transferir parcela de sua soberania quando da
constituição de uma organização internacional, universal ou regional, como
instrumento de aproximação pacífica e de cooperação internacional, observadas as
finalidades para as quais foram criadas. Antônio Augusto Cançado Trindade é
enfático ao dispor que “os Estados perderam o monopólio da condução das relações
internacionais e não podem ignorar ou negligenciar os esforços de tais organizações
em assegurar o respeito e a observância das normas de Direito Internacional”109.
Ainda assim, não há um “poder central” universal. A governança chamada
global, em nosso entendimento, vai além da produção de normas ou códigos de
conduta e mecanismos de observância deles. Vai além também da mera atividade
regulatória. Nos dizeres de Thomas G. Weiss e Ramesh Thakur110:
Global governance – which can be good, bad, or indifferent – refers
to existing collective arrangements to solve problems. Adapting our
definition of governance, “global governance” is the sum of laws,
norms, policies, and instruments that define, constitute, and mediate
relations among citizens, society, markets, and the state in the
107
Nesse sentido, ver lições de: Weiss, Thomas G.; Thakur, Ramesh. Global Governance and the
UN: An Unfinished Journey. United Nations Intellectual History Project Series, 2010, p. xvi.
108
O artigo 1, item 7 da Carta das Nações Unidas dispõe que “nenhum dispositivo da presente Carta
autorizará as Nações Unidas a intervir em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de
qualquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solução, nos termos da
presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará a aplicação de medidas coercitivas constantes
no Capítulo VII”.
109
Trindade, Antônio Augusto Cançado. Direito das Organizações Internacionais. 4.ed. Del Rey: Belo
Horizonte, 2009, p. 530.
110
Tradução livre da autora: “A governança global – que pode ser bom, ruim, ou indiferente – referese a acordos coletivos existentes para resolver problemas. Adaptando a nossa definição de
governança, "governança global" é a soma de leis, normas, políticas e instrumentos que definem,
constituem e medeiam as relações entre os cidadãos, a sociedade, os mercados e o Estado na arena
internacional – detentores e sujeitos de poder público internacional. Mesmo na ausência de uma
autoridade central abrangente, os arranjos coletivos existentes trazem maior previsibilidade,
estabilidade e ordem aos problemas transfronteiriços” (Weiss, Thomas G.; Thakur, Ramesh. Global
Governance and the UN: An Unfinished Journey. United Nations Intellectual History Project Series,
2010, p. 6).
76
international arena – the wielders and objects of international public
power. Even in the absence of an overarching central authority,
existing collective arrangements bring more predictability, stability,
and order to transboundary problems.
Para Debora D. Avant, Martha Finnemore e Susan K. Sell 111, a
governança global “is the result of a political process and is shaped by power,
access,
mobilization,
leadership,
and
other
political
variables”.
De
forma
complementar, James N. Rosenau112 entende que a governança “abrange as
instituições governamentais, mas implica também mecanismos informais, de caráter
não-governamental, que fazem com que as pessoas e as organizações dentro da
sua área de atuação tenham uma conduta determinada, satisfaçam suas
necessidades e respondam às suas demandas”.
A
governança
global,
portanto,
vai
além
do
entendimento
da
imprescindibilidade de um governo, porquanto é possível a utilização de meios
diplomáticos, meios pacíficos de solução de controvérsias, dentre outros, como meio
de produção de resultados eficazes no que diz respeito ao cumprimento das regras
de direito internacional público. Reiterando essa assertiva, o Relatório elaborado, em
1995, pela Comissão sobre Governança Global da Organização das Nações Unidas
definiu a governança global como “a soma dos diversos meios pelas quais os
indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas em
comum. É um processo contínuo nas quais interesses conflitantes ou diversos
podem ser acomodados e ações de cooperação podem ser desenvolvidas”.
Por tal razão, a Organização das Nações Unidas, muito embora à época
tenha sofrido diversas críticas, inclusive de tentar suprimir a autoridade soberana
dos Estados, buscando “construir” um federalismo mundial, entende que, nas
relações internacionais, não basta tão-somente à atuação dos Estados e das
organizações internacionais. É preciso a união de forças entre estes e organizações
111
Tradução livre da autora: “é o resultado de um processo político e é moldada pelo poder, acesso,
mobilização, liderança e outras variáveis políticas” (Avant, Debora D; Finemore, Martha; Sell, Susan
K. Who Governs the Globe? Cambrige University Press: Cambridge, 2010, p. 7).
112
Rosenau, James N. Governança, Ordem e Transformação na Política Mundial. In: Rosenau,
James N.; Czempiel, Ernst-Otto. Governança Sem Governo: Ordem e Transformação na Política
Mundial. Ed. Unb: Brasília, 2000. pp. 15-16.
77
não governamentais, empresas transnacionais, intermediários financeiros, dentre
outros.
Em se tratando do sistema financeiro internacional, tornar realidade às
melhores práticas de governança parece ainda mais uma utopia. Parece-nos que
falta coerência e adequação na atuação das organizações internacionais. Voltemos
à questão referente aos problemas de agência referidos anteriormente que estão no
cerne do exercício das boas práticas de governança.
Os problemas de agência decorrem de um desalinhamento de interesses
na relação entre agente-principal. E essa relação entre agente-principal, conforme
Michael C. Jensen e William H. Meckling113, é definida como “a contract under which
one or more persons (the principal(s)) engage another person (the agent) to perform
some service on their behalf which involves delegating some decision making
authority to the agent”.
Resguardadas as devidas ressalvas entre as relações de poder nas
sociedades anônimas e
no direito internacional público, às organizações
internacionais em estudo (agente), como regra, são delegadas autoridades (pelos
Estados, ou seja, o principal) para a tomada de certas decisões. Decisões essas que
nem sempre se coadunam com os melhores interesses do principal, podendo ser
citado, por exemplo, o caso e o contexto dos Acordos de Basiléia, editados pelo
Comitê de Supervisão Bancária de Basiléia. O processo de tomada de decisão é
secreto, desprovido de transparência e elaborados por um limitado grupo de
autoridades de bancos centrais, que “exercises either direct or indirect influence over
the development of banking law for most countries”114.
113
Tradução livre da autora: “um contrato no qual uma ou mais pessoas (o principal) empregam outra
pessoa (o agente) para desempenhar alguma tarefa a seu favor, envolvendo delegação de autoridade
para a tomada de decisão pelo agente” (Jensen, Michael C; Meckling, William H. Theory of the Firm:
Managerial Behavior, Agency Cost and Ownership Structure. Journal of Financial Economics, vol. 3,
n. 4, out., 1976, p. 308).
114
Tradução livre da autora: “exerce tanto direta quanto indiretamente influência sobre o
desenvolvimento do direito bancário de muitos países” (Alexander, Kern; Dhumale, Rahul; Eatwell,
John. Global Governance of Financial Systems: The International Regulation of Systemic Risk. Oxford
Press University: Oxford, 2006, p. 37).
78
Pode-se argumentar que os Acordos de Basiléia são uma espécie de soft
law e, portanto, não obrigatórios, podendo o Estado que não aceitar suas
proposições, simplesmente, desconsiderá-las. E a esse respeito devemos observar
o mercado financeiro e de capitais como um todo. De fato, por serem meras
recomendações não estão os Estados “obrigados” a observá-las. Mas os mercados
financeiro e de capitais envolvem outros agentes tão importantes quanto os
emissores de valores mobiliários (empresas, securitizadoras, o próprio Estado,
dentre outros), o público em geral (que compram esses valores mobiliários) e as
instituições financeiras (que geralmente intermedeiam a emissão de valores
mobiliários): as agências de classificação de risco (ou também conhecidas como
agências de rating).
As agências de classificação de risco exercem um papel relevante ao
classificar, como o próprio nome sugere, ou “dar notas” não somente aos valores
mobiliários colocados no mercado, mas também aos governos e instituições
financeiras. Influenciam sobremaneira, ainda que não diretamente, na compra (ou
não) de produtos financeiros estruturados, por meio da análise da chamada
“qualidade de crédito” e “qualidade do mercado”. E quanto mais “politicamente
correto”, ou seja, quanto mais se atende às regras internacionalmente reconhecidas
(ou melhor, elaborada pelos países mais desenvolvidos), maior a nota.
Mas também se pode perguntar: mas qual a relação dessa teoria agenteprincipal com a governança global? A governança global é um conceito em
constante evolução, com relação direta à noção de democracia. Reflete sincronia no
que diz respeito às transformações estruturais, na medida em que o mundo
multipolarizado exige movimentos cooperativos e confiança no sistema internacional.
Confiança essa que nem sempre é alcançada e que motiva ou reafirma as críticas
existentes com relação à hegemonia dos países mais desenvolvidos na dinâmica
das principais organizações internacionais.
Tomemos como exemplo, a tentativa de, em 2010, reformar o sistema de
quotas do Fundo Monetário Internacional (Quota and Governance Reform), e que
acabou por não acontecer pela inércia do Congresso norte-americano. Outro
exemplo
envolvendo
também
o
Fundo
Monentário
Internacional
é
que,
79
recentemente, alargou seus objetivos iniciais, especialmente com o fito de
estabelecer padrões para o controle de riscos sistêmicos. Falhou: tanto na crise
asiática (na década de 1990), quanto na crise subprime (2008).
Por tal razão é que se propõe a criação de um Conselho Global de
Governança Financeira, de natureza participativa de todos os Estados e não de
apenas alguns, observando os principais princípios que regem a governança, a
saber: responsabilidade, prestação de contas, transparência e equidade.
80
3
O
PAPEL
DO
ESTADO
CONTEMPORÂNEO
DIANTE
DA
GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA
O presente Capítulo tem como propósito analisar a evolução do Estado,
segundo o nível de envolvimento deste com a sociedade, como também quanto à
sua organização econômica. A valia deste Capítulo consiste em compreender a
postura de um ou outro Estado no que diz respeito ao grau de intervenção no
domínio econômico. Com isso, ressaltaremos que mesmo no Estado Liberal é
possível vislumbrar certa intromissão na economia de mercado, intromissão essa,
porém, sob a forma de autoregulação (privada).
Buscar-se-á, assim, contemplar os modelos político-econômicos mais
importantes, na tentativa de testar a hipótese de um Estado necessário para lidar
com a insuficiência de respostas para os problemas do século XXI. Adicionalmente,
dar-se-á igual enfoque à evolução do Estado brasileiro que, frente à globalização e a
partir da década de 1990, passou de Estado-empresário para um Estado regulador.
Antes de adentrarmos na análise das principais características desses
modelos políticos-econômicos, entendemos necessário elaborar um breve intróito
acerca da existência do próprio Estado. É possível aferir que o Estado, enquanto
organismo político-jurídico organizado, teve origem a partir do surgimento do Estado
Moderno115, fundado em teorias contratualistas que entendiam ser elementos
essenciais do Estado: a soberania, a população e o território. Outrora, não se
115
Não obstante, leciona Paulo Bonavides que: “Para adentrarmos na tormentosa discussão sobre o
surgimento do Estado, temos que nos debruçar sobre as três teorias que tentam explicar seu
surgimento: 1) Para alguns teóricos o Estado sempre existiu, tal como a sociedade, sendo esta
impensável sem a existência daquele. Observe-se que, se adotada essa concepção, teremos que o
Estado e a sociedade surgiram concomitantemente, e seria inconcebível a existência de uma
sociedade sem Estado; 2) A maioria dos autores adota a tese de que o Estado é fruto da sociedade,
tendo esta existido muito tempo sem aquele. Decorre daí ser possível a sociedade vir a prescindir do
Estado. Este surgiu em razão do conflito de interesses dentro de um grupo social, o que possibilitou
ao chefe primitivo, que dispunha de prestígio no grupo e que por suas atitudes desempenhava um
papel de liderança, ver-se transformado em chefe político, em caráter permanente, e com autoridade
para manter a ordem interna e fixar diretrizes; e 3) Uma terceira corrente apenas visualiza o Estado
caso seja dotado de certas características que despontam na transição entre o Feudalismo e o
Absolutismo, o que denominam Estado Moderno. Também nessa hipótese temos que é possível a
sociedade sobreexistir sem o Estado” (Bonavides, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 6.ed.
Editora Forense: Rio de Janeiro, 1980, p. 19).
81
concebia a existência do Estado propriamente dito, mas de diversas “sociedades
independentes”, nos dizeres de Jean-Jacques Rousseau116:
A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da
família. Ainda assim, as crianças apenas permanecem ligadas ao pai
o tempo necessário que dele necessitam para a sua conservação.
Assim que cesse tal necessidade, dissolve-se o laço natural. As
crianças, eximidas da obediência devida ao pai, o pai isento dos
cuidados devidos aos filhos, reentram todos igualmente na
independência. Se continuam a permanecer unidos, já não é
naturalmente, mas voluntariamente, e a própria família se mantém
por convenção.
Esta liberdade comum é uma consequência da natureza do homem.
Sua primeira lei consiste em proteger a própria conservação, seus
primeiros cuidados os devidos a si mesmo, e tão logo encontre o
homem na idade da razão, sendo o único juiz dos meios apropriados
à sua conservação, torna-se por si seu próprio senhor.
É a família, portanto, o primeiro modelo das sociedades políticas; o
chefe é a imagem do pai, o povo a imagem dos filhos, e havendo
nascido todos livres e iguais, não alienam a liberdade a não ser em
troca da sua utilidade. Toda a diferença consiste em que, na família,
o amor do pai pelos filhos o compensa dos cuidados que estes lhe
dão, ao passo que, no Estado, o prazer de comandar substitui o
amor que o chefe não sente por seus povos.
Vê-se uma alteração de paradigma, na medida em que houve um
distanciamento da visão teleológica da política (de Jean Bodin, por exemplo, que
entendia que a soberania era um poder perpétuo e tão somente limitado em função
da lei divina ou do direito natural) para uma abordagem mais racionalista. Essa
racionalidade se dá por meio de um consenso entre os indivíduos em organizar-se,
em contraposição ao estado de natureza, que prevaleceu a “lei do mais forte”117.
116
Rousseau, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução de Rolando Roque da Silva, 1762, Livro
1, Título II.
117
Para Rousseau, “(…) porque tão logo seja a força a que faz o direito, o efeito muda com a causa;
toda força que sobrepuja a primeira sucede a seu direito. Assim que se possa desobedecer
impunemente, pode-se fazê-lo legitimamente, e, uma vez que o mais forte sempre tem razão, trata-se
de cuidar de ser o mais forte, Ora, que é isso senão um direito que perece quando cessa a força? Se
é preciso obedecer pela força, não é necessário obedecer pelo dever, e se não mais se é forçado a
82
Nem o Estado medieval, sequer o Estado absolutista, podem se
enquadrar nos critérios acima apontados. O primeiro, uma sociedade baseada em
relações servis; o segundo, o poder é centralizado nas mãos de um monarca, que
decidia ao seu bel prazer os rumos a serem tomados sobre todo e qualquer assunto
envolvendo seu domínio. O Estado de polícia a que se denominam esses Estados
“tinham como escopo a concentração dos poderes nas mãos do monarca. Daí
porque os poderes atribuídos ao chefe de Estado serem os mais amplos possíveis,
na medida em que se buscava tão-somente o desenvolvimento do próprio
Estado”118.
Em ambos os casos, inexistente qualquer tipo de proteção legal no que
diz respeito à atividade econômica. A atuação estatal, no Estado absolutista
principalmente, se resumia em suprir as necessidades dos monarcas e se suprindo
essas necessidades resultasse alguma utilidade para seus súditos, ótimo.
Entretanto, é certo que o exercício do poder em seu extremo, sem limitações, causa
revolta principalmente nas classes sociais (burguesia) que viam o comércio como
fonte de renda para sua própria subsistência.
3.1 ESTADO LIBERAL
Enquanto a Revolução Industrial deu início a um processo de rápida
acumulação de capitais, por meio da evolução tecnológica, social e econômica, e em
função dos novos padrões de produção, a Revolução Francesa119 também mudou o
contexto socioeconômico, influenciado pelos ideais burgueses do Iluminismo e da
Independência Americana, especialmente em se tratando da abolição da escravidão
e da proclamação dos princípios universais da Liberté, Egalité e Fraternité.
obedecer, não se é a isso mais obrigado. Vê-se, pois, que a palavra direito nada acrescenta à força;
não significa aqui coisa nenhuma” (Rousseau, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução de
Rolando Roque da Silva, 1762, Livro 1, Título III).
118
Casagrande Filho, Ary. Estado Regulador e Controle Judicial. Quartier Latin: São Paulo, 2007, p.
29.
119
Lembrando que a consequência mais importante da Revolução Francesa foi o advento da
Declaração Universal dos Direito do Homem e do Cidadão (1948).
83
A queda da Bastilha, que historicamente inicia à Revolução Francesa em
1789, representou uma mudança nos cenários político, econômico e também
jurídico. Na política, influenciado pela Teoria da Separação de Poderes de
Montesquieu, do Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau e do Segundo Tratado
sobre o Governo Civil de John Locke; na economia, em função do advento da
doutrina de Adam Smith (Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da
Riqueza das Nações); e no Direito, pela promulgação de cartas constitucionais pelas
nações soberanas, com vistas a garantir direitos fundamentais básicos e introduzir
práticas democráticas: surge o Estado liberal.
Verifica-se, pois, que o Estado liberal rompeu drasticamente com a cultura
feudal e absolutista de outrora trazendo benefícios para a sociedade. Para evitar
quaisquer tipos de abusos de autoridade, buscou-se ampliar o conceito de liberdade,
que foi completamente tolhida dos indivíduos no Estado absolutista. Por tal razão, a
liberdade (direito de primeira geração) abrangia não somente liberdade individual,
mas também liberdades econômica, religiosa, política, dentre outras. Entende-se,
pois, que o fundamento do liberalismo está enviesado no senso da liberdade total.
Nesse sentido, o Estado liberal
correspondia exatamente aos ideais que empolgaram o mundo nas
épocas das revoluções inglesas, norte-americana e francesa:
soberania nacional exercida através do sistema representativo de
governo; regime constitucional com a soberania da lei e a limitação
do poder de mando; divisão dos poderes em Legislativo, Executivo e
Judiciário, com limitações recíprocas garantidoras das liberdades
públicas;
completa
divisão
entre
direito
público
e
privado;
neutralidade do Estado em matéria de fé religiosa; liberdade no
sentido de não ser o homem obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei; igualdade jurídica de todos os
cidadãos, sem distinção de classe, raça, cor, sexo, crença, etc.; igual
oportunidade de riqueza e acesso aos cargos públicos e à cultura
universitária, a todos; não intervenção do govêrno na economia
popular120.
120
Maluf, Sahid. Teoria Geral do Estado. 30.ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2010, p. 57.
84
O abstenceísmo estatal é uma característica do liberalismo. A atuação
estatal se resume na manutenção da ordem pública (interna e internacional) por
meio do poder de polícia e a preservação de sua soberania. A famosa idéia de
mercado livre de Adam Smith reinou neste período. Preconiza-se que a atividade
econômica é capaz de ser regida por sua própria dinâmica ("mãos invisíveis"),
entendimento estendido também aos mercados financeiro e de capitais. E por conta
dessa filosofia liberal, vimos uma das mais graves crises no século XX: a Grande
Depressão, a partir da quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929.
Ainda, se prega que com a lei da oferta e da procura, por si só, isto é, livre
da atuação do Estado no domínio econômico, poder-se-ia atingir o bem-estar
coletivo. Que a melhor forma de aperfeiçoamento recíproco era o antagonismo, “ou
seja, tencionava-se o conflito interindividual (concorrência, disputa, competição)”121.
Não contavam seus defensores, no entanto, com a natureza egoísta e ambiciosa do
ser humano. Não é por outro motivo que Plauto já utilizava à máxima Lupus est
homo homini non homo, popularizada por Thomas Hobbes, em O Leviatã, por meio
da expressão “o homem é o lobo do homem”.
Assim, os benefícios experimentados pelo liberalismo foram gradualmente
revelando-se prejudiciais, não pelos seus fins, mas pelos seus meios. Deu-se inicio à
industrialização. Surgiu a classe média. Acumulou-se riqueza (capital), mas também
houve a concentração do poder econômico nas mãos da classe dominante que não
tinha capacidade de distribuir equitativamente a riqueza gerada. Cria-se, portanto,
um desequilíbrio social. O trabalho humano tornou-se uma commodity.
Reitere-se que neste momento o Estado é desprovido de poderes para
corrigir tais imperfeições, ou seja, de adotação de uma postura negativa (de não
fazer), salvo se eventual intervenção tivesse como condão a proteção e preservação
da própria liberdade do mercado. A título exemplificativo, citamos a edição do
Sherman Antitrust Act pelo Congresso norte-americano, em 1890, exprimindo, desde
então, desgosto às práticas anticompetitivas, tal como monopólios e cartéis.
121
Feitosa, Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer. Paradigmas Inconclusos: Os Contratos entre a
Autonomia Privada, a Regulação Estatal e a Globalização dos Mercados. Editora Coimbra: 2007, p.
153.
85
Referidas práticas prejudicam a liberdade do mercado, porquanto a concorrência é
um dos corolários do liberalismo.
A ausência do Estado liberal para mediar às relações privadas, por assim
dizer, o levou a derrocada. As consequências advindas da Grande Depressão,
aliada a devastação da Europa em função das Guerras Mundiais 122, contribuíram
para que novos contornos do Estado fossem repensados. Corroborando com esse
entendimento, Celso Ribeiro Bastos123 leciona que:
A causa mais importante – e portanto não a única – foi sem dúvida a
ocorrência no século XX de crises econômicas que, provocando a
recessão e o desemprego, demonstravam ser os mecanismos autoreguladores
da
economia
insuficientes
para
promover
harmonicamente o desenvolvimento da riqueza nacional. A presença
do Estado se fazia, pois, imprescindíveis para corrigir os profundos
desequilíbrios a que foram levadas as sociedades ocidentais que não
disciplinavam a sua economia por meio de um planejamento
centralizado, como se dava nos países comunistas.
E, assim, o Estado passa a ser um agente mais ativo dentro de sua
jurisdição, editando normas, protagonizando a atividade econômica e corrigindo
falhas do mercado, não em seu benefício, mas com vistas à proteção dos indivíduos
economicamente mais fracos. Fora de sua jurisdição, a ideia de cooperação
floresce. O caos econômico mundial instaurado na década de 1930 exemplificou a
desilusão quanto à autoregulação, no que diz respeito aos processos econômicos,
financeiros e do mercado de capitais.
Utilizando-se ainda os Estados Unidos como exemplo, em 1933, quando
assumiu a presidência, Franklin Roosevelt deu início a determinadas reformas que
alcunhou de New Deal. A despeito da criação das chamadas agências federais –
122
A Primeira Guerra Mundial destruiu o parque industrial europeu, que ainda não era tão relevante
se compararmos com o período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. No entanto, em ambos os
casos teve efeitos severos, no que diz repeito à capacidade produtiva (principalmente de
abastecimento) e de estabilidade macro-econômica (pagamento pela guerra, processo de ajustes,
incertezas políticas, dentre outros).
123
Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. Editora Saraiva: São Paulo,
1999, p. 142.
86
uma versão das agências reguladoras brasileiras – foram adotadas outras medidas
tais como “mecanismos de controle de crédito, abriu um banco para financiar as
exportações, fixou salários-mínimos, limitou a jornada de trabalho e ampliou o
sistema de previdência social”124, objetivando a promoção, pelo Estado, do
desenvolvimento econômico e social. Tal modelo acabou por influenciar a política
econômica brasileira na época de Getúlio Vargas.
3.2 ESTADO SOCIAL OU WELFARE STATE
Como resultado dessa mudança na sociedade, o Estado social surgiu e
difundiu-se, sob as premissas keynesianas, “que acentuam a interdependência entre
a política fiscal/financeira e a economia política, com vistas ao desenvolvimento
social”125. Ressalte-se que o cerne principal deste modelo era melhorar as condições
de vida da classe trabalhadora e erradicar a pobreza gerada pelo liberalismo por
meio de intervenções estatais e elaboração de políticas públicas. Ou seja,
inicialmente, buscou-se equilibrar as adversidades nas relações entre o poder e o
capital humano.
A ideia, portanto, repousava-se em afastar a predominância do
individualismo liberal. Pois, nos dizeres de Karl Marx e Friedrich Engels 126, “para que
uma classe possa ser oprimida, é necessário garantir-lhe as condições que lhe
permitam, pelo menos, sobreviver em sua existência servil”. E tal garantia se daria
na forma de prestações positivas que reconhecessem os interesses dos
proletariados, entendidos por eles como “a classe dos modernos trabalhadores
124
Feitosa, Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer. Paradigmas Inconclusos: Os Contratos entre a
Autonomia Privada, a Regulação Estatal e a Globalização dos Mercados. Editora Coimbra: 2007, p.
186.
125
Feitosa, Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer. Paradigmas Inconclusos: Os Contratos entre a
Autonomia Privada, a Regulação Estatal e a Globalização dos Mercados. Editora Coimbra: 2007, 156.
126
Marx, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 1.ed. Revisão por Miguel Cavalcanti
Yoshida, Geraldo Martins de Azevedo Filho e Ricardo Nascimento Barreiros. Editora Expressão
Popular, 2002, p. 28.
87
assalariados que, não possuindo meios de produção, dependem da venda de sua
força de trabalho para sobreviver”127.
Enfatizem-se, nesse sentido, os direitos sociais (direitos de segunda
geração), sem que isso, entretanto, significasse a extirpação do mercado em si. Isso
pode ser observado no Manifesto do Partido Comunista que afirmou que:
Durante sua dominação, que ainda não completou um século, a
burguesia desenvolveu forças produtivas mais maciças e colossais
que todas as gerações anteriores. Dominação das forças da
natureza, maquinaria, aplicação da química na indústria e na
agricultura, navegação a vapor, estradas de ferro, telégrafo elétrico,
desbravamento de regiões inteiras, adaptação dos leitos dos rios
para a navegação, fixação de populações vindas não se sabe bem
de onde – que séculos anteriores poderiam imaginar quanta força
produtiva se escondia no seio do trabalho social?128.
O Estado social, portanto, tem seu fundamento em um estado de bemestar (welfare state), na qual a coordenação da economia não deve mais estar nas
mãos do mercado. Deve ser equilibrada com a intervenção máxima do Estado. A
um, porquanto agora responsável pela distribuição de riquezas e por prover aos
mais necessitados (suposta efetivação do princípio da igualdade da Revolução
Francesa), inclusive por meio de benefícios sociais e assistência social. A dois,
porque o Estado era o representante democrático da vontade coletiva.
Deu-se início, nesse modelo, a “processos de nacionalização de
empresas privadas expandindo consideravelmente o setor público empresarial,
consolidando a figura do Estado gestor direto da economia”129, fenômeno este
também denominado de estatização, na qual “alguns setores econômicos deveriam
127
Marx, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 1.ed. Revisão por Miguel Cavalcanti
Yoshida, Geraldo Martins de Azevedo Filho e Ricardo Nascimento Barreiros. Editora Expressão
Popular, 2002, p. 64, nota de rodapé 1.
128
Marx, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 1.ed. Revisão por Miguel Cavalcanti
Yoshida, Geraldo Martins de Azevedo Filho e Ricardo Nascimento Barreiros. Editora Expressão
Popular, 2002, p. 16.
129
Feitosa, Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer. Paradigmas Inconclusos: Os Contratos entre a
Autonomia Privada, a Regulação Estatal e a Globalização dos Mercados. Editora Coimbra: 2007, p.
156.
88
ser retirados do mercado, não só por causa das deficiências dos mercados, mas
porque indústrias fundamentais para o interesse nacional não deveriam ficar em
maõs privadas”130.
Em linhas gerais, Asa Briggs131 leciona que:
A welfare state is a state in which organized power is deliberately
used (through politics and administration) in an effort to modify the
play of market forces in at least three directions – first, by
guaranteeing individuals and families a minimum income irrespective
of the market value of their work and their property; second, by
narrowing the extent of insecurity by enabling individuals and families
to meet certain ‘social contingencies’ (for example, sickness, old age
or unemployment) which lead otherwise to individuals and families
crises; and third, by ensuring that all citizens without distinction of
status or class are offered the best standards available in relation to a
certain agreed range of social services.
The first and the second of these objectives may be accomplished, in
part at least, by what used to be called a ‘social service state’, a state
in which communal resources are employed to abate poverty and to
assist those in distress. It brings in the idea of the ‘optimum’ rather
than the older idea of the ‘minimum’. It is concerned not merely with
abatement of class differences or the needs of scheduled groups but
with equality of treatment and the aspirations of citizens and voters
with equal shares of electoral power.
130
Giddens, Anthony. A Terceira Via: Reflexões sobre o Impasse Político Atual e o Futuro da Social
Democracia. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Record: Rio de Janeiro, 1999, p. 20.
131
Tradução livre da autora: “O welfare state é um Estado no qual se usa deliberadamente o poder
organizado (por meio da política e da administração) em um esforço para modificar o jogo das forças
do mercado em no mínimo três direções: primeiro, garantindo aos indivíduos e às famílias uma renda
mínima, independentemente do valor de mercado de seu trabalho ou de sua propriedade; segundo,
reduzindo a exposição à insegurança, colocando os indivíduos e famílias em condições de enfrentar
certas contingências sociais (por exemplo, doença, velhice ou desemprego) que, de outro modo,
levariam a crises do indivíduo ou de sua família; e terceiro, assegurando que a todos os cidadãos,
sem distinção de status ou classe, sejam oferecidos os mais altos padrões de um conjunto
reconhecido de serviços sociais. O primeiro e o segundo desses objetivos podem ser realizados, pelo
menos em parte, com o que costuma ser chamado de um "estado de serviço social", um estado em
que são empregados os recursos comuns para diminuir a pobreza e ajudar as pessoas em
dificuldades. Ele traz a idéia de 'melhor' do que a antiga idéia do ‘mínimo’. Ele está preocupado não
apenas com a redução das diferenças de classe ou as necessidades de determinados grupos, mas
com igualdade de tratamento e às aspirações dos cidadãos e eleitores com igualdade de poder
eleitoral” (Briggs, Asa. The Welfare State in Historical Perspective. In: Pierson, C.; Castles, F. (Org.).
The Welfare State Reader. 2. ed. Cambridge: Polity Press, 2006, p. 16).
89
No entanto, tais mudanças só se efetivaram após a Primeira Guerra
Mundial, com a Constituição de Weimar de 1919 (Weimarer Verfassung), inspirada
na Constituição Mexicana de 1917, garantindo um novo movimento constitucionalista
que consagrou, não apenas os direitos de primeira geração (em especial, à livre
iniciativa e a propriedade privada), mas também os direitos de segunda geração, a
fim de viabilizar aos cidadãos a concretização do princípio da dignidade humana,
ignorado pelo capitalismo liberal.
Nos Estados Unidos, refrise-se, as premissas do Estado social foram
implementadas por Franklin Roosevelt por meio do New Deal, trazendo para si
maiores responsabilidades sociais. Como parte do New Deal, também foi
promulgado o National Industrial Recovery Act (1933) que, dentre outros aspectos,
permitiu não só o estabelecimento de sindicatos, mas também a regulação de
padrões de trabalho. Nesse mesmo período, o Reino Unido “impôs controles
rigorosos sobre transações cambiais – não apenas em conta capital, mas também
em transações correntes. Sob o governo trabalhista de Harold Wilson, a certa altura,
ninguém podia sair do país com mais de £50, mesmo para férias no exterior”132.
Notadamente no Brasil, a Era Vargas marcou o início da industrialização,
marcadamente protecionista. Amado Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno133 prescrevem
que “a estrutura internacional deteriorava-se nas áreas política e econômica, com a
rebipolarização e o protecionismo, a instabilidade cambial e a ‘oligarquização dos
foros decisórios’”, o que afetou diretamente a política econômica brasileira.
A pressão quanto à industrialização brasileira na Era Vargas teve como
pano de fundo o reaparelhamento das forças armadas. A crise do petróleo de 1929,
bem como a Revolução brasileira de 1930, no entanto, ajudou o desenvolvimento de
outros setores da indústria, na medida em que as dificuldades para importação de
bens de consumo, diante de um cenário de crise e recessão mundiais, favoreceram
132
Wolf, Martin. A Reconstrução do Sistema Financeiro Global. Tradução de Afonso Celso da Cunha
Serra. Elsevier: Rio de Janeiro, 2009, prefácio.
133
Cervo, Amado Luiz; Bueno, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 3.ed. Editora UnB:
Brasília, 2010, p. 428.
90
o melhor desenvolvimento da produção interna134. Assim, a ordem do dia era dar
enfoque à indústria nacional; portanto, não podíamos inferir sobre a existência de
abertura de mercado à competitividade internacional.
O governo de Juscelino Kubitschek, na década de 1950, deu continuidade
ao processo de industrialização por meio da edição do Plano Nacional de Metas,
contendo 30 (trinta) objetivos135 com o intuito de desenvolver diversas indústrias
nacionais. Ao contrário do que ocorreu na Era Vargas, o pano de fundo do Plano
Nacional de Metas consistia em diminuir a desigualdade social gerando riquezas
internas e, conseqüentemente, fortalecendo a economia nacional, sob as bases
lançadas pela escola cepalina136.
O precursor dessa escola foi Raúl Prebisch quando publicou um estudo
intitulado de O Desenvolvimento Econômico da América Latina e Alguns de seus
Principais Problemas (1949), trazendo a teoria desenvolvimentista para o contexto
dos países periféricos, reconhecendo a existência de desigualdades estruturais
entre os países mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos. Diante desse
contexto, tornou-se uma escola de pensamento latino-americano tendo: (i) a
planificação como melhor maneira de neutralizar não somente crises econômicas
como instabilidades decorrentes das leis de mercado e (ii) buscado soluções visando
superar o atraso dos países menos desenvolvidos via industrialização e investimento
em infraestrutura.
134
Foi neste momento que as maiores empresas siderúrgicas (Companhia Siderúrgica Nacional),
mineradoras (Vale do Rio Doce, atualmente apenas Vale), petrolíferas (Petrobras) e hidrelétricas
(Afonso Pena) foram criadas, bem como houve a expansão de ferrovias e rodovias em função de
questões de logística e infraestrutura.
135
O trigésimo primeiro objetivo era a construção de Brasília e a transferência da capital federal.
136
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe é um órgão regional da Organização das
Nações Unidas, com o objetivo de promoção de políticas públicas para desenvolvimento dos países
latino-americanos e caribenho, a partir da identificação de características estruturais que os
distinguem de outras regiões. Por isso, o pensamento dessa escola também é chamado de corrente
estruturalista. Referida Comissão iniciou suas atividades no Brasil em função de um acordo, em 1952,
com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, sob a liderança de Celso Furtado.
Para maiores informações, disponível em: <http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/cepal/>. Acesso em
12 de junho de 2014.
91
Nesse sentido, esclarece Ricardo Bielschowsky137 que “a teorização
cepalina iria cumprir esse papel na América Latina. Seria a versão regional da nova
disciplina que se instalava com vigor no mundo acadêmico anglo-saxão na esteira
‘ideológica’ da hegemonia heterodoxa keynesiana, ou seja, a versão regional da
teoria do desenvolvimento”.
Paulatinamente, foi-se abrindo as fronteiras nacionais, permitindo, em
especial, o investimento estrangeiro. Por outro lado, foi um período de bastante
intervenção, haja vista a necessidade de regular a entrada desse capital. É cediço
também o início do histórico endividamento externo brasileiro e um ambiente interno
extremamente inflacionário, culminando em crises econômicas sem precedentes
decorrentes, principalmente, da segunda crise do petróleo (1979). Nesse sentido:
Após os choques do petróleo, o serviço da dívida cresceu ainda mais
porque os juros aumentaram, e como a alta do petróleo reduziu a
disponibilidade de saldos comerciais, os países endividados tiveram
que recorrer a novos empréstimos, dando início ao processo de
endividamento por bola-de-neve138.
Fato é que o problema com o pensamento do Estado social, que culminou
com a sua queda, no Brasil e no mundo, foi que as liberdades pessoais e
econômicas não eram suas maiores preocupações. A luta de classes era a bandeira
defendida. Em sede constitucional, não era suficiente apenas a garantia formal de
direitos sociais; era preciso meios eficazes para que tais direitos pudessem ser
colocados em prática. É sábido que no Brasil logo foi instaurada a ditadura militar
que basicamente dissolveu o Congresso Nacional e retirou dos cidadãos os direitos
conquistados.
Adicionalmente, o Estado social não foi capaz de proporcionar os
investimentos necessários para um efetivo desenvolvimento, porquanto dependia
essencialmente de receitas tributárias ou outras receitas fiscais, que nem sempre
137
Bielschowsky, Ricardo. Cinquenta Anos de Pensamento na CEPAL – Uma Resenha. In: Ricardo
Bielschowsky (Org.). Cinquenta Anos de Pensamento na CEPAL. Tradução de Vera Ribeiro. Record:
Rio de Janeiro: 2000, p. 24.
