Ensaio REDE URBANA E FOR1v1AÇÃO ESPACIALUMA REFLEXÃO CONSIDERANDO O BRASIL Roberto Lobato Corrêa A literatura sobre redes urbanas aponta, já há algum tempo, para a diversidade dos inúmeros conjuntos articulados de centros urbanos. Diversidade real que, entretanto, não diminui o mérito, ao contrário, enfatiza a necessidade de esforços de elaboração de tipos ideais e modelos hipotético-dedutivos sobre a rede urbana, como são, entre outras, as formulações de Christaller, Lõsch e Zipf . A diversidade diz respeito às possíveis combinações dos mesmos elementos que, entretanto, ao se concretizarem o fazem de modo específico, pois cada um desses elementos assume uma própria especificidade. Entre outros elementos estão a gênese dos centros, o tamanho deles, a densidade que perfazem no espaço, as funções urbanas e * * as relações espaciais que delas derivam. Outros elementos, de natureza política, social e cultural, considerados menos freqüentemente na literatura, podem ser agregados, explicitando mais nitidamente a rica e complexa diversidade de redes urbanas. Numerosas são, a este respeito, as contribuições dos geógrafos. Berry e Barnum", por exemplo, assinalam o papel das diferentes densidades demográficas das hinterlândias sobre a estrutura da rede urbana, densidade, tamanho e funções dos centros, enquanto Milton Santos ressalta a natureza dos dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos, os circuitos superior e inferior, projetando-os sobre a rede urbana ' . Densidade demográfica e Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Consulte-se, a respeito, W. Christaller, "Central Places in Southern Germany", Englewood C!iffs, Prentice-Hall Inc., 1966 (original de 1933 em alemão), A. Lôsch, "The Economics of Location", New Haven, Yale University Press, 1952, G.K. Zipf, "Human Behavior and lhe Principie of Least Effort. An Introduction to Human Ecology", Cambridge, Addison-Wesley, 1949 e, mais recentemente, a coletânea organizada por M. Timberlake, "Urbanization in the World Economy", London, Academic Press, J985. 2 B.J.L. Berry e H.G. Barnum, "Aggregate ReJations and Elemental Cornponents of Central Place Systems", Journal of Regional Science 4, 1962. 3 Veja-se M. Santos, "O Espaço Dividido - Os Dois Circuitos da Economia Urbana dos Países Subdesenvolvidos", Rio de Janeiro, Francisco Alves Editora, 1979. I 122 Revista Território, Rio de Janeiro, renda são, aparentemente, determinações fundamentais, interferindo nas diversas combinações dos elementos acima indicados. A comparação da rede urbana das regiões industriais européias e norte-americanas com aquela do interior da Guatemala, assentada sobre uma economia camponesa, e com a do planalto ocidental paulista, associada a modernos complexos agroindustriais", evidencia diferenças que, em realidade, pressupõem determinações mais profundas e complexas que densidade demográfica e renda. Estas, por mais importantes que sejam, são expressões e condições, é necessário enfatizar, de estruturas sócio-espaciais mais profundas, historicamente produzidas. A análise das redes urbanas numa perspectiva diacrônica, envolvendo particularmente aqueles momentos privilegiados da história que são os momentos de ruptura social, expressos, entre outros aspectos, pelas transformações tecnológicas, evidenciou também o movimento de transformação da rede urbana, que ano V, n" 8, pp. 121-129, jan.ljun., 2000 possibilitou a passagem de um padrão particular de combinação de densidade, tamanho e funções para outro padrão. Neste sentido, a contribuição de Allan Pred é notável". O tempo, impregnado de processos, funções e formas, assim como das contradições delas derivadas, é um determinante fundamental que fixa, ao menos temporariamente, os elementos combinados da rede urbana. Encarrega-se de transformar esses elementos e suas combinações, ainda que nessa transformação a inércia das formas espaciais esteja em ação. 11 Na inteligibilidade de uma dada rede urbana por meio do desvendamento das lógicas que geraram e articulam seus já mencionados elementos, a estrutura social desempenha um papel de primeira ordem. Ela nos remete ao conceito de formação espacial que Milton Santos desenvolveu a partir do