A Idéia Bíblica de Perfeição

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A Idéia Bíblica de Perfeição – Dr. Hans K. LaRondelle
I. Um Princípio Fundamental de Interpretação
É um fato marcante que mesmo cristãos professos têm freqüentemente falhado em entender a
Bíblia como ela deve ser entendida. Eles têm lido os termos bíblicos com idéias preconcebidas
derivadas da filosofia tradicional. Quando a filosofia humana é misturada com revelação bíblica,
o resultado é sempre uma teologia especulativa. Tal filosofia tende a distorcer o caráter de
Deus e o caminho da salvação como exposto na Sagrada Escritura.
Especialmente, a idéia bíblica distintiva de “perfeição” tem sofrido muito de várias teologias
especulativas. A história do Judaísmo e da igreja Cristã mostra uma variedade de seitas
religiosas e movimentos monásticos, cada qual pretendendo ter o monopólio da verdadeira
perfeição aos olhos de Deus.
Uma análise crítica de cada forma específica de perfeccionismo revela, contudo, que sem
exceção o conceito bíblico de perfeição tem sido distorcido por uma mistura de elementos
estranhos.
Esta história de falha deveria nos prevenir ao máximo de pretender possuir a perfeição ou
conhecer exatamente o que é isso aos olhos de Deus. Temos que examinar nossas
pressuposições e dogmatismo em primeiro lugar sobre perfeição, se nós queremos avaliar
nossos conceitos criticamente à luz da revelação escriturística. Como necessitamos
compreender a verdade da confissão de Davi: “Pois em ti está o manancial da vida; na tua luz,
vemos a luz”! (Sal. 36:9) A luz divina nos vem através das Sagradas Escrituras do Antigo e
Novo Testamentos, “revivificando a alma”, “fazendo sábio o simples”, “alegrando o coração”,
“iluminando os olhos”, “permanecendo para sempre”, “juntamente retos” (Sal. 19:7-9).
No campo da teologia bíblica, muitos vieram a compreender que idéias dos profetas e
apóstolos são mais do que conceitos. Elas são idéias nascidas no Céu, “os Oráculos de Deus”
(Rom. 3:2), através das quais Deus comunica Sua graça, sabedoria e poder. Isto não significa
que a Bíblia seja uma coleção de provérbios não relacionados ou oráculos isolados. Pelo
contrário, tanto o Antigo como o Novo Testamentos são primariamente registros da
incomparável história dos feitos de Deus na História de Israel, todos estruturados por Seus
santos concertos com Israel e os Doze apóstolos. Os profetas interpretaram fielmente o
significado dos justos atos de Deus até que Jesus Cristo veio com a mais completa revelação
do santo caráter e vontade de Deus. “Quem Me vê a Mim vê o Pai. ” (João 14:9), disse Jesus a
Filipe.
Ele foi mais do que o Perfeito Intérprete do Torah, os Profetas e os Salmos. Suas próprias
palavras continham o poder criativo de graça e cura, que restauraram no crente a imagem
moral de Deus em verdadeira perfeição. Em verdade, Jesus podia dizer: “As palavras que eu
vos tenho dito são espírito e são vida.” (João 6:63). “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”
(João 14:6). Estas considerações levam-nos a aceitar o princípio fundamental de interpretação
de que Cristo é o verdadeiro Intérprete do Antigo Testamento, ou afirmado diferentemente, a
Bíblia é o seu próprio expositor.
A guia do Espírito Santo, que inspirou a todos os escritores da Bíblia, sempre fielmente
acompanha as Escrituras Sagradas para iluminar e guiar as nossas mentes e assegurar-nos da
verdade divina.
Nosso propósito é aplicar este princípio de interpretação agora ao estudo da idéia bíblica de
perfeição. Somente então nós podemos chegar a uma definição ou a uma sumária descrição
da perfeição bíblica.
II – Perfeição Divina no Antigo Testamento
Embora o Antigo Testamento repetidamente afirma que o Deus de Israel (Yahweh) é santo e
justo, gracioso e misericordioso, nenhuma vez ela diz explicitamente: Deus é perfeito. Contudo,
o termo “perfeito /perfeição” é usado várias vezes concernente a Deus, mas sempre referindose à relação de Deus com Israel. Três textos usam a palavra heb. “tãmim”, (perfeito,
inculpável), com respeito a Deus:
(1) Deut. 32:4: “Eis a Rocha! Suas obras são perfeitas, porque todos os seus caminhos são
juízo; Deus é fidelidade, e não há nele injustiça; é justo e reto”.
(2) Sal. 18:30: “O caminho de Deus é perfeito; a palavra do SENHOR é provada; ele é escudo
para todos os que nele se refugiam.”
(3) Sal. 19:7: “A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel
e dá sabedoria aos símplices.”
Em cada vez, estes textos revelam que os atos redentores de Deus e a instrução ao Seu povo
do concerto são perfeitos: Sua obra, Seu Caminho, Seu Torah (toda a Instrução divina) são
perfeitos para Israel. Deus tinha estabelecido um único e perfeito relacionamento com Seu
povo escolhido através de Isaías. Ele mesmo os desafiou-os com a questão: “Que mais se
podia fazer ainda à minha vinha, que eu não lhe tenha feito? E como, esperando eu que desse
uvas boas, veio a produzir uvas bravas?” (Isa. 5:4).
Deus tinha redimido Israel da casa da servidão, o Egito, através dos julgamentos das dez
pragas, o miraculoso secamento das águas do mar vermelho, e a completa destruição dos
perseguidores egípcios – uma perfeita redenção. Ele os tinha conduzido por 40 anos no
deserto rumo à Canaã, dando-lhes maná do céu e água da rocha – uma perfeita guia,
provendo-lhes para todas as necessidades. Suas vestes não se rasgaram, nem os seus pés
incharam durante aqueles 40 anos (Deut. 8:4) – um perfeito cuidado.
O divino Redentor tinha dado a Seu povo redimido no Sinai o Seu santo concerto, consistindo
de Dez Mandamentos embutidos dentro do santuário e seu culto expiatório da graça
perdoadora. O dinâmico inter-relacionamento desta grande lei moral-religiosa com a graça
expiatória do santuário outorgava aos adoradores reavivamento da alma e alegria de coração.
No santuário, Deus mesmo revelava Sua presença, habitando assim entre o Seu povo, e
transformando o verdadeiro adorador por Seu glorioso poder. “Assim, eu te contemplo no
santuário, para ver a tua força e a tua glória.” (Sal. 63:2). Esta é a perfeição do Torah de
Yahweh: “A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma.” (Sal. 19:7).
O Antigo Testamento não está interessado em tentar explicar como Deus é perfeito em Si
mesmo. Isso não seria de nenhum benefício ao homem. A perfeição de Deus é enfaticamente
proclamada como Seu amor redentor e santa justiça para Israel. Ele é perfeito como um Deus
fiel e confiável que cumpre fielmente Suas promessas salvadoras, reavivando a alma e
iluminando os simples.
Quão distante é o quadro do Antigo Testamento de Deus de todo o conceito puramente
filosófico acerca de Deus. O deus de Aristóteles, por exemplo, era o produto de seu próprio
engenhoso pensamento, a peça coroadora de seu sistema lógico de filosofia. Seu deus era a
necessária, mas abstrata idéia de puro pensamento somente, “Pensamento em si”, e portanto,
isento de todos os sentimentos e afeições. Todas as expressões emocionais eram
consideradas como distúrbios de perfeito pensamento para Aristóteles. Seu deus era uma
imagem criada pelos mais altos conceitos do homem: um deus sem paixões, amor, ira, ou
intervenções na história humana.
O testemunho de Israel de Deus, dramaticamente falando e atuando como Criador-Redentor
deu um quadro fundamentalmente diferente de Deus. Isso também diferiu radicalmente de
todos os conceitos de Deus das nações gentílicas contemporâneas. Enquanto cada nação
antiga tinha seu panteão, contendo uma pluralidade de deuses e deusas representados por
estátuas e imagens de escultura, o Deus de Israel tinha explicitamente proibido a fabricação de
qualquer imagem esculpidas dEle (Êxo. 20:4). Ele excedeu a todos os conceitos humanos de
Deus, permanecendo o verdadeiro e soberano Deus. O Tabernáculo ou santuário de Israel não
continha nenhuma imagem de Yahweh. O rei Salomão mesmo confessou em sua oração de
inauguração do magnificente Templo: “Mas, de fato, habitaria Deus na terra? Eis que os céus e
até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei. “
Isaías tenta despertar Israel a uma nova visão da majestade superior de Yahweh e soberano
governo, apontando a incontáveis estrelas em seus movimentos ordenados: “A quem, pois, me
comparareis para que eu lhe seja igual? — diz o Santo. Levantai ao alto os olhos e vede.
Quem criou estas coisas? Aquele que faz sair o seu exército de estrelas, todas bem contadas,
as quais ele chama pelo nome; por ser ele grande em força e forte em poder, nem uma só vem
a faltar.” (Isa. 40:25-26).
Deus Se revelou a Si mesmo a Isaías em Sua incomparável santidade, uma categoria que só
pode ser experimentada, e portando não pode ser achada por mero pensamento humano.
Isaías experimentou a esmagadora realidade de santidade quando lhe foi dada uma visão do
Santo em Sua glória celestial e ouviu os serafins cantando: “Santo, santo, santo é o SENHOR
dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória.” (Isa. 6:3).
O encontro pessoal com o santo Deus trouxe a Isaías a súbita compreensão de sua própria
inerente pecaminosidade, levando-o a exclamar: “Ai de mim! Estou perdido! Porque sou
homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos
viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos!” (Isa. 6:5).
Esta dramática revelação da santidade de Deus deu ao nobre profeta um novo autoentendimento, a descoberta de sua completa indignidade quando contrastada com a infinita
pureza. Contudo, esta experiência não foi o fim dos caminhos de Deus. O Senhor deu ao
profeta arrependido Sua graça salvadora do Templo celestial: “A tua iniqüidade foi tirada, e
perdoado, o teu pecado.” (Isa. 6:7).
Quão vividamente esta história ensina que o amor de Deus é santo amor, que tanto ama o
pecador como também odeia o pecado! Pecado – o espírito misterioso da desobediência e
independência de Deus – é incompatível com Deus.
Semelhantemente, os profetas proclamam que Deus julgará o mundo e particularmente o Seu
povo escolhido em justiça. “De todas as famílias da terra, somente a vós outros vos escolhi;
portanto, eu vos punirei por todas as vossas iniqüidades.” (Amós 3:2). “Mas o SENHOR dos
Exércitos é exaltado em juízo; e Deus, o Santo, é santificado em justiça.” (Isa. 5:16). Contudo,
mesmo quando Yahweh seja “tão puro de olhos que não pode ver o mal” (Hab. 1:13), a
perfeição de Deus é salvar um remanescente por Sua graça, como o profeta Oséias retrata:
“Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como a Admá? Como
fazer-te um Zeboim? Meu coração está comovido dentro de mim, as minhas compaixões, à
uma, se acendem. Não executarei o furor da minha ira; não tornarei para destruir a Efraim,
porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; não voltarei em ira.” (Osé. 11:8-9).
Assim, a perfeição de Deus é revelada em santidade, amor, e justiça na concreta realidade da
história de Israel. Desse modo, a perfeição de Deus é uma perfeição em ação, objetivando a
salvação do homem neste mundo.