138
Kucinski, Bernardo; Brandford, Sue. A Ditadura da Dívida: Causas e Consequências da Dívida
Latino-Americana. Brasiliense: São Paulo, 1987, p. 124.
92
eram suficientes. Mesmo no período ditatorial, permitiu-se a emissão de títulos
públicos com o objetivo de financiar os gastos públicos, mas a instabilidade
inflacionária era um risco que os investidores não queriam correr. E faz sentido, uma
vez que o aumento nos gastos do governo é o caminho oposto para o controle da
inflação.
Esses fatores em conjunto culminaram no que Paulo Bonavides 139
denominou
de
“terceira
crise
do
Estado
constitucional”
(ou
“crise
da
inconstitucionalidade”) ou no que Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa 140
denominou de “crise de governabilidade”. Por tal razão, o pensamento clássico do
liberalismo ressurgiu agora alcunhado de neoliberalismo, porquanto dotado de
características diferenciadas. Buscava-se uma postura intermediária entre o Estado
liberal e o Estado social, ou seja, uma gradativa redução da intervenção do Estado,
desde que possível preservar os direitos sociais outrora conquistados.
3.3. O NEOLIBERALISMO E O ESTADO MÍNIMO
A crise econômica enfrentada pelo Brasil durante a década de 1980
impôs a necessidade de reorientação de suas políticas internas, sob pena de
exclusão como integrante do comércio internacional (reforçamos, pois, o quanto dito
acerca das medidas impostas especialmente pelo Fundo Monetário Internacional no
Capítulo 2). A liberação da economia e a implementação das teorias de livre
comércio eram necessárias para, no entendimento de certas organizações
internacionais, alcançar um desenvolvimento econômico saudável, uma melhoria na
qualidade de vida e uma alocação eficiente dos fatores de produção.
Em verdade, somente a partir de 1990, o Brasil assume um modelo
neoliberal, no plano internacional, como forma de mudança de paradigma em face
139
Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 5.ed. Malheiros Editores: São Paulo, 1994, p.
353.
140
Feitosa, Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer. Paradigmas Inconclusos: Os Contratos entre a
Autonomia Privada, a Regulação Estatal e a Globalização dos Mercados. Editora Coimbra: 2007, p.
159.
93
da década de 1980, marcada pela estagnação econômica. Inclusive, diz-se que a
década de 1980 é considerada uma “década perdida”. Leciona Fernanda Steiner
Perin141 que somente a partir de 1990 que:
o Brasil deixou de contar com leis protecionistas e adotou a abertura
comercial regida pela Organização Mundial do Comércio (OMC). A
empresa
brasileira
passou
a
sofrer
as
conseqüências
da
concorrência mundial dentro do mercado nacional. A então frágil
economia
brasileira
do
início
dos
anos
1990
alimentou
a
concorrência estrangeira dentro de casa. O crescimento do fluxo de
IED no Brasil foi de 83,7% em 2007, o maior já observado, em 2008
o fluxo cresceu 30%. A estratégia passou a ser a internacionalização
com o objetivo de se ter uma visão de longo prazo.
No âmbito interno foi promulgada a Lei n° 8.031/1990142, que dispunha
sobre o Programa Nacional de Desestatização, sob a responsabilidade do então
presidente Fernando Collor de Mello. Ato contínuo, referido Presidente, objetivando
controlar a economia brasileira, adotou 02 (dois) planos de estabilização: (i) o Plano
Collor I (1990) e (ii) o Plano Collor II (1991). Tais planos, ao final, revelaram-se
prejudiciais à atividade econômica, resultado das políticas fiscais e monetárias
adotadas.
Sob o ponto de vista do comércio internacional, a política brasileira pós1990 estava focada em estratégias bilaterais e multilaterais de inserção
internacional. Sob o ponto de vista da política fiscal, medidas foram tomadas no
sentido de diminuir as barreiras não tarifárias e a redução de alíquotas de
importação.
Em
1995,
foram
realizadas
diversas
reformas
constitucionais
(principalmente as de n° 05, 06, 07, 08 e 09), a fim de permitir privatizações em
setores da economia cujo monopólio era do Estado. Infraconstitucionalmente, foram
141
Perin, Fernanda Steiner. Processo de Internacionalização de Empresas Brasileiras: Um Estudo
Sobre o Investimento Direto Externo, 2001-2008. Florianópolis, 2010. 117f. Monografia (Bacharel em
Ciências Econômicas) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010, p. 16.
142
Posteriormente revogada pela Lei n° 9.491/1997, que alterou os procedimentos relativos ao
referido Programa.
94
regulamentados institutos constitucionalmente previstos, tais como a concessão,
permissão e autorização de serviços públicos (artigo 175 da Constituição Federal de
1988), o uso de bem público e as parcerias público-privadas. Assevera José Virgílio
Lopes Enei143 que tais medidas eram necessárias, porque
(...) embora o Estado possa contar em tese com o regime da licitação
de obra pública para, suprindo a falta de interesse da iniciativa
privada, contratar a construção de obras prioritárias para depois
explorá-las diretamente segundo suas políticas públicas, o fato é que
o Estado não dispõe de recursos orçamentários para assumir tais
compromissos no curto prazo. Convém lembrar que, à luz da Lei de
Responsabilidade
Fiscal,
o
Estado
já
não
pode
assumir
endividamentos acima de certos limites para aumentar suas
disponibilidades de curto prazo.
Em 1994, a adoção do Plano Real proporcionou estabilidade dos preços,
ou seja, um controle da inflação. Ao mesmo tempo, intensificou a abertura dos
mercados, com a valorização do câmbio e o aumento da demanda por produtos
nacionais. Diante desse cenário, a partir de 1995, a política governamental do então
presidente Fernando Henrique Cardoso prestigiou ainda mais a privatização de
empresas estatais, especialmente nos setores petrolíferos, de energia elétrica e de
telecomunicações. Partiu-se do pressuposto de que tais privatizações acarretariam
em um aumento dos investimentos estrangeiros em determinados setores
econômicos e melhoria na prestação de serviços aos consumidores.
Os governos seguintes, em especial de Luis Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff, seguiram a mesma linha. Na infraestrutura, por exemplo, permitiu-se a
outorga de concessões portuárias para exploração de terminais privados. Da mesma
forma, as parcerias público-privadas de rodovias e privatização de aeroportos (muito
embora ainda haja participação estatal, mas não mais como acionista controlador).
Viu-se nesse período, como consequência, a entrada de capital estrangeiro; porém,
sob a forma de investimentos, na qual “a participação do capital estrangeiro foi
143
Enei, José Virgílio Lopes. Project Finance – Financiamento com Foco em Empreendimentos
(Parcerias Público-Privadas, Leveraged Buy-Outs e Outras Figuras Afins). Editora Saraiva: São
Paulo, 2007, p. 405.
95
bastante significativo no período 1995-2002, atingindo 53% do total arrecadado com
todas as desestatizações realizadas no Brasil” 144. Contudo, a captação de recursos
via mercado de capitais era incipiente, senão inexistente145.
Argumenta Antônio Corrêa Lacerda146 que:
Na fase anterior à vigência do Plano Real, quer o risco de
hiperinflação, quanto às políticas econômicas adotadas e a incerteza
do ambiente econômico, significavam sempre uma contraposição ao
crescimento sustentado.
(...)
No início da década, as políticas de estabilização adotadas levaram o
País a uma recessão, somente superada anos mais tarde, em 1993 e
1994, já na fase preparatória e início do Plano Real.
(...)
Na fase pós-Real, a inflação caiu, o ambiente econômico adquiriu
maior previsibilidade, mas a equação básica do crescimento não foi
solucionada. Como a capacidade instalada não cresce tanto quanto
deveria, qualquer movimento de crescimento de consumo é abortado
através de medidas de restrição de crédito, elevação dos juros e
aumento dos compulsórios, de forma que o crescimento se torna um
subproduto, e não o objetivo principal da política econômica.
O Estado neoliberal enseja facilitar a competitividade econômica. Tanto é
assim que, pelo menos, até 2003147, o governo brasileiro incentivou a expansão de
empresas brasileiras. Essa expansão viabilizaria sua competitividade no mercado
internacional de bens, serviços e capitais, com apoio logístico do Estado, como
144
Informações
disponíveis
em:
<http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/e
special/Priv_Gov.PDF>. Acesso em 14 de janeiro de 2014.
145
Entre 1995 e 2003, por exemplo, houve apenas 06 (seis) ofertas públicas iniciais de empresas
brasileiras, segundo a Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo. Disponível em:
<http://www.valor.com.br/sites/default/files/bmfbovespa_2_0.pdf>. Acesso em 14 de junho de 2014.
146
Lacerda, Antônio Corrêa. O Impacto da Globalização na Economia Brasileira. 4.ed. São Paulo:
Editora Contexto, 1994, p. 114.
147
Em sentido contrário às políticas de governo do Fernando Henrique Cardoso, os governos de Luis
Inácio Lula da Silva (2003 a 2010) e Dilma Rousseff (2011 até o presente momento) criaram cerca de
10 (dez) empresas estatais, além de aumentar a quantidade de Ministérios sob o comando do chefe
do Poder Executivo. A consequência dessas medidas: (i) aumento nas contas públicas; (ii) menos
espaço para investidores particulares (nacionais ou estrangeiros) e (iii) retrocesso ao modelo de
Estado que já se provou irrealizável.
96
também por meio de financiamento de instituições financeiras nacionais, tais como o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social148.
Percebe-se, pois, as relevantes diferenças entre o liberalismo clássico e o
neoliberalismo, como também entre este e o papel do Estado no auge do Estado
social. Doutrina trazida pela primeira-ministra da Inglaterra e pelo presidente dos
Estados Unidos (consubstanciada no Consenso de Washington), respectivamente,
Margareth Thatcher e Ronald Reagan, o neoliberalismo pregava: (i) programas de
desestatização; (ii) descentralizações de poder; (iii) centralização de programas
sociais focados apenas aos grupos mais carentes da população; (iv) parcerias entre
o Estado e investidores/empreendedores privados; e (v) desregulamentação
(comercial e financeira).
Não é outro o entendimento de Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer
Feitosa149 que leciona que:
Esse Estado híbrido que resultou das reformas e se encontra em
processo de adaptação às novas realidades deve ser aquele que
procura
conviver
com
a
iniciativa
privada,
estimulando-a
e
subsidiando-a, sem, entretanto, descurar-se de impor certas
limitações sobre os poderes econômicos privados, da regulação das
atividades econômicas e sociais e da tutela dos menos favorecidos.
O que se verifica com o neoliberalismo é uma espécie de reforma do
Estado social, em decorrência de uma crise de paradigma que mais não
comportava, no plano jurídico-político, a sobrecarga de atribuições, inclusive
constitucionais, ao próprio Estado. Já não era possível conceber que as
148
As empresas brasileiras com sede e administração no Brasil, de controle nacional e com potencial
de inserção no mercado internacional contam com o incentivo do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social, por meio de apoio a investimentos ou projetos a serem
realizados no exterior, desde que contribuam para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Para tanto, os empreendimentos apoiados serão aqueles em que os investimentos das empresas
brasileiras estejam relacionados à construção de novas unidades, aquisição, ampliação ou
modernização de unidades instaladas e participação societária, bem como necessidades de capital
de giro, desde que associadas a esses investimentos.
149
Feitosa, Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer. Paradigmas Inconclusos: Os Contratos entre a
Autonomia Privada, a Regulação Estatal e a Globalização dos Mercados. Editora Coimbra: 2007, p.
111.
97
necessidades individuais fossem sacrificadas em detrimento do Estado. Ou seja, os
indivíduos não podiam subsistir para financiar o aparelhamento estatal que não era –
e continua não sendo – capaz de prover retornos eficientes.
O Estado neoliberal permitiu uma nova perspectiva acerca do papel do
Estado diante da sociedade e do mercado. O próprio prefixo “neo” já denota que não
há que se falar em um retorno do liberalismo clássico. Aqui, há que se falar em
transformações estruturais, leia-se, uma reforma nas estruturas de gestão do
Estado. Isso porque, Margareth Thatcher defendia a liberdade para inovar ao invés
de um planejamento econômico central e burocrático. Por tal razão, seria mais
adequado tratar o Estado como uma espécie de regulador do mercado, com vistas a
prevenir falhas e deficiências, sob pena de não se compreender as propostas e
inovações trazidas pelo thatcherismo.
Vale lembrar que a premissa do Estado liberal baseava-se na “mão
invisível” do mercado, e a única intervenção possível eram dos próprios agentes do
mercado. Ao Estado, cabiam algumas funções residuais, como, por exemplo, dar
andamento a projetos ou obras públicas que não eram de interesse dos particulares,
preservar a columidade do próprio mercado, a defesa interna. Por outro lado, o
Estado social se viu cada vez mais enfraquecido pelo fracasso do modelo da exUnião Soviética, assumindo o total controle das atividades econômicas e, assim,
tornando-se responsável pela distribuição da riqueza produzida internamente entre
os cidadãos.
O Estado neoliberal busca equilibrar os interesses do mercado com os
interesses sociais. Substitui-se a economia de mercado a uma economia social de
mercado. E tais objetivos acabaram por ser incorporados nas constituições
contemporâneas, inclusive na Constituição Federal de 1988150. O Estado mínimo
150
Tal entendimento é corroborado a partir das lições de Daniel Sarmento que leciona que: “Com
efeito, nossa Constituição, que consagra um modelo de Estado do Bem-Estar Social, fortemente
intervencionista, foi pega no contrapé pela onda neoliberal que varreu o mundo na fase final do séc.
XX. Assim, a partir de 1995, o governo federal, (...) iniciou um ciclo de reformas na ordem envolvendo
a extirpação de certas restrições existentes ao capital estrangeiro (EC n. 6 e 7) e a flexibilização de
monopólios estatais sobre o gás canalizado, as telecomunicações e o petróleo (EC n. 5, 8 e 9)”
(Sarmento, Daniel. Os Direitos Fundamentais nos Paradigmas Liberal, Social e Pós-Social – (Pós-
98
que defende o neoliberalismo, ao nosso entendimento, tem importante correlação ao
New Deal norte-americano nos seguintes termos:
instituíram as técnicas do neoliberalismo de regulamentação, e as
reformas constitucionais e políticas pós-Consenso de Washington, as
do neoliberalismo de regulação. O primeiro neoliberalismo exigiu um
Estado Social, cuja atuação no domínio econômico se dava
diretamente (via empresa pública, sociedade de economia mista e
fundações) e indiretamente (mediante rígidas normatizações), tudo
em nome do desenvolvimento ou do crescimento. O segundo se
realiza no Estado Democrático de Direito, e as intervenções diretas
passam a ser minimizadas e priorizam-se a intervenção indireta
(normas) e a intermediária (eis que aparecem no cenário jurídico as
Agências Reguladoras)151.
E a partir desse momento, ou seja, com a reforma da máquina
administrativa estatal surge o conceito de Estado mínimo, cujo funcionamento passa,
necessariamente, por medidas de delegação legislativa para as denominadas
agências reguladoras independentes152.
Entretanto, a esse respeito, surge uma questão acerca da legitimidade
democrática, que afronta (ou não) a teoria da tripartição de poderes, em função de
um deslocamento da atividade típica desenvolvida pelo Poder Legislativo a
autarquias ligadas a algum ministério da Administração Pública federal, assunto
esse que voltaremos a tratar no Capítulo 4. Não se olvida, no entanto, sua
característica paraestatal eivada de certo tecnicismo.
Modernidade Constitucional?. In: Sampaio, José Adércio Leite (coord.). Crises e Desafios da
Constituição. Del Rey: Belo Horizonte: 2004, p. 401).
151
Clark, Giovani; Nascimento, Samuel Pontes do; Corrêa, Leonardo Alves. Estado Regulador: Uma
(Re)Definição do Modelo Brasileiro de Políticas Públicas Econômicas. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/giovani_clark-1.pdf>. Acesso em 15 de
junho de 2014.
152
Até o fechamento desta dissertação, o Estado brasileiro possui as seguintes agências regulatórias
criadas ao longo do tempo e com o objetivo de regular setores da economia: (i) Agência Nacional de
Águas; (ii) Agência Nacional de Aviação Civil; (iii) Agência Nacional de Telecomunicações; (iv)
Agência Nacional do Cinema; (v) Agência Nacional de Energia Elétrica; (vi) Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis; (vii) Agência Nacional de Saúde Suplementar; (viii) Agência
Nacional de Transportes Aquários; (ix) Agência Nacional de Transportes Terrestres; (x) Agência
Nacional de Vigilância Sanitária; (xi) Agência Nacional de Mineração; (xii) Agência Espacial Brasileira;
(xii) Comissão Nacional de Energia Nuclear; (xiii) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis; e (xiv) Comissão de Valores Mobiliários.
99
3.4 ESTADO DEMOCRÁTICO E SOCIAL DE DIREITO
O Estado de Direito é uma concepção advinda de uma construção
constitucional153, fruto do Estado moderno. Antonio Carlos de Almeida Diniz154,
olhando em restrospectiva o cenário europeu leciona que:
(...) o século XIX é considerado o século da hegemonia da lei e do
“Estado de Direito” (Rechtstaat, em alemão). A fórmula “Estado de
Direito” é usualmente empregada para designar um “Estado sob o
império do Direito”, no que diferencia de outras formas de Estado,
como o Machtstaat, “Estado sob regime de força”, o Estado
absolutista típico do século XVIII, e do Polizeistaat, “Estado sob o
regime de polícia”, designativo do Estado do Despotismo esclarecido
característico do século XVIII.
O Estado de Direito, em seus primórdios, remonta à ideia de Estado
liberal, porquanto apenas declarava e garantia os direitos individuais. Ademais, o
Estado de Direito traz consigo a premissa de que as decisões do Estado serão
supervisionadas de acordo com o espírito das leis. A essência do Direito natural
passa a ser juridicamente positivada. Quer-se dizer com isso que impensável a
existência de outro direito a não ser aquele posto, previsto nos textos
constitucionais, ainda que possua raízes jusnaturalistas.
Muito embora não seja o foco da presente dissertação, a esse desiderato,
importa mencionar a “teoria pura do direito”, elaborada por Hans Kelsen, que foi a
base do positivismo jurídico do século XIX, mas que parece estar perdendo força em
função do surgimento do Estado Democrático de Direito.
153
A esse respeito, Vladmir Oliveira da Silveira leciona que “o constitucionalismo foi um movimento
político que, inspirado no racionalismo da doutrina liberal pós-renascimento, tinha como objetivos
principais a organização do Estado e a limitação do poder estatal, por intermédio da fixação de
direitos e garantias fundamentais e, de certa forma, deu contornos teóricos e práticos para a
formação do Estado Liberal” (Silveira, Vladmir Oliveira da. O Poder Reformador na Constituição
Brasileira de 1988 e os Limites Jurídicos às Reformas Constitucionais. RCS: São Paulo, 2009, p. 9).
154
Diniz, Antonio Carlos de Almeida. Teoria da Legitimidade do Direito e do Estado: Uma Abordagem
Moderna e Pós-Moderna. Landy Editora: São Paulo: 2006, p. 95.
100
Desde logo, Hans Kelsen155 afirma que “a Teoria Pura do Direito é uma
teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem
específica”, querendo dizer com isso que a sua teoria não busca fornecer uma
exegese de normas jurídicas particulares. Ainda, continua o autor que a teoria é pura
na medida em que “exclui deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu
objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direto”.
Diferencia, pois, o “ser” do “dever-ser”.
Em suma, teoriza Hans Kelsen que a ordem jurídica tem validade em uma
norma superior, que também está vinculada a outra norma superior, até que esta
norma superior encontre sua limitação em uma norma pressuposta, ou seja, a
Constituição (Grundnorm). O fundamento de validade das normas, para ele,
consistiria na adequação destas com os procedimentos formais de sua criação ou,
até mesmo, que não seja conflitante com a norma hierárquia superior que a criou.
Observadas essas premissas a norma jurídica produz efeitos no ordenamento
jurídico (é, pois, dotada de eficácia). É de se verificar o enquadramento das normas
jurídicas sob um aspecto estritamente formal, isto é, desprovido de conteúdo
valorativo. Neste mister,
Admitindo-se,
com
Kelsen,
que
apenas
são
legítimas
as
modificações da Constituição vigente, ou sua substituição por uma
nova Carta Magna, operadas consoante regras e procedimentos nela
previstos, quaisquer alterações constitucionais sobrevindas por força
de revolução, a reboque de procedimentos imprevistos na ordem
normativa existente, são tidas por ilegítimas156.
Ilegítimo também seria o modelo de Estado Democrático de Direito
brasileiro, por exemplo, com um viés social (muito embora não explícito 157), fruto de
155
Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Batista Machado. Martins Fontes: São
Paulo: 1999, p. 1.
156
Diniz, Antonio Carlos de Almeida. Teoria da Legitimidade do Direito e do Estado: Uma Abordagem
Moderna e Pós-Moderna. Landy Editora: São Paulo: 2006, p. 139.
157
Apenas para diferenciar, no entanto, da Constituição espanhola, por exemplo, que é explícita, em
seu artigo 1°, item 1 que dispõe que “España se constituye en un Estado social y democrático de
Derecho, que propugna como valores superiores de su ordenamiento jurídico la libertad, la justicia, la
igualdad y el pluralismo político” (Tradução livre da autora: “A Espanha se constitui em um Estado
social e democrático de Direito, que propugna como valores superiores de sua ordenamento jurídico a
liberdade, a justiça, a igualdade e o pluralismo político”).
101
um resgate das bases democráticas usurpadas do povo brasileiro pela dituratura
militar instalada. Ainda, não se pode dissociar a ideia de democracia sem a
realização de valores, tais como a liberdade, a igualdade, a justiça social, a
dignidade da pessoa humana, dentre outros; valores esses não admitidos pela teoria
pura do Direito. Porém, tanto o preâmbulo quanto o artigo 1° da Constituição Federal
de 1988 não nos permite chegar à outra conclusão.
Sobre o Estado Democrático e Social de Direito é de se observar que não
há que se falar em volta do Welfare State, como bem alerta Paulo Bonavides158. A
Alemanha nazista, a Itália fascista ou até o mesmo o Brasil até a Revolução de 1930
foram considerados “Estados sociais” e conclui que “o Estado social compadece
com regimes políticos antagônicos, como sejam a democracia, o fascismo e o
nacional-socialismo”. Entretanto, o Estado social, a partir do momento em que se
adiciona a qualificação como “democrático”, por meio do qual “todo o poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição” (artigo 1°, parágrafo único da Constituição Federal de
1988), diferencia-se dos Estados acima comentados.
Em verdade, o Estado de Direito, ou seja, aquele sob o domínio da lei, e
em especial o Estado Democrático de Direito, após a Declaração Universal dos
Direitos do Homem e do Cidadão, passou por diversas transformações
dinamogênicas, nas lições de Vladmir Oliveira da Silveira e Maria Mendez
Rocasolano159, “em virtude de novas necessidades e reclamos sociais, até chegar a
seu estágio atual de Estado Democrático e Social de Direito”.
Nesta esteira dinamogênica dos direitos fundamentais, portanto, o Estado
Democrático e Social de Direito acaba por contemplar também os direitos chamados
de terceira dimensão, compreendendo, principalmente os direitos coletivos e difusos,
consubstanciados ao respeito do meio ambiente, a busca do direito à paz, a
realização do direito ao desenvolvimento, dentre outros. Diante desta perspectiva,
158
Bonavides, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 6.ed. Editora Forense: Rio de Janeiro,
1980, pp. 205-206.
159
Silveira, Vladmir Oliveira da; Rocasolano, Maria Mendez. Direitos Humanos: Conceitos,
Significados e Funções. Editora Saraiva: São Paulo, 2010, p. 78.
102
pugna-se por uma maior participação e interação popular, reafirmando a
possibilidade do exercício da cidadania de forma plena160.
Devido à globalização e consequente interdependência dos Estados, os
problemas internos de outrora devem ser analisados sob o enfoque da fraternidade
(ou solidariedade). Isso porque – em termos econômicos, monetários, financeiros e
ambientais – as medidas adotadas por determinado Estado tem efeitos globais e os
Estados devem ter para si certo tipo de consciência social, com vistas a um
desenvolvimento sustentável. É por isso que Jónatas E. M. Machado161 entende que
“a regulação das relações económicas internacionais, nos seus aspectos financeiros
e comerciais, levanta algumas questões cruciais no plano da chamada governança
global. É esse o sentido do direito internacional da regulação”.
Todavia, a governança deve ser analisada não somente no âmbito
internacional, mas também internamente. Informamos anteriormente que a
governança reflete a forma como o governo exerce o poder dentro de sua jurisdição.
E, para tanto, imprescindível sua atuação com vistas ao pleno funcionamento da
iniciativa privada e do mercado financeiro, regulando-os apenas em hipóteses de
distorções, e não com medidas paliativas.
No pós-crise subprime de 2008, cujos efeitos são sentidos até hoje, ao
passo que o resto do mundo buscou elaborar um corpus juris mínimo na tentativa de
prevenir novos desastres econômicos e sociais, o Brasil, nesta esteira, deixou a
desejar. Tratou os efeitos da crise subprime de 2008 por meio de diversas
intervenções do Banco Central do Brasil162 na economia para cortar taxas de juros
160
E sob essa justificativa, a atual presidente Dilma Rousseff promulgou o Decreto n° 8.243/2014
instituindo a Política Nacional de Participação Social, “com o objetivo de fortalecer e articular os
mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração
pública federal e a sociedade civil” (artigo 1°). Não cumpre, todavia, em virtude do escopo do
presente dissertação, tecer comentários mais aprofundados a respeito do tema. Mas vale mencionar
que referido Decreto está sendo altamente contestado no âmbito do Congresso Nacional e alguns
partidos políticos já peticionaram para que seja votado, em regime de urgência, um decreto legislativo
com o fito de anular seus efeitos, por entenderem ser contrários à ideia de democracia e participação
popular.
161
Machado, Jónatas E. M. Direito Internacional do Paradigma Clássico ao Pós-11 de Setembro.
3.ed. Coimbra Editora: Coimbra, 2006, p. 445.
162
A independência do Banco Central do Brasil é um tema de longa data e as consequências entre
uma e outra posição são distintas. Os que defendem a dependência do Banco Central do Brasil ao
Poder Executivo argumentam que o Brasil é um país preocupado com as questões sociais que
103
básicos. A taxa SELIC (equivalente à taxa do Sistema Especial de Liquidação e
Custódia) chegou ao patamar de 7,5% (sete e meio por cento), patamar jamais visto,
tudo para aquecer o consumo que, diga-se de passagem, já estava retraído por
conta das facilidades de acesso ao crédito. Adicionalmente, adotou medidas de
isenções fiscais (como, por exemplo, o Imposto sobre Operações Financeiras e o
Imposto sobre Produtos Industrializados) e interferências na política cambiária,
prejudicando os exportadores.
Sem a intenção de adentrar em aspectos puramente econômicos, tais
medidas são tão devastadoras em se tratando dos efeitos de uma crise econômica:
(i) afugenta investidores para projetos de infraestrutura, tão necessários para o
desenvolvimento do país (veja, como exemplo, a ausência de interessados em
participar do processo licitatório para tornar realidade o trem-bala e, por isso, o
governo federal teve que adiar e alterar, por diversas vezes, o edital); (ii) cria
problemas na comercialização de títulos públicos federais (considerando que o
pagamento dos juros é pautado na referida taxa SELIC e eventual queda nesta taxa
retira sua atratividade aos olhos dos investidores, principalmente estrangeiros); (iii)
mina a reputação duramente conquistada em termos macroeconômicos e (iv)
questiona a credibilidade das instituições públicas.
A esse respeito, a governança deve ser traduzida como o modo pela qual
se
estabelecem
medidas
duradouras
e
consistentes,
com
instituições
comprometidas com o efetivo desenvolvimento econômico, social e ambiental, sob
pena de o Brasil ficar refém da volatilidade dos mercados internacionais mais
desenvolvidos.
assolam o país, fruto do período de industrialização. Nesse sentido, a inflação é o grande vilão dessa
estória. Sendo considerada como a perda do poder de compra da moeda, seus efeitos acabam por
prejudicar as classes mais pobres de uma sociedade. E como compatibizar esse fator em um país
que busca aumentar seus indicadores sociais? Por outro lado, os que defendem a independência
preconizam que seria o auge da consolidação da democracia, porquanto retiram o “caráter político”
da moeda e trás para essa seara o princípio constitucional de “freios e contrapesos”, ou seja, o Banco
Central do Brasil seria uma forma de freiar políticas irresponsáveis do Ministro da Fazenda (por
exemplo, o aumento de gastos públicos por meio de uma política de juros instável). Acerca dessa
discussão, vide: Oliveira, Marcos Cavalcante de. Moeda, Juros e Instituições Financeiras: Regime
Jurídico. 2.ed. Editora Forense: Rio de Janeiro, 2009, pp. 86-87.
104
3.4.1 A Ideia de um Estado Necessário
E é por tal razão que a presente dissertação tem como intuito reiterar a
importância do Estado necessário. Necessário, inclusive, quanto à observância dos
princípios
de
governança
outrora
elencados,
a
saber:
responsabilidade,
transparência, prestação de contas e equidade, imprescindíveis para uma atuação
governamental consciente.
A responsabilidade deve ser analisada no sentido de se buscar um
planejamento de longo prazo, com metas factíveis e exequíveis. A transparência é
traduzida a partir da revelação das efetivas intenções por detrás das medidas
adotadas, inclusive as de curto prazo, com vistas ao cumprimento do princípio da
moralidade, corolário da Administração Pública. A prestação de contas objetiva
reafirmar o comprometimento da Administração Pública com a sociedade, evitandose, assim, a abertura de brechas para a corrupção. E, por fim, a equidade também é
relevante porquanto as medidas adotadas pela Administração Pública não privilegie
um segmento da sociedade em detrimento de outro.
O dinamismo da globalização e a necessidade cada vez maior de
cooperação prescrevem novas maneiras de se pensar o papel do Estado no século
XXI. Já se provou verdade que o Estado liberal não foi a melhor saída para resolver
problemas socioeconômicos. O mercado, por si só, não foi capaz de mediar seus
próprios interesses, promovendo o crescimento e o desenvolvimento econômicos.
Pelo contrário, agravou ainda mais as desigualdades entre os cidadãos. O que, por
sua vez, o Estado social buscou remediar.
O excesso de zelo, por assim dizer, aliado ao fato de o Estado ter se
sobrecarregado de responsabilidade na condução de certas atividades – não
somente econômicas, mas também de cunho social e assistencialista – acabou por
tornar o aparato governamental demasiado burocrático e ineficiente. A ausência de
democracia e liberdades pessoais também culminou para sua falência.
105
Buscou-se, assim, novas alternativas viáveis para a consecução da
proteção ao cidadão em seus direitos e garantias, conforme propostas pela teoria do
contrato social em contraposição ao estado de natureza, consubstanciado
simplesmente na ideia de autoregulação ou na regulação extrema. O Estado
neoliberal propiciou a subsistência de um mercado livre aliado a permissivos
intervencionistas estatais. Afinal de contas, a lei da oferta e da procura é de difícil
revogação.
Por sua vez, o Estado necessário está ligado à ideia de economia social
de mercado (Soziale Marktwirtschaft), que tomou forma na Alemanha Ocidental em
meados de 1990 (embora concebida bem antes, em 1947). Tal terminologia foi
atribuída
por
Alfred
Müller-Armack
em
sua
obra
Wirtschaftslenkung
und
Marktwirtschaft, defendendo o princípio da liberdade no mercado, respeitado,
entretanto, o princípio da justiça social. Sintetiza Marcelo F. Resico163 que:
El sistema de la Economía Social de Mercado surge del intento
consciente de sintetizar todas las ventajas del sistema económico
de mercado: fomento de la iniciativa individual, productividad,
eficiencia,
tendencia
a
la
auto-regulación,
com
los
aportes
fundamentales de la tradición social cristiana de solidariedade y
cooperación, que se basean necesariamente en la equidad y justicia
en una sociedad dada. En este sentido propone un marco teórico y
de política económico-institucional que busca combinar la liberdad de
acción individual dentro de un orden de responsabilidad personal y
social.
Correlacionada com a abordagem do Estado Democrático e Social de
Direito, a economia social de mercado seria a opção para uma melhor alocação de
163
Tradução livre da autora: “O sistema de economia social de mercado surge da tentativa consciente
de sintetizar todas as vantagens do sistema da economia de mercado: a promoção da iniciativa
individual, a produtividade, a eficiência, a tendência para a autoregulação, com as contribuições
fundamentais da tradição social cristã de solidariedade e cooperação, que se baseiam
necessariamente na equidade e justiça em uma dada sociedade. Neste sentido propõe um marco
teórico e uma política econômica-institucional que procura combinar a liberdade de ação individual
inserido numa ordem de responsabilidade pessoal e social” (Resico, Marcelo F. Introducción a la
Economía Social de Mercado. Fundación Konrad Adenauer: Edición Latinoamericana, p. 108.
Disponível em: <http://www.kas.de/wf/doc/kas_29112-1522-4-30.pdf?111103181408>. Acesso em 16
de junho de 2014).
106
recursos, na medida em que é caracterizada por uma minuciosa divisão de trabalho
e, em determinados setores e sob certas circunstâncias, permite a intervenção do
Estado para promoção da equidade social. Referida divisão de trabalho pode ser
traduzida como tanto sob a chancela de direitos sociais quanto sob a forma de
regulação, por meio de agências regulatórias independentes.
Urge-se, portanto, que o Estado tenha uma função subsidiária, no sentido
de maior descentralização de suas atividades. Isso porque entende Maria Sylvia
Zanella Di Pietro164 que referida função
está embasado em três princípios fundamentais: 1. Primazia da
iniciativa privada sobre a iniciativa estatal; 2. Atuação do Estado
voltada para fomentar, coordenar e fiscalizar a iniciativa privada, de
forma a permitir aos particulares sucessos na condução de seus
empreendimentos; 3. Incremento da parceria entre público e privado.
Desvincula-se, pois, o Estado necessário da ideia de apenas preservar
direitos sociais, para alargar seu campo de ampliação, de modo que sejam
cumpridas as suas funções de auxílio, coordenação, fiscalização e fomento. E
esclarece Priscila Simões Garcia Oliveira que “a subsidiariedade não desobriga o
Estado de intervir sempre que necessário, a fim de suprir as deficiências sociais,
devendo apenas não opor obstáculos à atuação privada espontânea”165.
Seria então uma resposta ao novo ambiente político, social e econômico,
na qual se prestigia uma ordem administrativa descentralizada adequada aos
imperativos do Estado Democrático e Social de Direito, que acompanha e monitora o
livre mercado por meios das agências regulatórias independentes.
164
Pietro, Maria Sylvia Zanella Di. Parcerias na Administração Pública. 4.ed. Editora Atlas: São Paulo,
2002, p. 25.
165
Garcia, Patrícia Simões Oliveira. O Direito Econômico Brasileiro Tridimensional. Araçatuba, 2010.
153f. Dissertação (Mestrado em Direito – Área de Concentração: Prestação Jurisdicional no Estado
Democrático de Direito) – Centro Universitário Toledo, Araçatuba, 2010, p. 40.
107
3.4.2 A Terceira Via
O debate acerca da Terceira Via surge no início da década de 1990, na
Inglaterra. Porém, suas ideias são difundidas apenas em 1992 com a eleição de Bill
Clinton para a presidência dos Estados Unidos. E, finalmente, são consolidadas no
rescaldo da crise asiática em 1997. Tem como marco teórico a renovação dos
valores da social democracia. Anthony Giddens, o criador intelectual desse
pensamento político, via na Terceira Via uma possibilidade de ruptura de Tony Blair
(ex-primeiro-ministro e executor desse pensamento na Inglaterra) com o velho
Trabalhismo e a insurgência de novos democratas nos Estados Unidos.
Se durante a Guerra Fria, a política era dividida entre o liberalismo
americano e o comunismo soviético, nos dias atuais, uni-se a esse cenário as
ideologias democratas e trabalhistas:
Os
partidos
social-democratas
surgiram
originalmente
como
movimentos sociais no final do século XIX e princípio do século XX.
Hoje, além de sofrerem suas crises ideológicas, eles se veem
flanqueados por novos movimentos sociais e, como outros partidos,
surpreendidos numa situação em que a política ficou desvalorizada e
o governo aparentemente esvaziado de poder. O neoliberalismo
empreendeu uma crítica constante do papel do governo na vida
social e econômica, crítica que parece encontrar ressonância em
tendências do mundo real166.
