ISSN 1519-8928 Nutrire 36 n. 1, abr. 2011 R E V I S T A D A S O C I E D A D E B R A S I L E I R A D E A L I M E N T A Ç Ã O E N U T R I Ç Ã O J O U R N A L O F T H E B R A Z I L I A N S O C I E T Y O F F O O D A N D N U T R I T I O N NUTRIRE: REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO Olga Maria S. Amancio - Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina Comissão Editorial / Editorial Committee Ralf Greiner - Federal Research Institute of Nutrition and Food - Germany Célia Colli - Editor Científico / Scientific editor Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo Elizabete Wenzel de Menezes - Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo Fernando Salvador Moreno - Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo Franco Maria Lajolo - Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo Hélio Vannucchi - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Conselho Editorial / Editorial Board Álvaro Oscar Campana - Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho Amalia Antezana Valera - Depto de Biologia / Laboratorio de Servicos Academicos Y de Investigacion Universidad Mayor de San Simon, Facultad de Ciencias Y Tecnologia - BOLIVIA Anita Sachs - Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina Dirce Maria Sigulem - Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina Elizabeth de Souza Nascimento - Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo Elizabeth Aparecida Ferraz Silva Torres - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Emma Witting de Penna - Universidad do Chile Felix Reyes - Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas José Augusto de Aguiar Taddei - Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina José Alfredo Gomes Arêas - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Júlio Cesar Moriguti - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Júlio Tirapegui - Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo Lilian Cuppari - Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina Luiz Antonio Gioielli - Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo Maria de Fátima N. Marucci - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Maria de Lourdes Pires Bianchi- Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Maria Lúcia Rosa Stefanini - Instituto de Saúde da Secretaria da Saúde de São Paulo Maria Sylvia de Souza Vitalle - Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista de Medicina Marina Vieira da Silva - Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” - ESALQ/ Piracicaba da Universidade de São Paulo Regina Mara Fisberg - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Rejane Andréa Ramalho - Universidade Federal do Rio de Janeiro Rui Curi - Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo Semiramis Martins Álvares Domene - Pontifícia Universidade Católica de Campinas Silvia Berlanga de Moraes Barros - Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo Silvia Eloiza Priore - Universidade Federal de Viçosa Sonia Tucunduva Philippi - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Sophia Cornbluth Szarfarc - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Tasso Moraes e Santos - Universidade Federal de Minas Gerais Thais Borges Cesar - Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho Tullia M. C. C. Filisetti - Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo Normalização e indexação / Normalization and indexing Bibliotecária Maria Cláudia Pestana À Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição reservam-se todos os direitos, inclusive os de tradução, em todos os países signatários da Convenção Panamericana e da Convenção Internacional sobre os direitos autorais. Não nos responsabilizamos por conceitos emitidos em matéria assinada e também não aceitamos matéria paga em nosso espaço editorial. Os pontos de vista, as visões políticas e as opiniões aqui emitidas, tanto pelos autores como pelos anunciantes, nem sempre refletem a orientação desta revista. The SBAN reserves all rights, including translation rights, in all signatory countries of the Panamerican Copyright Convention and of the International Copyright Convention. The SBAN will not be responsable for concepts expressed in signed articles, and do not accept payed articles. The views, political views and opinions expressed here by authors or by advertisers do not always reflect the policies or position of the Nutrire. No articles published here may be reproduced or distributed for any purpose whatsoever without the express written permision. Reproduction of abstracts is allowed as long as the right source is quoted. Revisores: Alvaro Augusto Feitosa Pereira (inglês), Benedita E. S. de Oliveira (português), Maria Oriana del Reyes Figueiroa (espanhol). SOCIEDADE BRASILEIRA DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO-SBAN Nutrire R E V I S T A D A S O C I E D A D E B R A S I L E I R A D E A L I M E N T A Ç Ã O E N U T R I Ç Ã O J O U R N A L O F T H E B R A Z I L I A N S O C I E T Y O F F O O D A N D N U T R I T I O N ISSN 1519-8928 Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-197, abril 2011 © Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição-SBAN Publicação quadrimestral/ Published three times to the year Tiragem/Print-run:1000 Impresso no Brasil/Printed in Brazil Capa: Ademar Assaoka Diagramação: Jotacê Desenhos Gráficos Nutrire: revista da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição=Journal of the Brazilian Society of Food and Nutrition, São Paulo, SP. v.1, (1990) - São Paulo, SP: SBAN, 2000 Quadrimestral. Resumos em português, inglês e espanhol. Continuação dos Cadernos de Nutrição, a partir do v. 19/20 (2000). A partir do v. 31 de 2006 a revista passou a ter periodicidade quadrimestral. 1. Alimentos e alimentação – Periódicos. 2. Nutrição – Periódicos. I. Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição-SBAN ISSN1519-8928 CDD 612.305 664.005 É permitida a reprodução de resumos com a devida citação da fonte/ Reproduction of abstracts is allowed as long as the right source is quoted. A Revista Nutrire é indexada pelas seguintes bases de dados: CAB, Chemical Abstracts, Lilacs (Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Ciências da Saúde), Peri (Esalq), Periódica e Latindex. ii Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr, São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-197, abr. 2011 SUMÁRIO/CONTENTS V Editorial Artigos Originais/Original Articles 1 Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar Impact of different protein sources on the development of hepatic cells in newly-weaned rats submitted to a restriction diet followed by food repletion Denise Aparecida Gonçalves de OLIVEIRA; Valdemiro Carlos SGARBIERI 23 Impacto da complementação alimentar fornecida por um banco de alimentos, no estado nutricional de crianças de 1 a 6 anos de uma creche em Ibirité/Minas Gerais Impact of food complement supplied by a food bank on the nutritional status of children aged 1 to 6 years in a daycare center in Ibirité/Minas Gerais Bruna Carla SILVEIRA; Sandra Aparecida Vieira Neiva NOLASCO; Valéria Aparecida Alves LOPES; Michele Pereira NETTO; Fabiana Maria da COSTA 37 Ocorrência de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos em unidades de alimentação e nutrição Occurrence of Staphylococcus spp. and S. aureus on surfaces used for preparing food in a food service Heloísa Maria Ângelo JERÔNIMO; Rita de Cássia Ramos do Egypto QUEIROGA; Ana Caroliny Vieira da COSTA; Isabella de Medeiros BARBOSA; Maria Lúcia da Conceição; Evandro Leite de SOUZA 49 Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe Socio-economical characteristics and nutritional status of children and adolescents in rural settlements in Pacatuba, Sergipe Diva Aliete dos Santos VIEIRA; Dayanne da COSTA; Jamille Oliveira COSTA; Fernando Fleury CURADO; Raquel Simões MENDES-NETTO 71 Qualidade na produção de refeições em restaurantes comerciais na região de Cerqueira César, São Paulo Quality of food preparation in restaurants in the district of Cerqueira César, São Paulo Lívia da Cruz ESPERANÇA; Dirce Maria Lobo MARCHIONI 85 Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve Relationship of weight gain before and during pregnancy with fetal macrosomia in gestation complicated by diabetes and mild hyperglycemia Camila Pereira BRAGA; Felipe André dos SANTOS; Elaine Gomes da SILVA; Humberto Sadanobu HIRAKAWA; Ana Angélica Henrique FERNANDES; Iracema de Mattos Paranhos CALDERON 99 Risco coronariano em adolescentes estimado pelo índice de Conicidade Coronary risk in adolescents as estimated by the Conicity index Marcela Pinheiro MARQUES; Clélia de Oliveira LYRA; Severina Carla Vieira Cunha LIMA; Liana Galvão Bacurau PINHEIRO; Paulo Roberto de Medeiros AZEVEDO; Ricardo Fernando ARRAIS; Ana Lúcia MIRANDA; Lucia de Fátima Campos PEDROSA iii 111 Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba Epidemiological profile of the nutritional status in children assisted in daycare centers in the state of Paraíba Carolina Pereira da Cunha SOUSA; Mayana Pereira da Cunha SOUSA; Ana Carolina Dantas ROCHA; Dixis Figueroa PEDRAZA 127 Validade de peso e estatura informados por mulheres adultas no Município de São Paulo Validity of weight and height informed by adult women in the city of São Paulo Maria Fernanda Petroli FRUTUOSO; Fernanda Ávila FALSARELLA; Ana Maria Dianezi GAMBARDELLA 137 Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento Effect of the dietary glycid/lipid calorie ratio on the nitrogen balance and body composition of bodybuilders Raquel Simões MENDES-NETTO; Nailza MAESTÁ; Erick Prado de OLIVEIRA; Roberto Carlos BURINI Artigos de Revisão/Revision Articles 151 Aspectos metabólicos e nutricionais da contagem de carboidratos no tratamento do diabetes mellitus tipo 1 Metabolic and nutritional aspects of carbohydrate counting in the treatment of type 1 diabetes mellitus Ana Carolina Pereira COSTA; Mariana THALACKER; Nathália BESENBRUCH; Rosana Farah SIMONY; Fernanda Castelo BRANCO 163 Efeitos dos componentes do vinho na função cardiovascular Effects of wine components on cardiovascular function Daniela Cristina Seminoti Jacques DOMENEGHINI; Suélem Aparecida de França LEMES 177 Anemia ferropriva e obesidade: novos olhares para antigos problemas Iron-deficiency anemia and obesity: a new look at old problems Ursula Viana BAGNI; Gloria Valeria da VEIGA iv EDITORIAL A alteração dos padrões de alimentação, e o aumento da dependência de monoculturas levaram a importantes mudanças sociais, culturais e políticas, especialmente até o começo do século XX, época em que as questões de saúde eram, em sua maioria, associadas à desnutrição e às doenças infecciosas. Assim, do ponto de vista da evolução, as mudanças que afetam a saúde da população humana, e que vem sendo muito discutidas, incluem o aumento do consumo de carboidratos provenientes de grãos altamente processados e refinados; o aumento do consumo de açúcar refinado; a redução do consumo de frutas e vegetais de um modo geral. Somam-se a esses, fatores como o aumento da densidade populacional e a distribuição desigual de alimento. o uso crescente de pesticidas e fertilizantes, e sua possível ligação com a exaustão do solo e outros tantos. Sob essa perspectiva evolucionária, alguns pesquisadores chamam a atenção para as adaptações do organismo humano a alterações de sua dieta. A dieta primitiva era crua, rica em fibras pouco digeríveis e hipocalóricas. Eram grandes, portanto, os volumes ingeridos. Em consequência, um trato gastrointestinal longo e volumoso era necessário para acomodar e processar alimentos volumosos e extrair nutrientes a partir da celulose. Assim, os animais herbívoros têm intestinos mais longos do que os carnívoros. Entre os seres humanos e outros primatas, aqueles que comem alimentos de baixa qualidade nutricional, têm trato gastrointestinal maior. Como a qualidade da dieta melhorou, concomitantemente ao desenvolvimento de cérebros maiores, houve também uma diminuição do tamanho do trato gastrointestinal. A dieta moderna tornou-se hipercalórica, pobre em fibras e extremamente fácil de ser absorvida. Após uma refeição com essas características, a absorção ocorre rapidamente, em picos, na porção proximal do intestino. A absorção, no intestino distal, tende a ser mínima, o que pode causar uma falta de produção de hormônios anorexígenos E tem sido descrito que tanto os indivíduos diabéticos como os obesos têm menor produção pós-prandial desses hormônios. Artigo de Santoro S e cols., publicado no periódico São Paulo Medical Journal, em 2006, apresentava essa hipótese para a questão da obesidade: os obesos seriam aqueles, na população, que teriam o intestino delgado maior. O artigo Anemia ferropriva e obesidade: novos olhares para antigos problemas, publicado neste número da Nutrire, traz a anemia ferropriva para a pauta dessa discussão sobre a obesidade e suas causas. Célia Colli Editora Científica v Artigo original/Original Article Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar Impact of different protein sources on the development of hepatic cells in newly-weaned rats submitted to a restriction diet followed by food repletion ABSTRACT OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impact of different protein sources on the development of hepatic cells in newly-weaned rats submitted to a restriction diet followed by food repletion. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr. = J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. The aim of this study was to evaluate the effect of different protein sources with different amino-acid profiles on liver cell development in “Wistar” rats submitted to a food restriction and recovery model. The food restriction model was based on a 50% ingestion restriction for the rats fed with the control diet (21 days) and “ad libitum” recovery (a period of 21 days). The protein sources used in this study were: Yeast autolysate (YA), whey protein concentrate from bovine milk (WPC), a mixture containing the YA and WPC in the proportion of 64:36 (protein base), commercial casein (CC) which was used as the experimental treatment (EC) and control treatment (CP). The following parameters were evaluated in this study: the amino-acid profile of the protein sources, the development of liver cells (liver weight and growth rates - RNA, DNA, protein), weight and number of hepatocytes in the whole organ. The results showed that the treatment with (YA) was the most affected by the food restriction, showing an incomplete (leucine-deficient) amino-acid profile, a lower development of liver cells, lower growth of the liver due to a lower growth by cellular hyperplasia (number of cells), lower capacity of cell division and DNA synthesis. However, it showed a higher ability for RNA synthesis, thus indicating that growth in the restricted phase was mainly due to increase in the size of hepatocytes (cell hypertrophy). During the repletion period, all food treatments showed normal liver development, i.e. cell growth and organ hyperplasia and hypertrophy. Keywords: Liver. Food Restriction. Cell Hyperplasia. Cell Hypertrophy. DENISE APARECIDA GONÇALVES DE OLIVEIRA1; VALDEMIRO CARLOS SGARBIERI2 1Doutoranda em Alimentos e Nutrição - Faculdade de Engenharia de Alimentos/ FEA/UNICAMP. 2Professor Titular da Faculdade de Engenharia de Alimentos/FEA/UNICAMP. Endereço para correspondência: Denise Aparecida Gonçalves de Oliveira Rua Aparecida D’Oeste, 464 – Eldorado II CEP 13421-650 Piracicaba- SP. E-mail: [email protected] Baseado na tese de doutorado: em Alimentos e Nutrição defendida em 31/05/2004, Faculdade de Engenharia de Alimentos/ FEA – Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP. Agradecimentos: aos funcionários e pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL/Campinas, SP, Brasil). Especialmente ao Centro de Química de Alimentos e Nutrição Aplicada, setor de bioquímica por permitir a utilização dos seus laboratórios. 1 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. RESUMEN El objetivo de este estudio fue evaluar el efecto que diversas fuentes de proteínas con diferentes perfiles de aminoácidos ejercían en el desarrollo de las células hepáticas en ratas “Wistar” sometidas a restricción y reposición de la ingestión de alimentos. El modelo de restricción alimentar consistía en disminuir 50% del consumo de los animales control (periodo de 21 días) y la recuperación con ingestión “ad libitum” (período de 21 días). Las fuentes de proteínas utilizadas en este estudio fueron: autolisado de levadura (ATL); concentrado proteico de suero de leche bovino (CPL); mezcla de CPL y ATL, en la proporción de 64:36 (base proteica), caseína comercial (CC), que fue utilizada como tratamiento experimental (CE) y como estándar (CP). Fueron evaluados el perfil de aminoácidos de las proteínas, el desarrollo de la célula hepática (peso del hígado y las tasas de crecimiento: ARN, ADN y proteína total), el peso y número de hepatocitos en el órgano. Los resultados mostraron que el grupo tratado con (ATL) fue el más afectado por el proceso de restricción de alimentos, la proteína presenta un perfil incompleto de aminoácidos (deficiente en leucina). Había menor desarrollo de las células del hígado, menor crecimiento del hígado debido a un menor crecimiento por hiperplasia celular (número de células), menor capacidad de división celular y de síntesis de ADN, sin embargo, mostraron una mayor capacidad para sintetizar ARN indicando que el crecimiento en la fase de restricción se debió principalmente al aumento en el tamaño de los hepatocitos (hipertrofia celular). Durante la fase de recuperación alimentar de todos los tratamientos hubo un desarrollo hepático normal, o sea crecimiento de las células y del órgano por hiperplasia e hipertrofia. Palabras clave: Hígado. Restricción alimentícia. Hiperplasia celular. Hipertrofia celular. 2 RESUMO O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito de diferentes fontes proteicas com diferentes perfis de aminoácidos sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos “Wistar” submetidos à restrição e recuperação alimentar. O modelo de restrição alimentar foi baseado na restrição de 50% da ingestão dos animais controle (período de 21 dias), e recuperação ad libitum (período de 21 dias). As fontes proteicas utilizadas neste estudo foram: autolisado de levedura (ATL), concentrado proteico de soro de leite bovino (CSL), mistura contendo CSL e ATL na porcentagem de 64:36 (base proteica), caseína comercial (CC), a qual foi utilizada como tratamento experimental (CE) e como tratamento padrão (CP). Avaliouse,neste estudo, o perfil de aminoácidos das fontes proteicas, o desenvolvimento celular hepático (peso do fígado e dos índices de crescimento - RNA, DNA, proteína total), peso dos hepatócitos e número de hepatócitos em todo órgão. Os resultados mostram que o tratamento com (ATL) foi o mais afetado pelo processo de restrição alimentar, apresentando um perfil de aminoácido incompleto (deficiência em leucina); apresentou menor desenvolvimento celular hepático; menor crescimento do fígado em função do menor crescimento por hiperplasia celular (número de células), menor capacidade de divisão celular e síntese de DNA. Entretanto, apresentou maior capacidade de síntese de RNA, indicando que o crescimento na fase de restrição ocorreu principalmente por aumento no tamanho dos hepatócitos (hipertrofia celular). Durante o período de restauração alimentar todos os tratamentos apresentaram desenvolvimento hepático normal, ou seja, crescimento de células e do órgão por hiperplasia e hipertrofia. Palavras-chave: Fígado. Restrição alimentar. Hiperplasia celular. Hipertrofia celular. OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. INTRODUÇÃO O estado nutricional estabelece efeitos importantes na vida de um indivíduo, desde o momento de sua concepção até a sua morte. Entre os nutrientes necessários para equilíbrio dinâmico do organismo estão as proteínas, definidas como moléculas de estruturas complexas que constituem cerca de 50% do peso celular. Partes das moléculas das proteínas funcionam como biocatalisadores (hormônios e enzimas), controlando processos importantes como: crescimento, digestão, absorção e transporte (PELLEY, 2007). De acordo com Faria, Franceschini e Ribeiro (2010), o estado nutricional expressa o grau no qual as necessidades fisiológicas por nutrientes são alcançadas para manter as funções adequadas do organismo, resultando do equilíbrio entre ingestão e necessidade de nutrientes. A ingestão de nutrientes como proteínas, lipídios, minerais e vitaminas em quantidade e qualidade adequadas é importante para a manutenção do estado nutricional. Quando a ingestão de proteínas é deficiente, o organismo defende-se reduzindo a eliminação urinária de nitrogênio na tentativa de reequilibrar-se. Se a deficiência for muito grande e prolongada, essa redução chega até um mínimo e o corpo entra em desequilíbrio proteico, iniciando-se um processo catabólico proteico. O estado de desnutrição proteica é caracterizado pela redução das reservas proteicas do organismo e pela alteração do ritmo metabólico dos aminoácidos (MARTÍNEZ, 2001). O fígado é o órgão que desempenha papel fundamental no metabolismo corporal, envolvendo múltiplos processos como a regulação do metabolismo das proteínas, dos carboidratos e dos lipídios, principais macronutrientes responsáveis pelo fornecimento de energia ao organismo vivo. No fígado, a desnutrição proteica calórica provoca um grande impacto nutricional, prejudicando o seu funcionamento (FERREIRA et al., 2009). O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de cana-de-açúcar. Em consequência da grande produtividade da cultura de cana-de-açúcar e do amplo parque sucroalcooleiro, a biomasssa de levedura, tornou-se um grande excedente desta indústria. O autolisado de levedura é um subproduto da biomassa da levedura, obtida por indução de autodigestão ou rompimento mecânico e consiste no conteúdo total da célula lisada, incluindo os componentes hidrossolúveis, as proteínas solúveis e a parede celular. A caracterização química do autolisado de levedura proveniente de destilarias de etanol apresenta um teor de proteína na faixa de 40-46%; lipídios totais ao redor de 3,5%; cinzas entre 7-8% e fibra alimentar total de 24-25% (CABALLERO-CÓRDOBRA; SGARBIERI, 1997; HISANO et al., 2008). O autolisado de levedura é considerado uma boa fonte de proteína e podemos destacar que os aminoácidos mais abundantes encontrados nessa proteína são: o ácido glutâmico, ácido aspártico, lisina, alanina, serina e treonina, entretanto dependendo da forma de obtenção do autolisado de levedura ele pode apresentar deficiência nos aminoácidos sulfurados (metionina + cisteína) e, por vezes a leucina, quando comparados com padrões internacionais como o da FAO/WHO, conforme citado por Vilela, Sgarbieri e Alvim (2000). 3 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. Além do valor nutritivo, a levedura e seus derivados apresentam alguns componentes com propriedades funcionais importantes. Dentre esses componentes, podemos citar: nucleotídeos e nucleosídeos, glicanas e mananas, minerais (zinco e selênio) e vitaminas (complexo B). Essas substâncias têm, em comum, a propriedade de proteger o organismo, atuando como moduladores do sistema imunológico, tanto celular como humoral (SGARBIERI et al., 2002). Os nucleotídeos de pirimidina e purina estão envolvidos em quase todos os processos celulares e desempenham papel muito importante na função estrutural, energética e na regulação de vários processos metabólicos. Alguns anos atrás, acreditava-se que os nucleotídeos não eram necessários para o crescimento e desenvolvimento normal, não eram considerados essenciais no aspecto nutricional, pois eram sintetizados no organismo pela “via de novo”, que utilizavam aminoácidos como precursores, ou ainda pela “via de salvamento”, a partir da degradação de aminoácidos e nucleotídeos da dieta. Sabe-se que em indivíduos sob situações de crescimento rápido, consumo limitado de nutrientes ou distúrbio endógeno, os nucleotídeos dietéticos passam a ter uma importância fundamental no organismo, pois disponibilizam bases e nucleosídeos para serem utilizados imediatamente na síntese de nucleotídeos, pela “via de salvamento” (KEHOE et al., 2008). A via de salvamento é extremamente importante em tecidos e órgãos onde a síntese de nucleotídeos é eficiente e, portanto, necessária quando se inclui nucleotídeos na dieta. Os nucleotídeos dietéticos participam dos processos de divisão e crescimento celular, como ativadores intermediários na síntese de glicogênio, glicoproteínas e fosfolipídios, e atuam como doadores de grupos metilo e sulfato; estruturalmente são componentes de inúmeras coenzimas e também funcionam como efetores alostéricos para as enzimas (ROSSI; XAVIER; RUTZ, 2007, SOMMER, 1998). O leite bovino é um fluído biológico complexo cuja composição média apresenta 87% de água, 3,5 a 3,7% de lipídios, 4,9% de lactose, 0,7% de cinzas e 3,5% de proteína, que são divididas em 2,9% pela proteína caseína e 0,6% pela proteína do soro de leite (LOURENÇO, 2000). A principal propriedade nutricional das proteínas do soro de leite é fornecer energia e os aminoácidos essenciais para o desenvolvimento e crescimento. As proteínas do leite possuem propriedades fisiológicas importantes como fornecer peptídios bioativos, que favorecem a imunorregulação e regulação da microflora intestinal e a regulação da digestão, que irão facilitar a assimilação de nutrientes como: as vitaminas (riboflavina, tiamina e ácido pantotênico) e minerais (cálcio e fósforo), os quais são importantes para o crescimento celular e o restabelecimento tecidual (ANTONIONE et al., 2008; SGARBIERI, 2005). As caseínas constituem a classe quantitativa principal do leite, representa 76 a 85% da proteína total, e são química e estruturalmente mais complexas que as proteínas do soro bovino, que representam cerca de 20% da proteína do leite. Os concentrados de proteína do soro de leite são considerados uma fonte de proteína de alto valor biológico, 4 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. contendo elevado teor de proteína (30 a 90%) com teores de aminoácidos superiores aos da caseína. Também é considerada uma proteína de digestão e absorção rápida, o que determina, uma rápida disponibilidade de aminoácidos plasmáticos na corrente sanguínea, favorecendo com isso a síntese proteica (LUIKING et al., 2005; WALZEM; DILLARD; GERMAN, 2002). Outras propriedades fisiológicas funcionais importantes das proteínas do leite são: desenvolvimento e proteção do sistema imunológico, proteção contra carcinógenos, atuam como alimentos prebióticos por promoverem o crescimento de populações de bactérias benéficas à microbiota intestinal e melhoram as condições de saúde de indivíduos sob estresse nutricional e doenças neuro-degenerativas (LIEN, 2003; SGARBIERI, 2005). O objetivo deste trabalho foi estudar os efeitos de diferentes fontes proteicas com diferentes perfis de aminoácidos sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos a uma dieta calórica restritiva, seguida de um período de recuperação. Os índices de desenvolvimento celular do fígado avaliados neste estudo foram: RNA, DNA, proteína total, peso dos hepatócitos e número de núcleos em todo o órgão. MATERIAL E MÉTODOS AUTOLISADO TOTAL DE LEVEDURA (ATL) O ATL foi preparado de acordo com Sgarbieri et al. (1999) a partir das células íntegras de levedura (Saccharomyces cerevisae) provenientes de destilaria de álcool etílico. O processo de produção e desidratação do ATL foi realizado no setor de bioquímica do Centro de Química de Alimentos e Nutrição Aplicada, do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL / Campinas, SP, Brasil). CONCENTRADO PROTEICO DE SORO DE LEITE BOVINO (CSL) O CSL foi obtido a partir do leite bovino tipo B desnatado e pasteurizado adquirido da Cooperativa dos Produtores de Leite da Região de Campinas. Todo o procedimento para a obtenção do CSL foi realizado na planta piloto do Centro de Tecnologia de Laticínios (TECNOLAT), Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL- Campinas, SP, Brasil), segundo processo desenvolvido por Borges et al. (2001). MISTURA (CSL64: ATL36) A mistura foi obtida pela combinação do concentrado proteico de soro de leite e autolisado total de levedura (64:36g proteína por 100g de dieta) em base proteica, respectivamente. 5 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. CASEÍNA A caseína foi adquirida da empresa M.Cassab Comércio e Indústria Ltda, localizada no município de São Paulo, SP, Brasil. PROTOCOLO EXPERIMENTAL Os animais experimentais foram adquiridos no Centro de Animais de Laboratório (CEMIB) da Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP - Campinas, SP, Brasil. Os animais escolhidos para o experimento foram ratos albinos da linhagem “Wistar”, livre de patógenos e parasitas específicos (SPF) que são criados dentro de um eficiente sistema de barreiras que impedem contaminações microbianas, aumentando com isso a confiabilidade do experimento. O protocolo experimental foi conduzido com 55 ratos recém-desmamados, divididos em três tempos; tempo zero (T0) instituído como animais que não passaram pelo processo de restrição e recuperação, tempo 21 (animais que sofreram restrição) e tempo 42 (animais em recuperação). Cinco animais foram sacrificados no início do experimento denominado tempo zero (T0), foram utilizados como controle. Os 50 animais restantes foram distribuídos em 5 tratamentos, com 10 animais por grupo. Durante os primeiros 21 dias do experimento, os animais experimentais receberam dietas com 50% de restrição em relação à dieta padrão (CP) à qual recebeu oferta ad libitum. No período de 21 a 42 dias, todos os grupos foram alimentados ad libitum. O protocolo nas fases de restrição e de realimentação encontra-se na figura 1. Este estudo foi aprovado e certificado pela Comissão de Ética na Experimentação Animal (CEEA/UNICAMP), por estar de acordo com os Princípios Éticos na Experimentação Animal adotado pelo Colégio Brasileiro de Experimentação Animal recebendo protocolo no. 114-2. As dietas foram preparadas segundo as recomendações do American Institute of Nutrition (AIN-G), como descritas por Reeves, Nielsen e Fahey (1993) contendo 17g de proteína/100g de dieta. Utilizou-se como fonte de proteína: caseína padrão (CP) concentrado proteico de soro de leite bovino (CSL), autolisado total de levedura (ATL) e mistura (CSL64: ATL36). Com objetivo de verificar a qualidade proteica da caseína esta também foi incluída como dieta experimental, recebendo a denominação de caseína experimental (CE). 6 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. 55 ratos 05 animais sacrificados (idade 21 dias) T0 50 ratos Dietas com 17% de proteína RESTRIÇÃO ALIMENTAR (50%)/ T2 10 ratos CP 10 ratos CCE 10 ratos CSL 10 ratos ATL 10 ratos CSL64:ATL36 Controle (50%) (50%) (50%) (50%) (25 animais sacrificados, 05 por tratamento, coleta do fígado) Dietas com 17% de proteína RESTAURAÇÃO ALIMENTAR (100%) /T42 “ad libitum” 05 ratos CP 05 ratos CCE 05 ratos CSL 05 ratos ATL 05 ratos CSL64:ATL36 (25 animais sacrificados, 05 por tratamento, coleta do fígado) Onde: T0 = Início do experimento; T21=Amostras coletadas no 21º dia do experimento e T42 = Amostras coletadas no 42º dia do experimento. Figura 1 – Protocolo experimental do processo de restrição e restauração alimentar em ratos recém-desmamados da linhagem “Wistar”. 