conceito de formação econômico-social". ~ Entre outros consulle-se C.A. Smith, "Causes and Consequenees of Central - Place Types in Western Guatemala", in Regional Studies, part 1, Economic Systems, org. C.A, Smith, New York, Academic Press, 1976, D, Elias, "Meio Técnico-Científico-lnforrnaeional e a Urbanização na Região de Ribeirão Preto". Tese de Doutorado, Departamento de Geografia, FFLCH, USP, 1996 e R.L. Corrêa, "Repensando a Teoria das Localidades Centrais", in Novos Rumos da Geografia Brasileira, org, M. Santos, São Paulo, HUCITEC, 1982, , Allan R, Pred, "Urban Growth and the Circulation of lnformation: The United States Systerns of Cities - 1790-1840", Carnbridge, Harvard University Press, 1973 e, do mesmo autor, "Urban Growth and City Systems in the United States - 1840-1860", Cambridge, Harvard University Press, 1980. ~ , M. Santos, "Sociedade e Espaço: A Formação Social corno Teoria e como Método", In Espaço e Sociedade. Petrópolis, Vozes, 1979. Rede Urbana o e Formação espacial - uma Reflexão Considerando conceito em tela é de crucial importância para a análise geográfica. Representa um esforço teórico visando explicitar as especificidades com que um dado modo de produção concretamente se manifesta. Definido por meio de características principais, invariantes, gerais, um dado modo de produção concretiza-se em diversas formações econômico-sociais, suas variantes históricas e geográficas ou, como se refere Dhoquois, suas "variedades regionais"? . A formação econômico-social é, em realidade, uma particularidade espaço-temporal no âmbito de um dado modo de produção dominante". Trata-se de uma estrutura técnico-produtiva, social e cultural, na qual o econômico, o político, o social e o cultural estão imbricados, expressando-se em conjunto no espaço e no tempo". Milton Santos corretamente insiste na necessária dimensão espacial da formação econômico-social, argumentando mesmo que se trata de O Brasil 123 uma formação espacial. Nela, o espaço está imanentemente presente, participando como meio, natural ou socialmente produzido, para as atividades do homem, reflexo e condição social, expressando e afetando a existência e reprodução humana, afetando, em realidade, a própria reprodução das diferenças espaciais, qualquer que seja a escala geográfica considerada' D. Enfatize-se que referir-se à formação espacial não é abdicar-se do econômico, do político, do social e do cultural, que são facetas de uma mesma totalidade que se manifesta de modo integrado no espaço e no tempo. A importância do conceito em tela reside no fato de ele permitir que se considere processos, funções e formas em suas concretizações espaçotemporais diferenciadas mas, ao mesmo tempo, particularmente sob o capitalismo, integradas. A globalização, estágio mais avançado da espacialidade capitalista, revela diferenças espaciais, antigas e novas, muito significativas. 7 G. Dhoquois, "La Formación Economico-Social como Combinación de Modos de Produción", in EI Concepto de Formación Econornico-Social, Cuadcrnos de Pasado y Presente, 39, 1973, p. 187. 8 Baseio-me em G. Luckacs, "Introdução a uma Estética Marxista - Sobre a Categoria da Particularidade", Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978, para referir-me à formação econômico-social como uma particularidade. Ver especialmente o capítulo 3 da obra em pauta. 9 Veja-se a questão da unidade do econômico, político, social e cultural, numa perspectiva geográfica, em D. Cosgrove, "Em direção a uma Geografia Cultural radical: problemas da teoria", Espaço e Cultura 5, 1998. 10 O papel do espaço como condição de reprodução das relações sociais tem suas raízes em Henri Lefébvre, "Espacio y Politica, Barcelona, Peninsula, 1976. Consulte-se, além de Milton Santos, "Por uma Geografia Nova", São Paulo, HUCITEC, 1978, Augustin Berque com a temática da reprodução social por meio da paisagem, elemento constituinte de uma dada formação espacial. Veja-se dele, "Paisagem-Marca, Paisagem-Matriz: Elementos da Problemática para uma Geografia Cultural", in Paisagem, tempo e cultura, org. R. L. Corrêa e Z. Rosendahl, Rio de Janeiro, EDUERJ, 1999. 