RELAÇÕES DIALÓGICAS: CONDIÇÕES DE VIDA E FORMAÇÃO ILUSTRADA EM JOSÉ VIEIRA DE FARIA ARAGÃO ATALIBA (1804 – 1853) Ana Lícia de Melo Silva1 RESUMO Este trabalho tem o objetivo de conhecer, a partir de um diálogo entre as condições de vida e a formação intelectual, os sujeitos em suas contribuições educativas. Analisaremos as relações do campo científico da química, emergentes em fins do século XVIII a partir da trajetória de José Ataliba, que exerceu a docência de química na Faculdade de Medicina da Bahia entre 1833-1837, além de cargos públicos na Província da Bahia Por fim, consideramos que a proposta deste diálogo nos permitiu ter uma nova leitura sobre os intelectuais. Palavras-chave: História da Educação – Intelectuais – Ilustração - Química. Introdução Os sujeitos históricos envolvidos em instituições e práticas educativas ou relacionados a objetos da cultura material escolar estão, de alguma forma, ligados as suas histórias de vida e aos valores que os constroem seres humanos relacionais. Esta é uma observação importante para analisarmos as características de uma formação intelectual, tomada aqui como uma relação dialógica entre condições de vida e formação ilustrada. Em muitas pesquisas em História da Educação, o tratamento dado aos intelectuais inscreve-se na observância de seus escritos sobre uma determina área de conhecimento, de seus feitos políticos sobre a educação da sociedade em seu tempo ou de suas representatividades nas cadeiras disciplinares e no ensino institucionalizado ou informal. O caráter de condições de vida é subtraído das reflexões por motivos diversos, dentre os quais, o foco da analise é centrado na atuação profissional. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected] Ao desconectar formação intelectual e condições de vida, os historiadores da educação pouco se atentam para a historicidade das trajetórias de vida como delimitadoras das opções intelectuais que levaram indivíduos a escolhas de formação intelectual e atividade profissional. Enfatizar a historicidade dessas escolhas a partir da análise das condições de vida seria uma forma dos pesquisadores analisarem em que situações históricas uma formação intelectual ocorre. Podemos dizer que não somente dos grandes feitos científicos viveram os intelectuais da educação, mas, de todas as experiências construídas socialmente. Deveras, os intelectuais são sujeitos em formação continua que apresentam seus conhecimentos nas dependências de uma ilustração científica e nas escolhas de redes de sociabilidade. É ater-se a uma análise conjunta sobre as condições de vida e formação científica as quais nos possibilitaram melhor entendimento da transmissão teórica e prática de uma específica área da ciência a que o ilustrado intelectual desenvolve nas experiências educativas. O conjunto destas caracterizações fornece aos historiadores da educação as condições analíticas para entender os vieses de suas decisões trabalhistas, filiações de pensamento das escolas à época, do esforço por alcance de privilégios políticos, prestígio social e ascensão financeira. Neste entendimento, a formação intelectual não poderia ser dada por acabada ou ressignificada e inter-relacionada em seu contexto sócio-político através de seu pensamento restrito da área de conhecimento, a qual reflete os métodos científicos. Ou ainda, sobre uma história entrelaçada com as instituições de ensino, com sua rotina educacional e de suas repercussões no progresso da ciência que combina com as relações com seus alunos e a vida administrativa institucional, caso venha a ter. Deste modo dicotômico, as histórias dos intelectuais são construídas por um lado através de sua vida pública, por outro de sua vida privada que torna um trabalho de face biográfico. Não significa desmerecer os distintos trabalhos e suas funções que assumem em linha própria que o caracteriza com tal. Mas, o eixo ‘formação intelectual’ e ‘condições de vida’ dar-nos o entendimento de um sujeito relacional com outros de seu grupo de pertença, sejam da vida pública ou privada, e com sua ilustração inletectual para entendermos suas tomadas de decisões. Por trás de uma amplificação dos feitos científicos e político-social nos grupos a que fizeram pertencimentos, os sujeitos necessitaram construir em cada micro-campo um conjunto de códigos simbólicos que os façam legítimos por seus pares. Em certa medida e de forma particularizada, cada ação social do sujeito ilustrado é uma confluência dos elementos simbólicos da sua formação profissional e de suas condições de vida que correspondem a seu crescimento e produção intelectual. Nesta linha de pensamento, o presente trabalho tem como objetivo apresentar um diálogo entre as condições de vida e a formação intelectual a fim de conhecer as determinadas posturas assumidas pelos sujeitos na construção de seu conhecimento e contribuições para a educação. Para isto, o primeiro item tratará do campo da Ciência e da Química; em seguida, utilizaremos o caso de José Vieira de Faria Aragão Ataliba por ter exercido a profissão de professor de Química e cargos de representatividade pública na Província da Bahia, no período de 1833-1837. Por fim, faremos considerações sobre as contribuições que esta proposta de diálogo pode fornecer ao eixo de estudo sobre os intelectuais. 