7 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. COMPOSIÇÃO QUÍMICA DAS FONTES PROTEICAS A determinação da proteína bruta dos tratamentos contendo caseína, concentrado proteico de soro de leite (Nx6, 38), mistura (Nx6, 25) e autolisado de levedura (Nx5, 8) e a determinação das cinzas foram realizadas de acordo com os procedimentos da Association of Official Agricultural Chemists (1998). Lipídios totais foram determinados pelo método de Bligh e Dyer (1959). Fibras alimentares, solúveis e insolúveis foram identificadas pela técnica de Asp et al. (1983). Os carboidratos totais foram obtidos por diferença (entre 100% e a soma dos demais macronutrientes). A composição em aminoácidos foi determinada por hidrólise ácida (HCL 6N, 110°C, 22h) em aparelho HPLC (Dionex Dx-300), com separação em colunas de troca catiônica e reação póscoluna com ninidrina. A quantificação foi realizada com base numa mistura de padrões de aminoácidos (Pierce kit 22). A determinação do triptofano foi realizada segundo metodologia descrita por Spies (1967). COLETA DE FÍGADO E ANÁLISES HEPÁTICAS Os fígados dos animais foram retirados, pesados, congelados e liofilizados para a dosagem de RNA, DNA e proteína total. A extração dos órgãos ocorreu nos tempos zero (T0), período de restrição (0-21 dias/T21) e período de recuperação (21 a 42 dias/T42). A extração do ácido ribonucleico (RNA) foi realizada de acordo com Schimidt e Thannauser; modificado por Munro (1966) e, a leitura foi realizada a 670nm em espectrofotômetro. A extração do ácido desoxirribonucleico (DNA) foi realizada de acordo com procedimento de Burton (1956), cuja leitura da absorbância foi a 600nm em espectrofotômetro. A proteína total foi analisada de acordo com Bradford (1976) e a leitura da absorbância foi a 595nm, em espectrofotômetro. NÚMERO DE NÚCLEOS E PESO DOS HEPATÓCITOS Com os resultados obtidos de DNA, RNA e proteína total foi realizado o cálculo matemático, para determinar o número de núcleos (número de células em milhões) e peso/ núcleo (peso celular em mµg) no fígado, de acordo com os critérios citados por Enesco e Leblond (1962), conforme expressões abaixo: Número de Núcleos = Peso / Núcleo = DNA total no órgão x 1000 = número de células (milhões) 7,3/9,3 Peso do fígado x 1000 = peso de hepatócitos (mµg) Número de Núcleos Onde: 7,3 = conteúdo de DNA por núcleo em animais com idade entre 17 e 34 dias e 9,3= conteúdo de DNA por núcleo em animais com idade entre 35 e 94 dias. 8 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. ANÁLISE ESTATÍSTICA O delineamento experimental estatístico utilizado no ensaio biológico foi o inteiramente ao acaso. Para a análise dos resultados obtidos, foi utilizada a análise de variância (ANOVA), e o teste de Tukey para diferença entre médias ao nível de significância de 5% (GOMES, 1982). O pacote estatístico utilizado foi Statistic (Basic Statistics and tables Program - Statsoft, 1995). RESULTADOS A caracterização química, em base seca, das diferentes fontes proteicas (CP, CSL, ATL e CSL64: ATL36), encontra-se na tabela 1. Os resultados mostraram que o CP apresentou teor de proteína elevado, diferindo estatisticamente dos demais tratamentos experimentais ao nível de 5% de significância. Entre os tratamentos estudados, observamos que: o CSL apresentou o maior teor de lipídios totais, o ATL apresentou o maior teor para cinzas, fibras totais e carboidratos diferindo estatisticamente dos demais. Tabela 1 – Característica química das principais fontes proteicas utilizadas neste estudo: caseína (CP), concentrado proteico de soro de leite bovino (CSL), autolisado de levedura (ATL) e mistura composta por concentrado proteico de soro de leite + autolisado de levedura (CSL64: ATL36) Componentes Proteína (%) Lipídios totais (%) Cinzas (%) Fibra total Carboidrato* (%) (%) CP 83,0±0,01a 1,9±0,01c 3,5±0,01c nd 11,6±0,01d CSL 81,3±0,03b 3,2±0,00a 3,5 ±0,01c nd 12,0±0,02c ATL 39,5±0,04d 1,2±0,00d 6,6 ±0,01a 32,4±0,00a 20,3±0,01a Mistura 66,2±0,01c 2,5±0,01b 4,6±0,01c 11,7±0,01b 15,0±0,00b (*) Cálculo por diferença (somatória dos componentes estudados-100); nd=não determinado. Em relação ao Escore de Aminoácidos Essenciais (EAE), observa-se na tabela 2 que as proteínas estudadas (caseína, CSL e mistura/CSL64: ATL36) apresentaram EAE igual ou superiores a um, confirmando seu elevado valor proteico e não apresentando nenhum aminoácido limitante, tendo como única exceção o tratamento com ATL que apresentou como aminoácido limitante a leucina (EAE 0,91). Para o valor de PDCAAS, as proteínas dos tratamentos experimentais caseína e CSL, apresentaram os melhores perfis de aminoácidos essenciais, resultado esse esperado para proteínas de alto valor biológico que apresentam grande capacidade de promover crescimento e desenvolvimento no organismo vivo. 9 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. Tabela 2 – Aminoácidos essenciais (AAE), escores de aminoácidos essenciais (EAE) e PDCAAS para as diferentes fontes proteicas estudadas(+) FAO/WHO (g/100 g P) EQ (CP) (g/100 g P) EQ(CSL) (g/100 g P) EQ(ATL) (g/100 g P) EQ(mistura) (g/100 g P) Treonina 3,4 1,38 2,00 1,53 1,94 Met+cisteína 2,5 1,20 1,96 1,00 1,52 Valina 3,5 1,77 1,54 1,54 1,60 Leucina 6,6 1,53 1,59 0,91* 1,50 Isoleucina 2,8 1,71 2,04 1,50 2,00 Fen+tirosina 6,3 1,83 1,05 1,03 1,02 Lisina 5,8 1,50 1,71 1,50 1,59 Histidina 1,9 1,47 2,89 2,21 2,00 Triptofano 1,1 1,36 1,82 1,18 1,45 ≥ 1,00 ≥ 1,00 ≥ 1,00 0,91 (Leu) ≥ 1,00 100 97 95 82 91 AAE EAE PDCAAS (%) (+) - Amostras em duplicata; (*) - Aminoácido limitante; EQ - Escore químico sem correção. EAE = mg de aa/g N da proteína teste mg de aa/g da proteína padrão x 100 PDCAAS (%) = EAE x digestibilidade aparente. Na figura 2A, observa-se o ganho de peso (GP), de ratos submetidos ao período de restrição alimentar (0-21dias), seguido de recuperação alimentar (ad libitum) com diferentes fontes proteicas. Durante o período de restrição, o grupo de animais com consumo de caseína padrão (CP) apresentou alta ingestão de dieta e, consequentemente ganho de peso elevado. Para o período de recuperação com a liberação da dieta ad libitum, observamos que o grupo com ingestão ATL apresentou menor poder de recuperação (p ≥ 0,05). Em relação ao consumo total de dieta/CD (Figura 2B) observamos que durante o processo de restrição alimentar, os tratamentos experimentais não diferiram entre si, enquanto que no período de recuperação alimentar (ad libitum), o restabelecimento da ingestão alimentar, provocou um aumento da velocidade de crescimento para todos os tratamentos, apesar do grupo ATL apresentar a menor taxa de crescimento. 10 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. A - Ganho de Peso (GP) 300 250 a b Peso (g) 200 150 bc c b b bc a 100 GP (0-21 dias) b b 50 GP (21-42 dias) 0 CP CCE CSL ATL Mistura Valores expressos como média (± desvio padrão) de 05 animais por tratamento, onde: caseína padrão (CP), caseína experimental (CE), concentrado proteico de soro de leite bovino (CSL), autolisado total de levedura (ATL) e mistura (CSL64: ATL36). (a,b,c) Médias seguidas por letras distintas (colunas) diferem entre si (p ≤ 0,05) dentro de cada período de tempo. Figura 2 A – Ganho de peso (GP) de ratos submetidos a períodos de restrição (0-21dias) e recuperação ad libitum alimentar (21-42dias) com diferentes fontes proteicas. Consumo (g) B - Consumo Total de Dieta (CD) 500 450 400 350 300 250 a b bc b b bc a 200 150 100 50 0 c b b CD (0-21 dias) CD (21-42 dias) CP CCE CSL ATL Mistura Valores expressos como média (± desvio padrão) de 05 animais por tratamento, onde: caseína padrão (CP), caseína experimental (CE), concentrado proteico de soro de leite bovino (CSL), autolisado total de levedura (ATL) e mistura (CSL64: ATL36). (a,b,c) Médias seguidas por letras distintas (colunas) diferem entre si (p ≤ 0,05) dentro de cada período de tempo. Figura 2 B – Consumo total de dieta (CD) de ratos submetidos a períodos de restrição (0-21dias) e recuperação ad libitum alimentar (21-42 dias) com diferentes fontes proteicas. 11 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. Os tratamentos com ATL e mistura (Figura 3) durante o período de restrição apresentaram um peso do fígado inferior aos demais tratamentos (p ≥ 0,05), todavia durante o período de recuperação não ocorreu diferença entre eles. Peso do fígado (Depleção-Repleção calórica) 15 Peso (g) 12 9 6 a PF (0-21 dias) b 3 b c cb PF (21-42 dias) 0 CP CCE CSL ATL Mistura Valores expressos como média (± desvio padrão) de 05 animais por tratamento, onde: caseína padrão (CP), caseína experimental (CE), concentrado proteico de soro de leite bovino (CSL), autolisado total de levedura (ATL) e mistura (CSL64: ATL36). (a,b,c) Médias seguidas por letras distintas (colunas) diferem entre si (p ≤ 0,05) dentro de cada período de tempo. Figura 3 – Peso do fígado (PF) de ratos submetidos a períodos de restrição (0-21dias) e recuperação ad libitum alimentar (21-42dias) com diferentes fontes proteicas. Na tabela 3, encontram-se os resultados referentes ao desenvolvimento celular hepático (RNA, DNA e PT). Observamos que durante o período de restrição alimentar o conteúdo de RNA (fígado) dos tratamentos com CSL, ATL e mistura foram semelhantes e não diferiram da dieta padrão (CP). Em relação ao período de restauração, o grupo com ingestão de ATL apresentou maior conteúdo de RNA. Em relação ao conteúdo de DNA, durante o período de restrição, o tratamento com ATL apresentou resultado inferior aos demais tratamentos (p ≥ 0,05). No período de recuperação alimentar (ad libitum), não ocorreu diferença entre os tratamentos experimentais, a liberação da dieta permitiu a normalização do crescimento e desenvolvimento celular, ou seja, foi restabelecida a capacidade de síntese de DNA e a multiplicação celular. Quanto ao teor de proteína total (PT) nos hepatócitos durante o processo de restrição e recuperação, não houve diferença estatística entre as dietas estudadas. Em relação aos resultados das relações RNA/DNA e PT/DNA (Tabela 4) nos períodos de restrição alimentar e recuperação alimentar (ad libitum), observamos que o tratamento com ATL apresentou resultados superiores aos demais tratamentos. O que sugere uma maior capacidade de síntese de RNA e proteína em relação à síntese de DNA. 12 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. Tabela 3 – RNA (mg/g), DNA (mg/g) e Proteína total (PT/mg/g) de fígado de ratos submetidos a períodos de restrição (0-21dias) e recuperação ad libitum alimentar (21-42dias) com diferentes fontes de proteínas Período de restrição Período de recuperação (0-21 dias) (21=42 dias) Tratamento RNA DNA PT RNA DNA PT TO* 8,6±1,1b 4,2±0,2a 711,1±107,8a 8,6±1,1b 4,2±0,2a 711,1±107,8a CP* 12,4±1,2a 4,5±0,6a 625,5 ±29,4a 8,1±1,2b 3,6±0,4a 717,5±9,2a CE* 8,3± 0,7b 4,0± 0,4a 622,0±110,8a 8,0 ±1,0b 4,2±0,7a 687,0±66,7a CSL* 9,8±1,5ab 4,10±0,5a 577,0± 93,4a 9,6±0,8ab 4,2±0,8a 634,6±113,4a ATL* 11,0±1,5ab 2,6± 0,7b 680,4±26,0a 10,0±0,6a 3,9±0,3a 707,0±49,4a Mistura* 11,0±1,2a 3,8±0,5a 670,1±37,4a 8,6±0,3ab 3,9±0,5a 712,3±52,8a (*) Valores expressos como média (± desvio padrão) de 05 animais por tratamento, onde: caseína padrão (CP), caseína experimental (CE), concentrado proteico de soro de leite bovino (CSL), autolisado total de levedura (ATL) e mistura (CSL64: ATL36). (a,b, c) Médias seguidas por letras distintas (colunas) diferem entre si (p ≤ 0,05) dentro de cada período de tempo. Tabela 4 – Relação RNA/DNA e PT/DNA (por grama) de fígado de ratos submetidos a períodos de restrição (0-21dias) e recuperação ad libitum alimentar (21-42dias) com diferentes fontes proteicas Período de Restrição (0-21 dias) Tratamento Período de Recuperação (21- 42 dias) RNA/DNA PT/DNA RNA/DNA PT//DNA TO* 2,0±0,3b 167,3±30,5b 2,0±0,3b 167,3±30,5b CP* 2,7±0,5b 139,0±14,1b 2,3±0,3ab 199,3±25,0a CE* 2,1±0,1b 155,5±17,8b 1,9±0,2b 162,0±24,0a CSL* 2,4±0,3b 140,7±37,9b 2,3±0,5ab 149,7±32,0a ATL* 4,2±1,7 261,7±85,5 2,6±0,1 181,3±20,5 Mistura* 2,9±0,5b 176,3±25,0b 2,2±0,2ab 179,8±34,6a (*) Valores expressos como média (± desvio padrão) de 05 animais por tratamento, onde: caseína padrão (CP), caseína experimental (CE), concentrado proteico de soro de leite bovino (CSL), autolisado total de levedura (ATL) e mistura (CSL64: ATL36). (a,b, c). No grupo com ingestão de ATL, não ocorreu diferença estatística entre as variáveis estudadas. Médias seguidas por letras distintas (colunas) diferem entre si (p ≤ 0,05) dentro de cada período de tempo. 13 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. Na tabela 5, encontram-se os cálculos para número de núcleos e peso por núcleo, segundo os critérios de Enesco e Leblond (1962). No período de restrição alimentar, nota-se que os animais do grupo com ATL apresentaram menor número de células diferindo estatisticamente dos demais, isto ocorreu pela baixa qualidade proteica que interferiu provavelmente com a velocidade de divisão celular e com a síntese de DNA. No período de recuperação alimentar (ad libitum), com a restauração da ingestão calórica, ocorreu provavelmente uma normalização na velocidade de divisão celular e na síntese de DNA, com isso observa-se que não houve diferença estatística entre as dietas estudadas. Tabela 5 - Determinação de número de hepatócitos (número células/órgão) e peso dos hepatócitos (mµg) de ratos submetidos a períodos de restrição (0-21dias) e recuperação ad libitum alimentar (21-42dias) em diferentes fontes proteicas Período de Restrição (0 - 21 dias) Tratamento Período de recuperação (21 - 42 dias) Nº hepatócitos (milhões)* Peso/ hepatócitos (mµg)* Nº hepatócitos (milhões)* Peso/ hepatócitos (mµg)* T0 686,0 ± 41,1a 3,7 ± 0,5c 685,8 ± 41,1a 3,7 ± 0,5b CP 612,3 ± 83,6ab 11,0 ± 1,4a 385,8 ± 45,1b 21,9 ± 1,5a CE 550,7 ± 53,7 ab 8,1 ± 1,2b 456,1 ± 72,3b 18,7± 4,3a CSL 557,0 ± 75,6ab 8,7 ± 1,4ab 455,7 ± 89,5b 18,5 ± 4,1a ATL 353,1 ± 99,3c 11,4 ± 2,8a 416,8 ± 31,7b 18,7 ± 1,9a Mistura 517,0 ± 72,3b 7,6 ± 0,9b 425,6 ± 52,5b 18,4 ± 3,5a (*) Valores expressos como média (± desvio padrão) de 05 animais por tratamento, onde: caseína padrão (CP), caseína experimental (CE), concentrado proteico de soro de leite bovino (CSL), autolisado total de levedura (ATL) e mistura (CSL64: ATL36). (a,b, c) Médias seguidas por letras distintas (colunas) diferem entre si (p ≤ 0,05) dentro de cada período de tempo. DISCUSSÃO Em relação à característica química das diferentes fontes proteicas estudadas, observamos uma alta concentração de cinzas no ATL devido à adição de cloreto de sódio durante o processo de obtenção do produto, enquanto que o elevado teor de carboidrato é explicado pela adição de maltodextrina no processo de secagem em spray drier. A composição da mistura (CSL64: ATL36) apresentou valores intermediários de proteína, fibra total e cinzas, resultados estes de acordo com Santucci et al. (2003) e Vilela, Sgarbieri e Alvim (2000). 14 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. Os valores nutritivos das proteínas dependem principalmente da capacidade destas em suprir as necessidades do organismo de todos os aminoácidos dieteticamente indispensáveis. A qualidade proteica, a quantidade e a digestibilidade são de extrema importância para a dieta, por serem indicadores do fornecimento de quantidades significativas de aminoácidos essenciais e retenção nitrogenada. A eficácia da proteína é afetada por alguns fatores como: baixo consumo proteico, baixo consumo calórico e o estado fisiológico do organismo, sendo que na ausência do aporte calórico eficiente, os aminoácidos serão utilizados como substrato da via gliconeogênese, para manutenção dos níveis de glicose sanguínea (GOBATTO, 1991). O ATL apresenta um perfil de aminoácidos incompleto, deficiência no aminoácido leucina. Essa deficiência afetou diretamente o valor de PDCAAS (91%), mostrando que o ATL apresenta menor valor biológico em comparação às demais fontes proteicas estudadas por Pádua et al. (1997) e Pires et al. (2006). O fígado funciona como um laboratório químico realizando diversas funções vitais do organismo, dentre elas podemos citar: o armazenamento de diversas vitaminas; liberação de glicose para os vários órgãos; transformação do excesso de glicídios e proteínas em lipídios; fabricação de várias proteínas do sangue; a desaminação dos aminoácidos para que possam ser oxidados ou transformados em glicídios ou lipídios; fabricação dos demais aminoácidos do corpo, a partir dos aminoácidos essenciais; e ação desintoxicante; entre outras (MALAFAIA; MARTINS; SILVA, 2009). No período de restrição alimentar, o grupo (CP) mostrou crescimento hepático elevado, indicando um catabolismo e anabolismo normal, entretanto, o grupo com ATL, por apresentar deficiência em leucina, apresentou um crescimento reduzido em relação ao peso corporal, ocorrendo nesta fase o crescimento provavelmente por aumento celular (hiperplasia). O crescimento de qualquer órgão pode ser causado pelo aumento no número de células (hiperplasia), por aumento no tamanho das células já existentes (hipertrofia) ou por ambos. A repercussão da restrição alimentar sobre o fígado depende das condições experimentais no período em que foi provocada a condição de carências e, principalmente, o tempo de duração desta condição. Os resultados apresentados, neste estudo, estão de acordo com os resultados apresentados por Mazeti e Furlan (2008), que mostram que a restrição alimentar reduz a taxa de crescimento ponderal e linear de ratas Wistar. Nossos resultados são superiores aos apresentados no estudo de Naves et al. (2006), que encontraram um peso médio de fígado de 3,3g em ratos que ingeriram diferentes fontes proteicas (caseína, gelatina e mistura de ambas). De acordo com Voltarelli e Mello (2008) e Winick (1970) há três fases de crescimento para todos os órgãos: na primeira fase ocorre um aumento no número de células (hiperplasia) e os tamanhos das células (hipertrofia) permanecem constantes, portanto, ocorre um crescimento hiperplásico; na segunda fase o número de células continua aumentando, mas com menor velocidade do que na primeira fase, ocorre um aumento de tamanho das células que é caracterizado por crescimento hiperplásico e hipertrófico. 15 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. Na terceira fase, observa-se apenas o aumento no tamanho das células, ou seja, um crescimento hipertrófico. Segundo Giacomelli e Natali (1999), as fases de crescimento dos ratos estão distribuídas da seguinte forma: de zero a 21 dias de vida ocorre a hiperplasia celular em todos os órgãos, com 21 a 42 dias continua a hiperplasia em todos os órgãos exceto no cérebro e pulmão, e de 65 a 86 dias ocorre a hipertrofia das células em todos os órgãos, exceto no tecido linfoide. Neste estudo, observamos que durante o período de restrição alimentar o peso do fígado dos animais experimentais apresentou uma redução por crescimento hiperplásico (número de células), mas o tamanho celular permaneceu constante (hipertrofia). A restrição energética estimula processos hepáticos de glicogenólise e gliconeogênese na intenção de manter a glicemia e disponibilizar a glicose para órgãos mais nobres como o cérebro, fígado, pâncreas e intestino. Para realizar a gliconeogênese, o fígado utiliza como substrato a glicose (hepática), os lipídios (dos adipócitos) e os aminoácidos provenientes de proteólise da massa muscular esquelética. Assim, tanto o tecido adiposo quanto o tecido muscular esquelético são consumidos objetivando a manutenção da homeostase. Como consequência, há liberação de aminoácidos a partir do consumo muscular, com a finalidade de serem utilizados por órgãos como fígado, pâncreas e intestino. Portanto, o grupo com ATL que apresentou deficiência no aminoácido essencial leucina foi o mais afetado pelo processo de restrição calórica. Esses resultados estão de acordo com os encontrados por Oliveira, Paulo e Fujimori (2000) e Boza et al. (1996), que observaram que a restrição calórica interfere e reduz a síntese de proteínas devido à redução na disponibilidade de aminoácidos essenciais e não essenciais. Na etapa de recuperação (ad libitum) com a normalização da ingestão calórica, os grupos de animais rapidamente entraram em equilíbrio homeostático aprimorando seu peso e alcançando o peso do grupo (CP), isso ocorreu provavelmente devido ao aumento na massa muscular. A desnutrição proteica promove uma redistribuição funcional das proteínas musculares, para disponibilizar nitrogênio necessário para a síntese de proteínas teciduais. Neste estudo, o teor de proteína foi elevado 17g/100g de dieta, provavelmente, o elevado teor de proteína e a qualidade no perfil dos aminoácidos essenciais apresentados pelas fontes proteicas utilizadas, funcionaram como uma barreira contra perdas drásticas de tecido muscular. A única exceção foi o ATL, que apresentou um perfil dos aminoácidos inferior devido à deficiência no aminoácido leucina. Os resultados para o desenvolvimento celular hepático indicaram que a restrição alimentar realizada após o desmame, não comprometeu drasticamente os constituintes celulares (DNA, RNA e proteína total), talvez porque, ela não tenha ocorrido durante o período mais intenso de divisão celular, que caracteriza-se 10 dias antes do nascimento e até 17 dias após o nascimento, ou seja, fase do crescimento hiperplásico (ENESCO; LEBLOND, 1962). Resultados semelhantes foram encontrados por Albanes et al. (1990), que observaram que uma restrição calórica (40%) imposta por três semanas em ratos 16 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. recém-desmamados resultou em uma redução na síntese de DNA, quando comparado com os animais controle. Os índices de RNA apresentados neste trabalho foram superiores aos resultados obtidos por Barbosa e Santiago (1994), que observaram o efeito da restrição alimentar sob crescimento de ratas adultas (6,7mg/g). O tratamento com ATL apresentou a menor capacidade de crescimento por hiperplasia (multiplicação celular) ou menor número de células, devido à menor capacidade de divisão celular e síntese de DNA, mesmo sendo o ATL uma fonte de nucleotídeos que atuam na replicação de DNA e na síntese de DNA. De acordo com Rossi, Xavier e Rutz (2007), os nucleotídeos têm um papel fisiológico importante no organismo como fonte de energia na forma de ATP e GTP, funcionando como cofatores na reação de oxidação e redução (FAD, NAD+, NADP+) e interferindo na divisão de tecidos aumentando a replicação de DNA e a síntese de RNA, sendo que a participação dos nucleotídeos na síntese de RNA, regeneração de novos tecidos após lesão ou relativa deficiência nutricional é aumentada. Neste estudo, o menor conteúdo de DNA e o aumento na síntese proteica indicam que o crescimento do fígado no grupo com ATL ocorreu, principalmente, por aumento da massa tecidual sem aumento no número de células, conforme indicam os resultados dos quocientes RNA/DNA e PT/DNA. Sendo assim, não houve aumento na demanda por nucleotídeos durante a divisão celular e crescimento (VOLTARELLI; MELLO, 2008). O perfil incompleto de aminoácidos na dieta e a escassez de energia durante a fase de restrição alimentar indicou menor divisão celular no grupo com ATL, e consequentemente menor síntese de DNA e divisão dos hepatócitos. Neste período, a relação PT/DNA não diferiu entre os tratamentos, diferindo apenas de T0. Os resultados do estudo estão de acordo com os realizados por Carrillo et al. (1996), Goodman e Ruderman (1980), Lourenço (1975) e Morgan e Peters (1971). Durante o período de recuperação alimentar (ad libitum), observamos uma normalização na velocidade de divisão celular e na síntese de DNA, indicação de uma redução no processo de hiperplasia (aumento no número de células) e um aumento no processo de hipertrofia (aumento no tamanho celular) pela normalização da energia e maturidade dos animais. A indicação de que os números de núcleos/órgão diminuíram e o tamanho dos núcleos aumentaram, na passagem da restrição para a recuperação alimentar (ad libitum), sugere que o crescimento do órgão se deu principalmente pela hipertrofia celular. CONCLUSÕES Do presente estudo resultaram os seguintes resultados: – A análise centesimal das fontes proteicas estudadas evidenciou que, o concentrado proteico de soro de leite bovino (CSL) e a caseína comercial (CC) são excelentes fontes de proteína, que o autolisado de levedura (ATL) apresentou bons teores 17 OLIVEIRA, D. A. G.; SGARBIERI, V. C. Impacto de diferentes fontes proteicas sobre o desenvolvimento celular hepático de ratos recém-desmamados submetidos à dieta restritiva seguida de recuperação alimentar. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 1-21, abr. 2011. de fibras totais, cinzas e carboidratos em relação aos demais tratamentos experimentais. – Os teores de aminoácidos dos concentrados proteicos mostraram-se adequados, quando comparados ao padrão teórico da FAO/WHO, exceto o autolisado de levedura que mostrou ligeira deficiência no aminoácido leucina, apresentando um escore de aminoácidos essenciais (EAE) de 91%. – Em relação aos PDCAAS todas as fontes proteicas estudadas apresentaram resultados superiores a 1, exceto o ATL (inferior a 1), devido à deficiência no aminoácido leucina. – Para os índices de desenvolvimento celular (peso do fígado, RNA, DNA, proteína total, peso dos hepatócitos e números de núcleos), durante o período de restrição alimentar o grupo de animais com ingestão de ATL foi o mais afetado pelo processo de restrição alimentar, devido à qualidade proteica que interferiu com a velocidade da divisão celular, portanto apresentou menor peso de fígado, menor desenvolvimento celular por hiperplasia celular e menor capacidade de síntese de DNA. O crescimento do grupo com ATL foi pelo aumento do tamanho celular (hipertrofia celular) e maior capacidade de síntese de RNA. Durante o processo de restauração, o desenvolvimento dos animais experimentais foi por hiperplasia + hipertrofia celular. REFERÊNCIAS/REFERENCES ALBANES, D.; SALBE, A. D.; LEVANDER, O. A.; TAYLOR, P. R.; NIXON, D. W.; WINICK, M. The effect of early caloric restriction on colonic cellular growth in rats. Nutr Cancer., v. 13, n. 1/2, p. 73-80, 1990. ANTONIONE, R.; CALIANDRO, E.; ZORAT, F.; GUARNIERI, G.; HEER, M.; BIOLO, G. Whey protein ingestion enhances postprandial anabolism during short-term bed rest in young men. J Nutr., v. 138, n. 11, p. 2212-2216, 2008. Disponível em: <http:// jn.nutrition.org/cgi/reprint/138/11/2212>. Acesso em: 12 fev. 2010. ASSOCIATION OF OFFICIAL ANALYTICAL CHEMISTS. The official methods of analysis of the association of official analytical chemists. Washington, DC, 1998. 18 ASP, N.; JOHANSSON, C. G.; HALMER, H.; SILJESTRÖM, M. A. 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The objectives of this study are to study the availability of food and the impact of the Food Bank donations on the nutritional status of children aged 1 to 6 years at a daycare center in the city of Ibirité, State of Minas Gerais, Brazil. The research was carried out in a cohort with 45 children. The following parameters were evaluated during three consecutive days: weight, height, and control of the menu given to the children. The indices assessed – weight/height, weight/age, body mass index/age, height/ age – were influenced by food donations, even as in menu, since there was an expressive improvement in the supply of nutrients. The conclusion is that the Food Bank has emphasized the menu variety, making it possible to reach micro- and macronutrient adequacy. In fact, this is very relevant, since it is believed that in the long term, a positive impact on the nutritional status of the children will be rendered. Keywords: Child. Feeding. Nutritional Status. Nutrients. BRUNA CARLA SILVEIRA1; SANDRA APARECIDA VIEIRA NEIVA NOLASCO1; VALÉRIA APARECIDA ALVES LOPES1; MICHELE PEREIRA NETTO2; FABIANA MARIA DA COSTA3 1Nutricionista pelo Centro Universitário UNA. 2Nutricionista e Mestre em Nutrição pela Universidade Federal de Viçosa, Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Minas Gerais, Docente do Curso de Nutrição da Universidade Federal de Juiz de Fora. 3Nutricionista, Coordenadora do Prodal Banco de Alimentos. Endereço para correspondência: Bruna Carla Silveira Rua Vesta, Bairro Alto dos Pinheiros, nº 50, Belo Horizonte - MG. E-mail: [email protected] Instituição vinculada ao trabalho: Centro Universitário UNA – Belo Horizonte/MG. 23 SILVEIRA, B. C.; NOLASCO, S. A. V. N.; LOPES, V. A. A.; NETTO, M. P.; COSTA, F. M. Impacto da complementação alimentar fornecida por um banco de alimentos, no estado nutricional de crianças de 1 a 6 anos de uma creche em Ibirité/Minas Gerais. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 23-35, abr. 2011. RESUMEN RESUMO Entre los programas de alimentación y nutrición existentes sobr esale el Prodal, Banco de Alimentos, que tiene como objetivo aprovechar alimentos y distribuirlos entre instituciones filantrópicas registradas. El objetivo del estudio fue evaluar la disponibilidad de alimentos y el impacto de la distribución de alimentos por el Banco de Alimentos en el estado nutricional de niños de 1 a 6 años de un jardín infantil en Ibirité, MG, Brasil. La investigación fue conducida con un grupo de 45 niños; los datos utilizados fueron peso, altura y registro de los alimentos ofrecidos a los niños de la institución durante tres días consecutivos. Los índices evaluados: peso/estatura, peso/edad, IMC/edad, estatura/edad se modificaron por la distribución de alimentos y también el menú ofrecido, ya que la oferta de nutrientes sufrió una mejoría significativa. La conclusión es que el Banco de Alimentos permitió variar el menú posibilitando el alcance de niveles adecuados de macro y micronutrientes. Esta observación es de extrema relevancia, puesto que se espera que a largo plazo provoque un impacto positivo en el estado nutricional de los niños. Dentr e os pr ogramas de alimentação e nutrição existentes, r essalta-se o Pr odal Banco de Alimentos, que tem como objetivo aproveitar alimentos e distribuí-los às entidades filantrópicas cadastradas. O objetivo desse estudo foi avaliar a disponibilidade dos alimentos e o impacto das doações fornecidas pelo Banco de Alimentos, no estado nutricional das crianças de 1 a 6 anos de uma creche em Ibirité/MG. A pesquisa foi realizada em uma coorte de 45 crianças. Foram utilizados peso, altura e averiguação do cardápio oferecido às crianças da creche durante três dias consecutivos. Os índices avaliados peso/ estatura, peso/idade, índice de massa corporal/ idade, estatura/idade sofreram interferência após as doações de alimentos, assim como no cardápio, uma vez que houve expressiva melhora de oferta de nutrientes. Conclui-se que o Banco de Alimentos promoveu um cardápio variado, possibilitando atingir a adequação de micro e macronutrientes. Tal fato é de extrema relevância, pois acredita-se que, a longo prazo, seja constatado um impacto positivo no estado nutricional das crianças. Palabras clave: Niños. Alimentación. Estado nutricional. Nutrimentos. Palavras-chave: Criança. Alimentação. Estado nutricional. Nutrientes. 