Isto significa dedicação de Deus e vontade inteira, não dividida, fiel para salvar o homem e
para santificá-lo em Sua santa comunhão. Não admira que o profeta inspirado conclama a
Israel para louvar tão maravilhoso Deus, para buscar Sua força e presença, e para proclamar
Seus feitos entre as nações com alegria, a fim de que todos os povos possam adorá-lO:
“Rendei graças ao SENHOR, invocai o seu nome, fazei conhecidos, entre os povos, os seus
feitos. Cantai-lhe, cantai-lhe salmos; narrai todas as suas maravilhas. Gloriai-vos no seu santo
nome; alegre-se o coração dos que buscam o SENHOR. Buscai o SENHOR e o seu poder;
buscai perpetuamente a sua presença. Lembrai-vos das maravilhas que fez, dos seus
prodígios e dos juízos de seus lábios, vós, descendentes de Abraão, seu servo, vós, filhos de
Jacó, seus escolhidos.” (Sal. 105:1-6).
É importante notar que Moisés usa o termo “justo” (saddîq), ou “reto” (yashar) como sinônimos
virtuais da perfeição de Deus (Deut. 32:4). Mais especificamente, os atos redentores de
Yahweh por Israel desde o Egito são chamados “a justiça” (sidqôt) ou os justos feitos de
Yahweh (Miq. 6:5; Juí. 5:11). A versão RSV traduz o sidqôt de Yahweh geralmente por “atos
salvadores” ou “os triunfos do Senhor”. Tais traduções são mais uma interpretação,
escondendo o importante conceito hebraico da justiça de Deus, como um ato de salvação pela
graça de Deus em fidelidade a Seu concerto com Israel. É verdade que a justiça de Deus
também pode significar justiça de Deus como um ato de destruição ou retribuição pelo pecado.
Mas estes conceitos não são contraditórios. O ato de justiça salvadora é sempre realizado em
benefício do fiel povo do concerto; o ato de destruição ou justiça punitiva sobre os inimigos
declarados de Israel, que ameaçavam o povo do concerto e impediam o concerto de ser
cumprido em Israel.
Portanto, o piedoso israelita em tempos de estresse e opressão invoca o Deus da justiça como
o meio de salvação e libertação (Sal. 31:1; 35:24; 71:2). Deus assegura ao Seu castigado povo
do concerto que Ele os fortalecerá, ajudará, e os sustentará com a destra da Sua justiça (Isa.
41:10; 45:8). Assim Deus é justo quando outorga misericórdia e graça. Ele não é parcialmente
justo e parcialmente gracioso, mas ambos plenamente.
A conexão entre santidade, justiça, fidelidade, firme amor e perfeição, portanto, parece ser
muito íntima. Podemos dizer que a perfeição de Deus no Antigo Testamento significa que Seu
caminho ou as revelações de Sua santidade, justiça e amor fiel são perfeitos. E a esta
perfeição o homem é chamado a seguir e a manifestar no andar com seu Criador e Deus da
aliança.
Ser criado à imagem de Deus implica a obrigação de segui-lO, refletindo Sua imagem na vida
social. Assim, a Escritura conta da perfeição de Noé, Abraão, Jó, e de todos os verdadeiros
israelitas: “Eis a história de Noé. Noé era homem justo e íntegro entre os seus
contemporâneos; Noé andava com Deus” (Gên. 6:9). “Apareceu o SENHOR a Abraão e lhe
disse: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha presença e sê perfeito.” (Gên. 17:1; Gên.
26:5). “Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro e reto, temente a
Deus e que se desviava do mal.” (Jó 1:1). “Porque o SENHOR Deus é sol e escudo; o
SENHOR dá graça e glória; nenhum bem sonega aos que andam retamente.” (Sal. 84:11).
“Bem-aventurados os irrepreensíveis no seu caminho, que andam na lei do SENHOR.” (Sal.
119:1). “Abomináveis para o SENHOR são os perversos de coração, mas os que andam em
integridade são o seu prazer.” (Pro. 11:20).
III – Perfeição Humana no Antigo Testamento
A. O Concerto da Graça Restauradora
Uma das questões que sempre tem assombrado a raça humana desde que ela conheceu a
história de Adão e Eva no Paraíso é: Como poderia o homem reconquistar o Paraíso? Como
poderia o homem atingir a perfeição sem pecado?
Muitas diferentes filosofias e sistemas religiosos conflitantes têm sido projetados para atender
ao anseio inerente do homem por buscar uma vida mais elevada, perfeita. Nosso propósito
específico é investigar a resposta inspirada oferecida no antigo Israel e registrada no Antigo
Testamento.
Moisés e todos os profetas começaram da pressuposição religiosa de que o homem foi criado
por seu Criador à imagem de Deus, à Sua semelhança (Gên. 1:26), e então foi colocado no
belo Jardim do Éden com o privilégio de ter comunhão com Deus e governar o mundo como
representante de Deus (Gên. 2; Sal. 8).
O homem não foi criado para viver para si mesmo ou para o mundo, tentando achar significado
ou perfeição em si mesmo ou na humanidade. Perfeição original do homem era a perfeita
relação com seu Criador-Pai que lhe deu Seu mandato e missão para o mundo. Esta dimensão
religiosa do homem como criatura recebeu um símbolo concreto no descanso de Deus no
sétimo dia da Semana da Criação (Gên. 2:2-3). A celebração da obra da Criação de Deus no
sétimo dia deu significado e direção à vida e pensamento do homem. A adoração de Deus
como Criador deu-lhe verdadeira dignidade e liberdade ao homem. O homem estava livre da
escravidão da auto-deificação e de imaginários deuses na natureza.
Conhecendo seu Criador, o homem podia conhecer-se a si mesmo. O homem não pode conter
o significado da vida em si mesmo. Isto não pode ser achado na natureza ou no mundo ao seu
redor.
O dia de Sábado foi designado especificamente para apontar ao homem a Deus como a fonte
de sua nobreza e destino: ser um filho de Deus, seu Pai. Não foi no Sábado, mas no sexto dia
que o homem foi criado – um fato impressionante e significativo. Embora ele pudesse ser
chamado a obra prima da Criação, a perfeição do homem foi dada no sétimo dia, o dia de
adoração e louvor. Entrando no repouso de Deus do sétimo dia como filho e participante festivo
de Deus, regozijando-se na perfeita obra do Pai, o homem receberia a alegria da santidade e
perfeição de seu Benfeitor.
Sem a adoração do Criador, o homem é escravo para adorar um outro deus, um ídolo de sua
própria fabricação. A miséria do homem moderno secularizado é que ele nem mesmo
compreende sua auto-deificação e auto-adoração.
Israel foi escolhido como o único povo que conhecia a soberania do Criador como seu Deus
Redentor, que lhes deu um único modo de adoração e missão no mundo.
O centro da adoração de Israel era o santuário e seu sagrado culto expiatório. É desse centro
cúltico que nós temos que entender o livro dos Salmos que fala de apenas dois grupos ou
classes de pessoas: o justo e o ímpio. Quem são estes justos ou perfeitos, quando
contrastados com os ímpios ou malfeitores nos hinos do templo de Israel? São essas classes
moralmente definidas de tal modo que os salmistas poderiam qualificar um certo tipo de
pessoas como moralmente perfeitas e as outras como moralmente ímpias?
O aspecto moral ocupa um largo papel na descrição de ambas as partes. Contudo, os poetas
dos Salmos penetram através de todas qualificações morais, apontando a fonte de toda a vida
moral. A relação com o Deus vivente determina a qualidade do coração e vida de alguém. Esta
relação espiritual com Deus vem do Deus de Israel, e é estabelecida por Ele no serviço do
santuário. Não os desejos pios, os sentimentos, as orações; somente o ato de aceitação de
Yahweh através do sacerdote levítico pode declarar um adorador arrependido como “justo”,
livre de culpa. “O sacerdote, por essa pessoa, fará expiação do seu pecado que cometeu, e lhe
será perdoado.” (Lev. 4:35).
Isto não implica que o sacerdote perdoasse em sua própria autoridade, de acordo com o seu
próprio gosto. O sacerdote era o representante apontado do Deus de Israel. Deus mesmo
permanecia o soberano Senhor que realmente perdoava os pecados confessados, pela causa
de Seu próprio nome. A tendência de Israel em confiar nos sacerdotes levíticos e nos seus
sacrifícios de animais para o perdão era contestada por Deus com enfáticas censuras: “Eu, eu
mesmo, sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim e dos teus pecados não me
lembro.” (Isa. 43:25).
A Lei de Moisés ensinava explicitamente que não era Israel quem dava o sangue expiatório
sobre seus altares a Deus, mas pelo contrário, dizia: “Eu vo-lo tenho dado sobre o altar, para
fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o sangue que fará expiação em virtude da vida.”
(Lev. 17:11).
Esta era a revelada e única doutrina do serviço do santuário de Israel, separando-o de todas os
cultos religiosos gentílicos que eram baseados no princípio da salvação pelas obras. Israel era
fundamental-mente diferente de todas as outras nações em sua origem e missão, sua
adoração e teologia. A causa disto não devia ser procurado em qualquer superioridade ou
virtude da raça em si mesma, mas exclusivamente em Deus que escolheu a este povo, em
fidelidade às Suas próprias promessas feitas aos patriarcas.
Eles foram chamados para ser santos, por causa que Yahweh era santo (Lev. 11:45). O
Senhor os tinha escolhido para serem o seu povo peculiar, “um povo para a Sua própria
possessão” (Deut. 7:6). Constantemente, Israel estava em perigo de mal entender o propósito
gracioso de sua eleição por pensar: “Por causa da minha justiça é que o SENHOR me trouxe a
esta terra para a possuir” (Deut. 9:4). Contudo, a despeito de sua teimosia, rebelião e apostasia
do Senhor durante 40 anos no deserto, Ele renovou o Seu concerto e imutável amor para com
Israel, apelando com renovada força: “Agora, pois, ó Israel, que é que o SENHOR requer de ti?
Não é que temas o SENHOR, teu Deus, e andes em todos os seus caminhos, e o ames, e
sirvas ao SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração e de toda a tua alma, para guardares os
mandamentos do SENHOR e os seus estatutos que hoje te ordeno, para o teu bem?” (Deut.
10:12-13).
Tendo sido provado uma perfeita redenção pela graça unicamente, Israel estava agora sob a
santa obrigação de render perfeita gratidão e obediência a seu Redentor em resposta. Então, a
obediência moral de Israel seria motivada por gratidão pela libertação, perdão e glorioso futuro
recebidos. A ética de Israel era portanto, condicionada e enraizada em sua redenção pela
graça de Deus. O concerto que Deus fez com Israel no monte Sinai, exatamente como o Seu
concerto com Abraão, era um concerto de graça, de perdoadora graça através do serviço do
santuário, dirigido pela esperança de paz na Terra Prometida.
Enfaticamente, Moisés tentou ensinar a Israel esta estrutura de graça redentora como a
exclusiva motivação para a verdadeira e aceitável obediência. Na fronteira da Terra Prometida,
ele reiterou esta ordem indicada de redenção-moralidade.
“Falou mais Moisés, juntamente com os sacerdotes levitas, a todo o Israel, dizendo: Guarda
silêncio e ouve, ó Israel! Hoje, vieste a ser povo do SENHOR, teu Deus. Portanto, obedecerás
à voz do SENHOR, teu Deus, e lhe cumprirás os mandamentos e os estatutos que hoje te
ordeno.” (Deut. 27:9-10).
Esta ordem divina era especificamente enfatizada nos próprios Dez Mandamentos, os quais
começam com a lembrança: “Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da
casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim.” (Êxo. 20:2-3). A grande Lei moral
de Israel constitui assim a santa vontade de um Redentor para um povo redimido a fim de
guardar e santificar Seu povo dentro da recebida redenção. Amor grato de um povo salvo,
então, seria a única e verdadeira condição aceitável para o cumprimento desta Lei de Deus.
Ademais, o segundo mandamento também lembra desta motivação do amor: “Faço
misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os Meus mandamentos.”
(Êxo. 20:6).
Não admira que perfeito amor a Deus é exaltado constantemente como a específica raiz da
adoração e da vida moral de Israel. “Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único
SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de
toda a tua força.” (Deut. 6:4-5).