2- A ciência e o campo da Química Inflar a própria imaginação sempre permitiu ao homem superar as suas próprias capacidades que refletiram na sua luta diária no campo intelectual para os desbravamentos e domesticação do universo natural. O rompimento da ignorância e incompreensão das manifestações do mundo que os cercam, fizeram dos sujeitos científicos aventureiros e observadores disciplinados a realizar conexões entre os materiais da natureza e sua sobrevivência. “[...] aquilo que os homens das sociedades mais desenvolvidas sentem e experimentam nesta mesma Terra quanto natureza, nada tem a ver com a natureza indômita e nunca desbravada pelo homem; trata-se, exclusivamente, da natureza já domesticada pelos homens, transformada por eles para alcançar fins humanos. Refiro-o, aqui, pelo facto de esta circunstância possuir um certo valor simbólico”. (ELIAS, 1985, p.16) Esta relação dar-nos a noção basilar da construção daquilo que podemos chamar de ciência ‘pura’ que se desenvolve a partir de um desejo inicial que, certamente, o é da necessidade e que pouco tempo depois surgem outras razões que se dissociam das originais tornando, com aprimoramentos, uma espécie de ciência ‘aplicada’. Tal fato dificulta traçar uma linearidade do desenvolvimento da ciência, uma vez que a interação das ciências ‘pura’ e ‘aplicada’ possuem, respectivamente, a importância no desejo puro de entender ou a necessidade prática de aplicar.2 “A ciência tem demonstrado ser uma enorme aventura intelectual. Engajar-se nela requer uma vívida imaginação criadora, temperada por uma firme disciplina, baseada num corpo consistente de observações comprovadas [...] Porque a ciência não se resume apenas na coleta de fatos – embora isso seja necessário; é um sistema de correlação lógica dos fatos que, juntos, consolidam uma hipótese ou o corpo de uma teoria. [...] é um conjunto de conhecimentos crescentes e em expansão, até o ponto em que aquelas mudanças são motivadas por experiências ainda mais complexas [...]” (RONAN, 1987,p.12) Por estes caminhos a ciência se desenvolveu e ampliou seus pontos de vistas, substituiu paradigmas e aprimorou seus conjuntos de noção sobre o determinado fenômeno, a que podemos atribuir como um exercício diário de superar desafios. Nestas atribuições, os sujeitos engajados conquistam espaços e construíram pertencimentos a grupos de semelhantes atividades, comunidades de pesquisa e específicas áreas do conhecimento científico, que se desdobram numa confluência identitária de sujeitos legítimos ao empenho do conhecimento científico. Nesta aliança, comecemos a pensar na singularidade dos traços valorativos dos estudos sobre natureza que os Alquimistas apresentaram suficientemente contribuições sociais compatíveis aos interesses à época. Ou seja, suas inquietações contextuais foram contempladas com os esquemas de pensamentos que, articulados com as necessidades daquela sociedade sustentou-se por esta própria dinâmica nas questões referentes à “transformação da substância dos objetos na presença de um agente espiritual, muitas vezes chamado de “pedra filosofal”” (RONAN, 1987, p.126) Nesta perspectiva, viveram estes estudiosos em seu quadro cognitivo até o surgimento de novas contradições e questionamentos que eram provenientes de uma nova dinâmica e complexidade social. Por esta nova realidade, a Química Moderna surge tendo como raiz a Alquimia por razão de seus trabalhos práticos laboratoriais continuou sendo o lugar próprio de estudos e testes de materiais, porém, o enfoque diferente – a validação de teorias. 