24 SILVEIRA, B. C.; NOLASCO, S. A. V. N.; LOPES, V. A. A.; NETTO, M. P.; COSTA, F. M. Impacto da complementação alimentar fornecida por um banco de alimentos, no estado nutricional de crianças de 1 a 6 anos de uma creche em Ibirité/Minas Gerais. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 23-35, abr. 2011. INTRODUÇÃO Os programas de alimentação e nutrição são extremamente relevantes, pois visam à prevenção de deficiências alimentares, que por sua vez determinam agravos à saúde das populações mais vulneráveis, principalmente na faixa etária infantil (MARTINS et al., 2007). Nesta idade, a alimentação equilibrada possui um papel expressivo para o crescimento e desenvolvimento adequados (GIUGLIANI; VICTORA, 2000). Diante da magnitude das deficiências nutricionais e da importância da alimentação adequada na infância, os programas de alimentação do Governo Federal destinados ao grupo infantil, visam oferecer alimentos seguros e acessíveis em quantidade e qualidade suficientes (BRASIL, 2005; VASCONCELOS, 2005). De acordo com o Tribunal de Contas da União, Betto (2003) e Brasil (2005), o Banco de Alimentos é um dos programas de alimentação e nutrição existentes, que tem como objetivo aproveitar os alimentos sem valor comercial, mas que ainda são próprios para o consumo. Para tal, estes são selecionados, higienizados, embalados e distribuídos gratuitamente às entidades filantrópicas cadastradas. Na infância, assim como em todo o ciclo vital, além de uma alimentação segura, é importante que esta seja adequada tanto do ponto de vista energético quanto na quantidade de macronutrientes e micronutrientes. A adequação do estado nutricional é reflexo do equilíbrio da alimentação e para que seja avaliada necessita-se conduzir uma investigação nutricional (ARAÚJO; CAMPOS, 2008; VELHO et al., 2008). Cabe destacar ainda que, o estado nutricional também está relacionado com as características socioeconômicas, presença ou ausência de enfermidades, condições ambientais, entre outras. Na avaliação nutricional de determinada população ou grupo social, o método mais utilizado é a antropometria, pela facilidade e baixo custo (SIGULEM; DEVINCENZI; LESSA, 2000). Atualmente, emprega-se a referência da Organização Mundial de Saúde (OMS) (2006/2007), utilizando-se os índices peso/idade, estatura/idade, peso/estatura e IMC/idade na avaliação de crianças e IMC/idade e estatura/idade para adolescentes (LEONE; BERTOLI; SCHOEPS, 2009). Dentre os demais métodos de avaliação nutricional, ressalta-se a avaliação dietética que pode revelar as inadequações de micro e macronutrientes (CRUZ et al., 2001). O presente trabalho tem como objetivo avaliar a disponibilidade dos alimentos e o impacto da complementação alimentar fornecida por um Banco de Alimentos no estado nutricional de crianças de 1 a 6 anos de uma creche em Ibirité/MG. METODOLOGIA Realizou-se um estudo experimental do tipo coorte em uma creche filantrópica em Ibirité, Minas Gerais, Brasil, no ano de 2009; instituição selecionada para receber doações pelo Prodal Banco de Alimentos. 25 SILVEIRA, B. C.; NOLASCO, S. A. V. N.; LOPES, V. A. A.; NETTO, M. P.; COSTA, F. M. Impacto da complementação alimentar fornecida por um banco de alimentos, no estado nutricional de crianças de 1 a 6 anos de uma creche em Ibirité/Minas Gerais. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 23-35, abr. 2011. Todas as crianças de um a seis anos presentes no dia da avaliação antropométrica foram avaliadas, correspondendo a um total de 45 crianças. Os dados antropométricos coletados foram peso e altura. As crianças foram pesadas descalças (com o mínimo de roupa possível) por meio de uma balança digital, marca Welmy®. A estatura foi medida através da fita inextensível, marca Sanny® com as crianças em pé, encostadas na parede e com a postura ereta. As medidas das crianças menores de dois anos foram obtidas com a mesma na posição horizontal (BRASIL, 2004). Na avaliação dos dados antropométricos, foram utilizados os parâmetros da OMS 2006/2007, por meio do programa WHO ANTRHO versão 3.0.1. Os dados antropométricos foram apresentados em escore-z. Para os parâmetros peso/idade, peso/estatura e IMC/idade, consideraram-se inadequados os valores inferiores a -2 ou superiores a +2 escore-z; já para estatura/idade, a inadequação foi caracterizada quando os valores eram inferiores a -2 escore-z. Para análise dietética, acompanharam-se em período integral, durante três dias consecutivos e com registro fotográfico, por meio da câmera digital, marca Sony®, no momento em que eram servidas as porções em medidas caseiras, de todas as refeições (desjejum, almoço, lanche e jantar) oferecidas às crianças da creche. O registro fotográfico das porções foi realizado com objetivo de facilitar, em momento posterior, a conversão da porção de medidas caseiras para os valores em gramas ou mililitros de alimentos. Para a análise dos dados dietéticos, foi utilizado o Software Avanutri® para quantificar vitamina A, vitamina C, ferro, cálcio, proteínas, carboidratos, lipídios e energia de todas as refeições presentes no cardápio. Na verificação da melhoria do cardápio após a doação do Banco de Alimentos, foram determinados os percentuais de aumento dos nutrientes entre o primeiro e último dia de avaliação. Utilizou-se as DRIs como referência (INSTITUTE OF MEDICINE, 1997, 2000, 2001, 2002). Cabe destacar que foram feitas avaliações de disponibilidade e não consumo de alimentos pelas crianças, visto que não se procedeu à avaliação individual da dieta e sim a avaliação do cardápio da creche. O levantamento de dados ocorreu em duas etapas, sendo a primeira antecedente às doações de alimentos e a segunda, aproximadamente, quarenta dias após o início das doações. Utilizou-se o teste de Wilcoxon para verificar as diferenças antes e após as doações de alimentos e o teste de Qui-Quadrado para avaliar mudanças nas frequências de inadequação do estado nutricional nos diferentes momentos do estudo. As análises estatísticas foram feitas nos programas Epi Info 6 e Sigma Stat. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Centro Universitário UNA – União de Negócios e Administração. A participação das crianças, no estudo, ocorreu após autorização e consentimento dos pais ou responsáveis, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. 26 SILVEIRA, B. C.; NOLASCO, S. A. V. N.; LOPES, V. A. A.; NETTO, M. P.; COSTA, F. M. Impacto da complementação alimentar fornecida por um banco de alimentos, no estado nutricional de crianças de 1 a 6 anos de uma creche em Ibirité/Minas Gerais. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 23-35, abr. 2011. RESULTADOS As doações fornecidas pelo Prodal Banco de Alimentos são baseadas em alimentos não perecíveis e perecíveis. Por se tratar de um Banco de Alimentos da Central de Abastecimento de Minas Gerais - CEASAMINAS, as principais categorias de gêneros recebidas pelo banco são as doações de frutas e hortaliças − recebidas em sua maioria dos doadores do entreposto da CEASAMINAS, com boa qualidade, mas sem valor comercial – posteriormente distribuídas às entidades cadastradas, após todo processo de higienização. O recebimento e distribuição das doações são realizados diariamente pelo Banco de Alimentos. Dentre as 51 crianças matriculadas, 45 (88,2%) participaram da pesquisa, sendo 19 (42,2%) do gênero feminino e 26 (57,8%) do gênero masculino, na faixa etária de um a seis anos. A participação das crianças na pesquisa não foi integral, pois, nem todos os pais assinaram o Termo de Livre Consentimento. A tabela 1 mostra que as médias e medianas encontram-se na faixa de eutrofia (valores entre -2 e +2 escore-z) dos índices peso/estatura, peso/idade, índice de massa corpórea (IMC)/idade, embora os valores mínimo e máximo tenham apresentado desvios nutricionais como: baixo peso e sobrepeso. Ao analisar os indicadores peso/estatura, peso/idade, IMC/ idade e estatura/idade após o recebimento das doações e compará-los com os valores iniciais, evidenciou-se que houve melhoria das médias, inclusive nos valores mínimos e máximos de escore-z, apesar da permanência dos desvios nutricionais. Tabela 1 – Medidas de tendências centrais dos índices antropométricos estabelecidos em escore-z nas crianças de 1 a 6 anos, antes e após o recebimento de doações pelo Banco de alimentos Média Mediana DP Min Máx Índice Antes Após Antes Após Antes Após Antes Após Antes Após P/E* 0,26 0,27 0,55 0,47 0,53 0,21 -1,84 -1,43 2,05 1,54 P/I 0,10 0,28 0,18 0,32 1,10 1,01 -3,65 -1,4 2,6 2,6 IMC/I 0,15 0,16 0,14 0,42 0,90 0,88 -2,17 -1,4 1,93 1,7 E/I -0,08a 0,09b -0,23 0,02 1,42 1,28 -5,12 -2,26 5,16 5,38 DP = Desvio padrão, Min = Valor mínimo, Máx = Valor máximo, Antes = valores antes do recebimento das doações, Após = valores após recebimento das doações do Banco de Alimentos. *Apenas para as crianças menores de 5 anos. a≠b: teste de Wilcoxon. Comparando a evolução das medianas entre a primeira e a segunda avaliação pelo teste de Wilcoxon, percebeu-se que houve uma mudança significativa no índice estatura/idade (p = 0,008), entretanto, para os demais índices não se encontraram diferenças estatísticas. Na tabela 2, pode-se observar as frequências de inadequação encontradas, de acordo com os índices peso/idade, peso/estatura e IMC/idade. Já a baixa estatura esteve presente 27 SILVEIRA, B. C.; NOLASCO, S. A. V. N.; LOPES, V. A. A.; NETTO, M. P.; COSTA, F. M. Impacto da complementação alimentar fornecida por um banco de alimentos, no estado nutricional de crianças de 1 a 6 anos de uma creche em Ibirité/Minas Gerais. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 23-35, abr. 2011. em 4,4% (n=2) das crianças tanto antes quanto após a doação de alimentos. A inadequação do estado nutricional não diferiu estatisticamente entre as duas avaliações e nem entre os sexos, para todos os índices antropométricos. Tabela 2 – Estado nutricional segundo índices antropométricos das crianças de 1 a 6 anos antes e após o recebimento das doações pelo Banco de Alimentos Peso/idade Peso/estatura IMC/idade Estado nutricional Antes Após Antes Após Antes Após Baixo peso (%) 2,2 0 0 0 2,2 0 Eutrofia (%) 95,6 93,4 97 100 97,8 100 Sobrepeso (%) 2,2 6,6 3 0 0 0 Antes = valores antes do recebimento das doações; Após = valores após recebimento das doações do Banco de Alimentos. A tabela 3 evidencia que houve uma melhora expressiva no percentual de adequação, após o recebimento das doações de alimentos. Verificou-se que o percentual de adequação de vitamina C passou de 114,3% para 726,3%, o ferro de 143,3% para 204,3% e proteínas de 220,8% para 275,5%, permanecendo acima das recomendações da Necessidade Média Estimada - EAR após as doações de alimentos. Em relação ao percentual de adequação de vitamina A, constatou-se uma mudança de 91,1% para 291,3%, o que confirma que, após o recebimento das doações de alimentos, a adequação ultrapassou satisfatoriamente as recomendações estabelecidas pela EAR. Para os nutrientes: vitamina A, vitamina C e ferro, as diferenças nos valores oferecidos antes e após a doação do Banco de Alimentos foi estatisticamente significante, demonstrando claramente que a inclusão dos alimentos doados obtiveram impacto positivo. A tabela 4 demonstra que os valores referentes à vitamina A passou de 83,8% para 229,9%, vitamina C de 97,7% para 567,4%, ferro de 105,6% para 131,7%, proteína de 123,13% para 165,6%, apontando uma melhora significativa; destaca-se que para os nutrientes vitamina A e C, as diferenças foram estatisticamente significantes. Já os nutrientes, cálcio, carboidrato e aporte energético, apresentaram valores abaixo do recomendado, segundo Ingestão Adequada - AI, Necessidade Média Estimada - EAR e Estimativa da Necessidade Energética - EER, respectivamente, tanto antes quanto após as doações. Tais resultados são semelhantes aos representados na tabela 3, pois os alimentos oferecidos são os mesmos para ambas as faixas etárias, porém para as crianças de 1 a 3 anos é acrescida a mamadeira. Observou-se também que o VCT do cardápio das crianças de 1 a 3 anos apresenta valor superior em relação ao cardápio das crianças de 4 a 6 anos, como demonstrado na tabela 4. É importante ressaltar que as recomendações nutricionais estabelecem valores diários de referência, já a alimentação oferecida na creche não objetiva atender ao mesmo período; desta forma, espera-se que a criança tenha sua alimentação complementada em casa. 28 SILVEIRA, B. C.; NOLASCO, S. A. V. N.; LOPES, V. A. A.; NETTO, M. P.; COSTA, F. M. Impacto da complementação alimentar fornecida por um banco de alimentos, no estado nutricional de crianças de 1 a 6 anos de uma creche em Ibirité/Minas Gerais. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 23-35, abr. 2011. Tabela 3 – Análise do valor nutricional do cardápio oferecido às crianças de 1 a 3 anos referente à média de três dias consecutivos, antes e após o recebimento das doações de alimentos Nutrientes Média Antes Média Após EAR %Adequação Antes %Adequação Após Vit. A (µg/d) 191,4a 611,93b 210 91,1** 291,3 Vit. C (mg) 14,86c 94,43d 13 114,3 726,3 Ca (mg) 250,43 293,36 500* 50,08** 58,67** Fe (mg) 4,3e 6,13f 3 143,3 204,3 PTN (g) 24,29 30,31 11 220,8 275,5 CHO (g) 88,64 103.05 130 68,1** 79,26** LIP (g) 26,07 25,46 ND ND ND VCT (Kcal) 686,42 762,52 1.000,46# 68,6** 76,2** Antes = valores antes do recebimento das doações; Após = valores após recebimento das doações do Banco de Alimentos. * = AI (Ingestão Adequada), ND = Não determinado; # = EER- Estimativa da necessidade energética (obtido com os valores médios de idade, peso e altura); ** = % de Adequação abaixo da EAR. a≠b, c≠d, e≠f: teste de Wilcoxon. Tabela 4 – Análise do valor nutricional do cardápio oferecido às crianças de 4 a 6 anos referente a média de três dias consecutivos, antes e após o recebimento das doações de alimentos Nutrientes Média Antes Média Após EAR %Adequação Antes %Adequação Após Vit. A (µg/d) 230,53a 632,26b 275 83,8** 229,9 Vit. C (mg) 21,5c 124,83d 22 97,7 567,4 Ca (mg) 238,46 300,83 800* 29,80** 37,60** Fe (mg) 4,33 5,4 4,1 105,6 131,7 PTN (g) 18,47 24,84 15 123,13 165,6** CHO (g) 81,3 102,89 130 62,5** 79,14 LIP (g) 19,86 20,39 ND ND ND VCT (Kcal) 577,66 694,44 1.378,8# 41,89** 50,36** Antes = valores antes do recebimento das doações; Após = valores após recebimento das doações do Banco de Alimentos. * = AI (Ingestão Adequada); ND = Não determinado; # = EER- Estimativa da necessidade energética (obtido com os valores médios de idade, peso e altura); ** = % de Adequação abaixo da EAR. a≠b, c≠d: teste de Wilcoxon. 29 SILVEIRA, B. C.; NOLASCO, S. A. V. N.; LOPES, V. A. A.; NETTO, M. P.; COSTA, F. M. Impacto da complementação alimentar fornecida por um banco de alimentos, no estado nutricional de crianças de 1 a 6 anos de uma creche em Ibirité/Minas Gerais. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 23-35, abr. 2011. DISCUSSÃO De acordo com Batista Filho (2003), apesar de o crescimento mundial da produção de alimentos, no Brasil, esse fato não assegurou o desaparecimento da fome e da desnutrição. As políticas públicas de combate à fome, existentes no Brasil, visam à segurança alimentar e nutricional das pessoas que vivem em situação de maior vulnerabilidade social, garantindo-se, por lei, o direito humano à alimentação. O Banco de Alimentos é um dos programas de alimentação que tem por finalidade evitar o desperdício e combater a fome (BELIK; SILVA; TAKAGI; 2001; COUTINHO; LUCATELLI, 2006; HIRAI; ANJOS, 2007; SOARES et al., 2006), contribuindo para a melhoria da alimentação e do estado nutricional e de saúde da população beneficiada. O conjunto de ações de tais políticas implica também a melhoria do aspecto social, conduzindo ao bem estar. É importante ressaltar que todos os programas voltados para a segurança alimentar do país devem estar interligados devido à alta complexidade destas ações (PESSANHA, 2004). A acessibilidade alimentar deve ser baseada em três pilares: quantidade, qualidade e a regularidade, a fim de obter resultados satisfatórios para os beneficiários (BELIK, 2003). Os resultados obtidos no estudo mostram que os índices antropométricos, peso/ estatura, peso/idade, IMC/idade e estatura/idade, sofreram pouca interferência após as doações de alimentos, provavelmente devido ao curto tempo entre as avaliações; sendo as mudanças ponderais mais significativas que as estaturais, fato esperado, pois a primeira ocorre mais precocemente que a segunda. Apesar da pouca interferência, é importante lembrar que os índices antropométricos podem ser considerados indicadores benéficos para a saúde, pois possibilitam analisar a evolução física alcançada (FERNANDES; GALLO; ADVÍNCULA, 2006). Embora não tenham sido notados valores estatisticamente significativos para todos os índices antropométricos, perceberam-se pequenas diferenças como a melhora nos percentuais de inadequação e das médias de escore-z. Já na avaliação do cardápio oferecido pela creche, houve um aumento significativo tanto de macro e micronutrientes, o que pode impactar positivamente no estado nutricional das crianças e diminuição dos problemas nutricionais. Destaca-se a importância da avaliação dietética na detecção de situações de risco alimentar e nutricional para grupos populacionais (TUMA; COSTA; SCHIMITZ, 2005). Outros estudos também relatam o papel relevante da averiguação do consumo dietético na infância, pois a alimentação influencia de forma expressiva na promoção da saúde e na prevenção de doenças (BARBOSA et al., 2006; MELNIK et al., 1998; SUBAR, et al., 1992). Apesar de não terem sido avaliados os parâmetros bioquímicos nas crianças da creche, é de extrema importância estudos que versem sobre a ingestão de nutrientes adequados e 30 SILVEIRA, B. C.; NOLASCO, S. A. V. N.; LOPES, V. A. A.; NETTO, M. P.; COSTA, F. M. Impacto da complementação alimentar fornecida por um banco de alimentos, no estado nutricional de crianças de 1 a 6 anos de uma creche em Ibirité/Minas Gerais. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 23-35, abr. 2011. os benefícios que estes representam à infância, a fim de prevenir deficiências nutricionais. Conforme revelado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF (1998) e Tonete, Carvalhaes e Trezza (2003), a deficiência, em longo prazo, implica a imunossupressão do sistema imunológico e limita a capacidade de aprendizagem e a socialização. Além disso, a alimentação, nesta fase da vida, consiste em fornecer inovações ao paladar (BARBOSA et al., 2005). Com o recebimento das doações, houve uma variabilidade na ingestão de frutas e hortaliças no cardápio da creche, fato que contribuiu para o aumento significativo de vitamina A e vitamina C e que pode acarretar um papel relevante para o desenvolvimento das crianças. Tal afirmativa é demonstrada no estudo de Silva et al. (2000) no qual se aponta, que o fornecimento de uma alimentação adequada na infância, tanto em quantidade quanto em qualidade, auxilia no crescimento, desenvolvimento cognitivo e fisiológico, além de favorecer o sistema imunológico promovendo a saúde nesta faixa etária. Na análise do cardápio oferecido às crianças da creche, observou-se um aumento relevante de vitamina A, após o recebimento das doações de alimentos. A vitamina A é um nutriente essencial, importante para o sistema imunológico, visão, reprodução, metabolismo, crescimento, formação dos ossos e dentes (GERMANO; CANNIATTI; BRAZACA, 2004; RAMALHO et al., 2004). A deficiência desse nutriente é considerada um dos principais distúrbios nutricionais presentes em grande parte da população dos países subdesenvolvidos, atingindo principalmente crianças (ODORIZZI; MATOS; HENN, 2008; PAIVA et al., 2006). Segundo Ramalho (2008), estima-se que existam 2,2 milhões de crianças brasileiras, em idade pré-escolar, com níveis inadequados de vitamina A. No Brasil, mesmo sendo um país rico em frutas, vegetais e hortaliças, evidenciam-se consideráveis desigualdades sociais e econômicas, levando a inacessibilidade a estes alimentos, fato que pode justificar a ocorrência da deficiência da vitamina C (COSTA et al., 2001). A distribuição de frutas e hortaliças é foco principal do Banco de Alimentos relatado neste estudo, e a partir desta evidenciou-se aumento no aporte de vitamina C, o que contribui, além de outros benefícios, para uma melhor biodisponibilidade de ferro. No presente estudo, verificou-se que, na faixa etária de 1 a 3 anos, houve uma melhora expressiva na disponibilidade média de ferro, ao comparar a primeira avaliação com a segunda. As crianças em idade pré-escolar estão entre as populações de risco com mais probabilidade de deficiência de ferro, o que contribui para prejuízos no seu desenvolvimento e propicia um problema de saúde pública (CASTRO et al., 2005; SCHIMITZ et al., 1998). Diante da importância do ferro na alimentação das crianças, sua deficiência, mesmo em quantidade moderada, é preocupante porque poderá ter como consequência a anemia, acarretando prejuízos ao crescimento e desenvolvimento cognitivo (BARBOSA; SOARES; LANZILLOTTI, 2007). E mais, a deficiência de ferro é considerada de maior prevalência entre as carências nutricionais existentes, sendo assim, torna-se importante a presença desse nutriente na alimentação da população (BRUNKEN; SZARFARC, 1999). 31 SILVEIRA, B. C.; NOLASCO, S. A. V. N.; LOPES, V. A. A.; NETTO, M. P.; COSTA, F. M. Impacto da complementação alimentar fornecida por um banco de alimentos, no estado nutricional de crianças de 1 a 6 anos de uma creche em Ibirité/Minas Gerais. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 23-35, abr. 2011. Na análise do cálcio oferecido às crianças, evidenciou-se que não houve um aumento entre as avaliações, já que os alimentos doados pelo Prodal Banco Alimentos não são fontes ricas desse componente; constatou-se assim, a manutenção dos níveis de cálcio abaixo do recomendado. Outro estudo, que avaliou a oferta desse mediador celular em seis creches, também demonstrou que as crianças ingerem quantidades inadequadas do mineral, o que prejudica a formação de sua massa óssea (SANTOS et al., 2001). Porém, o pequeno aumento proporciona benefício para essas crianças, uma vez que o cálcio é um mineral essencial para o organismo, devido ao seu papel no fortalecimento de ossos e dentes, além de ser importante para o funcionamento correto do sistema nervoso e imunológico, bem como para a contração muscular, coagulação sanguínea e pressão arterial (FELIPE et al., 2006). A ingestão de proteína, na dieta das crianças menores de dois anos no Brasil, é superior à recomendada, como mostrado no estudo multicêntrico de consumo alimentar (BRASIL, 2002; BRIGHENTI; FERNANDEZ; SALADO, 2003). Isso confirma os dados obtidos neste estudo, em que se observou um consumo proteico acima das necessidades recomendadas, para todas as faixas etárias. De acordo com Fidelis e Osório (2007) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1977) esses valores de proteína acima do recomendado, reforçam os dados do Brasil que apontam a deficiência de energia mais constante do que a deficiência proteica. CONCLUSÃO O Banco de Alimentos teve um papel relevante na alimentação oferecida às crianças da creche, visto que, no início da pesquisa, a creche disponibilizava pouca variedade de alimentos no cardápio; e, após as doações de frutas e hortaliças houve uma melhora nos valores dietéticos. Do ponto de vista antropométrico, a evolução foi pequena, entretanto percebeu-se diminuição nos índices de distrofia, corroborando, assim, com o impacto positivo no estado nutricional das crianças assistidas. REFERÊNCIAS/REFERENCES ARAÚJO, T. C. A.; CAMPOS, B. D. A. J. Subsídios para a avaliação do estado nutricional de crianças e adolescentes por meio de indicadores antropométricos. Alim. nutr., v. 19, n. 2, p. 219-225, 2008. BARBOSA, R. M. S.; CROCCIA, C.; CARVALHO, C. G. N.; FRANCO, V. C.; SALLES-COSTA, R.; SOARES, E. A. Consumo alimentar de crianças com base na pirâmide alimentar brasileira infantil. Rev. nutr., v. 18, n. 5, p. 633-641, 2005. BARBOSA, R. M. S.; CARVALHO, C. G. N.; FRANCO, V. 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B.; COSTA, T. H. M.; SCHMITIZ, B. A. S. Avaliação antropométrica e dietética de pré- escolares em três creches de Brasília, Distrito Federal. Rev. bras. saúde matern. infant., v. 5, n. 4, p. 419-428, 2005. 35 36 Artigo original/Original Article Ocorrência de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos em unidades de alimentação e nutrição Occurrence of Staphylococcus spp. and S. aureus on surfaces used for preparing food in a food service ABSTRACT JERÔNIMO, H. M. A.; QUEIROGA, R. C. R. E.; COSTA, A. C. V.; BARBOSA, I. M.; CONCEIÇÃO, M. L.; SOUZA, E. L. Occurrence of Staphylococcus spp. and S. aureus on surfaces used for preparing food in a food service. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr. = J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 37-48, abr. 2011. This study aimed to assess the occurrence and population kinetics of Staphylococcus spp. and S. aureus on surfaces used for preparing foods in ten food services in the city of João Pessoa, State of Paraíba, Brazil. Out of 160 samples collected from ten different food services, 70 (43.5%) were collected from surfaces used for preparing meat, 67 (41.87%) from surfaces used for preparing vegetables, and 14 (8.75%) from surfaces used for handling ready-to-eat food items. The counts of Staphylococcus spp. ranged from < 101 (15%) from > 106 CFU/cm2 (13.75%), while for S. aureus the counts oscillated between <1.0 x 101 (81.25%) and 105 CFU/cm2 (7.5%). In the 48 surface samples collected in three food services at different times on the same day, 100% were contaminated by Staphylococcus spp. (< 101 - 5.0 x 101 CFU/cm2). For S. aureus, these counts were in a range from <101 - 4.0 x 105 CFU/cm2 to <1.0 x 101 - 3.6 x 103 CFU/cm2 on surfaces used for preparing vegetables and meat over the day, respectively. Generally, the highest counts for Staphylococcus spp. and S. aureus over a day were found on surfaces used for preparing vegetables. These results show a possible inefficacy of the hygiene methods in the food production environment, as well as the need for more adequate recommendations regarding the microbiological control of food-processing surfaces. HELOÍSA MARIA ÂNGELO JERÔNIMO1; RITA DE CÁSSIA RAMOS DO EGYPTO QUEIROGA2; ANA CAROLINY VIEIRA DA COSTA1; ISABELLA DE MEDEIROS BARBOSA1; MARIA LÚCIA DA CONCEIÇÃO1; EVANDRO LEITE DE SOUZA1 1Laboratório de Microbiologia de Alimentos, Departamento de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba 2Laboratório de Bromatologia, Departamento de Nutrição, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba Endereço para correspondência: Evandro Leite de Souza Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências da Saúde Departamento de Nutrição Campus I - CEP 58051-900, Cidade Universitária, João Pessoa, Paraíba, Brasil. E-mail: evandroleitesouza@ ccs.ufpb.br Keywords: Staphylococcus. Food and Nutrition Services. Contamination. 37 JERÔNIMO, H. M. A.; QUEIROGA, R. C. R. E.; COSTA, A. C. V.; BARBOSA, I. M.; CONCEIÇÃO, M. L.; SOUZA, E. L. Ocorrência de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos em unidades de alimentação e nutrição. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 37-48, abr. 2011. RESUMEN RESUMO Este trabajo ha evaluado la ocurrencia y la dinámica poblacional de Staphylococcus spp. y S. aureus en superficies de unidades de alimentación y nutrición de la ciudad de João Pessoa, Paraíba, Brasil. De 160 muestras r ecogidas en diez unidades distintas de alimentación y nutrición, 70 (43,75%) fueron de super ficies de preparación de carnes; 67 (41,87%) de superficies de preparación de vegetales; 14 (8,75%) de superficies de pr eparación de alimentos variados y 9 (5,63%) de alimentos procesados. El conteo de Staphylococcus spp osciló entre < 101 (15%) y > 106 UFC/cm2 (13,75%), mientras que el conteo de S. aureus estuvo entre <101 (81,25%) e 105 UFC/cm2 (7,5%). También fueron recogidas 48 muestras de superficies de preparación de carnes y vegetales en diferentes momentos de un mismo día y que presentaron 100% de contaminación por Staphylococcus spp (<101 – 2,9 x 105 UFC/cm2). Para S. aureus la variación del conteo estuvo entre < 101 e 4,0 x 105 UFC/ cm2 en superficies de preparo de vegetales y para las superficies de preparación de carnes < 101 e 4,0 x 105 UFC/cm2 y < 101 e 3,6 x 103 UFC/cm2, durante el día. Los más altos niveles de contaminación por Staphylococcus spp y S. aureus fueron encontrados en las superficies de preparo de vegetales. Estos resultados muestran una posible ineficacia dos procedimientos de higienización del ambiente y también, la necesidad de recomendaciones más adecuadas para lo control microbiológico de superficies en que se manipulan alimentos. Este trabalho objetivou avaliar a ocorrência e dinâmica populacional de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos de unidades de alimentação e nutrição da Cidade de João Pessoa, Paraíba. Do total de 160 amostras coletadas de 10 diferentes unidades de alimentação e nutrição, 70 (43,75%) foram de superfícies de preparo de carnes, 67 (41,87%) de superfícies de preparo de vegetais, 14 (8,75%) de superfícies de preparo de alimentos em geral e 9 (5,63%) de superfícies de alimentos prontos. A contagem de Staphylococcus spp. variou entre < 101 (15%) e > 106 UFC/cm2 (13,75%), enquanto que a contagem de S. aureus oscilou entre < 10 1 (81,25%) e 10 5 UFC/cm 2 (7,5%). Também foram coletadas 48 amostras de superfícies de preparo de vegetais e carnes em diferentes momentos do mesmo dia, das quais 100% apresentaram contaminação por Staphylococcus spp. (< 101 – 2,9 x 105 UFC/cm2). Para S. aureus as contagens variaram entre < 10 1 e 4,0 x 10 5 UFC/cm 2 em superfícies de preparo de vegetais, enquanto para as superfícies de preparo de carnes as contagens oscilaram entre < 101 - 4,0 x 105 UFC/cm2 e < 101 e 3,6 x 103 UFC/cm2. As mais altas contagens de Staphylococcus spp. e S. aureus foram encontradas nas superfícies de preparo de vegetais. Estes resultados evidenciam uma possível ineficácia dos procedimentos de higienização do ambiente, bem como a necessidade de recomendações mais adequadas para o controle microbiológico de superfícies de processamento de alimentos. Palabras clave: Staphylococcus. Servicios de alimentación y nutrición. contaminación. Palavras-chave: Staphylococcus. Unidade de alimentação e nutrição. Contaminação. 38 JERÔNIMO, H. M. A.; QUEIROGA, R. C. R. E.; COSTA, A. C. V.; BARBOSA, I. M.; CONCEIÇÃO, M. L.; SOUZA, E. L. Ocorrência de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos em unidades de alimentação e nutrição. