1 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários Editorial A edição n.º 53 dos Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários inclui um artigo de cariz económico e dois de natureza jurídica. No primeiro artigo é analisada a microestrutura e a liquidez do mercado acionista nacional e, em particular, o padrão intradiário da negociação das ações admitidas na Euronext Lisbon. Esta temática assume crescente importância dadas as progressivas alterações na estrutura dos mercados, como sejam a criação de novas plataformas e estratégias de negociação em que os algoritmos e a negociação de elevada frequência (high frequency trading) têm um papel cada vez mais importante na criação de liquidez e na formação dos preços de mercado. A existência de fricções nos mercados financeiros impossibilita que os preços atinjam, no curto prazo, os seus valores de equilíbrio. Ademais, a liquidez (ou a sua ausência) poderá ter influência no próprio preço de equilíbrio se os investidores exigirem um prémio para deter esses ativos. O facto de a liquidez dos títulos variar ao longo do tempo e ser sensível ao ciclo económico torna o risco de liquidez não diversificável. Uma primeira conclusão retirada neste artigo é a de que as ações com menor capitalização bolsista apresentam um bid-ask spread muito superior ao das ações com maior capitalização bolsista. A diferença entre títulos com maior e menor capitalização bolsista é ainda superior nos casos da profundidade e do impacto da negociação no preço, o que significa que as empresas de maior dimensão apresentam menores custos implícitos de transação e menor impacto das transações nos preços. Estes resultados são extensíveis a outras variáveis indicativas da qualidade do mercado, como a eficiência dos preços e a volatilidade intradiária causada por desequilíbrios na procura e na oferta. Uma segunda conclusão referida pelo autor aponta para um aumento dos custos implícitos de transação e para uma deterioração do nível de liquidez com o aproximar do fecho da sessão de negociação. Não obstante, o impacto das transações no preço tende a ser atenuado pelo aumento da profundidade do mercado nesse período; os custos de transação são potencialmente mais reduzidos quando a negociação ocorre fora dos períodos de abertura e de fecho das sessões de negociação, particularmente quando se trata da negociação de montantes mais reduzidos. Finalmente, conclui-se que os elevados montantes transacionados e a intensidade da negociação durante o fecho da sessão poderão aumentar o risco de liquidez nesse período, nomeadamente em situações de elevada concentração de ordens agressivas. Assim, desequilíbrios na procura e na oferta poderão induzir com maior probabilidade variações nos preços não justificadas por informação relevante. Consistente com esta premissa, o autor constata que a volatilidade dos preços é bastante mais elevada no momento próximo do fecho da sessão, mesmo entre as empresas de maior dimensão. O segundo texto analisa as diferenças entre os instrumentos financeiros derivados de natureza diferencial e os contratos de jogo e de aposta. O tratamento que o direito civil concede ao jogo e à aposta apenas se compreende numa lógica de reprovação moral que o legislador fez destes, sobretudo por ter considerado que a assunção de riscos artificialmente criados, lúdica ou recreativamente, com vista à obtenção de um lucro, redunda numa atividade que não comporta um objetivo sério, não devendo merecer proteção do ordenamento jurídico. 2 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários Editorial Contudo, defende o autor que não deve haver confusão do jogo e aposta com instrumentos financeiros derivados uma vez que o contexto estrutural e a finalidade de uns e outros são distintas. Com efeito, ao jogo e aposta encontra-se muito frequentemente associada uma vertente lúdico-recreativa e a vontade do contratante é dominada pela submissão à verificação de um acontecimento incerto, tendo ambas as partes a mesma intenção (a de apostar), o que no plano dos instrumentos financeiros derivados se afigura de particular dificuldade em virtude de uma das partes ser um profissional de intermediação financeira. Ademais, considerar os contratos derivados diferenciais como de jogo ou aposta sem que as partes o tivessem querido dessa forma seria um desrespeito intolerável pela autonomia privada. O simples facto de uma das partes correr o risco de sofrer uma perda, enquanto a outra recebe um ganho, nada mais indicia do que a verificação da bilateralidade de prestações decorrente da vontade das partes. mentos irracionais típicos do jogo e da aposta. Nestes termos, os instrumentos financeiros derivados diferenciais não devem ser considerados jogo e aposta uma vez que são negociados por um profissional de intermediação financeira vinculado às regras do Código dos Valores Mobiliários, respeitam a liberdade de estipulação das partes no contrato, o prognóstico é baseado em análise feita ao mercado regulado, assentam numa cuidada análise financeira e visam fins legítimos na prática negocial. O autor avalia a (in)existência de uma aposta e a desconsideração do elemento subjetivo de um contrato derivado diferencial, para argumentar que sempre que o contrato vise a realização de uma atividade comercial legítima – como seja, por exemplo, a gestão do risco – não existe uma aposta uma vez que o resultado que as partes almejavam não depende única e exclusivamente da sorte mas da movimentação de indicadores de mercado que são amplamente regulados. Também a especulação deve ser vista como a deliberada e consciente exposição do investidor às incertezas do mercado, com a intenção de delas retirar um benefício económico; o objetivo do especulador é obter um ganho pela abertura de uma posição que lide com o risco. A especulação motivada por razões económicofinanceiras racionais é tida como inerente a estes instrumentos, opondo-se assim aos funda- Diversos estudos procuraram alguma relação entre a data de constituição ou de exercício das stock options e o abuso de informação privilegiada, questionando se a escolha da data de constituição das stock options é meramente fruto de sorte (o chamado good timing), ou se essa escolha tem por base o conhecimento e o uso de informação privilegiada. Neste último caso, o administrador estaria numa posição de vantagem em relação aos demais intervenientes no mercado, podendo mesmo falar-se, nalguns casos, de uma atribuição oportunista das stock options. A autora constata que tem havido algumas tentativas de regulamentação destas matérias na Europa e em Portugal. Em particular, realça as recomendações e a regulamentação da Comissão Europeia no sentido de ser prestada informação, de base individual, sobre a remuneração dos dirigentes e de os sistemas de O terceiro artigo trata a matéria do abuso de informação privilegiada e a sua conexão com os instrumentos de remuneração dos administradores das empresas, em particular com os planos de atribuição de ações e as stock options. A autora procura dar resposta a duas questões: o crime de abuso de informação implica a proibição dos instrumentos de remuneração? Ou resta ainda espaço para tais práticas no direito societário, sem que se cometa o crime de abuso de informação? 3 : Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários Editorial remuneração com base em ações serem previamente aprovados pelos acionistas das sociedades. Na mesma linha, destaca as recomendações e a regulamentação da CMVM sobre o governo societário, as quais determinam que a remuneração dos membros do órgão de administração deve ser aprovada por uma comissão de remunerações e estruturada de forma a permitir o alinhamento dos interesses daqueles com os interesses da sociedade, devendo ser objeto de divulgação anual em termos individuais. No entanto, a autora argumenta que estes instrumentos de controlo não são suficientes para evitar que, no âmbito dos planos de atribuição de ações e dos planos de opção de ações, ocorra o crime de abuso de informação privilegiada. Dado o enorme poder de discricionariedade das sociedades, na sua opinião impõe-se a criação de novas e mais eficazes medidas neste âmbito. A diversidade e a qualidade dos temas apresentados nesta edição dos Cadernos aconselham, pois, a sua leitura atenta e cuidada.