2 Cf. ELIAS (1985,p.15).O autor esclarece que o desenvolvimento das ciências naturais oferece aos sujeitos a autoridade sobre o acontecer natural, o qual é fruto de um saber sobre “os fenômenos naturais relativamente objectivo e próximo da realidade”. Embora muitas mudanças físicas importantes tenham ocorrido, os indivíduos também podem ser observados em suas transformações subjetivas. Uma nova postura de sentimentos que envolvem poder, prestígio, regalias e ambições, os novos estudiosos da natureza ansiavam por um aprofundamento nas pesquisas que atendessem aos seus paradigmas que, de certa forma, o aprimoramento do material investigado tornaria útil à sociedade. Desta maneira, a Química Moderna se estrutura epistemologicamente e paralelamente as condições de vida dos seus intelectuais que, simbolicamente, os sentimentos e paixões preparam uma ‘atmosfera’ de movimentos que os impulsionam numa corrida não só científica, como é o caso dos resultados, mas, de certo particular sentimento de privilegiar a independência ou a fidelidade, de tornar amigos em adversários, da organização de alianças científicas provisórias/circunstâncias, do abandono familiar, do conter o prazer dos aplausos e do convencimento de suas ideias tanto por seus pares quanto para a opinião pública. Uma cadeia acumulativa de considerações, substâncias, utensílios, aparelhos e experimentos que os valores alquímicos e metodológicos químicos só foram compreendidos se considerarmos em primeira instância os nossos olhares a seus praticantes – aos intelectuais. Pois, o fluxo da estrutura subjetiva que o formará como tal, constituirá as faces de uma envergadura experimental e teórica dos campos de investigação científica. Portanto, os intelectuais que imprimiram seus grandes feitos na História da Ciência na pesquisa e no ensino, em particular a Química para este estudo, fizeram por suas inquietações e/ou das necessidades de uma coletividade a fim de transformar o cenário sócio-ambiental e cultural da sociedade em seu tempo. E, nesta intrínseca que permeia os avanços e os limites das criações científicas que nada mais é do que a compreensão de nós mesmos, um ‘eco’ no particular do sujeito e ‘motor’ dos feitos em si. 3- O caso de José Vieira de Faria Aragão Ataliba Salvador na primeira metade do século XIX, era uma cidade freqüentemente narrada por visitantes estrangeiros como uma cidade de beleza exuberante e exótica, que prendia o olhar do visitante. Os visitantes geralmente descreviam essa natureza como bruta, não domesticada que ao mesmo tempo era rica em todos os tons que iam do verde vibrante das folhas ao marrom límpido dos troncos de árvores. De temperaturas quentes que ao mesmo tempo se tornava ameno no decaimento dos raios solares no mar e, aliado ao canto dos pássaros estruturava a mais bela paisagem gratuita. “O comandante naval inglês sir Robert Wilson, que conhecia muitas terras e mares, ao encontrar em 1805, na baía de Todos os Santos, escreveu extasiado: “A vista desta Baía [...] é talvez a mais magnífica do mundo”. E deixou a cidade de São Salvador da Bahia, ou simplesmente cidade da Bahia, com a impressão de ser impossível descrever sua exuberante natureza, lamentando que não se tratasse de mais uma colônia britânica. O francês A. Dugrivel, que visitou a Bahia em 1832-3 numa viagem que definiu de “passeio sentimental”, viu de seu quarto no Hotel Universo, no largo do Teatro (atual praça Castro Alves), o que considerou “um dos mais belos pontos de vista do mundo”. “É um verão perpétuo”, escreve esse estrangeiro que imaginava ter afinal encontrado o “paraíso terrestre” que romanticamente buscava” (REIS, 1952,p.27). O contraste deste cenário estava entre as folhagens e de frente ao mar. A concentração de riqueza material estava nas mãos de uma pequena parcela da população soteropolitana e a pobreza que se alastrava em ruas adentro sombreava mais da metade daqueles que ali moravam. Se por um lado a riqueza de uns tinham nestas mãos o atraso político; do outro a realidade pobre revelava sujeitos inquietos e rebeldes. Esta região de desigualdade social teve como carro-chefe da dinâmica comercial a exportação do açúcar que, ao passo que conquistava o mercado europeu, aumentava sua produtividade nos hectares de engenho e com ele a necessidade de mão de obra escrava. Para tanto, o atendimento aos mercados consumidores fez com que Salvador passasse a ter um importante porto de escoamento marítimo tanto para o gênero comercializado quanto para o transporte de escravos negros. “[...] Salvador tinha uma vocação marítima por excelência. Do alto de suas colinas se abria o mar, interrompido ao longe por ilhas, entre as quais se destacava a de Itaparica. Além das ilhas, abraçando a baía, ficava a região do Recôncavo, onde floresceu uma das mais importantes economias canavieiras do hemisfério. Pelo porto de Salvador escoava-se para a Europa e outras terras a produção de açúcar, mas também a de fumo, algodão, couro e outros produtos. A cidade com a economia do