A Terceira Via é um pensamento ainda em fase de maturação, com
contornos nem tão bem definidos, mas sua essência é realista no sentido de
fornecer um olhar sobre as situações fáticas do século XXI, ou seja, a globalização e
as consequentes transformações na vida do indivíduo. Por tal razão é que a Terceira
Via não está limitada à apenas uma única versão.
O pano de fundo da Terceira Via, diz Anthony Giddens, “não é mais ou
menos governo, mas o reconhecimento de que a governação deve se ajustar às
166
Giddens, Anthony. A Terceira Via: Reflexões sobre o Impasse Político Atual e o Futuro da Social
Democracia. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Record: Rio de Janeiro, 1999, p. 56.
108
novas circunstâncias da era global; e de que a autoridade, inclusive a legitimidade
do Estado, tem que ser ativamente renovada”167. Em outras palavras, o Estado não
deve nem dominar o mercado, nem os indivíduos, “embora precise regular e intervir
em ambos”. A recíproca entre os indivíduos (sociedade civil a que Anthony Giddens
se refere) e o Estado segue o mesmo raciocínio. Isso porque:
Por mais importantes que sejam os grupos cívicos, os grupos de
interesse especial, as organizações voluntárias e outros, eles não
constituem um substituto do governo democrático. Grupos de
interesse e organizações não governamentais podem desempenhar
um papel significativo ao levar questões à agenda política e
assegurar sua discussão política. Uma sociedade, no entanto, não
pode ser regida por uma reunião de tais grupos, não apenas por eles
não serem eleitos, mas porque os governos e a lei precisam julgar as
reivindicações rivais que eles fazem168.
O advento de ferramentas tecnológicas, por exemplo, a internet, permite a
inclusão de pessoas no processo de modernização. Também permite a associação
de pessoas com os mais diversos fins. Nesta esteira, a Lei n° 12.965/2014,
conhecida como Marco Civil da Internet, propicia um ambiente inclusivo, mas sob
“vigilância” do Estado em caso de abuso no exercício dos direitos fundamentais, ou
seja, do direito à privacidade em detrimento à liberdade de expressão e vice-versa.
Outro exemplo ocorrido recentemente foi à intervenção do Estado, por meio do
Poder Judiciário, com vistas a declarar abusiva a greve dos metroviários, visto que
prejudiciais à consecução de forma razoável dos serviços públicos. Denota-se,
portanto, que o Estado brasileiro tem um papel que vai além de mero controlador ou
interventor na economia. Porém, nos exemplos citados, entendemos que a sua
atuação está em conformidade com o seu papel de garantidor dos direitos
fundamentais.
Adicionalmente, dentre as linhas de pensamento da social democracia,
talvez a Terceira Via é a única vertente que traz uma preocupação legítima no que
167
Giddens, Anthony. A Terceira Via: Reflexões sobre o Impasse Político Atual e o Futuro da Social
Democracia. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Record: Rio de Janeiro, 1999, p. 82.
168
Giddens, Anthony. O Debate Global sobre a Terceira Via. Tradução de Roger Maioli dos Santos.
Editora Unesp: São Paulo, 2007, p. 25.
109
diz respeito ao meio ambiente. Por isso, a Terceira Via valoriza o senso de
comunidade e fraternidade. A esse respeito, o Partido Trabalhista britânico, por
exemplo, em 1995, reviu os termos de seu documento constitutivo, no que diz
respeito aos seus objetivos e valores, o que denota uma expressiva alteração de
valores:
The Labour Party is a democratic socialist party.It believes that by the
strength of our common endeavour we achieve more than we achieve
alone, so as to create for each of us the means to realise our true
potential and for all of us a community in which power, wealth and
opportunity are in the hands of the many, not the few, where the rights
we enjoy reflect the duties we owe, and where we live together, freely, in
a spirit of solidarity, tolerance and respect169.
A Terceira Via não tem repulsa ao capitalismo; mas entende que ele deve
ser responsável, enfatizando os custos sociais e ambientais que as empresas
podem imputar à sociedade. Por exemplo, nada impede o lucro na Terceira Via.
Inclusive, o lucro é almejado, desde que haja uma espécie de retorno. Em termos
sociais, por meios de programas de benefício à comunidade local. Em termos
ambientais, buscar um processo de produção menos poluidor possível.
Sob o ponto de vista de politicas públicas se afasta exclusivamente da
questão da “luta de classes” e das relações entre o Estado e a economia para
concentrar o papel do Estado como agente de fomento (ou criador) de riqueza, não
como um mero distribuídor dela. Repudia, pois, um Estado sobrecarregado e
burocrático, incapaz de prover bons serviços públicos170.
169
Tradução livre da autora: “O Partido Trabalhista é um partido socialista democrático. Acreditamos
que pela força do nosso esforço comum podemos alcançar mais do que sozinhos, de modo a criar
para cada um de nós os meios para realizar nosso verdadeiro potencial e para todos nós uma
comunidade em que o poder, a riqueza e as oportunidades estão nas mãos de muitos, não de
poucos, na qual os direitos que disfrutamos refletem os deveres que devemos, e que possamos viver,
livremente, em um espírito de solidariedade, tolerância e respeito”.
170
Asserta Anthony Giddens que “na prática, reformar o Estado está longe de ser fácil, mas a meta
deve ser tornar o governo e a agências estatais transparentes, voltadas ao consumidor e ágeis”
(Giddens, Anthony. O Debate Global sobre a Terceira Via. Tradução de Roger Maioli dos Santos.
Editora Unesp: São Paulo, 2007, p. 23).
110
É notório, portanto, que a Terceira via procura conciliar as principais
características do capitalismo, ou seja, a liberdade dos mercados e a democracia
liberal, com as do socialismo (neste caso, a solidariedade). Na defesa da Terceira
Via, Joseph Stiglitz deixa claro que: “while neo-liberals worry about excessive
government, weak government impedes growth because weak states cannot provide
law and order, cannot enforce contracts, and cannot ensure a safe, sound banking
system. (…). The question should not have been about how to deregulate quickly,
but about how to develop the right regulatory framework”171.
Diante do que foi aqui exposto, o Estado necessário pode ser considerado
uma versão da Terceira Via, primando por uma economia social de mercado mais
responsável. A desregulamentação é perigosa. A regulação em excesso engessa.
Há que haver um equilíbrio de modo que haja uma redução de controle
governamental centralizado no mercado. Como reiteradamente refrisamos, o Estado
necessário deve se fazer presente para alcançar o desenvolvimento sustentável por
meio de políticas sociais e inclusivas. O Estado necessário deve se preocupar em
construir instituições políticas e democráticas sólidas e confiáveis. O Estado
necessário deve, por fim, ser o primeiro a respeitar as melhores práticas de
governança.
171
Tradução livre da autora: “enquanto os neoliberais se preocupam com um governo excessivo, os
governos fracos impedem o crescimento porque estados fracos não conseguem propiciar a lei e a
ordem, não conseguem cumprir os contratos, e não conseguem garantir um sistema bancário seguro.
(...). A questão não deveria ter sido sobre como desregular rapidamente, mas sobre como
desenvolver um ambiente regulatório correto” (Stiglitz, Joseph. To a Third Way Consensus.
Disponível em: <http://www.project-syndicate.org/print/to-a-third-way-consensus>. Acesso em 16 de
junho de 2014).
111
4 O MERCADO FINANCEIRO E AS CONSEQUÊNCIAS DO CAPITAL
ESPECULATIVO
Como ponto de partida para a construção dos argumentos da presente
dissertação, imprescindível entender não só os acontecimentos que precederam a
crise subprime de 2008, bem como se comportou os mercados a partir do momento
em que se deram conta da complexidade das operações financeiras estruturadas
criadas no mercado imobiliário norte-americano.
É notório que os efeitos da crise subprime de 2008 não tiverem a mesma
proporção ou extensão no Brasil como nos Estados Unidos ou na União Europeia ou
no Leste Asiático (notadamente a China, devido suas relações comerciais com os
Estados Unidos). O governo brasileiro agiu na medida de suas possibilidades,
intervindo na economia e adotando certas medidas paliativas que ajudaram no curto
prazo, mas insuficientes no longo prazo. Isso porque “são respostas providenciais de
expansão monetária e fiscal contra o risco de depressão, mas que geram dúvidas
quanto ao futuro, suscitando questões controvérsias sobre a possibilidade de um
longo período de estagnação, sob ameaça de pressões inflacionárias mais
adiante”172.
Para corroborar esse entendimento, basta notar que como resultado
dessas medidas paliativas, vivenciamos atualmente um cenário de baixo
crescimento econômico e de altas inflacionárias. De acordo com o último boletim
Focus, relatório elaborado e divulgado semanalmente pelo Banco Central do Brasil
contendo uma série de projeções em relação à economia brasileira, estima-se um
crescimento de apenas 0,97% (zero vírgula noventa e sete por cento) do produto
interno bruto em 2014. No que diz respeito à inflação, o Comitê de Política Monetária
do Banco Central do Brasil já sinalizou um Índice de Preços ao Consumidor Amplo
acima do teto da meta estabelecido pelo governo.
172
Barros, Octavio de; Giambiagi, Fábio. Brasil Pós-Crise: Seremos Capazes de Dar um Salto?. In:
Barros, Octavio de; Giambiagi, Fábio (orgs.). Brasil Pós-Crise: Agenda para a Próxima Década.
2.reimp. Elsevier: Rio de Janeiro, 2009, pp. 5-6.
112
O sistema financeiro é alimentado pela confiança e disponibilidade de
crédito, o que, nos parece, permanecerá congelado por certo período de tempo para
que o sistema como um todo consiga recuperar o fôlego. Por isso, a par dessas
medidas no curto prazo, a atuação do governo deveria ter focado em investimentos,
por exemplo, em infraestrutura e, consequentemente, aquecendo a economia
interna. Mas, contrariamente, o Banco Central do Brasil continuamente busca formas
artificiais de aquecimento da economia e, desta vez, por meio de mudanças nas
regras de recolhimento do depósito compulsório. Sobre sua importância trataremos
mais adiante neste Capítulo.
É verdade que a crise subprime de 2008 não foi – e nem poderia ser –
considerada uma crise do sistema bancário propriamente dito; mas do sistema
financeiro global173, expondo sobremaneira sua fragilidade, questionando-se,
naquele momento, quanto à possibilidade de um risco sistêmico no mercado
internacional e, também, se o expoente desenvolvimento do setor financeiro tornaria
o mundo mais suscetível às especulações por parte de bancos de investimentos e
investidores inclinados à assunção de altos riscos.
José Virgílio Lopes Enei174 prescreve a importância do capital:
(...) como as decisões empresariais, cada vez mais livres do poder
intervencionista dos Estados e das barreiras legais ou tecnológicas
ao fluxo monetário internacional, obedecem preponderantemente à
lógica do capitalismo, da competitividade e da perseguição do lucro,
e como as empresas transnacionais175 necessitam de volumes cada
173
Muito embora Octavio de Barros e Fábio Giambiagi entendam que a crise “não tem nada a ver
apenas com sérios problemas de regulação bancária, de má gestão de bolhas de ativos ou mesmo
de inadequação de política monetária nos Estados Unidos. A crise bancária global, a despeito de
seus elementos específicos e fortes o suficiente para serem sistematicamente impactantes, deveria
ser caracterizada essencialmente como a forma extrema adquirida pelos desequilíbrios que se
acumularam em décadas de reciclagem do excesso de poupança majoritariamente asiática nos
Estados Unidos e em outros países, gerando problemas crônicos no balanço de pagamentos global”
(Barros, Octavio de; Giambiagi, Fábio. Brasil Pós-Crise: Seremos Capazes de Dar um Salto?. In:
Barros, Octavio de; Giambiagi, Fábio (orgs.). Brasil Pós-Crise: Agenda para a Próxima Década.
2.reimp. Elsevier: Rio de Janeiro, 2009, p. 5)
174
Enei, José Virgílio Lopes. Project Finance – Financiamento com Foco em Empreendimentos
(Parcerias Público-Privadas, Leveraged Buy-Outs e Outras Figuras Afins). Editora Saraiva: São
Paulo, 2007, p. 121.
175
Assim entendida como a empresa que não possui nacionalidade e não conhece fronteiras,
diferentemente da empresa multinacional. A empresa transnacional é aquela que constitui uma rede
113
vez maiores de capital para alcançar a economia de escala, financiar
seus empreendimentos espalhados pelo globo e fazer frente aos
seus
incessantes
gastos
em
pesquisa
e
desenvolvimento
tecnológico, tão necessários à preservação de sua vantagem
competitiva, o capital financeiro assume importância suprema.
É por tal razão que Francesco Galgano refere-se à economia atual como
“sociedade das finanças”. Francesco Galgano176 afirma que “what is new is not only
how the goods are produced (with machines controlled by computers and not people)
but also what is produced. The word ‘product’, originally used to designate material
goods, has now become a metaphor used to indicate ‘financial products’”. E aqui
vale fazer um parêntese para esclarecer que, não obstante a utilização ao longo
desta dissertação do termo “produtos financeiros”, o correto seria a utilização da
expressão “prestação de serviços bancários”, sendo o objeto desta prestação a
venda dos produtos financeiros.
Todavia, a diferença é que os “produtos financeiros” não geram e sequer
são capazes de distribuir riquezas. Como bem destacou Richard Posner177, “when A
sells B stock worth $10 a share, and the next day it is worth $15, the country is not $5
richer, though B is”. Não buscamos, entretanto, retirar a importância do mercado
financeiro ou o de capitais; apenas resta incerto o valor agregado de movimentos
estritamente especulativos, seja na economia, seja para a sociedade.
Nouriel
Roubini,
economista-sênior
do
Conselho
de
Assessores
Econômicos (Council of Economic Advisers) dos Estados Unidos entre 1998-2000,
de unidades ou divisões produtivas, distribuidoras e de venda espalhada pelo mundo e alcançada por
meio de filiais, holdings, subsidiárias, joint ventures, coligações, grupo de sociedades, contratos de
parceria, terceirização e outros instrumentos adotados em contexto global.
176
Tradução livre da autora: “o que é novo não é apenas a forma como os bens são produzidos (com
máquinas controladas por computadores e não por pessoas), mas também o que é produzido. A
palavra ‘produto’, originalmente usada para designar bens materiais, agora se tornou uma metáfora
para indicar ‘produtos financeiros’” (Galgano, Francesco. The New Lex Mercatoria. Annual Survey of
International
&
Comparative
Law.
Vol.
2,
1995.
Disponível
em:
<htpp://digitalcommons.law.ggu.edu/annlsurvey/vol2/iss1/7>. Acesso em 20 de julho de 2013).
177
Tradução livre da autora: “quando A vende a B ações com valor de mercado de $10 por ação, e no
dia seguinte vale $15, o país não é $5 mais rico, muito embora B seja” (Posner, Richard. A Failure of
Capitalism: The Crisis of ’08 and the Descent into Depression. Harvard University Press: Cambridge,
2009, pp. 295-296).
114
em entrevista para o documentário Trabalho Interno178, estima que considerando o
custo da destruição da riqueza em ações, imóveis, renda, 50 (cinquenta) milhões de
pessoas no mundo outra vez ficariam abaixo da linha da pobreza; estimativa essa
que pode aumentar ao longo dos anos subsequentes.
Em um contexto de globalização e integração em que nos vemos
influenciados pela criação de novos e sofisticados produtos financeiros (como a
securitização de créditos, por exemplo, prática pouco usual até meados da década
de 1980), uma maior cautela deve ser tomada de modo a mitigar os impactos
adversos ou externalidades não só na economia, mas, sobretudo, sobre a
sociedade.
O trânsito ilimitado de capitais entre os países, seja por meio de
operações financeiras diretas (bolsa de valores ou mercado de balcão), seja por
meio de distribuição de títulos públicos pelos governos para financiamento de suas
dívidas públicas ou a emissão de títulos e valores mobiliários para captação de
recursos, seja por meio da atuação de intermediários financeiros, aliado ao fato da
evolução tecnológica ter acelerado o ritmo dos negócios financeiros 179, o
entrelaçamento entre os mercados é evidente e necessária.
Assim, o processo de globalização financeira tem levado a um sistema
mais complexo e interdependente das economias mundiais, urgindo uma atuação
mais eficaz não só dos Estados, mas também de organizações internacionais. Não
apenas do ponto de vista do mercado financeiro norte-americano, cujos reflexos de
uma má-condução político-econômica ecoaram em todos os cantos do mundo, mas
também com vistas a colaborar para a criação de uma estrutura regulatória eficiente
para o mercado financeiro e de capitais brasileiro, não obstante a já atuação do
178
TRABALHO Interno. Direção: Charles H. Ferguson. Produção: Charles H. Ferguson e Audrey
Marrs. Narrador: Matt Damon. Intérpretes: George Soros; Barney Frank; Lee Hsien Loong; Christine
Lagarde; Eliot Spitzer e outros. Roteiro: Charles H. Ferguson. Música: Alex Heffes. Estados Unidos da
Amércia: Sony Pictures Classics, 2010. 1 DVD (120MIN), Color. Produzido por Sony Pictures
Classics.
179
A esse respeito, sugiro que assistam ao documentário entitulado Quants – Os Alquimistas de Wall
Street, que ilustra como mentes brilhantes (matemáticos e programadores de computador) projetam
os
produtos
financeiros
utilizados
em
Wall
Street.
Disponível
em:
<https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=kdMEdGbmZAE>. Acesso em 23 de
junho de 2014.
115
Conselho Monetário Nacional, do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores
Mobiliários.
Isso
porque,
em
nosso
entendimento,
novas
crises
financeiras
continuarão a deflagar as economias mundiais, conquanto haja mercados e
instituições financeiras. Reiterando esse entendimento, Hank Paulson, até então
Secretário do Tesouro dos Estados Unidos acerca da bolha imobiliária 180, disse:
I get asked all the time what is the likelihood of another financial
crisis. And I begin by saying it’s a certainty. As long as we have
markets, as long as we have banks, no matter what the regulatory
system is, there’ll be flawed government policies. Those policies will
create bubbles, they will manifest themselves in the financial system,
no matter how it’s structured and how it’s regulated. But the key thing
is to have the tools and the political will to act forcefully to limit a
crisis181.
Os agentes desse tipo de mercado, também conhecidos como
“intermediários financeiros” têm como principal propósito identificar as melhores
oportunidades de retorno sobre o investimento e, nos dizeres de Ricardo Dathein 182:
180
Richard Posner conceitua uma “bolha” como sendo: “a steep rise in the value of some class of
assets that cannot be explained by a change in any of the economic fundamentals that determine
value, such as increased demand due to growth in population or to improvements in product quality.
But often a bubble is generated by a belief that turns out to be mistaken that fundamentals are
changing – that a market, or maybe the entire economy, is entering a new era of growth, for example,
because of technological advances”. Tradução livre da autora: “um aumento acentuado no valor de
alguma classe de ativos que não pode ser explicado por uma alteração em qualquer dos
fundamentos econômicos que determinam o valor, como o aumento da demanda devido ao
crescimento da população ou em função da melhoria da qualidade do produto. Mas muitas vezes
uma bolha é gerada por uma crença que acaba por ser equivocada de que os fundamentos estão
mudando – que um mercado, ou talvez toda a economia, está entrando em uma nova era de
crescimento, por exemplo, por causa de avanços tecnológicos” (Posner, Richard. A Failure of
Capitalism: The Crisis of ’08 and the Descent into Depression. Harvard University Press: Cambridge,
2009, p. 10).
181
Tradução livre da autora: “Me perguntam o tempo todo qual é a probabilidade de uma nova crise
financeira. E começo por dizer que é uma certeza. Enquanto tivermos mercados, enquanto tivermos
bancos, não importa qual o sistema regulatório vigente, haverá políticas governamentais defeituosas.
Essas políticas vão criar bolhas, que vão se manifestar no sistema financeiro, não importa como ele é
estruturado e como ele é regulado. Mas o importante é ter as ferramentas e a vontade política para
agir com força para limitar uma crise” (HANK: Cinco Anos Depois do Colapso. Direção: Joe
Berlinger. Intérprete: Hank Paulson. Estados Unidos da Amércia, 2013. 85MIN, Color).
182
Dathein, Ricardo. Sistema Monetário Internacional e Globalização Financeira nos Sessenta Anos
de Bretton Woods. Revista Sociedade Brasileira de Economia Política, Rio de Janeiro, n. 16, pp. 5173, jun/2005.
116
“estaria ocorrendo, assim, um processo que poderia ser qualificado como
financeirização da riqueza, em que uma lógica financeira, e não produtiva, é que
determinaria a dinâmica econômica”. Contudo, ainda em que termos bastante
simplórios, a existência de uma estrutura produtiva depende necessariamente da
disponibilidade de crédito que, sem dúvida, é e sempre será a mola propulsora do
desenvolvimento econômico de um país.
Por isso, conclui o autor que “em uma situação de economia globalizada
com predominância financeira, por outro lado, nas políticas em que o mercado (ou o
‘Consenso de Washington’) impõe, questões como a busca do pleno emprego ou do
bem-estar social via políticas econômicas estão fora de discussão”183. Sem
pestanejar, a sobrevivência da sociedade do século XXI depende de vontade política
para realizar mudanças que prestigiem a efetivação de um Estado necessário,
afastando-se, pois, de premissas (ou ideologias) de extrema direita (que se
provaram falíveis) ou de extrema esquerda (utópicas).
A crise subprime de 2008 deu vazão para o questionamento da
continuidade do capitalismo nos termos formulados por Adam Smith e largamente
defendido por alguns partidos políticos norte-americanos. Por outro lado, modelos
como os dos soviéticos, chineses ou cubanos também não demonstraram sucesso.
Dogmas devem ser refutados, razão pela qual se busca na presente dissertação
testar a viabilidade do Estado necessário, por meio de sugestões de ações positivas
do Estado – muito embora a intenção não seja esgotar todas as possibilidades
existentes – na tentativa de confirmar se é possível conciliar o mercado financeiro e
de capitais com o desenvolvimento em seu sentido mais amplo (econômico, social e
ambiental).
Giorgio Di Giorgio, Carmine Di Noia e Laura Piatti184 lecionam que “the
regulation of the financial system can be viewed as a particularly important case of
183
DATHEIN, Ricardo. Sistema Monetário Internacional e Globalização Financeira nos Sessenta
Anos de Bretton Woods. Revista Sociedade Brasileira de Economia Política, Rio de Janeiro, n. 16, p.
51-73, jun/2005.
184
Tradução livre da autora: “A regulação do sistema financeiro pode ser vista como um caso
particularmente importante de controle público sobre a economia. A acumulação de capital e a
alocação de recursos financeiros constituem um aspecto essencial no processo de desenvolvimento
econômico de uma nação” (Di Giorgio, Giorgio; Di Noia, Carmine; Piatti, Laura. Financial Market
117
public control over economy. The accumulation of capital and the allocation of
financial resources constitute an essential aspect in the process of economic
development of a nation”. Portanto, e em relação aos intermediários financeiros, uma
regulação/fiscalização eficiente e uma descentralização administrativa se faz
necessária. Regulação essa não com o intuito de impossibilitar o livre mercado; mas
em um formato assemelhado à atuação do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica, por exemplo. Trata-se, pois, de uma reorganização do sistema, uma
intervenção racional.
É preciso, também, criar mecanismos de controle sobre o fluxo de capitais
internacionais, ou melhor, criar mecanismos que não estimulem uma alavancagem
anormal das instituições financeiras. Esses mecanismos, no entanto, devem ser
capazes de desestimular movimentos especulativos – ainda que em um primeiro
momento se pense ser uma atividade impossível –, uma vez que desestabiliza
diversas economias, afetando toda a sistemática interna de um país e trazendo
prejuízos e conseqüências incalculáveis à sua população.
Muitos governos emitem títulos públicos para financiar suas dívidas
internas. Tais títulos são comprados por investidores em todo o mundo com uma
taxa de juros muito atrativa. Durante a crise subprime de 2008, os governos
americanos185 e europeus186 ajudaram diversas instituições financeiras para não
irem à falência. Assim, a fim de salvá-los, os governos realizaram operações de
resgate, injetando recursos públicos em instituições financeiras, aumentando,
portanto, as suas dívidas internas. E não só, medidas de incentivo187 foram
aprovadas para aquecimento da economia, mas, refrise-se, não são sustentáveis no
longo prazo.
Regulation: The Case of Italy and a Proposal for the Euro Area. Disponível em:
<http://fic.wharton.upenn.edu/fic/papers/00/0024.pdf>. Acesso em 20 de junho de 2013).
185
Algumas instituições financeiras norte-americanas foram praticamente nacionalizadas (Fannie Mae
e Freddie Mac, por exemplo). Outras, forçadas a realizar operações de fusões e aquisições (Merrill
Lynch sendo comprado pelo Bank of America) ou a receber socorros financeiros (injeção de recursos
pelo Federal Reserve no American Internacional Group).
186
O Banco Central europeu injetou capital no banco francês BNP-Paribas, em função das perdas em
fundos de hedge (em vernáculo, fundo multimercado, combinando investimentos de curto e longo
prazos, como uma forma de garantir uma cobertura do seu portifólio).
187
Tal como no Brasil, com isenção de impostos, com vistas a aumentar o consumo; redução da
alíquota referente ao depósito compulsório, ou seja, aqueles valores em que as instituições
financeiras não podem emprestar; redução da taxa de juros básicas, etc.
118
O problema se agrava mais na zona do euro do que nos Estados Unidos,
na medida em que 100% (cem por cento) das dívidas deste último são em dólares –
e, portanto, sua emissão é de responsabilidade do Federal Reserve – banco central
norte-americano. Na União Europeia, diferentemente, as instituições financeiras e os
governos precisam de reservas em dólares, mas suas dívidas são em euros.
Adicionalmente, a moeda é emitida pelo Banco Central europeu. Tais fatores
comprometem demasiadamemte a balança de pagamento dos países. A conclusão
é que um governo que tenha uma dívida em sua própria moeda tem um menor risco
de inadimplência. Isso ocorre porque determinado país pode decidir sobre a emissão
de mais moeda para pagar suas dívidas, mesmo que isso acarrete em aumento da
inflação. Por isso, a dificuldade de a União Europeia se reeguer no pós-crise.
É inevitável que o risco sistêmico seja igualmente um fator a ser
considerado. Por esta razão, as autoridades, nacional e internacional, devem prestar
atenção para o fato de que a liberdade sem restrições (ou o mínimo de interferência)
legais tendem a ser extremamente destrutivas. E nesse diapasão, o Fundo
Monetário Internacional188 tem a ciência de que:
(...) imbalance could not have caused the crisis without the creative
ability of financial institutions to develop new structures and
instruments to cater to investors’ demand for higher yields. These
instruments turned out to be more risky than they appeared.
Investors, overly optimistic about continued rises in asset prices, did
not look closely into the nature of the assets that they bought (…).
This ‘failure of market discipline’ (…) played a big role in the crisis.
Martin Sandbu189, em artigo publicado no Financial Times, fazendo
referência à crise da zona do euro, diz que “today’s debt crisis, too, arises from
188
Tradução livre da autora: “(…) desequilíbrios não seriam capazes de causar a crise, se não
contassem com a capacidade criativa das instituições financeiras em desenvolver novas estruturas e
instrumentos para atender a demanda dos investidores por maiores rendimentos. Esses instrumentos
acabaram sendo mais arriscados do que pareciam. Os investidores, excessivamente otimistas sobre
aumentos contínuos nos preços dos ativos, não olharam atentamente para a natureza dos ativos que
compraram (...). Esta “falha em disciplinar o mercado” (…) desempenhou um grande papel na crise”.
(Disponível em: <http://shareholdersunite.com/2009/03/07/imf-regulation/>. Acesso em 20 de junho de
2013).
189
Tradução livre da autora: “a atual crise da dívida decorreu também de decisões de investimento
privadas que podem fazer sentido individualmente, mas são coletivamente irracionais. Os políticos
119
private investment decisions that may make individual sense but are collectively
irrational. Politicians are unable to solve it because they have succumbed to the
same irrationality”.
Como conseqüência, a fraca regulação dos mercados financeiro e de
capitais, aliada a alta interconexão dos intermediários financeiros – e ainda há quem
diga que os economistas e a própria população também foram os responsáveis pelo
inchaço da bolha imobiliária190 –, em nosso entendimento, foram os grandes
culpados pela crescente fragilidade de muitas economias. Mesmo com a ocorrência
de uma crise de tal magnitude ainda não há qualquer apoio político ou
consentimento para promover as mudanças necessárias.
O presente Capítulo buscará, portanto, entender, qual a dinâmica dos
mercados financeiro e de capitais, ou seja, por que existe, qual a sua estrutura, para,
na sequência, entender a relação entre o capital especulativo e as crises, em
especial, a subprime de 2008. Esta dissertação não estaria completa se não
fizéssemos uma análise da relação entre a teoria econômica do direito
(alternativamente chamada de teoria econômica aplicada ao direito) e o mercado
financeiro, porquanto imprescindível para corroborar a instituição de um Estado
necessário em detrimento à autoregulação, muito embora não a refutamos por
completo conforme trataremos mais adiante neste Capítulo.
4.1 DINÂMICA DO MERCADO FINANCEIRO
Ab initio, é preciso esclarecer que o termo “investimento” pode ter
significados diversos, dependendo do contexto em que é utilizado. Um deles é o
contexto jurídico, na qual investimento está relacionado à propriedade e as regras
relativas a esse instituto jurídico. Outro, um viés econômico. Neste caso, pode tomar
são incapazes de solucionar a crise porque sucumbiram à mesma irracionalidade” (Sandbu, Martin. A
Cure for the Eurozone’s Lehman Syndrome. Available at: <http://www.ft.com/cms/s/0/fe52b940-d59c11e1-af40-00144feabdc0.html#axzz21z3014CZ>. Acesso em 20 de junho de 2013).
190
Nesse sentido, recomendamos a leitura da seguinte obra: Posner, Richard. A Failure of Capitalism:
The Crisis of ’08 and the Descent into Depression. Harvard University Press: Cambridge, 2009, pp.
75-116 e pp. 252-268.
120
forma de investimento direto (em fatores de produção, por exemplo). Por fim, tem-se
uma perspectiva jurídico-econômica que envolve o processo de investimento em
instrumentos financeiros, os intermediários financeiros e as normas jurídicas
associadas. Para esta dissertação nos interessa a análise deste último.
Outro ponto a ser esclarecido é que ao longo desta dissertação buscamos
tratar o mercado financeiro como sinônimo de mercado de capitais. Entretanto, em
realidade, o mercado de capitais é parte integrante do mercado financeiro,
juntamente com o mercado de crédito, o mercado monetário e o mercado cambial.
Mas a ideia por detrás desse tratamento colocando-os no mesmo patamar é que,
como veremos, a ausência de credibilidade no mercado financeiro, responsável pela
disponibilização de crédito, afeta diretamente o desempenho das ações das
sociedades anônimas de capital aberto nas bolsas de valores.
Em ambos os casos – mercado financeiro ou de capitais – as instituições
financeiras possuem uma grande importância. Nos termos do artigo 17 da Lei n°
4.595/1964, serão consideradas instituições financeiras “as pessoas jurídicas
públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta,
intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em
moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”,
sendo equiparadas a estas “as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades
referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual” (artigo 17, parágrafo
único). Diante dessa conceituação, as instituições financeiras no âmbito do direito
brasileiro podem ser categorizadas conforme tabela abaixo:
FIGURA 4 – CLASSIFICAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
Modalidades Admitidas
no Direito Brasileiro
Instituições Captadoras - Bancos Múltiplos com
de Depósitos à Vista
Carteira Comercial
- Bancos Comerciais
- Caixas Econômicas
- Cooperativas de Crédito
Instituições
de - Bancos de Investimento
Investimento
- Fundos Mútuos
- Clubes de Investimento
- Carteiras de Investidores
Categorias
Funções
Adquirem
parte
substancial
de
seus
recursos
mediante
depósito à vista junto ao
público em geral.
Captam
recursos
mediante a venda ao
público de ações e
documentos
121
Estrangeiros
Administradoras
de
Consórcio
Bancos
de
Desenvolvimento
- Sociedades de Crédito,
Financiamento
e
Investimento
- Sociedades de Crédito
Imobiliário
Companhias
Hipotecárias
Associações
de
Poupança e Empréstimos
- Agências de Fomento
- Sociedades de Crédito
ao Microempreendedor
Instituições Contratuais
- Sociedades Seguradoras
- Entidades Fechadas de
Previdência Privada
- Entidades Abertas de
Previdência Privada
Sociedades
de
Capitalização
Sociedades
Administradoras
de
Seguro-Saúde
Instituições
de - Bolsa de Valores
Liquidação e Custódia
- Bolsas de Mercadorias e
Futuros
- Sociedades Corretoras
de Títulos e Valores
Mobiliários
Sociedades
de
Arrendamento Mercantil
- Sociedades Corretoras
de Câmbio
- Agentes Autônomos de
Investimento
Representações
de
Instituições
Financeiras
Estrangeiras (em alguns
casos)
representativos de dívidas
e
investem
mediante
aquisição de ações, títulos
de renda fixa e outros
títulos
e
valores
mobiliários, que podem ou
não ser posteriormente
comercializados
no
mercado secundário.
Atraem fundos pela oferta
de contratos de proteção
de risco.
Atuam
com
registro,
processamento
e
liquidação das transações
feitas entre as demais
instituições financeiras.
Fonte: Oliveira, Marcos Cavalcante de. Moeda, Juros e Instituições Financeiras: Regime Jurídico, pp.
100-101.
Pela estrutura do mercado financeiro brasileiro percebe-se uma divisão no
que diz respeito à delimitação do objeto de cada uma das instituições financeiras,
diferentemente do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, na qual uma única
122
instituição financeira pode prestar um ou mais tipos de serviços bancários,
principalmente após o Gramm-Leach-Blitey Act.
4.1.1 O Mercado Financeiro
Desde o momento em que há em uma sociedade pessoas que gastem
mais do que ganham (tomadores) ou que gastem menos do que ganham
(poupadores) existirá um mercado financeiro, intermediado por uma instituição
financeira. Os poupadores confiam seu dinheiro às instituições financeiras com a
expectativa de, em troca, receber de volta, em data futura, com juros. Por outro lado,
os tomadores demandam dinheiro para, no futuro, igualmente devolver com juros.
Não é por outra razão que a lei faz referência à intermediação ou aplicação de
recursos financeiros de terceiros. Dificilmente, uma instituição financeira intermedeia
ou aplica recursos próprios.
Com o passar do tempo e o desenvolvimento das atividades comerciais,
as instituições financeiras passaram a ter um maior leque de responsabilidades. Por
exemplo, o artigo 3° do Decreto-Lei n° 7.293/1945 instituiu o chamado depósito
compulsório, com vistas ao controle de volume de créditos disponível no mercado,
evitando, assim, o chamado efeito multiplicador da moeda escritural 191. Serve
também como uma forma de combate à inflação (na medida em que diminui, de
certa forma, a disponibilidade de dinheiro circulante na economia), um problema que
sempre esteve presente, assombrando a economia brasileira por um longo período
de tempo.
191
O efeito multiplicador, também denominado como o processo de criação de moeda pelas
instituições financeiras comerciais, pode ser assim exemplificado: “suponhamos que um indivíduo
deposite, em papel-moeda, um determinado valor em sua conta corrente. Para que isso fosse
possível, naturalmente o Banco Central foi responsável por essa emissão de papel-moeda. O banco
comercial, ao acolher esse depósito, por uma questão de probabilidade, sabe que pode emprestar
parte desse dinheiro a um tomador final. Esse, por sua vez, ao receber o dinheiro, vai depositá-lo no
mesmo banco ou em qualquer outro banco comercial. O banco que receber esse depósito, da mesma
forma que o primeiro, pode emprestar uma parte do montante para outro tomador e assim
sucessivamente. Ao final desse processo verificaremos que o montante inicial depositado em papelmoeda se multiplicou dentro da estrutura das instituições financeiras bancárias” (Passos, Carlos
Roberto Martins; Nogami, Otto. Princípios de Economia. 5.ed.rev. Cengage Learning Edições: São
Paulo, 2005, p. 486).
123
Com as Reformas Bancária (Lei n° 4.595/1964) e do Mercado de Capitais
(Lei n° 4.728/1965, revogada integralmente pela Lei n° 6.385/1976), buscou-se
contemplar tanto o modelo bancário europeu, ou seja, as instituições financeiras tem
como função a captação e repasse de recursos, quanto o modelo bancário norteamericano, voltado à especialização (como se verifica, por exemplo, com os bancos
de investimentos, de desenvolvimento, de fomento). E a vantagem deste último
modelo é a impossibilidade de captação de recursos junto ao público em forma de
depósitos à vista por algumas instituições financeiras.