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 37-48, abr. 2011. INTRODUÇÃO Com o passar do tempo, a vida moderna imprimiu um ritmo acelerado no cotidiano dos indivíduos. O deslocamento da população para os grandes centros urbanos, jornadas de trabalho contínuas, dificuldade de locomoção para casa, provocaram mudanças no estilo de vida dos indivíduos, e no que diz respeito à alimentação, teve como repercussão a mudança de hábitos alimentares com a introdução de refeições rápidas (BENEVIDES; LOVATTI, 2004; LIMA; OLIVEIRA, 2005; ROSSI et al., 2005). Com o aumento do número de empresas no setor de refeições coletivas, cujo crescimento é de cerca de 20% ao ano, aumentam também as perspectivas de ocorrência de doenças de origem microbiana transmitidas por alimentos, pois, observa-se que os alimentos tornaram-se mais expostos a uma série de perigos ou oportunidades de contaminação em decorrência da utilização de práticas incorretas de manipulação e processamento de alimentos (ALMEIDA et al., 1995; ANDRADE; SILVA; BRABES, 2003). Diante do conhecimento desta realidade, torna-se essencial que ocorra um rigoroso controle das condições higiênico-sanitárias nos locais onde os alimentos são manipulados para o consumo humano (ZACCARELLI; COELHO; SILVA, 2000). Em Serviços de Alimentação é bem estabelecida à relação do potencial de transmissão de microrganismos patogênicos para os alimentos durante o seu processamento e distribuição. Muitas bactérias patogênicas e deteriorantes de importância em alimentos são capazes de aderir a superfícies de ambientes de preparo e distribuição de alimentos, e permanecerem viáveis mesmo após a limpeza e desinfecção (AMMOR et al., 2004; RODE et al., 2007). A rota de contaminação através das superfícies é reconhecida como de grande necessidade de controle nas atividades rotineiras dos serviços de alimentação, de modo que tal controle pode ser alcançado através da implantação de um adequado programa de sanitização (REIJ; DEN AANTREKKER, 2004; VASSEUR et al., 2001). S. aureus é reconhecido como sendo o microrganismo patogênico mais comumente isolado de superfícies de serviços de alimentação (KUNIGK; ALMEIDA, 2001; SHALE et al., 2005). O gênero Staphylococcus, em especial a espécie Staphylococcus aureus, tem sido citado como a terceira mais importante causa de doenças microbianas transmitidas por alimentos notificadas em todo o mundo (ARAGON-ALEGRO et al., 2007; PELES et al., 2007), sendo responsável por quase 45% de todas as toxinfecções registradas (NORMANNO et al., 2005). Por apresentar características ubiquitárias, a ocorrência de surtos é favorecida, já que S. aureus se encontra amplamente disseminado nos ambientes de circulação do ser humano, fazendo do homem seu principal reservatório devido à colonização das vias nasais, garganta, pele e cabelos, atingindo de forma persistente 20 a 30% dos indivíduos saudáveis (NORMANNO et al., 2007). Assim, a transmissão de S. aureus aos alimentos se torna facilitada por meio de manipuladores assintomáticos ou não (STAMFORD et al., 2006), e por equipamentos e superfícies dos ambientes de produção de alimentos onde estes indivíduos realizam suas funções de trabalho (CHMIELEWSKI; FRANK, 2003). 39 JERÔNIMO, H. M. A.; QUEIROGA, R. C. R. E.; COSTA, A. C. V.; BARBOSA, I. M.; CONCEIÇÃO, M. L.; SOUZA, E. L. Ocorrência de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos em unidades de alimentação e nutrição. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 37-48, abr. 2011. Por suas características inerentes, S. aureus é reconhecido como possuidor de destacável virulência, desencadeando ampla gama de enfermidades que podem resultar em invasão direta dos tecidos, em bacteremia primária ou em intoxicação em decorrência da ação de suas enterotoxinas (AYCECEK; CAKIROGLU; STEVENSON, 2005). As enterotoxinas termoestáveis estão entre os mais notáveis fatores de virulência associados a S. aureus, visto que a sua estabilidade ao calor se constitui em uma das propriedades mais importantes em termos de segurança alimentar (BALABAN; RASOOLY, 2000; SANDEL; McKILLIP, 2004). De acordo com Lawrynowicz-Paciorek et al. (2007), atualmente são reconhecidos 20 tipos de EE, os quais se subdividem em dois grupos: as clássicas, compostas por cinco tipos: EEA, EEB, EEC1, 2, 3, EED e EEE; e as novas, formadas por EE e toxinas semelhantes à enterotoxinas (EE1), a saber: EEG, EEH, EEI, EE1J, EE1K, EE1L, EE1M, EE1N, EE1O, EE1P, EE1Q, EE1R, EE1U. Recentemente, foram identificados os tipos EE1U2 e EE1V e seus genes correspondentes descritos (KÉROUANTON et al., 2007). A atuação dos profissionais responsáveis pela qualidade dos alimentos produzidos em unidades de alimentação e nutrição deve ser eminentemente preventiva. Fundamentado em planos de amostragem bem definidos, o monitoramento por meio da avaliação microbiológica do ambiente, dos equipamentos, dos utensílios e dos manipuladores pode melhorar sensivelmente a qualidade dos alimentos servidos aos comensais (ANDRADE; SILVA; BRABES, 2003). Considerando a importância da qualidade higiênico-sanitária na alimentação diária e a grande utilização de estabelecimentos de alimentação coletiva por parte da população, este estudo teve como objetivo avaliar a ocorrência e dinâmica populacional de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos de origem animal e vegetal de diferentes unidades de alimentação e nutrição da Cidade de João Pessoa, Paraíba. METODOLOGIA COLETA DE AMOSTRAS Um total de 160 amostras de superfícies de preparo de alimentos de dez unidades de alimentação e nutrição, incluindo serviços públicos e privados, da cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil, foram analisadas para o grau de contaminação por Staphylococcus spp. e S. aureus. As amostras das superfícies de preparo de alimentos das diferentes unidades de alimentação e nutrição foram coletadas sempre durante o período da manhã, compreendendo o horário de preparação de refeições (almoço). As amostras foram obtidas através da utilização de swabs (02 por superfície) umidificados em solução salina 0,85% estéril, os quais foram friccionados em quatro pontos distintos (área de 25 cm²) de cada superfície. Após esta etapa, as porções finais dos swabs que entraram em contato com as superfícies foram assepticamente cortadas, utilizando-se bisturi esterilizado, 40 JERÔNIMO, H. M. A.; QUEIROGA, R. C. R. E.; COSTA, A. C. V.; BARBOSA, I. M.; CONCEIÇÃO, M. L.; SOUZA, E. L. Ocorrência de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos em unidades de alimentação e nutrição. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 37-48, abr. 2011. e acondicionadas em tubos de ensaio adicionados de 9mL de solução salina esterilizada. O sistema foi transportado em recipiente isotérmico até o local de realização das análises microbiológicas. O início das análises microbiológicas ocorreu dentro de um período máximo de 6 horas após a coleta das amostras. CONTAGEM DE STAPHYLOCOCCUS SPP. E S. AUREUS A metodologia empregada para a contagem de Staphylococcus spp. e S. aureus a partir das amostras de superfícies foi a descrita por Downes e Ito (2001), que consistiu em: preparação de diluições seriadas (10-1 – 10-4) das amostras das superfícies utilizando-se água peptonada 0,1% esterilizada como diluente; plaqueamento (alíquota de 100µL) das diluições seriadas em ágar Baird-Parker (meio seletivo diferencial para o gênero Staphylococcus) adicionado de telurito de potássio a 1% e emulsão de gema de ovo (50mL para cada 1L de ágar); isolamento das colônias características do gênero Staphylococcus (colônias circulares, pretas, pequenas, lisas, convexas, com bordas perfeitas, apresentando massa de células esbranquiçadas nas bordas, rodeadas por uma zona opaca e/ou halo transparente se estendendo para além da zona opaca) em tubos inclinados contendo ágar Nutriente. Em seguida, foram submetidas aos testes de identificação de S. aureus através de provas bioquímicas (coloração de Gram positiva, atividade de catalase positiva, reação de coagulase positiva, teste de produção de termonuclease positivo, teste de fermentação do manitol positivo e teste de fermentação de glicose positiva). Os resultados foram expressos em Unidades Formadoras de Colônia por centímetro quadrado (UFC/cm2). DINÂMICA POPULACIONAL DE STAPHYLOCOCCUS SPP. E S. AUREUS NAS SUPERFÍCIES Neste estudo, foi realizada a contagem de Staphylococcus spp. e S. aureus nas superfícies de preparo de carnes e superfícies de preparo de vegetais de três diferentes unidades de alimentação e nutrição em diferentes momentos de um mesmo dia, a fim de se verificar as alterações de carga microbiana ao longo de um período de atividades. Para tal, fez-se a coleta de amostras antes do início das atividades de preparo de alimentos, durante o período das atividades de preparo (dividido em dois subperíodos) e após a execução do procedimento de higienização próprio de cada unidade. Para a coleta e transporte das amostras, bem como para a realização das análises microbiológicas foi utilizada a mesma metodologia citada no item anterior, sendo os resultados das contagens nos diferentes períodos expressos em UFC/cm2. RESULTADOS Na tabela 1, é apresentada a distribuição das amostras das diferentes superfícies de preparo de alimentos das dez unidades de alimentação e nutrição, as quais perfizeram um 41 JERÔNIMO, H. M. A.; QUEIROGA, R. C. R. E.; COSTA, A. C. V.; BARBOSA, I. M.; CONCEIÇÃO, M. L.; SOUZA, E. L. Ocorrência de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos em unidades de alimentação e nutrição. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 37-48, abr. 2011. total de 160 amostras. Dentre estas, 70 (43,75%) foram de superfícies de preparo de carnes, 67 (41,88%) de superfícies de preparo de vegetais, 14 (8,75%) de superfícies de preparo de alimentos em geral (incluindo o preparo de alimentos de origem animal e vegetal na mesma superfície) e 9 (5,63%) de superfícies de manipulação de alimentos prontos. Tabela 1 – Distribuição das amostras de superfícies coletadas em unidades de alimentação e nutrição da Cidade de João Pessoa-PB, de acordo com o tipo de alimento manipulado Tipo de superfície (alimento manipulado) Número de superfícies Representação percentual Carnes 70 43,75 Vegetais 67 41,88 Preparo de Alimentos em Geral* 14 8,75 9 5,63 160 100% Alimentos Prontos Total * quando a unidade de alimentação e nutrição não apresentava superfícies de preparo diferentes para vegetais e carnes. Os resultados relativos à distribuição de frequência das contagens de Staphylococcus spp. e S. aureus em 160 amostras de superfícies de preparo de alimentos de unidades de alimentação e nutrição estão apresentados na tabela 2. Observa-se, que a contagem de Staphylococcus spp. variou entre < 101 (15%) e > 106 UFC/cm2 (13,75%), enquanto que a contagem de S. aureus, apresentou uma variação entre < 101 (81,25%) e 105 UFC/cm2 (7,5%). Tabela 2 – Distribuição de frequência das contagens de Staphylococcus spp. e Staphylococcus aureus em superfícies de preparo de alimentos em diferentes unidades de alimentação e nutrição da Cidade de João Pessoa-PB Intervalo de contagem (UFC/cm2) Número de superfícies Representação percentual Staphylococcus aureus Número de superfícies Representação percentual < 101 24 15 130 81,25 101 – 102 2 1,25 1 0,63 102 – 103 12 7,5 9 5,62 103 – 104 36 22,5 8 5 – 105 28 17,5 12 7,5 – 106 104 105 36 22,5 0 0 106 22 13,75 0 0 Total 160 100% 160 100% > 42 Staphylococcus spp. JERÔNIMO, H. M. A.; QUEIROGA, R. C. R. E.; COSTA, A. C. V.; BARBOSA, I. M.; CONCEIÇÃO, M. L.; SOUZA, E. L. Ocorrência de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos em unidades de alimentação e nutrição. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 37-48, abr. 2011. Nas tabelas 3 e 4, são mostrados os resultados da contagem de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de vegetais e carnes, respectivamente, de unidades de alimentação e nutrição em diferentes momentos de um mesmo dia. Todas as 48 amostras analisadas apresentaram contaminação por Staphylococcus spp., de modo que o período que apresentou as mais altas contagens foi aquele relacionado ao intervalo de manipulação dos alimentos. Tabela 3 – Dinâmica populacional (UFC/cm 2 ) de Staphylococcus spp. e Staphylococcus aureus em superfícies de preparo de vegetais de Unidades de alimentação, em diferentes momentos em um mesmo dia, em diferentes unidades de alimentação e nutrição da Cidade de João Pessoa-PB Unidade 01 Coleta Períodos Unidade 02 Unidade 03 Staphylococcus Staphylococcus Staphylococcus S. aureus S. aureus S. aureus spp. spp. spp. 5 x 101 < 101 1,0 x 102 < 101 1,9 x 102 < 101 1,9 x 103 < 101 1,0 x 105 1,0 x 104 2,9 x 105 < 101 1,2 x 103 < 101 4,8 x 104 < 101 5,6 x 102 1,6 x 102 Após sanitização 1,0 x 102 < 101 4,0 x 103 1,0 x 104 5,0 x 102 < 101 Antes 4,0 x 101 < 101 4,0 x 102 3,0 x 103 4,0 x 101 < 101 1,6 x 104 < 101 4,0 x 104 4,0 x 105 1,0 x 103 < 101 5,2 x 103 5,2 x 104 1,7 x 104 1,0 x 105 1,9 x 104 < 101 4,0 x 103 < 101 2,0 x 102 2,0 x 103 1,4 x 103 < 101 Antes Coleta Durante 1 01 Durante 2 Coleta Durante 1 02 Durante 2 Após sanitização Tabela 4 – Dinâmica populacional (UFC/cm2) de Staphylococcus spp. e Staphylococcus aureus em superfícies de preparo de carnes de Unidades de alimentação, em diferentes momentos em um mesmo dia, em diferentes unidades de alimentação e nutrição da Cidade de João Pessoa-PB Unidade 01 Coleta Períodos Unidade 02 Unidade 03 Staphylococcus Staphylococcus Staphylococcus S. aureus S. aureus S. aureus spp. spp. spp. 4,0 x 101 < 101 1,5 x 103 < 101 4,0 x 101 < 101 3,1 x 104 < 101 4,0 x 105 < 101 4,0 x 101 < 101 1,0 x 103 < 101 2,6 x 102 < 101 1,7 x 103 < 101 Após sanitização 1,1 x 104 < 101 1,2 x 103 < 101 2,0 x 102 < 101 Antes 1,4 x 102 < 101 1,5 x 103 3 x 102 9,0 x 101 < 101 2,2 x 103 < 101 1,9 x 104 3,6 x 103 7,5 x 103 < 101 5,0 x 102 < 101 6,6 x 104 < 101 7,3 x 103 < 101 1,0 x 103 < 101 4,1 x 103 < 101 2,3 x 104 < 101 Antes Coleta Durante 1 01 Durante 2 Coleta Durante 1 02 Durante 2 Após sanitização 43 JERÔNIMO, H. M. A.; QUEIROGA, R. C. R. E.; COSTA, A. C. V.; BARBOSA, I. M.; CONCEIÇÃO, M. L.; SOUZA, E. L. Ocorrência de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos em unidades de alimentação e nutrição. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 37-48, abr. 2011. Com relação à dinâmica populacional de S. aureus nas superfícies de preparo de vegetais, a Unidade 01 e a Unidade 03, apresentaram resultados semelhantes, onde 07 amostras apresentaram contagens inferiores a 101 UFC/cm2, enquanto somente 01 amostra de cada unidade (01 e 03) apresentou contagem de 5,2 x 104 e 1,6 x 102 UFC/cm2, respectivamente. Na Unidade 02, 06 amostras apresentaram contagens variando entre 2,0 x 103 e 4,0 x 105 UFC/cm2. Ainda, 02 amostras de superfícies de preparo de vegetais coletadas na Unidade 02 apresentaram contagens inferiores a 101 UFC/cm2. Considerando a dinâmica populacional de Staphylococcus spp. nas superfícies de preparo de carnes, a unidade 02 apresentou as mais elevadas contagens (2,6 x 102 – 4,0 x 105 UFC/cm2). Para as unidades 01 e 03, as contagens de Staphylococcus spp. apresentaram-se inferiores ao longo dos diferentes períodos de coleta durante o dia. Na Unidade 02, também foram verificadas contagens de S. aureus entre <101 e 3,6 x 103 UFC/cm2. Nas demais unidades, as contagens de S. aureus foram sempre <101 UFC/cm2 nos diferentes intervalos de análise. Outro fato observado, é que mesmo após a sanitização das superfícies, 100% das amostras apresentaram contaminação por Staphylococcus spp., atingindo contagens de 2,0 x 103 e 2,3 x 104 UFC/cm2 para superfícies de vegetais e carnes, respectivamente. DISCUSSÃO A detecção de microrganismos em altas contagens em superfícies e bancadas dos setores de preparo de alimentos demonstra a importância desses locais como fontes potenciais de disseminação de microrganismos para o ambiente de unidades de alimentação e nutrição, principalmente através da contaminação cruzada de alimentos. Cabe ressaltar, que a contaminação cruzada tem sido frequentemente relatada como fator responsável pela ocorrência de enfermidades de origem alimentar (BRYAN, 1998; SILVA JÚNIOR, 2002). Com relação à ocorrência de S. aureus em superfícies de unidades de alimentação e nutrição (Tabela 2), as contagens obtidas para 30 (contagens superiores a 101 UFC de S. aureus por cm2) das amostras analisadas apresentaram resultados superiores àqueles encontrados por Martins et al. (2007), que analisando superfícies de preparo de dieta enteral, obtiveram contagens de S. aureus < 0,4 UFC/cm2. Ao analisar as condições higiênico-sanitárias do preparo da merenda escolar em escolas da rede estadual de ensino de Curitiba (Paraná, Brasil), Piragine (2005) verificou a ausência de S. aureus nas amostras analisadas do ambiente (equipamentos e utensílios) de produção. Silva (2006) obteve contagem de Staphylococcus coagulase positiva variando entre < 102 e 2,3 x 102 UFC/ cm2, em estudo de avaliação da qualidade microbiológica de utensílios e superfícies de manipulação de alimentos de unidade de alimentação. Um estudo de análise de risco desenvolvido em um restaurante universitário por Nascimento (1992), levou a concluir serem as bancadas do setor de pré-preparo de frutas e hortaliças um ponto crítico expressivo na contaminação destes alimentos. Esses resultados 44 JERÔNIMO, H. M. A.; QUEIROGA, R. C. R. E.; COSTA, A. C. V.; BARBOSA, I. M.; CONCEIÇÃO, M. L.; SOUZA, E. L. Ocorrência de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos em unidades de alimentação e nutrição. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 37-48, abr. 2011. corroboram àqueles relatados por Rêgo, Guerra e Pires (1997), nos quais se evidenciou que dentre as áreas que apresentaram elevados graus de contaminação por bactérias aeróbias mesófilas destacaram-se as áreas de preparo de frutas e hortaliças. De acordo com Silva Júnior (2002), existem critérios que refletem a realidade de alguns países economicamente desenvolvidos e que servem como base para determinar valores relativos às condições de manipulação que se aproximem da realidade brasileira. A American Public Health Association (1984) estabelece que contagens até 2 UFC/cm2 de bactérias aeróbias mesófilas são consideradas satisfatórias, enquanto que contagens acima desse valor são reconhecidas como insatisfatórias. No entanto, Silva Júnior (2002) preconiza uma contagem menor ou igual a 50 UFC/cm2 de bactérias aeróbias mesófilas como limite para equipamentos e utensílios, em razão principalmente das condições de temperatura ambiental do Brasil. Considerando este último padrão, suas limitações de aplicação, e tomando como base o fato de bactérias do gênero Staphylococcus serem aeróbias facultativas mesófilas, verifica-se uma inadequação de mais de 70% (contagem superior a 102 UFC/cm2 de Staphylococcus spp.) das superfícies de preparo de alimentos analisadas no presente estudo (Tabela 2). As superfícies de preparo de vegetais apresentaram maiores contagens de Staphylococcus spp. e Staphylococcus aureus quando comparadas às superfícies de manipulação de carnes. De acordo com Nascimento, Silva e Cantanozi (2003), os vegetais apresentam potencial de risco na transmissão de agentes patogênicos relacionados a surtos de doenças transmitidas por alimentos. A contaminação de alimentos vegetais por S. aureus pode ocorrer principalmente naqueles que sofrem intensa manipulação durante o seu pré-preparo e preparo, ou naqueles que são produzidos em ambientes que possuem equipamentos e utensílios não devidamente higienizados. Ressalta-se também, que as condições inadequadas de higiene dos manipuladores e do ambiente de produção favorecem, em particular, os pontos de perigo na produção quando o produto é consumido in natura. Segundo Silva Júnior (2002), a higiene pessoal é um dos fatores mais importantes relacionados à higiene dos alimentos, pois o homem é direta ou indiretamente responsável por contaminar matérias-primas, superfícies ou mesmo diretamente os alimentos durante a manipulação. Germano, Germano e Karnei (2000) ressaltam que saúde e alimentos estão estritamente relacionados, e que os avanços tecnológicos na produção e o aumento no consumo resultaram na mudança dos padrões sanitários de toda a cadeia, com vistas a evitar ou diminuir os riscos de doenças transmitidas por alimentos, particularmente aquelas de origem microbiana, por meio da qualidade e segurança dos alimentos. CONCLUSÃO Considerando-se os valores de contagem para Staphylococcus spp. e S. aureus obtidos no presente estudo, constata-se uma possível ineficácia das práticas higiênico- 45 JERÔNIMO, H. M. A.; QUEIROGA, R. C. R. E.; COSTA, A. C. V.; BARBOSA, I. M.; CONCEIÇÃO, M. L.; SOUZA, E. L. Ocorrência de Staphylococcus spp. e S. aureus em superfícies de preparo de alimentos em unidades de alimentação e nutrição. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 37-48, abr. 2011. sanitárias adotadas pelas unidades de alimentação e nutrição em estudo. Ainda, tais achados repercutem em uma necessidade de conscientização dos gestores de serviços de alimentação em formular e colocar em prática estratégias eficazes de capacitação dos manipuladores de alimentos produzidos em seus estabelecimentos, evitando assim à contaminação cruzada dos alimentos, e consequentemente a ocorrência de surtos de intoxicação alimentar estafilocócica. REFERÊNCIAS/REFERENCES ALMEIDA, R. C. C.; KUAYE, A. Y.; SERRANO, A. M.; ALMEIDA, P. Avaliação e controle da qualidade microbiológica de mãos de manipuladores de alimentos. Rev. saúde pública, v. 29, n. 4, p. 38-45, 1995. AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Technical committee on micr obiological methods for foods. Compendium of methods for the examination of foods. Washington: APHA, 1984. AMMOR, S.; CHEVALLIER, I.; LAGUE, A.; LABADILE, J.; TALON, R.; DUFOUR, E. 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The aim of the present study was to point out the socio-economic, dietary and anthropometric profiles in school-age residents of rural settlements in Pacatuba (State of Sergipe, Brazil). Nutritional status was assessed through Body Mass Index (BMI)/age (weight evaluation) and height/age (growth evaluation) using z-score. Food intake was assessed by a 24-hour recall method and analyzed using Dietary Reference Intakes. The participants included 145 children and teenagers, whose legal guardians had informal jobs (79%) (agriculture and handicraft) and received less than a minimum wage per month (82%), also 35% of the participant’s mothers had attended school for less than 3 years. According to BMI/age and height/ age indexes, the studied population presented a weight and growth deficit (children, 7.1%, and teenagers, 14.8%; P>0.05). According to gender, the girls presented a higher prevalence of weight deficit (P>0.05). The energy intake of children and teenagers was considered inadequate (72.6% and 63.9%, respectively, of the daily value recommendation). The analysis of micronutrients showed a high probability of inadequate consumption of iron, zinc, vitamin A and calcium in both studied groups. These findings indicate that the socioeconomic and nutritional status are factors which determine the nutritional situation of this population, thus justifying the relevance of the scholar’s nutrition surveillance. DIVA ALIETE DOS SANTOS VIEIRA1; DAYANNE DA COSTA1; JAMILLE OLIVEIRA COSTA1; FERNANDO FLEURY CURADO2; RAQUEL SIMÕES MENDES-NETTO1 1Núcleo de Nutrição – Universidade Federal de Sergipe 2Centro de Pesquisa Agropecuária dos Tabuleiros Costeiros - EMBRAPA/CPATC Depto. onde foi realizado: Núcleo de Nutrição – Universidade Federal de Sergipe Endereço para correspondência: Raquel Simões Mendes Netto Núcleo de Nutrição da Universidade Federal de Sergipe Cidade Universitária Prof. “José Aloísio de Campos” Av. Marechal Rondon, s/n Jardim Rosa Elze São Cristóvão – SE CEP 49100-000 E-mail: [email protected] Agradecimentos: os autores agradecem o apoio da EMBRAPA, AGROSALUD, HAVERST PLUS, SEIDS/GOVERNO DO ESTADO DE SERGIPE. Keywords: Nutritional Status. Food Consumption. Rural Settlements. 49 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. RESUMEN RESUMO La evaluación del estado nutricional es un parámetro clave para medir la salud de una población. Este estudio tuvo como objetivo caracterizar el perfil socio-económico, dietético y antropométrico de estudiantes de una región de asentamientos rurales en la ciudad de Pacatuba, SE, Brasil. Para la evaluación del estado nutricional se adoptaron los índices IMC/I (evaluación ponderal) y talla/edad (evaluación del crecimiento) y para la clasificación, el escore Z. La evaluación del consumo alimentar se llevó a cabo por medio de la aplicación del recordatorio de 24 horas que fue analizado según las Ingestiones Dietéticas de Referencia. Fueron evaluados 145 niños y adolescentes y cuyos responsables: 79% tenían trabajos informales (jardinería y artesanía), 82% recibía menos de un salario mínimo al mes y 35% de las madres tenía menos de tres años de escolaridad. Según el índice IMC/A y T/E, el 10,3% de la población estudiada presentaba déficit ponderal y de estatura, siendo el 7,1% en los niños y el 14,8% en los adolescentes (p> 0,05). Cuando analizamos en relación al género, las niñas presentaron mayor prevalencia de déficit ponderal (p <0,05). El consumo de energía fue insuficiente para los niños y adolescentes que mostraron respectivamente solo el 72,6% y 63,9% de las necesidades diarias suplidas. Cuando evaluamos los micronutrientes se percibe una alta probabilidad de inadecuación de consumo de hierro, zinc, vitamina A y calcio en los dos grupos estudiados. Los resultados indican que las condiciones socio-económicas y el perfil alimentar son factores determinantes de la situación nutricional de esta población, justificando así la importancia de vigilar el estado nutricional de los estudiantes. A avaliação da situação nutricional é um parâmetro essencial para aferição das condições de saúde de uma população. O presente estudo tem como objetivo caracterizar o perfil socioeconômico, dietético e antropométrico de escolares de uma região de assentamento rural no município de Pacatuba-SE. Na avaliação do estado nutricional, foram adotados os índices IMC/I (avaliação ponderal) e Altura/ idade (avaliação do crescimento), utilizando a classificação por escore Z. A avaliação do consumo alimentar foi realizada através da aplicação do recordatório de 24h e analisada segundo as Ingestões Dietéticas de Referência. Foram avaliadas 145 crianças e adolescentes em que 79% dos seus responsáveis tinham trabalhos informais (roça e artesanatos), 82% recebiam menos de um salário mínimo por mês e 35% das mães tinham menos de três anos de escolaridade. Segundo os índices IMC/I e A/I, 10,3% da população estudada apresentou déficit ponderal e estatural, sendo 7,1% em crianças e 14,8% em adolescentes (p>0,05). Quando os dados foram analisados quanto ao gênero, as meninas apresentaram maior prevalência de déficit ponderal (p<0,05). O consumo de energia foi insuficiente para crianças e adolescentes, apresentando, respectivamente, 72,6% e 63,9% das necessidades diárias. Quando avaliados os micronutrientes houve uma alta probabilidade de inadequação de consumo para ferro, zinco, vitamina A e cálcio para os dois grupos analisados. Os resultados apresentados indicam que as condições socioeconômicas e o perfil alimentar sejam fatores determinantes da situação nutricional desta população, justificando assim a importância da vigilância do estado nutricional de escolares. Palabras clave: Estado nutricional. Consumo de alimentos. Asentamientos Rurales. Palavras-chave: Estado nutricional. Consumo de alimentos. Assentamentos rurais. 