Atlântico, tendo sido capital do Império Português nas Américas até 1763, quando foi substituída pelo Rio de Janeiro” (REIS, 1952,p.27) Foi nesta cidade não planejada e demarcada entre ‘cidade baixa e alta’, respectivamente, lugar da efervescência comercial dos povos estrangeiros e, ambiente residencial das famílias de maior poder aquisitivo, respectivamente, que o baiano José Vieira de Faria Aragão Ataliba nasceu na capital baiana e ainda jovem ingressou, assim como muitos jovens à época, numa viagem além mar a fim de adquirir estudos superiores em medicina na Universidade de Coimbra, no ano de 1827. Com seu retorno à Bahia, assume nos anos de 1833 a 1837, a condição de professor das cadeiras de Química Médica e Princípios Elementares de Mineralogia da Faculdade de Medicina da Bahia.3 Entre os anos de 1838 a 1853, foi transferido para a cadeira de Patologia Médica por razão da jubilação do professor Antônio Ferreira França. Nestes dois períodos citados de suas atividades na Instituição de ensino superiores, José Ataliba, na Província da Bahia, foi Presidente do Conselho de Instrução Pública, Deputado e Presidente da Comissão de Higiene; Vereador e Presidente da Câmara Municipal. Além de receber as condecorações de Cavaleiro da Ordem de Cristo e Oficial da Ordem da Rosa, OLIVEIRA (1992, p.129) pontua que este ilustrado “pelo fulgor da inteligência e grandes dotes de oratórios, foi um dos professores da Faculdade que alcançaram maior renome”. A Universidade de Coimbra, ponto de partida para sua ilustração que, em certa medida, proporcionou os desdobramentos profissionais citados no parágrafo anterior, foi uma Instituição superior que viveu seu auge na segunda metade do século XVIII por ocasião da reforma pombalina que garantiu uma inclinação para áreas de ensino das humanidades e ciências. Foi, pois, neste momento que as ciências experimentais tornaram-se ensinadas e a Química solidificou-se em Portugal. Foi através de um Laboratório Químico que a validação da teoria, observação e experimentação de materiais que os alunos puderam conhecer e aprender o conhecimento desta ciência que possui suas raízes na Alquimia. “A construção do imponente edifício do Laboratório Químico, hoje sede do Museu de Ciência da Universidade de Coimbra, foi uma das mais emblemáticas medidas da reforma universitária de 1772. Pombal tinha já antes planos claros para o Laboratório de Química, que foram trazidos de Viena de Áustria, a seu pedido, por Joseph Francisco Leal” (MARTINS; FIOLHAIS, 2006,p.18) 3 Cf. OLIVEIRA (1992, p.129) Com esta reforma, apresentaram uma maior abertura para formação de brasileiros tanto na citada Universidade quanto em outras instituições na Europa. Foi uma espécie de encantamento sair das terras brasileiras para ilustra-se além-mar e retornar com titulações que os propusessem não só trabalhar para a nação nas profissões que escolheram, mas, uma forma de estreitar relação com os senhores das mais altas posições da escala de classes sociais e a oportunidade de assumir cargos na administração pública.4 A mobilidade social foi uma prática muito corrente na Bahia dos oitocentos, muitos foram os jovens que deixavam suas famílias para seguir a terras metropolitanas e deixando para trás uma sociedade falida do ponto de vista humana, porém, próspera em termos de riquezas naturais. Na condição de ilustrados, os jovens recém formados, como foi o caso de José Vieira, assumiram posições de status, cargos científicos e administrativos no intuito de somar forças e organizar uma sociedade que clama por melhores condições de vida. “[...] Os mestiços, apesar do preconceito, conseguiam, por meio de mecanismos clientelistas, ascender a cargos públicos, freqüentar universidades, ter assento na Câmara Municipal e na Assembléia Provincial [...] Para ascender socialmente, laços de parentesco consangüíneos ou fictícios, como o compadrio, sempre ajudavam [...] Para um grande número, entretanto, era a educação que servia de alavanca à ascensão. Muitos eram médicos, advogados e professores mulatos” (REIS, 1952,p.40) Neste contrato de formação e organização social, Dr. Aragão Ataliba assumiu as cadeiras de Química Médica e Princípios Elementares de Mineralogia nos anos de 1833 a 1837 na Faculdade de Medicina da Bahia. Ele constituiu o terceiro professor da cadeira e segundo dentre os quatro primeiros Lentes a serem formados em Universidades Estrangeiras e segundo a estudar em Coimbra. 