Seja por meio de financiamento às empresas para obtenção de fatores de
produção, desenvolvimento de novos projetos ou até mesmo para adimplir com suas
obrigações operacionais diárias, seja por meio de mútuo às pessoas físicas, o
mercado financeiro visa exclusivamente aplicar o excedente de crédito na economia,
estimulando o consumo pessoal e a produção e, consequentemente, promovendo o
crescimento econômico. A instituição financeira, neste caso, é remunerada por meio
do spread.
Como corolário dessa atividade de empréstimo, as instituições financeiras
podem eventualmente sofrer problemas de liquidez, afetando todo o sistema
bancário (principalmente em função dos chamados certificados de depósitos
interbancários192), na medida em que o prazo de maturação de seus passivos
(dinheiro dos poupadores), como regra, são maiores do que seus ativos (dinheiro
emprestado aos tomadores).
A falta de liquidez no sistema financeiro por advir também em função da
prática bancária de geração de crédito, que se utiliza da reserva fracionária como
meio de criação de dinheiro (efeito multiplicador). Nessa mesma esteira, surge outro
problema que diz respeito à alavancagem. E a alavancagem pode ser definida como
razão ou índice de dívida das instituições financeiras e de seu patrimônio líquido.
192
Leciona Eduardo Fortuna que os certificados de depósitos interbancários “são títulos de emissão
de instituições financeiras monetárias e não-monetárias que lastreiam as operações do mercado
interbancário. Suas características são idênticas às de um CDB, mas sua negociação é restrita ao
mercado interbancário. Sua função é, portanto, transferir recursos de uma instituição financeira para
outra. Em outras palavras, para que o sistema seja mais fluido, quem tem dinheiro sobrando
empresta para quem não tem” (Fortuna, Eduardo. Mercado Financeiro: Produtos e Serviços.
17.ed.rev. atual. Qualitymark: Rio de Janeiro, 2010, pp. 117-118).
124
E sob esse aspecto alerta Marcos Cavalcante de Oliveira que “quando os
empréstimos de um banco começam a crescer muito mais rapidamente que seu
patrimônio líquido, ou seja, quando aumenta a alavancagem do sistema financeiro,
diminui a rede protetora dos depositantes contra as perdas eventuais, e, disso,
novamente, podem advir crises de liquidez com destruição da moeda nacional” 193.
Nesse ponto, ousamos discordar do referido autor, porquanto no auge das
operações financeiras estruturadas imobiliárias nos Estados Unidos, algumas
instituições financeiras estavam alavancadas na razão de 1:33, o que significa dizer
que o valor dos seus ativos era 33 (trinta e três) vezes maior que seu patrimônio
líquido. Qualquer queda significativa no lastro desses ativos, já possibilitaria um
eventual problema de insolvência (e não de iliquidez).
Assim, não obstante o exposto acima, diversas são às causas que podem
levar ao colapso de uma instituição financeira, que, prima facie, possui uma
responsabilidade social perante a sociedade, uma vez que tem um dever fiduciário
perante o poupador. Essas causas podem ser originadas por conta de uma mágestão de sua carteira de ativos, ou, pela corrida bancária, ou pela má-gestão
administrativa
(fraude,
geralmente
inflando
demonstrações financeiras), ou,
principalmente, em apostas em mercados de alto risco (porém, com altos retornos
sobre o investimento), cuja complexidade da operação impede o conhecimento
exato das consequências de eventual inadimplemento.
O Estado de Direito vigente no Brasil permite inferir que todos estão
submetidos ao império da lei, inobstante as premissas constitucionais da livre
iniciativa e da liberdade. A todos cabe o cumprimento da lei, observada as
competências legislativas determinadas pela Constituição Federal de 1988. E a esse
respeito, como órgãos máximos (normativos) dos agentes do mercado financeiro de
crédito194, foi delegada a competência para editar normas de comportamento ao
Conselho Monetário Nacional, “com a finalidade de formular a política de moeda e
do crédito” (artigo 2° da Lei n° 4.595/1964).
193
Oliveira, Marcos Cavalcante de. Moeda, Juros e Instituições Financeiras: Regime Jurídico. 2.ed.
Editora Forense: Rio de Janeiro, 2009, p. 105.
194
Como órgãos normativos colegiados também têm-se o Conselho Nacional de Seguros Privados e
o Conselho de Gestão da Previdência Complementar, mas suas funções fogem do objetivo da
presente dissertação. Por tal razão, não serão objeto de aprofundamento.
125
E para que sejam cumpridas suas finalidades, o Conselho Monetário
Nacional deve, dentre seus principais objetivos com relação às instituições
financeiras: (i) zelar pela sua liquidez e solvência; (ii) coordenar a política de crédito;
(iii) regular sua constituição, funcionamento e fiscalização; (iv) determinar a
percentagem máxima de empréstimo a um mesmo cliente ou grupo de empresas; (v)
expedir normas de contabilidade; e (vi) delimitar seu capital mínimo (artigo 3°
combinado com o artigo 4° da Lei n° 4.595/1964). No campo do mercado de capitais,
a Lei n° 6.385/1976 dota o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil
de certos poderes específicos na definição das políticas a serem seguidas pela
Comissão de Valores Mobiliários.
Em razão da importância das instituições financeiras, na medida em que
proporcionam o equilíbrio do sistema financeiro como um todo, assevera Marcos
Cavalcante de Oliveira195 que “poucos setores da atividade econômica são
supervisionados tão de perto pelo Poder Público”, sendo objeto específico de “sete
unidades especializadas na supervisão, auditoria e fiscalização das atividades
exercidas pelos agentes do mercado financeiro: COAF – Conselho de Controle de
Atividades Financeiras, CRSFN – Conselho de Recursos do Sistema Financeiro
Nacional, BACEN – Banco Central do Brasil, CVM – Comissão de Valores
Mobiliários, SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, IRB – Brasil Re e SPC
– Secretaria de Previdência Complementar”.
O Conselho de Controle de Atividades Econômicas surgiu por meio da Lei
n° 9.613/1998, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas,
receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas.
Basicamente, inseriu no ordenamento jurídico brasileiro o crime de lavagem de
dinheiro, cujo tipo penal é consubstanciado nas condutas previstas no artigo 1°,
caput, e §§ 1° e 2°, com nova redação dada pela Lei n° 12.683/2012.
Por sua vez, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro é o órgão
responsável por julgar, em segunda e última instância, os recursos interpostos das
195
Oliveira, Marcos Cavalcante de. Moeda, Juros e Instituições Financeiras: Regime Jurídico. 2.ed.
Editora Forense: Rio de Janeiro, 2009, p. 70. Vale dizer que todas essas entidades supervisoras
editam normas que se acumulam com os órgãos normativos, notadamente o Conselho Monetário
Nacional no âmbito das instituições financeiras.
126
decisões relativas à aplicação de penalidades administrativas (artigo 1° do Decreto
n° 91.152/1985).
O Banco Central do Brasil, criado a partir da promulgação da Lei n°
4.595/1964 e substituindo a Superintendência da Moeda e do Crédito, é uma
autarquia federal integrante do Sistema Financeiro Nacional. A par de seu poder
normativo, referida Lei confere ao Banco Central do Brasil alguns deveres, a saber:
(i) recolher os depósitos compulsórios e os depósitos voluntários à vista das
instituições financeiras; (ii) exercer o controle sobre o crédito; (iii) exercer a
fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas; (iv)
exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre
empresas que, diretamente ou indiretamente, interfiram nesses mercados e em
relação às modalidades ou processos operacionais que utilizem, dentre outros
(artigo 10 combinado com o artigo 11 da Lei n° 4.595/1964).
Além disso, ainda na seara de supervisão bancária, porém, no âmbito
internacional, o Brasil, representado pelo Banco Central do Brasil196, é membro
efetivo do Comitê de Basiléia (Basel Committee), órgão do Banco de Compensações
Internacionais. Subscreveu os Princípios Fundamentais para uma Supervisão
Bancária Eficaz (Core Principles for Effective Banking Supervision)197. Tais princípios
foram primeiramente publicados pelo referido Comitê em 1997, em Hong Kong,
tendo sido complementado ao longo do tempo, principalmente após a crise subprime
de 2008. Na Conferência Internacional de Supervisores Bancários realizada em
2012, na Turquia, os bancos centrais aprovaram sua nova revisão, aumentando o
número de princípios de 25 (vinte e cinco) para 29 (vinte de nove).
196
Muito embora há que entenda que o Conselho Monetário Nacional, o Banco Central do Brasil e a
Comissão de Valores Mobiliários não são consideradas agências reguladoras, senão vejamos: “As
leis que criaram tais entidades visaram a operacionalizar as diretrizes do Governo federal e conferir
agilidade à sua atuação, no que diz respeito à matéria específica a elas outorgada. Porém, não
buscaram o verdadeiro conceito contemporâneo de ‘agências reguladoras’ que, certamente, vai muito
além da desconcentração e descentralização. Os limites dos atributos legalmente conferidos a CMN,
Bacen e CVM não possibilitam que sejam qualificados de ‘agências administrativas reguladoras’”
(Moreira, Egon Bockmann. Conselho Monetário Nacional, Banco Central do Brasil e Comissão de
Valores Mobiliários. Revista de Direito Bancário, n. 6. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo,
set./dez. 1999, p. 150).
197
Referido documento também foi subscrito por outros 60 (sessenta) bancos centrais. Para ver a
relação completa: <http://www.bis.org/about/orggov.htm#P24_1838>. Acesso em 24 de junho de
2014.
127
Não obstante seu caráter de soft law, os Princípios Fundamentais para
uma Supervisão Bancária Eficaz buscam estabelecer um conjunto de padrões e
regras de conduta mínimos no que diz respeito tanto à supervisão bancária quanto à
regulação bancária mundiais, de modo que seja possível minimizar os impactos ou,
ainda, reduzir a probabilidade de colapsos dos sistemas financeiros globais. Vê-se
que, no âmbito internacional, também se busca elaborar ações positivas do Estado,
por meio de suas agências regulatórias.
Todavia, o documento estabelece algumas pré-condições e, sem elas,
dificilmente, os governos serão capazes de responder de forma eficaz às condições
externas que podem afetar negativamente não só suas instituições financeiras como
também o sistema bancário. São elas: (i) politicas macroeconômicas sólidas e
sustentáveis; (ii) infraestrutura bem desenvolvida para a formulação de políticas de
estabilidade
financeira;
(iii)
infraestrutura
pública
bem
desenvolvida;
(iv)
procedimentos claros para a gestão de crises, recuperação e resolução de
problemas; (v) nível apropriado de proteção sistêmica (ou rede de segurança
pública); e (vi) efetiva disciplina do mercado.
Vale mencionar, por fim, que a Resolução do Conselho Monetário
Nacional n° 2.197/1995, autorizou a “constituição de uma entidade privada, sem fins
lucrativos, destinada a administrar mecanismos de proteção a titulares de crédito
contra instituições financeiras” (artigo 1°), até o valor máximo de R$20.000,00 (vinte
mil reais), observados os critérios estabelecidos nas alíneas do artigo 2°, § 2° do
Anexo II à Resolução do Conselho Monetário Nacional n° 2.211/1995.
Surge, então, no cenário financeiro o Fundo Garantidor de Crédito198, na
qual todas as “instituições financeiras e as associações de poupança e empréstimo
em funcionamento no País que: (i) recebem depósitos à vista, a prazo ou em contas
de poupança; (ii) efetuem aceite em letras de câmbio; e (iii) captam recursos através
da distribuição de letras imobiliárias e letras hipotecárias” (artigo 6° da Resolução do
Conselho Monetário Nacional n° 2.211/1995), serão associadas da entidade e dela
198
Em verdade, o Fundo Garantidor de Crédito apenas tomou contornos com o advento da
Resolução do Conselho Monetário Nacional n° 2.211/1995, com a aprovação do seu Estatuto e
Regulamento.
128
participarão como contribuintes, exceto as cooperativas de crédito e as seções de
crédito das cooperativas.
Contudo, nem todos os créditos serão objeto de garantia proporcionada
pelo Fundo Garantidor de Crédito. Estão incluídos desse regime somente: (i) os
depósitos à vista ou sacáveis mediante aviso prévio; (ii) os depósitos de poupança;
(iii) os depósitos a prazo, com ou sem emissão de certificado; (iv) as letras de
câmbio; (v) as letras imobiliárias; e (vi) as letras hipotecárias.
O gatilho para utilização dos recursos arrecadados pelo Fundo Garantidor
de Crédito será ativado na hipótese de decretação da intervenção, liquidação
extrajudicial ou falência de instituições financeiras ou se reconhecido, pelo Banco
Central do Brasil, o estado de insolvência de instituições que não estejam sujeitas ao
regime de administração especial temporária das instituições financeiras, nos termos
da Lei n° 2.321/1987.
Não obstante toda a supervisão e regulação do sistema financeiro, restou
notório alguns efeitos da crise subprime de 2008 no Brasil, na medida em que
algumas instituições financeiras viram-se obrigadas a realizar operações societárias
diversas199, aumentando ainda mais a aglomeração das atividades bancárias nas
mãos de um pequeno grupo de instituições financeiras. Como consequência,
concentra-se ainda mais os riscos do setor financeiro brasileiro, cenário pouco
vantajoso mesmo sob a ótica interna (ausência de concorrência, por exemplo), na
medida em que restou-se comprovado que nenhuma empresa é grande demais para
quebrar.
4.1.2 O Mercado de Capitais
A Comissão de Valores Mobiliários é o órgão responsável pela disciplina e
fiscalização do mercado de capitais brasileiro, ou como prefere Nelson Eizirik 200,
mercado de valores mobiliários. Entretanto, muito se debate acerca da legalidade
199
Por exemplo, a fusão entre o Banco Itaú e o Unibanco, ou a aquisição do Banco ABN AMRO pelo
Banco Santander, ou, ainda, a incorporação da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil.
200
Eizirik, Nelson. Reforma das S.A. e do Mercado de Capitais. 2.ed. Renovar: Rio de Janeiro, 1998,
p. 161.
129
das regras por ela emanadas, em virtude do que estabelece o artigo 84, inciso IV da
Constituição Federal. Seria, portanto, privativa do chefe do Poder Executivo a
competência de “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir
decretos e regulamentos para sua fiel execução”. Em assim sendo, a leitura da
Constituição Federal de 1988 seria uma leitura bastante limitada, restritiva e pontual,
sem se atentar a hermêneutica jurídica, uma vez que “além do decreto regulamentar,
há outras formas de expressão de sua competência normativa, tais como
resoluções, portarias, deliberações, instruções etc.”, ainda que “os efeitos destes
últimos atos, diferentemente do regulamento, se restringem ao âmbito de atuação do
órgão que os expede”201.
O ordenamento jurídico brasileiro é um conjunto de regras interligadas
umas as outras e, portanto, imprescindível uma análise sistemática e valorativa. Já
mencionamos outrora que a ordem constitucional prestigia a liberdade econômica,
ou seja, a livre iniciativa e o livre mercado, respeitados, entretanto, os valores sociais
inseridos na Carta Magna. E uma forma de respeito desses valores sociais reside na
existência de um Estado necessário, atuando de forma descentralizada, enquanto
agente regulador, fomentador, fiscalizador e inibidor de abusos. A esse respeito,
lecionam Alexandre Pinheiro dos Santos, Julya Sotto Mayor Wellisch e José
Eduardo Guimarães Barros202 que:
(...) uma vez retirado o caráter mítico e absoluto da ideia clássica da
separação
de
poderes,
a
complexidade
e
autonomia
das
competências conferidas aos órgãos reguladores em nada contraria
a
divisão
de
funções
estabelecida
pelas
constituições
contemporâneas e os valores do Estado de Direito que, afinal
constituem o principal parâmetro da admissibilidade ou não do
exercício de distintas funções pelo mesmo órgão ou entidade pública.
As complexas competências normativas das quais a CVM e diversos
outros órgãos reguladores (...) são dotados fortalecem o Estado de
Direito, uma vez que, ao retirar do emaranhado das lutas políticas a
201
Nohara, Irene Patrícia. Direito Administrativo. 3.ed. Atlas: São Paulo, 2009, p. 33.
Santos, Alexandre Pinheiro; Wellisch, Julya Sotto Mayor; Barros, José Eduardo Guimarães. Notas
sobre o Poder Normativo da Comissão de Valores Mobiliários: CVM na Atualidade. In: WALD, Arnoldo
(coord.). Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. Vol. 34. Editora Revista dos Tribunais:
São Paulo, 2007, p. 26.
202
130
regulação
de
importantes
atividades
sociais
e
econômicas,
atenuando a concentração de poderes na Administração Pública
Central, alcançam, com melhor proveito, o escopo maior da
separação dos poderes, qual seja, o de garantir eficazmente a
segurança jurídica, a proteção da coletividade e dos indivíduos
empreendedores de tais atividades ou por elas atingidos, mantendose sempre a possibilidade de interferência do Legislador.
Superada essa controvérsia, a Comissão de Valores Mobiliários regula e
fiscaliza o mercado de capitais, que, da mesma forma que o mercado financeiro,
depende do regular funcionamento das instituições financeiras. Pedro Carvalho de
Mello203, acerca do mercado financeiro e sua capacidade de contribuir com o
desenvolvimento do mercado de capitais de um país, entende que ambos são
importantes nas seguintes medidas: (i) contribuem para a expansão do volume total
de poupança do país, na medida em que a intermediação financeira pode criar para
o público instrumentos de poupança atraentes com respeito a prazo e liquidez; e (ii)
torna mais eficiente a transformação dos fundos poupados em capital produtivo, a
partir de uma (a) alocação mais eficiente do total da riqueza, por meio de mudanças
na sua composição e propriedade, ocasionando um fortalecimento da produtividade
do estoque existente de capitais e (b) pelo incentivo a uma alocação mais eficiente
dos novos investimentos, permitindo a transferência de recursos para os setores
produtivos nos quais exista grande capacidade empresarial.
No entanto, diferentemente do mercado financeiro, o mercado de capitais
conta com a atuação de múltiplos intermediários financeiros (diferente, refrise-se da
ideia de intermediação financeira), como agências de rating, fundos de investimentos
de qualquer espécie e seguradoras de valores mobiliários, com vistas a efetuar:
operações que não apresentam a natureza de negócios creditícios,
mas que visam, basicamente, a canalizar recursos para as entidades
emissoras – principalmente sociedades anônimas abertas –, através
de capital de risco, mediante a emissão pública de valores
203
Mello, Pedro Carvalho de. Mercado de Capitais e Desenvolvimento Econômico. In: Castro, Hélio
Oliveira Portocarrero de (coord.). Introdução ao Mercado de Capitais. IBMEC: Rio de Janeiro, 1979,
pp. 26-27.
131
mobiliários.
Enquanto
nas
operações
bancárias
típicas
são
realizadas operações de financiamento, de empréstimos, no mercado
de capitais ocorrem principalmente negócios de “participação”, uma
vez que o retorno do investimento por parte do acionista está em
regra relacionado à lucratividade da companhia emissora de
títulos204.
Ainda que a diferenciação acima delineie alguns traços diferenciadores do
mercado financeiro e do mercado de capitais, restringi apenas na comercialização
de ações, também considerados valores mobiliários. Mas o mercado de capitais vai
além de simples negociações de ações. Há uma efetiva negociação de valores
mobiliários, nos termos do artigo 2° da Lei n° 6.385/1976, com custos operacionais
menores e sem intermediação bancária.
A ausência de intermediação bancária, importante ressaltar, não significa
dizer que não há atuação de instituições financeiras (em realidade, podem atuar
como underwritters, ou seja, como responsáveis pela colocação dos valores
mobiliários no mercado205 e, em função disso, são remunerados). De fato, a
participação de instituições financeiras em operações públicas206 no mercado de
capitais é obrigatória, nos termos do artigo 19, § 4° da Lei 6.385/1976 e do artigo 3°,
§ 2° da Instrução da Comissão dos Valores Mobiliários n° 400/2003.
204
Eirikiz, Nelson; Gaal, Ariádna B.; Parente, Flávia; Henriques, Marcus de Freitas. Mercado de
Capitais: Regime Jurídico. 3.ed.rev.atual. Renovar: Rio de Janeiro, 2011, p. 8.
205
Essa colocação pode ser dar de 03 (três) formas, a saber: (i) melhores esforços; (ii) firme e (iii) do
tipo standby.
206
Nos termos do artigo 3° da Instrução da Comissão dos Valores Mobiliários n° 400/2003: “são atos
de distribuição pública a venda, promessa de venda, oferta à venda ou subscrição, assim como a
aceitação de pedido de venda ou subscrição de valores mobiliários, de que conste qualquer um dos
seguintes elementos: I – a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos,
prospectos ou anúncios, destinados ao público, por qualquer meio ou forma; II – a procura, no todo
ou em parte, de subscritores ou adquirentes indeterminados para os valores mobiliários, mesmo que
realizada através de comunicações padronizadas endereçadas a destinatários individualmente
identificados, por meio de empregados, representantes, agentes ou quaisquer pessoas naturais ou
jurídicas, integrantes ou não do sistema de distribuição de valores mobiliários, ou, ainda, se em
desconformidade com o previsto nesta Instrução, a consulta sobre a viabilidade da oferta ou a coleta
de intenções de investimento junto a subscritores ou adquirentes indeterminados; III – a negociação
feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público destinada, no todo ou em parte, a
subscritores ou adquirentes indeterminados; ou IV – a utilização de publicidade, oral ou escrita,
cartas, anúncios, avisos, especialmente através de meios de comunicação de massa ou eletrônicos
(páginas ou documentos na rede mundial ou outras redes abertas de computadores e correio
eletrônico), entendendo-se como tal qualquer forma de comunicação dirigida ao público em geral com
o fim de promover, diretamente ou através de terceiros que atuem por conta do ofertante ou da
emissora, a subscrição ou alienação de valores mobiliários”.
132
Outra diferença entre os mercados financeiros e mercados de capitais é
que, como regra, neste último, o emissor do valor mobiliário não tem a obrigação de
restituir o investidor pelos recursos empreendidos. Sua obrigação é remunerá-lo,
conforme estabelecido em contrato (em caso de emissão particular) ou prospecto
(em caso de emissão pública), e nos limites do sucesso do empreendimento. Por
isso que se atribuiu ao mercado de capitais a característica de um mercado de risco,
porquanto não se pode prever o resultado financeiro do empreendimento.
A remuneração do investidor pode ser fixa ou variável. Será fixa nas
hipóteses de emissão de títulos de dívida. Ou seja, ao subscrever a escritura de
emissão de debêntures, por exemplo, o debenturista é titular dos créditos subscritos
e desde já conhece os termos e condições sob as quais foram emitidas, incluindo a
quantidade, a destinação dos recursos, o pagamento da remuneração e a
periodiciodade de pagamento dos juros, prazo das debêntures, as garantias em
caso de inadimplência e, em certos casos, os fatores de risco.
Por sua vez, a remuneração variável ocorrerá: (i) nos casos envolvendo
negociação de ações em bolsa de valores, sujeitas à flutuação de suas cotações ou
também (ii) nas hipóteses de pagamento de dividendos das sociedades anônimas,
na medida em que seus detentores tornam-se acionistas destas sociedades.
Se não bastasse, o mercado de capitais também procura diluir o risco do
financiamento entre todos os investidores, o que não ocorre no mercado financeiro.
Adicionalmente, os valores mobiliários são, via de regra, padronizados (ainda que
haja a possibilidade de emissão dos valores mobiliários em diferentes classes ou
séries) passíveis de negociações em massa no mercado secundário207, não havendo
qualquer ingresso de recursos na sociedade emissora.
207
Difere, portanto, do mercado primário na medida em que é nesse ambiente que “ocorrem as
emissões públicas de novos valores mobiliários, mediante a mobilização da poupança popular. É no
mercado primário que se atende à finalidade principal do mercado de capitais, que é a de permitir a
captação de recursos do público. Os recursos são canalizados diretamente para as entidades
emissoras, que poderão, então, utilizá-los em seus projetos de investimentos” (Eirikiz, Nelson; Gaal,
Ariádna B.; Parente, Flávia; Henriques, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais: Regime Jurídico.
3.ed.rev.atual. Renovar: Rio de Janeiro, 2011, p. 10).
133
Diante dessa dinâmica dos mercados de capitais, é que à Comissão de
Valores Mobiliários, orientada pelo interesse público, persegue a proteção dos
investidores, porquanto são os quem aplicam seus recursos nos valores mobiliários.
E é por isso que, principalmente nas emissões públicas, a Comissão de Valores
Mobiliários, por meio de suas instruções normativas, prestigia a transparência, a
divulgação de fatos relevantes no que diz respeito à sociedade emissora, a
divulgação dos possíveis fatores de risco que possam prejudicar os rendimentos dos
investidores, além de coibir a prática de atos de manipulação do mercado, por meio
da utilização de informações privilegiadas, ou de “vendas casadas”, impondo, assim,
a segregação de atividades dentro de uma mesma instituição financeira (mais
conhecido como chinese wall).
A regulação, todavia, não significa eliminação de todos os riscos,
porquanto é inerente ao mercado de capitais; mas, de certa forma, pretende
proteger sua capacidade funcional, por meio da manutenção de instituições
confiáveis, buscando construir um mercado eficiente. Nesse sentido, Siegfried
Kümpel argumenta que:
A proteção da capacidade funcional visa à eficiência das instituições
ligadas ao Mercado de Capitais, bem como dos mecanismos de
realização das operações com valores mobiliários. Ela também se
refere à proteção da confiança dos investidores na capacidade
funcional do mercado e de sua integridade. Esta proteção da
confiança é necessária para a preservação e o aumento de capitais
para investimento nas bolsas, por sua vez necessários para os
investimentos na economia208.
Não obstante a atuação dos órgãos regulatórios, o capital especulativo
ainda é bastante presente no mercado de capitais, principalmente nas economias de
mercado consideradas essencialmente livres, colaborando ainda mais para a
existência de crises.
208
Kümpel, Siegfried. Direito do Mercado de Capitais: Do Ponto de Vista do Direito Europeu, Alemão
e Brasileiro – Uma Introdução. Renovar: Rio de Janeiro, 2007, pp. 21-22.
134
4.2 CAPITAL ESPECULATIVO E SUA RELAÇÃO COM AS CRISES
É possível inferir que a especulação é um fenômero que surgiu no
momento em que houve a ruptura do padrão-ouro – padrão monetário adotado
internacionalmente –, passando a viger o regime de flutuação cambial? Ou será que
tal fenômeno é resultado de um processo de abertura dos mercados e a
transformação nas estruturas societárias das empresas?
Realmente é uma tarefa bastante difícil determinar qual a real causa da
origem da especulação209, mas entendemos que o capital especulativo (portanto,
não especulação) está diretamente relacionado com a transformação societária das
empresas que viram no mercado de capitais uma grande oportunidade de
capitalização, sem a necessária intermediação financeira e os custos de capital
decorrentes.
De fato, com a abertura dos mercados, os países se sentiam à vontade
em acolher companhias multinacionais e investidores estrangeiros que buscavam
investimentos de longo prazo. Diferentemente, investimentos de curto prazo e fluxo
de portfólios (também chamados de hot money) era compreendidos de forma
completamente diferente, isto é, como uma forma ou fonte de instabilidade ao invés
de um efetivo crescimento econômico. E por isso que Amartya Sen disse em uma
entrevista a Giuliano Guandaline que “o crescimento não deve ser um fim em si
mesmo, mas um meio de alcançar avanços sociais e beneficiar a população”210.
A eclosão da Primeira Guerra Mundial e a necessidade de financiamento
do conflito armado – feito, diga-se de passagem, por meio de emissão de papel209
Nas lições de Marcos Cavalcante de Oliveira, a especulação “é a assunção de riscos mediante a
aquisição de instrumentos financeiros para revendê-los com lucro”, assumindo “riscos com o seu
patrimônio, mas ele não adquire o título ou valor mobiliário porque deseja o fluxo de caixa prometido
no instrumento. Ele compra porque espera que o valor desse título suba em tempo tal que possa ser
vendido por um preço que lhe permita realizar o lucro desejado. Ou, então, vende, porque aposta que
o preço vai cair e quer se ver livre do papel enquanto consegue preço maior. O especulador no
mercado financeiro assume o risco de que os preços irão mover-se numa direção que lhe permita
obter lucros rápidos, graças à habilidade de conhecer melhor os mercados do que a maioria dos
outros agentes” (Oliveira, Marcos Cavalcante de. Moeda, Juros e Instituições Financeiras: Regime
Jurídico. 2.ed. Editora Forense: Rio de Janeiro, 2009, p. 45).
210
Guandalini, Giuliano. Mercados, Justiça e Liberdade. Veja. pp. 17-21, 02 de maio de 2012.
135
moeda sem lastro no ouro – alterou o regime internacional permitindo taxas de
câmbio flutuantes para conter a alta dos preços e a inflação. Sem muito mistério, as
taxas de câmbio flutuantes trazem movimentos especulativos interessantes se
pensar que se aposta em ganhos (valorização) ou em perdas (desvalorização) da
moeda de um determinado país. Entretanto, esse assunto é inerente ao mercado
cambiário e, portanto, fora do escopo da presente dissertação. Por tal razão, limitarnos-emos apenas em realizar apenas esses comentários.
A
transformação
das
limited
liability
companies
(equivalente
às
sociedades limitadas brasileiras) em public-held companies (equivalente às
sociedades anônimas abertas brasileiras) nos Estados Unidos – e em menor grau no
Brasil – permitiu que o capital-dinheiro passasse a ter contornos de capital-fictício,
personalizado a partir da oferta pública inicial (initial public offer) e, posteriormente,
eventual emissão de outros valores mobiliários. De certa forma, a especulação
cambial assemelha-se ao capital especulativo, quando valores mobiliários são
negociados, principalmente, no mercado secundário. Senão vejamos.
Após a oferta pública inicial de ações, cujo prospecto determina o valor
nominal de venda das ações, o valor das ações será formado conforme variação de
preço na bolsa de valores (valor de mercado), o que estimula movimentos
especulativos. Assim, por exemplo, uma sociedade anônima querendo alavancar
seu patrimônio por meio do aumento no valor de mercado de suas ações, divulga
alguma descoberta ou um investimento ao mercado. Muitos investidores,
provavelmente, comprarão ações dessa sociedade anônima com vistas a lucrar com
a venda dessas ações após um determinado aumento.
Concretamente, podemos mencionar a Óleo e Gás Participações S.A.
(mais conhecida como OGX), empresa do Grupo EBX, de Eike Batista, atuando nas
áreas de exploração e produção de petróleo e gás natural, que se capitalizou e
valorizou suas ações a partir da “venda” de expectativas ao público, cenário este
revertido no momento em que, após o período exploratório concedido pela Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, descobriu-se um emaranhado
de poços secos, o que fez com que esta e outras empresas do Grupo EBX
perdessem valor de mercado.
136
Para ilustrar outro caso real, bancos de investimentos tais como Goldman
Sachs, Deustche Bank e Morgan Stanley, ao perceberem que o mercado imobiliário
norte-americano iria entrar em colapso, passaram a comprar instrumentos
financeiros (credit default swaps) para se proteger contra (bet against) as obrigações
de dívidas de crédito (colaterallized debt obligations) que eles mesmos vendiam a
seus clientes211. Essa operação, na linguagem financeira, é conhecida por “venda a
descoberto”, que, diga-se de passagem, não há qualquer regulação específica, nem
mesmo
no
Brasil.
Acerca
desses
produtos
financeiros,
trataremos
mais
detalhadamente no item a seguir.
A consequência disso, ou seja, do capital especulativo é bastante
esclarecida por David F. Carvalho212, nos seguintes termos:
Acontece que o movimento autônomo do valor dos títulos de
propriedade em geral – sejam públicos ou privados – reforça a
aparência deles constituírem capital real ao lado do capital fictício ou
do
direito
que
possam
configurar.
Na
verdade,
com
o
desenvolvimento dos mercados financeiros organizados e regulados,
os títulos de propriedade em geral circulam como se fossem
mercadorias, com os seus preços de mercado sendo determinados
diversamente do nominal – sem que isso altere o valor do capital
real, embora se modifique sua valorização – já que os preços de
mercado dos ativos flutuam com o nível e o grau de confiança sobre
as expectativas dos rendimentos a que os títulos dão direito.
211
Manzie Chinn e Jeffry Frieden narram que: “On April 16 2010 the SEC charged Goldman Sachs
with working together with hedge fund manager John Paulson to create securities designed to fail if
the housing market declined, so that Paulson could bet against them. Goldman Sachs then sold those
securities to its clients (…) without disclosing that the securities were in fact expected to fail”.
Tradução livre da autora: “Em 16 de abril de 2010, a SEC multou o Goldman Sachs por ter trabalhado
em conjunto com o administrador de um fundo de hedge, John Paulson, para criar valores mobiliários
desenhados para falhar se o mercado imobiliário entrasse em colapso, de modo que Paulson poderia
apostar contra eles. O Goldman Sachs, em seguida, vendeu esses valores mobiliários aos seus
clientes (...) sem revelar que os valores mobiliários iriam, de fato, falhar” (Chinn, Manzie; Frieden,
Jeffry. Lost Decades: The Making of America´s Debt Crisis and the Long Recovery. WW Norton &
Company: New York, 2011, p. 95).
212
Carvalho, David F. Globalização Financeira, Mercados Especulativos e Crescimento Econômico
em Marcha Lenta. Disponível em: <http://www.naea.ufpa.br/novosite/paper/114>. Acesso em 25 de
junho de 2014.
137
O que se extrai do capital especulativo é que ele não se reveste em
contrapartida produtiva, em termos de geração de riqueza para a sociedade. Pelo
contrário, a crescente valorização artificial do capital fictício é uma das causas das
maiores crises financeiras dos últimos tempos, porquanto “as mesmas forças de
mercado que impulsionam a expansão valorativa do capital fictício na fase da
prosperidade, são também vulneráveis a choques e reversões da acumulação real
na fase de crise, desaceleração e depressão”213.
Ainda mais depois da crise subprime de 2008, resta indagar-nos: quem
precisa do mercado de capitais?
4.2.1 A Crise Subprime de 2008
A crise subprime de 2008, de fato, não teve apenas consequências
negativas. O lado positivo da crise foi revelar a fragilidade do sistema financeiro
internacional e a urgência no desapego da ideologia capitalista do laissez-faire.
Nos Estados Unidos, foi promulgado o Dodd-Frank Wall Street Reform
and Consumer Protection Act, de 21 de julho de 2010. No Brasil, foram editadas
algumas medidas fiscais e monetárias esparsas, conforme já tivemos a oportunidade
de apontar anteriormente neste Capítulo. Já no âmbito da União Europeia
promulgou-se: (i) o Regulamento das Infraestruturas do Mercado Financeiro (2012) e
(ii) a Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (2014), mais conhecida
como DMIF II, ainda pendente de aprovação final pelo Parlamento Europeu e pelo
European Securities and Markets Authority – órgão regulatório do mercado de
capitais da União Europeia. Vale dizer, que a DMIF I está disposta na Diretiva
2004/39/CE de 21 de abril (e entrou em vigor em 2007). Mas com a crise subprime
de 2008, ela foi "reformulada". Assim, em 2011, a Comissão Europeia propôs uma
nova revisão desta Diretiva, ou seja, a DMIF II, com implementação prevista para
2017.
213
Carvalho, David F. Globalização Financeira, Mercados Especulativos e Crescimento Econômico
em Marcha Lenta. Disponível em: <http://www.naea.ufpa.br/novosite/paper/114>. Acesso em 25 de
junho de 2014.
138
Entretanto, para se chegar a esse “nível” de regulação – inclusive no
âmbito internacional com a aprovação do Acordo de Basiléia III do Banco de
Compensações Internacionais – foi preciso uma crise que culminou no colapso dos
mais importantes conglomerados financeiros norte-americanos (sendo o Lehman
Brothers o primeiro deles – os demais, em decorrência de corridas bancárias, tanto
no sentido de saque generalizado dos depósitos à vista quanto no sentido de venda
dos valores mobiliários). Não obstante as peculiaridades do ordenamento jurídico
norte-americano, procuraremos aqui expor os principais acontecimentos desse
episódio fatídico.
Em verdade, a crise subprime de 2008 não foi a única crise com
desastrosa magnitude. A Grande Depressão, em 1929, causou bastante estrago na
economia norte-americana, mas sem a mesma dimensão da de 2008, porquanto
naquela época os mercados em geral não era tão dependentes uns dos outros.
Como resposta imediata à Grande Depressão, o Congresso aprovou o Glass
Steagall Act (Banking Act of 1933), visando regular o setor financeiro.