O requerimento de tal amor totalitário e exclusivo a Deus se torna compreensível somente
quando nós consideramos a situação histórica e o contexto em que esta reivindicação de Deus
sobre Israel foi feita. Este apelo por um perfeito amor de Israel foi feito após Israel ter
experimentado o perfeito amor e graça de Deus em Sua grande salvação do Êxodo. Esta era a
resposta, a grata entrega de um povo salvo a seu amante Salvador, que o Senhor esperava e
justamente ordenava para o Seu povo.
O rei Davi foi considerado como o grande exemplo para os governantes teocráticos de Israel,
porque “Davi… guardou os Meus mandamentos e andou após Mim de todo o seu coração,
para fazer somente o que parecia reto aos Meus olhos” (1Reis 14:8; ver também 1Reis 9:4).
Como perfeito amor renderia perfeita obediência aos Mandamentos de Deus por Sua graça
aparece novamente na bênção do rei Salomão: “Seja perfeito o vosso coração para com o
SENHOR, nosso Deus, para andardes nos seus estatutos e guardardes os seus
mandamentos, como hoje o fazeis.” (1Reis 8:61).
Incansavelmente, Deus estava procurando por aqueles que respondiam ao Seu atrativo amor e
inclinavam os seus corações e vida completamente, perfeitamente a Ele. “Porque, quanto ao
SENHOR, seus olhos passam por toda a terra, para mostrar-se forte para com aqueles cujo
coração é totalmente dele.” (2Crô. 16:9).
B. A Consciência de Pecado nos Salmos de Israel
Os 150 salmos foram todos usados como hinos cúlticos cantados pelos coros com
acompanhamentos instrumentais no templo de Jerusalém. Muitos deles foram compostos por
Davi em sua juventude quando ele ainda era um pastor nos montes da Judéia. Cantando seus
hinos como orações, ele usava uma harpa como seu instrumento musical.
Mais tarde, um grande número de canções de Davi foram incorporados no culto do Templo
oficial como o verdadeiro e legítimo meio de adoração e comunhão com Deus (Nee. 12:24). No
cânon da Escritura estas e outras canções foram finalmente aceitas como efetivas e inspiradas
orações, exemplares para todos os que adoravam em espírito e em verdade na cidade de
Jerusalém.
Uma característica emoção dos salmos bíblicos que fica acima de toda a beleza literária e
ascético prazer é o senso de contrição e uma consciência despertada de pecado. Isto relembra
a consciência profética dos pecados de Judá e Israel quando contrastados com a revelação da
santidade divina e pureza moral. Pecado e santidade são corolários contrastantes. Um
profundo senso de um relaciona-se necessariamente com um grande conceito da outra.
Contudo, ambas idéias não são tanto conceitos intelectuais ou puramente éticos, como são
revelações divinas ao coração e à consciência do adorador que recebe um lampejo da
realidade do Deus de Israel.
Compositores como Davi, Asafe o levita, e outros tinham uma experiência pessoal e viva com
Deus, a quem adoravam como o Criador do mundo e Redentor de Israel. Salmo 78 e 105-107
revelam um claro conhecimento do Torah de Moisés, lembrando sua mensagem com dramático
apelo e fervor religioso.
Os salmos despertavam Israel para a sua única herança, erguendo-o de sua natural apatia e
letargia, e estimulam o adorador à renovada experiência do coração para o temor do Senhor.
Eles fazem isso exibindo a verdadeira natureza do pecado e culpa de um lado, e de justiça e
perfeição de outro lado.
Como podem os poetas do templo religioso cantar sobre a perfeição ou justiça do homem,
quando eles têm tão profunda consciência da pecaminosidade humana? Um olhar em dois
salmos nos ajudará a responder a esta questão.
Salmo 19
“Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas.
Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e
ficarei livre de grande transgressão.” (Salmo 19:12-13). Tendo confessado a glória do Criador
como brilha de Suas obras da Criação, o salmista continua a reconhecer a maior glória de
Yahweh, brilhando de Seu Torah em luz salvadora para o povo do Seu concerto. O Torah era
experimentado pelo verdadeiro israelita como uma fonte de alegria redentora, “mais desejáveis
do que ouro, … mais doces do que o mel” (v. 10). Isso estimulava o crente à resposta moral de
andar com seu santo Deus, escolhendo seu caminho abençoado, e afastar-se da estrada da
desobediência.
“Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar, há grande recompensa.” (v. 11).
Considerando as reivindicações da Infinita Pureza, Davi compreendeu que nem a Natureza
nem o Torah como tal poderiam salvar sua alma no julgamento. Conhecendo os olhos
perscrutadores do Senhor que pesa os motivos internos do coração de cada homem (1Crô.
28:9), Davi sentiu a pecaminosidade de seu ser que excedia todo o senso das transgressões
cerimoniais ou atos pecaminosos. Ele entendeu o pecado primariamente como uma atitude
rebelde e um ato contra Yahweh (Sal. 41:4; 51:4). O verdadeiro discernimento do mal e da
compreensão do pecado não era o resultado de reflexões éticas, mas o dom da revelação do
santo Deus do concerto. Considerando o seu coração diante de Deus, Davi moveu-se a uma
confissão sincera de sua própria impotência moral, orando pela graça perdoadora: “Quem há
que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas.” (Sal. 19:12).
Este longo alcance de consciência de pecado era o característico específico religioso da
adoração de Israel. O adorador compreendia diante do seu santo Deus que ele era
pecaminoso na essência do seu ser e não podia mesmo determinar um adequado autoconhecimento. Em contraste com toda a filosofia religiosa grega, que sempre começava com a
ordem “Conhece-te a ti mesmo!”, a maneira israelita de auto-conheci-mento começava com o
conhecimento de Yahweh, o Doador da vida. “Pois em ti está o manancial da vida; na tua luz,
vemos a luz.” (Sal. 36:9). “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece
os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno.”
(Sal.139:23-24). “Examina-me, Senhor, e prova-me; sonda-me o coração e os pensamentos.”
(Sal. 26:2).
O salmista sabia que Yahweh estava pesando os mais profundos motivos e desejos do seu
coração em uma balança celestial e que Ele agiria de acordo com ela. “Se eu no coração
contemplara a vaidade, o Senhor não me teria ouvido.” (Sal. 68:18). Ele sabia que a
observância meticulosa de todos os cultos cerimoniais, a guarda dos sábados e festas, o
cantar de orações rituais seriam uma demonstração objetável de piedade se a fonte do coração
não estava purificada pelo Espírito de Yahweh. “Lava-me completamente da minha iniqüidade
e purifica-me do meu pecado… Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim
um espírito inabalável… Restitui-me a alegria da tua salvação e sustenta-me com um espírito
voluntário… Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e
contrito, não o desprezarás, ó Deus.” (Sal. 51: 2,10,12,17).
Perdão divino pressupõe uma verdadeira, sincera contrição, sentindo o peso do pecado e uma
disposição para obedecer a Deus com alegria. O profeta considera isto como um assunto de
vida ou morte: “Vinde, pois, e arrazoemos, diz o SENHOR; ainda que os vossos pecados sejam
como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o
carmesim, se tornarão como a lã. Se quiserdes e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra.
Mas, se recusardes e fordes rebeldes, sereis devorados à espada; porque a boca do SENHOR
o disse.” (Isa. 1:18-20; ver também Deut. 28:47).
A oração de Davi de súplica em Sal. 19:12 considera o peso do pecado à luz dos olhos de
Deus; portanto, ele avalia a graça divina muito altamente. Tendo pedido pela graça perdoadora
de Deus, Davi continua orando pela graça mantenedora, pelo poder que restringe os impulsos
pecaminosos: “Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então, serei
irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão.” (Sal. 19:13).
O que são pecados da “soberba”? Eles são distinguidos de faltas escondidas ou inconscientes
no verso 12. Estes dois tipos de pecado – de soberba ou inconsciência – são identificados
claramente na Lei levítica, particularmente em Núm. 15. O santuário abria o caminho para o
perdão sacerdotal dos pecados de ignorância, que são pecados cometidos involuntariamente,
sem o pleno conhecimento de seu significado diante de Deus, e após sério arrependimento
dele. Arrependimento era o critério decisivo, implicando confissão e o abandono do pecado,
como afirmado no livro de Provérbios: “O que encobre as suas transgressões jamais
prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia.” (Pro. 28:13). Pecados de
presunção, conseqüentemente são todos classificados diferentemente: “Mas a pessoa que fizer
alguma coisa atrevidamente, quer seja dos naturais quer dos estrangeiros, injuria ao SENHOR;
tal pessoa será eliminada do meio do seu povo, pois desprezou a palavra do SENHOR e violou
o seu mandamento; será eliminada essa pessoa, e a sua iniqüidade será sobre ela.” (Num.
15:30-31).
Pecado cometido “com a mão levantada” (versão Corrigida) significa não uma queda acidental
no pecado, mas uma entrega ao pecado em uma atitude de desafiar a autoridade de Deus.
Então, o pecador deliberadamente peca após ter recebido o “pleno conhecimento da verdade”
(Heb. 10:26). Consciente e voluntariamente ele despreza a palavra revelada de Deus.
Característica desse tipo de pecado é a ausência de qualquer verdadeiro arrependimento,
posteriormente quando o pecado é acariciado e justificado.
Números 15: 32-36 apresenta um exemplo deste tipo de atitude pecaminosa. Um homem
desafiou o prévio mandamento de Deus para guardar o Sábado do Senhor como um dia de
solene repouso. “Portanto, guardareis o sábado, porque é santo para vós outros; aquele que o
profanar morrerá; pois qualquer que nele fizer alguma obra será eliminado do meio do seu
povo. Seis dias se trabalhará, porém o sétimo dia é o sábado do repouso solene, santo ao
SENHOR; qualquer que no dia do sábado fizer alguma obra morrerá.” (Êxo. 31:14-15).
Mostrando o seu desprezo pela Lei de Deus, um homem se aventurou em aberta rejeição da
vontade revelada de Deus, ajuntando lenha no Sábado. Por veredito divino este homem
rebelde devia morrer. Ellen G. White explana isto: “O ato deste homem foi uma violação
voluntária e deliberada do quarto mandamento – pecado este não cometido por inadvertência
ou ignorância, mas por presunção.” (Patriarcas e Profetas, 409).
O Torah, portanto, define presunção como um desafio à autoridade de Deus, um desprezo da
obediência às ordenanças divinas (Deut. 17:12). Não há provisão de expiação ou perdão para
tal pecado, desde que então o pecado seria desculpado ou basicamente eternizado (ver 1Sam.
3:14; Isa. 22:14; Jer. 7:16).
Isto não implica em que seres mortais podem determinar quando um pecado de presunção
está sendo cometido. Quem pode discernir os motivos do coração de um homem? Jeremias
nos lembra: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente
corrupto; quem o conhecerá? Eu, o SENHOR, esquadrinho o coração, eu provo os
pensamentos; e isto para dar a cada um segundo o seu proceder, segundo o fruto das suas
ações.” (Jer. 17:9-10). Sentindo sua grande necessidade do poder salvador e santificador, ele
portanto, ora: “Cura-me, SENHOR, e serei curado, salva-me, e serei salvo; porque tu és o meu
louvor.” (Jer. 17:14).
Por esta dupla graça Davi orou no Salmo 19: 12-13. Não somente perdão ele procurava, mas
uma vida santificada sob a graça prevalecente de Deus. Ele pediu por ambas estas coisas:
pelo apagar de sua culpa e a subjugação dos poderes do mal que lutam pelo domínio. Então
ele cria, ele seria um servo justo de Yahweh, sua “Rocha e Redentor”. “Então, serei
irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão.” (Sal. 19:13).