124 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 8, pp. 121-129, jan.ljun., 2000 A diferenciação de áreas, cara aos geógrafos, principalmente aqueles envolvidos com a perspectiva corológica, constituiu-se, ainda que abordada com um viés idiográfico, no conceito que direcionava a leitura dos resultados, diferenciados em área, da ação humana sobre superfície terrestre. O conceito de formação espacial permite integrar essa complexa diversidade em uma unidade conceitual e, simultaneamente, real. É, portanto, um conceito útil para a geografia regional, liberando-a da abordagem calcada na unicidade C'uniqueness") das regiões e lugares 1 I. III O conceito de formação espacial é úti I também para a geografia sistemática. Assim, conforme pondera Milton Santos, a "localização dos h omens, das ali vidades e das coisas no espaço explica-se tanto pelas necessidades 'externas', aquelas do modo de produção 'puro', quanto pelas necessidades 'internas' ..."12, ditadas, em essência, pela formação espacial. Nesse espaço particular as necessidades externas são interpretadas e adaptadas, por um lado, com base nas possibilidades reais dos agentes sociais locais e regionais e, por outro, com base na organização espacial prévia, já diferenciada em relação a outros espaços particulares. É na formação espacial que se entrecruzam determinações gestadas em di versas escal as, do geral e do particular, assim como emergem contingências. As transformações por que passa a organização espacial não são iguais, tanto no que se refere à natureza, quanto à intensidade, quando se trata das áreas agrícolas e urbanas. As primeiras, dado, via de regra, a menor fixidez das obras do homem, apresentam-se mais facilmente submetidas às transformações. Veja-se, a este respeíto, que as transformações ocorridas em muitas áreas agrícolas brasileiras nos últimos 30 anos foram notáveis: paisagens agrárias foram substituídas por outras muito diferentes e, muitas vezes, após poucas décadas de existência. As áreas cafeicultoras do oeste paulista e norte paranaense que, inclusive esvaziaram-se de homens, são excelentes exemplos, assim como as áreas pastorís de campo ou cerrado que foram incorporadas ao moderno complexo agroindustrial A despeito das potencialidades do conceito de formação espacial, sua adoção pelos geógrafos foi muitíssimo limitada, como discute Armen Mamigonian, "A Geografia e a Formação Social como Teoria e como Método", in O mundo do cidadão: um cidadão do mundo, org. Maria Adélia A. de Souza, São Paulo, H UCITEC, 1996. Uma possível resposta a essa negligência residiria no fato do conceito em tela ser, em realidade, um enfoque, operacionalizável apenas por meio de conceitos operativos como paisagem, região, território e lugar. 12 M. Santos, op. cit., p. 14. 11 Rede Urbana e Formação espacial - uma Reflexão Considerando O Brasil de grãos I 3. O campo se adapta, metamorfoseia-se com relativa facilidade às demandas da formação espacial da qual faz parte. Fala-se em "urbanização do campo" e "industrialização da agricultura", como expressões do papel da cidade, sobretudo das grandes metrópoles, na transformação do campo. A cidade, e por extensão a rede urbana, por menor que seja, apresenta formas dotadas de grande fixidez e, por isso mesmo, apresentando uma relativamente grande capacidade de refuncionalização. Por meio desta e da continuidade do processo de criação de novas funções e suas correspondentes formas - próprio das formações espaciais capitalistas - a cidade e a rede urbana reatualizam-se, possibilitando a coexistência de formas e funções novas e velhas. Ressaltemos, agora, um ponto fundamental deste ensaio. A cidade e a rede urbana, em razão da fixidez e da refuncionalização, tendem a exibir, muito mais que o mundo agrário, padrões de formas que contêm, ao menos parcialmente, fortes elementos gerados na formação espacial na qual surgiram. É por isso que as relações entre rede urbana e formação espacial são muito complexas: 125 uma rede urbana pode exibir características associadas aos diversos momentos da formação em que está inscrita, ou das diversas formações espaciais a que esteve associada. Nas sociedades de classes, nas quais o fato urbano emerge, as características técnicas das atividades de produção, envolvendo