O maior triunfo dessa lei foi à proibição da especulação com a poupança
dos clientes das instituições financeiras. Em outras palavras, o Glass Steagall Act
impediu que os bancos comerciais negociassem valores mobiliários com os
depósitos à vista de seus clientes (Seções 19 e 21), com exceção de investimentos
em títulos da dívida pública federal. Essa incumbência passou a ser exclusiva dos
bancos de investimentos e das sociedades corretoras de valores mobiliários. E a
preocupação dessa segregação parecia clara para os responsáveis pela sua
elaboração: evitar eventuais conflitos de interesse214. Nestes termos,
Glass and Steagall, as well as others, accused banks of partnering
with affiliates which later sold securities to repay banks’ debts, or
accepted loans from banks to buy securities. They also worried that
214
Para evitar outras formas de conflito de interesses, a Seção 32 do Glass Steagall Act dispôs que:
“officers and directors of commercial banks (banks part of the Federal Reserve System) were barred
from holding advisory positions in companies whose primary purpose was trading securities”
(Tradução livre da autora: “administradores e diretores de bancos comerciais (bancos integrantes do
Sistema do Banco Central) ficaram impedidos de assumir cargos de consultoria em empresas cujo
objetivo principal era negociar valores mobiliários”).
139
banks engaged in risk-taking speculation, rather than investing in
corporations to promote growth215.
Adicionalmente, o Glass Steagall Act criou uma espécie de fundo
garantidor (Federal Deposit Insurance Corporation), com vistas a proteger os bancos
comerciais (e, portanto, sociedades corretoras de valores mobiliários e bancos de
investimentos estariam excluídos dessa proteção) contra as chamadas corridas
bancárias216.
Entretanto, quando Ronald Reagan assumiu a presidência dos Estados
Unidos, na década de 1980, iniciou-se um movimento de desregulamentação da
“indústria” financeira, como se referiam a Wall Street naquela época. E esse período
de desregulamentação durou cerca de 30 (trinta) anos. Contrariando o disposto no
Glass Steagall Act nomeou como Secretário do Tesouro norte-americano, o então
presidente do banco de investimento Merill Lynch, Donald Regan, que acabou
influenciando a promulgação, pelo presidente Bill Clinton, do Gramm-Leach-Blitey
Act (Financial Services Modernization Act of 1999), revogando parcialmente o Glass
Steagall Act.
Algumas foram às consequências dessa nova legislação, a saber: (i)
permitiu a consolidação dos bancos comerciais, bancos de investimentos,
sociedades corretoras de valores mobiliários e companhias seguradoras217; (ii)
retirou da agência reguladora norte-americana ou qualquer outra agência reguladora
do setor financeiro, a competência de regulá-lo; e (iii) permitiu operações de
derivativos, como forma de deixar o mercado financeiro mais seguro 218. Não
215
Tradução livre da autora: “Glass e Steagall, assim como outros, acusaram os bancos de parceria
com afiliadas que mais tarde venderiam valores mobiliários para pagar dívidas dos bancos, ou
empréstimos recebidos dos bancos para comprar valores mobiliários. Eles também temiam que os
bancos se envolvessem em especulações de risco, ao invés de investir em empresas para promover
o crescimento”. Disponível em: <http://www.nerdwallet.com/blog/banking/glass-steagall-actexplained/>. Acesso em 25 de junho de 2014.
216
Diferentemente do Brasil, o fundo garantidor norte-americano, atualmente, garante depósitos até o
montante de US$250,000 (duzentos e cinquenta mil dólares).
217
Com isso, a fusão entre as empresas Citigroup (banco comercial) e Travellers Group (companhia
seguradora), ocorrida antes da vigência do Gramm-Leach-Blitey Act, foi considerada legal.
218
Inclusive, e corroborando a ideologia de desregulamentação norte-americana, em 2000, também
sob a presidência de Bill Clinton, foi promulgado o Commodities Futures Modernization Act. Essa lei
dispôs sobre os derivativos over-the-counter (mercados de balcão), prescrevendo que operações de
derivativos entre “partes sofisticadas” (possivelmente entre instituições financeiras e fundos de
140
obstante, manteve a regra sobre as instituições financeiras que seriam garantidas
pelo governo norte-americano, por meio do Federal Deposit Insurance Corporation.
Ao tempo em que George W. Bush assumiu a presidência dos Estados
Unidos, em 2001, os intermediários financeiros (os conglomerados financeiros e
outras companhias garantidas pelo governo norte-americano para concessão de
empréstimos imobiliários), as seguradoras de títulos e valores mobiliários, as
corretoras de valores mobiliários e as agências de rating eram responsáveis por
grande parte das operações no mercado imobiliário.
O que era uma simples relação de empréstimo entre mutuante e mutuário
acabou por se tornar uma complexa e estruturada operação financeira, que, a
princípio, não parecia inofensiva e dentro da legalidade:
FIGURA 5 – OPERAÇÃO FINANCEIRA ESTRUTURADA
Pela sistemática regular de mercado, quando um indivíduo tem interesse
em se tornar proprietário de um bem imóvel e não há recursos próprios e suficientes
para tanto, esse indivíduo recorre a empréstimos bancários. Após a análise para a
concessão do crédito para a compra da casa própria (american dream), a instituição
investimentos) não serão consideradas como “futuro” ou “valores mobiliários”, sendo regulada pelas
agências privadas (autoregulação).
141
financeira (mutuante) firmava um contrato de mútuo com o mutuário, utilizando-se
uma hipoteca como garantia de pagamento das prestações219, tornando-se, assim,
credora hipotecária do mutuário. Na hipótese de inadimplência do devedor
hipotecário, a instituição financeira iniciava um processo de tomada da posse do
imóvel hipotecado (foreclosure) para, posteriormente, revendê-lo, na tentativa de
recuperar o valor mutuado.
Todavia, a desvantagem de um empréstimo de longo prazo (geralmente
em torno de trinta anos) é que a instituição financeira diminui sua capacidade de
realizar mais empréstimos e, conseguintemente, obter mais lucros. A ausência de
regulação (ou desregulamentação) dos mercados financeiro e de capitais norteamericano estimulou a capacidade inovativa e criativa dos intermediários financeiros.
E essa capacidade trouxe consigo a falta de transparência, ou como prefere dizer
alguns doutrinadores220, pelo erro de cálculo quanto à segurança desses novos
instrumentos financeiros, ou, ainda, pela imprudência dos mutuários em não
entender os riscos envolvidos nos contratos de empréstimos.
Assim,
como
concomitantemente,
forma
transferir
de
o
se
risco
capitalizar
de
em
inadimplência
curto
–,
prazo
os
–
e,
mutuantes
“empacotaram” as hipotecas (mortgage-backed securities) em diferentes camadas
(vide ilustração abaixo), cedendo-as aos bancos de investimentos, que passaram a
ser os credores do fluxo de pagamento das hipotecas.
FIGURA 6 – FLUXO DE PAGAMENTO DAS HIPOTECAS
219
Nos termos do artigo 1.419 do Código Civil, “nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou
hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação”.
220
Nesse sentido ver: Posner, Richard. A Failure of Capitalism: The Crisis of ’08 and the Descent into
Depression. Harvard University Press: Cambridge, 2009, p. 76.
142
Os cessionários221, ou seja, os bancos de investimentos criaram
derivativos extremamente complexos (lembre-se que era proibida sua regulação), in
casu, as obrigações de dívidas de crédito, lastreadas nas hipotecas compradas dos
cedentes e passaram a vender aos investidores (fundos de hedge, fundos de
pensão, outros bancos de investimentos e até mesmo governos de outros países),
sob a promessa de altos retornos. Isso porque o mercado imobiliário norteamericano estava bastante aquecido à época e um constante aumento no preço dos
imóveis se observava, porquanto imóveis são bens escassos, a procura era
relativamente alta e o crédito disponível.
Com o mercado aquecido, com a alta demanda por empréstimos
hipotecários e com uma legislação favorável, o governo cada vez mais encorajava
empresas como a Fannie Mae e o Freddie Mac a realizar mais e mais empréstimos,
inclusive para os mais necessitados, chamados de empréstimos NINJA (no income,
no job, no assets222). Tais empréstimos eram concedidos para indivíduos sem
histórico de crédito ou altamente endividados. Por isso, foram denominados como
subprime. Como consequência, estavam sujeitos a taxas de juros diferenciados e
flutuantes, indexadas às taxas de juros pagas pelo governo federal em seus títulos
de dívida pública. A desvantagem dessa indexação, por óbvio, causou oscilação nos
valores mensais a serem pagos pelos indivíduos. Adicionalmente, lhes eram
prometidos isenção da incidência de juros sobre o empréstimo por um período de
tempo (entre dois a três anos).
Referidas instituições financeiras, que eram garantidas pelo governo
norte-americano, passaram a “empacotar” esses empréstimos nas operações de
securitização de créditos223 em conjunto com os demais créditos considerados
221
Nos termos do artigo 286 do Código Civil, “o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se
opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão
não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação”.
222
Tradução livre da autora: “sem renda, sem trabalho e sem bens”.
223
A securitização pode ser conceituada como um “processo através do qual uma variedade de ativos
financeiros e não-financeiros (vamos chamá-los de ativos-base) são ‘empacotados’ na forma de
Títulos (títulos financeiros negociáveis) e então vendidos a investidores. Os fluxos de caixa gerados
pelos ativos-base são usados para pagar o principal e os encargos das securities além das despesas
da operação. As securities, por seu lado, são lastreados pelos ativos e são conhecidas por ‘Asset
Backed Securities’ (‘ABS’, expressão em inglês que significa Securities Lastreada por Ativos)”
(Machado, Tiziane. Securitização de Recebíveis – O Que Tem de Atrativo?. Disponível em:
143
“bons” (vide ilustração acima). E para dar credibilidade a esses ativos, os bancos de
investimentos contratavam agências de rating, para classificar os riscos de
inadimplência desses ativos.
A despeito de um patente conflito de interesses, a classificação desses
ativos em sua pontuação mais alta (por exemplo, AAA224), os transformou em uma
espécie de santo graal dos investimentos, especialmente para alguns fundos, cuja
política de investimento restringe a aquisição de ativos abaixo de determinada nota.
Quanto maior a nota de um ativo, menor a chance de inadimplência (menor risco de
crédito), maior a demanda dos investidores e, portanto, maior receita aos bancos de
investimentos (por meio do pagamento de comissões pelo seu papel de underwritter)
e menor remuneração do capital investido aos investidores. Nesse sentido, as
agências de rating falharam em não separar o joio do trigo (os “ativos bons” dos
“ativos tóxicos”).
Buscando oportunidades de negócios, as seguradoras de títulos de
valores mobiliários criaram uma espécie de seguro contra a inadimplência dos
muturários chamados de troca de créditos padrão (credit default swap). Assim,
aqueles que detêm as obrigações de dívidas de crédito, podiam contratar com as
seguradoras essas “garantias”, mediante pagamento de um prêmio trimestral. Isso
porque os investidores passam a ser os legítimos credores dos mutuários.
Nos termos do artigo 757 do Código Civil, “pelo contrato de seguro, o
segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo
do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.
Depreende-se, pois, que: (i) havia o pagamento do prêmio pelos investidores (ainda
que trimestralmente); (ii) havia um interesse legítimo do segurado (proteção contra
perdas futuras); e (iii) havia um risco predeterminado (inadimplência do mutuário).
Vale dizer que o pagamento da remuneração aos investidores era
realizado normalmente, desde que houvesse o pagamento regular do contrato de
<http://www.animainfo.com.br/site/wp-content/uploads/2007/11/securitizacao.pdf>. Acesso em 25 de
junho de 2014).
224
Cada agência de rating tem seu método de classificação próprio.
144
mútuo pelos mutuários. Em contrapartida, a remuneração do mutuante e dos bancos
de investimentos era paga antecipadamente, ou seja, quando da assinatura do
contrato de mútuo ou quando da securitização dos créditos, respectivamente 225.
Havia, portanto, grande incentivo para uma atuação irresponsável. O mesmo
raciocínio pode ser aplicado às agências de rating, uma vez que também não eram –
e ainda continuam não sendo – reguladas. Como imputar responsabilidade nesses
casos?
Percebe-se que o mercado financeiro e de capitais norte-americano –
muito embora, não seja estruturalmente diferente no Brasil – é singularmente
segmentado, na qual cada intermediário financeiro desempenha um papel nas
operações de securitização. E Liza Keyfetz226 discorre que:
The mortgage industry argues that such segmentation creates
benefits for lenders, investors, and borrowers. For lenders,
securitization serves as a leveraging tool, allowing the mortgage
originator to receive immediate repayment on loan originations from
which to originate new loans. For investors, securitization of a
subprime mortgage creates a new, diverse asset class with varied
sensitivity and correlation to changes in interest rates. For borrowers,
the increased liquidity of mortgages combined with access to a new
225
E a esse respeito, diversas foram as críticas quanto às formas de remuneração ou compensação
dos executivos dos intermediários financeiros. Como foge ao escopo da presente dissertação, não
vamos nos aprofundar nesse assunto. Mas o entendimento prevalecente era que “if shareholders
want the CEO to take really enourmous risks, they will have to pay him really enourmous
compensation to make his expected compensation equal to that of this peers”. Tradução livre da
autora: “se os acionistas querem que o CEO assumam riscos realmente grandes, eles terão de pagarlhe uma indenização realmente vantajosa para fazer com que sua expectativa de compensação seja
igual ao de seus pares” (Posner, Richard. Economic Analysis of Law. 8.ed. Aspen Publishers: New
York, 2010, p. 564).
226
Tradução livre da autora: “A indústria da hipoteca argumenta que essa segmentação cria
benefícios para credores, investidores e mutuários. Para os credores, a securitização serve como
uma ferramenta de alavancagem, permitindo que o originador receba o pagamento imediato da
originação dos empréstimos, a partir da qual se originam novos empréstimos. Para os investidores, a
securitização de hipotecas subprime cria uma nova, diversificada classe de ativos, com sensibilidade
variada e coligada às alterações nas taxas de juros. Para os mutuários, o aumento da liquidez das
hipotecas combinadas com o acesso a uma nova fonte de capital permite, sem dúvida, um acesso ao
crédito mais generalizado a juros baixos” (Keyfetz, Liza. The Home Ownership and Equity Protection
Act of 1994: Extending Liability for Predatory Subprime Loans to Secondary Mortgage Market
Participants.
Disponível
em:
<http://www.kttlaw.com/images/news/keyfetz_home_ownership_equity_protection.pdf>. Acesso em 25
de junho de 2014).
145
source of capital arguably allows for more widespread access to
credit and low interest.
Contudo, a segmentação em comento provocou uma lacuna regulatória,
culminando na crise subprime. No caso norte-americano, a lacuna se sentiu
justamente pela ausência de regulação. Analisando o contexto brasileiro, a
segmentação torna a regulação complexa, por conta da atuação conjunta de 03
(três) órgãos diferentes na produção normativa (Conselho Monetário Nacional,
Banco Central do Brasil e Comissão de Valores Mobiliários). E, esse cenário reflete
a teoria das escolhas trágicas, desenvolvida por Guido Calabresi e Philip Bobbitt 227.
Ou seja, ao escolher uma situação “x”, desiste-se da situação “y” e essa desistência
acarreta em um custo. Esse custo é a ausência de escolha pela parte vencida que
não vê outra opção a não ser respeitar o Direito. Portanto, tendo em vista a
fragilidade dos mercados financeiro e de capitais, o legislador brasileiro prestigiou a
regulação em detrimento da liberdade sem limites, porquanto a alternativa disponível
não era satisfatória.
O endividamente excessivo e desnecessário dos indivíduos de uma
sociedade – e que acabaram por perder suas residências para pagar o débito
contraído junto às instituições financeiras – é apenas uma maneira superficial de
promoção do crescimento econômico e do desenvolvimento social. Em entrevista
para o documentário Trabalho Interno228, George Soros chegou à conclusão de que
a desregulamentação do setor financeiro contou com significante apoio financeiro e
intelectual, porquanto os intermediários financeiros apenas a defendiam em
benefício próprio.
227
Para aprofundar no tema, recomendamos as seguintes leituras: Calabresi, Guido; Bobbitt, Philip.
Tragic Choices. WW Norton & Co.: New York, 1978 e Holes, Stephen; Sustein, Cass R. The Cost of
Rights: Why Liberty Depends on Taxes. WW Norton & Co.: New York, 1999. Criticando a teoria das
escolhas
trágicas,
ver:
Barry,
Brian.
Tragic
Choices.
Disponível
em:
<http://www.jstor.org/discover/10.2307/2380518?uid=3737664&uid=2134&uid=2&uid=70&uid=4&sid=
21104489584783>. Acesso em 14 de julho de 2014.
228
TRABALHO Interno. Direção: Charles H. Ferguson. Produção: Charles H. Ferguson e Audrey
Marrs. Narrador: Matt Damon. Intérpretes: George Soros; Barney Frank; Lee Hsien Loong; Christine
Lagarde; Eliot Spitzer e outros. Roteiro: Charles H. Ferguson. Música: Alex Heffes. Estados Unidos da
Amércia: Sony Pictures Classics, 2010. 1 DVD (120MIN), Color. Produzido por Sony Pictures
Classics.
146
No final das contas, a única conclusão que se chega é a total
desconsideração do setor financeiro com o impacto que seus atos têm sobre a
sociedade. No momento em que se percebeu uma queda vertiginosa nos preços das
residências e os mutuários se viram com uma dívida maior que o valor de sua
propriedade, os intermediários financeiros mantiveram suas operações em alta,
entretanto, protegendo-se a si próprios, por meio de derivativos disponíveis no
mercado (o tal do betting against). Por outro lado, os mutuantes simplesmente
abandonaram os seus imóveis por insuficiente capacidade de adimplir com suas
obrigações hipotecárias.
Internamente tem-se a seguinte equação: com a inadimplência, o crédito
tornou-se escasso. Reduziu-se tanto o consumo quanto à capacidade produtiva das
atividades econômicas geradoras de riqueza. E, como em um círculo vicioso, uma
alta taxa de desemprego. A poupança pessoal seria o modo pela qual esse círculo
vicioso seria interrompido. Entretanto, a poupança pessoal, em especial os depósitos
bancários (lembrando que outra forma de poupança pessoal é ser titular de ações de
sociedades anônimas listadas em bolsa de valores), em grande parte, foi utilizada
como capital especulativo das instituições financeiras. O resultado não poderia ser
mais óbvio:
When stock prices and specially housing prices plummet after their
steep ascent fueled by cheap credit (as they had to do eventually
because they had been driven up not by fundamentals economic
changes but expectations that turned out to be mistaken), the market
value of personal savings, concentrated in those risky assets,
plummet too229.
Externamente, os efeitos foram sentidos por conta da globalização.
Sistemas bancários interconectados, venda de valores mobiliários a instituições
financeiras e fundos de investimentos por meio de filiais dos intermediários
229
Tradução livre da autora: “Quando os preços das ações e, especialmente, os preços da habitação
despencaram após uma alta elevada alimentada pelo crédito barato (como teria de ser,
eventualmente, porquanto aumentaram não por mudanças nos fundamentos econômicos, mas em
virtude de expectativas que acabaram por ser errôneas), o valor de mercado da poupança pessoal,
concentrado nesses ativos de risco, também despencaram” (Posner, Richard. A Failure of Capitalism:
The Crisis of ’08 and the Descent into Depression. Harvard University Press: Cambridge, 2009, p. 34).
147
financeiros ao redor do mundo e uma estrutura de pagamento das hipotecas em
tranches, na qual quanto mais arriscado o investimento, maior o retorno; porém,
menores as chances de ganhos reais na hipótese de inadimplência.
A complexa teia formada ao redor das hipotecas não previu – ou preferiseu à omissão – que o mercado financeiro não suportaria uma inadimplência
generalizada e que o nível de alavancagem das instituições financeiras, mea culpa
do capital especulativo, não era suficiente para conter a crise que estava por se
instaurar. A noção de que o mercado financeiro é racional, se esvaire a partir do
entendimento de que um comportamento individual pode acarretar péssimos
resultados quando coletivamente considerados. O que poderia ter sido uma mera
recessão nos Estados Unidos acabou por alastrar em diversos países.
4.3 A RELAÇÃO DA LAW & ECONOMICS COM O MERCADO FINANCEIRO
Não há como negar a influência que o Direito exerce sobre os fatores
econômicos e vice-versa. E a evidência mais clara dessa assertiva pode ser
exemplificada com a crise subprime de 2008. Mas será que a relação entre Direito e
Economia é sempre de colaboração, de unidade de objetivos e percepções? O
conflito entre Direito e Economia é explicado por Bruno Meyerhof Salama 230,
conforme transcrito abaixo:
Enquanto o Direito é exclusivamente verbal, a Economia também é
matemática; enquanto o Direito é marcadamente hermenêutico, a
Economia é marcadamente empírica; enquanto o Direito aspira ser
justo, a Economia aspira ser científica; enquanto a crítica econômica
se dá pelo custo, a crítica jurídica se dá pela legalidade. Isso torna o
diálogo entre economistas e juristas inevitavelmente turbulento, e
geralmente bastante destrutivo.
230
Salama, Bruno Meyerhof. O Que É “Direito e Economia”? In: Timm, Luciano Benetti (org.). Direito
e Economia. Editora Livraria do Advogado: Porto Alegre, 2008, p. 49.
148
Enquanto a Economia prega princípios tais como valor, utilidade e
231
eficiência
, o Direito dá ênfase à idéia de justiça social. O sistema jurídico pretende
garantir a dignidade da pessoa humana por meio da justiça social de modo a
alcançar os direitos fundamentais. Pela teoria econômica aplicada ao Direito, este
deveria ser orientado à maximização da riqueza. De fato, a eficiência talvez seja
uma das mais significativas premissas da análise econômica de um sistema jurídico.
E uma das maiores contribuições da teoria econômica aplicada ao estudo do Direito
é instigar a investigação sobre a forma pela qual as normas são produzidas dentro
de um sistema jurídico como critério de avaliação de sua eficácia social.
Richard Posner, juiz norte-americano responsável pelo surgimento da Law
and Economics como disciplina autônoma, além de ser membro da Escola de
Chicago, foi o autor de um livro chamado Economic Analysis of Law. Esse livro
busca afirmar que a economia é uma poderosa ferramenta de análise de uma ampla
gama de questões jurídicas e, portanto, seria possível sistematizar a aplicação do
postulado econômico para todos os ramos do conhecimento jurídico. Entretanto,
Richard Posner ressalva que “because economics cannot tell us whether the existing
distribution of income and wealth is good or bad, just or injust – although it can tell us
a great deal about the costs altering the existing distribution – the economists cannot
issue mandatory prescriptions of social change”232.
Assim, basicamente esta teoria prega que o Direito deve convergir com a
racionalidade econômica, definindo direitos de propriedade e reduzindo os custos de
transação. E a racionalidade econômica é uma ciência que estuda as escolhas
racionais, na qual os recursos são limitados em relação às necessidades humanas.
Isto significa que na busca incessante da satisfação dos desejos e interesses
231
Após ser severamente criticado por tal teoria, Richard Posner tornou-se pragmático reconhecendo
que, “por mais que se tente justificar a defesa das liberdades individuais com base em critérios de
eficiência (por exemplo, sustentando que no longo prazo o Estado Democrático de Direito promove o
desenvolvimento econômico e as liberdades individuais), haverá casos em que a repulsa ao trabalho
escravo, à exploração de menores, à tortura, às discriminações raciais, religiosas ou sexuais, etc. terá
de ser feitas em bases outras que não a eficiência” (Salama, Bruno Meyerhof. O Que É “Direito e
Economia”? In: Timm, Luciano Benetti (org.). Direito e Economia. Editora Livraria do Advogado: Porto
Alegre, 2008, p. 59).
232
Tradução livre da autora: “porque a economia não pode nos dizer se a atual distribuição de renda
e riqueza é boa ou má, justa ou injusta – muito embora ela possa dizer muito sobre os custos de
alterar a distribuição existente – o economista não pode emitir prescrições imperativas para mudança
social” (Posner, Richard. Economic Analysis of Law. 8.ed. Aspen Publishers: New York, 2010, p. 19).
149
individuais233, tal indivíduo vai se tornar parte no cenário social e harmonizar com os
interesses de terceiros, gerando, portanto, benefícios coletivos.
Por essa teoria, quando os Estados intervêem além de certos limites, isso
gera, na solução de externalidades, custos tanto privados quanto sociais. Referidos
custos serão certamente e significativamente injustos em determinadas situações,
devido à natural ineficiência econômica da intervenção, que não permite o exercício
da racionalidade econômica. Para comprovar sua hipótese, Richard Posner nos
remete à teoria dos jogos, exemplificando com uma lei norte-americana que permite
que as universidades disponibilizem o histórico escolar de seus alunos a potenciais
empregadores, se o estudante assim autorizar a divulgação. Discorrendo sobre o
caso, o autor chegou à conclusão que:
If no student gave permission, an employer considering a job
application from a college student would assume that the student had
average grades – what else could he assume? Students with aboveaverage grades would be hurt by this assumption, so they would
begin giving permission to their schools to release their transcripts.
Eventually all students with grades above the midpoint would grant
such permission. So now when an employer received an application
from a student who had not released his transcript, the employer
would assume that the student was in the middle of the lower half of
the grade-point distribution, because everyone in the upper half would
have released his grades. So every student in the third quartile (that
is, in the upper half of the lower half of the grade distribution) would
be disadvantaged by nondisclosure and would reveal his grades.
Eventually only the student with the very lowest grades would have
nothing to gain from disclosure – and his failure to disclose would
reveal his rank as unerringly as if he had disclosed it234.
233
Importante ressaltar que o sentido de “interesses individuais” dado por Richardo Posner reflete o
entendimento de que é tarefa da economia explorar as implicações de assumir que o homem é um
maximizador racional de seus objetivos e satisfações na vida. (Posner, Richard. Economic Analysis of
Law. 8.ed. Aspen Publishers: New York, 2010, p. 3).
234
Tradução livre da autora: “se nenhum aluno der permissão, o empregador ao considerar um
pedido de emprego por um estudante universitário suporia que o aluno teve notas médias – o que
mais ele poderia supor? Alunos com notas acima da média ficariam ressentidos por essa suposição,
por isso, eles iriam começar a dar permissão para as suas escolas liberar seus históricos.
Eventualmente, todos os alunos com notas acima da média concederiam tal permissão. Agora,
150
Richard Posner visa revelar que o estudo de comportamentos
estratégicos evita que pessoas com preferências distintas ajam de forma diferente.
Contudo, esclarece Lawrence E. Mitchell235 que:
But this premise underlying the modern economic analysis of law –
that efficiency for one is efficiency for all – may be overstated, at least
in times of change and stress. Certainly it has been called into
question by economic collapse following an era of substantial
deregulation in which individuals and institutions were free to pursue
their self-interest with a vengeance. The traditional economic analysis
of law, by providing much of the intellectual underpinning for this
deregulation, helped to lead to bad results because of its failure to
question whether, how, and when microefficiency really does produce
socially desirable economic results.
Mas qual a relação de tudo isso com o mercado financeiro e de capitais?
Ora, conforme dissemos no tópico anterior, a teia complexa e organizada das
operações financeiras estruturadas baseou-se tão somente no instituto jurídico das
hipotecas. De fato, a hipoteca é um instituto exclusivamente jurídico e disciplinado
pelo Código Civil, principalmente nos artigos 1.419 a 1.430. E, nos termos do artigo
1.225, a hipoteca é um direito real. Portanto, sua força jurídica, enquanto garantia de
negócios jurídicos, é inquestionável. Só que veremos que não é bem assim.
quando um empregador recebe um pedido de emprego de um estudante que não deu autorização
para a divulgação de seu histórico, o empregador suporia que o estudante estava na metade inferior
da distribuição de notas, porque todo mundo na metade superior divulgaram suas notas. Assim, cada
aluno do terceiro quadrante (ou seja, na metade superior da metade inferior da distribuição de notas)
estaria em desvantagem em função do sigilo e, assim, passaria a revelar suas notas. Eventualmente,
apenas o aluno com as notas muito mais baixas não teria nada a ganhar com a divulgação – e a falta
de divulgação revelaria sua posição como infalivelmente como se ele tivesse revelado” (Posner,
Richard. Economic Analysis of Law. 8.ed. Aspen Publishers: New York, 2010, p. 25).
235
Tradução livre da autora: “Mas essa premissa subjacente à análise econômica do direito moderno
– que a eficiência para um é a eficiência para todos – pode ser exagerada, pelo menos em tempos de
mudança e estresse. Certamente ela foi posta em cheque pelo colapso econômico seguido de uma
era de substancial desregulamentação em que os indivíduos e as instituições eram livres para
perseguir seus próprios interesses com uma vingança. A tradicional análise econômica do direito,
fornecendo a maior parte do suporte intelectual para esta desregulamentação, ajudou a levar a maus
resultados por causa de seu fracasso em questionar se, como e quando a microeficiência realmente
produz resultados econômicos socialmente desejáveis” (Mitchell, Lawrence E. Toward a New Law
and Economics: The Case of the Stock Market. Disponível em: <http:sstn.com/abstract=1557730>.
Acesso em 20 de junho de 2013).
151
A hipoteca pode também ter contornos econômicos, muito embora sua
natureza seja jurídica. Mas como? Pois bem. A hipoteca – e isso também serve para
o cenário brasileiro –, enquanto garantidora de negócios jurídicos, como regra, é
utilizada, no caso de instituições financeiras, como forma de tornar o crédito mais
barato (lógica econômica da hipoteca), ou, como afirma Luiz Kleber Zanchim,
“reforçar a expectativa do credor de receber os recursos emprestados” 236. Em outras
palavras, para aplicar a teoria do Richard Posner, a hipoteca é uma forma de reduzir
os custos de transação (por exemplo, diminuindo os juros incidentes em uma dada
operação) e, de certa forma, definir os direitos de propriedade.
A hipoteca trouxe, em um primeiro momento, segurança jurídica e
confiança às operações de empréstimo, até o momento em que não trouxe mais. Ou
seja, quando os imóveis garantidos por hipoteca passaram a perder valor, as
chances de os mutuantes recuperarem a totalidade do valor mutuado eram bastante
irrisórias, senão ínfimas, se levarmos em consideração igualmente, que do outro
lado da corda, havia também um devedor em estado de quase insolvência.
Ainda que se queira argumentar que a crise subprime de 2008 decorreu
ou por iliquidez ou por insolvência dos intermediários financeiros, a hipoteca acabou
por perder sua função social, notadamente a de garantir o adimplemento da
obrigação. Diante dessa circunstância, conclui Luiz Kleber Zanchim 237 que essas
assertivas simplesmente demonstram que “precisamos enxergar as figuras jurídicas
por múltiplos pontos de vista. Se o imóvel hipotecado não tem liquidez, de que serve
a hipoteca? Para quem concede crédito (...) ter garantia não significa apenas a
possibilidade de obter uma decisão favorável de um juiz. O credor quer também
condições de, em concreto, recuperar o dinheiro que emprestou”.
Não buscamos aqui refutar o instituto das hipotecas. Apenas demonstrar
que há efetivamente uma tensão em tentar sobrepor ciências com objeto diferentes,
não obstante possam andar lado-a-lado. Adicionalmente, buscamos demonstrar aqui
que o sistema – jurídico e econômico – é falível, de modo que se pretende o
236
Zanchim, Luiz Kleber. Crise e Conflito entre Direito e Economia. Valor Online. 11 de março de
2009.
237
Zanchim, Luiz Kleber. Crise e Conflito entre Direito e Economia. Valor Online. 11 de março de
2009.
152
desenvolvimento de técnicas ou ferramentas mitigadoras dos riscos decorrentes de
crises financeiras.
É possível concluir a partir dos mais recentes eventos financeiros e a
tendência de mínima interferência, que a saúde econômica não pode autosustentarse, quando se trata da dinâmica da economia às demandas sociais. Sempre haverá
externalidades e cumpre ao Estado necessário buscar meios de mitigar tais efeitos.
Ao passo que uma indústria, por exemplo, polui o meio ambiente de um lado, de
outro, emprega pessoas, paga impostos, contribui com o desenvolvimento do país,
etc. Entretanto, a legislação ambiental instituiu o princípio do poluidor-pagador238
(artigo 4°, inciso VII da Lei n° 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio
Ambiente), a fim de mitigar os efeitos nocivos da atividade econômica.
O direito ao desenvolvimento, a ser tratado no próximo Capítulo, ficaria
parcialmente ou totalmente comprometido sem a mão visível do Estado necessário.
4.4 ESTADO NECESSÁRIO OU AUTOREGULAÇÃO?
Quando da desregulamentação do mercado financeiro nos Estados
Unidos, ou seja, com a entrada em vigor do Gramm-Leach-Blitey Act, restou
entendido que os “bankers could be trusted as a matter of their own self-interest to
avoid taking excessive risks, for they well understood the inherent riskiness of their
business”239. Entretanto, vislumbrou-se que a racionalidade humana não acarreta,
necessariamente, uma eficiência econômica.
Por vezes, questiona-se o papel do Direito nas “sociedades das finanças”,
marcado pelos seguintes fatores não exaustivos, a saber: (i) o acúmulo de volume
238
Referido princípio é também encontrado no artigo 225, § 3° da Constituição Federal de 1988,
como também no princípio 16 da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (1992).
239
Tradução livre da autora: “banqueiros se podiam confiar por questões de interesse próprio, a fim
de evitar a tomada de riscos excessivos, porquanto eles bem entendem os riscos inerentes ao seu
próprio negócio” (Posner, Richard. Economic Analysis of Law. 8.ed. Aspen Publishers: New York,
2010, p. 616).
153
crescente de riqueza monetária, na forma de ativos financeiros (títulos e valores
mobiliários) com diferentes graus de liquidez e em diferentes moedas; (ii) a
mobilidade crescente desses ativos, de forma que seu movimento foge ao controle
dos bancos centrais; e (iii) a ausência de uma lógica territorial (ou, em outros termos,
a existência de diversidade geográfica) desses ativos financeiros240.
O descompasso entre o Direito posto e a realidade que se pretende
regular é visível. Como regular esse mercado sem comprometer, todavia, o próprio
mercado financeiro e de capitais e a efetividade do direito ao desenvolvimento? A
ausência de uma regulação estatal abre espaço para a atuação de fontes
alternativas de Direito de natureza privada (autoregulatória) ou até mesmo de direito
internacional público por meio de organizações internacionais, em especial, o Banco
de Compensações Internacionais241 e a Organização Internacional das Comissões
de Valores Mobiliários242. A autoregulação, entretanto, não é necessariamente
sinônimo de ausência de regulação e tal entendimento é expresso conforme segue:
Três traços caracterizam a auto-regulação: (i) é uma forma de
regulação e não ausência desta, isto é, a auto-regulação é uma
espécie de gênero regulação; (ii) é uma forma de regulação coletiva,
pois não existe auto-regulação individual; e (iii) é uma forma de
regulação não estatal podendo também ser definida como regulação
não pública. Aplicada ao sistema econômico, a expressão autoregulação pode ser utilizada com três sentidos diferentes: (i) como
240
Nesse sentido, ver lições de Corazza, Gentil. Globalização Financeira: A Utopia do Mercado e a
Re-Invenção
da
Política.
Disponível
em:
<http://www.seer.ufu.br/index.php/revistaeconomiaensaios/article/view/1544/1370>. Acesso em 25 de
junho de 2013.
241
Nesta seara, podemos citar o já mencionado Acordo de Basiléia. O Acordo de Basiléia I (1988)
definiu mecanismos para mensuração do risco de crédito e estabeleceu a exigência de capital mínimo
para suportar riscos. O Acordo de Basiléia II (2004) teve como principais objetivos: (i) promover a
estabilidade financeira; (ii) fortalecer a estrutura de capital das instituições financeiras; (iii) favorecer a
adoção das melhores práticas de gestão de risco; e (iv) estimular maior transparência e disciplina de
mercado. O Acordo de Basiléia III (2010) pretendeu proporcionar um conjunto de iniciativas para
reestabelecer o sistema financeiro após a crise subprime de 2008, forçando as instituições financeiras
aumentar sua reserva de capital, a fim de se proteger contra futuras crises (de 2% para 7% do total
de suas reservas).
242
Organismo internacional voltado especificamente para o mercado de capitais internacionais, em
maio de 2008, por meio de um Comitê Técnico criado especificamente para estudar a crise subprime
de 2008 e seus efeitos, emitiu apenas um relatório com recomendações aos órgãos regulatórios, com
vistas à proteção dos efeitos colaterais provenientes de eventuais problemas sistêmicos. Referido
relatório,
em
sua
íntegra,
pode
ser
encontrado
no
seguinte
sítio:
<http://www.iosco.org/library/pubdocs/pdf/IOSCOPD273.pdf>. Acesso em 23 de junho de 2013.
154
capacidade de funcionamento equilibrado da economia, sem
necessidade de normas exteriormente impostas aos agentes
econômicos; (ii) como regulação de um determinado grupo de meio
de normas voluntárias e autovinculação voluntária; e (iii) como
capacidade de um determinado grupo de se regular a si mesmo
mediante reconhecimento oficial e com meios de direito público243.