Assim, o Salmo 19 declara que perfeição humana não é o cultivo de alguma inerente bondade
na natureza do homem, mas o persistente andar em dependência do perdão e graça
mantenedora de Yahweh. Perdão divino restaurou Israel na abençoada e perfeita comunhão
com Yahweh. Embora culpa e pecado possam ser distinguidos, o Antigo Testamento nunca
separa culpa do ato ou vida de pecado. Conseqüentemente, perdão também possui uma
relação sobre a vida moral. O poder dominante do pecado é quebrado, quando Deus mesmo
governa supremo. Esta perfeição é tanto um dom quanto um requerimento do concerto de
Deus com Israel.
Um homem pode inadvertidamente cair em um pecado, uma transgressão da Lei do concerto,
mas isto não o separa de Deus ou de Seu povo. O serviço do santuário provia reconciliação
para o arrependido adorador pelos meios do sangue da expiação sobre o altar (Lev. 4). Não
havia perfeição sem expiação cúltica no concerto de Deus com Israel.
Qualquer perfeição moral que uma voluntária obediência a Deus pudesse desenvolver, nunca
podia ser relacionada com um sentimento de santidade ou justiça própria. A experiência de um
contrito coração e um espírito humilde apenas aumentariam em intensidade se o santo Yahweh
habitasse mais e mais no suplicante adorador. “Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita
a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também
com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração
dos contritos.” (Isa. 57:15).
Salmo 15
No Salmo 15, nós encontramos de novo perfeição (tamîm). Desta vez é o pré-requisito moral
para entrar no templo e desfrutar da proteção e bênção de Yahweh. “Quem, SENHOR, habitará
no teu tabernáculo? Quem há de morar no teu santo monte? O que vive com integridade, e
pratica a justiça, e, de coração, fala a verdade” (Sal. 15:1, 2).
Soa estranho ouvir que perfeição é o pré-requisito para adoração de Yahweh e recebimento de
Sua graciosa comunhão. Não é a perfeição o próprio dom a ser procurado e recebido no
santuário? Como então pode a perfeição ser uma condição para a participação da adoração de
Israel?
Para achar o próprio escopo do Salmo 15, precisamos buscar a mais ampla perspectiva de
todo o Torah. Moralidade não era a base da eleição de Deus a Israel (Deut. 7-9). A grande
salvação histórica do Êxodo e o concerto subseqüente com Israel no Sinai foram dons reais de
Yahweh, dados por Sua graça somente, em fidelidade às promessas de Deus aos patriarcas. O
próprio nome do Deus de Israel, Yahweh, denota-O como o gracioso e fiel Deus do concerto.
O Salmo 15, começa com uma questão suplicante: “Quem, SENHOR, habitará no teu
tabernáculo?”; portanto, pressupõe imediata-mente o concerto da graça expiatória. Tanto a Lei
como o Santuário eram dons do concerto de Deus, provendo uma contínua expiação para
Israel, a presença permanente do santo amor de Deus. O ministério sacerdotal da graça
perdoadora não intentava perdoar a culpa no abstrato. Pelo contrário, ele intentava tirar os
pecados, tanto no aspecto da culpa, como em seu real domínio na conduta do homem (ver
acima sobre o Sal. 19).
De acordo com isto, era prerrogativa e dever de Israel andar com Deus e com seus
semelhantes em uma nova obediência à vontade de Deus. Os poderes divinos da graça
redentora, como manifestados na libertação de Israel do Egito, a casa da escravidão, estavam
disponíveis a partir daí no serviço sacerdotal do santuário. O propósito da festa anual da
Páscoa era para renovar e continuar a redenção graciosa e comunhão do concerto com
Yahweh, para dar a Israel uma renovada e vívida participação na salvação histórica do Êxodo.
A mesma graça era oferecida por Deus diariamente no santuário. Contudo, era a santa graça
que purificava da injustiça e impiedade, transformando o coração do adorador.
“Continua a tua benignidade aos que te conhecem, e a tua justiça, aos retos de coração. Não
me calque o pé da insolência, nem me repila a mão dos ímpios.” (Sal. 36:10-11). “Porém eu,
pela riqueza da tua misericórdia, entrarei na tua casa e me prostrarei diante do teu santo
templo, no teu temor.” (Sal. 5:7).
A ardente santidade e honra de Deus como Rei não poderiam suportar um povo profano e
impuro que fosse escravizado pelo pecado ou tivesse o coração dividido. Israel deveria ser
uma nação santa, uma luz para os gentios, gloriando-se não em sua sabedoria, riquezas ou
poder, mas em seu conhecimento do verdadeiro Deus vivente (Jer. 9:23-24). Era seu santo
privilégio andar em voluntária e alegre obediência a Deus, que incluía arrependimento,
confissão e restauração.
Este novo coração necessariamente seria manifestado em fazer o que é direito de acordo ao
concerto, falando a verdade do coração. Assim, o concerto da graça transformadora provia o
poder motivador para uma nova conduta sócio-ética. A participação na festas anuais é
condicionada, diz o Salmo 15, pela aceitação e apropriação da salvação e graça previamente
recebidas.
A recusa para arrepender-se, por rejeitar a obediência voluntária ao concerto de Deus,
caracteriza o pecado como pecado de presunção. Por outro lado, o requerimento do Salmo 15
não é um senso de isenção de pecado ou um sentimento de justiça própria. Como poderia tal
emoção mesmo existir em uma profunda convicção de indignidade diante de Deus?
O que o Salmo 15 requer é uma vida social e ética purificada e fiel, como apresentada nos
versos 3-5: “O que não difama com sua língua, não faz mal ao próximo, nem lança injúria
contra o seu vizinho; o que, a seus olhos, tem por desprezível ao réprobo, mas honra aos que
temem ao SENHOR; o que jura com dano próprio e não se retrata; o que não empresta o seu
dinheiro com usura, nem aceita suborno contra o inocente. Quem deste modo procede não
será jamais abalado.”
Este modo de vida do concerto pela graça de Deus é um perfeito andar, por causa que o
coração é purificado e as mãos são limpas (v. 2). Esta mensagem também é comunicada em
outro salmo de Davi: “Quem subirá ao monte do SENHOR? Quem há de permanecer no seu
santo lugar? O que é limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à
falsidade, nem jura dolosamente. Este obterá do SENHOR a bênção e a justiça do Deus da
sua salvação. Tal é a geração dos que o buscam, dos que buscam a face do Deus de Jacó.”
(Salmo 24:3-6).
Mais forte do que o Salmo 15 aparenta aqui é o inter-relacionamento indissolúvel da
experiência redentiva e da vida moral. Aqueles que buscam a Deus em oração, que
diariamente O fazem Seu Senhor e Salvador, receberão bênção e vindicação divinas. Toda a
vida moral é enraizada e ancorada na graciosa redenção de Deus como recebida no serviço do
templo de Israel.
C. Os Inspiradores Oráculos dos Profetas
Onde quer que os sacerdotes levíticos começaram a confiar nas cerimônias dos santos rituais
propriamente ditos, não vendo a mensagem divina nelas, e perdendo o incentivo e motivação
para a verdadeira obediência moral ao concerto, então o serviço do santuário de Israel se
tornava distorcido e objetável a Deus, e Ele reagia enviando Seus profetas com mensagens
especiais para os sacerdotes e seu ritualismo objetável. Os livros proféticos do Antigo
Testamento repetidamente testificam da pecaminosa negligência de Israel de andar
humildemente com Deus e perfeitamente com os seus companheiros de concerto.
No século oitavo AC, o profeta Miquéias, um contemporâneo de Isaías, dirigiu-se à Jerusalém
com algumas questões específicas em nome de Yahweh: “Povo meu, que te tenho feito? E
com que te enfadei? Responde-me! Pois te fiz sair da terra do Egito e da casa da servidão te
remi; e enviei adiante de ti Moisés, Arão e Miriã. Povo meu, lembra-te, agora, do que maquinou
Balaque, rei de Moabe, e do que lhe respondeu Balaão, filho de Beor, e do que aconteceu
desde Sitim até Gilgal, para que conheças os atos de justiça do SENHOR.” (Miq. 6:3-5).
Miquéias desafiou o cerimonialismo morto e o materialismo pecaminoso de Jerusalém,
anunciando o julgamento de destruição total da cidade santa e seu Templo (3:9-12). Contudo,
esta mensagem de julgamento implicava no apelo divino para o arrependimento e retorno Deus
de todo coração e alma. O profeta relembrou à escolhida nação de sua grande redenção do
Êxodo. Relembrou os atos justos e salvadores de Yahweh! Isto poderia desmascarar todos os
atos rituais como um esforço para expiar seus pecados como uma tentativa fútil. Até mesmo o
sacrifício de um primogênito não poderia tirar o pecado! “Com que me apresentarei ao
SENHOR e me inclinarei ante o Deus excelso? Virei perante ele com holocaustos, com
bezerros de um ano? Agradar-se-á o SENHOR de milhares de carneiros, de dez mil ribeiros de
azeite? Darei o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu corpo, pelo pecado
da minha alma? Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti:
que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus.” (Miq.
6:6-8).
Com este apelo desafiador os profetas proclamaram suas mensagens de julgamento a uma
nação complacente, se era Amós e Oséias no reino do norte, ou Isaías, Miquéias, Jeremias,
Ezequiel, no reino do sul. Em dramáticas e emocionantes exibições eles revelaram à nação
escolhida a rejeição divina de um culto religiosos formal que tolerava e desculpava o pecado.
Onde o serviço sacrifical falhava em purificar à nação de injustiça social, auto-glorificação e
justiça pelas obras, os profetas por ordem de Deus eram chamados para sustentar o padrão da
perfeição e santidade sacerdotais.
Isaías, com seu poder e brilho poético, reitera os pré-requisitos morais originalmente
sustentados pelos sacerdotes: “Os pecadores em Sião se assombram, o tremor se apodera
dos ímpios; e eles perguntam: Quem dentre nós habitará com o fogo devorador? Quem dentre
nós habitará com chamas eternas? O que anda em justiça e fala o que é reto; o que despreza
o ganho de opressão; o que, com um gesto de mãos, recusa aceitar suborno; o que tapa os
ouvidos, para não ouvir falar de homicídios, e fecha os olhos, para não ver o mal, este habitará
nas alturas; as fortalezas das rochas serão o seu alto refúgio, o seu pão lhe será dado, as suas
águas serão certas. Os teus olhos verão o rei na sua formosura, verão a terra que se estende
até longe.” (Isa. 33:14-17).
O Yahweh de Israel é um Deus santo, assim como também Ele é um Deus misericordioso e
gracioso. Ele não pode e não tolerará pecado na nação escolhida por Sua graça. A ira de Deus
foi derramada sobre uma Judá não arrependida através do exílio babilônico, que veio em três
estágios intensificados (605, 597, 586 AC).
Após o segundo estágio (597 AC), 10.000 “todos os príncipes, homens valentes” foram levados
cativos (2Reis 24:14), entre os quais estava o sacerdote Ezequiel. Os exilados judeus
começaram a usar um provérbio que acusava seus pais de pecados pelo que eles tinham de
levar a penalidade: “Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se
embotaram?” (Eze. 18:2). Contra esta tendência de pensamento entre os cativos de Babilônia,
que prevenia qualquer aceitação de culpa pessoal e portanto de verdadeiro arrependimento,
Ezequiel teve que falar: “A alma que pecar, essa morrerá” (18:4).
Por outro lado, se uma alma andasse com Deus de acordo com o santo concerto, ele poderia
seguramente viver. O concerto de Deus o consideraria perfeito ou “justo”. Ezequiel assim
coloca diante do povo do concerto no exílio os antigos requerimentos do Torah de Moisés,
como ordenados originalmente pelo ministério sacerdotal (Sal.15; 24): “Sendo, pois, o homem
justo e fazendo juízo e justiça, não comendo carne sacrificada nos altos, nem levantando os
olhos para os ídolos da casa de Israel, nem contaminando a mulher do seu próximo, nem se
chegando à mulher na sua menstruação; não oprimindo a ninguém, tornando ao devedor a
coisa penhorada, não roubando, dando o seu pão ao faminto e cobrindo ao nu com vestes; não
dando o seu dinheiro à usura, não recebendo juros, desviando a sua mão da injustiça e
fazendo verdadeiro juízo entre homem e homem; andando nos meus estatutos, guardando os
meus juízos e procedendo retamente, o tal justo, certamente, viverá, diz o SENHOR Deus.”