50 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. INTRODUÇÃO A investigação sobre estado nutricional de crianças e adolescentes é um importante instrumento que reflete as condições de saúde e vida da população. Em uma análise de cinco estudos sobre a situação nutricional da população brasileira, realizados em 1974-1975, 1989, 1996 e 2002-2003, 2008-2009 percebeu-se que houve uma melhora no estado nutricional das crianças e adolescentes residentes na zona rural em relação à zona urbana, o que pode ter ocorrido devido a um maior acesso dessa população ao serviço básico de saúde. No entanto, tais resultados ainda carecem de fundamentação, pois, notadamente, as condições de vida na zona rural são piores, desenhando um quadro nutricional mais desfavorável do que o observado na zona urbana. Apesar da queda na prevalência de desnutrição infantil nos cinco estudos, esta redução se deu de forma diferenciada no território nacional, o que intensificou as desigualdades entre as regiões Sul e Sudeste em relação ao Norte e Nordeste. Sendo importante relatar que apesar de a região Nordeste ser a mais acometida pela desnutrição no país, entre os anos de 1996 e 2008-2009, a nutrição infantil evoluiu de forma particularmente favorável no meio rural (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010; VEIGA; BURLANDY, 2001). Nesta reflexão acerca do urbano e do rural encontra relevância o debate sobre o papel da reforma agrária e os aspectos da alimentação e nutrição da população de assentamentos rurais na compreensão sobre a segurança alimentar das famílias beneficiadas pela política de terras no Brasil. Neste sentido, ganha visibilidade as discussões sobre a abordagem do direito humano à alimentação adequada, especialmente no que se refere à “qualidade dos alimentos ingeridos do ponto de vista nutricional, higiênico, biológico, tecnológico e da ausência de produtos nocivos à saúde (agrotóxicos, hormônios, aditivos, etc.)” (VALENTE, 2002). Tal discussão aponta para a importância de estudos que permitam uma melhor compreensão sobre as transformações ocorridas na realidade alimentar e nutricional de famílias em diferentes localidades no País, quando uma nova situação de vida se desenvolve com o ingresso nos assentamentos rurais. As diversas situações que se descrevem na conformação de assentamentos rurais, moldadas pelos diferentes contextos socioeconômicos e ambientais que se pode observar nas regiões brasileiras, carecem de informações sobre o quadro nutricional das crianças, adolescentes e gestantes no sentido de orientar ações de políticas públicas com estratégias bem definidas no sentido de se assegurar a segurança alimentar e nutricional nestes novos espaços de vida e produção. A luta pela reforma agrária no País remonta os anos 50 do século passado, porém, foi nos anos 80 que os assentamentos rurais ganham expressividade no cenário nacional (MEDEIROS, 1989; MEDEIROS; ESTERCI, 1994). O Assentamento Rural é definido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA como uma unidade empresarial associativa, de base familiar, autônoma e gerida pelos trabalhadores, que visa o desenvolvimento econômico e social do conjunto de assentados (INSTITUTO NACIONAL E REFORMA AGRÁRIA, 1996). No Brasil, a definição de assentamento rural 51 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. “esteve atrelada a uma atuação estatal direcionada ao controle e à delimitação do novo ‘espaço’ criado e, por outro lado, às características do processo de luta e conquista pela terra, encaminhados pelos trabalhadores rurais” (LEITE, 2005). O assentamento rural representa um espaço que expressa conteúdos históricos, no qual se materializam relações sociais, sendo neste local onde ocorrem as atividades dos trabalhadores rurais que conquistaram esse espaço e transformam em um território com identidade própria, transformando-o em seu meio de sobrevivência. Os assentamentos rurais vêm crescendo no Brasil, especialmente nas últimas décadas. No período de 1986/2005, foram criados, somente em Sergipe, 131 assentamentos rurais pelo INCRA, sendo assentadas 6.329 famílias (LOPES, 2008). De acordo com Paulilo (1994), as famílias assentadas possuem melhores condições de vida se comparadas aos marginalizados urbanos. No entanto, não se observa uma uniformidade entre a comunidade assentada do país apresentando grande variabilidade nas condições socioeconômicas entre eles e entre as famílias residentes em um mesmo assentamento (GUANZIROLI, 1994). Em Sergipe, a ação dos movimentos sociais de luta pela terra teve início no começo dos anos 80, com a conquista do primeiro assentamento de reforma agrária a partir do conflito social envolvendo posseiros e a Seragro Serigy Agroindustrial Ltda no povoado Santana do Frades, município de Pacatuba (RAMOS FILHO, 2009). Em Sergipe, ainda, são escassos os estudos de avaliação nutricional, porém um levantamento feito a partir dos dados disponíveis no DATASUS (Tecnologia de Informação a Serviço do SUS) mostrou cerca de 9% de desnutrição em Sergipe e de 20,7% no município Pacatuba, sendo considerado o maior do Estado (MORAIS; JAGUAR; MENDES-NETTO, 2008). Em relação às carências nutricionais de micronutrientes, o estudo realizado pelo governo do Estado de Sergipe em 1998, numa amostra representativa de crianças de 0 a 5 anos, mostrou que a anemia acometia cerca de 31,4% das crianças e a hipovitaminose A, 32,1% (SERGIPE, 2001). Estes dados descrevem a necessidade de se traçar medidas emergenciais e permanentes na recuperação do estado nutricional desta população. A fortificação de alimentos com Vitamina A e Ferro, bem como a distribuição de suplementos destes micronutrientes para a população alvo, têm sido as estratégias mais utilizadas na maioria dos países em desenvolvimento, como o Brasil, para combater estas carências (BRASIL, 2006). Outro método que vem recebendo a atenção e o desenvolvimento de pesquisas para sua aplicação é o de biofortificação de alimentos. A introdução de produtos agrícolas biofortificados, nada mais é do que variedades de plantas obtidas em programas de melhoramento genético vegetal e que foram selecionados por apresentarem maiores concentrações de micronutrientes. Esse tipo de alimento visa complementar as intervenções em nutrição existentes, proporcionando uma maneira sustentável e de baixo custo para as populações com limitado acesso aos sistemas formais de mercado e de saúde. Variedades biofortificadas apresentam o potencial de fornecer 52 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. benefícios contínuos em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, a um custo recorrente inferior ao da suplementação e da fortificação pós-colheita. Alimentos como arroz, milho, trigo, feijão e mandioca já estão sendo melhorados geneticamente para altas concentrações de ferro, zinco e vitamina A (WELCH, 2002). É essencial para o planejamento e execução de estratégias de intervenção eficazes o conhecimento prévio das condições socioeconômicas, bem como da situação nutricional e alimentar da população, especialmente no que se refere à qualidade e quantidade de alimentos consumidos. A falta de dados sobre as condições de vida, saúde e nutrição dos assentados, particularmente da região de Sergipe, levou a realização do presente estudo que teve como objetivo descrever características socioeconômicas das famílias e avaliar o estado nutricional das crianças e adolescentes filhos de agricultores residentes na área de assentamento rural no município de Pacatuba, Sergipe. METODOLOGIA A INSERÇÃO DO PROJETO EM UMA PESQUISA MULTIDISCIPLINAR Este estudo é do tipo transversal e faz parte de um projeto de pesquisa intitulado: “Combatendo a Fome Oculta na América Latina: Cultivos Biofortificados com Melhor Qualidade Proteica e Maiores Teores de Vitamina A e Minerais Essenciais”, sob a coordenação da EMBRAPA Agroindústria de Alimentos (no âmbito nacional) e EMBRAPA Tabuleiros Costeiros (âmbito regional) e parceria com a Universidade Federal de Sergipe e instituições estaduais (Secretarias de Educação, Saúde, Inclusão Social - SEIDES e a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário do Estado de Sergipe - EMDAGRO). O projeto piloto em Sergipe, no qual o presente estudo está inserido, está dividido em duas fases complementares e simultâneas: a primeira etapa envolve um levantamento do estado nutricional e de consumo e hábitos alimentares da população a ser estudada, e a segunda referente à validação das cultivares e a produção dos alimentos biofortificados em Sergipe. O presente trabalho servirá como base para a introdução dos produtos biofortificados na alimentação dentro de uma estratégia de intervenção nutricional, visando a prevenção do desenvolvimento de carências nutricionais de crianças e adolescentes. CASUÍSTICA A amostra foi composta por 84 crianças (faixa etária de 3 a 9 anos e 11 meses) e 61 adolescentes (faixa etária de 10 a 18 anos e 11meses), matriculados no ano corrente em duas escolas da rede pública de ensino e pertencentes a 95 famílias de quatro assentamentos rurais do município de Pacatuba. Os assentamentos rurais são: 1) Santana dos Frades (93 famílias assentadas); 2) Independência Nossa Senhora do Carmo (90 famílias assentadas); 3) Nossa Senhora Santana (36 famílias assentadas) e Cruiri (35 famílias). 53 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. Estes assentamentos surgiram, em diferentes momentos, a partir da experiência dos posseiros de Santana dos Frades no início dos anos 80. A área desapropriada em 1982 era de 1.201 hectares e foi destinada a 93 famílias (SILVA, 2002). O Município de Pacatuba, historicamente com alta concentração fundiária, destacou-se, portanto, no movimento de luta pela terra em Sergipe, graças ao apoio da Igreja Católica e do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais. Tornou-se, nesse sentido, um território que tem passado por mudanças socioculturais e econômicas que refletem este processo. Pacatuba está localizada no litoral Norte do Estado de Sergipe, a 116km de Aracaju. Possui uma área de 364km², com 11.536 habitantes, sendo 21,96% da população residente na zona urbana e 78,04% na zona rural (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2001). O Índice de Desenvolvimento Humano - IDH deste município em 2000, segundo dados da Confederação Nacional de Municípios é de 0,584. O IDH é um dos índices que avaliam o grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida às populações. Em relação ao Estado de Sergipe, o município ocupa a 61ª posição, num total de 75 municípios nesta Unidade Federativa (SECRETARIA DE PLANEJAMENTO DO ESTADO DE SERGIPE, 2009). Devido à sua localização, Pacatuba dispõe de uma rica flora e fauna, possuindo atratividade turística devido à existência de lagos que fazem com que a região seja considerada o “Pantanal de Pacatuba”, com características semelhantes àquelas do Pantanal do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Nesta pesquisa, os pais/responsáveis das crianças dessas comunidades foram convidados a participar de uma reunião na qual receberam informações sobre os objetivos do estudo, os benefícios e os possíveis efeitos não desejáveis das avaliações, antes de assinarem o Termo de Consentimento Livre e Informado. Assim, foi assegurado aos participantes o anonimato nos achados levantados e que a recusa à participação no projeto não implicaria em nenhum prejuízo para a criança e para a família. A coleta dos dados ocorreu no período de junho a setembro de 2008, por meio de entrevistas com as mães ou responsáveis, os quais foram convocados a comparecer na escola em dias pré-estabelecidos e de acordo com a sua disponibilidade de horário. Os entrevistadores aplicaram dois questionários, um para avaliação socioeconômica, e outro relativo ao consumo alimentar das crianças. Em paralelo, foi conduzida a aferição das medidas antropométricas nas crianças e adolescentes, durante o período de aula, de forma que estes não ficassem prejudicados quanto ao conteúdo dado em sala. CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA Na aplicação do questionário socioeconômico foram obtidas informações referentes à renda mensal familiar, escolaridade do responsável, grau de parentesco (em relação à criança ou adolescente), número de moradores em cada domicílio e a participação em algum tipo de programa de transferência de renda do governo. Na análise das frequências destas variáveis, os percentuais foram calculados sobre o total de resposta dos pais e não 54 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. sobre o número de crianças ou adolescentes, já que algumas vezes existiam mais de uma criança ou adolescente pertencente a uma mesma família. AVALIAÇÃO NUTRICIONAL A avaliação nutricional das crianças e adolescentes foi realizada com base nos dados antropométricos (na aferição das medidas antropométricas de peso e estatura) e dietéticos (recordatório de 24 horas). Para as crianças menores de dez anos, o recordatório foi determinado em entrevista com o responsável, visando a coleta de informações sobre o consumo alimentar da criança na sua residência, enquanto que para os adolescentes com dez anos ou mais a entrevista foi feita diretamente com eles. O método recordatório 24 horas é um instrumento de avaliação da ingestão de alimentos e nutrientes de indivíduos e grupos populacionais. É um instrumento validado, frequentemente utilizado em estudos epidemiológicos, capaz de avaliar a ingestão atual de indivíduos, em geral, bem aceito pelos entrevistados, de baixo custo e não demora muito tempo na aplicação, mas requer um nutricionista ou entrevistador bem treinado para realização de coleta de dados (FISBERG; MARTINI, 2005). A aplicação do método recordatório 24 horas consiste em obter informações escrita ou verbais sobre a ingestão alimentar das últimas 24 horas, com dados sobre os alimentos atualmente consumidos e informações sobre peso/tamanho das porções. Assim, optou-se por esse método, pelo fato de a aplicação ser feita em uma população a qual os investigadores não tinham tido contatos prévios, já que na aplicação de outros métodos como o questionário de frequência alimentar é necessário ter um conhecimento anterior dos hábitos alimentares da população afim da elaboração do questionário a ser aplicado (PEREIRA; SICHIERI, 2007). As informações dos alimentos consumidos foram anotadas seguindo a ordem das refeições principais, intercaladas pelos lanches, incluindo a primeira até a última refeição. Registraram-se primeiro a hora e o lugar referido as refeições. Em seguida, perguntou-se o que a criança comeu e bebeu, o tipo do alimento e a forma de preparo, registrando a quantidade de cada alimento relatado em medidas caseiras. Dessa forma, os alimentos foram transformados em gramas e mililitros, com o auxílio de uma tabela para avaliação de consumo alimentar apropriada para esse fim (FISBERG; MARTINI, 2005). O registro fotográfico, dietético, composto de desenhos de alimentos nas três dimensões normais: pequena, média e grande – utensílios e medidas – foi utilizado como recurso padrão para auxiliar o entrevistado a recordar-se da porção do alimento servido à criança ou adolescente, aumentando assim a confiabilidade das informações fornecidas (ZABOTTO; VIANNA; GIL, 1996). Para quantificação da alimentação realizada na escola, buscou-se as informações referentes ao cardápio do dia anterior e, em seguida, com as merendeiras o detalhamento da receita/preparação e a quantificação do porcionamento da alimentação escolar para 55 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. as crianças e adolescentes. Estes valores foram somados ao recordatório de 24h sendo considerado o consumo completo da refeição servida, uma vez que era o observado por todas as merendeiras e professoras. Os cálculos para quantificar o consumo de energia, proteínas, carboidrato, lipídios, ferro, cálcio, zinco e vitaminas A foram realizados com o auxílio do software Nutwin versão (3.0) (PROGRAMA DE APOIO A NUTRIÇÃO, 2005). Segundo Salles-Costa et al. (2007), apesar de o banco de dados do Nutwin ser proveniente da tabela norte-americana de composição de alimentos (USDA), e apresentar valores de ferro, vitamina C e zinco superiores a outras tabelas brasileiras, este é o mais adequado para estimar o consumo alimentar de crianças. Assim, os alimentos inexistentes no banco de dados foram acrescentados e os com valores superestimados foram corrigidos com base na análise da composição de alimentos da Tabela Brasileira de Composição de Alimentos - TACO (NEPA-UNICAMP, 2004), e as preparações quando não encontradas foram adicionadas ao software e analisadas pelo mesmo. A avaliação de ingestão dietética foi realizada com base nas Ingestões Dietéticas de Referência (Dietary Reference Intakes - DRI). As DRI são valores de referência de ingestão de nutrientes que reúnem conceitos e conhecimentos científicos mais atualizados e, basicamente, são utilizados no planejamento e avaliação das dietas, estimando a ingestão alimentar de indivíduos e grupos populacionais (PADOVANI, et al., 2006). Para o cálculo das necessidades energéticas estimadas (NEE), utilizou-se as equações preditivas proposta pelas Institute of Medicine (2005), respectiva para cada faixa etária e sexo, considerando o nível de atividade física pouco ativo, tendo em vista que as atividades diárias das crianças e dos adolescentes do estudo eram caracterizadas por reduzida locomoção e escassas atividades de lazer. Em seguida, o valor energético total da dieta (VET) foi comparado em relação às NEE em porcentagem das necessidades. A avaliação dietética do consumo dos micronutrientes foi realizada por meio de comparação da ingestão individual contra valores de referências de nutrientes que compõe a DRI. A análise qualitativa dos nutrientes foi classificada em três grupos: (1) abaixo da EAR (Estimated Average Requirement): provável inadequação do consumo; (2) entre EAR e RDA (Recommended Dietary Alowances): risco de inadequação; (3) acima da RDA: provável adequação. Já o cálcio por não apresentar a EAR não foi possível fazer a avaliação de ingestão desse micronutriente, afinal segundo as DRI, o parâmetro de referência utilizado por esse mineral é a Ingestão Adequada (AI), a qual não deve ser utilizada para avaliar adequação de consumo (INSTITUTE OF MEDICINE, 2005). As crianças e adolescentes foram pesados e medidos segundo técnicas preconizadas pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2008b). Para aferição da altura foi utilizado um estadiômetro portátil SECA, de PVC rígido com fita métrica metálica retrátil, escala de 0 a 220cm, resolução de 0,1, fixo na parede com parafuso. O peso foi medido utilizando uma balança digital da marca Plenna, do tipo digital futura, bateria de litium interna, visor em cristal líquido, com capacidade de 150kg, graduação de 100g. Ambos os equipamentos foram previamente calibrados. 56 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. Os índices antropométricos IMC/idade e altura/idade foram adotados para avaliar o estado nutricional das crianças e adolescentes sendo expressos em escore-Z ou unidades de desvio padrão de afastamento da mediana da população de referência da World Health Organization (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2006, 2007). Os pontos de cortes adotados para baixo peso foi o índice IMC/idade menor que escore-z -2, eutrófico escore-z entre -2 e 1 e excesso de peso escore-z acima de 2. Já para a avaliação estatural utilizou-se os valores menores que escore-z -2 para classificar baixa estatura para idade e os maiores que escore-z -2 para classificar estatura adequada para idade. O uso dos dois documentos da WHO é recomendado pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2008a). ANÁLISES ESTATÍSTICAS Os dados socioeconômicos e antropométricos foram processados e analisados em banco de dados criado por meio do software Epi Info versão 6.04. Foram calculadas as frequências absoluta e relativa das respostas e aplicado o teste de qui-quadrado para análise das associações entre as variáveis. Na análise descritiva dos dados de consumo alimentar, foram calculadas a média e o desvio padrão. Por meio do Teste “t” Student foram verificadas as diferenças entre as médias do consumo de energia e nutrientes entre crianças e adolescentes. O nível de rejeição da hipótese de nulidade foi 0,05 ou 5%. RESULTADOS Os resultados obtidos referem-se a dados preliminares de um estudo piloto realizado junto a 145 indivíduos, entre crianças e adolescentes, pertencentes a 95 famílias de assentados da zona rural do município de Pacatuba, no Estado de Sergipe, sendo o primeiro estudo da região. As características socioeconômicas das famílias das crianças e adolescentes estão descritas na tabela 1. Analisando estes dados pode-se observar que existiu uma maior proporção de homens como chefes de família (52,63%), porém as mães têm uma grande representatividade com 40%, sendo que parte dessas são viúvas ou separadas. Além disso, 62,2% das famílias são constituídas por mais de cinco pessoas. A maior parte da renda familiar é advinda de trabalhos informais que representaram 78,95% das atividades desenvolvidas por essas famílias, a maioria apresentando também renda inferior a R$250,00 (66,31%). Vale ressaltar que programas de auxílio do governo como bolsa família é a base da renda de 78,9% das famílias, sendo complementado pelos trabalhos informais, como o trabalho no campo e o artesanato, através da confecção de redes de pesca (tarrafas) e bolsas, feitas da fibra da taboa (Typha domingenis), um recurso natural que coletam de forma sustentável nas lagoas próximas ao assentamento. 57 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. Quanto à escolaridade materna, cerca de 35% das mães tinham escolaridade inferior a 3 anos. Vale destacar também que, 16,8% das mães declararam não saber a sua escolaridade, o que pode refletir em nenhum ou poucos anos de estudo. Tabela 1 – Características socioeconômicas de 95 famílias assentadas de povoados da zona rural de Pacatuba, SE Variáveis n % Chefe da família Pai Mãe Avós Sem informação 50 38 6 1 52,63 40,00 6,32 1,05 Ocupação do chefe de família Trabalhos formais Trabalhos informais Não sabe 11 75 9 11,58 78,95 9,47 Escolaridade materna (anos) 0–3 4–7 8 – 10 11 ou + Não sabe Sem informação 33 25 7 3 16 11 34,74 26,32 7,37 3,16 16,84 11,51 Total de rendimentos (R$) < 100,00 100,00 – 250,00 251,00 – 415,00 > 415,00 Não sabe 29 34 15 10 7 30,52 35,79 15,79 10,52 7,37 Número de moradores por domicílio < 4 pessoas 5 a 8 pessoas > 9 pessoas 36 51 8 38,3 53,7 8,50 Na tabela 2, são apresentados dados do estado nutricional das crianças e adolescentes. A população estudada apresentou déficit ponderal (segundo IMC/I) e estatural (segundo A/I), sendo 7,1% em crianças e 14,8% em adolescentes para ambos os índices, porém sem diferença estatística entre os grupos (p>0,05). Quando os dados foram comparados em relação ao gênero, os meninos apresentaram um déficit ponderal significativamente superior às meninas, 17,5% e 4,9% (p<0,05) respectivamente. Já em relação ao índice estatura/ idade, verificou-se que 6,3% e 13,4% apresentaram baixa estatura para meninas e meninos respectivamente, porém sem diferença estatística entre os grupos. 58 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. Tabela 2 – Frequência absoluta e relativa de crianças e adolescentes escolares de acordo com a classificação ponderal (baixo peso, eutrófico e com excesso de peso) e estatural (déficit e adequação). Pacatuba, SE Estado nutricional Crianças (n=84) Adolescentes (n=61) Todos (n=145) n % n % n % IMC/Idade Baixo Peso Eutrófico Excesso de peso 6 75 3 7,14 89,30 3,57 9 51 1 14,75 83,61 1,64 15 126 4 10,34 86,90 2,76 Altura/Idade Déficit estatural Estatura adequada 6 78 7,14 92,86 9 52 14,75 85,25 15 130 10,34 86,65 As análises descritivas do consumo atual de energia, macro e micronutrientes, estimadas pela aplicação de um recordatório de 24hs, são descritas na tabela 3. Tendo em vista os resultados apresentados, observou-se maior consumo de macro e micronutrientes entre os adolescentes em relação às crianças, porém sem diferença significativa entre os grupos e gênero (p>0,05). Tabela 3 – Média (X) e desvio padrão (DP) do consumo energético, macro e micronutrientes de crianças e adolescentes escolares da zona rural de Pacatuba, SE Nutrientes Crianças (n=84) X (DP) Adolescentes (n=61) X (DP) Todos (n=145) X (DP) Energia (kcal) 1116,65 (373,59) 1219,19 (376,95) 1167,43 (372,06) %NEE 72,56 (22,46) 63,92 (20,57) 69,10 (21,65) Proteínas g totais %VET 77,41 (33,90) 28,00 (10,29) 80,64 (33,93) 26,26 (9,21) 79,11 (33,73) 27,36 (9,73) Carboidratos g totais %VET 172,49 (65,04) 60,68 (10,36) 191,42 (66,88) 61,77 (12,02) 181,62 (65,80) 61,58 (10,11) Lipídios g totais %VET 30,55 (26,45) 25,44 (26,57) 29,85 (14,67) 21,55 (7,32) 30,30 (21,95) 23,79 (20,40) Ferro (mg/d) 6,99 (2,78) 7,59 (2,90) 7,29 (2,82) Cálcio (mg/d) 194,58 (86,83) 215,56 (128,67) 204,98 (107,86) Zinco (mg/d) 5,10 (3,89) 5,25 (3,19) 5,17 (3,59) Vit. A (µgER) 347,74 (417,60) 498,98 (582,67) 413,43 (503,89) NEE = Necessidade Energética Estimada, VET = Valor Energético Total, g totais = gramas totais. 59 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. A classificação qualitativa da ingestão de micronutrientes em relação às DRIs foi descrita na tabela 4, esses valores representam as frequências absolutas e relativas de crianças e adolescentes que apresentaram consumo de micronutrientes menor que a EAR, entre a EAR e a RDA e acima da RDA. Para o cálcio, considerou-se apenas a classificação segundo a AI. Em relação a este mineral todos os indivíduos estão abaixo da AI e para os demais nutrientes a maioria destes encontra-se abaixo da EAR, com exceção para o ferro, no qual a maioria das crianças (61,9%) está entre a EAR e a RDA, estando porém, numa área de incerteza da avaliação. Tabela 4 - Frequência absoluta e relativa de crianças (n=84) e adolescentes (n=61) escolares de acordo com a interpretação qualitativa de ingestão em relação à EAR. Pacatuba, SE < EAR EAR-RDA > RDA Nutrientes* n % n % n % Ferro Criança Adolescente 16 25 19,05 40,99 52 14 61,90 22,95 16 22 19,05 36,06 Zinco Criança Adolescente 48 47 57,14 77,05 16 3 19,05 4,92 20 11 23,81 18,03 Vitamina A Criança Adolescente 55 44 65,48 72,13 16 4 19,05 6,56 13 13 15,48 21,31 DISCUSSÃO Quando analisada a situação econômica das famílias, verificou-se que 82% destas, possuem renda inferior a um salário mínimo, vale destacar que 30,5% recebem menos que cem reais por mês (Tabela 1). Esse dado é preocupante, visto que em estudo realizado em escolas públicas de Salvador, adolescentes que proviam de famílias que recebiam menos do que um salário mínimo tinham maior probabilidade de serem anêmicos (BORGES et al., 2009). Segundo Castro et al. (2004), em um estudo realizado em um assentamento rural do Vale do Rio Doce (MG), foi observado que a escolaridade materna foi inferior a média nacional, que é de 6,8 anos. Da mesma forma, no presente estudo, foi verificada uma baixa escolaridade dos responsáveis das crianças e adolescentes investigados, o que pode estar relacionada ao abandono precoce da escola, já que há uma necessidade de mão de obra no trabalho rural, pois é deste que advém o sustento da família, além da falta de incentivo do governo em tempos passados. 60 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. A baixa escolaridade materna pode representar implicações severas no estado nutricional dos filhos. Em um estudo de revisão realizado por Wachs (2008), no qual relaciona a educação materna com o consumo alimentar de crianças, observou-se que quanto maior a escolaridade materna melhor a qualidade e a quantidade da dieta infantil. Já Guimarães, Latorre e Barros (1999), em investigação sobre a situação nutricional de pré-escolares, em Cosmópolis, São Paulo, verificaram que crianças cujas mães possuíam apenas o primário incompleto apresentaram mais chance (OR= 2,1; IC=95% = [1,1-3,8]) de ter desnutrição, em relação àquelas cujas mães possuíam maiores níveis de escolaridade. Em relação ao estado nutricional, pode-se observar elevada proporção de adolescentes e crianças com déficit estatural (10,3%) e ponderal (10,3%) (Tabela 2). A condição socioeconômica dessas famílias pode responder a situação nutricional das crianças e dos adolescentes. Segundo Monteiro et al. (2000), variações estaturais podem refletir problemas nutricionais associados às diferenças socioeconômicas entre grupos populacionais, sendo comum a presença de déficit estatural em adolescentes brasileiros de classes econômicas menos favorecidas. Eisenstein (1999) considera que, no Brasil, o diagnóstico de desnutrição é diferencial obrigatório para a avaliação de adolescentes com problemas de crescimento e atraso puberal. Dessa forma, analisar o crescimento linear implica considerar, além dos fatores hereditários, a história nutricional (desnutrição pregressa) e alimentar, doenças, atividade física e estresse, principalmente quando essa influência é exercida nos períodos de maior velocidade de crescimento (PRIORI, 1998; WATERLOW, 1976). A comparação do estado nutricional entre os gêneros indicou que os meninos foram mais comprometidos do que as meninas, especialmente em relação ao baixo peso. A inserção destas crianças no trabalho rural é uma prática comum e os meninos normalmente são os que mais exercem estas atividades enquanto que as meninas, envolvem-se mais com os trabalhos manuais e artesanais. Desta forma, pode-se inferir que a maior demanda energética das atividades realizadas pelos meninos esteja contribuindo para o não acompanhamento do canal de crescimento. Muitos são os estudos conduzidos com o objetivo de avaliar o estado nutricional de crianças menores de 5 anos, visto que é o grupo de maior vulnerabilidade às deficiências nutricionais. No entanto, o mesmo não acontece com os escolares, tornando limitado o número de estudos, principalmente, no Nordeste brasileiro. Considerados sobreviventes daquela fase, sofrerão alterações no crescimento, tornando-se adultos com baixa estatura (ANJOS, 1989; LAURENTINO; ARRUDA; ARRUDA, 2003) e, conforme afirmam Corso, Buralli e Souza (2001), a idade escolar é o estágio da vida em que melhor se avalia a desnutrição pregressa, nos últimos 7 a 8 anos. Estudo conduzido em São Luís (MA) com 1.130 crianças e adolescentes entre 6 e 16 anos mostrou que a prevalência de desnutrição atual resultou em 14,8%, e o déficit estatural de 4,2%, atingindo mais os estudantes da rede pública de ensino (CONCEIÇÃO, 2006). Resultados semelhantes foram observados em outros estudos, como o realizado por Burlandyr e Anjos (2007), no qual 1.177 crianças na faixa etária de 7 a 10 anos 61 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. foram avaliadas no Nordeste e Sudeste do Brasil e observou-se que 13,2% apresentaram desnutrição pregressa, sendo a maior prevalência no Nordeste Rural (21,9%), e a menor no Sudeste Rural (8,4%). Outro estudo feito em um assentamento do Rio de Janeiro com 273 crianças e adolescentes entre 0 e 17,9 anos, mostrou que oito crianças (4,0%) apresentaram inadequação estatural, sendo que sete eram adolescentes, correspondendo a 6,7% do total de adolescentes (VEIGA; BURLANDYR, 2001). Para todas as crianças e adolescentes, o consumo de energia e de nutrientes foi insuficiente em atingir as necessidades energéticas e recomendações diárias, respectivamente (Tabela 3). No Brasil, principalmente na Região Nordeste, o déficit energético sempre se revelou como um importante marcador dos problemas nutricionais da população (ROMANI; AMIGO, 1986). A avaliação do consumo energético em relação às necessidades estimadas pelas equações propostas pelas DRI mostrou que a maioria das crianças (76,2%) e dos adolescentes (80,3%) encontra-se abaixo do recomendado para a sua faixa etária (Tabela 3); o que implica em um déficit energético na maior parte dos indivíduos estudados, sendo mais um fato que confirma o comprometimento do desenvolvimento estatural dos mesmos. Resultado semelhante pode ser encontrado no estudo de Castro et al. (2005), no qual ao avaliar pré-escolares de Viçosa (MG) encontrou que 75,7% apresentaram déficit energético. Sabe-se que, durante a puberdade, ocorrem os processos de crescimento e maturação sexual. Para que estes ocorram de maneira ideal é importante que os fatores ambientais sejam favoráveis, e a nutrição destaca-se nesse processo. Cerca de 50% do peso e 20-25% da estatura de um indivíduo são adquiridos na adolescência, e o papel da nutrição em nível populacional serve como determinante altamente significativo da variabilidade desse processo. A secreção dos hormônios gonadais pode ser inibida por quantidades insuficientes de nutrientes, retardando o início do desenvolvimento da puberdade, o que pode comprometer o ganho estatural (SIGULEM; DEVINCENZI; LESSA, 2000). Quando avaliados os micronutrientes (Tabela 4) houve uma grande probabilidade de inadequação de consumo para ferro, zinco, vitamina A e cálcio entre as crianças e adolescentes (Tabela 4), visto que poucos foram os indivíduos que apresentaram ingestão satisfatória destes nutrientes (> RDA ou AI). A ingestão diminuída de cálcio torna-se preocupante, considerando a sua importância na adolescência. A menor ingestão desse mineral pelos adolescentes pré-púberes merece ainda maior destaque, tendo em vista a maior necessidade de cálcio nessa fase, para garantir o crescimento adequado. Segundo Jackman et al. (1997), a reduzida ingestão desse mineral nesta fase resulta em menor mineralização óssea, quando comparada a indivíduos da mesma faixa etária que tiveram ingestão adequada de cálcio. Observa-se, com base na tabela 4, que cerca de 69% das crianças e adolescentes apresentaram consumo de vitamina A insuficiente (< EAR), sendo a maior prevalência de inadequação entre adolescentes (72,1%). As necessidades vitamínicas estão aumentadas em período de anabolismo intenso. A vitamina A é um nutriente essencial ao funcionamento normal do sistema visual, sistema imunológico, crescimento e desenvolvimento, proliferação 62 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. e divisão celular, e na reprodução. Sua deficiência pode desencadear cegueira noturna, perda da visão, alterações dermatológicas e menor resistência a infecções (BRASIL, 2007; MOREIRA, 2007). Em estudo desenvolvido por Santos et al. (2005), com 241 crianças de 6 a 14 anos, matriculadas em escolas rurais do município de Novo Cruzeiro, em Minas Gerais, verificou-se que 63,1% dos estudantes investigados apresentaram consumo de vitamina A abaixo das recomendações preconizadas. Assim também, o estudo realizado no assentamento rural do município de Promissão no Estado de São Paulo, com 95 alunos entre 6 e 13 anos, mostrou resultado semelhante no qual o consumo de vitamina A encontravase abaixo da adequação (entre a EAR e RDA) para todas as faixas etárias (SILVA, 2006). Resultados semelhantes foram obtidos em estudo realizado com adolescentes matriculados na rede pública de ensino de Guarapuava (PR), no qual houve um consumo abaixo da porcentagem de adequação entre ambos os sexos, sendo a maior parte do sexo masculino (52,93%) (RUVIARO; NOVELLO; QUINTILIANO, 2008). É preocupante a situação encontrada nas crianças e adolescentes de Pacatuba, haja vista a hipovitaminose A ser considerada como um problema de saúde pública no Brasil, sobretudo na região Nordeste. Por ser uma vitamina de depósito, as manifestações clínicas da doença expressam a privação alimentar ostensiva. O consumo insuficiente, junto ao grupo em estudo, pode refletir, provavelmente, o baixo consumo de alimentos fonte da vitamina, como o fígado e ovo, além das frutas e hortaliças regionais como abóbora, manga, caju amarelo e vermelho e goiaba. Os resultados da tabela 4 apontam que 30% das crianças e adolescentes apresentaram consumo alimentar de ferro insuficiente (<EAR). Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2007) essa carência, que desencadeia a anemia, é atualmente um dos mais graves problemas nutricionais mundiais em termos de prevalência, sendo determinada, quase sempre, pela ingestão deficiente de alimentos ricos em ferro que são muitas vezes substituídos por carboidrato e gordura. Para crianças e adolescentes, a carência no consumo de ferro pode representar também sérias complicações para estes indivíduos em consequência da maior velocidade de crescimento e da menstruação nesta fase (GAMBARDELLA; FRUTUOSO; FRANCHI, 1999). Alguns estudos conduzidos entre crianças e adolescentes apontam resultados satisfatórios na ingestão deste nutriente (ALBANO; SOUZA, 2001; ALBUQUERQUE; MONTEIRO, 2002 ), no entanto, é evidente em outros estudos que existe uma associação entre a maior prevalência de baixo consumo de ferro com as classes sociais mais desfavorecidas (GARCIA; GAMBARDELLA; FRUTUOSO, 2003). Segundo Borges et al. (2009), em estudo realizado em escolas públicas de Salvador (BA), a maioria dos adolescentes (54,31%) possuía consumo inadequado de ferro. Dados semelhantes foram encontrados em estudo realizado no Centro de Juventude da cidade de São Paulo, com 153 adolescentes, no qual 59,8% dos homens e 83,6% das mulheres estavam com o consumo de ferro inadequado (GARCIA; GAMBARDELLA; FRUTUOSO, 2003). 63 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. A provável hipótese para a elevada prevalência da baixa ingestão de ferro pelas crianças e adolescentes da zona rural deve-se ao baixo poder aquisitivo para a compra de alimentos proteicos de origem animal (carnes, vísceras). Estes possuem concentrações maiores de ferro e custo mais elevado que os demais produtos alimentícios básicos. O consumo insuficiente de hortaliças fontes de ferro e de feijão também pode contribuir para esta condição nutricional. Na população do presente estudo, a fonte proteica principal era o feijão, presente quase que diariamente no almoço. Como fonte de origem animal apenas o peixe adquirido da própria pesca no Rio Poxim, que atravessa o Assentamento Santana dos Frades, sendo a oferta da carne vermelha observada principalmente na alimentação escolar, referentes aos dias da avaliação dietética. No que diz respeito ao zinco, mineral que está envolvido em etapas metabólicas relevantes para o bom funcionamento do sistema imune e para o crescimento (DOMENE; PEREIRA; ARRIVILLAGA, 2008), observou-se que 57,14% e 77,05%, respectivamente, das crianças e adolescentes estudados apresentavam consumo inadequado (<EAR) deste micronutriente. Resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Urbano (2002), que avaliou a adequação do zinco durante o estirão do crescimento. A avaliação dietética em uma amostra de 47 adolescentes atendidos em ambulatório de adolescência clínica mostrou que a maioria apresentou ingestão inadequada sendo justificado pelo autor pela composição da dieta brasileira, que é à base de arroz com feijão, portanto pobre em proteína de origem animal. Essa justificativa também pode ser vista nesse estudo, já que quando analisado qualitativamente a dieta das crianças e adolescentes percebeu-se que somente 27,12% consumiam carnes, uma das principais fontes deste micronutriente, não sendo relatado consumo de outras fontes. Por meio da análise qualitativa dos recordatórios de 24h, os alimentos mais consumidos pelas crianças e adolescentes foram particularmente o feijão, arroz, pão e açúcar. Já as hortaliças e as carnes bovinas tiveram um consumo representativo apenas quando fornecidos pela alimentação escolar. As frutas e o leite tiveram baixo consumo por essa população, observando um maior consumo de sucos industrializados ou em pó, em detrimento dos sucos naturais. Segundo Fisberg et al. (2004), tal comportamento reflete uma “dieta ocidental”, na qual há um baixo consumo de frutas e hortaliças e um alto consumo de açúcares e produtos industrializados. Um aspecto importante identificado na subsistência desta população foi a existência de um sistema de troca direta de coco por certos gêneros alimentícios. Tal alimento tem uma ampla distribuição pelos povoados. No momento da estruturação do assentamento Santana dos Frades, antiga fazenda de produção de coco para industrialização, o INCRA destinou a cada família de agricultores assentados o número de 80 plantas para gerenciamento da produção, assim como para comercialização dos frutos. Os principais alimentos utilizados na troca pelo coco foram o pão, a mortadela e o geladinho (picolé), os quais apresentaram uma frequência relativamente constante na alimentação. A população estudada tem um consumo alimentar baseado na sazonalidade da produção local ou nos alimentos obtidos a partir da troca de alimentos como o coco, o que caracteriza uma baixa variabilidade nos alimentos consumidos, caracterizando uma monotonia alimentar. 64 VIEIRA, D. A. S.; COSTA, D.; COSTA, J. O.; CURADO, F. F.; MENDES-NETTO, R. S. Características socioeconômicas e estado nutricional de crianças e adolescentes de assentamentos rurais de Pacatuba, Sergipe. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 49-69, abr. 2011. O presente estudo também avaliou a participação da alimentação escolar na alimentação das crianças e adolescentes e confirmou sua importância na oferta de nutrientes diários. Verificou-se que a alimentação escolar contribuiu com 17,1% do valor energético total (VET) diário e 16,5%, 36,9%, 16% da ingestão de carboidrato, lipídios e proteína respectivamente. Em relação aos micronutrientes, 54,6% de vitamina A, 22,3% de ferro, 22,3% de zinco, e 11,4% de cálcio também eram fornecidos pela mesma. Assim, a alimentação escolar é representativa na quantidade de energia e micronutrientes consumidas por estas crianças e adolescentes, contribuindo para que estes percentuais não sejam ainda mais baixos do que os encontrados. Além disso, a alimentação escolar desempenha um papel essencial principalmente em comunidades carentes, nas quais muitas vezes se torna a única ou a principal refeição realizada pelo estudante. O programa de biofortificação de alimentos no Brasil vem sendo desenvolvido com o objetivo de melhorar geneticamente alimentos tipicamente regionais como a macaxeira, a batata-doce e a abóbora com maior conteúdo de carotenoides e, ainda, o feijão, arroz, com maiores conteúdos de ferro e zinco. O melhoramento destes produtos tem como meta aumentar em pelo menos 50% do conteúdo original que, dentro de uma perspectiva alimentar, representaria mais uma estratégia a se somar nas intervenções em andamento, proporcionando uma maneira sustentável e de baixo custo para alcançar as populações carentes e incentivar a agricultura familiar e a oferta de produtos biofortificados para alimentação escolar. CONCLUSÕES Verificou-se que as famílias dos assentamentos rurais estudados estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica e que as crianças e adolescentes destas famílias apresentam déficit antropométrico e dietético. Destaca-se a inadequação na ingestão dos micronutrientes como ferro, zinco e vitamina A. Diante disto, constata-se a importância da realização de ações destinadas a esse grupo para que este tenha oportunidade de expressar todo seu potencial de crescimento. A introdução dos produtos biofortificados na alimentação escolar, além de auxiliar na melhora do estado nutricional das crianças pela oferta de alimentos como maior teor de vitamina A, ferro e zinco, irá estimular também a agricultura familiar, sendo um meio viável de geração de renda. REFERÊNCIAS/REFERENCES ALBANO, R. D.; SOUZA, S. B. Ingestão de energia e nutrientes por adolescentes de uma escola pública. J. pediatr., v. 77, n. 6, p. 512-516, 2001 ALBUQUERQUE, M. F. M.; MONTEIRO, A. M. 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Aprovado em 25/02/11. 69 70 Artigo original/Original Article Qualidade na produção de refeições em restaurantes comerciais na região de Cerqueira César, São Paulo Quality of food preparation in restaurants in the district of Cerqueira César, São Paulo ABSTRACT ESPERANÇA, L. C.; MARCHIONI, D. M. L. Quality of food preparation in restaurants in the district of Cerqueira César, São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr. = J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 71-83, abr. 2011. The intense urbanization and industrialization started in the second half of the twentieth century has stimulated growth and development of the market segment that provides meals outside home. To evaluate the management of quality for the production of commercial meals in restaurants, 22 commercial restaurants were analyzed in the region of Cerqueira Cesar, Sao Paulo. A check list based on the existing health legislation was used for scoring the following items: the sanitary-hygiene conditions, processes and products, pest control, good manufacturing practices and management. The restaurants were ranked according to the scores obtained: excellent (91-100), good (81-90), regular (61-80); poor (up to 60). To investigate the relationship between variables, tests of correlation were made (Pearson and Spearman). The restaurants were categorized according to the distribution of prices into tertiles, number of employees and number of meals served. For the verification of differences regarding the final score in these categories, the test of the KruskalWallis was used. The validity of internal constructs (items), verified by Cronbach’s alpha statistic, was 0.73. No restaurant was rated as good or excellent, 91% were classified as poor and 9% as regular. The average score achieved was 41, which corresponds to the poor rating. The item which had the worst scores was “Good Manufacturing Practices”, 9.2%, while the “Pest Control” was best scored, 71%. The results demonstrate the poor quality of services offered by the restaurants evaluated, and suggest the need for interventions to improve the sanitary-hygiene quality in the production of meals. LÍVIA DA CRUZ ESPERANÇA1; DIRCE MARIA LOBO MARCHIONI1 1Faculdade de Saúde Pública – Universidade de São Paulo Endereço para correspondência: Dirce Maria Lobo Marchioni Departamento de Nutrição - FSP/USP Avenida Dr. Arnaldo, 715 Cerqueira César São Paulo/SP E-mail: [email protected] Observação: trata-se de trabalho de Iniciação Científica, realizado com Bolsa do Programa “Ensinar com Pesquisa”, da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo. Recebeu o “3º Prêmio de Incentivo à Pesquisa” categoria Iniciação Científica, da Faculdade de Saúde Pública, da Universidade de São Paulo, em 2007. Keywords: Quality Control. Sanitary Profiles. Restaurants. 71 ESPERANÇA, L. C.; MARCHIONI, D. M. L. Qualidade na produção de refeições em restaurantes comerciais na região de Cerqueira César, São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 71-83, abr. 2011. RESUMEN La intensa urbanización y el cr eciente desenvolvimiento industrial que acontecieron en la segunda mitad del siglo XX provocó aumento del número de personas que hacen sus comidas fuera del hogar con el consiguiente crecimiento el mercado de oferta. Para evaluar la gestión de calidad en la producción comercial de comidas, 22 restaurantes fueron analizados en la región de Cerqueira César, Sao Paulo, Brasil. Fue utilizada la guía basada en la legislación sanitaria vigente, con destaque para los siguientes temas: instalaciones sanitarias, condiciones de higiene, procesos y productos, control de plagas, buenas prácticas de fabricación y gestión. Los restaurantes fueron clasificados en función de los resultados obtenidos: excelente (91-100), bueno (81-90), regular (61-80); malo (hasta 60). Para investigar la relación entre las variables, se realizaron pruebas de correlación (Pearson y Spearman). Los restaurantes fueron clasificados conforme los terciles de distribución de precios, número de empleados y número de comidas servidas. Para verificar las diferencias en la puntuación final fue utilizada la prueba de Kruskal-Wallis. La fidelidad de los atributos, verificada por medio del alfa de Cronbach, fue 0,73. Ningún restaurante fue clasificado como bueno o excelente, 91% eran malos y 9% regulares. La puntuación media obtenida fue 41, que corresponde a clasificación deficiente. El atributo con peor puntuación fue el de “Buenas Prácticas de Manufactura”, 9,2%, mientras que “Control de Plagas” fue el que mostró mejor resultado, 71%. Los resultados permiten evidenciar la baja calidad de los servicios ofrecidos por los restaurantes evaluados, sugiriendo la necesidad de intervenciones para mejorar la gestión y de esta forma, la calidad de los alimentos vendidos. Palabras clave: Control de calidad. Perfile sanitario. Restaurantes. RESUMO A intensa urbanização e industrialização ocorridas a partir da segunda metade do século XX estimularam o cr escimento e desenvolvimento do segmento do mercado que oferece refeições fora do lar. Com o objetivo de avaliar as condições do processo de produção de refeições em restaurantes comerciais, situados na região de Cerqueira César, de acordo com a legislação sanitária vigente no país, foram analisados 22 restaurantes. Utilizou-se roteiro baseado na legislação sanitária vigente, pontuando-se os seguintes itens: condições higiênico-sanitárias, processos e produtos, controle de pragas, boas práticas de fabricação e gestão. Os restaurantes foram classificados segundo a pontuação obtida: excelente (91-100); bom (81-90); regular (61-80); deficiente (até 60). Para verificar a relação entre as variáveis, foram feitos testes de correlação (Pearson ou Spearman). Os restaurantes foram categorizados segundo tercis da distribuição dos preços praticados, número de funcionários e número de refeições servidas. Para a verificação das diferenças quanto à pontuação final nestas categorias, utilizou-se a prova de Kruskal-Wallis. A consistência interna dos constructos (itens), verificada pelo α de Cronbach, foi de 0,73. Nenhum restaurante foi classificado como bom ou excelente, 91% foram classificados como deficiente e 9% como regular. A pontuação média obtida foi 41, que corresponde à classificação deficiente. O item que apresentou pior pontuação foi “Boas Práticas de Fabricação”, 9,2%; enquanto o “Controle de Pragas” foi o que obteve melhor pontuação, 71%. Os resultados encontrados demonstram a qualidade deficiente dos serviços oferecidos pelos restaurantes avaliados, e sugerem a necessidade de intervenções para que se melhore a qualidade higiênico-sanitária da produção das refeições vendidas. Palavras-chave: Controle de qualidade. Perfis sanitários. Restaurantes. 72 ESPERANÇA, L. C.; MARCHIONI, D. M. L. Qualidade na produção de refeições em restaurantes comerciais na região de Cerqueira César, São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 71-83, abr. 2011. INTRODUÇÃO A alimentação do indivíduo e da população sofreu intensas modificações a partir da segunda metade do século XX, em virtude de fatores como a intensa urbanização, o acelerado desenvolvimento tecnológico, a globalização da economia, a inserção da mulher no mercado de trabalho e a distância entre o domicílio e o local de trabalho. Nesse contexto, exacerbou-se a necessidade de refeições práticas, de baixo custo e de fácil aquisição, criando uma demanda por locais que ofereçam este tipo de serviço (AKUTSU et al., 2005; DE DEUS et al., 2005; LIMA; OLIVEIRA, 2005). No segmento de refeições fora do lar, destacam-se os restaurantes de autosserviço, que podem ser bufê ou por peso, e a opção à la carte. Em 2009, este mercado serviu cerca de 8,5 milhões de refeições por dia, com um faturamento de 9,8 bilhões de reais (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE REFEIÇÕES COLETIVAS, [2010]). Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (2007) – há cerca de 800 mil restaurantes por peso no Brasil, sendo pelo menos 2,5 mil restaurantes somente na capital paulistana. Entretanto, este tipo de serviço está relacionado à ocorrência de enfermidades relacionadas à alimentação (MORAES et al., 2005). Segundo Benevides e Lovatti (2004), mais de 50% dos surtos de toxinfecções alimentares de origem bacteriana, no Brasil, são de responsabilidade de restaurantes, que possuem ambiente, manipuladores, equipamentos e utensílios inadequados. Os principais fatores relacionados à ocorrência de surtos e doenças de origem alimentar estão relacionados às falhas múltiplas e peculiares no controle de qualidade na produção da refeição, desde o recebimento, processamento, armazenamento, distribuição e consumo. Pode-se incluir nas falhas de processos e produtos, entre outros, o uso incorreto do binômio tempo-temperatura, refrigeração inadequada, uso de produtos clandestinos, grande intervalo entre o preparo e o consumo, além de más condições de armazenamento e de conservação dos alimentos. Já nas falhas de higiene, podem-se incluir as más condições de higiene na manipulação dos alimentos, manipuladores infectados ou contaminados, alimentos contaminados, utilização de sobras, falta de adequação e conservação da estrutura física dos estabelecimentos, que contribuem para a ocorrência de contaminação cruzada (NOLLA; GENY, 2005; SILVA FILHO, 1996). Para minimizar tais problemas, órgãos governamentais como o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), no uso de suas atribuições, conferem normas e procedimentos técnicos que devem ser seguidos rigorosamente, para a garantia da higiene e segurança de todo o processo de produção de alimentos. No entanto, ainda é escassa a literatura sobre a adequação dos restaurantes comerciais à legislação sanitária. Assim, este trabalho tem como objetivo avaliar as condições do processo de produção de refeições em restaurantes comerciais, situados na região de Cerqueira César, de acordo com a legislação sanitária vigente no país. 73 ESPERANÇA, L. C.; MARCHIONI, D. M. L. Qualidade na produção de refeições em restaurantes comerciais na região de Cerqueira César, São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 71-83, abr. 2011. METODOLOGIA Trata-se de um estudo descritivo transversal. Foram analisados 22 restaurantes (18 de autosserviço por peso e 4 à la carte), localizados em Cerqueira César, no Município de São Paulo. Neste bairro, a atividade econômica é caracterizada pela prestação de serviços e é grande a utilização diária dos restaurantes. O critério de seleção dos restaurantes foi não possuir como responsável técnico o nutricionista, biomédico ou veterinário. A coleta dos dados foi feita em 2007 por acadêmicos do curso de Nutrição de uma universidade pública, devidamente treinados, a fim de padronizar e garantir a qualidade dos dados. Foi aplicado um roteiro padronizado, adaptado do proposto pela Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE REFEIÇÕES COLETIVAS, 2003), tendo por base a legislação da área, especialmente a Portaria nº 1428/1993 (BRASIL, 1993), e a Resolução RDC nº 216/2004 (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2004). Nas visitas, previamente agendadas, a avaliação das condições foi observacional e as informações necessárias ao preenchimento do roteiro foram prestadas pelo gerente ou responsável técnico. O roteiro avaliou os seguintes itens: Higiene (dos manipuladores, das instalações, da água utilizada, dos utensílios e equipamentos, das sobras e coleta de amostras); Processos e Produtos (recebimento de matéria-prima, armazenamento de matériaprima e de pós-manipulados, higienização e distribuição e botijões de gás); Controle de Pragas (controle); Boas Práticas de Produção (boas práticas) e Gestão (gestão operacional e recursos humanos), cada subitem teve quatro opções de resposta: “conforme” – quando o restaurante apresentou conformidade ao item observado, “não conforme” – quando não atendeu ao item observado, “não aplicável” – quando o item observado não se aplicava à realidade do restaurante, “não verificável” – quando não foi possível verificar se o item estava em conformidade. Para a pontuação final de cada item, foram consideradas as respostas “conformes” e “não conformes”, enquanto as respostas “não aplicadas” e “não verificadas” fora desconsideradas. Para o cálculo da pontuação de cada item, de acordo com seu número de questões, atribuíram-se um peso e uma constante, conforme quadro 1. Bloco Constante (nº de questões) Peso Higiene B1 58 25 Processos e produtos B2 23 30 Controle de pragas B3 5 10 Gestão B4 11 10 Boas Práticas de Fabricação B5 7 25 Quadro 1 – Peso de cada bloco e constante. 74 ESPERANÇA, L. C.; MARCHIONI, D. M. L. Qualidade na produção de refeições em restaurantes comerciais na região de Cerqueira César, São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 71-83, abr. 2011. A Pontuação de cada bloco foi calculada de acordo com a equação: PB = TS X P TQ – (TNA + TNV) Onde: PB – Pontuação do Bloco; TS – soma das respostas “sim” obtidas; TQ – Total de questões; TNA – Total de respostas “não aplicável”; TNV – Total de respostas “não verificável”; P – Peso de cada bloco. A pontuação máxima em cada bloco foi, respectivamente, 25, 30, 10, 25 e 10. Para o cálculo da pontuação total, foi feita a soma da pontuação dos cinco itens, com pontuação máxima de 100. A seguir, os restaurantes foram classificados em: excelente (91-100); bom (81-90); regular (61-80); deficiente (até 60). Os dados foram tabulados no programa Epi data e as análises estatísticas foram feitas no programa Stata, os dados foram descritos em medidas de tendência central e dispersão. Para verificar a relação entre as variáveis, foi feito teste de correlação de Pearson, para as variáveis com distribuição normal, e teste de Spearman, para Boas Práticas de Produção, única variável que não apresentou distribuição normal. O nível de significância considerado foi de 5%. Os restaurantes foram ainda categorizados segundo tercis da distribuição dos preços praticados, número de funcionários e número de refeições servidas. Para a verificação das diferenças quanto à pontuação final nestas categorias, utilizou-se a prova de Kruskal-Wallis. A consistência interna dos constructos (itens) foi verificada pelo α de Cronbach, medida que permite quantificar o nível de confiabilidade de uma escala criada a partir de uma dimensão não observável, construída a partir de n variáveis observadas, como é o caso do roteiro elaborado para este estudo. Valores superiores a 0,70 denotam boa confiabilidade do instrumento. RESULTADOS A descrição dos restaurantes, segundo categorização em tercis, pode ser verificada na tabela 1. Aproximadamente, 75% dos estabelecimentos serviam até 300 refeições; 77% possuíam de 11 a 32 funcionários. O preço por quilo da refeição, na ocasião da pesquisa situou-se entre R$14,00 a R$20,00. A maioria dos restaurantes analisados (82%) servia a refeição na modalidade por peso. Dos 22 restaurantes analisados, nenhum restaurante foi classificado como excelente ou bom. Em contrapartida, 20 restaurantes foram classificados como deficientes, o que corresponde a 91% da amostra analisada, e 2 foram classificados como regulares (9%). A pontuação média de cada um dos itens e do total pode ser observada na tabela 2. A pontuação total média encontrada foi de 41 (dp=14,3), correspondente à classificação deficiente. O percentual de adequação variou de 9,2, no item “boas práticas”, a 70,9, no item “controle de pragas”. A mediana da pontuação no item “boas práticas” foi zero. 75 ESPERANÇA, L. C.; MARCHIONI, D. M. L. Qualidade na produção de refeições em restaurantes comerciais na região de Cerqueira César, São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 71-83, abr. 2011. Tabela 1 – Categorização das variáveis, segundo seus tercis. São Paulo, 2008 Variável Frequência Número de refeições até 200 de 201 a 300 de 301 a 600 (%) 9 7 6 41 32 27 5 11 6 23 50 27 7 7 4 39 39 22 Tipo de serviço à la carte Por peso 4 18 18 82 Total 22 100 Número de funcionários <10 11 a 13 14 a 32 Preço por quilo da refeição* R$14,00 a R$17,99 R$18,00 a R$20,00 acima de R$20,00 *18 restaurantes neste sistema de serviço. Tabela 2 – Pontuação média dos itens que compõe o Índice e do Total dos restaurantes avaliados. São Paulo 2008 Item % de Intervalo Interquartil Adequação Média dp Mediana Higiene 13,1 3,8 13,0 11,1 - 14,7 52,4 Processos e Produtos 14,1 5,5 13,9 11,5 - 15,7 46,9 Controle de Pragas 7,1 2,6 8,0 6,0 - 8,0 70,9 Boas Práticas 2,3 5,3 0,0 0,0 - 0,0 9,2 Gestão 4,7 2,6 5,0 2,7 - 6,0 46,9 41,3 14,3 38,2 32,0 - 53,5 41,3 Total Ao analisar a correlação do item Gestão com a pontuação total e os demais itens, encontrou-se uma correlação positiva, porém não significativa estatisticamente, conforme apresentado na tabela 3. 76 ESPERANÇA, L. C.; MARCHIONI, D. M. L. Qualidade na produção de refeições em restaurantes comerciais na região de Cerqueira César, São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 71-83, abr. 2011. Tabela 3 – Correlação entre o item Gestão e os demais componentes do roteiro padronizado. São Paulo, 2008 r1 p Higiene 0,18 0,43 Processos e Produtos 0,30 0,18 Controle de Pragas 0,12 0,61 Boas Práticas 0,45 0,21 Variável 1 Coeficiente de correlação de Pearson, com exceção da variável Boas Práticas que se utilizou Coeficiente de Correlação de Spearman. A pontuação total não diferiu nas categorias de preço, número de funcionários e número de refeições servidas quando estas foram divididas em tercis. Na análise de confiabilidade da escala, foi obtido um α de Cronbach de 0,73. DISCUSSÃO Neste trabalho, que objetivou avaliar as condições higiênico-sanitárias em restaurantes comerciais em região central do Município de São Paulo, correspondendo a uma área com intensa atividade comercial, verificou-se que 90% dos estabelecimentos foram classificados como deficientes. A média encontrada, 41 pontos, demonstra a deficiente qualidade higiênicosanitária dos restaurantes avaliados. Estudo feito por Cardoso et al. (2005) sobre as condições higiênico-sanitárias de panificadoras, relataram pontuação média igual a 68, que correspondeu à classificação regular, superior ao presente estudo. No entanto, ambas as investigações retratam situação inadequada às exigências da legislação. Resultados semelhantes aos do presente estudo foram encontrados por Yamamoto et al. (2004) ao caracterizar as condições higiênico-sanitárias dos restaurantes tipo fast food de dois shopping centers em diferentes regiões do município de São Paulo, pois os restaurantes localizados na periferia apresentaram-se classificados, em sua maioria como “deficiente” e “regular”. Da mesma forma, Franco e Ueno (2010), avaliaram 119 pontos de venda de comida de rua em Taubaté, relatando que tanto as condições ambientais e edificações quanto as condições higiênico-sanitárias de utensílios e equipamentos eram insatisfatórias. Também em Taubaté, Torres e Ueno (2010), em estudo observacional realizado em restaurantes self-service, verificaram que, no bloco sobre as condições de manipulação e manipuladores de alimentos, foram considerados satisfatórios apenas 33% dos estabelecimentos. Situação semelhante foi observada por Carrijo et al. (2010) em um restaurante universitário do Rio de Janeiro. Ferraz (2010), analisando buffets na região do ABC paulista relatou que 85% foram classificados como parcialmente satisfatórios ou 77 ESPERANÇA, L. C.; MARCHIONI, D. M. L. Qualidade na produção de refeições em restaurantes comerciais na região de Cerqueira César, São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 71-83, abr. 2011. insatisfatórios. Este quadro pode ajudar a justificar o número de surtos que ocorrem no Brasil, uma vez que mostra os problemas identificados nos diversos segmentos de estabelecimentos produtores de alimentos. De acordo com dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (BRASIL, 2010), de 1999 até 2009 foram notificados 6.349 surtos de DTAs, com 123.917 doentes e 70 óbitos. Esses dados refletem a importância de melhorar a qualidade dos restaurantes, pois os mesmos podem apresentar um risco potencial à saúde pública. O item que apresentou a pior pontuação foi o de Boas Práticas (9,2%). O Manual de Boas Práticas de Produção contém processos que servem para garantir a qualidade e a identidade dos alimentos e dos serviços, além da saúde do consumidor (ABREU; SPINELLI; PINTO, 2009), e, entretanto, 85% dos restaurantes avaliados não o possuíam. Barreto e Sturion, 2010, ao traçar o perfil epidemiológico dos surtos de toxinfecções em Limeira, São Paulo, verificaram que os surtos ocorreram em locais nos quais a média percentual de itens não conformes às boas Práticas de Higiene variou de 30,4 a 76,9. Ferraz, 2010, em estudo citado anteriormente, verificou no item fluxo de produção, que compreendia basicamente a presença e implantação de Boas Práticas, 47% dos estabelecimentos classificados como deficientes. Cavalli e Salay (2004) ao avaliarem a segurança do alimento e recursos humanos em restaurantes comerciais, obtiveram que 33% dos restaurantes de autosserviço analisados desconheciam as Boas Práticas de Fabricação e Produção. Akutsu et al. (2005) concluíram, ao avaliarem a adequação às boas práticas de fabricação em serviços de alimentação, que a presença do nutricionista foi essencial para adequação dos itens imprescindíveis da verificação proposta, a fim de garantir a qualidade das refeições servidas. O item que obteve maior adequação foi “Controle de Pragas” com 71%, o controle adequado desse item tem como finalidade garantir a ausência de insetos, roedores ou qualquer tipo de animais. Os dados de Rossi (2006), que avaliou as condições higiênicosanitárias de restaurantes do tipo self-service de Belo Horizonte, MG estão de acordo com os encontrados nessa pesquisa, pois o item controle de pragas apresentou 90% de eficiência na adequação. Os blocos que apresentaram percentuais médios de adequação foram “Processos e Produtos”, 47%; “Gestão”, 47% e “Higiene”, 52%. Os resultados para os itens “Processos e Produtos” e “Higiene” guardam relação com os obtidos por Bricio, Leite e Viana (2005) que encontraram, ao analisar salpicão de frango e salada de maionese com ovos, 73,3% das amostras fora do padrão para Estafilococos e 80% fora do padrão para coliformes, além de 20% contaminados por salmonela. De Deus et al. (2005) também encontraram qualidade insatisfatória ao avaliar preparações alimentícias à base de carne em restaurantes de autosserviço em Natal (RN). Os maus hábitos de higiene dos manipuladores foram a maior causa de contaminação das carnes e é o segundo maior motivo de DTA notificadas no Rio Grande do Sul, o que reafirma a necessidade da capacitação dos manipuladores (BARROS et al., 