Verifica-se, pois, que o fato de existir autoregulação não torna o sistema
mais fraco; sequer é um aspecto negativo. O Brasil, a despeito das agências
regulatórias vinculadas ao Ministério da Fazenda e já comentadas anteriormente,
permite a atuação de entidades privadas dos mercados financeiro e de capitais. A
própria Lei n° 6.385/1976, em seu artigo 8°, § 1° combinado com o artigo 17,
conferiu poderes e autonomia às seguintes entidades: (i) Bolsa de Valores; (ii) Bolsa
de Mercadorias e Futuros244; (iii) entidades do mercado de balcão organizado 245; e
(iv) entidades de compensação e liquidação246. Dispôs também, referida Lei, que tais
entidades atuarão como órgãos auxiliares da Comissão de Valores Mobiliários,
fiscalizando seus respectivos membros e as operações com valores mobiliários
nelas realizadas.
Por sua vez, atuando no interesse dos intermediários financeiros, a
Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais, por
meio de seu Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas, estabelece
normas, parâmetros e princípios a serem observados pelos intermediários
financeiros, contribuindo para uma constante melhoria dos padrões éticos e
operacionais envolvendo os mercados financeiro e de capitais. Na mesma esteira, a
243
Moreira, Vital. Auto-Regulação Profissional e Administração Pública. Almedina: Coimbra, 1997, pp.
52-53.
244
Em 2008, a Bolsa de Valores de São Paulo funde com a Bolsa de Mercadorias e Futuros,
surgindo, pois, a Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo.
245
Entidades participantes do sistema brasileiro de distribuição de valores mobiliários, tais como
sociedades corretoras, sociedades distribuidoras e bancos de investimentos. A negociação é feita de
forma “privada”, porquanto realizada fora do ambiente das bolsas de valores, mas são fiscalizadas
pelas entidades administradoras, pela Comissão de Valores Mobiliários e pelo Banco Central do
Brasil. Há um intermediário especial (chamado de “formador de preço”), que será responsável pela
liquidez dos títulos, executando ordens de compra e venda por parte dos investidores, sendo
remuneração por meio de spread.
246
Por exemplo, o Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC (processando a emissão, o
resgate, o pagamento de juros e a custódia de títulos públicos federais) e a Câmara de Custódia e
Liquidação – CETIP (responsável pelo registro de títulos escriturais e a liquidação financeira dos
títulos por ela custodiados).
155
Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuro de São Paulo regula, por exemplo, os
diferentes níveis de governança corporativa das sociedades ali listadas247.
Seria incabível, portanto, apontar apenas a falta de regulação – ou a
existência de uma autoregulação – como culpado exclusivo pelo colapso dos
intermediários financeiros no contexto da crise subprime de 2008. Todos os
envolvidos têm a sua parcela de culpa. Os governos por suas omissões; os
intermediários financeiros pela forma agressiva de atuar nos mercados financeiro e
de capitais; a população em geral, que também se aproveitou da situação para
especular no mercado imobiliário.
De certa forma, também tem uma parcela de culpa as organizações
internacionais, em especial o Banco de Compensações Internacionais, que permitiu
– e ainda permite – alta alavancagem das instituições financeiras (se se pensar que
antes da crise recomendava-se reservas de 2% sobre o patrimônio líquido e, no póscrise, elevou esse percentual para apenas 7%).
Não obstante, seria ingênuo pensar sobre uma eventual substituição do
sistema capitalista para qualquer outro modelo. Mesmo o colapso dos mercados
com a crise subprime de 2008 o capitalismo será o sistema econômico vigente. O
mesmo raciocínio pode ser aplicado aos mercados financeiro e de capitais.
Impossível pensar o retorno a um sistema de escambo em pleno século XXI.
Ademais, o mercado de capitais é uma forma relativamente segura de financiamento
de empreendimentos produtivos, desde que devidamente regulamentado. E para
sua devida regulamentação, adverte John H. Welch248 que as agências regulatórias
deverão se ater a certos axiomas comportamentais dos intermediários financeiros, a
saber:
247
Nesse sentido, ver: Fernandes, Ana Carolina Souza. A Poison Pill Como Mecanismo Contratual de
Defesa Contra Tomada de Controle em Companhias com Dispersão Acionária. São Paulo, 2013.
128f. Monografia (LL.M em Direito dos Contratos e Direito Societário) – Insper Instituto de Ensino e
Pesquisa, São Paulo, 2013, pp. 100-108.
248
Welch, John H. Futurologia Financeira Global: Implicações do Pós-Crise. In: Barros, Octavio de;
Giambiagi, Fábio (orgs.). Brasil Pós-Crise: Agenda para a Próxima Década. 2.reimp. Elsevier: Rio de
Janeiro, 2009, p. 43.
156
(i) se as instituições financeiras e os investidores puderem aumentar a
alavancagem, elas certamente o farão;
(ii) se as instituições financeiras puderem transferir o risco para o governo
a um custo baixo, elas o farão e irão alavancar esse risco;
(iii) quanto mais regras, maiores serão as oportunidades de ocultar coisas
dos reguladores e investidores;
(iv) se os investidores perderem dinheiro, eles tentarão recuperá-lo
através dos intermediários e do governo; e
(v) se as instituições financeiras puderem se tornar grandes demais (ou
complicadas demais) para falir, assim o farão.
Em outras palavras, quer-se dizer que as instituições financeiras buscarão
potencializar todos os frutos de um investimento e socializar todas as perdas e tais
axiomas deverão ser levados em consideração quando da elaboração de normativos
por parte do Conselho Monetário Nacional, do Banco Central do Brasil e da
Comissão de Valores Mobiliários.
Não se olvida que o Brasil, após o processo de abertura de sua
economia, modificou qualitativamente sua posição no cenário internacional. Estima o
Fundo Monetário Internacional, que, em 2014, o Brasil manterá sua posição de 7°
(sétima) maior economia do mundo, produzindo cerca de US$2,215 trilhões em
produtos e serviços, não obstante a pífia estimativa de crescimento. Dentre todas as
variáveis que contribuíram para esse crescimento econômico, podemos destacar o
aumento dos investimentos externos diretos (ilustração abaixo) e o desenvolvimento
do mercado de capitais doméstico249.
249
Recentemente, o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou medidas de aquecimento do
mercado de capitais doméstico, de modo a incluir empresas de pequeno porte nesse nicho, seja
abrindo
o
capital,
seja
emitindo
valores
mobiliários.
Disponível
em:
<http://www.bmfbovespa.com.br/pt-br/noticias/2014/Ministro-Guido-Mantega-anuncia-medidas-deestimulo-ao-mercado-de-capitais-na-BMFBOVESPA-2014-06-16.aspx?tipoNoticia=1&idioma=pt-br>.
Acesso em 30 de junho de 2014.
157
FIGURA 7 – RANKING DE INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS
(EM US$ BILHÕES)
Fonte: sítio do G1
Desde a Constituição Federal de 1988, o Brasil adotou uma postura de
economia social de mercado, prestigiando o princípio do livre comércio e da iniciativa
privada, sem descuidar dos aspectos sociais como forma de promover o crescimento
econômico e o desenvolvimento sustentável do país. O Estado, portanto, se faz
necessário, muito embora tal ideia não seja compartilhada por todos, cujo principal
argumento resume em dizer que se os mercados são imperfeitos, os reguladores
também o serão, porquanto estão sujeitos às influências políticas250.
O Estado, pois, é necessário no sentido de equilibrar os valores
preponderantes na sociedade (justiça social), e não determinar o rumo das
atividades econômicas, ou até mesmo ser o detentor de todos os fatores de
produção. Nesse sentindo, a intervenção no domínio econômico pode se dar de 02
(duas) maneiras, ou seja, direta ou indiretamente.
250
Nesse sentido: Soros, George. Financial Turmoil: In Europe and in United States. Publicaffairs:
New York, 2012, p. 47. Em sentido contrário, Juarez Freitas afirma que a “regulação é tarefa, dever
do Estado e não de governo, independente, autônomo e duradouro, sem favoristismo, partidarismos
ou tendências governamentais, sendo vista como a tarefa das agências regulatórias” (Freitas, Juarez.
Parcerias Público-Privadas (PPPs): Natureza Jurídica. In: Cardoso, José Eduardo Martins; Queiroz,
João Eduardo Lopes; Santos, Márcia Walquiria Bastos dos (org.). Curso de Direito Administrativo
Econômico. Vol. I. Malheiros Editores: São Paulo, 2006, p. 715).
158
A intervenção indireta está consubstanciada no artigo 174 da Constituição
Federal de 1998, ao passo que a intervenção direta encontra fundamento nos
artigos 173 e 175 deste mesmo diploma legal. Diferencia-se uma intervenção da
outra, porquanto, na primeira, ao Estado cumpre normatizar e regular a atividade
econômica, por meio de agências regulatórias com vistas ao atendimento do
interesse público, sendo indicativo para o setor privado e determinante para o setor
público. Na segunda, por sua vez, o Estado atua ativamente no domínio econômico,
podendo-se dizer que há uma “competição” entre o setor público e o setor privado
(por exemplo, na área de óleo e gás), ou, senão, o Estado atuará de forma
monopolista (em se tratando de petróleo e atividades nucleares, por exemplo).
Conforme dito anteriormente, a presente dissertação não tem a pretensão
de elaborar uma fórmula assertiva de como solucionar futuras crises financeiras, que
também depende de definições de políticas regulatórias, monetárias e econômicas
de outros países e dos responsáveis internacionais por definir padrões mínimos de
conduta. Mas, ao menos no âmbito do ordenamento jurídico interno, buscaremos
apontar os equívocos e, assim, indicar possíveis atuações dos órgãos regulatórios
de forma a mitigar externalidades negativas para a própria sociedade brasileira. Isso
porque “(...) qualquer banco trabalha com recursos de terceiros, de milhões de
depositantes, poupadores, aplicadores que têm vários tipos de aplicações no
sistema bancário. São esses recursos de terceiros que qualquer Governo do mundo
tem a obrigação de preservar”251.
Como vimos na crise subprime de 2008, a combinação de política
monetária equivocada (refrise-se que o governo norte-americano atuava como se
houvesse uma crise de liquidez e não de insolvência dos intermediários financeiros)
e a lassidão regulatória criou um ambiente em que a concorrência obrigou os
intermediários financeiros a assumir riscos que, embora acreditassem inofensivos,
quando materizalizados, acabaram por fragilizar diversas economias, em especial,
aquelas que apostavam na estabilidade do mercado norte-americano.
251
Malan, Pedro Sampaio. Direito, Economia e o Papel dos Bancos no Cenário Econômico-Social.
Revista de Direito Bancário, n. 28. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, abr./jun. 2005, p. 302.
159
Assim, em um primeiro momento, entendemos necessária a atuação do
Banco Central do Brasil, com vistas a controlar o percentual das chamadas reservas
bancárias, ou seja, dos depósitos compulsórios, que, atualmente, está em torno de
40% (quarenta por cento) do valor total dos depósitos à vista; contudo, os depósitos
a prazo inexistem regras para os depósitos compulsórios. E a consequência dessa
não regulação é a expansão do crédito. Por exemplo, determinada instituição
financeira convence seu cliente – ou um cliente de outra instituição financeira – em
aplicar em títulos com altas taxas de retorno. Já que não há obrigatoriedade do
compulsório, há mais dinheiro para ser circulado na economia, e menor o “colchão”
de segurança bancária.
Adicionalmente, a Resolução do Conselho Monetário Nacional n°
3.490/2007 e as Circulares do Banco Central do Brasil n° 3.477/2009 e 3.644/2013,
dispondo sobre a apuração do patrimônio de referência e gestão de riscos,
determinou um percentual de alavancagem de 11% (onze por cento) para as
instituições bancárias. Não obstante seja um percentual de alavancagem pequeno,
em nosso entendimento, ainda assim é maior do que o exigido pelo Acordo de
Basiléia III, cujo percentual – que mede o grau de solvência das instituições
financeiras – é de 7% (sete por cento).
Em contrapartida, em 2014, o Board of Governors (uma espécie de
diretoria do banco central norte-americano nomeada pelo Presidente e confirmada
pelo Senado para um mandato de quatorze anos) em conjunto com o Federal
Deposit Insurance Corporation, preparou uma proposta de regulamentação bancária
chamada de Enhanced Supplementary Leverage Ratio, aumentando para 5% (cinco
por cento) o percentual de alavancagem de suas instituições financeiras 252.
Outra sugestão é aumentar as exigências de transparência, não só dos
balanços patrimoniais das instituições financeiras (atuação conjunta do Conselho
Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil), ou seja, a forma como os valores
mobiliários são contabilizados; como também das operações no mercado de capitais
252
Para
aprofundamento,
recomendamos
a
leitura
desse
sítio:
<http://www.federalreserve.gov/newsevents/press/bcreg/20140408a.htm>. Acesso em 26 de junho de
2014.
160
pelos intermediários financeiros (incumbência da Comissão de Valores Mobiliários).
E, neste último caso, e para não se repetir o ocorrido nos Estados Unidos, buscando
sobrepor o interesse público ao privado, a Comissão de Valores Mobiliários, em
2008, abriu audiência pública n° 07253, fundamentada no documento elaborado pela
Organização Internacional das Comissões de Valores Mobiliários (Corporate
Governance in Emerging Markets – Reports from Emerging Markets Committee of
IOSCO), com vistas a, dentre outros aspectos, ouvir o mercado acerca do nível
adequado de transparência sobre a remuneração dos administradores.
No âmbito administrativo, a maioria dos intermediários financeiros
participantes da audiência pública entendeu que a inclusão desse requisito nas
instruções normativas da Comissão de Valores Mobiliários resultaria em infração a
direitos constitucionalmente garantidos, ou seja, o direito à intimidade e o direito à
privacidade (artigo 5°). Não obstante, a Comissão de Valores Mobiliários entendeu
que a divulgação dessas informações nos formulários de referência era
imprescindível para o mercado de capitais brasileiros, que, assim, se tornaria um
ambiente mais seguro e compatível com as recomendações do órgão regulatório
internacional, bem como das práticas internacionais. A decisão desse impasse,
todavia, foi decidida pelas vias judiciais, saindo vencedores os intermediários
financeiros254.
Não se sabe a extensão da capacidade inventiva dos intermediários
financeiros. E, nos termos do artigo 5°, inciso II da Constituição Federal de 1988,
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei”. Isso quer dizer que se não há uma exigência legal – comissiva ou omissiva –
253
O prazo para o término da audiência pública terminou em 30 de março de 2009 e culminou com a
Instrução da Comissão de Valores Mobiliários n° 480/2009, que entrou em vigor em 01 de janeiro de
2010. Entretanto, para se entender a preocupação da Comissão de Valores Mobiliários, remetemos o
leitor ao item 11.8 da referida audiência pública.
254
O Instituto Brasileiro dos Executivos de Finanças entrou com um processo judicial na 5° Seção
Judiciária do Rio de Janeiro (Processo n° 0002888-21.4.02.5101), objetivando anular respectiva
obrigação de divulgação de informação detalhada no formulário de referência, disposta no item 13.1.
Acabaram vitoriosos em todas as instâncias judiciais, inclusive no Superior Tribunal de Justiça. Por
essa razão, as sociedades emissoras de valores mobiliários simplesmente inserem informações
sobre as remunerações de seus executivos, diretores e conselhores de forma genérica, nos termos
dos seus respectivos documentos societários. Lembrando que a Lei n° 6.404/1976, em seu artigo
152, determina que “a assembleia-geral fixará o montante global ou individual da remuneração dos
administradores, inclusive benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, tendo em
conta suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e reputação
profissional e o valor dos seus serviços no mercado”.
161
ainda que genérica, uma prática financeira está dentro da legalidade. É sabido que
não é possível prever todas as condutas sociais. Mas tais agências regulatórias não
tem o condão apenas de regular. Complementarmente, também têm o dever de
fiscalizar, inclusive o contéudo dos documentos que suportam uma emissão pública.
Tanto é assim que praticamente todas as operações sob responsabilidade da
Comissão de Valores Mobiliários não são aprovadas tão logo protocoladas; voltam
aos underwritters para cumprimento das exigências tantas vezes quanto for
necessário para que as instruções normativas da Comissão de Valores Mobiliários
sejam cumpridas em sua integralidade.
Assim, observados certos padrões de conduta dos intermediários
financeiros, as agências regulatórias têm o dever de agir, de forma a não incentivar
abusos, conforme o caso concreto. Foi exatamente o que não aconteceu nos
Estados Unidos conforme indica Richard Posner255:
Even the regulatory agencies lacked access to much crucial
information about the financial system, because of limitations on the
authority that were thought appropriate in an era of triumphal
deregulation. Lacking authority to regulate new derivatives, financial
regulators could not force disclosure of information that might have
revealed how risky the financial system had become.
Ainda com relação aos deveres das agências regulatórias, e, em especial,
a Comissão de Valores Mobiliários, resta claro, pelos normativos por ela expedidos,
que há uma clara proteção aos investidores. Mas, teria a Comissão de Valores
Mobiliários competência (ou vontade) para legislar eventual proteção aos
consumidores, que é a parte mais fraca de uma relação financeira? Tomemos como
exemplo novamente a crise subprime de 2008. Mutuários genuínos das instituições
financeiras acabaram por perder suas residências, simplesmente pelo fato de os
intermediários financeiros terem resolvido fazer dos mercados financeiro e de
255
Tradução livre da autora: “mesmo as agências reguladoras não tinham muito acesso a informação
crucial sobre o sistema financeiro, por conta de limitações na autoridade que pensaram apropriada
em uma era de desregulamentação triunfal. A falta de autoridade para regular os novos derivativos,
reguladores financeiros não podia forçar a divulgação de informações que poderiam ter revelado
quão arriscado o sistema financeiro havia se tornado” (Posner, Richard. A Failure of Capitalism: The
Crisis of ’08 and the Descent into Depression. Harvard University Press: Cambridge, 2009, p. 144).
162
capitais um cassino, um centro de apostas. A despeito dos socorros financeiros
realizados em Wall Street, o que foi efetivamente feito em Main Street?
Sob esse aspecto, defendemos um posicionamento bastante conservador
das agências regulatórias em favor desse tipo de consumidor. A um, porque houve
um evidente desvio de finalidade dos agentes intermediários, ou seja, ao invés de
promover o crédito para fomento da economia e do consumo, otimizando e
melhorando a condição de vida dos indivíduos, foi utilizado para enriquecimento
pessoal.
A dois, em função do dever de fidúcia que compete aos intermediários
financeiros. É verdade que os mercados financeiro e de capitais se debruçam na
assimetria de informações, isto é, na falta de conhecimento de todos os riscos do
mercado (seja operacional, seja regulatório, seja de crédito ou de qualquer outra
natureza) para obtenção de ganhos. Nada ilegal nisso, uma vez que é inerente à
atividade econômica e até mesmo para a existência de uma concorrência saudável.
Entretanto, quando os intermediários financeiros utilizam tais informações apenas
em benefício próprio, devem ser penalizados porquanto caracteriza uma conduta, no
mínimo, antiética. A partir do momento em que o intermediário financeiro toma
ciência de algum risco adverso que posso impactar negativamente o mercado
(incluindo consumidores no sentido caracterizado acima) e não faz o respectivo
disclosure, deve ser responsabilizado, na medida de sua ilicitude.
A Lei 6.404/1976, no que diz respeito às obrigações dos administradores
das sociedades anônimas, obriga as sociedades anônimas a divulgar informações,
seja por meio de “fato relevante”, seja por meio de “comunicado ao mercado”, nos
seguintes termos (artigo 157, § 4°):
Os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicar
imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa
qualquer deliberação da assembléia-geral ou dos órgãos de
administração da companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus
negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos
163
investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários
emitidos pela companhia.
Mas como se pode perceber a obrigação refere-se à emissão de valores
mobiliários da própria sociedade anônima e não a uma sociedade anônima atuando
como intermediário financeiro. Aquele que causa dano a outrem tem o dever de
reparar (artigo 186 combinado com artigo 927, parágrafo único do Código Civil).
Outro aspecto regulatório de grande importância no mercado de capitais
remete-nos
ao
montante
de
capital
mínimo
obrigatório
às
sociedades
securitizadoras. Esse também foi um dos grandes problemas que contribuiu para a
crise subprime de 2008, porquanto todos os intermediários financeiros que não
fossem enquadrados nos conceitos de bancos comerciais na legislação norteamericana, não eram exigidos capital mínimo ou reservas bancárias.
Em virtude disso, desde 2010, o Banco Central do Brasil – muito embora,
no que diz respeito às sociedades securitizadoras, é responsabilidade da Comissão
de Valores Mobiliários regular a questão – vem sinalizando preocupação a esse
respeito, em especial, em relação às emissões de certificados de recebíveis
imobiliários256. A emissão desses valores mobiliários desempenha cada vez mais
papel fundamental na cadeia de crédito imobiliário.
Não obstante as emissões contarem com a existência de um patrimônio
de afetação, ou seja, um patrimônio distinto da securitizadora, nada impede um
inadimplemento em massa comprometendo não só a longevidade das sociedades
securitizadoras, mas um prejuízo para os investidores e para a sociedade. Ainda que
no caso de falência de uma sociedade securitizadora, e por conta do regime
fiduciário a que se submete, os investidores passam a ser titulares desses títulos.
Mas qual a vantagem de ter um título ilíquido, ou seja, incapaz de se monetarizar, ou
que não corresponde ao valor investido? Com relação à sociedade, bem, as
consequências nós conhecemos bem. Além disso, a questão da alavancagem
desregulada, como já vimos, é deveras prejudicial.
256
Não obstante, as securitizadoras são permitidas à emissão de debêntures, bem como de
certificados de recebíveis do agronegócio.
164
Conforme ilustração abaixo, o mercado de emissão de valores mobiliários
é bastante concentrado e o capital social das sociedades securitizadoras excede,
em muito, o volume financeiro das emissões:
FIGURA 8 – CAPITAL SOCIAL DAS SECURITIZADORAS X VOLUME DE
EMISSÕES
Fonte: Comissão de Valores Mobiliários: data-base 2010.
Por mais que as emissões sejam garantidas em regime fiduciário, refrisese, muitos profissionais da área entendem que em função da constituição do capital
social (ou patrimônio inicial), regular a alavancagem das sociedades securitizadoras
seria o mesmo que levantar uma barreira para novas operações.
Consectário da sugestão acima mencionada e também a título
contributivo para ações positivas do Estado, via agências regulatórias, entendemos
por bem tratarmos a questão do risco moral. O risco moral257 ocorre sempre que um
257
Nos dizeres de Richard Posner, o “moral hazard is the tendency to engage in risky behavior if one
is insured against the consequences of the risks’ materializing”. Tradução livre da autora: “o risco
moral é a tendência em se engajar em comportamentos arriscados se entendem estar segurados
contra as consequências da materialização do risco” (Posner, Richard. A Failure of Capitalism: The
Crisis of ’08 and the Descent into Depression. Harvard University Press: Cambridge, 2009, p. 236).
165
intermediário financeiro, e não regulado, tem a expectativa de se ver protegido pelo
governo (no caso do Brasil, pelo Fundo Garantidor de Crédito ou outra entidade
equivalente; e no caso específico da crise subprime havia uma expectativa de
socorro financeiro às instituições bancárias e sociedades corretoras258), em casos de
falha de mercado.
Essa expectativa criada incorre(u) em investimentos de maior risco. O fato
de o governo norte-americano, seja via Federal Reserve, seja via Secretário do
Tesouro, já ter socorrido anteriormente instituições financeiras (lembre-se da crise
das associações de savings and loans de 1984), ou mesmo a ajuda financeira para
evitar falência de empresas durante a crise subprime de 2008 (como a General
Motors e a Chrysler) contribuiu para a ocorrência de irresponsabilidades financeiras.
De fato, por fim, não há que se comparar o Brasil com os Estados Unidos,
em termos de estruturas societárias. São inversamente proporcionais, em realidade,
se fizermos uma análise quantitativa entre sociedades limitadas e sociedades
anônimas nos respectivos mercados. A cultura norte-americana é propensa à
dispersão acionária, que não ocorre no Brasil, que prefere a concentração
acionária259. E esse fato reflete diretamente no volume de operações nos mercados
financeiro e de mercado de capitais. Talvez, por essa razão é que o Brasil não seja
tão vulnerável as volatilidades do mercado ou eventual crise restrinja-se tão somente
ao território nacional.
258
O que, de fato, ocorreu, por exemplo, com a Fannie Mae, o Freddy Mac e o American International
Group, com tomada de controle (hostile takeover) pelo governo federal norte-americano e,
posteriormente, com a aprovação do Troubled Asset Relief Program, em 2008, na qual concedia ao
Secretário do Tesouro norte-americano poderes para comprar ativos tóxicos dos intermediários
financeiros, injetando capital nas instituições problemáticas. Entretanto, em realidade, o que ocorreu
foi um desvirtuamento do programa em referência. Dotado de poderes, com anuência do Congresso
norte-americano, o Secretário de Tesouro entendeu melhor tão somente injetar capital nas
instituições problemáticas, dando a elas um “conforto” financeiro. Por conta do uso indevido do
dinheiro, inicialmente aprovado no valor de US$700 bilhões de dólares, este foi reduzido para
US$475 bilhões de dólares, com o advento do Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer
Protection Act of 2010.
259
Eduardo Secchi Munhoz leciona que “(...) no sistema de controle diluído, o poder de controle é
passível de disputa no mercado acionário, enquanto que, no sistema de controle concentrado, ele
permanece bloqueado com o controlador, de forma que somente pode ser negociado diretamente
com este. Daí decorre uma série de conseqüências que hão de ser tomadas em conta pela
regulação” (Munhoz, Eduardo Secchi. Desafios do Direito Societário Brasileiro na Discipina da
Companhia Aberta: Avaliação dos Sistemas de Controle Diluído e Concentrado. In: CASTRO, Rodrigo
R. Monteiro de; ARAGÃO, Leandro dos Santos de (coord.). Direito Societário: Desafios Atuais.
Editora Quartier Latin: São Paulo, 2009, p. 124).
166
Ainda assim, não se quer dizer que não deva estar sob vigilância das
agências regulatórias, ainda que em conjunto com as entidades privadas
(autorreguladoras), porquanto, conforme mencionado anteriormente, o artigo 8°, § 3°
da Lei n° 6.385/1976, permite a participação dos intermediários financeiros no
processo de elaboração de suas normas, por meio de audiências públicas.
Regular um setor da economia ou um determinado mercado pode até
parecer desnecessário porquanto não ocorreram crises. Partindo desse pressuposto,
e sob o argumento de excesso de zelo, legisladores tendem a flexibilizar a regulação
do mercado. Entretanto, falham em considerar que a inexistência de crises pode ser,
em parte ou em sua totalidade, justamente por causa da regulação. A experiência
norte-americana é uma lição a ser aprendida por nós também, que, como vimos,
temos grandes brechas regulatórias.
167
5 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO DIREITO HUMANO
É inconteste para nós a afirmação de que a globalização, enquanto
expressão das forças e dos interesses meramente privados, não se afirmará como
ordem maior. A crise subprime de 2008 demonstrou a incapacidade de o mercado se
autorregular. E os governos interviram para ajustar tal incapacidade. Entendemos
que os argumentos expostos nos Capítulos anteriores ratificaram tal afirmativa.
A maneira como os mercados funcionam em um determinado país é
imprescindível para garantir a concretização dos valores almejados pela sociedade.
Arranjos políticos e macroeconômicos afetam o modo como o poder e a renda são
distribuídos. A preocupação com a distribuição da renda é, entretanto, recente,
tendo início com o advento do Plano Real em 1994, se pensarmos o contexto
econômico inflacionário de outrora que refreava políticas de longo prazo. E ao longo
dos anos essa preocupação social foi se aprimorando, muito embora ainda não
tenhamos alcançado o estágio ideal. Atualmente, há uma crise institucional que
instaura um dilema politico de difícil solução.
Por outro lado, não podemos deixar de mencionar que a globalização,
notadamente financeira, pode trazer benefícios à sociedade. A oferta de capital
pode: (i) aumentar a disponibilidade da poupança interna; (ii) proporcionar maior
eficiência dos investimentos, especialmente em projetos de infraestrutura; e (iii)
financiar os deficits fiscais, não dependendo, apenas, do capital interno. Esses 03
(três) fatores por si só denotam a importância dos mercados financeiro e do mercado
de capitais, não só do ponto de vista econômico, mas também social, na medida em
que o Estado também incorpora ganhos, podendo revertê-los à sociedade, tal como
almejado pelo Estado Democrático e Social de Direito.
Nesse sentido, Vladmir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano260
observam que:
260
Silveira, Vladmir Oliveira da; Rocasolano, Maria Mendez. Direitos Humanos: Conceitos,
Significados e Funções. Editora Saraiva: São Paulo, 2010, p. 87.
168
Embora imponha realidades vinculadas principalmente ao plano da
economia, a globalização ora em curso não inviabiliza a ética
humanista. Ainda que inegáveis, os valores mercantilistas do capital
econômico não podem preponderar sobre os valores humanos
compartilhados pela comunidade internacional. É bem verdade que
ainda restam divergências quanto à fundamentação dos direitos
humanos (...), mas elas não são menos relevantes do que a defesa e
efetividade desses direitos.
Para os fins da presente dissertação, consideramos os direitos
econômicos, sociais e ambientais, em sua acepção mais ampla, como meio e fim
para a consecução do direito ao desenvolvimento no contexto do século XXI, sendo
este um dos pilares dos direitos da terceira dimensão. Ações positivas por parte dos
governos (por exemplo, investimentos em infraestrutura como já tivemos
oportunidade de esclarecer), em conjunto com as organizações internacionais (como
forma de incorporação de normativos internacionais no ordenamento jurídico pátrio),
são fatores essenciais e determinantes para um desenvolvimento eficiente.
O desafio consiste em saber reinventar formas de regulação diante da
globalização financeira, já que a história nos ensinou que o capitalismo se
desenvolve melhor quando é social e politicamente regulado. No contexto social,
porquanto quem sofre as consequências das irresponsabilidades financeiras são os
indivíduos. São eles os diretamente afetados (seja pela inflação, seja pela
diminuição de sua riqueza pessoal).
É possível aprender com as crises financeiras passadas o perigo da
globalização em termos de instabilidade econômica e custos sociais 261. Estes
últimos, por exemplo, exemplifica Ricardo Hasson Sayeg262, são realizados por meio
de cortes de direitos sociais, “tais como: alimentação, saúde, educação, moradia,
previdência e assistência social, especialmente ao idoso e à criança, bem como se
261
Nesse sentido, ver relatório da Organização das Nações Unidas sobre a Crise Financeira e Seus
Impactos
nos
Países
em
Desenvolvimento.
Disponível
em:
<http://mdgpolicynet.undg.org/ext/economic_crisis/UNDP_-_The_Financial_C.pdf>. Acesso em 30 de
junho de 2014.
262
Sayeg, Ricado Hasson. Capitalismo Humanista Diante da Crise Global, na Visão de 2012. In:
Campello, Lívia Gaigher Bósio; Santiago, Mariana Ribeiro. Capitalismo Humanista e Direitos
Humanos. Conceito Editorial: Florianópolis, 2013, p. 26.
169
flexibilizam os direitos trabalhistas, aumenta-se a carga tributária direta contra os
cidadãos, aumenta-se os juros e socorrem-se apenas os Bancos e as grandes
empresas frente a um Estado mínimo e omisso”.
Nesse sentido, se faz necessário contextualizar a globalização financeira
sob uma ótica dos direitos humanos, na tentativa de efetivar e concretizar o direito
ao desenvolvimento, de acordo com a Declaração das Nações Unidas sobre o
Direito ao Desenvolvimento (1986) e outros documentos internacionais equivalentes,
anteriores ou posteriores. O Estado necessário, portanto, aliará a principal
característica do capitalismo liberal (prevista nos artigos 1°, inciso IV combinado com
o artigo 170 da Constituição Federal de 1988) à mão visível do governo em prol da
proteção dos direitos de seus cidadãos (Estado do Bem-Estar social).
Ao longo da presente dissertação, por diversas vezes, mencionamos a
globalização como forma de crescimento e desenvolvimento econômicos. Por muito
tempo, referidos termos eram considerados sinônimos, especialmente após o boom
proporcionado pela abertura dos mercados ao comércio internacional. Neste
Capítulo, buscaremos esclarecer que, não obstante os efeitos positivos trazidos no
que diz respeito ao crescimento (econômico), não necessariamente refletem um
cenário positivo ao tratarmos de desenvolvimento (sustentável).
O Brasil, não obstante se posicionar como 7° (sétima) economia mundial,
ocupa a 79° (septuagésima nona) posição no Índice de Desenvolvimento Humano263
(conforme Relatório de Desenvolvimento Humano 2014), denotando, talvez, certa
indiferença ou falta de apetite político para a real solução dos problemas centrais
brasileiros; afinal de contas, é possível argumentar, há um constante crescimento da
demanda dos produtos e serviços domésticos e incentivos recentes à inclusão de
novos atores no mercado de capitais brasileiro, em especial as empresas de
pequeno porte.
Da mesma forma que defendemos ao longo da presente dissertação, a
instauração de um Estado necessário, complacente com o livre comércio, à
263
Disponível em: <http://www.pnud.org.br/arquivos/Nota%20T%C3%A9cnica%20Brasil.pdf>. Acesso
em 27 de julho de 2014.
170
propriedade privada e a liberdade econômica, buscaremos nesse Capítulo
argumentar que somente haverá justiça social, ou melhor, a concretização dos
fundamentos do Estado necessário se tais direitos forem conjugados com a
concretização do direito ao desenvolvimento. Nesta esteira, não só não temos
calibre para um Estado liberal extremo, como não seria conveniente para nós,
brasileiros, “especialmente pelo fato da nossa pobreza; da concentração de renda;
enfim, dos enormes déficits na concretização dos direitos humanos de segunda e
terceira dimensão, com destaque aos direitos sociais da alimentação, do emprego,
da saúde, da moradia, da educação, da previdência e assistência social; em face de
nossas contas públicas”264.
Não basta ser uma Nação rica, todavia com uma grande parte da
população à beira da miséria. Não basta ser uma Nação rica, porém com uma
população em constante “luta de classes”. Portanto, não basta construir uma Nação
rica, se não se souber realizar a justiça social. O contrato social do Estado brasileiro,
por seu próprio compromisso constitucional de construir uma sociedade fraternal,
pluralista e sem preconceito, há que pensar coletivamente265, afastando-se da mão
invisível de Adam Smith e aproximando-se da ideia de Estado necessário.
Relativamente independente dos “poderes” diretivos do Fundo Monetário
Internacional ou do Banco Mundial, conforme críticas realizadas ao longo do
Capítulo 2, o Brasil do século XXI é capaz de perseguir seus próprios caminhos
rumo ao desenvolvimento pleno e sustentável, com consequente diminuição do
custo-Brasil, “assegurando as condições mínimas para a perpetuação da vida
presente (aqui o conceito de mínimo existencial) e futura (no que se inclui a
preservação do meio ambiente)”266.
Também nos cumpre argumentar nesse Capítulo, apoiando-nos nos
ensinamentos de Amartya Sen, que a efetivação do direito ao desenvolvimento é
264
Sayeg, Ricado Hasson. Capitalismo Humanista Diante da Crise Global, na Visão de 2012. In:
Campello, Lívia Gaigher Bósio; Santiago, Mariana Ribeiro. Capitalismo Humanista e Direitos
Humanos. Conceito Editorial: Florianópolis, 2013, p. 45.
265
Não por outra razão que a terceira dimensão dos direitos humanos trata especificamente dos
direitos difusos e coletivos, porquanto o caráter universal desses direitos.
266
Castilho, Ricardo. Refundação do Direito Econômico sob a Égide dos Direitos Humanos: O
Capitalismo Humanista. In: Campello, Lívia Gaigher Bósio; Santiago, Mariana Ribeiro. Capitalismo
Humanista e Direitos Humanos. Conceito Editorial: Florianópolis, 2013, p. 76.
171
condição sine qua non para a concretização dos demais direitos proclamados pela
Revolução Francesa. Sem a possibilidade de a sociedade se desenvolver
dignamente, não há que se falar em liberdade, sequer a existência de igualdade.
Sem uma articulação coletiva, não há que se falar em fraternidade. O preenchimento
das dimensões dos direitos humanos é o culme da dignidade da pessoa humana e,
por conseguinte, um ideal a ser perseguido pelo Estado necessário.
5.1 CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO: UMA SUPERAÇÃO CONCEITUAL
Inicialmente
cumpre
esclarecer
que
não
há
que
se
falar
em
desenvolvimento restringindo-se apenas à capacidade de geração de riqueza, se ela
não é eficientemente distribuída aos que dela necessitam para viver de forma digna.