5 Assumir uma cadeira na Faculdade significava poder, prestígio, autonomia e liberdade para organizar o ensino de Química teórico e prático que foi estabelecido no ano de 1832 por ocasião da reforma da Faculdade. Ser um sujeito que tinha o domínio da ciência que estuda a matéria significou agregar ainda mais o sentimento de superioridade, pois, desde que a reforma foi posta a discussão, a pauta sobre o laboratório de Química, por razão da extinção 4 5 Cf. CRUZ e PEREIRA (2009) Cf. OLIVEIRA (1992). do Hospital Militar, sempre foi um impasse entre a Santa Casa de Misericórdia que defendia os interesses da Faculdade e do outro os interesses do Governador da Província que desejou utilizar um dos cômodos do antigo Hospital para instalar o Museu de História Natural. “[...] De todos estes commodos tomou posse a Faculdade para a installação de seus cursos, expto da casa da Botica do extincto hospital militar que o governo da Provincia pretendeu para collocar alli o Musêo de Historia Natural, ao que se oppoz a Congregação, que muito carecia d’esse commodo para seu Laboratorio Chimico [...]” (PEREIRA, 1923, p.38) A situação arrolou de 1833 até 1837, ou seja, período em que o ilustre Aragão Ataliba atuava tanto como professor da cadeira de Química Médica e Princípios Elementares de Mineralogia quanto como vereador da Província da Bahia no período de 1833 – 1834. Em meio a processo judicial e representações executivas, a decisão emitida pelo Ministério do Império foi favorável a instalação do Laboratório Experimental Químico que permite deixar claro o valor de uma superioridade que o intelectual do campo científico tinha na sociedade. Na condição de ilustrado na comunidade universitária coimbrã, Dr. Aragão Ataliba empenha-se nos papéis administrativos e de professorado na medida em que desenvolve um espírito de conquista por valores simbólicos na sociedade baiana. A estratégia de estar entre aqueles que fazem parte de classes altas pode ser observada, por exemplo, através dos títulos de Cavaleiro da Ordem de Cristo e da Rosa, da mesma forma com que naturalistas-viajantes no Brasil tinham prazer em receber como prova de seus “feitos acumulados” (RAMINELLI, 2008, p.147). Entre as fases formativa, profissional universitário e representante social, o intelectual comportou-se objetivamente aos interesses funcionais, porém, é claro que uma subjetividade o norteava nestas atividades. O desejo de estar compondo o quadro de cientista da Química em Instituição de ensino superior figura-o como capaz de construção de um conhecimento de campo o qual contribuía na formação de novos profissionais para aquela atmosfera de desigualdades sociais tão acentuadas. Com isto, a ‘pura’ atuação professoral e política por si mesma não são de todo suficientes para compreender a construção e atuação do indivíduo intelectual por razão da sua estrutura subjetiva ser uma variante importante no processo das relações sociais, decisões pessoais e públicas contextualizada. Logo, a paixão por reconhecimento e pertencimento a campo científico; poder de convencimento de seus pares por construções de conhecimento científico e das autoridades por razão de um bloco de opinião a que defendeu inferem, decisivamente, na construção de um intelectual. 4 - Considerações finais Tratar de uma relação que une a formação intelectual com a condição de vida de um sujeito é antes de tudo tratar do indivíduo na linha contextual de suas ligações com outros sujeitos sociais dos diversos micro-campos aos quais esteve envolvido. Tanto o espaço quanto o tempo são importantes na medida em que os esforços de investigação histórica pelos vestígios das experiências mostram as estruturações dos códigos simbólicos apropriados para torná-lo legítimo e suas contribuições reconhecidas por seus pares. É neste empreendimento que tratamos o perfil biográfico do professor José Vieira de Faria Aragão Ataliba e de seu período em que na Bahia foi professor de disciplinas na Faculdade de Medicina da Bahia e Vereador da Câmara de Salvador, no período de 18331837. Um olhar que pautou em construir um diálogo entre as suas condições de vida e sua formação intelectual, com os quais nos permitiram conhecer as duas ‘linhas comunicativas’ que geram suas tomadas de decisões. Enfim, instigar sobre aspectos de um diálogo entre a condição de vida e sua formação profissional nos forneceu linhas reflexivas, a partir do caso trabalho neste artigo, sobre o processo de estruturação de um intelectual. São novos reexames sobre a História de ilustres conhecidos ou não que transformaram a sociedade e o conhecimento científico em seu tempo que mereçam novos diálogos textuais. Referências bibliográficas CRUZ, Ana Lúcia Rocha Barbalho da; PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. 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