2007; SILVA JR, 2007). O treinamento de pessoas sobre procedimentos de higiene e conservação dos alimentos, tendo em vista as características semiartesanais da produção de refeições em restaurantes, é fundamental para prevenção da ocorrência de surtos de toxinfecções 78 ESPERANÇA, L. C.; MARCHIONI, D. M. L. Qualidade na produção de refeições em restaurantes comerciais na região de Cerqueira César, São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 71-83, abr. 2011. alimentares. Pansa et al. (2006) verificaram um aumento de 13% dos itens em conformidade com a legislação, após treinamento em restaurante comercial. Southier e Novello (2008) verificaram expressiva melhora na higiene e manipulação de higiene em um serviço de alimentação, após o treinamento. A implantação de um sistema de controle higiênicosanitário também pode ser um diferencial para a prevenção das doenças transmitidas por alimentos. Kraemer, Brandão e Silva (2010) observaram melhoras progressivas nas avaliações semestrais, ao analisarem os resultados de três anos de programa com estas características, implantado em cantinas de uma universidade pública. O bloco sobre gestão diz respeito à gestão operacional e de recursos humanos. No primeiro, é investigado a existência de fichas técnicas ou receituário padrão; a política de compras e de acompanhamento de custos e existência de metodologia para aferir a satisfação do cliente. O segundo engloba itens como política de gestão de pessoas e existência de Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (NR-9). A gestão de um restaurante comercial, incluindo a gestão de pessoas e gestão dos processos produtivos de forma a garantir a sanidade da refeição e preservação da saúde e satisfação dos clientes, é um aspecto fundamental para o sucesso do negócio, podendo ser determinante para sua sobrevivência em longo prazo. No entanto, poucos estudos têm considerado outras dimensões da gestão, além da conformidade dos processos higiênico-sanitários com a legislação. Trabalhos recentes apresentando propostas de check-list, focam na verificação e classificação higiênicosanitária de restaurantes (AVEGLIANO et al., 2010), não apresentando bloco específico para avaliar as dimensões de gestão de pessoas e sustentabilidade. No entanto, como pontuam Kraemer e Aguiar (2009), o momento atual exige dos trabalhadores de alimentação coletiva, não somente preparar refeições, mas monitorar a segurança alimentar, habilitar-se em novas tecnologias, operar novos equipamentos, desenvolver seu potencial cognitivo para preencher as condições necessárias ao desempenho de suas funções e suas interações sociais entre sujeitos de diferentes mundos, culturas e práticas alimentares e sociais. Portanto, é exigido um novo tipo de trabalhador, capaz de compreender e participar de um ambiente no qual as decisões são mais complexas e as interações sociais mais numerosas, o que ressalta a importância das empresas buscarem conhecer as competências que devam ser desenvolvidas. Dessa forma, o gerenciamento de pessoas deve se basear na formação profissional segundo o conceito de desenvolvimento sistemático de habilidades, reunidas sob o nome de competências, e não somente no treinamento para operação (KRAEMER; AGUIAR, 2009). Cavalli e Salay (2007), também concluem, em trabalho desenvolvido em Campinas, SP e Porto Alegre, RS, que é necessário qualificar a gestão de pessoas no segmento de restaurantes comerciais, de modo a favorecer as condições de segurança alimentar para a população consumidora. A sustentabilidade, por sua vez, refere-se aos esforços e movimento em prol de ações voltadas para o meio ambiente e para a qualidade de vida (LIMA, 2003; MONTEIRO; BRUNA, 2004). A preocupação com as questões ambientais, como adequação da cozinha ao uso racional da água, aproveitamento energético e destino apropriado para o lixo, devem 79 ESPERANÇA, L. C.; MARCHIONI, D. M. L. Qualidade na produção de refeições em restaurantes comerciais na região de Cerqueira César, São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 71-83, abr. 2011. se traduzir em ações programáticas e contínuas. No presente estudo, os aspectos de gestão correlacionaram-se positivamente com os demais itens analisados, o que pode apontar que maiores investimentos nos processos de gestão resultem em melhoria do desempenho dos demais aspectos, fundamentais para garantia da qualidade sanitária dos produtos. As condições higiênico-sanitárias dos restaurantes analisados no presente estudo não diferiram de acordo com características de atendimento, resultado similar ao de Torres e Ueno (2010), que relataram que restaurantes analisados em Taubaté se assemelham em relação à higiene dos manipuladores, independente da classe social que atendem. Entretanto, Baltazar et al. (2006) ao fazerem a avaliação higiênico-sanitária de estabelecimentos da rede fast food no município de São Paulo, encontraram que as condições socioeconômicas dos estabelecimentos interferiram nas suas condições higiênico-sanitárias. A confiabilidade dos dados é resultado da qualidade dos instrumentos de coleta de dados, e a checagem da consistência interna é um dos passos da validação de um instrumento. Uma vez que o coeficiente obtido foi igual a 0,73, pode-se concluir que o roteiro utilizado no presente estudo possui boa consistência interna e boa confiabilidade. O controle sanitário dos alimentos se constitui em um conjunto de normas e técnicas utilizadas para verificar se os produtos estão sendo produzidos, manipulados e distribuídos de acordo com as boas práticas de manipulação e fabricação de alimentos. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é o órgão que considera a necessidade constante de aperfeiçoamento das ações de controle sanitário na área de alimentação, visando à proteção à saúde da população. Stargarlin, Delevati e Saccol, 2008, verificaram em Santa Maria, RS, falta de conhecimento dos responsáveis em relação a RDC 216/04, e que 72,5% dos estabelecimentos não haviam sido fiscalizados em relação a esta resolução. Tal situação denota que, apesar dos inegáveis avanços que foram alcançados no país desde a década de 80, com a definição do papel da ANVISA em intervir nos riscos decorrentes da produção e do uso de produtos e serviços sujeitos à vigilância sanitária, em ação coordenada com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, de acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde, são ainda necessárias ações e programas para redução dos riscos de doenças transmitidas por alimentos, decorrente de falhas no processamento e manipulação, com ênfase particular na divulgação dos textos da lei e na educação dos atores envolvidos no processo de produção e comercialização de refeições. CONCLUSÃO Destaca-se que nenhum restaurante foi classificado como bom ou excelente, o que sugere a necessidade de intervenções para que se melhore a gestão da qualidade na produção das refeições vendidas, uma vez que os resultados sugerem risco potencial de ocorrência de doenças transmitidas por alimentos (DTA) tendo em vista, especialmente, as condições higiênico-sanitárias encontradas. A presença efetiva de um responsável técnico devidamente capacitado, possivelmente, garantiria a melhoria na qualidade dos serviços encontrados. 80 ESPERANÇA, L. C.; MARCHIONI, D. M. L. Qualidade na produção de refeições em restaurantes comerciais na região de Cerqueira César, São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 71-83, abr. 2011. REFERÊNCIAS/REFERENCES ABREU, E. S.; SPINELLI, M. G. N.; PINTO, A. M. S. Gestão de unidade de alimentação e nutrição: um modo de fazer. 3. ed. São Paulo: Metha, 2009. 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The aim of this study was to evaluate the nutritional status of pregnant women complicated by gestational diabetes mellitus (GDM) and mild hyperglycemia and associate them to the diagnosis of fetal macrosomia. We conducted a retrospective, descriptive study, where the curves were analyzed for weight gain of pregnant women who were diagnosed with diabetes or gestational mild hyperglycemia and received prenatal care in the service of Obstetrics at the Botucatu Medical School in 2005 and 2006. Half (49,51%) of the women were obese before the beginning of pregnancy, and Body Mass Index (BMI) before pregnancy was the only index that was related to the weight of the newborn at birth. The highest rate of overweight and obese women (adding up the two ratings) and a lower rate of low weight were detected by the Atalah’s curve, whereas the curve recommended by the Institute of Medicine (IOM) revealed a higher percentage of women with weight gain below the recommended levels and a lower percentage of pregnant women in the range of appropriate-gain curve and the curve of the Latin American Centre for Perinatology (CLAP) detected a higher percentage of pregnant women with adequate weight and a lower percentage of women with obesity and overweight. The prevalence of macrosomia was 11.21% as compared with other populations of concern in the study. However, the pre-pregnancy weight and weight gain during pregnancy of the diabetic patients or patients suffering from mild hyperglycemia were above the recommended levels, and the pre-pregnancy weight affected the weight of the newborn at birth. Keywords: Weight gain. Pregnancy. Gestational diabetes. Fetal macrosomia. Hyperglycemia. CAMILA PEREIRA BRAGA1; FELIPE ANDRÉ DOS SANTOS2; ELAINE GOMES DA SILVA3; HUMBERTO SADANOBU HIRAKAWA3; ANA ANGÉLICA HENRIQUE FERNANDES4; IRACEMA DE MATTOS PARANHOS CALDERON5 1Graduanda do Curso de Nutrição da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”Campus de Botucatu – UNESP. 2Pós-graduando do Programa de Biologia Geral e Aplicada do Instituto de Biociências - UNESP. 3Pós-graduando do Programa de Pós-graduação em Ginecologia, Obstetrícia e Mastologia da Faculdade de Medicina de Botucatu. 4Professora Doutora do Departamento de Química e Bioquímica - Instituto de Biociências - UNESP. 5Professora Doutora da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. Trabalho foi desenvolvido: no Hospital das Clínicas de Botucatu da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP. Endereço para correspondência: Camila Pereira Braga Av. Camilo Mazzoni, 1055, ap. H 22. Botucatu/SP CEP 18610-285 E-mail: [email protected], [email protected] 85 BRAGA, C. P.; SANTOS, F. A.; SILVA, E. G.; HIRAKAWA, H. S.; FERNANDES, A. A. H.; CALDERON, I. M. P. Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 85-98, abr. 2011. RESUMEN El objetivo del estudio fue evaluar el estado nutricional de mujeres embarazadas complicado por diabetes mellitus gestacional (DMG) o hiperglucemia leve y asociarlos con el diagnóstico de macrosomía fetal. Se realizó un estudio retrospectivo descriptivo, en el que se analizaron las curvas de ganancia de peso de las mujeres embarazadas que fueron diagnosticadas con diabetes o hiperglucemia gestacional leve y recibian atención prenatal en el servicio de Obstetricia de la Escuela de Medicina de Botucatu en 2005 y 2006. La mitad de las mujeres (49,51%) eran obesas antes del comienzo del embarazo, y el Índice de Masa Corporal (IMC) pregestacional fue el único que estaba relacionado con el peso del recién nacido. La curva de Atallah fue la que demostró la tasa más alta de mujeres con sobrepeso y obesas (suma de las dos clasificaciones) y menor tasa de peso bajo, ya la curva recomendada por el Instituto de Medicina (IOM), reveló mayor porcentaje de mujeres con aumento de peso abajo de los niveles recomendados y un menor porcentaje de gestantes en el rango de ganancia apropiada y el Centro Latinoamericano de Perinatología (CLAP) detectó un mayor porcentaje de mujeres embarazadas con peso adecuado y un menor porcentaje de mujeres con obesidad o sobrepeso. La prevalencia de macrosomía fue 11,21% en comparación con otras poblaciones de interés en el estudio. Sin embargo, el peso pregestacional y el aumento de peso durante el embarazo de gestantes diabéticas o portadoras de hiperglucemia leve están por sobre la recomendación siendo que el peso pregestacional influye en el peso del recién nacido. Palabras clave: Aumento de peso. Embarazo. Diabetes gestacional. Macrosomía fetal. Hiperglucemia. 86 RESUMO O objetivo do presente estudo foi avaliar o estado nutricional de gestantes que sofreram complicações pelo diabetes mellitus gestacional (DMG) e por hiperglicemia leve e associálas ao diagnóstico de macrossomia fetal. Foi realizado um estudo retrospectivo, descritivo, onde foram analisadas as curvas de ganho de peso de gestantes que tinham o diagnóstico de diabetes gestacional ou hiperglicemia leve, que fizeram pré-natal no serviço de Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu, nos anos de 2005 e 2006. Metade (49,51%) das gestantes apresentaram obesidade antes do início da gestação, e o Índice de Massa Corporal (IMC) pré-gestacional foi o único que se relacionou com o peso do recém-nascido. A curva de Atalah foi a que detectou maior índice de gestantes obesas e sobrepeso (somando-se as duas classificações) e menor índice de baixo peso, já a curva recomendada pelo Instituto de Medicina (IOM) detectou maior porcentagem de gestantes com ganho de peso abaixo do recomendado e menor porcentagem de gestantes na faixa de ganho adequado e a curva do Centro Latino Americano de Perinatologia (CLAP), detectou maior porcentagem de gestantes com peso adequado e menor porcentagem de gestantes com obesidade/sobrepeso. A prevalência de macrossomia foi de 11,21%, dado preocupante comparado com outras populações em estudo. Contudo, o peso pré-gestacional e o ganho de peso durante a gestação das portadoras de diabetes ou de hiperglicemia leve apresentaram-se acima do recomendado, sendo que o peso pré-gestacional interferiu no peso do recém-nascido. Palavras-chave: Ganho de peso. Gravidez. Diabetes gestacional. Macrossomia fetal. Hiperglicemia. BRAGA, C. P.; SANTOS, F. A.; SILVA, E. G.; HIRAKAWA, H. S.; FERNANDES, A. A. H.; CALDERON, I. M. P. Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 85-98, abr. 2011. INTRODUÇÃO O peso obtido na primeira hora após o nascimento, reflete as condições nutricionais do recém-nascido e da gestante, sendo considerado um indicador apropriado de saúde individual. Este indicador influencia o crescimento e o desenvolvimento da criança e a longo prazo pode repercutir nas condições de saúde do adulto (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2004). Deste modo, crescente importância vem sendo dada à macrossomia, devido aos riscos de mortalidade e morbidade materno-infantil dela decorrentes e ao incremento da sua incidência no Brasil (BRASIL, 2001). A definição clássica para macrossomia é o peso ao nascimento igual ou superior a 4.000g (independente da idade gestacional ou de outras variáveis demográficas) (BRASIL, 2006), porém há estudos que a define como o peso ao nascer superior a 4.000g (GROSS; SILVÉRIO; CAMARGO, 2002) ou ainda o peso ao nascer igual ou superior a 4.500g (INSTITUTE OF MEDICINE, 1990). De forma alternativa, pode ser considerado o peso fetal relacionado à idade gestacional, classificando como macrossômicos os recém-nascidos de peso para idade gestacional superior ao percentil 90 (ABRAMS; ALTMAN; PICKETT, 2000). A prevalência da macrossomia depende do critério utilizado e da população estudada. Os recém-nascidos com peso igual ou superior a 4.000g correspondem a 10% e aqueles com 4.500g ou mais, a 1% da população geral. A macrossomia é a característica mais comum entre mulheres multíparas, com idade mínima de 30 anos, maior estatura e índice elevado de massa corporal (IMC), além da presença de antecedentes familiares de diabetes e obstétricos de macrossomia fetal, de intolerância à glicose ou diabetes, no pós-datismo e nos fetos do sexo masculino (CHAUNHAN et al., 2005). A macrossomia pode aumentar o risco de complicações tanto para a mãe como para o concepto, mas esse risco está associado à presença ou não de diabetes (KERCHE et al., 2005). Fetos macrossômicos apresentam maior risco de morte intrauterina, distocia de ombro, fratura umeral e clavicular, paralisia facial e do plexo braquial, asfixia, aspiração de mecônio, hipoglicemia e hiperbilirrubinemia neonatal, cardiomiopatia hipertrófica e uso da unidade de terapia intensiva por tempo prolongado (CROMI et al., 2007; MAHONY et al., 2007). O risco parece ainda maior com peso ao nascer superior a 4.500g ou ao percentil 97 (GOLBERT; CAMPOS, 2008). Além disso, recém-nascidos macrossômicos ou grandes para a idade gestacional também podem apresentar importantes efeitos em longo prazo, com sequelas neurológicas, obesidade, dislipidemia, resistência à insulina e diabetes mellitus, assim como alterações do metabolismo antioxidante (EVANGELIDOU et al., 2006). Essas alterações parecem ter importante papel no desenvolvimento da doença aterosclerótica na idade adulta (HALAC et al., 2008). O diagnóstico antenatal de macrossomia fetal é difícil porque, apesar dos avanços na área da ultrassonografia obstétrica, a acurácia do peso fetal estimado permanece em torno de 38 e 67% (HACKMON et al., 2007). Sugere-se, para aumentar a acurácia, a associação de conhecidos fatores de risco maternos (peso pré-gestacional, ganho 87 BRAGA, C. P.; SANTOS, F. A.; SILVA, E. G.; HIRAKAWA, H. S.; FERNANDES, A. A. H.; CALDERON, I. M. P. Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 85-98, abr. 2011. ponderal durante a gravidez), com um adequado exame clínico e corretas mensurações ultrassonográficas (incluindo, além dos parâmetros biométricos, análise do índice de líquido amniótico e da área seccional do cordão umbilical). Com esta abordagem, pode-se aumentar o valor preditivo positivo para até 85% (PATES et al., 2008). Em estudos populacionais, a prevalência de macrossomia foi confirmada em 5,3% da população geral, em 15,4% das gestações pós-termo e em 10% dos casos de obesidade mórbida (EVERS et al., 2002). Especificamente associadas ao diabetes, as cifras variam de 28,5 até 48,8% (SCHWARCZ et al., 1996). Neste contexto, ensaio clínico randomizado, incluindo 1000 gestantes com intolerância à glicose, evidenciou que o não-tratamento de qualquer grau de hiperglicemia materna representa risco de peso fetal aumentado, além de outros resultados perinatais adversos (BRASIL, 2000). Estudo recente, comparando 886 gestações de fetos macrossômicos com 26.075 gestações de fetos com peso adequado para o termo da gestação, confirmou como fatores de risco independentes para a macrossomia o diabetes prévio (OR=4,6) ou gestacional (OR=1,6), o antecedente de feto macrossômico (OR=3,1), o pós-datismo (OR=3,1) e a obesidade materna (OR=2,0). Na população de gestantes brasileiras, o IMC superior a 25kg/m2 se relacionou a risco aumentado de macrossomia fetal e diabetes gestacional (DAS; SYSYN, 2004). Nas gestações complicadas por diabetes ou hiperglicemia diária, o ganho de peso superior a 16kg (OR=1,79), o IMC 25kg/m2 (OR=1,83), o antecedente pessoal de diabetes (OR=1,56) e de macrossomia (OR=2,37) e a média glicêmica no terceiro trimestre 120mg/dL (OR=1,78) também foram identificados como risco independente para o crescimento fetal exagerado (DAS; SYSYN, 2004). Independente do IMC, a hiperinsulinemia e os níveis anormais das frações do colesterol, HDL e LDL-colesterol, indicativos da síndrome metabólica, também foram relacionados ao risco aumentado de macrossomia fetal (CLAUSEN et al., 2005). A presença destes marcadores, em gestações associadas ou não ao diabetes materno, deverá alertar para o risco perinatal e destacar a importância do diagnóstico de macrossomia ainda na gestação. Com isso, o objetivo do presente trabalho foi avaliar o estado nutricional de gestantes que sofreram complicações pelo diabetes mellitus gestacional (DGM) e por hiperglicemia leve e associá-las ao diagnóstico de macrossomia fetal. METODOLOGIA Foi realizado um estudo observacional, retrospectivo, descritivo, onde foram analisados os prontuários de gestantes com diagnóstico de DMG ou hiperglicemia leve que fizeram pré-natal no serviço de Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Botucatu, nos anos de 2005 e 2006 e possuíam gestação única. O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu, em 05 de março de 2007 (OF. 20/2207-CEP). 88 BRAGA, C. P.; SANTOS, F. A.; SILVA, E. G.; HIRAKAWA, H. S.; FERNANDES, A. A. H.; CALDERON, I. M. P. Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 85-98, abr. 2011. Foram obtidos os primeiros dados de peso materno na primeira consulta de pré-natal, onde as gestantes tiveram seu estado nutricional avaliado pelo IMC (Atalah) (ATALAH; CASTILHO; CASTRO, 1997) e foram classificadas em: baixo-peso, peso adequado, sobrepeso e obesa. Com base na avaliação do estado nutricional na primeira consulta foram calculados os ganhos de peso durante a gestação segundo preconização da IOM (INSTITUTE OF MEDICINE, 1990). E a cada consulta a gestante: era pesada, calculado o seu IMC e preenchidas as curvas do CLAP (ATALAH; CASTILHO; CASTRO, 1997; SCHWARCZ et al., 1996). DEFINIÇÃO DAS CURVAS DE PESO • Curva de Ganho de Peso padronizada pelo Centro Latino Americano de Perinatologia (CLAP) – o ganho de peso, calculado em relação ao peso prégestacional, é colocado em um gráfico de percentis (SCHWARCZ et al., 1996). As curvas foram construídas e analisadas, sendo consideradas como de comportamento normal quando ficou ascendente e não ultrapassou o percentil 90. O comportamento da curva foi considerado anormal, quando se manteve sempre acima do percentil 90, ultrapassou o percentil 90, quando manteve um platô ou houve perda de peso. • Curva de IMC (Atalah): curva baseada na classificação do estado nutricional na primeira consulta do pré-natal (baixo peso, normal, sobrepeso e obesa) e calculada em cima do IMC atual e idade gestacional, que indicará o estado nutricional atual através de faixas de IMC (ATALAH; CASTILHO; CASTRO, 1997). As curvas foram construídas e analisadas, sendo consideradas como de comportamento normal quando esta foi ascendente e se manteve dentro dos limites determinados para sua faixa de IMC. Foram consideradas como anormal quando a curva foi ascendente, mas ultrapassava os limites determinados para sua faixa de IMC, quando esta não apresentou incremento mantendo um platô durante a gravidez e quando a curva foi decrescente. PARÂMETROS MATERNOS ANALISADOS Em relação aos parâmetros maternos foram analisados: a idade materna, em anos completos; a raça (branca, negra ou parda); o grau de escolaridade (ausente ou ensino: fundamental, médio ou superior); presença de tabagismo (quantos cigarros/dia); a paridade, relacionada ao número de partos anteriores, nulípara ou multípara; a idade gestacional no parto, calculada pela data da última menstruação (DUM) e confirmada pela ultrassonografia; estado nutricional pré-gestacional de sobrepeso e obesidade (IMC acima de 25 e 30kg/m2, respectivamente); ganho de peso (GP) gestacional, calculado em kilogramas (kg), por trimestre e total. Foram obtidos os antecedentes de diabetes – considerados os pessoais e obstétricos, isolados ou em associação; os antecedentes de 89 BRAGA, C. P.; SANTOS, F. A.; SILVA, E. G.; HIRAKAWA, H. S.; FERNANDES, A. A. H.; CALDERON, I. M. P. Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 85-98, abr. 2011. macrossomia – confirmação (sim) ou negativa (não) de recém-nascido com peso superior a 4.000g na anamnese de admissão do pré-natal; o tipo de diabetes – relacionado ao momento do diagnóstico, prévio (diabetes clínico) ou durante a gestação (diabetes gestacional). PARÂMETROS NEONATAIS ANALISADOS Em relação aos parâmetros neonatais: os recém-nascidos foram classificados quanto à adequação do peso ao nascimento com os valores normais esperados pela idade gestacional. Foram classificados como Pequenos para a Idade Gestacional (PIG) aqueles recém-nascidos com peso abaixo do percentil 10, Adequado para a Idade Gestacional (AIG), quando entre os percentis 10 e 90 e Grandes para a Idade Gestacional (GIG) os que se encontravam acima do percentil 90 (LUBCHENCO et al., 1963). ANÁLISE ESTATÍSTICA Foram realizadas análises descritivas das características demográficas da população do estudo, e calculado os respectivos intervalos de confiança (considerado intervalo de confiança de 95%) das curvas de ganho de peso de CLAP e de IMC. A análise estatística foi feita com orientação do Grupo de Apoio à Pesquisa (GAP) da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP. RESULTADOS Foram analisados 150 prontuários de gestantes com diagnóstico de diabetes gestacional ou hiperglicemia leve, entre o período de janeiro 2005 a dezembro 2006. A idade média encontrada das gestantes foi de 30,19 ± 7,18 anos, sendo a idade mínima apresentada de 15 anos e a máxima de 54 anos; a idade gestacional média do parto foi de 37,71±2,42 semanas. As características gerais da população estudada estão apresentadas na tabela 1, verifica-se o predomínio de mulheres de raça branca, casadas, com escolaridade primária, profissão do lar, não tabagistas e multíparas. O IMC pré-gestacional médio foi de 30,18±7,87kg/m2. Verificou-se que quase metade das gestantes apresentavam obesidade antes do início da gestação e 23,3% apresentavam-se sobrepeso. Apenas 24,27% das gestantes estavam eutróficas e 2,9% com baixo peso. Foi constatado que 73% das gestantes receberam pelo menos uma orientação nutricional pelo nutricionista do serviço durante o pré-natal. Em relação ao ganho de peso foi observado maiores médias em kg no 2º e 3º trimestre gestacional, e ganho de peso total médio durante a gestação de 10,63±7,20kg, como mostra a tabela 2. 90 BRAGA, C. P.; SANTOS, F. A.; SILVA, E. G.; HIRAKAWA, H. S.; FERNANDES, A. A. H.; CALDERON, I. M. P. Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 85-98, abr. 2011. Tabela 1 – Características gerais das gestantes estudadas (n=107) Variáveis (%) Idade (anos) <20 20-35 >35 3,84 64,42 31,73 Raça Branca Negra Parda 75,7 11,21 13,08 Estado Civil Solteira Casada União estável 13,08 56,07 30,84 Escolaridade Primário (completo/incompleto) Secundário (completo/incompleto) Universitário (completo/incompleto) 52,88 39,42 7,69 Profissão Do lar Empregada doméstica Outras Tabagistas Sim Não 19,44 80,56 Paridade Primíparas Multíparas 17,59 82,23 47 11 42 Tabela 2 – Caracterização das médias de ganho de peso total e ganho de peso por trimestre gestacional Ganho de Peso (kg) Média e Desvio Padrão Ganho de peso total 10,63±7,20 Ganho de peso no 1º trimestre 5,20±2,56 Ganho de peso no 2º trimestre 8,92±5,18 Ganho de peso no 3º trimestre 11,46±7,31 A tabela 3 mostra valores de ganho de peso recomendados durante o 1º, 2º e 3º trimestre da gestação pela preconização do IOM, levando em conta a avaliação do estado nutricional na primeira consulta de pré-natal, avaliados pelo IMC (ATALAH; CASTILHO; CASTRO, 1997) e o ganho de peso apresentado pelas gestantes do estudo, segundo classificação do estado nutricional. 91 BRAGA, C. P.; SANTOS, F. A.; SILVA, E. G.; HIRAKAWA, H. S.; FERNANDES, A. A. H.; CALDERON, I. M. P. Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 85-98, abr. 2011. Tabela 3 – Comparação do ganho de peso durante a gestação de 107 gestantes, diabéticas gestacionais, e a recomendação de ganho de peso para gestantes saudáveis segundo preconizado pela IOM7 Estado Nutricional pré-gestacional Ganho de peso observado no 1º trimestre Baixo peso Peso adequado Sobrepeso Obesidade 3,18kg (n=18) 4,55kg (n=46) 2,71kg (n=26) 1,6kg (n=13) Recomendação Recomendação Ganho de peso de ganho de de ganho de observado nos peso nos peso no 2º e 3º trimestres 2º e 3º trimestres 1º trimestre (semanal) (semanal) 2,3 Kg 0,33g (n=26) 0,5g 1,6Kg 0,32g (n=40) 0,4g 0,9Kg 0,20g (n=24) 0,3g – 0,53g (n=13) 0,3g Dentre as características obstétricas e perinatais, verifica-se que em relação ao tipo de parto, 55,21% das gestantes tiveram parto tipo cesárea e a incidência de óbito fetal foi de 5,76%. Dos resultados perinatais, observou-se que a média de peso dos recém-nascidos foi de 3200 ± 720,4 gramas, a distribuição do peso ao nascer das crianças foi de: 10,22% com peso menor que 2.500 gramas (PIG - Pequeno para a Idade Gestacional), 77,92% com o peso entre 2.500 e 4.000 gramas (AIG - Adequado para a Idade Gestacional) e 11,22% com o peso acima de 4.000 gramas (GIG - Grande para a Idade Gestacional) (Tabela 4). Tabela 4 – Características perinatais e obstétricas das gestantes diabéticas estudadas Variáveis Diabetes IB Frequência (%) 39,56 IIB 58,24 IIA Cesárea 13,18 55,21 Vaginal Classificação dos recém-nascidos PIG 44,79 10,22 Tipo de parto Óbito Fetal AIG 77,92 GIG 11,22 5,76 A tabela 5 apresenta a correlação entre o IMC pré-gestacional nos trimestres gestacionais (14ª, 28ª e 37ª semana) e o peso do recém-nascido. Observa-se que o IMC pré-gestacional foi o único que influenciou significativamente no peso do recém-nascido. Em relação às curvas de ganho de peso, temos que a curva de CLAP foi a que detectou maior número de gestantes obesas quando comparada com a de Atalah, e a de IOM no decorrer dos trimestres: (34,61% x 24,03 x 13%) no 1º trimestre, 23% x 13,07% x 13,46% no 2º trimestre e 26% x 19,23 x 13,46% no 3º trimestre. Porém, deve-se considerar que a curva de Atalah apresenta uma classificação diferenciada para sobrepeso. 92 BRAGA, C. P.; SANTOS, F. A.; SILVA, E. G.; HIRAKAWA, H. S.; FERNANDES, A. A. H.; CALDERON, I. M. P. Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 85-98, abr. 2011. Tabela 5 – Média e desvio padrão dos Índices de Massa Corporal em cada trimestre gestacional e correlação com o peso do recém-nascido Índice de Massa Corporal (kg/m2) Média e Desvio Padrão Correlação p<0,05 IMC pré-gestacional 30,18±7,87 0,003 IMC 14ª semana gestacional 32,31±8,23 0,191 IMC 28ª semana gestacional 33,77±8,09 0,162 IMC 37ª semana gestacional 34,77±7,71 0,131 Comparando a curva de CLAP com a de IOM, apenas no 1º trimestre a curva do IOM indicou maior frequência de obesidade, apresentando as seguintes frequências (CLAP e IOM respectivamente): 34% x 51,88% no 1º trimestre, 23% x 11,3% no 2º trimestre e 26% x 24,5% no 3º trimestre. Para baixo peso, a curva de CLAP e IOM foram as que detectaram maior número de gestantes com baixo peso quando comparada com a de Atalah: 24,03% x 22,04% x 17,3% 1º trimestre, 44,2% x 70,75% x 25% no 2º trimestre e 39,4% x 54,7 x 28,8% no 3º trimestre (Gráficos 1, 2 e 3). 80 70 60 50 CLAP 40 ATALAH 30 IOM 20 10 0 1º Trimestre 2º Trimestre 3º Trimestre Gráfico 1 – Porcentagem de gestantes com diabetes gestacional ou hiperglicemia leve, classificadas em baixo peso, segundo as curvas de Clap, Atalah e IOM 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 CLAP ATALAH IOM 1º Trimestre 2º Trimestre 3º Trimestre Gráfico 2 – Porcentagem de gestantes com diabetes gestacional ou hiperglicemia leve, classificadas em adequadas, segundo as curvas de Clap, Atalah e IOM 93 BRAGA, C. P.; SANTOS, F. A.; SILVA, E. G.; HIRAKAWA, H. S.; FERNANDES, A. A. H.; CALDERON, I. M. P. Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 85-98, abr. 2011. 