Em outras palavras, o desenvolvimento que aqui se busca é o desenvolvimento do
indivíduo enquanto ser humano dotado de dignidade267. Nesse sentido,
Os instrumentos de promoção do desenvolvimento devem atender os
princípios norteadores do Direito e insculpidos na Constituição
Federal, mas tendo-se em consideração os direitos fundamentais, ou
mesmo aquele “mínimo vital” de que o cidadão necessita para viver
com
dignidade,
é
de
se
reconhecer
a
importância
do
desenvolvimento para a consecução desses objetivos268.
Ainda não se sabe efetivamente qual seria o “mínimo vital” 269 para o
desenvolvimento do indivíduo, mas programas federais como o Bolsa-Família, por
exemplo, programa de transferência direta de renda com condicionalidades, é uma
política social positiva como forma de inclusão social. Existem outros programas de
267
Nesse sentido, ver: Relatório do Desenvolvimento Humanos de 1996 elaborado pela Organização
das Nações Unidas, momento em que faz a diferenciação entre crescimento econômico e
desenvolvimento
humano
(Disponível
em:
<
http://www.pnud.org.br/HDR/RelatoriosDesenvolvimento-Humano-Brasil.aspx?indiceAccordion=2&li=li_RDHBrasil>. Acesso em 14 de julho
de 2014).
268
Ishikawa, Lauro. O Direito ao Desenvolvimento como Concretizador do Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana. São Paulo, 2008. 147f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 120.
269
Seria o salário-mínimo uma referência ao mínimo vital, considerando o conteúdo do disposto no
artigo 7°, inciso IV da Consituição Federal?
172
iniciativa federal que, ilustrativamente e não exaustivamente, podemos mencionar: (i)
Programa Merenda Escolar; (ii) Programa Minha Casa Minha Vida; (iii) Benefício de
Prestação Continuada; (iv) Seguro-Desemprego, dentre outros.
Mesmo assim, remanesce aqui o mesmo sentimento expresso por
Norberto Bobbio270, qual seja: “o problema grave de nosso tempo, com relação aos
direitos do homem, não era mais fundamentá-los, e sim protegê-los” e que “com
efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num
sentido mais amplo, político”. Político porque depende de uma atuação
governamental. E mais, político porquanto é preciso estabelecer metas – e, de fato,
condicionalidades – para que essas políticas positivas sejam instrumento de
desenvolvimento de capacidades e habilidades e não de dependência. Afinal de
contas, um ser livre é um ser capaz de decidir a maneira pela qual ele gostaria de
viver e, portanto, a liberdade humana é um fim e um meio do desenvolvimento271.
Em termos econômicos, trataremos de crescimento. Crescimento como
toda a forma de progresso econômico, ou, até mesmo, como forma de aferição da
distribuição de renda na forma de produto per capita. Ou, nas palavras de Eros
Roberto Grau272:
(...) a ideia de desenvolvimento supõe dinâmicas mutações e importa
em que se esteja a realizar, na sociedade por ela abrangida, um
processo de mobilidade social contínuo e intermitente. O processo de
desenvolvimento poderia levar a um salto, de uma estrutura social
para outra, acompanhado de elevação do nível econômico e do nível
cultural-intelectual
comunitário.
Daí
por
que,
importando
a
consumação de mudanças de ordem não apenas quantitativa, mas
também qualitativa, não poderia o desenvolvimento ser confundido
270
Bobbio, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 11.ed. Campus: Rio de
Janeiro, 1992, p. 25.
271
Amartya Sen leciona que são pelo menos 05 (cinco), os diferentes tipos de liberdades
instrumentais, a saber: (i) liberdade política; (ii) facilidades econômicas; (iii) oportunidades sociais; (iv)
garantias de transparência; e (v) segurança protetiva. Nesse sentido, referido autor esclarece que
essas liberdades instrumentais aumentam diretamente as capacidades individuais, e, ao mesmo
tempo, reforçam umas as outras (Sen, Amartya. Development as Freedom. Oxford University Press:
Oxford, 1999, pp. 38-41).
272
Grau, Eros Roberto. Elementos do Direito Econômico. RT: São Paulo, 1981, pp. 7-14.
173
com a ideia de crescimento. Este último, meramente quantitativo,
compreenderia uma parcela da noção de desenvolvimento.
Ainda que se busque negar, crescimento e desenvolvimento são
conceitos bastante interligados a ponto de José Afonso da Silva273 tratá-los como
princípios de integração, “porque todos estão dirigidos a resolver os problemas da
marginalização social ou regional”, ou seja, na defesa de diversos interesses, como,
por exemplo, do consumidor, do meio ambiente, da busca do pleno emprego, dentre
outros. Mesmo na atualidade o mais importante método de medição do
desenvolvimento humano não conseguiu excluir o fator “renda” de sua análise,
senão vejamos.
5.1.1 O Índice de Desenvolvimento Humano
Superada a questão conceitual entre crescimento e desenvolvimento, o
nível de desenvolvimento de um país não pode – e nem deve – restar pautada
simplesmente no produto interno bruto. O fato de o produto interno bruto representar
a soma dos bens e dos serviços produzidos em um país em um determinado período
de tempo revela tão somente um indicador macroeconômico e não de distribuição
(equitativa) de riqueza.
Não se olvida que os recursos e a renda que os indivíduos podem gerar
são deveras importantes, mas se não analisados sob outros aspectos (por exemplo,
das capacidades e das oportunidades que o indivíduo possui ao longo de sua vida),
não refletem o real desenvolvimento de um país. Por tal razão, Carla Abrantkoski
Rister274 entende que:
Assim, a própria inclusão ou exclusão de certas categorias na
definição do PNB é arbitrária, como a não-inclusão do tempo
destinado ao lazer dos trabalhadores, bem como a exclusão do
autoconsumo e do auto-investimento, tal como do trabalho
273
Silva, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. Editora Malheiros: São Paulo, 2005,
p. 713.
274
Rister, Carla Abrantkoski. Direito ao Desenvolvimento: Antecedentes, Significados e
Consequências. Renovar: Rio de Janeiro, 2007, p. 3.
174
doméstico.
Os números do PNB também não tomam
em
consideração a deteriorização do meio ambiente resultante da
atividade econômica necessária para obter tal produto. Além disso,
cogita-se que o alto PNB de alguns países seria obtido à custa do
esgotamento dos recursos de outros, que, desse modo, não teriam
grandes possibilidades de progresso.
Assim, partindo-se da premissa de que o crescimento econômico não era
o parâmetro mais adequado para se medir o desenvolvimento sustentável, em
meados de 1990, o índice de desenvolvimento humano adotado nos relatórios sobre
desenvolvimento
no
âmbito
do
Programa
das
Nações
Unidas
para
o
Desenvolvimento passou a ser referência-padrão para medição da qualidade de vida
dos indivíduos. Criado pelos economistas Mahbub ul Haq e Amartya Sen, referido
índice buscou uma alteração de perspectiva, tendo o ser humano como centro das
atenções. Esclarece Vladmir Oliveira da Silveira que o “IDH é um indicador de bemestar humano que confronta a situação relativa do desenvolvimento dos países, e
cujo principal objetivo é oferecer um contraponto ao tradicional instrumento utilizado
como indicador, qual seja, o PIB per capita que, habitualmente, é utilizado para a
medição do crescimento da riqueza econômica”275.
Atualmente, o índice de desenvolvimento humano tem como principais
pilares a saúde, a educação e a renda, mensuradas da seguinte forma276:
(i) a saúde, ou seja, o direito a uma vida longa e saudável é medida em
função da expectativa de vida;
(ii) a educação, consubstanciada no acesso ao conhecimento, é medida
por: (a) média de anos de educação de adultos, que é o número médio de anos de
educação recebidos durante a vida por pessoas a partir de 25 (vinte e cinco) anos; e
(b) expectativa de anos de escolaridade para crianças na idade de iniciar a vida
escolar, que é o número total de escolaridade que uma criança na idade de iniciar a
275
Silveira, Vladmir Oliveira da. O Direito ao Desenvolvimento na Doutrina Humanista do Direito
Econômico. São Paulo, 2006. 382f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2006, p. 181.
276
Para maior aprofundamento, ver: <http://www.pnud.org.br>. Acesso em 30 de junho de 2014.
175
vida escolar pode esperar receber se os padrões prevalecentes de taxas de
matrículas específicas por idade permanecerem os mesmos durante a vida da
criança; e
(iii) a renda, enquanto padrão de vida, é medida pela renda nacional bruta
per capita expressa em poder de paridade de compra constante, em dólar, tendo
2005 como ano de referência.
Por meio da apuração de dados estatísticos colhidos entre os países
participantes277, envolvendo os 03 (três) pilares acima mencionados, o resultado
pode variar entre 0 (zero) e 1 (um), sendo que quanto mais próximo de 1 (um), maior
a qualidade de vida dos indivíduos. A ilustração abaixo demonstra a evolução do
índice de desenvolvimento humano no Brasil, que cresceu de 0.545 para 0.744, em
um período de 33 (trinta e três) anos278:
FIGURA 9 – EVOLUÇÃO DO ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO
Fonte: Nota Técnica brasileira ao Relatório do Desenvolvimento Humano 2014
A partir de 2010, novos indicadores foram incorporados ao índice de
desenvolvimento humano, na qual podemos citar os seguintes: (i) o índice de
277
Até a conclusão da presente dissertação, o índice de desenvolvimento humano mediu a qualidade
de vida de 187 (cento e oitenta e sete) países.
278
Em termos comparativos, e de acordo com a atual posição no índice de desenvolvimento humano,
o Brasil teve o melhor desempenho que a média dos BRICS, cujo índice foi de 0.697. A Rússia ficou
em 57° (quincagésimo sétimo) lugar com 0.788; a China ficou em 91° (nonagésimo primeiro) lugar
com 0.719; a África do Sul ficou em 118° (centésimo octagésimo oitavo) lugar com 0.658; e a Índia
ficou em 135° (centésimo trigésimo quinto) lugar com 0.586 (Disponível em:
<http://www.pnud.org.br/arquivos/Nota%20T%C3%A9cnica%20Brasil.pdf>. Acesso em 27 de julho de
2014).
176
desenvolvimento humano ajustado à desigualdade; (ii) o índice de desigualdade de
gênero; e (iii) o índice de pobreza multidimensional.
O índice de desenvolvimento humano ajustado à desigualdade se tornou
um importante elemento para se chegar ao índice real do desenvolvimento humano
(em
contrapartida
a
um
percentual
potencial
fornecido
pelo
índice
de
desenvolvimento humano), na medida em que “leva em consideração a
desigualdade entre as 03 (três) dimensões do índice de desenvolvimento humano
‘descontando’ o valor médio de cada dimensão de acordo com seu nível de
desigualdade”. Nesse sentido, o Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil após
tal ajuste cai de 0,744 para 0,542, representanto, assim, uma perda de 27% (vinte e
sete por cento).
Por sua vez, o índice de desigualdade de gênero leva em consideração
03 (três) fatores, a saber: (a) saúde reprodutiva. (b) autonomia; e (c) atividade
econômica. E, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, “a saúde reprodutiva é medida pelas taxas de mortalidade
materna e de fertilidade entre as adolescentes; a autonomia é medida pela
proporção de assentos parlamentares ocupados por cada gênero e a obtenção de
educação secundária ou superior por cada gênero; e a atividade econômica é
medida pela taxa de participação no mercado de trabalho para cada gênero”. De
acordo com o Relatório do Desenvolvimento Humano 2014, o Brasil tem um Índice
de Desigualdade de Gênero equivalente a 0,441 colocando-o na 85° (octagésimo
quinto) posição de 149 (cento e quarenta e nove) países avaliados.
Por fim, o índice de pobreza multidimensional identifica as “privações
múltiplas em educação, saúde e padrão de vida nos mesmos domicílios”. Ou seja,
tem como objetivo acompanhar a pobreza que vai além da pobreza de renda, sendo
medido em função da população que vive abaixo de poder de paridade de compra
de US$1,25 (um dólar e vinte e cinco centavos) por dia. A última medição deste
Índice no Brasil foi em 2012, na qual se apurou que 3,1% (três vírgula um por cento)
da população é multidimensionalmente pobre, enquanto 7,4% (sete vírgula quatro
por cento) estão próximos da pobreza multidimensional. A taxa de privação das
177
pessoas em situação de pobreza multidimensional no Brasil é de 40,8% (quarenta
vírgula oito por cento).
Mas o que vale ressaltar para os fins da presente dissertação é que o
Brasil, conforme mencionamos no início deste Capítulo, apesar de muito bem
colocado economicamente no cenário internacional, ocupa uma posição não muito
privilegiada em termos de desenvolvimento humano. Ainda assim, não podemos
deixar de observar um grande avanço nos últimos tempos, principalmente com a
Constituição Federal de 1988, que criou um sistema de proteção de direitos sociais
relativamente sólidos. Ademais, atribuiu ao Estado o dever de garantir o
desenvolvimento social, de erradicar a pobreza e combater desigualdades (artigo 3°,
incisos II, III e IV).
A crise subprime de 2008 não teve os mesmos reflexos no Brasil, se
comparados com os Estados Unidos e alguns países da União Europeia, cujos
efeitos se alastram até hoje, quase 06 (seis) anos após o estouro da bolha
imobiliária. Isso restou claro. E a “marola” que se abateu no país se deve muito mais
à instauração de políticas sociais inclusivas aliadas ao fato de possuir um ambiente
regulatório que se mostrou eficiente, embora ainda haja muito que se fazer, além do
que simples edição de medidas paliativas implementadas pelo governo pelas razões
já explicitadas no Capítulo anterior.
Reitere-se que o desenvolvimento não tem início com a produção de bens
ou inovação de produtos financeiros; tem como origem as pessoas e suas
potencialidades ou deficiências. E saber enxergar essas deficiências é o cerne do
direito ao desenvolvimento, e que permite a elaboração de políticas públicas
eficientes e direcionadas.
5.1.2 O Índice do Bom País
Recentemente, foi divulgado o primeiro relatório utilizando o Índice do
Bom País. Desenvolvido por Simon Anholt e construído por Robert Govers, esse
Índice tem como principal característica mensurar a contribuição de cada país ao
bem-estar mundial e ao desenvolvimento do ser humano, a partir da análise de
178
diversas variáveis conjuntamente. Seu criador se afastou da premissa de mensurar o
quão bem um determinado país está se saindo. Ao invés disso, procurou aliar em
seu Índice todos os aspectos que entende importante:
Because the biggest challenges facing humanity today are global and
borderless:
climate
change,
economic
crisis,
terrorism,
drug
trafficking, slavery, pandemics, poverty and inequality, population
growth, food and water shortages, energy, species loss, human
rights, migration (…) the list goes on. All of these problems stretch
across national borders, so the only way they can be properly tackled
is through international efforts. The trouble is, most countries carry on
behaving as is they were islands, focusing on developing domestic
solutions to domestic problems. The Good Country Index isnt’t
interested in how well countries are doing, it’s interested in how much
they are doing279.
A intenção do Índice do Bom País, portanto, procura entender o impacto
global de certos comportamentos individuais (ou seja, de cada país), a fim de
entender a contribuição de cada um para o progresso da humanidade. Ou, nas
palavras de Simon Anholt, o Índice do Bom País pretende “encouraging populations
and their governments to be more outward looking, and to consider the international
consequences of their national behavior”280. E aqui reiteramos no âmbito do direito
ao desenvolvimento o ponto que defendemos no Capítulo anterior com relação ao
mercado de capitais: de que escolhas individuais podem ter resultados coletivos
catastróficos.
279
Tradução livre da autora: “Porque os maiores desafios que a humanidade enfrenta hoje são
globais e sem fronteiras: mudança climática, crise econômica, terrorismo, tráfico de drogas,
escravidão, pandemias, pobreza e desigualdade, crescimento populacional, escassez de alimentos e
de água, energia, perda de espécies, direitos humanos, migração (... ) a lista continua. Todos esses
problemas se estendem para além das fronteiras nacionais, por isso, a única maneira que eles podem
ser adequadamente tratados é por meio de esforços internacionais. O problema é que a maioria dos
países continuam se comportando como se fossem ilhas, com foco no desenvolvimento de soluções
nacionais para problemas domésticos. O Índice do Bom País não está interessado em como os
países estão se saindo, mas sim o quanto eles estão fazendo” (Disponível em:
<http://www.goodcountry.org>. Acesso em 09 de julho de 2014).
280
Tradução livre da autora: “incentivando as populações e os seus governos a ser voltar para fora, e
considerar as consequências internacionais do seu comportamento nacional” (Disponível em:
<http://www.goodcountry.org>. Acesso em 09 de julho de 2014).
179
Seguindo a mesma lógica do Índice de Desenvolvimento Humano, o
Índice do Bom País entende que a busca constante do crescimento econômico per
se não deve se dar em detrimento de custos sobre o meio ambiente ou do bem-estar
de outrem. O Brasil, dentre os 125 (cento e vinte e cinco) países analisados, se
encontra na 49° (quadrigésima nona) posição. Referido Índice leva em consideração
variáveis como:
(i) Ciência e tecnologia: que avalia questões como estudantes
internacionais, exportação intelectual, publicações internacionais, prêmios Nobel e
patentes (75° lugar);
(ii) Cultura: que avalia questões como exportações de bens e serviços
inovadores; liberdade de movimentação, liberdade de imprensa e atraso em termos
de educação (49° lugar);
(iii) Paz e segurança internacionais: que avalia questões como tropas de
paz, violentos conflitos internacionais, exportação de armas, segurança na internet e
dívidas em atraso para os orçamentos de manutenção da paz da Organização das
Nações Unidas (83° lugar);
(iv) Ordem internacional: que avalia questões como doações de caridade,
hospedagem de refugiados, criador de refugiados, crescimento populacional e
quantidade de tratados internacionais assinados junto à Organização das Nações
Unidas (37° lugar);
(v) Planeta e clima: que avalia questões como reserva de biodiversidade,
exportação de lixo tóxico, emissão de poluentes orgânicos na água, emissão de gás
carbônico e outras emissões de gases de efeito estufa (5° lugar);
(vi) Prosperidade e igualdade: que avalia questões como liberalização do
comércio, voluntários da Organização das Nações Unidas no exterior, tamanho do
mercado, fluxo de investimento externo direto e assistência ao desenvolvimento
(123° lugar); e
180
(vii) Saúde e bem-estar: que avalia questões como ajuda alimentar,
exportação farmacêutica, doações e ajudas humanitárias, apreensões de drogas, e
doações voluntárias para a Organização Mundial do Comércio (52° lugar).
Esse Índice é de suma importância porquanto mais abrangente que o
Índice de Desenvolvimento Humano, trazendo consigo uma valia inestimável para
uma atuação governamental positiva e assertiva no âmbito interno, a saber: aponta
as deficiências e as potencialidades brasileiras em diversos setores em detrimento
de outros países analisados.
5.2 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO COMO DIREITO HUMANO
Entender o desenvolvimento como um direito humano imprescinde, antes
de qualquer coisa, fazer uma diferenciação quanto o conteúdo e a extensão de 02
(duas) expressões que, por vezes, são indevidamente tidas como sinônimas. São
elas: o direito ao desenvolvimento e o direito de desenvolvimento281. Leciona
Vladmir Oliveira da Silveira282 que:
Partir-se-á do princípio da diferenciação, pois o direito ao
desenvolvimento é um direito inerente ao homem, aos Estados e aos
povos, em contrapartida do direito do desenvolvimento, que é um
inerente apenas aos Estados. Sendo, assim, verifica-se que o direito
ao desenvolvimento é um direito de titularidade coletiva que atende
aos anseios tanto das nações, como também dos indivíduos,
enquanto o direito do desenvolvimento foi idealizado para ser
essencialmente interestatal.
281
Foi em 1972, ao ministrar um curso de Direitos Humanos no Instituto Internacional dos Direitos
Humanos, que o jurista senegalês Etiene Keba M’Baye, diferenciou tais expressões entre le droit du
développement e o le droit au développement. E, na língua inglesa, respectivamente, entre o the law
of development e o the right to development (Bunn, Isabella D. The Right to Development and
International Economic Law: Legal and Moral Dimensions. Hart Publishing: Oxford, 2012, p. 41).
282
Silveira, Vladmir Oliveira da. O Direito ao Desenvolvimento na Doutrina Humanista do Direito
Econômico. São Paulo, 2006. 382f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2006, p. 182.
181
Pode-se dizer que o direito ao desenvolvimento está diretamente
relacionado ao direito internacional dos direitos humanos, pois por
princípio, todos os seres humanos, sem qualquer tipo de distinção,
têm direito ao conhecimento e realizar-se enquanto ser de dignidade
especial. Nesse sentido, possuem aptidão para terem assegurados
os mesmos tipos de valores (valores do homem) sobre os elementos
essenciais da vida, uma vez que são portadores de um referencial
comum que os caracteriza como membros da humanidade.
Sob um prisma diferente, Cláudia Perrone-Moisés283 difere o direito ao
desenvolvimento do direito do desenvolvimento da seguinte forma: “no primeiro
caso, trata-se de um dos direitos humanos na concepção das Nações Unidas, e, no
segundo, de um conjunto de normas jurídicas, ora consideradas como um ramo do
direito internacional, ora como um método de investigação, e que têm como
característica principal procurar eliminar a diferenças de desenvolvimento, tanto no
plano interno como no internacional”.
E em função dessa diferenciação é que a Organização das Nações
Unidas preferiu a preposição ao e não de para acompanhar a declaração sobre
desenvolvimento de 1986, classificando-o como direitos humanos284. Não obstante,
seu contexto político data de muito antes. O período subsequente à Segunda Guerra
Mundial, que culminou com o surgimento da Organização das Nações Unidas,
caracterizou-se pelo estabelecimento de uma nova era baseada na cooperação
internacional, ou seja, na fraternidade.
A própria Carta das Nações Unidas, embora não faça qualquer tipo de
referência ao direito ao desenvolvimento propriamente dito, traz seus contornos
básicos, na medida em que traz para si, e para os seus membros, uma
283
Perrone-Moisés, Cláudia. Direito ao Desenvolvimento e Investimentos Estrangeiros. Oliveira
Mendes: São Paulo, 1998, p. 49.
284
Dispõe o artigo 1°, item 1 que: “o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em
virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do
desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos
os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados”. Já o item 2
desse mesmo artigo, remete o direito ao desenvolvimento à ideia de autodeterminação, in verbis: “o
direito humano ao desenvolvimento também implica a plena realização do direito dos povos de
autodeterminação que inclui, sujeito às disposições relevantes de ambos os Pactos Internacionais
sobre Direitos Humanos, o exercício de seu direito inalienável de soberania plena sobre todas as
suas riquezas e recursos minerais”.
182
responsabilidade colaborativa de favorecer os “níveis mais altos de vida, trabalho
efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social” (artigo 55,
alínea “a”). A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, por sua
vez, proclama o reconhecimento dos direitos naturais como inalienáveis e sagrados
do homem, cujo reconhecimento e observância deve ser feita por meio de medidas
(jurídicas) tanto domésticas quanto internacionais.
As décadas de 1950 e 1960 foram simbólicas para a construção das
bases do desenvolvimento que, fundada na solidariedade, tinha como premissa que
“o que era bom para os ricos deve ser bom para os pobres”, sob uma perspectiva de
países mais ou menos industrializados. Atualmente, o parâmetro de distinção entre
os países utilizam expressões como “países mais desenvolvidos”, “países em
desenvolvimento” e “países emergentes”.
Muitos dos documentos elaborados nesse período, no entanto, também
acabaram por não fazer referência direta ao direito ao desenvolvimento 285, como, por
exemplo, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos adotados, em
1966, pela Organização das Nações Unidas.
O cenário jurídico no âmbito da Organização das Nações Unidas voltavase à proteção de direitos humanos e o estabelecimento de uma nova ordem jurídica
internacional. Somente em 1977, a Comissão de Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas solicitou ao Secretário Geral um estudo aprofundado acerca das
dimensões internacionais do direito ao desenvolvimento enquanto direito do ser
humano, dando especial atenção aos obstáculos enfrentados pelos países em
desenvolvimento em seus esforços para assegurar o gozo desse direito. O estudo
desenvolvido pela Comissão de Direitos Humanos acabou por culminar na
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (1986), não obstante as objeções
285
Muito embora há quem entenda que a Organização das Nações Unidas ao adotar a Declaração
sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais de 1960, acabou por erigir o
direito à autodeterminação como uma fonte importante do direito do desenvolvimento. Nesse sentido,
ver: Bunn, Isabella D. The Right to Development and International Economic Law: Legal and Moral
Dimensions. Hart Publishing: Oxford, 2012, p. 35.
183
realizadas pelos Estados Unidos, que, diga-se de passagem, foi o único país a
rejeitar o texto da referida Declaração:
Unlike the Universal Declaration of Human Rights, the declaration on
the right to development just adopted by the Committee was
imprecise and confusing. Development, which the declaration defined
as the constant improvement of the well-being of the entire
population, was not assured by governmental promises but by
performance. References to the human rights of peoples were
inconsistent with the proper concept of human rights as rights of the
individuals. Her delegation took exception to the connection drawn
between disarmament and development and disagreed with the view
that development was to be principally achieved by transfers of
resources from the developed to the developing world. Lastly, it was
to be feared that the declaration on the right to development would
tend to dilute and confuse the existing human rights agenda of the
United Nations, already filled to overflowing with issues posed by
numerous failures to respect the Universal Declaration of Human
Rights286.
Mas qual é, em realidade, o conteúdo por detrás do direito ao
desenvolvimento? Como tornar o direito ao desenvolvimento exequível? A resposta
à primeira pergunta será mais bem desenvolvida no tópico seguinte, uma vez que
não é possível dissociar uma acepção moral, com raízes jusnaturalistas287, do
conceito do direito ao desenvolvimento. Porém, é imprescindível levar em
consideração que a Declaração em referência elevou o indivíduo como peça chave
286
Tradução livre da autora: “Ao contrário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento adotada pelo Comitê é imprecisa e confusa. O
desenvolvimento, que a Declaração define como a constante melhoria do bem-estar de toda a
população, não foi assegurada por promessas governamentais, mas por sua performance. As
referências aos direitos humanos dos povos são inconsistentes com o próprio conceito de direitos
humanos como direito dos indivíduos. Sua delegação excepcionou à conexão estabelecida entre
desarmamento e desenvolvimento e em desacordo com a visão de que o desenvolvimento seria
principalmente alcançado por meio da transferência de recursos dos países desenvolvidos para
países em desenvolvimento. Por último, era de se recear que a declaração sobre o direito ao
desenvolvimento tenderia a diluir e confundir a agenda de direitos humanos existente das Nações
Unidas, já transbordada com as questões colocadas por inúmeras falhas que dizem respeito à
Declaração Universal dos Direitos Humanos”.
287
Para apronfundamento no tema, ver: Tuck, Richard. Natural Rights Theories Origins and
Development. Cambridge: London, 1979.
184
no processo de desenvolvimento e não simplesmente como um mero fator de
produção.
De certa forma, a segunda pergunta é passível de solução com a
resolução da primeira. Mas, tendo em vista que a Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento prestigia uma atuação positiva e colaborativa entre os países, os
indivíduos e a coletividade, há que se ter uma coordenação entre os órgãos
participantes do Sistema das Nações Unidas (universal ou regional), organizações
não governamentais e o próprio governo. Nesse sentido, adverte Carla Abrantkoski
Rister288 que:
(…) deve ser oferecida [a cooperação internacional] em condições
favoráveis para assegurar o pleno exercício do direito ao
desenvolvimento, pois, caso contrário, ela se transforma em um
simples financiamento capaz de acarretar o endividamento de países
em vias de desenvolvimento e aumentar o seu grau de dependência
econômica.
Por isso, assume maior relevância a atuação das organizações
internacionais que objetivam promover e fomentar as atividades econômicas e
financeiras em geral, tal como a Organização Mundial do Comércio, o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial289, na medida em que, reitere-se, o
direito ao desenvolvimento vai além de questões econômicas, englobando, também,
aspectos relativos ao meio ambiente, à justiça social, à democracia, etc. A esse
respeito,
Pelo processo dinamogênico, os direitos fundamentais, que na
ideologia da primeira dimensão fundamentava-se na liberdade e na
ideia de justiça comutativa, avançaram, na segunda dimensão, para
o estabelecimento da igualdade e da justiça distributiva, chegando
288
Rister, Carla Abrantkoski. Direito ao Desenvolvimento: Antecedentes, Significados e
Consequências. Renovar: Rio de Janeiro, 2007, p. 3.
289
Remetemos o leitor às críticas realizadas por nós no Capítulo 2 com relação às referidas
organizações internacionais que, em nosso ponto de vista, por vezes, segue em direção contrária ao
direito ao desenvolvimento. Entretanto, vale mencionar a atuação da Organização Mundial do
Comércio, por meio da Rodada de Doha, que volta suas atenções ao desenvolvimento sustentável.
Infelizmente, dentre outras razões, a crise suprime de 2008 impediu sua conclusão.
185
hoje a uma perspectiva altamente diferenciada, mas somadas
àquelas das dimensões anteriores, desta vez focada na justiça
social, que busca garantir ao gênero humano o direito a um ambiente
justo e propício ao desenvolvimento pleno de todos, notadamente do
futuro da humanidade290.
O crescimento econômico, portanto, passa a ter uma nova perspectiva
finalística, a saber: o crescimento sustentável, preservando não somente os direitos
da presente geração, mas também os direitos das gerações futuras.
5.2.1 Acepção Moral e Ética
Restou determinado, principalmente após a Segunda Conferência
Mundial da Organização das Nações Unidas sobre Direitos Humanos em Viena, em
1993, que o direito ao desenvolvimento é um direito humano, ou seja, inerente e
indissociável a todo e qualquer ser humano. E algumas são as premissas 291 para se
chegar a essa assertiva, que pretendemos desenvolver nessa seção, buscando
preencher o conteúdo do direito ao desenvolvimento.
Uma delas se refere à indispensabilidade, ou seja, o direito ao
desenvolvimento é indispensável ao exercício de outros direitos. Seria, nos dizeres
de Georges Abi-Saab, “a necessary precondition for the satisfaction of the social and
economic rights of individuals”292. Ou, nas palavras de Arjun Sengupta293, “o direito
humano ao desenvolvimento é um direito a um processo particular de
desenvolvimento no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais
podem ser totalmente realizados – o que quer dizer que combina todos os direitos
290
Cardoso, Alenilton da Silva. O Problema Social da Indiferença o Contexto Ético da Solidariedade.
In: Campello, Lívia Gaigher Bósio; Santiago, Mariana Ribeiro. Capitalismo Humanista e Direitos
Humanos. Conceito Editorial: Florianópolis, 2013, pp. 130-131.
291
Bunn, Isabella D. The Right to Development and International Economic Law: Legal and Moral
Dimensions. Hart Publishing: Oxford, 2012, pp. 79-91.
292
Tradução livre da autora: “uma necessária precondição para a satisfação dos direitos social e
econômico dos indivíduos” (Abi-Saab, Georges. The Legal Formulation of a Right to Development. In:
Dupuy, René-Jean (ed.). Hague Academy of International Law Colloquium on the Right to
Development at the International Level. Sijthoff & Noordhoff: The Netherlands, 1980, p. 172).
293
Sengupta, Arjun. O Direito ao Desenvolvimento como um Direito Humano. Social Democracia
Brasileira. Março de 2002, p. 69.
186
apresentados em ambos acordos e cada um dos direitos deve ser exercido com
liberdade”.
Outra é corolário da Revolução Francesa, na qual o direito ao
desenvolvimento “em paralelo com a liberdade implica em livre, efetiva e total
participação de todos os indivíduos implicados no processo decisório e na
implementação do processo”, sendo que este “deve ser transparente e passível de
avaliação”, na qual “os indivíduos devem ter oportunidades iguais de acesso aos
recursos para o desenvolvimento e receber distribuição justa dos benefícios do
desenvolvimento (e renda)”294. Inserido no conceito de solidariedade, encontramos
como fundamento a cooperação internacional em todos os níveis. Diferentemente do
que ocorre em se tratando dos direitos de primeira e segunda dimensões que podem
ser preenchidos por ações estatais no contexto jurídico doméstico.
Uma
terceira
e
última
premissa
seria
considerar
o
direito
ao
desenvolvimento como uma espécie de “núcleo duro” dos demais direitos humanos,
o que nos remete à crítica, nesse aspecto, repousada no fato de o direito ao
desenvolvimento – portanto, os direitos humanos – estar sendo constantemente
violado em caso de inércia governamental de prover aos seus indivíduos
mecanismos de realização de suas liberdades instrumentais. Adicionalmente, cria
uma espécie de hierarquia de direitos, que violaria o caráter indivisível e
interdependente dos direitos humanos atribuído pela Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento (1986).
A verdade é que talvez não se tenha tido a intenção de preencher
efetivamente o conceito de desenvolvimento, na medida em que, em função do
direito à autodeterminação dos povos (não só previsto constitucionalmente, como
em diversos documentos internacionais), cada Nação é responsável por definir suas
próprias políticas de desenvolvimento, a partir da percepção das deficiências –
atuais ou futuras – de sua população. E, internacionalmente, os Estados se
comprometem
294
a
envidar
esforços
de
cooperação
junto
aos
países
em
Sengupta, Arjun. O Direito ao Desenvolvimento como um Direito Humano. Social Democracia
Brasileira. Março de 2002, p. 69.
187
desenvolvimento e emergentes e as organizações internacionais, com os meios
adequados para a consecução do desenvolvimento integral (triple bottom line).
Corroborando esse entendimento, muito embora fazendo referência aos
que criticam a classificação do direito ao desenvolvimento como direito humano – na
medida em que o direito ao desenvolvimento seria um direito coletivo e o direito
humano seria um direito natural individual –, Arjun Sengupta295 argumenta que “o
direito ao desenvolvimento como um direito humano traz à tona questões sobre as
quais o mundo tem estado fundamentalmente dividido – tais como as relacionadas
às ideias de justiça, igualdade e prioridades da política internacional”. E essa
divisão, surgida pela tensão e bipolarização decorrente da Guerra Fria, nos parece
não ter mais sentido nos dias atuais.
Entendemos não ser pretensão da Organização das Nações Unidas
elaborar um plano uniforme de desenvolvimento universal. Tanto é assim que a
própria Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento destaca quem são os
sujeitos ativos e passivos do direito ao desenvolvimento e as premissas sobre as
quais ele deve ser desenvolvido.
Ademais, não imputa quaisquer sanções aos países que deixam de
observar suas recomendações. Sem contar que por mais que o direito ao
desenvolvimento seja geralmente aceito e reconhecido na sociedade internacional,
ele é, em nosso entendimento, mais pragmático do que juridicamente vinculativo.
Assim, objetiva a Organização das Nações Unidas incentivar uma ação
coletiva e colaborativa com vistas a proporcionar uma igualdade de oportunidades
de desenvolvimento, em um contexto multidimensional (social, econômico, cultural,
civil, político e ambiental).
295
Sengupta, Arjun. O Direito ao Desenvolvimento como um Direito Humano. Social Democracia
Brasileira. Março de 2002, p. 66.
188
5.3 O DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE
A liberdade é uma das prerrogativas conquistadas pelos indivíduos a
partir da Revolução Francesa e tornou-se peça fundamental no processo de
desenvolvimento, na medida em que o desenvolvimento integral somente será
possível a partir da remoção das principais fontes de privação de liberdade, tais
como: pobreza, tirania, insuficientes oportunidades econômicas, restrições sociais,
negligência dos serviços públicos, etc.
A liberdade, portanto, daria a possibilidade a todo e qualquer indivíduo
viver a vida que melhor lhe aprouver, o que equivale dizer que “the usefulness of
wealth lies in the things that it allow us to do – the substantive freedom it helps us to
achieve”296. E essa liberdade vai além de meros indicadores macroeconômicos, ou
seja, a acumulação de riqueza e aumento do produto interno bruto. Nesses termos,
o desenvolvimento como liberdade deve ser entendido de 02 (duas) formas, a saber:
(i) os processos que permitem a liberdade de ação e decisão e (ii) as reais
oportunidades oferecidas aos indivíduos, dadas suas circunstâncias pessoais e
sociais.
Sob essas perspectivas, Amartya Sen, em seu livro Development as
Freedom, chama a atenção para o papel dos mercados no contexto das liberdades,
afirmando que “a denial of opportunities of transaction, through arbitrary controls, can
be a source of unfreedom itself”297. Em outras palavras, negar arbitrariamente os
mecanismos de mercado – impondo restrições excessivas ao seu regular
funcionamento – também é uma forma de não liberdade, porquanto pior seria a sua
ausência.