(Eze. 18:5-9).
Após uma detalhada aplicação desta ética do concerto a um pai e seu filho a fim de inculcar
uma responsabilidade a Deus, a instrução terminava num clímax com um emocionante apelo a
Israel para arrepender-se, à luz do quadro purificado do santo e redentivo amor de Deus.
“Portanto, eu vos julgarei, a cada um segundo os seus caminhos, ó casa de Israel, diz o
SENHOR Deus. Convertei-vos e desviai-vos de todas as vossas transgressões; e a iniqüidade
não vos servirá de tropeço. Lançai de vós todas as vossas transgressões com que
transgredistes e criai em vós coração novo e espírito novo; pois, por que morreríeis, ó casa de
Israel? Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o SENHOR Deus. Portanto,
convertei-vos e vivei. (Eze. 18:30-32).
Após os 70 anos de exílio em Babilônia, um novo começo foi feito quando Deus entrou em um
novo concerto com o remanescente fiel após à crise. Os profetas como Ageu e Zacarias
reavivaram as almas dos cativos que retornaram, comunicando mensagens de esperança,
coragem e um glorioso futuro: “A glória desta última casa será maior do que a da primeira, diz o
SENHOR dos Exércitos; e, neste lugar, darei a paz, diz o SENHOR dos Exércitos.” (Ageu 2:9).
“Assim diz o SENHOR: Voltarei para Sião e habitarei no meio de Jerusalém; Jerusalém
chamar-se-á a cidade fiel, e o monte do SENHOR dos Exércitos, monte santo.” (Zac. 8:3) “E há
de acontecer, ó casa de Judá, ó casa de Israel, que, assim como fostes maldição entre as
nações, assim vos salvarei, e sereis bênção; não temais, e sejam fortes as vossas mãos.” (Zac.
8:13).
Mas o novo concerto requeria uma nova obediência: “A palavra do SENHOR veio a Zacarias,
dizendo: Assim falara o SENHOR dos Exércitos: Executai juízo verdadeiro, mostrai bondade e
misericórdia, cada um a seu irmão; não oprimais a viúva, nem o órfão, nem o estrangeiro, nem
o pobre, nem intente cada um, em seu coração, o mal contra o seu próximo.” (Zac. 7:8-10).
Deus ainda era o mesmo santo e gracioso Deus, odiando o pecado, enquanto amava o
pecador. O novo serviço do santuário no templo reconstruído novamente oferecia graça
perdoadora, requerendo uma vida perfeita em verdadeira obediência do coração, exatamente
como antes do exílio (Jer. 31:31-33; Eze. 36:26-27).
Em uma significativa visão, Zacarias viu o sumo-sacerdote Josué em pé diante do “Anjo de
Yahweh” e sendo acusado por Satanás. Josué representava os cativos de Israel que haviam
retornado, “um tição tirado do fogo” (Zac. 3:2). Josué estava “trajado com vestes sujas”, a
iniqüidade confessada de Israel. Sob a ordem de Deus, as vestes sujas são removidas e
trocadas por limpos e perfeitos trajes. Esta ação retrata vividamente a graça perdoadora de
Deus. O pecado é removido, uma nova justiça ou perfeição é imputada e entregue a um novo
Israel.
Contudo, perdão pressupõe culpa e condenação reais. Não obstante, o perdão significa não
meramente a remoção negativa da culpa, mas positivamente – e tão justo como real – a
imputação e comunicação da justiça ou perfeição. O aspecto da santificação, a nova
obediência, é enfatizado como um pré-requisito específico para a final e eterna bênção.
“O Anjo do SENHOR estava ali, protestou a Josué e disse: Assim diz o SENHOR dos
Exércitos: Se andares nos meus caminhos e observares os meus preceitos, também tu julgarás
a minha casa e guardarás os meus átrios, e te darei livre acesso entre estes que aqui se
encontram.” (Zac. 3:5-7).
Zacarias tinha tornado inequivocamente claro que a graça divina obriga a uma perfeita
obediência, a obediência da fé que brota de um coração recriado e voluntário. Ellen G. White
fez uma aplicação particular da visão de Zacarias à tentada e provada igreja remanescente.
Dela, Cristo declara: “Eles podem ter imperfeições de caráter; podem ter falhado em seus
esforços; mas se arrependeram, e Eu os perdoei e aceitei.” (Profetas e Reis, 589).
Quão lamentável é ler no último livro do Antigo Testamento que Israel após o exílio falhou
novamente em manifestar a comunhão transformadora do concerto com Deus e a obediência
da fé. Como causa principal de sua vida ética-social degenerada, Malaquias apontou a um
ministério sacerdotal falido. A adoração no Templo de novo deteriorou-se a um ritualismo
morto, sem o temor do Senhor – que é a tremente reverência em humilde obediência. Deus
dirigiu-Se a Israel com algumas questões pertinentes ao sacerdócio em Jerusalém: “O filho
honra o pai, e o servo, ao seu senhor. Se eu sou Pai, onde está a minha honra? E, se eu sou
Senhor, onde está o respeito para comigo? — diz o SENHOR dos Exércitos a vós outros, ó
sacerdotes que desprezais o meu nome. Vós dizeis: Em que desprezamos nós o teu nome?
Ofereceis sobre o meu altar pão imundo e ainda perguntais: Em que te havemos profanado?
Nisto, que pensais: A mesa do SENHOR é desprezível.” (Mal. 1:6-7).
Falta do temor de Deus foi manifestado inevitavelmente em deslealdade social, em profanação
do santuário, e em infidelidade da aliança matrimonial. (Mal. 2:14,16). A quebrada comunhão
do concerto com Yahweh, contudo, seria restaurada uma vez mais através da específica graça
de Deus. Deus mesmo tomaria a iniciativa de trazer Seu povo de volta a um novo e perfeito
relacionamento de concerto com Ele. Por causa que os sacerdotes levíticos tinham se
“desviado do caminho… e, por [sua] instrução” tinham “feito tropeçar a muitos”, e violaram “a
aliança de Levi” (Mal. 2:8), Deus enviaria um mensageiro especial ao Seu Templo. Ele refinaria
e purificaria Israel até que eles trouxessem “ofertas justas ao Senhor”. “Então, a oferta de Judá
e de Jerusalém será agradável ao SENHOR, como nos dias antigos e como nos primeiros
anos.” (Mal. 3:1-4).
Este mensageiro especial viria como o profeta Elias, a fim de conduzir a nação escolhida a
uma última decisão a favor ou contra Deus, preparando Israel para “o grande e terrível dia do
Senhor”, o Dia de Julgamento de Deus (Mal. 4:5-6): “Chegar-me-ei a vós outros para juízo;
serei testemunha veloz contra os feiticeiros, e contra os adúlteros, e contra os que juram
falsamente, e contra os que defraudam o salário do jornaleiro, e oprimem a viúva e o órfão, e
torcem o direito do estrangeiro, e não me temem, diz o SENHOR dos Exércitos.” “Então, vereis
outra vez a diferença entre o justo e o perverso, entre o que serve a Deus e o que não o serve.”
(Mal. 3:5,18).
Assim terminou o Antigo Testamento, ou antes permaneceu aberto ao futuro, com a promessa
de um novo reavivamento e reforma. Finalmente, a linha de demarcação entre o justo e o
ímpio, entre os perfeitos e os impenitentes malfeitores, se tornaria clara em sua reação à
mensagem de advertência final de Deus.
Parte II
IV – Perfeição Cristã no Evangelho de Mateus
Dos quatro escritores do Evangelho, somente Mateus usa o termo “perfeito” (teleios). Esta
palavra aparece duas vezes no seu Evangelho (Mat. 5:48; 19:21) como palavras do próprio
Jesus.
Mat. 5:48
“Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.” (Mat. 5:48). Estas palavras
freqüentemente citadas de Jesus sumarizam e são climáticas de toda a série de Seus
pronunciamentos que foram dirigidos contra a piedade legalística dos escribas e fariseus.
Falando enfaticamente, em Sua autoridade como o Messias, Cristo trouxe a verdadeira e
perfeita interpretação messiânica de Moisés e dos profetas. Sendo o Rei de Israel, Ele
personificou o Reino de Deus.
As declarações de Jesus em Mateus 5-7 são todas coloridas e direcionadas ao final
estabelecimento do Reino de Deus em glória. Tendo afirmado Sua lealdade a Moisés e aos
profetas (5:17-19), Jesus reiterou fortemente a antiga mensagem profética de que piedade
externa e observância da lei ainda não qualificavam a alguém para o Reino de Deus. “Porque
vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais
entrareis no reino dos céus.” (Mat. 5:20).
Quão longe estava Jesus de criar uma antítese entre Moisés e Sua própria redenção
messiânica, aparece de novo de Suas palavras: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas,
porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos
mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem
omitir aquelas!” (Mat. 23:23).
Cristo diferenciou no Torah, entre assuntos “mais pesados” da lei e aqueles de importância
secundária; entre seus princípios centrais da graça, fé e justiça e observâncias rituais externas.
Ele não rejeitou a adoração do Templo e seus serviços sacerdotais, mas reviveu seus objetivos
reconciliatórios e santificadores. “Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de
que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro
reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta.” (Mat. 5:23-24).
Os pré-requisitos que Jesus estimulava para entrar no Reino de Deus parecem ser
completamente os mesmos requerimentos sacerdotais exigidos no velho concerto para entrada
no santuário (Sal. 15).
Em Mat. 5, Jesus indicou seis vezes que Moisés e o Torah deviam ser entendidos
positivamente como motivados pelo amor a Deus e ao semelhante. Assim, Jesus corrigiu as
interpretações superficiais e inadequadas dos escribas e fariseus. Desse modo, Jesus deu aos
Judeus Seu Torah Messiânico. Finalmente, Cristo explanou como o amor do Pai celestial,
fluindo imparcialmente para ambos os bons e os maus, é um perfeito amor que deve ser
imitado ou refletido pelos verdadeiros filhos de Deus. “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu
próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que
vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu
sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos
amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes
somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo?
Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.” (Mat. 5:43-48).
Do contexto, se torna claro que Jesus não Se dirige aos gentios que não conheciam a Moisés e
o concerto, mas aos filhos de Israel que conheciam a Deus como o seu Pai celestial. Eles
foram tratados como filhos salvos de Deus: “Vós sois o sal da terra.” “Vós sois a luz do mundo.”
(v. 13,14).
A experiência redentiva de Israel é definitivamente pressuposta. Aqueles que têm testado o
gracioso amor de Deus são agora chamados por Jesus para manifestar esse amor redentivo a
seus semelhantes, mesmo a seus inimigos. Como filhos de Deus, eles não podem senão
seguir em Seus passos e revelar Seu espírito.
A ordem de Cristo a Seus discípulos de que eles sejam tão perfeitos quanto o seu Pai celestial
é desse modo, tanto uma promessa como um dever, um dom e uma demanda. Isto não é um
ideal que no melhor se consegue apenas uma aproximação, mas nunca atingido. Pelo
contrário, perfeição cristã implica numa experiência pessoal do amor salvador do Deus de
Israel e a manifestação de seu poder santificador em amor sincero a todos os que necessitam
de nossa ajuda.
Este amor, disse Jesus, não é uma perfeição inatingível, mas uma realidade que “deve” ser
experimentada e radiada aqui e agora pelos filhos do Pai celestial. Aqueles que são amados
por Deus podem e irradiarão este amor a seus semelhantes, mesmo quando os semelhantes
sejam hostis, inimigos. Este perfeito amor, ou amor de todo o coração, é perfeição em ação.