uma necessária relação com a natureza, a finalidade da produção, os meios de circulação, as relações de produção, a estrutura de poder, os valores, crenças, mitos e utopias - que aparecem integradamente, definindo um dado modo de produção e suas formações espaciais - são determinantes das densidades demográficas, da renda e sua distribuição, e dos padrões culturais dominantes e subordinados. Estas características modelam a densidade de centros, o tamanho deles, as funções urbanas e as relações espaciais derivadas. É lícito supor que não apenas os modos de produção nos quais o urbano emerge, mas as suas diversas formações espaciais apresentem a sua típica rede urbana. Cada sociedade tem a sua própria geografia, que inclui, na maioria dos casos, a sua rede urbana particular I 4. Fala-se, então, em rede urbana dos tipos solar, dendrítico, \3 Sobre o oeste paulista, compare-se o clássico de Pierre Monbeig, "Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo", São Paulo, HUClTEC-POLIS, 1984 com o trabalho de D. Elias, já mencionado, sobre as transformações na região de Ribeirão Preto, anteriormente analisada por Monbeig. Um excelente exemplo de estudos sobre as transformações em área de cerrado é o de R. Haesbaert "Des-territorialização e Identidade - A Rede 'Gaúcha' No Nordeste", Niterói, EDUFF, 1997, que aborda as mudanças na geografia do oeste baiano 14 A este respeito consulte-se M. Buch Hanson e B. Nielsen, "Marxist Geography and the Concept of Territorial Structure", Antipode, 9(2), 1977. 126 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n° 8, pp. 121-129, janJjun., 2000 christalleriano, axial, circular e de múltiplos circuitos, ainda que esta tipologia necessite ser melhor explicitada' s. A rede solar, por exemplo, está associada às formações vinculadas ao modo de produção asiático, mas também aos pequenos países de origem colonial, dotados de uma metrópole primaz, como se exemplifica com o caso do Uruguai' 6. A rede dendrítica, por sua vez, parece estar geneticamente vinculada a uma formação espacial periférica de base colonial, marcada por um específico padrão de circulação. Já as redes de múltiplos circuitos, ao que tudo indica, associam-se às formações espaciais dos países centrais, refletindo e condicionando a complexidade de suas organizações espaciais. A questão das relações entre a forma e as funções da rede urbana e a natureza da formação espacial, da qual aquela é parte, é, em realidade, muito complexa e necessita muitas reflexões e estudos empíricos. IV A formação social brasileira, assim identificada numa dada escala, aparece como dotada de grande hete- rogeneidade interna quando altera-se a escala de análise. A heterogeneida. de resulta de uma combinação desigual, tanto no espaço como no tempo, de processos naturais e sociais. Visando contribuir para o debate a respeito da complexa espacialidade do território brasileiro, apresenta-se aqui a tese de que no Brasil coexistem, na virada dos séculos XX e XXI, mas com gênese muito anterior, três formações espaciais distintas, mas integradas entre si, constituindo, no conjunto uma "diversidade na unidade": uma formação espacial fundada na grande propriedade rural, outra na pequena propriedade rural dos imigrantes europeus e, finalmente, uma terceira que é a formação espacial da fronteira. Fundamentais, como são, estruturam os tipos básicos de rede urbana. Ressaltemos três aspectos. Em primeiro lugar, uma formação espacial não se traduz, necessariamente, em uma região. Em realidade pode-se conceber uma mesma formação espacial recobrindo duas ou mais regiões; o inverso, contudo, não é possível. Ao não se confundir com a região, a formação espacial pode caracterizar-se pela descontinuidade espacial: é, de acordo com a literatura geográfica, um tipo espacial. 15 Consulte-se R.L. Corrêa, "Interações Espaciais", in Explorações Geográficas, organizado por Iná E. Castro et al., Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997. 16 Consulte-se, respectivamente, Paul Claval, "La Logique des Villes. Essays d'Urbanologie", Paris, Librairie Techniques, 1981 e A.S. Linsky, "Some Generalizations Concerning Primate Cities", Annals of the Association of American Geographers, 55(3), 1965. 