296
Tradução livre da autora: “a utilidade da riqueza está nas coisas que ela nos permite fazer – a
liberdade substantiva que nos ajuda a alcançar” (Sen, Amartya. Development as Freedom. Oxford
University Press: Oxford, 1999, p. 14).
297
Tradução livre da autora: “uma negação de oportunidades de transação, por meio de controles
arbitrários, pode ser em si mesma uma forma de não liberdade”. Muito embora reconheça que o
mercado, por vezes, pode ser contraprodutivo, especialmente em se tratando dos movimentos
especulativos do mercado financeiro (Sen, Amartya. Development as Freedom. Oxford University
Press: Oxford, 1999, p. 25).
189
Entretanto, isso não significa que regular um determinado segmento do
mercado, por exemplo, os mercados financeiros e de capitais, é uma forma de privar
o indivíduo de liberdade. Pelo contrário, deve entendida como a melhor maneira de
prestigiar a liberdade individual contra agentes maus intencionados.
Como exemplo, podemos citar a atuação do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica contra eventuais abusos dos agentes econômicos, infringindo o
direito concorrencial. Em um sistema de economia de mercado, a competição é
elemento essencial que permite às empresas, além da sobrevivência, a ampliação
de seu mercado. E nesse cenário, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
passa a ser o órgão responsável pela análise de eventual concentração de mercado
por setor produtivo.
A cautela para a aprovação de eventuais operações societárias (fusão e
aquisição) é necessária em decorrência do risco de redução da concorrência ou falta
de concorrência entre empresas, impactando gravemente a elasticidade da
demanda na economia do país. Ou seja, sem competitividade no mercado interno, a
empresa poderá cobrar preços exorbitantes por um produto ou serviço e, muitas
vezes, em sendo um bem ou serviço essencial, o valor terá de ser suportado pelo
consumidor final298.
Ademais, é a indispensabilidade de um Estado necessário que compensa
as desigualdades econômicas por meio de um adequado suporte social. Assim, por
exemplo, o desemprego causado pela crise subprime de 2008. A perda da renda de
diversos indivíduos por conta das demissões foi compensada, ainda que parcial e
temporariamente, pela existência de benefícios sociais (seguro-desemprego).
Entretanto, contra-argumenta, Amartya Sen299 que:
298
Vide caso, por exemplo, da fusão entre a Sadia S.A e Perdigão S.A. que originou a BR Foods
S.A., ou, mais recentemente, a fusão entre a Kroton Educacional S.A. e a Anhanguera Educacional
Particiações S.A. Em ambos os casos, houve intervenção do Conselho Administrativo de Defesa
Econômica para que fosse evitada uma concentração de mercado, prejudicando o consumidor. Como
condição para aprovação de ambas as operações, determinou-se a venda de certos ativos em prazo
determinado pelo respectivo órgão regulatório.
299
Tradução livre da autora: “Há muitas evidências de que o desemprego tem muitos outros efeitos
de longo alcance do que a simples perda de renda, incluindo dano psicológico, perda de motivação
no trabalho, competência e autoconfiança, aumento do número de doença e morbidade (e até mesmo
as taxas de mortalidade), o rompimento de relações familiares e da vida social, o endurecimento da
190
There is plenty of evidence that unemployment has many farreaching effects other than loss of income, including psychological
harm, loss of work motivation, skill and self-confidence, increase in
ailment and morbidity (and even mortality rates), disruption of family
relationships and social life, hardening of social exclusion and
accentuation of racial tension and gender asymmetries.
E, de certa forma, há uma razão em seu contraponto, na medida em que,
conforme
tratamos
do
assunto
anteriormente
neste
Capítulo,
não
basta
simplesmente à concessão de benefícios sociais que compensem a perda de renda,
se outros tipos de liberdades foram privados aos indivíduos. A melhoria na qualidade
de vida seria, deste modo, limitada, porquanto tais benefícios não são – e nem
deveriam ser – ad eternum.
O que se quer dizer com isso, e corroborando as ideias já apresentadas, é
que ações governamentais – ou o debate político a respeito do assunto junto à
sociedade – dá uma ênfase quase que exclusiva à desigualdade de renda (ou a
desigualdade em sua distribuição), em detrimento à privação de outras variáveis que
envolvem a temática do direito ao desenvolvimento. E é por isso que:
The issue of public discussion and social participation is thus central
to the making of policy in a democratic framework. The use of
democratic prerrogatives – both political liberties and civil rights – is a
crucial part of the exercise of economic policy making itself, in
addition to other roles it may have. In a freedom-oriented market
approach, the participatory freedoms cannot be but central to pubic
policy analysis300.
A falta dessa percepção dá espaço para outros tipos de ideologias (por
vezes, um tanto quanto radicais), sem que tenha havido uma análise mais
exclusão social e acentuação de tensões raciais e assimetrias de gênero” (Sen, Amartya.
Development as Freedom. Oxford University Press: Oxford, 1999, p. 94).
300
Tradução livre da autora: “A questão da discussão pública e participação social é fundamental
para a elaboração de políticas em um cenário democrático. O uso de prerrogativas democráticas –
tanto as liberdades políticas quanto os direitos civis – é uma parte crucial do exercício de elaboração
de políticas econômicas, além de outros papéis que ela possa ter. Em uma abordagem de mercado
orientada para a liberdade, liberdades participativas devem estar no centro da análise das políticas
públicas” (Sen, Amartya. Development as Freedom. Oxford University Press: Oxford, 1999, p. 110).
191
aprofundada acerca do impacto dessas propostas alternativas, que podem conduzir
a falhas ainda maiores do que a abordagem orientada ao mercado livre.
A grande verdade é que o contrato social firmado entre os indivíduos e o
Estado faz com que as instituições que o cerceiam (ou que o suportam) sejam as
únicas formas de promover para as liberdades individuais. As contribuições dos
mercados em termos de aumento de utilidade são incontestáveis, ainda que tais
utilidades não garantam uma distribuidade equitativa.
Cumpre, entretanto, às instituições democráticas estender tal utilidade às
liberdades individuais, no sentido de que, não basta simplesmente a criação de uma
rede de proteção social. É imprescindível uma atuação adicional (políticas públicas)
com vistas a criar efetivas oportunidades sociais básicas voltadas à equidade e
justiça sociais.
5.4
O
DIREITO
AO
DESENVOLVIMENTO
E
O
DIREITO
ECONÔMICO
INTERNACIONAL
A abertura dos mercados, a ausência de barreiras fronteiriças e a maior
conectividade entre os países caracterizam o processo de globalização. E esse
processo fornece uma nova perspectiva no momento em que interliga a questão do
direito ao desenvolvimento às políticas inseridas no contexto do direito econômico
internacional. Para Joseph Stiglitz, o problema não é a globalização propriamente
dita, mas a maneira pela qual ela é conduzida internacionalmente. Para ele301, “part
of the problem lies with the international economic institutions, with the IMF, World
Bank, and WTO, which help set the rules of the game”.
Nesse sentido, o maior desafio é mudar a abordagem orientada a
interesses estritamente financeiros dessas organizações internacionais, para uma
301
Tradução livre da autora: “parte do problema encontra-se nas instituições econômicas
internacionais, como o FMI, o Banco Mundial, e a OMC, que ajudam a definir as regras do jogo”
(Stiglitz, Joseph. Globalization and Its Discontents. Penguim Books: Nova Iorque, 2002, p. 214).
192
abordagem que prestigie questões envolvendo o meio ambiente, a possibilidade de
maior engajamento político e democrático dos países menos desenvolvidos e
emergentes no processo de tomada de decisão e um melhor ambiente competitivo.
Isso porque, conforme leciona William Greider302:
The global system of finance and commerce is in a reckless footrace
with history, plunging toward some sorte of dreadful reckoning with its
own contradictions, pulling everyone else along with it. (…). The first
imperative is to impose some order on the global marketplace to
make both finance and commerce more accountable for the
consequences of their actions and to give hostage societies more
ability to determine their own futures.
É um projeto ambicioso, se pensarmos que essas 03 (três) organizações
internacionais sofrem bastante influência ideológica de países como os Estados
Unidos e Inglaterra, maiores quotistas dessas instituições.
Entretanto, determinar o próprio futuro está diretamente relacionado à
questão da liberdade como desenvolvimento. E a avidez financeira e sem o devido
controle destrói quaisquer probabilidades individuais e tornam impotentes as
instituições democráticas. Refrise-se que a crítica refere-se à ausência de uma
regulação eficiente e não ao sistema capitalista em si. Acreditamos no poder do
mercado.
O mercado, devidamente regulado e administrado, tem externalidades
positivas. Cabe ao mercado gerar a riqueza produzida. Aos governos, distribuí-la
observados certos parâmetros de inclusão social (que não corresponde a
assistencialismo social). Às organizações internacionais, cabe adotar uma postura
de sensibilidade (ou responsabilidade) social. Um maior engajamento entre as
organizações internacionais, sem distinção de escopo, torna-se, no século XXI, uma
302
Tradução livre da autora: “O sistema global das finanças e do comércio está em uma corrida
imprudente com a história, mergulhando em direção a algum tipo de acerto de contas terrível com
suas próprias contradições, puxando todo mundo junto com ele. (...). O primeiro imperativo é impor
alguma ordem no mercado global para fazer tanto as finanças quanto o comércio mais responsáveis
pelas conseqüências de suas ações e de proporcionar às sociedades reféns mais capacidade de
determinar seu próprio futuro” (Greider, William. One World, Ready or Not: The Manic Logic of Global
Capitalism. Simon & Schuster: New York, 1997, pp. 316-317).
193
ferramenta imprescindível para se alcançar qualquer resultado significativo com
relação ao direito ao desenvolvimento.
E é nesse sentido que buscou a Organização das Nações Unidas com a
adoção da Resolução n° 64/172303, em 2009, com a premissa de que a globalização,
não obstante ofereça oportunidades e desafios, ainda se mantém deficiente em
alcançar os objetivos de integração, cuja lacuna entre os países mais desenvolvidos
e os países em desenvolvimento e emergentes ainda é demasiadamente grande,
comprometendo a efetividade do direito ao desenvolvimento, principalmente em
tempos de crises financeiras. Os países, atingidos pelas crises, tendem a retornar a
uma política mais protecionista (beggar-thy-neighbour policy).
Em vista disso, a Resolução adotada expressa preocupação com o fraco
desempenho da sociedade internacional no cumprimento das metas estabelecidas
na Declaração do Milênio da Organização das Nações Unidas (2000) e conta com os
sujeitos internacionais para dar mais ênfase ao princípio da cooperação
internacional, porquanto “only through broad and sustained efforts to create a shared
future, based upon common humanity in all its diversity, can globalization be made
fully inclusive and equitable”304.
A Declaração do Milênio da Organização das Nações Unidas acabou por
estabelecer certos objetivos, os chamados Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio305 – no total 08 (oito), de acordo com a ilustração abaixo –, impulsionados
pelos dispositivos constantes na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento. Ou
seja, partiu-se do pressuposto que a concretização de tais objetivos somente será
303
Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/64/172>. Acesso
em 01 de julho de 2014.
304
Tradução livre da autora: “somente por meio de esforços amplos e sustentáveis para criar um
futuro comum, baseado na humanidade comum em toda a sua diversidade, pode a globalização se
tornar totalmente inclusiva e equitativa” (preâmbulo da Declaração do Milênio da Organização das
Nações Unidas).
305
Considerando que o prazo para o cumprimento desses Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
findará em 2015, a Organização das Nações Unidas já está realizando debates para estabelecer
novos objetivos, denominados de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Alguns desses novos
objetivos estão sendo veementes contestados pelo governo brasileiro. Para maiores informações
sobre os novos objetivos, que incluem governança, transparência governamental e acesso à justiça,
ver: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/06/140627_objetivos_onu_ms.shtml>. Acesso
em 01 de julho de 2014.
194
possível se observados os princípios fundamentais para a realização do direito ao
desenvolvimento no contexto do direito econômico internacional.
FIGURA 10 – OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO
Fonte: www.pnud.org.br
Entretanto, para os fins do presente item, focaremos no objetivo de
número 8 (oito), que busca, sobretudo, implementar o direito ao desenvolvimento no
âmbito do direito econômico internacional306. São eles:
(i) avançar no desenvolvimento de um sistema comercial e financeiro
aberto, baseado em regras previsíveis e não discriminatórias: a ideia é incluir nos
sistemas comercial e financeiro internacionais um compromisso com as boas
práticas de governança internacional;
(ii) atender às necessidades especiais dos países menos desenvolvidos:
ou seja, introduzir307: (a) um regime isento de tarifas e quotas para as exportações
de países menos desenvolvidos (no âmbito do Sistema Geral de Preferência da
Organização Mundial do Comércio, afastando, por exemplo, a cláusula da nação
306
Uma análise mais abrangente dos demais objetivos, ver: <http://www.pnud.org.br/ODM.aspx>.
Acesso em 01 de julho de 2014. Aconselhamos também a seguinte leitura: Bunn, Isabella D. The
Right to Development and International Economic Law: Legal and Moral Dimensions. Hart Publishing:
Oxford, 2012, pp. 166-174.
307
A esse respeito, a Resolução da Organização das Nações Unidas n° 64/172 conclama aos países
desenvolvidos que cumpram suas metas de separar 0,7% (zero vírgula sete por cento) de seu
produto interno bruno para assistência aos países em desenvolvimento e 0,15% (zero vírgula quinze
por cento) a 0,2% (zero vírgula dois por cento) de seu produto interno bruno para os países
emergentes.
195
mais favorecida); (b) um programa de redução de dívidas de países altamente
endividados, além de cancelar eventuais dívidas bilaterais oficiais; (c) uma ajuda
pública aos países empenhados na luta contra a pobreza; e (d) um programa
direcionado aos países em desenvolvimento de modo a tornar sua dívida
sustentável em longo prazo; e
(iii) atender às necessidades especiais de países sem acesso ao mar e de
pequenos Estados insulares em desenvolvimento: mediante o Programa de Ação
para o Desenvolvimento Sustentável.
Depreende-se, pois, que as perspectivas no contexto do direito ao
desenvolvimento dependem, necessariamente, da atuação ativa e coletiva não só
dos sujeitos do direito internacional público, mas também das empresas
transnacionais e da sociedade civil. E dada à natureza multidimensional do conteúdo
do direito ao desenvolvimento à sua realização, ou melhor, à sua concretização
somente será possível se for levado em consideração que os direitos humanos
precedem à lei, porquanto estão fundamentados no conceito de dignidade humana.
Nesse sentido, asserta Isabella D. Bunn308 que:
While the right to development may never serve as a key catalyst in
rewriting the rules of economic order, it can play a constructive role in
ensuring that the legal and institutional frameworks for global
economic activity take into account the demands of both human rights
and development.
O papel do direito econômico internacional atual (e de suas organizações
internacionais, em especial, a Organização Mundial do Comércio, o Banco Mundial e
o Fundo Monetário Internacional), com vistas a contemplar o direito ao
desenvolvimento em sua integralidade, portanto, é se afastar de certos estigmas de
liberação e desregulamentação dos mercados, permitindo que cada país seja capaz
308
Tradução livre da autora: “Enquanto o direito ao desenvolvimento pode não servir como um
catalisador-chave para reescrever as regras da ordem econômica, pode desempenhar um papel
construtivo no sentido de garantir que os cenários legal e institucional para a atividade econômica
global levem em conta as exigências tanto dos direitos humanos quanto do desenvolvimento” (Bunn,
Isabella D. The Right to Development and International Economic Law: Legal and Moral Dimensions.
Hart Publishing: Oxford, 2012, p. 285).
196
de escolher livremente o sistema econômico que melhor atenda os interesses de sua
população, sem qualquer tipo de interferência, pressão ou restrição externa de
qualquer natureza, bem como de determinar livremente seu próprio modelo de
desenvolvimento.
5.5 CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO ENQUANTO
DIREITO HUMANO
Não resta dúvida a veracidade do brocado ex facto oritur jus, o que
equivale dizer que o direito é gerado dos fatos. A construção de um ordenamento
jurídico baseia-se a partir das experiências vividas. A evolução do direito se
processa em velocidade relativamente mais lenta do que aquela em que se processa
a evolução dos fatos sociais.
Os direitos de primeira dimensão, vale dizer, os direitos civis e políticos,
foram conquistados a partir do momento em que se instarou o Estado de Direito,
sendo materializados, principalmente na Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem (1776) e na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1789).
Por sua vez, os direitos de segunda dimensão, ou seja, os direitos econômicos,
sociais e culturais, foram sendo desenhados a partir da Revolução Industrial, na qual
se notou um claro abuso do poder econômico. O Estado deixou de ser omisso para
ser interventor. Tais direitos foram inicialmente materializados na Constituição
mexicana (1917) e na Constituição de Weimar (1919), muito embora apenas
formalmente. Nesta esteira, Vladmir Oliveira da Silveira 309 leciona que:
Pode-se dizer que no século XX se solidifica a luta pela garantia
material da segunda dimensão dos direitos fundamentais, ou seja,
dos direitos econômicos, culturais e sociais, como, por exemplo, a
educação, a saúde e o trabalho. As reivindicações pretendiam
transcender as liberdades formais com as concretas, isto é,
309
Silveira, Vladmir Oliveira da. O Direito ao Desenvolvimento na Doutrina Humanista do Direito
Econômico. São Paulo, 2006. 382f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2006, p. 167.
197
materializar no direito as prestações sociais devidas pelo Estado aos
indivíduos.
Os direitos de terceira dimensão envolvendo, dentre outros, o direito ao
desenvolvimento encontra-se na seara da proteção e tutela de direitos coletivos e
difusos com grande interligação com o direito de autodeterminação. A Constituição
Federal de 1988 e, por consequências, as legislações infraconstitucionais e, até
mesmo regulatórias, adotou uma postura de prevalência dos direitos coletivos (ou de
interesse público) em detrimento dos interesses simplesmente individuais. Basta,
para tanto, analisar o conteúdo dos incisos do artigo 170 do referido diploma legal.
E esse entendimento também se faz presente no próprio âmbito do objeto
de estudo da presente dissertação. Seja na defesa do interesse dos consumidores
em geral, seja na defesa do interesse dos investidores, seja na defesa do direito dos
acionistas, a Lei n° 6.404/1976 (artigo 117, § 1°, alíneas “b” e “c”, artigo 157, § 4°), a
Lei n° 6.385/76 (artigo 4°, inciso IV e artigo 22, § 1°, inciso VI) e as diversas
instruções normativas editadas sob a responsabilidade da Comissão de Valores
Mobiliários buscam manter a lisura dos mercados financeiro e de capitais.
No contexto do direito internacional público, ainda é incipiente a
construção de um direito financeiro internacional, que se assemelha bastante às
recomendações formuladas no âmbito do direito ambiental internacional. Não
obstante seu caráter de soft law, conforme tratamos no Capítulo 2, os agentes
reguladores, atuando como representantes do Estado brasileiro em organizações
internacionais específicas das áreas de mercado financeiro e de capitais, em suas
relações com órgãos reguladores de outros países, acabam por incorporar as
experiências internacionais, na medida de sua conveniência e compatibilidade com o
ordenamento jurídico pátrio. A incorporação no ordenamento jurídico dos Acordos de
Basiléia, ainda que por meio de resoluções do Banco Central do Brasil e não por
meio de um processo legislativo, consoante artigo 49, inciso I da Constituição
Federal de 1988, é passível de ser considerado um exemplo.
O que se pretende apontar com essas assertivas é que a concretização
do direito ao desenvolvimento enquanto direito humano na seara dos mercados
198
financeiro e de capitais difere um pouco da forma como outros direitos humanos são
inseridos no ordenamento jurídico brasileiro.
Primeiro porque, com o advento da Emenda Constitucional n° 45/2004, o
Brasil assumiu uma postura ainda mais significativa em prol da proteção dos direitos
humanos. Incluiu no artigo 5°, o § 3° elevando os tratados internacionais de direitos
humanos à categoria de emenda constitucional, nos seguintes termos: “Os tratados
e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos
respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
E ao fazer isso agiu de acordo com o artigo 4°, inciso II da Constituição
Federal de 1988, ou seja, reiteirou a prevalência dos direitos humanos em suas
relações internacionais. Salienta, nesse desiderato, Flávio Piovesan310 que:
Logo, por força do art. 5°, §§ 1° e 2°, a Carta de 1988 atribui aos
direitos enunciados em tratados internacionais a natureza de norma
constitucional,
incluindo-se
constitucionalmente
garantidos,
no
que
elenco
apresentam
dos
direitos
aplicabilidade
imediata.
Conclui-se, portanto, que o direito brasileiro faz opção por um
sistema misto, que combina regimes jurídicos diferenciados: um
regime aplicável aos tratados de direitos humanos e um outro
aplicável
aos
tratados
tradicionais.
Enquanto
os
tratados
internacionais de proteção dos direitos humanos – por força do art.
5°, § 2° – apresentam natureza de norma constitucional os demais
tratados internacionais apresentam natureza infraconstitucional.
Segundo porque, ainda que implicitamente, a Constituição Federal de
1988 recepciona o direito ao desenvolvimento como um direito humano, com base
no artigo 5°, § 2°, não obstante preveja no artigo 3°, inciso II, que cumpre ao Estado
brasileiro “garantir o desenvolvimento nacional”, por meio da erradicação da
310
Piovesan, Flávia. Reforma do Judiciário e Direitos Humanos. In: Tavares, André Ramos; Lenza,
Pedro; Alarcón, Pietro de Jesús Lora. Reforma do Judiciário. Emenda Constitucional 45/2004,
Analisada e Comentada. Método: São Paulo, 2005, p. 71.
199
pobreza, redução das desigualdades e promoção do bem de todos, sem distinção de
qualquer natureza e, por conseguinte, objetiva proporcionar a todos os seus
cidadãos uma digna existência. Logo, se alinha à própria ideia de desenvolvimento
humano, isto é, o direito ao desenvolvimento, previsto nos documentos
internacionais.
No caso dos mercados financeiros e de capitais, a concretização do
direito ao desenvolvimento, em nosso entendimento, se dá pela incorporação,
digamos, indireta, no ordenamento jurídico nacional dos normativos internacionais.
Indireta, porquanto não é objeto de processo legislativo previsto constitucionalmente.
Indireta, também, na medida em que adentra no ordenamento jurídico em função da
capacidade regulatória desses agentes descentralizados da Administração Pública
federal.
Ou seja, as agências regulatórias (em especial, o Banco Central do Brasil
e a Comissão de Valores Mobiliários), ao representar o Brasil em suas respectivas
organizações internacionais (Banco de Compensações Internacionais e Organização
Internacional das Comissões de Valores Mobiliários, respectivamente) absorvem as
experiências internacionais no ordenamento jurídico, com vistas a uma melhor
proteção dos ambientes financeiro e do mercado de capitais.
No que diz respeito ao Banco Central do Brasil, já fizemos menção os
Acordos de Basiléia. O Acordo de Basiléia I foi implementado no Brasil por meio da
Resolução do Banco Central do Brasil n° 2.099/2004. O Acordo de Basiléia II ainda
não foi integralmente implementado. No entanto, o Comunicado do Banco Central do
Brasil n° 12.746/2004, fornece um cronograma com as fases a serem seguidas para
sua concretização.
Por outro lado, no que diz respeito à Comissão de Valores Mobiliários,
citamos, no Capítulo 4, a iniciativa de obrigar os executivos, diretores e
administradores de sociedades anônimas abertas a divulgar as informações
referentes ao seu pacote de remuneração (incluindo salários, bônus, gratificações,
dentre outros) nos formulários de referência para emissão de valores mobiliários,
que acabou por ser impedido pelo Poder Judiciário.
200
Enfim, para que haja uma efetiva concretização do direito ao
desenvolvimento, implementar políticas públicas torna-se mais importante do que a
obrigatoriedade. Obrigatoriedade essa no sentido de, por ser um direito inerente ao
ser humano, desenhar um programa de ação que contribua para sua realização é a
melhor forma de resolver a questão do que apenas tentar legislar sobre esses
direitos. Deve-se prezar por sua materialização eficaz, ao invés de garanti-los
apenas formalmente.
201
CONCLUSÃO
A presente dissertação teve um propósito bastante claro: entender o
papel do Estado em meio a um novo contexto, marcado por 02 (dois) aspectos que
se revelaram contraditórios. De um lado, tem-se a globalização; do outro lado,
insurge-se pela defesa do direito ao desenvolvimento. E nada melhor do que uma
crise econômica para servir como referência a essa análise. Em nosso
entendimento, referida crise não deve ser vista apenas com olhos negativos, em
razão das discussões que trouxemos à baila.
Primeiramente, a crise subprime de 2008 propiciou o entendimento de
que o sistema financeiro é frágil. E é ainda mais frágil se pensarmos globalmente em
função da alta interconectividade entre os países, que contribuiu para a ocorrência
de um efeito dominó, com perdas financeiras e sociais inestimáveis. Em segundo
lugar, porque a crise subprime de 2008 questionou certos dogmas, notadamente o
modelo econômico liberal. E, em terceiro lugar, pautou ainda mais as relações
econômicas internacionais a partir daquele momento, no sentido ser colocado em
discussão à função social das organizações internacionais.
Tendo em mente essas considerações preliminares buscou-se nesta
dissertação tratar dos principais componentes desta equação. Estruturamente, foi
preciso entender a globalização como um fenômeno atual, mas não completamente
irreversível. Chegou-se à conclusão de que a globalização – seja ela econômica,
seja ela financeira – é conveniente a todos, na medida em que haja algum tipo de
ganho ou benefício. Cessadas suas benesses, em função de externalidades
diversas, há uma propensão na adoção de um modelo protecionista (beggar-thyneighbour policy) até o restabelecimento da normalidade.
Adicionalmente, a globalização acabou por evidenciar a desigualdade
entre os povos e países, aumentando o grau de importância das organizações
internacionais, principalmente aquelas inseridas no sistema da Organização das
Nações Unidas. As organizações internacionais passaram, assim, a ter um papel
202
ativo, voltado à consecução de objetivos cooperatistas, na medida em que passou a
almejar a regulação de objetivos comuns (universais ou regionais). Essa vontade
coletiva, entretanto, acaba sendo interrompida, por vezes, em razão de cenários de
estresse.
No que diz respeito ao comércio internacional e os mercados financeiros e
de capitais, o Acordo de Bretton Woods pode ser considerado uma quebra de
paradigma, trazendo não só novas regras para a ordem econômica internacional,
mas também alterando as relações de poder (horizontalidade em detrimento da
verticalidade). Regras emanadas pela Organização Mundial do Comércio, pelo
Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial dotadas de conteúdo liberal
são, por conseguinte, bastante conservadoras quanto a aspectos regulatórios.
A Organização Mundial do Comércio disciplina práticas anticomerciais ou
anticoncorrenciais, ou seja, prestigia o livre comércio isento de medidas
protecionistas. Não é por isso que seu principal princípio é o da não discriminação
(artigo I do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio que trata da cláusula da nação
mais favorecida). Ademais, criou um mecanismo de solução de controvérsias
deveras eficiente e transparente. Entretanto, a Organização Mundial do Comércio
não foi capaz de cumprir com suas promessas de crescimento econômico e
desenvolvimento sustentável. Exemplo disso, citamos a suspensão das negociações
da Rodada de Doha, em função do advento da crise subprime de 2008, ainda que tal
crise não tenha sido o único obstáculo para a conclusão desta Rodada.
O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, nesse diapasão, são
as organizações internacionais mais criticadas, porquanto se afastam sobremaneira
de condutas imparciais. O Fundo Monetário Internacional surge, em princípio, para
ajudar na reconstrução da Europa no pós-Segunda Guerra Mundial. Posteriormente,
alarga seu âmbito de atuação com vistas a auxiliar a transição de modelos
econômicos socialistas para modelos econômicos liberais e atuar, em última análise,
como emprestador de última instância (lender of last resort). Já o Banco Mundial, em
meados da década de 1980, passou a ter como missão extinguir a pobreza extrema
e contribuir para a prosperidade da sociedade internacional.
203
Para a existência de ambas as organizações internacionais mencionadas,
cada Estado-membro deve contribuir para a formação do capital social. Entretanto,
essa contribuição deve ser equilavente à economia de cada Estado-membro.
Evidente, pois, a existência de um conflito de interesses, sem mencionar o
desvirtuamento da teoria da agência, na medida em que um ou poucos países
deterão poderes suficientes para determinar os objetivos a serem perseguidos por
tais organizações internacionais.
Há um ponto interessante a se notar acerca de quão prejudicial pode ser
a falta de comprometimento com a coletividade. Se tomarmos novamente como
paradigma a crise subprime de 2008, muitos dos responsáveis por apoiar os ideais
liberais e a desregulamentação dos mercados (leia-se, os lobistas e os executivos
do setor bancário) vieram a se tornar Secretários do Tesouro norte-americano,
decidindo, pois, acerca das políticas fiscais, monetária e de orientação do mercado.
Agiam de acordo com o que entendiam por melhor caminho ao
crescimento econômico e desenvolvimento sustentável de uma Nação. Entretanto, o
ponto nodal por detrás disso não era o bem-estar social. Pelo contrário, volta-se a
interesses exclusivamente pessoais.
Prevalencendo, pois, uma ideologia maquiavélica, ela se alastrou pelas
principais organizações internacionais de cunho econômico, que acabaram por
difundir ao mundo práticas que se revelaram prejudiciais à economia mundial,
destoando-se da ideia de cooperação internacional, porquanto se encontra
diametralmente oposta a interesses meramente privados.
É preciso exercitar e concretizar o conceito de governança global, de
democratização e de responsabilidade social no âmbito dessas organizações
internacionais, cujo papel está além da defesa dos interesses das grandes
potências. Enquanto houver esse desalinhamento de interesses, dificilmente
objetivos comuns, amplamente defendidos por outras organizações internacionais
da Organização das Nações Unidas, serão conquistados nesta seara. A partir do
momento em que um Estado cede uma parcela de soberania às organizações
204
internacionais, é esperada uma atuação de acordo com a responsabilidade destas,
sob pena de desacreditamento no sistema internacional.
Portanto, no que diz respeito ao papel das organizações internacionais
econômicas diante do atual estágio de desenvolvimento do direito internacional
público, está aquém da atuação de outras tantas organizações internacionais.
Sob o enfoque do papel do Estado dentro de sua jurisdição, ou seja, de
acordo com o seu grau de envolvimento com a sociedade, buscamos analisar a
evolução do Estado, e, em especial, a do Estado brasileiro, que sofreu influência da
escola cepalina (protecionista) e, posteriormente, adotou um modelo mais liberal
imposto pelo Fundo Monetário Internacional para liberação de empréstimos para
conter o endividamento externo brasileiro.
Não obstante, com o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil
assumiu uma postura social de mercado, pautada pela defesa de preceitos
democráticos, em face da queda do regime ditatorial. Prestigiu-se a defesa de
valores inerentes ao indivíduo, tais como liberdade, igualdade, justiça social,
proteção da dignidade humana, etc. insculpidos, por exemplo, nos artigos 1°, 5°, 6° e
7°. O Estado Democrático e Social de Direito brasileiro é, portanto, fruto de uma
constante evolução dinamogênica dos direitos humanos.
Por outro lado, a Constituição Federal de 1988 também privilegiou a livre
iniciativa, o livre comércio e mais alguns outros preceitos de ordem econômica,
porém, em menor quantidade. Isso quer dizer que caberá ao Estado não só a defesa
dos direitos sociais, mas também sua concretização por meio de políticas públicas
inclusivas, que não devem ser confundidas com assistencialismo, permitindo-se a
liberdade econômica, desde que não prejudicial à consecução dos direitos sociais.
A crise subprime de 2008 foi um divisor de águas no que concerne ao
papel do Estado, enquanto interventor na dinâmica econômica. Por tal razão, ao
longo da presente dissertação buscamos testar a hipótese de um Estado necessário
como modo alternativo de atuação do Estado, isto é, nem tão omisso, nem tão
205
onipresente. O estado de natureza (autoregulação ou regulação excessiva) não se
coaduna com os princípios firmados no contrato social brasileiro.
O Estado necessário tem como objetivo primordial a promoção e a defesa
da equidade e justiça sociais. E assim alcançará seu objetivo por meio de uma
divisão de trabalho coerente e descentralizada, inclusive sob o permissivo
intervencionista, por meio de agências regulatórias. Em outras palavras, ao Estado
compete à função de auxílio, fomento e fiscalização da economia, e não de
intervenção, no sentido de impor obstáculos ao seu regular funcionamento.
À época da crise subprime de 2008, por diversas vezes, o governo federal
se viu obrigado – e ainda se vê – a adotar medidas, a fim de conter estragos na
economia brasileira. Não há dúvidas que tais medidas foram benéficas em curto
prazo, na medida em que houve um estímulo na economia, muito embora um
desaquecimento quanto aos investimentos estrangeiros, com as sucessivas quedas
na taxa SELIC.
Preocupado em fornecer respostas prontas e rápidas à sociedade, o
governo brasileiro não voltou sua atenção no longo prazo. Hoje, sofremos as
consequências dessas medidas, se observarmos: (i) a queda na produção industrial;
(ii) a diminuição do consumo; (iii) o aumento da inflação bem acima da meta
estabelecida e (iv) o endividamento da população.
Ao invés de ter intervindo tanto na economia, cuja responsabilidade
deveria ter sido deixada aos órgãos regulatórios desse setor (Conselho Monetário
Nacional, Banco Central do Brasil e Comissão de Valores Mobiliários), o governo
deveria ter investido o dinheiro público em obras de infraestrutura, gerando
empregos, fomentando investimentos, arrecadando impostos e mantendo o
consumo equilibrado. Ou seja, aquecendo e fomentando a economia interna.
Novas crises haverão e é preciso entender como tirar o melhor proveito,
ou seja, que seus efeitos não recaiam exclusivamente sobre os cidadãos, que se
veem completamente desamparados. Não tem como mudar o fato de que o capital
financeiro tornou-se mais importante que o capital humano. O capital financeiro não
206
se preocupa nem com a geração, nem com a distribuição de riqueza, senão com a
geração e distribuição de riqueza entre seus pares, ou seja, os intermediários
financeiros em operações estruturadas nos mercados financeiros e de capitais. Essa
responsabilidade recai no Estado necessário, de modo que se consiga equilibrar as
forças do mercado com o direito ao desenvolvimento tão perseguido no âmbito
doméstico e internacional.
Por mais que os mercados financeiro e de capitais brasileiro sejam
altamente fiscalizados pelos órgãos regulatórios competentes, vimos que ainda há
diversas lacunas regulatórias, que abre espaço para inovações, porquanto o que
não é proibido é permitido. Defendemos aqui, não se engane, um modelo que
preserve a lisura desses mercados, bem como a responsabilidade por decisões
levianas tomadas pelos intermediários financeiros e a obrigatoriedade de
cumprimento das melhores práticas de governança (global ou corporativa).
Não defendemos uma regulação que inviabilize o desenvolvimento
desses mercados, que, como vimos, possui características positivas. O mercado de
capitais aumenta a oferta de capital, aumenta a poupança interna, financia déficits
fiscais. A pensar dessa forma, seria tão prejudicial quanto à autoregulação. O que
não se pode permitir é que uma pequena parcela da atividade econômica seja
responsável pela devastação de uma economia inteira.
Aquele que causou dano, refrise-se, tem o dever de reparar. Mas nos
parece que esse preceito não se aplica aos intermediários financeiros, no contexto
dos mercados financeiro e de capitais, conforme retratado ao longo da presente
dissertação. Pelo contrário, os executivos e administradores norte-americanos, por
exemplo, foram altamente bonificados por suas performances especulativas.
E a mesma tendência pode ser vista no Brasil, a partir do momento em
que o Poder Judiciário entendeu que a divulgação de certas informações desses
profissionais violava o direito de sigilo, o direito à intimidade e o direito à privacidade.
Parece-nos um contrassenso, porquanto está se prestigiando o individual ao
coletivo, este último corolário de um sentimental fraternal.
207
Não basta a previsão formal dos direitos humanos na Constituição
Federal de 1988. É imprescindível a existência de instituições democráticas que
concretizem o direito ao desenvolvimento, na medida em que este conjuga todas as
demais dimensões dos direitos humanos. Assim, reiteramos o entendimento de que
o problema atual dos direitos humanos não é o seu reconhecimento, mas a falta de
preenchimento, que, imprescinde, por conseguinte, de vontade política.
Por isso, resta indagar como concretizar o direito ao desenvolvimento em
momentos de estresse. Adicionalmente ao papel do Estado necessário em suas
atividades regulatórias, cumpre também a ele entender as deficiências e as
potencialidades de sua população. O Índice de Desenvolvimento Humano ou,
alternativamente, o Índice do Bom País, são indicadores capazes de direcionar
políticas públicas internas eficazes e duradouras.
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