Esta perfeição do Evangelho é o reavivamento dos princípios do perfeito amor como
proclamado por Moisés e os profetas (Deu. 6:5; Lev. 19:18).
Mateus 19:21
O segundo uso da palavra “perfeito” (teleios) por Mateus, aparece em Mat. 19:21: “Disse-lhe
Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no
céu; depois, vem e segue-me.”
Enquanto o Sermão do Monte enfatizava a básica harmonia e continuidade do Velho e o Novo
Concertos, Mateus também deseja revelar por que a fé cristã e o judaísmo rabínico divergem.
A história do príncipe jovem rico pode ser vista como o encontro crucial do Farisaico Judaísmo
e Jesus Cristo. Para a sincera pergunta do príncipe: “Que farei eu de bom, para alcançar a vida
eterna?”, Cristo referiu-lhe primeiro as Santas Escrituras e o concerto de Deus: “Se queres…
entrar na vida, guarda os mandamentos.” (Mat. 19:17).
Quando o jovem finalmente asseverou: “Tudo isso tenho observado; que me falta ainda?” (Mat.
19:20), ele revelou uma necessidade de segurança pessoal de salvação. Faltava-lhe a
experiência redentiva do amor perdoador de Deus como oferecido nas Escrituras e no serviço
do Templo. Em realidade, portanto, ele não tinha observado o Torah, desde que ele não tinha
conhecimento do seguro amor salvador de Deus. Cristo, contudo, ofereceu-lhe o que lhe
faltava por um direto chamado para estar com Ele e participar de Sua comunhão salvadora:
“Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu;
depois, vem e segue-me.” (Mat. 19:21).
O teste crucial não foi a venda de suas posses, mas se o príncipe rico aceitaria a Jesus de
Nazaré como o Messias Salvador a ser seguido e desejaria isso acima de todos os tesouros
terrestres. O príncipe judeu fora ensinado a amar a Yahweh de todo o seu coração e toda a
sua alma. Agora Jesus reivindicava este supremo amor do jovem, prometendo-lhe que ele
seria “perfeito” se ele seguisse a Jesus como o Filho de Deus e O aceitasse como o seu
Salvador e Senhor pessoal.
De acordo com Jesus, conseqüentemente, perfeição existe não em praticar atos de sacrifício
próprio pelo próximo, mas no companheirismo de Cristo, seguindo Seus passos na comunhão
com Ele. O teste real para o líder judeu não foi se ele estava disposto a dar abundantemente
para os pobres, mas se ele aceitaria Jesus como a última autoridade a ser seguida e o Senhor
divino de seu coração.
Recusando este chamado de Cristo, o príncipe revelou que suas “muitas propriedades” eram o
mais alto tesouro de seu coração. Suas posses funcionavam como um ídolo de que Cristo tinha
que libertá-lo, a fim de lhe dar sua própria comunhão e reino.
Perfeição então, não é a luta por ideais éticos ou mesmo o esforço para imitar ou copiar a vida
de Cristo independente dEle, mas é pertencer a Ele com inteiro e não dividido coração, e
vivendo com Ele por Seu poder salvador e santificador.
Como a perfeição é requerida de cada discípulo de Cristo conforme Mat. 5:48, não exatamente
de algum grupo especial dentro da Igreja, todo crente cristão é colocado basicamente diante do
mesmo teste, como o príncipe jovem rico: renunciar cada tesouro pessoal ou ídolo a fim de
seguir a Jesus Cristo com um coração completo, não dividido.
Cristo deseja possuir o coração de cada cristão e transformá-lo em um templo em que o
Espírito Santo possa habitar e governar com perfeito amor. Para tal, Ele prometeu a salvação
final: “Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.” (Mat. 5:8). Assim, a
perfeição cristã é definida não pelo viver de alguém de acordo com a Lei moral, mas por
pertencer e seguir ao Senhor Jesus Cristo com um coração puro. Tais pessoas “seguem o
Cordeiro por onde quer que Ele vá” (Apo. 14:4).
V – Perfeição nos Escritos Paulinos
A. A Perspectiva Apocalíptica de Perfeição
Nos escritos do apóstolo Paulo, a palavra perfeição aparece muito freqüentemente (Rom. 12:2;
1Cor. 2:6; 13:10; 14:20; Efé. 4:13; Fil. 3:12,15; Col. 1:28; 3:14; 4:12). Embora ele use o termo
com diferentes formas de significado, uma característica suprema permanece no uso de Paulo
da palavra: a plenitude do estado redentivo dos crentes em Cristo Jesus. Paulo chama os
crentes de “santos” e “perfeitos” por causa que eles recebem o pleno dom da obra redentora de
Jesus Cristo.
A redenção de Cristo em sua plenitude é distinguida no Novo Testamento por dois aspectos ou
fases: a salvação presente de justificação e santificação pela fé em Cristo de um lado, e a
futura salvação de glorificação no segundo advento de Jesus Cristo de outro lado. Como o
conceito do Reino de Deus, assim também a perfeição é um dom presente e uma realidade;
contudo, em um outro sentido, isto é uma promessa a ser cumprida somente no
estabelecimento final do reino da glória. Esta distinção dúplice Paulo aplica também ao
conceito dos crentes como filhos de Deus. Em Rom. 8:14, ele assegura aos cristãos que eles já
têm se tornado “filhos de Deus”, desde que eles são guiados pelo Espírito Santo. “Pois todos
os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.”
Então Paulo esboça esta segurança redentora presente, dizendo: “Quando nós clamamos:
‘Aba! Pai!’, é o próprio Espírito dando testemunho com o nosso espírito de que somos filhos de
Deus”. (v. 15-16). Contudo, quando o apóstolo trata sobre a glória futura a nos ser revelada, ele
faz a notável afirmação de que nós, enquanto temos o Espírito Santo, “gememos em nosso
íntimo, aguardando a adoção de filhos, a redenção do nosso corpo.” (Rom. 8:23).
O relacionamento entre Deus e o crente como Pai e filho, em conseqüência, é tanto uma
realidade presente, em um sentido real, como uma realidade futura, em outro sentido. A
diferença é determinada pelo significado dos dois adventos de Cristo. O mesmo princípio se
aplica ao uso de “perfeição” com o apóstolo Paulo. Por um lado, ele pode dizer que os crentes
em Cristo são perfeitos nEle e podem crescer juntamente em um Corpo perfeito ou
espiritualmente maduro. (Col. 1:28; 3:14; 4:12; Efé. 4:13; Fil. 3:15; 1Cor. 14:20). Por outro lado,
Paulo enfatiza que a perfeição final ainda não chegou e ainda é futura (1Cor. 13:10). Somente
a glória do segundo advento de Cristo aniquilará toda imperfeição.
Desse modo, o apóstolo tenta corrigir as idéias daqueles crentes em Corinto que focalizavam
uniteralmente toda a sua atenção sobre o primeiro advento de Cristo, pensando que a
perfeição final já poderia ser experimentada nesta vida, e até se jactavam acima dos outros
crentes (1Cor. 4:6-8). Para os tais, a esperança da ressurreição dos mortos era irrelevante e
supérflua, desde que para eles a ressurreição “já era passada”, o que eles provavelmente
explanavam como uma experiência espiritual recebida no batismo (2Tim. 2:18). Isto levou o
apóstolo a escrever um capítulo elaborado (1Cor. 15) sobre o significado da futura ressurreição
dos mortos para o benefício daqueles crentes os quais diziam que “não há ressurreição dos
mortos” (v. 12).
Quando Paulo ouviu que em uma outra igreja da Grécia,
exposto de que também a segunda vinda de Cristo, o
considerada como uma futura realidade, mas já tinha
especificamente sobre a futura realidade da “vinda de nosso
reunião com Ele” (2Tess. 2:1).
em Tessalônica, o erro estava
dia do Senhor, não devia ser
acontecido, ele lhes escreveu
Senhor Jesus Cristo e da nossa
Esta tendência de espiritualizar as realidades redentoras futuras da Ressurreição e do
Segundo Advento em alguma presente experiência espiritual foi a influência fatal do
Gnosticismo que evidentemente tinha feito sua invasão na igreja primitiva.
Este assim chamado Gnosticismo Cristão foi caracterizado ademais por sua desvalorização do
bem-estar físico e moral dos crentes. Tanto o extremo ascetismo quanto a licenciosidade moral
foram propagados como o caminho da perfeição ou liberdade perfeita e amor perfeito.
Ademais, contra o jactar-se em sua conduta imoral (1Cor. 5:1-6), o apóstolo enfatizou que “o
corpo não é para a impureza, mas para o Senhor” (1Cor. 6:13), lembrando-os: “O vosso corpo
é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois
de vós mesmos. Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso
corpo.” (1Cor. 6:19-20).
Paulo elevou o corpo humano como uma boa e santa criação de Deus, que deve ser
consagrado ao serviço de Deus. Em contraste com aqueles cujo “deus é o seu ventre e a glória
deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas” (Fil. 3:19), Paulo
explicitamente renunciou toda a justiça própria ou perfeição (v. 8-12). Buscando sua justiça
exclusivamente em Cristo, ele contemplava a sua final perfeição na ressurreição dos mortos
(Fil. 3:11). “Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para
conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus.” “Pois a nossa pátria
está nos céus, de onde também aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, o qual
transformará o nosso corpo de humilhação, para ser igual ao corpo da sua glória, segundo a
eficácia do poder que ele tem de até subordinar a si todas as coisas.” (Fil. 3:12, 20-21).
B. O Duplo Aspecto da Justificação e Santificação
O que o apóstolo entende pela presente perfeição dos cristãos? Estão eles perfeitos em Cristo
no sentido de Justificação pela fé somente, que significa que a perfeição ou justiça de Cristo é
imputada a eles?
O evangelho paulino focaliza especificamente sobre essa abençoada verdade nas seguintes
passagens: “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das
obras da lei.” (Rom. 3:28). “Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e sim
como dívida. Mas, ao que não trabalha, porém crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é
atribuída como justiça.” (Rom. 4:4-5).
Este gracioso ato Deus, atribuindo a justiça de Cristo ou Sua perfeita obediência ao pecador
arrependido, significa que Deus considera o crente justo com Ele mesmo. O cristão, portanto,
tem paz com Deus em sua consciência, não mais sob condenação da santa Lei de Deus (Rom.
5:1; 8:1). O perfeito perdão de Deus por seus pecados e vida pecaminosa significa a completa
absolvição de sua culpa diante do Julgamento divino por causa da obediência de Cristo. “Pois
assim como, por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim
também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos os homens para a justificação que
dá vida. Porque, como, pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores,
assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos.” (Rom. 5:18-19).
Portanto, Paulo desejava gloriar-se somente na Cruz do Senhor Jesus (Gál. 6:14). Para o
apóstolo Paulo a justificação do ímpio, contudo, tinha não somente um aspecto legal salvador,
mas também um aspecto dinâmico santificador, por causa que Cristo Se torna o Rei do crente
justificado. “Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do
seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados.” (Col. 1:13-14).
Justificação pela fé, portanto, implica a transferência da alma do domínio do pecado, em que
ele foi nascido por meio de Adão, ao Reino da graça, cujo Rei é Jesus Cristo. O poder
esmagador do pecado no mundo foi quebrado em Cristo, desde que Ele conquistou o pecado
em nosso corpo humano (João 16:33; Rom. 8:3).
Através do batismo em Cristo, em Sua morte e ressurreição, o crente é legalmente incorporado
em Cristo, participando em tudo o que Cristo tem adquirido em Sua vitória na Cruz e na
Ressurreição (Rom. 6). Nesta base redentiva, Paulo levanta a pergunta significativa para os
cristãos em Roma: “Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?” (Rom.