126 Revista Thrritório, Rio de Jaoeiro, christalleriano, axial, circular e de múltiplos circuitos, ainda que esta tipologia necessite ser melhor explicitada' 5. A rede solar, por exemplo, está associada às formações vinculadas ao modo de produção asiático, mas também aos pequenos países de origem colonial, dotados de uma metrópole primaz, como se exemplifica com o caso do Uruguai' 6. A rede dendrítica, por sua vez, parece estar geneticamente vinculada a uma formação espacial periférica de base colonial, marcada por um específico padrão de circulação. Já as redes de múltiplos circuitos, ao que tudo indica, associam-se às formações espaciais dos países centrais, refletindo e condicionando a complexidade de suas organizações espaciais. A questão das relações entre a forma e as funções da rede urbana e a natureza da formação espacial, da qual aquela é parte, é, em realidade, muito complexa e necessita muitas reflexões e estudos empíricos. IV A formação social brasileira, assim identificada numa dada escala, aparece como dotada de grande hete- ano V, nO 8, pp. 121-129, janJjun., 2000 rogeneidade interna quando altera-se a escala de análise. A heterogeneida. de resulta de uma combinação desigual, tanto no espaço como no tempo, de processos naturais e sociais. Visando contribuir para o debate a respeito da complexa espacialidade do território brasileiro, apresenta-se aqui a tese de que no Brasil coexistem, na virada dos séculos XX e XXI, mas com gênese muito anterior, três formações espaciais distintas, mas integradas entre si, constituindo, no conjunto uma "diversidade na unidade": uma formação espacial fundada na grande propriedade rural, outra na pequena propriedade rural dos imigrantes europeus e, finalmente, uma terceira que é a formação espacial da fronteira. Fundamentais, como são, estruturam os tipos básicos de rede urbana. Ressaltemos três aspectos. Em primeiro lugar, uma formação espacial não se traduz, necessariamente, em uma região. Em realidade pode-se conceber uma mesma formação espacial recobrindo duas ou mais regiões; o inverso, contudo, não é possível. Ao não se confundir com a região, a formação espacial pode caracterizar-se pela descontinuidade espacial: é. de acordo com a literatura geográfica, um tipo espacial. ., Consulte-se R.L. Corrêa, "Interações Espaciais", in Explorações Geográficas, organizado por Iná E. Castro et al., Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1997. 16 Consulte-se, respectivamente, Paul Claval, "La Logíque des Villes. Essays d'Urbanologie", Paris, Librairie Techniques, 1981 e A.S. Linsky, "Some Generalizations Conceming Primate Cities", Annals 01 the Association oi American Geographers, 55(3), 1965. Rede Urbana e Formação espacial - uma Reflexão Considerando Em segundo lugar, a formação espacial da fronteira, como que por definição, é marcada nitidamente pela transitoriedade, isto é, em um determinado momento caracteriza uma dada porção do espaço e, em outro, posterior, uma outra porção. Este tipo de formação tem acompanhado a história espacial brasileira há muito tempo, sendo, em muitos casos, a matriz na qual, após, instala-se uma ou outra das duas formações espaciais supramencionadas. Este tipo, como os demais, constitui-se, em realidade, em um amplo campo para investigação. Em terceiro lugar, estamos pensando uma formação espacial a partir da unidade entre produção, circulação, consumo, estrutura política, relações sociais e padrões culturais e da projeção espacial dessa unidade, ainda que cada um desses elementos goze de uma relativa autonomia. Nesta unidade, contudo, e dado os modos como o Brasil foi, e está sendo, ocupado, a estrutura fundiária e as relações sociais a ela associada, desempenham papel crucial na estruturação das possíveis combinações entre produção, circulação, consumo, estrutura política, relações sociais e padrões culturais e suas projeções espaciais, definindo uma particular formação espacial. Parece, então, fundamental, distinguir entre a formação espacial O Brasil 127 associada à grande propriedade rural, herdeira ou não do período colonial, e a formação espacial associada à pequena propriedade rural, fruto do processo de colonização e imigração européia iniciada na primeira metade do século XIX. A partir da estrutura fundiária desenvol vem-se inúmeras diferenças no que diz respeito ao modo de vida e à produção e organização do espaço, para os quais o espírito empreendedor e os padrões de consumo têm papel fundamental. O espaço, por intermédio da paisagem e da rede urbana, simultaneamente expressa e condiciona estas duas formações espaciais. A este respeito o estudo de Bernardes sobre o Rio Grande do Sul é exemplar: são explicitadas características que permitem falar em duas formações espaciais, uma associando área de mata, pequena propriedade, imigração, agricultura, indústria e rede urbana densa e outra que associa área de campo, grande propriedade, povoamento lusobrasileiro, pecuária e rede urbana com baixa densidade de centros 17. v Considerando as relações entre a rede urbana e as formações espaciais brasileiras, apresentaremos alguns 17 Consulte-se Nilo Bernardes, "As Bases Geográficas do Povoamento do Rio Grande do Sul", Boletim Geográfico (IBGE), 171, 1962 e 172, 1962, e reimpresso em 1997 com o mesmo título pelo Departamento de Ciências Sociais da UNIJUÍ em colaboração com a Associação dos Geógrafos Brasileiros, Seção Porto Alegre. 128 Revista Território, Rio de Janeiro, ano V, n" 8, pp. 121-129, jan./jun., pontos que parecem-me clarificados. Insiste-se na complexidade dessas relações e na necessidade de um grande esforço para se avançar nessa direção. Os pontos são os seguintes: (a) A rede urbana da formação espacial associada à grande propriedade rural caracteriza-se por uma menor densidade de centros quando comparada à rede urbana da formação espacial calcada na pequena propriedade dos imigrantes. Conseqüentemente, apresenta maior espaçamento entre os seus centros. Os valores relativos às densidades e distâncias, contudo, podem variar quando se trata de áreas pastorís ou de áreas agrícolas: nas primeiras as densidades são ainda menores e as distâncias maiores. (b) A drenagem da renda fundiária rural pela cidade, a partir do absenteísmo dos grandes proprietários, constitui-se em parte integrante das relações espaciais da formação espacial calcada na grande propriedade. A modernização da agricultura criou condições de ratificar ampliadamente essa característica, graças às transformações técnicas e sociais na agricultura e à melhoria geral da circulação. Referências às capitais regionais como sendo um "fazendão iluminado" ou uma "fazenda asfaltada" são reveladoras dessa concentração de grandes proprietários rurais nessas cidades I 8. O impacto do absenteísmo so- 2000 bre as cidades é enorme: lojas sofisticadas, clubes de luxo, restaurantes e serviços de alta qualidade, ao lado de bairros suntuosos, centrais e verticalizados ou em determinados setores da periferia urbana e horizontais, com mansões e condomínios exclusi vos. Mas há uma contrapartida, expressa pelos bairros populares, muitas vezes produtos da ação conjunta do Estado, proprietários rurais e imobiliárias, que produzem amplos e monótonos conjuntos habitacionais constituídos por milhares de pequenas casinhas. Localizam-se em amplos setores da periferia urbana, ratificando assim, o clássico padrão centro-periferia das cidades brasileiras, herdeiro do passado. Abrigam esses conjuntos os excedentes demográficos expulsos pela modernização do mundo agrário. (c) A rede urbana da formação espacial calcada na pequena propriedade do imigrante, caracteriza-se por uma mais nítida hierarquia de centros. Reflete uma distribuição mais equitativa da demanda e do consumo, não mais concentrado nas cidades mais importantes, como ocorre nas áreas de grandes propriedades rurais. Nessas, as pequenas cidades tendem a perder, por meio das migrações de excedentes da modernização, o seu mercado, acabando por se tomarem, em muitos casos, centros de concentração da força de trabalho do mundo agrícola. I 9 I~ Consulte-se Lílian Hahn Mariano da Rocha, "O Papel de Santa Maria como Centro de Drenagem da Renda Fundiária. Dissertação de Mestrado em Geografia. UFSC, 1993. I~ Veja-se, sobre o assunto, R.L. Corrêa, "Globalização e Reestruturação da Rede Urbana Uma Nota sobre as Pequenas Cidades". Território, 6, 1999.