6:2). Explanando a profunda significação do batismo cristão como uma incorporação na própria
morte de Cristo sobre a Cruz, ele afirma: “Sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso
velho homem, para que o corpo do pecado seja destruído, e não sirvamos o pecado como
escravos.” (Rom. 6:6). “Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado, mas vivos
para Deus, em Cristo Jesus.” (Rom. 6:11).
Este indicativo salvador clama por um imperativo santificador que o apóstolo então estimula:
“Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais às suas
paixões”. “Assim como oferecestes os vossos membros para a escravidão da impureza e da
maldade para a maldade, assim oferecei, agora, os vossos membros para servirem à justiça
para a santificação.” (v. 12,19).
Esta é a ética paulina da perfeição cristã! Isto pressupõe uma diária apropriação pela fé da vida
e morte de Jesus Cristo como aceitas no batismo. Rom. 6 segue Rom. 3-5. A ordem apostólica
é primeiro redenção, depois moralidade; primeiro justificação, então santificação; e isto como
uma experiência diária. A dinâmica e total consagração da perfeição cristã, Paulo revela em
seu grande apelo de Rom. 12:1-2: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, que
apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto
racional. E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa
mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.”
Em Rom. 12:1-15:13, o apóstolo desenvolve como a justiça de Deus deveria ser revelada na
vida cristã como um testemunho à graça recebida. Isto parece estar em harmonia e
continuidade fundamentais com o concerto da graça do Antigo Testamento, em que obediência
à Lei do concerto era condicionada e motivada pela redenção do Êxodo e participação diária no
serviço do santuário. O apóstolo portanto, pode apelar também às promessas de Deus no
Antigo Testamento sobre dar a Israel um coração limpo e obediente (Eze. 36:25-27; 37:27), e
aplicá-las diretamente à igrejas cristã, dizendo: “Tendo, pois, ó amados, tais promessas,
purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa
santidade no temor de Deus.” (2Cor. 7:1).
Paulo resume sua mensagem evangélica e seu propósito moral muito brevemente como
segue: “E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas
para aquele que por eles morreu e ressuscitou.” (2Cor. 5:15; ver também 1Ped. 2:24).
C. A Batalha Cristã
Paulo tinha tão próxima comunhão de coração com o Cristo vivo que ele podia testificar:
“Porque para mim o viver é Cristo” (Fil. 1:21), e “Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou
eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no
Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim.” (Gál. 2:20).
Com este profundo testemunho o apóstolo toca sobre a luta interna do cristão, que ele também
já conhece por si mesmo (1Cor. 9:27), e que ele desenvolve mais plenamente em Gál. 5:16-24
e Rom. 7:14-25.
Primeiro de tudo, é essencial notar a voz passiva na confissão de Paulo: “Eu tenho sido
crucificado com Cristo” (Gál. 2:19). Com isto, Paulo se refere ao seu batismo na morte histórica
de Cristo sobre a Cruz. Legalmente, diante de Deus, diante de Sua santa Lei, o apóstolo diz:
“Eu estou morto, ‘já não sou eu quem vive’ (Gál. 2:20)”. Paulo significa por seu “eu” morto, o
seu eu centralizado, o ego natural. Ele também chama isso de “o velho homem” ou “natureza”
(Col. 3:9; Efé. 4:22), “a carne com suas paixões e desejos” (Gál. 5:24); ou simplesmente, “a
carne” (Rom. 7:5). Paulo não diz que o seu “eu” estava inclinado à morte, ou beirando à morte,
mas ele tinha sido “crucificado”, o que indica um prolongado processo de morte. Embora
alguém crucificado era legalmente morto e exterminado, na realidade tal pessoa poderia viver
por vários dias e noites sobre a cruz, mas em sofrimentos e agonias crescentes.
Esta ilustração pode servir para esclarecer a mensagem do apóstolo em Gál. 5 e Rom. 7: Por
um lado, os cristãos batizados têm que se considerar a si mesmos, pela fé em Cristo,
legalmente mortos para o pecado e para a condenação da Lei de Deus (Rom. 6:11; 7:4). Por
outro lado, eles descobrem que o velho “eu” está ainda vivo em realidade empírica; que as
tendências herdadas e cultivadas para o mal e as práticas condenadas ainda enviam os seus
desejos e impulsos ao coração purificado.
É um fato significante que nenhuma carta apostólica do Novo Testamento pressupõe uma
Igreja sem pecado ou uma vida cristã sem a permanente batalha com o “eu”. Todos os escritos
do Novo Testamento estão plenos de exortações e admoestações morais para travarmos a luta
penosa contra a carne, o mundo e os poderes das trevas.
Para os crentes batizados, contudo, não há desespero ou derrota necessários nesta batalha.
Cristo habita em seus corações e lhes dá a vitória (1Cor. 15:57). Os crentes são chamados a
ser “fortes no Senhor e na força do Seu poder” (Efé. 6:10). Sendo guiados por Seu Espírito, o
fruto do Espírito pode ser desenvolvido: “amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade,
bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio.” (Gál. 5:22-23). Paulo, portanto, convoca:
“Andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne… Se sois guiados pelo
Espírito, não estais sob a lei.” (Gál. 5:16, 18).
“Assim, pois, irmãos, somos devedores, não à carne como se constrangidos a viver segundo a
carne. Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito,
mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis. Pois todos os que são guiados pelo
Espírito de Deus são filhos de Deus.” (Rom. 8:12-14).
“Quanto ao trato passado, vos despojeis do velho homem, que se corrompe segundo as
concupiscências do engano, e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e vos revistais
do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade.” (Efé.
4:22-24).
Tiago acrescenta a importante idéia de que várias tribulações da vida para o cristão operam
como um teste de sua fé que produz firmeza e, em seu caminho de batalha, perfeição de
caráter (Tia. 1:2-4; compare com Rom. 5:3-4). Estas admoestações apostólicas mostram que a
vida cristã não é apenas de paz e alegria; pelo contrário, o caminho da perfeição cristã ou
santificação conhece inexpressíveis profundidades de luta, tristeza e arrependimento, ao lado
das alturas da alegria redentora.
Nem todos os cristãos experimentarão necessariamente a mesma intensidade da batalha
espiritual, como Ellen G. White anota: “Enquanto alguns são continuamente atormentados,
afligidos e em tribulação por causa de seus infelizes traços de caráter, tendo que guerrear com
inimigos internos e a corrupção de sua natureza, outros não têm mesmo a metade de conflitos
a travar.” (Testimonies, vol. 2, p. 74).
O caminho da perfeição cristã nunca pode ser de mero sentimento de santidade ou de isenção
de pecado, por causa que Deus revelará gradualmente mais e mais os defeitos de nosso
caráter através de um sempre crescente entendimento e eficácia de Sua Lei espiritual, santa e
perfeita. Paulo tenta comunicar esta mensagem particular no muito debatido cap. 7 de sua
epistola aos Romanos, versos 14-25.
O segredo para entender esta passagem parece descansar na compreensão de que para
Paulo a santa Lei de Deus, através da operação do Espírito Santo (“a lei é espiritual”, v. 14),
funciona especificamente para convencer o cristão, de modo crescente, de sua própria
natureza pecaminosa inerente, a despeito de seus desejos e ambições santos. “Porque eu sei
que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em
mim; não, porém, o efetuá-lo.” (Rom. 7:18). O apóstolo alcança o clímax de seu auto
conhecimento religioso quando ele finalmente confessa diante de Deus tanto sua extrema
falência moral quanto sua completa e exclusiva confiança na justiça de Cristo. “Desventurado
homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo,
nosso Senhor.” (Rom. 7:24-25).
A consciência de ambas verdades simultaneamente na madura experiência cristã de Paulo é a
mais profunda prova de que a perfeição cristã não é uma vida de extática alegria ou
entusiasmo emocional, mas é também uma vida de fiel obediência e devota submissão ao
nosso divino Senhor e Salvador. Lutando no poder divino com toda a armadura de Deus (Efé.
6:13-18), o cristão é chamado a destruir cada obstáculo à sua conexão viva com Deus e “levar
todo pensamento cativo à obediência de Cristo” (2Cor. 10:5). O cristão não pode aceitar
nenhum outro deus diante dEle. Cristo deseja reproduzir Sua própria perfeição de caráter
naqueles que foram originalmente criados à Sua imagem e semelhança. “Meus filhos, por
quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vós.” (Gál. 4:19).
Isto pode ser atingido contudo, somente quando o cristão contempla continuamente e de todo o
coração a glória transformadora de Cristo, descansando em Seu santo amor que consome todo
o pecado. “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do
Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor,
o Espírito.” (2Cor. 3:18).
Esta é a dinâmica, crescente perfeição cristã que o apóstolo Paulo exalta e com santa paixão
estimula a primitiva igreja e igualmente a igreja de todos os séculos. O imperativo do concerto
do Antigo Testamento, para seguir a Yahweh não é anulado, mas cumprido e concretizado no
verdadeiro seguir a Jesus Cristo. Conhecer a Cristo e amá-lO com toda a nossa alma e com
todo o nosso coração não significa nem a renúncia a Yahweh nem a apostasia de Moisés e os
profetas de Israel. Pelo contrário, somente através do Filho, “que está no seio do Pai” (João
1:18), pode o Pai ser conhecido, amado, obedecido e plenamente honrado.
VI – A Perfeição do Amor na 1ª Epístola de João
O apóstolo João, no fim do primeiro século, escreveu contra as influências desmoralizantes do
Gnosticismo primitivo na Igreja. Enquanto pretendiam estar na luz, no amor de Cristo, e em
perfeição sem pecado, os Gnósticos cristãos defendiam ódio e licenciosidade na Igreja. João
traçou as falsas reivindicações de tais crentes voltados a uma cristologia herética que separava
Cristo de Sua concreta existência histórica e moral no corpo humano. Exaltando, portanto, a
Cristo como o santo e justo (1João 2:1, 29; 3:3, 5, 7, 8), João retira uma poderosa conclusão:
“Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática de pecado; pois o que permanece
nele é a divina semente; ora, esse não pode viver pecando, porque é nascido de Deus.” (1João
3:9).
O apóstolo João evidentemente proclama somente um amor cristão que consome o pecado na
vida dos crentes. Quando os cristãos estão realmente em Cristo, e Cristo neles, eles andarão
“na luz, como Ele está na luz” (1João 1:7). “Aquele que diz: Eu o conheço e não guarda os
seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade. Aquele, entretanto, que guarda a
sua palavra, nele, verdadeiramente, tem sido aperfeiçoado o amor de Deus. Nisto sabemos
que estamos nele: aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como
ele andou.” (1João 2:4-6).
Assim, para João, perfeição é mais do que vida sem pecado; perfeição é uma comunhão moral
e um relacionamento de amor dinâmico da alma com Cristo, revelando o mesmo caráter de
santo amor como Cristo. Então, não haverá nenhum temor em seu coração para o Dia do
Julgamento, ou vergonha quando Cristo aparecer em Sua santa glória: ” Nisto é em nós
aperfeiçoado o amor, para que, no Dia do Juízo, mantenhamos confiança; pois, segundo ele é,
também nós somos neste mundo. No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora
o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor.
Nós amamos porque ele nos amou primeiro.” (1João 4:17-19; ver também 2:28).
João enfatiza a verdade de que o amor cristão não é o fluxo natural do coração humano, mas o
dom redentor de Cristo no cristão, que só pode amar desinteressadamente porque ele foi
amado primeiro em um maior amor por Cristo. O perfeito amor do cristão é o conceito que João
tem de perfeição em ação. Isso se origina de uma real união de amor da alma com Deus e
Cristo. Portanto, aquele que é nascido de Deus não pode pecar ou odiar. João baseia a
impossibilidade de pecar do crente, não no cristão como tal, mas na presença mantenedora de
Cristo que, no mais alto sentido, é nascido de Deus (1Jjoão 3:9). “Sabemos que todo aquele
que é nascido de Deus não vive em pecado; antes, Aquele que nasceu de Deus o guarda, e o
Maligno não lhe toca.” (1João 5:18).
Contanto que a alma esteja unida com Cristo e o Espírito de Cristo habita nele, esta alma não
pode pecar, diz o apóstolo em 1João 3:9. O andar do cristão regenerado na luz não implica,
contudo, em alguma consciência ou sentimento de santidade. Pelo contrário, o andar na luz
significa uma contínua dependência da graça mantenedora e perdoadora de Deus.
É interessante que João usou o tempo presente quando ele escreveu aos cristãos batizados:
“Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos
purificar de toda injustiça.” (1João 1:9). Em outras palavras, a vida vitoriosa do cristão não é o
resultado automático de alguma natureza sem pecado nele. Não há justiça inerente no cristão
antes de sua glorificação final no dia de Deus. Portanto, ele pode cair em pecado de novo,
como aparece na consolação de João: “Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não
pequeis. Se, todavia, alguém pecar, temos Advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo.”
(1João 2:1).
Longe de estar escrita como uma recusa para pecar ou para andar nas trevas, esta mensagem
confortadora revela a consciência de que nos filhos renascidos de Deus a velha e pecaminosa
natureza está operando, sempre lutando de novo pela supremacia. O conhecimento de
inerentes concupiscências da carne e dos olhos (1João 2:16) conduzirá o crente a um profundo
arrependimento do coração e auto-condenação. Somente a confiança implícita na palavra de
absolvição de um Deus que “é maior do que o nosso coração” (1João 3:20), enquanto andando
em amorável obediência a Ele, poderá tranqüilizar o coração diante dEle (1João 3:19).
Quando João distingue entre pecado mortal e pecado não mortal (1João 5:16,17), ele está
continuando a doutrina do pecado do velho concerto, que diferenciava distintamente entre
deliberado, presunçoso pecado e pecado inconsciente, não intencional que mais tarde
motivava o arrependimento (Núm. 15:27-31; Sal.19:13,14). O apóstolo deseja esclarecer
finalmente, que o cristão é guardado do pecado mortal ou presunçoso porque ele está sendo
livrado desse caminho de pecado pela habitação do Espírito de Cristo. O filho de Deus não
está mais sob o poder dominante do mal, como o mundo ainda está (1João 5:18-19). Ele está
agora vivendo em Cristo (v. 20), participando do amor de Cristo com seus companheiros
crentes em uma comunhão santa e feliz (1João 1:3-4).
VII – Perfeição de Consciência na Carta aos Hebreus
De todos os escritos do Novo Testamento, a epístola aos Hebreus mais explicitamente faz da
perfeição o seu tema, apontando constantemente ao Cristo glorificado como o único Mediador
da graça perdoadora e poder santificador. Perfeição cristã constitui a idéia unificadora central
de toda carta. Isto significa que o ministério sumo-sacerdotal de Cristo no templo celestial
“pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por
eles.” (Heb. 7:25).
Desde o começo, o autor tenta provar, com base no Antigo Testamento, que o ministério de
Jesus Cristo como o Rei Sacerdote Messiânico é de uma qualidade e eficácia superior ao
sacerdócio levítico. Seu argumento se centraliza na mediação da perfeição: “Se, portanto, a
perfeição houvera sido mediante o sacerdócio levítico … que necessidade haveria ainda de
que se levantasse outro sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque, e que não fosse
contado segundo a ordem de Arão?” (Heb. 7:11).
Ele apela repetidamente à significante promessa de Sal. 110:4 (Heb. 5:5-6; 7:17,21), que
implicava a ab-rogação do sacerdócio levítico. Acentuando o fato inegável da ineficácia de
muitos sacrifícios cúlticos por afirmar que estes “no tocante à consciência, sejam ineficazes
para aperfeiçoar aquele que presta culto” (Heb. 9:9), o autor exalta o todo-suficiente sacrifício
de Cristo, feito uma vez por todas, e Sua mediação, que pode aperfeiçoar ou purificar as
consciências acusadoras dos crentes (Heb. 9:14).
O autor não queria dizer que o primeiro concerto não conhecia a realidade desta experiência
expiatória no coração, mas somente que sacrifícios de animais em si não podem remover
pecados (Heb. 10:1,4). Os sacrifícios do culto e sacerdotes do Antigo Testamento, como tais,
nunca poderiam aperfeiçoar ou purificar o coração humano do poder contaminador do pecado.
Mas Cristo por Sua única oferta “aperfeiçoou (tem aperfeiçoado) para sempre a quantos estão
sendo santificados” (Heb. 10:14). Pelo tempo verbal perfeito (“tem aperfeiçoado”), o autor
deseja mostrar a eficácia sempre permanente da única oferta de Cristo de Seu corpo, única e
uma vez por todas. Isto estabelece a superioridade, a mais poderosa eficácia do novo concerto
(Heb. 7:22). Na base do sacrifício de Cristo, todo adorador pode obter diariamente uma
consciência limpa ou perfeita, isto é, uma consciência que tem um perfeito relacionamento com
Deus, sendo purificada da culpa e do poder contaminador de pecado não perdoado.
Tal reconciliação torna todos os outros sacrifícios supérfluos (Heb. 10:18), desde que a alma
possa achar o repouso da graça, aproximando-se de Jesus com confiança. De Seu trono de
graça é dada misericórdia e graça “para ajudar em tempo de necessidade” (Heb. 4:16) a fim de
que os cristãos possam render pleno e aceitável serviço a Deus e a seus semelhantes.
Contudo, a perfeição final será experimentada somente quando os santos virem o Senhor em
Sua glória. Portanto, a expectação do julgamento e aparecimento de Cristo (Heb. 9:28)
intensificam a ordem para perseverar no caminho da santificação. “Segui a paz com todos e a
santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor.” (Heb. 12:14).
Caminhando como peregrinos a uma pátria melhor, os fiéis e perfeitos não serão “duros de
ouvidos” ou “tardios”, mas permanecerão receptivos e atentos, crescendo continuamente em
conhecimento religioso e teológico, e distinguindo o bem do mal pela vida diária (Heb. 5:11-14;
6:11,12).
VIII – A Escada da Perfeição Cristã de II Pedro
O apóstolo Pedro aponta a necessidade de o cristão frutificar no conhecimento de Deus.
Contra as heresias destrutivas dos falsos ensinadores manifestando-se em licenciosidade
moral e desprezo de autoridade (2Ped. 2:2,10), Pedro trata especificamente sobre o propósito
moral prático da graça e conhecimento de Jesus Cristo. Em particular ele está interessado na
necessidade de santificação progressiva no caminho da salvação final. Tal progresso ele vê
como o pré-requisito para a entrada no eterno Reino de nosso Senhor Jesus Cristo (2Ped.
1:11).
Em visão da realidade do dia vindouro do julgamento e da destruição dos ímpios, tão certo
como aquele que veio ao mudo antediluviano e sobre Sodoma e Gomorra, Pedro
veementemente convoca aos cristãos a viverem santa e piedosamente “sem mácula e
irrepreensíveis” (2Ped. 3:7,10-11,14). Ele resume a sua epístola em seu apelo sempre
desafiador: “Antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo.” (2Ped. 3:18; ver também 1Ped. 2:2).
Crescimento significa progresso. Mas como pode o crescimento ser cultivado pelos crentes, se
isso é basicamente um dom de Deus (1Cor. 3:7)? A resposta é apresentada em 2Ped. 1:3-8,
onde o apóstolo desenvolve sua notável escada da perfeição, na qual cada cristão precisa
avançar constantemente, a fim de ser um cristão vivo (v. 8), preparado para o Reino eterno de
Cristo (v. 11).
Pedro acha a sua escada de santificação no reconhecimento de que de Deus, “pelo Seu divino
poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade, pelo
conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude…” (v. 3).
Em outras palavras, no reconhecimento de que toda a vida de fé e bondade é um dom do
poder e graça divinas. Este poder e graça Deus nos comunica através das “Suas preciosas e
mui grandes promessas” (v. 4) como transmitidas pelos profetas de Israel nas Santas
Escrituras do Antigo Testamento e confirmadas por Jesus Cristo (v. 19; João 5:39).
O propósito salvador e santificador das promessas do concerto gracioso de Deus é “para que
por elas possais escapar da corrupção das paixões que há no mundo e vos torneis coparticipantes da natureza divina” (v. 4), uma forte expressão para a perfeição do caráter cristão.
Desde que o caráter é formado pelos atos do homem, o homem é chamado a participar ativa e
sinceramente na apropriação pessoal da prometida graça, colocando em operação os poderes
das promessas do concerto. Isto fará sua fé em Deus e em Cristo moralmente efetiva e
frutífera, desde que Deus é santo, justo, misericordioso e fiel.
Sob este fundamento redentivo, Pedro exorta a todos os cristãos a prosseguir da fé à virtude,
ao conhecimento, ao domínio próprio, à perseverança, à piedade, à fraternidade e ao amor –
todos virtudes e atributos divinos. “Por isso mesmo, vós, reunindo toda a vossa diligência,
associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o
domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade; com
a piedade, a fraternidade; com a fraternidade, o amor. Porque estas coisas, existindo em vós e
em vós aumentando, fazem com que não sejais nem inativos, nem infrutuosos no pleno
conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo.” (2Ped. 1:5-8).
O teor da enumeração desta série de virtudes não se propõe a sugerir uma síntese de virtudes
desconexas que possam ser atingidas somente uma após outra. Sua intenção é antes um
chamado a cultivar e desenvolver plenamente a graça e o conhecimento de Cristo como
Salvador em um caráter cristão maduro (compare com Gál. 55:22-23). Contudo, o perigo de
começar a confiar no poder do homem e de perder de vista a Jesus ameaçará sempre o
progresso cristão. Pedro, portanto, termina sua carta significativamente com o enfático
conselho para crescer “na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”
(2Ped. 3:18). Assim, Pedro está lembrando o conselho do Senhor no Antigo Testamento: “O
que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o SENHOR e faço
misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o SENHOR.” (Jer.
9:24).
O apóstolo Pedro, portanto, não está estimulando qualquer adição de virtude a virtude em uma
disciplina de auto-cultura ou auto-ajuda, mas ele está chamando aos cristãos a seguir os
passos de Jesus Cristo como o seu grande Exemplo de caráter (1Ped. 2:21). Em comunhão
com Cristo, eles podem e de fato, alcançarão vitória sobre cada pecado e atingirão nesta vida o
padrão da perfeição do caráter cristão. Se as virtudes da fé estão faltando em um cristão,
Pedro diz, então o crente está ainda cego e míope, tendo perdido a visão da “purificação dos
seus pecados de outrora” no batismo (v. 9); sim, até esquecido o propósito do chamado e
eleição celestiais. “Por isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar a vossa
vocação e eleição; porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum. Pois desta
maneira é que vos será amplamente suprida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo.” (2Ped. 1:10-11).
Contemplando estas palavras, Ellen G. White confiantemente, exclama: “Preciosa segurança!
Gloriosa é a esperança oferecida ao crente, quando ele avança pela fé em direção às alturas
da perfeição cristã!” (Atos dos Apóstolos, p. 33).
Cada cristão é colocado sob o santo privilégio e obrigação da graça de Deus de lutar por
santidade, participar da natureza divina e revelar na concreta realidade de sua vida social um
constante crescimento na graça e conhecimento de Cristo. Este amadurecimento do caráter
cristão na semelhança de Deus é perfeição cristã em ação. Assim, o cristão pode participar na
alegria e beleza da santidade, preparando-se a si mesmo para “novos céus e uma nova terra,
nos quais habita justiça” (2Ped. 3:13). “A Ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno.” (v.
18).
Dr. Hans K. LaRondelle, A Idéia Bíblica de Perfeição. Tradução: Pr. Roberto Biagini.
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