60 50 40 CLAP 30 ATALAH (sobrepeso e obesas) IOM 20 10 0 1º Trimestre 2º Trimestre 3º Trimestre Gráfico 3 – Porcentagem de gestantes com diabetes gestacional ou hiperglicemia leve, classificadas em obesas, segundo as curvas de Clap, Atalah e IOM e sobrepeso pela curva de Atalah DISCUSSÃO A literatura aponta que a gravidez e o pós-parto são períodos do ciclo reprodutivo associados com o excesso de peso (CASTRO et al., 2009). As novas recomendações do Institute of Medicine publicadas em 2009 levaram em conta o aumento da prevalência de obesidade e sobrepeso, assim como o ganho de peso excessivo na gravidez, baseando-se principalmente em dados de coortes de gestantes americanas (INSTITUTE OF MEDICINE, 2009). No Brasil, o ganho ponderal gestacional excessivo configura-se também como um problema de saúde pública (DREHMER et al., 2010; RODRIGUES et al., 2010). No presente estudo, a média de ganho de peso por trimestre gestacional foi acima do recomendado, levando-se em conta que o perfil das gestantes era de obesidade e o ganho trimestral observado nos mostra ganho de peso menor no 1º trimestre, aumento acentuado no 2º trimestre e aumento mais lento no terceiro trimestre. Esses valores são coincidentes com os reportados por Nucci et al. (2001) para uma amostra de mais de 3.000 mulheres estudadas em seis capitais brasileiras. Nucci et al. (2001) sugerem que fatores psicossociais e estilo de vida podem estar associados ao maior ganho de peso semanal durante a gestação entre as gestantes com maior IMC inicial e associa esta ocorrência às mulheres com menos atitudes favoráveis ao ganho de peso e menor conhecimento sobre a importância de não ganhar peso excessivo durante a gravidez, quando comparadas às mulheres com ganho de peso adequado ou abaixo do recomendado. A macrossomia é o resultado adverso mais comumente observado nas gestações complicadas por diabetes ou hiperglicemia diária (GOLBERT; CAMPOS, 2008). Tal condição é geralmente associada a controle glicêmico inadequado, mas algumas características maternas, tais como: idade, multiparidade, obesidade, antecedentes de diabetes e de recém-nascidos grandes para a idade gestacional também podem contribuir para este desvio do crescimento fetal (RUDGE; CALDERON, 2000). No presente estudo, a variável 94 BRAGA, C. P.; SANTOS, F. A.; SILVA, E. G.; HIRAKAWA, H. S.; FERNANDES, A. A. H.; CALDERON, I. M. P. Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 85-98, abr. 2011. que se correlacionou positivamente com a presença de recém-nascido macrossômico foi o IMC pré-gravídico com p=0,003. Na literatura, são encontradas associações consistentes entre o IMC pré-gestacional e os desfechos maternos e fetais, como por exemplo, a relação entre excesso de peso pré-gestacional e risco de pré-eclâmpsia, diabetes gestacional, cesária, macrossomia e prematuridade (INSTITUTE OF MEDICINE, 2009). A frequência observada de macrossomia foi de 11,21%, esse valor pode ser considerado baixo se comparado a estudos com populações nativas americanas, onde a incidência atinge valores altos, entre 16 e 31%, ou mesmo representativo quando comparados à população americana em geral, que apresenta taxas da ordem de 10% (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1996). E em países europeus, como a Alemanha (10,1%) e a Dinamarca, ambas em 1999 (20,0%). No Brasil, ainda são escassos os estudos sobre a magnitude ou mesmo sobre os determinantes da macrossomia fetal (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1996). Na década de 90, o IOM, órgão americano, a partir de inúmeras evidências, elaborou recomendações para o ganho de peso na gestação. Essas recomendações são diferenciadas segundo o estado nutricional pré-gestacional, com o objetivo de restabelecer os estoques de gordura corporal em mulheres desnutridas e minimizar os ganhos de gordura em mulheres obesas, além de levar em conta aspectos específicos do pré-natal, estado nutricional materno e curso gestacional (crescimento fetal e peso ao nascer) (INSTITUTE OF MEDICINE, 1990). As faixas de recomendação de ganho de peso estão associadas a menores prevalências de baixo peso ao nascer (<2.500g), macrossomia (>4.000g) e recém-nascidos pequenos ou grandes para a idade gestacional. Porém, essas relações parecem ser mais evidentes em mulheres com baixo peso pré-gestacional e eutróficas do que em mulheres com sobrepeso e obesidade pré-gestacional (DAVIS; OLSON, 2009). Em meados da década de 1990, a partir de uma pequena casuística de 43 gestantes uruguaias, o CLAP propôs um modelo de avaliação nutricional da gestante, utilizando o aumento de peso a partir da 12ª semana gestacional através de quatro curvas correspondentes aos percentis 10, 25, 50 e 90. As principais críticas ao método baseiam-se no pequeno número de observações do estudo original e na recomendação de peso final de 8 a 16kg, sem considerar o estado nutricional pré-gestacional (COELHO; SOUZA; FILHO, 2002; PADILHA et al., 2009). Em 1997, Atalah, Castilho e Castro propuseram um novo método de avaliação antropométrica de gestantes baseado no IMC por idade gestacional entre as semanas 12 e 42 de gravidez. Essa curva foi elaborada com uma amostra de 665 gestantes uruguaias com idades entre 18-35 anos, com paridade menor do que quatro, sem doenças crônicas que afetam o crescimento fetal. A avaliação do IMC por semana gestacional tem a vantagem de realizar o diagnóstico nutricional diretamente através da tabela com valores correspondentes e fazer o monitoramento através da visualização direta do traçado dos valores de IMC no gráfico (ATALAH; CASTILHO; CASTRO, 1997; CASTRO et al., 2009). 95 BRAGA, C. P.; SANTOS, F. A.; SILVA, E. G.; HIRAKAWA, H. S.; FERNANDES, A. A. H.; CALDERON, I. M. P. Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 85-98, abr. 2011. Atualmente, o Ministério da Saúde (MS) associa duas metodologias para a avaliação do ganho de peso gestacional: Atalah, Castilho e Castro (1997) e Institute of Medicine (1990). O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) publicou em 2004 as normas para classificação do ganho de peso gestacional de grávidas brasileiras mediante combinação entre o modelo proposto por Atalah, Castilho e Castro (1997) e as recomendações propostas pelo IOM (INTITUTE OF MEDICINE, 1990). Por associar duas metodologias distintas, que consideram diferentes indicadores, com origem em duas populações internacionais de mulheres grávidas, as recomendações do MS geram muitas controvérsias. Algumas discordâncias podem ser verificadas, por exemplo, entre o ganho de peso final entre os dois métodos. Em nosso estudo, a curva de Atalah foi a que detectou maior índice de gestantes obesas e sobrepeso (somando-se as duas classificações) e menor índice de baixo peso, diferentemente dos resultados obtidos no estudo de Andreto et al. (2006), com gestantes de baixo risco obstétrico, onde aproximadamente metade destas apresentou estado nutricional adequado para a idade gestacional e 26,3% sobrepeso/obesidade. A curva recomendada pelo IOM detectou maior porcentagem de gestantes com ganho de peso abaixo do recomendado e menor porcentagem de gestantes na faixa de ganho adequado. Já a curva de CLAP detectou maior porcentagem de gestantes com peso adequado e menor porcentagem de gestantes com obesidade/sobrepeso. O controle de ganho de peso é adequado para acompanhar as mulheres grávidas, para prevenir e controlar o aparecimento de condições indesejáveis materno-fetal, como a macrossomia que é o resultado adverso mais comumente observado nas gestações complicadas por diabete ou hiperglicemia diária. CONCLUSÃO O peso pré-gestacional e o ganho de peso durante a gestação das portadoras de diabetes ou de hiperglicemia leve apresentaram-se acima do recomendado, sendo que o peso pré-gestacional interferiu no peso do recém-nascido. REFERÊNCIAS/REFERENCES ABRAMS, B.; ALTMAN, S. L.; PICKETT, K. E. Pregnangy weight gain: still controversial. Am J Clin Nutr., v. 71, n. 5 Suppl., p. 1233S-1241S, 2000. A M E R I C A N D I A B E T E S A S S O C I AT I O N . Gestacional Diabetes Mellitus. Diabetes Care, v. 27, n. 1, p. 88-90, 2004. 96 ANDRETO, L. M.; SOUZA, A. I.; FIGUEIROA, J. N.; CABRAL-FILHO, J. E. Fatores associados ao ganho ponderal excessivo em gestantes atendidas em um serviço público de pré-natal na cidade de Recife, Pernambuco, Brasil. Cad. saúde pública, v. 22, n. 11, p. 2401-2409, 2006. BRAGA, C. P.; SANTOS, F. A.; SILVA, E. G.; HIRAKAWA, H. S.; FERNANDES, A. A. H.; CALDERON, I. M. P. 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Relação do ganho de peso, antes e durante a gravidez, com a macrossomia fetal em gestações complicadas pelo diabetes gestacional e hiperglicemia leve. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 85-98, abr. 2011. HALAC, E.; OLMAS, J. M.; OTTINO, C. O.; PAISANI, J. M. El dilema del hijo de madre diabética: evolución, pasado, presente y futuro. Arch. argent. pediatr., v. 106, n. 1, p. 36-39, 2008. NUCCI, L. B.; SCHIMDT, M. I.; DUNCAN, B. B.; FUCHS, S. C.; FLECK, E. T.; BRITTO, M. M. S. Nutritional status of pregnant women: prevalence and associated pregnancy outcomes. Rev. saúde publica, v. 35, n. 6, p. 502-507, 2001. INSTITUTE OF MEDICINE. Nutrition during pregnancy, weight gain and nutrient supplements. Report of the Subcommittee on Nutritional Status and Weight Gain during Pregnancy. Washington, (DC): National Academy Press, 1990. PADILHA, P. C.; ACIOLLY, E.; LIBERA, B. D.; CHAGAS, C.; SAUNDERS, C. 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O.; LIMA, S. C. V. C.; PINHEIRO, L. G. B.; AZEVEDO, P. R. M.; ARRAIS, R. F.; MIRANDA, A. L.; PEDROSA, L. F. C. S. Coronary risk in adolescents as estimated by the Conicity index. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr. = J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 99-109, abr. 2011. The objective of this study was to estimate the prevalence of coronary risk using the conicity index and to compare this index with other indicators of body adiposity in adolescents. This was a cross-sectional study with 185 adolescent students from public schools in Natal, Brazil, selected by random sampling in two stages, considering the two health districts of the city. The corporal adiposity was assessed using conicity index, abdominal circumferences, waist-height ratio and body mass index. Sexual maturity was clinically assessed according to Tanner. Measures of central tendency and dispersion (mean, median and standard deviation) and percentiles distribution of the corporal adiposity are compared according to sex. The correlation between conicity index and other variables of the corporal adiposity was performed using Pearson’s partial correlation, considering age, sex and sexual maturation. These findings verified that 27.6% of adolescents have high coronary risk, regardless of sex (p=0,764). The low/medium and high categories of coronary risks were respectively 1.16 and 1.20, for the median values of conicity index concerning both sexes. Strong correlations were found between conicity index and the waist-height ratio (0.732), followed by moderate correlations with abdominal circumferences and the body mass index. All correlations were significant (p < 0.0001). Therefore, the prevalence of high coronary risk rates was considerable. The conicity index is strongly correlated with the waist-height ratio. This index can be used in adolescent coronary disease screening. Keywords: Conicity Index. Anthropometry. Adolescent. Risk Factors. MARCELA PINHEIRO MARQUES1; CLÉLIA DE OLIVEIRA LYRA2; SEVERINA CARLA VIEIRA CUNHA LIMA2; LIANA GALVÃO BACURAU PINHEIRO2; PAULO ROBERTO DE MEDEIROS AZEVEDO3; RICARDO FERNANDO ARRAIS4; ANA LÚCIA MIRANDA1; LUCIA DE FÁTIMA CAMPOS PEDROSA2 1Curso de Nutrição, UFRN. 2Depto. de Nutrição, UFRN. 3Depto. de Estatística, UFRN. 4Depto. de Pediatria, UFRN. Endereço para correspondência: Clélia de Oliveira Lyra Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Centro de Ciências da Saúde - Depto. de Nutrição Rua General Gustavo Cordeiro de Farias, s/nº Petrópolis Natal – RN CEP 59012-570. E-mail: [email protected], [email protected] Agradecimentos: Secretaria Municipal de Educação, Natal-RN, pelo acesso às escolas; aos alunos do Curso de Graduação em Nutrição e aos residentes do Hospital de Pediatria da UFRN pela colaboração na coleta de dados. Fonte de Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 478287-06-2, como parte integrante do projeto “Fatores de risco para doenças cardiovasculares entre adolescentes beneficiários do PNAE-Natal/RN”. 99 MARQUES, M. P.; LYRA, C. O.; LIMA, S. C. V. C.; PINHEIRO, L. G. B.; AZEVEDO, P. R. M.; ARRAIS, R. F.; MIRANDA, A. L.; PEDROSA, L. F. C. S. Risco coronariano em adolescentes estimado pelo índice de Conicidade. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 99-109, abr. 2011. RESUMEN El objetivo de este estudio fue estimar la prevalencia de riesgo coronario en adolescentes mediante el índice de conicidad y evaluar su relación con otros indicadores antropométricos de grasa corporal. Es un estudio transversal con 185 adolescentes de escuelas públicas en dos distritos de salud de la ciudad de Natal, RN, Brasil, seleccionados mediante muestreo estratificado en dos etapas. La adiposidad corporal fue evaluada por el índice de conicidad, las circunferencias de la cintura, relación cintura / talla e índice de masa corporal. La madurez sexual fue clínicamente evaluada de acuerdo a Tanner. Todas las variables r elacionadas con la adiposidad se analizaron mediante medidas de tendencia central y de dispersión, según el sexo. El coeficiente de correlación parcial de Pearson fue utilizado para verificar la relación entre el índice de conicidad y otras variables antropométricas, ajustado por edad, sexo y madurez sexual. Los resultados mostraron que 27,6% de los adolescentes presentan alto riesgo coronario, independientemente del sexo (p = 0,764). Los valores promedio de este índice, por categoría de riesgo: bajo/medio y alto fueron 1,16 y 1,20, respectivamente para ambos sexos. Se observó una elevada correlación entre el índice de conicidad y el de cintura-altura (0, 732) y correlaciones moderadas con la circunferencia de la cintura y el IMC, todas estadísticamente significativas (p <0,0001). Por lo tanto, el alto riesgo coronario estimado por el índice de conicidad mostró elevada correlación, positiva y significativa, con el de cintura-altura. Este índice puede ser utilizado en adolescentes para detección de enfermedades coronarias. Palabras clave: Índice de conicidad. Antropometría. Adolescente. Factores de riesgo. 100 RESUMO Objetivou-se estimar a prevalência de risco coronariano em adolescentes, utilizando o índice de conicidade e avaliar sua relação com outros indicadores antropométricos de excesso de adiposidade corporal. Trata-se de um estudo transversal, realizado com 185 adolescentes de escolas públicas municipais de dois distritos sanitários de Natal, selecionados por amostra estratificada, em dois estágios. A adiposidade corporal foi avaliada pelo índice de conicidade, circunferências abdominais, razão cinturaaltura e índice de massa corporal. A maturação sexual foi avaliada conforme classificação de Tanner. Todas as variáveis relacionadas à adiposidade corporal foram analisadas por medidas de tendência central e de dispersão, segundo o sexo. A correlação parcial de Pearson foi utilizada para verificar a relação entre o índice de conicidade e as demais variáveis antropométricas, ajustadas por idade, sexo e maturação sexual. Os resultados indicaram que 27,6% dos adolescentes apresentaram risco coronariano elevado, sem associação com o sexo (p = 0,764). Os valores médios deste índice, segundo as categorias de risco baixo/médio e elevado foram 1,16 e 1,20, respectivamente para ambos os sexos. Constatou-se uma forte correlação entre o índice de conicidade e a razão cintura-altura (0,732) e correlações moderadas com as circunferências abdominais e o índice de massa corporal, todas significantes estatisticamente (p<0,0001). Dessa forma, o risco coronariano avaliado pelo índice de conicidade apresentou alta magnitude e mostrou correlação positiva e significante com a razão cintura-altura. Destaca-se, portanto, que este índice pode ser utilizado na triagem para a detecção precoce de eventos cardiovasculares em adolescentes. Palavras-chave: Índice de conicidade. Antropometria. Adolescente. Fatores de risco. MARQUES, M. P.; LYRA, C. O.; LIMA, S. C. V. C.; PINHEIRO, L. G. B.; AZEVEDO, P. R. M.; ARRAIS, R. F.; MIRANDA, A. L.; PEDROSA, L. F. C. S. Risco coronariano em adolescentes estimado pelo índice de Conicidade. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 99-109, abr. 2011. INTRODUÇÃO As doenças cardiovasculares (DCV) representam a primeira causa de mortalidade no Brasil (BRASIL, 2010) e no mundo (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009). O processo aterosclerótico tem início na infância, com gravidade proporcional ao número de fatores de risco apresentados pelo indivíduo durante a vida (FREEDMAN et al., 2001; MENDES et al., 2006; MONEGO; JARDIM, 2006; SOROF; DANIELS, 2002). Muitos destes fatores estão associados à obesidade e ao excesso de adiposidade abdominal, que favorecem a intolerância à glicose, hiperinsulinemia, diabetes, hipertensão e alterações nas concentrações de lipídios e lipoproteínas plasmáticas (BOZZA et al., 2009; FREEDMAN et al., 1999; JANSSEN et al., 2005; KLEIN et al., 2007). Poucos estudos têm avaliado o risco coronariano por meio do índice de Conicidade (Índice C) em adolescentes. Classicamente, os indicadores antropométricos utilizados nesta fase da vida são o Índice de Massa Corporal (IMC), como indicativo de obesidade generalizada e as circunferências da cintura (CC) ou do abdômen (CA) e razão cintura/ altura (RCA), como marcadores de obesidade central, estando as últimas mais associadas às doenças cardiovasculares (ALVAREZ et al., 2008; BOZZA et al., 2009; KLEIN et al., 2007; SAVVA et al., 2000; TAYLOR et al., 2008). Em adultos, verifica-se que o Índice C constitui-se em um indicador mais específico para avaliar fatores de risco coronariano, devido estar fortemente relacionado com as alterações das concentrações séricas de lipídios e lipoproteínas, glicemia e pressão arterial (PITANGA; LESSA, 2007). O Índice C está baseado no princípio que o corpo humano muda do formato de um cilindro para o de um “cone duplo”, com o acúmulo de gordura ao redor da cintura (VALDEZ, 1991). Esta medida apresenta vantagens, tais como informações da adiposidade geral e central; maior comparabilidade entre pessoas com mesmo peso e altura, bem como de diferentes biótipos e etnias (VALDEZ et al., 1993). Configura-se então, como uma medida independente da circunferência do quadril, aspecto importante em se tratando de adolescentes, devido às variações corpóreas próprias da fase puberal (PEREZ; LANDAETA-JIMÉNEZ; VASQUÉZ, 2000; VELDHUIS et al., 2005). Em adicional, trata-se de uma ferramenta antropométrica de baixo custo e de fácil padronização. Neste sentido, o estudo teve como objetivo estimar a prevalência de risco coronariano em adolescentes utilizando o índice de Conicidade e avaliar sua relação com outros indicadores de adiposidade corporal. MÉTODOS DELINEAMENTO DA POPULAÇÃO DE ESTUDO Estudo transversal realizado no período de 2007 a 2008, com subamostra de adolescentes na faixa etária de 10 a 16 anos, provenientes de escolas municipais dos 101 MARQUES, M. P.; LYRA, C. O.; LIMA, S. C. V. C.; PINHEIRO, L. G. B.; AZEVEDO, P. R. M.; ARRAIS, R. F.; MIRANDA, A. L.; PEDROSA, L. F. C. S. Risco coronariano em adolescentes estimado pelo índice de Conicidade. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 99-109, abr. 2011. distritos sanitários Norte e Sul, no âmbito do projeto “Fatores de risco para DCV entre Adolescentes Beneficiários do Programa Nacional de Alimentação Escolar - Natal/Rio Grande do Norte”. O plano amostral foi determinado por amostragem aleatória estratificada em dois estágios, com base na população alvo de 19.270 alunos no distrito Norte e 4.128, no Sul, e prevalências estimadas de pressão arterial elevada, conforme estudo piloto com oito escolas (ρ̂ Norte = 14,6% e ρ̂ Sul = 8,8%). O limite de erro de estimação foi de 2,5% e 20% de previsão para perdas amostrais, resultando no tamanho de amostra n = 224 alunos e amostragem estratificada com alocação de Neyman para definição dos tamanhos de amostra por distritos, resultando em: nNorte = 192 , nSul = 33. A pressão arterial elevada foi utilizada para o cálculo amostral por ser o fator de risco cardiovascular de menor prevalência nesta população. Esses dois distritos sanitários foram escolhidos por se tratar de localidades dispares do ponto de vista de infraestrutura urbana e populacional, e representa 52% da amostra total pesquisada. Para determinação do número de escolas, foi considerado o número médio de alunos por escola, supondo-se aproximadamente igual a variância desse número nos distritos. O tamanho da amostra resultou em 12 escolas e, de acordo com a alocação proporcional por distrito obteve-se nove escolas no distrito norte e três no sul. A seleção das escolas foi feita por sorteio aleatório sistemático, com amostra distribuída de forma proporcional aos totais de alunos das escolas sorteadas. Foram incluídos os adolescentes que frequentavam regularmente a escola, na faixa etária de interesse definida no momento da primeira coleta de dados; e excluídos aqueles com síndromes genéticas associadas à obesidade ou a outras doenças, gestantes e os que apresentavam necessidades especiais. Todos os participantes ou seus responsáveis apresentaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido, conforme protocolo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (nº 112/06). ANTROPOMETRIA As medidas antropométricas foram aferidas em duplicata por estudantes de Nutrição devidamente capacitados. Para registro dos dados foi preenchido um formulário padronizado, contemplando informações de identificação e dados antropométricos. Na aferição da altura, da CC e da CA, quando houve diferença superior a 0,5cm entre as duas primeiras mensurações, realizou-se uma terceira medida e considerou-se a média das duas mais próximas. A reprodutibilidade das medidas antropométricas foi verificada e a diferença média entre cada uma das duas medidas variou de -0,0016±0,29cm a -0,0281±0,28cm. ÍNDICE DE MASSA CORPORAL (IMC) O IMC foi calculado a partir da relação do peso (em kg) e da altura (em metros) ao quadrado. O peso foi aferido com o auxílio de uma balança Tanita®, do tipo solar, modelo HS301, com capacidade de 150kg e precisão de 100g; a estatura foi obtida com 102 MARQUES, M. P.; LYRA, C. O.; LIMA, S. C. V. C.; PINHEIRO, L. G. B.; AZEVEDO, P. R. M.; ARRAIS, R. F.; MIRANDA, A. L.; PEDROSA, L. F. C. S. Risco coronariano em adolescentes estimado pelo índice de Conicidade. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 99-109, abr. 2011. um estadiômetro portátil do tipo altura exata (precisão de 1mm). Ambas as medidas foram mensuradas conforme as técnicas recomendadas pela World Health Organization (1995). CIRCUNFERÊNCIAS ABDOMINAIS As circunferências corporais foram medidas conforme as técnicas recomendadas pela World Health Organization (1995), com o auxílio de uma fita antropométrica de material não elástico, com precisão de 1mm. A circunferência do abdômen (CA) foi aferida no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca. Enquanto que a circunferência da cintura foi mensurada na parte mais estreita do tronco, entre a última costela e a crista ilíaca. ÍNDICE DE CONICIDADE O Índice C foi calculado a partir da circunferência do abdômen, peso corporal e altura. Foi realizada uma adaptação metodológica em relação ao uso da medida de circunferência abdominal, considerando que seria a mais próxima do referencial anatômico proposto originalmente para o cálculo do Índice C. O Índice C foi calculado a partir da fórmula (VALDEZ, 1991): C . Abdômen (m) Índice C = 0,109 Peso Corporal (kg) Altura (m) O risco coronariano avaliado pelo Índice C foi categorizado em elevado, quando maior ou igual ao percentil 75 (P≥75) e baixo e/ou médio quando apresentou valores inferiores ao percentil 75 (P<75). Optou-se pelo P75 da distribuição do Índice C da população estudada considerando que a partir deste centil foi possível identificar diferença entre médias de IMC, circunferências da cintura e do abdômen e razão cintura/altura, indicadores antropométricos clássicos relacionados ao risco cardiovascular. RAZÃO CINTURA / ALTURA A razão cintura/altura (RCA) foi avaliada a partir da divisão entre a circunferência do abdômen (cm) e a altura (cm), segundo Savva et al. (2000). Apesar de ter sido utilizada a circunferência do abdômen, optou-se em utilizar a nomenclatura padronizada na literatura. DESENVOLVIMENTO PUBERAL Uma equipe de pediatras procedeu a avaliação da maturação sexual, utilizada como variável controle, segundo método de Tanner, considerando o desenvolvimento das 103 MARQUES, M. P.; LYRA, C. O.; LIMA, S. C. V. C.; PINHEIRO, L. G. B.; AZEVEDO, P. R. M.; ARRAIS, R. F.; MIRANDA, A. L.; PEDROSA, L. F. C. S. Risco coronariano em adolescentes estimado pelo índice de Conicidade. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 99-109, abr. 2011. mamas (MARSHALL; TANNER, 1969) e genitais (MARSHALL; TANNER, 1970) em estágios do 1 ao 5, respectivamente para meninas e meninos. ANÁLISE ESTATÍSTICA O banco de dados foi construído no software EPI-INFO versão 6.04, no qual as variáveis foram pré-codificadas. A análise foi realizada nos softwares Microsoft Office Excel 2007 e SPSS 9.0. Todas as variáveis antropométricas foram apresentadas por meio de medidas de tendência central e de dispersão (média, mediana e desvio padrão) e distribuição em percentil considerando o P75. A associação do risco coronariano elevado com o sexo foi verificada pelo teste de qui-quadrado (χ2). A correlação entre o Índice C e variáveis de adiposidade corporal foi verificada pelo coeficiente parcial de Pearson, ajustado por idade (como variável contínua), sexo e maturação sexual (cinco estágios). As diferenças entre as médias das variáveis antropométricas em relação ao sexo e ao risco coronariano medido pelo Índice C (elevado e baixo/médio) foram verificadas pelo teste t-Student. Para comparar as médias entre as circunferências abdominais nos dois pontos anatômicos aferidos (cintura e abdômen), utilizou-se o teste t-pareado. Todas as análises estatísticas foram consideradas significantes quando o p-valor foi menor que 5%. RESULTADOS Participaram efetivamente do estudo 185 adolescentes, resultando em 17,4% de perda do universo amostral inicial, já prevista no cálculo do tamanho da amostra. Destes, 50,8% (n=94) eram do sexo masculino e a média da idade, peso e altura dos adolescentes estudados foi de 11,8 anos, 39,4 kg e 146,0cm; sem diferenças entre médias em relação ao sexo (p=0,630; p=0,175; p=0,135; respectivamente). Conforme avaliação do desenvolvimento puberal, a maioria dos meninos (71,7%) encontrava-se nos estágios 1 e 2, ao passo que 50% das meninas, nos estágios 4 e 5 de maturação sexual. A prevalência de elevado risco coronariano medido pelo Índice C foi de 27,6%, sem associação com o sexo (p = 0,764) (dados não apresentados em tabelas). As características antropométricas da população estudada estão representadas na tabela 1. Observou-se que não houve diferença estatística dos valores médios das variáveis antropométricas (IMC, CC, CA, RCA e Índice C) entre os sexos. A análise dos coeficientes de correlação parcial entre o Índice C e IMC, CC, CA e RCA, ajustados pela idade, sexo e maturação sexual revelaram que o Índice C se relacionou de 104 MARQUES, M. P.; LYRA, C. O.; LIMA, S. C. V. C.; PINHEIRO, L. G. B.; AZEVEDO, P. R. M.; ARRAIS, R. F.; MIRANDA, A. L.; PEDROSA, L. F. C. S. Risco coronariano em adolescentes estimado pelo índice de Conicidade. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 99-109, abr. 2011. maneira positiva e significativa com todas as variáveis (p<0,0001), como mostra a tabela 2, sendo mais forte para a RCA. Tabela 1 – Características antropométricas de adolescentes de escolas municipais de Natal, RN (2007-2008) Masculino Feminino Variáveis x ±DP P50 P75 x ±DP P50 P75 p-valor* IMC (kg/m2) 17,9±3,3 17,10 18,84 18,4±3,7 17,65 19,96 0,290 CC (cm) 63,3±8,2 61,2 66,5 63,2±7,4 61,6 67,5 0,917 CA (cm) 65,0±9,0 63,1 68,3 66,2±9,1 63,4 70,4 0,350 RCA 0,45±0,05 0,43 0,46 0,45±0,05 0,43 0,47 0,907 Índice C 1,17±0,05 1,16 1,20 1,17±0,06 1,16 1,20 0,673 *p-valor refere-se a diferença entre masculino e feminino. CC: circunferência da cintura; CA:circunferência do abdômen; RCA: Razão cintura-altura; Índice C: índice de conicidade. Tabela 2 – Coeficientes de correlação parcial* entre o Índice C e as variáveis antropométricas de adolescentes, ajustados por idade, sexo e maturação sexual. Natal (RN), 2007-2008 Variáveis Antropométricas Índice C Índice de Massa Corporal (kg/m2) 0,423 Circunferência da Cintura (cm) 0,624 Circunferência do Abdômen (cm) 0,685 Razão Cintura-Altura 0,732 *p<0,0001 para todos os coeficientes de correlação. Índice C: índice de conicidade. Os valores médios e desvio padrão das variáveis antropométricas, de acordo com as categorias de Índice C foram semelhantes entre os sexos e significativamente maiores nos adolescentes que apresentaram elevado risco coronariano (Tabela 3). 105 MARQUES, M. P.; LYRA, C. O.; LIMA, S. C. V. C.; PINHEIRO, L. G. B.; AZEVEDO, P. R. M.; ARRAIS, R. F.; MIRANDA, A. L.; PEDROSA, L. F. C. S. Risco coronariano em adolescentes estimado pelo índice de Conicidade. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 99-109, abr. 2011. Tabela 3 – Valores médios (±DP) das variáveis antropométricas de adolescentes, conforme risco coronariano medido pelo Índice C, segundo o sexo. Natal, RN, 2007-2008 Índice C Variáveis ≥ P75 Elevado < P75 Baixo/moderado n=25 n=69 20,3±5,0* 17,0±1,7 Circunferência da Cintura (cm) 70,1±11,2* 60,8±4,9 Circunferência do Abdômen (cm) 72,7±12,4* 62,2±5,2 Razão Cintura-Altura 0,50±0,06* 0,43±0,02 n=26 n=65 21,1±4,8* 17,3±2,5 Circunferência da Cintura (cm) 70,0±8,1* 60,4±5,1 Circunferência do Abdômen (cm) 75,3± 9,5* 62,6±5,9 Razão Cintura-Altura 0,50±0,06* 0,43±0,03 n=51 n=134 20,7±4,9* 17,2±2,1 Circunferência da Cintura (cm) 70,0±9,6* 60,6±5,0 Circunferência Abdômen (cm) 74,0±11,0* 62,4±5,5 Razão Cintura-Altura 0,50±0,06* 0,43±0,03 Masculino Índice de Massa Corporal (kg/m2) Feminino Índice de Massa Corporal (kg/m2) Total Índice de Massa Corporal *Teste (kg/m2) t-Student, p < 0,0001. DISCUSSÃO O estudo pioneiro relacionando o índice C e o risco cardiovascular foi realizado por Valdez et al. (1993), que verificou a relação deste índice e o perfil lipídico em adultos. No Brasil, Pitanga e Lessa (2007) realizaram estudo de validação utilizando o escore de Framingham, em população de adultos de Salvador, Bahia, denominando o risco como coronariano. No presente estudo, optou-se em utilizar a nomenclatura deste último autor. O Índice C tem sido utilizado como alternativa para avaliar distribuição da adiposidade em adolescentes (PEREZ; LANDAETA-JIMÉNEZ; VASQUÉZ, 2002; PITANGA; LESSA, 2007). A maturação sexual foi utilizada neste estudo como variável de ajuste, uma vez que a puberdade desencadeia modificações antropométricas e de composição corporal, portanto, deve ser considerada na avaliação do estado nutricional, e não somente quanto à idade cronológica e sexo (BARBOSA; FRANCESCHINI; PRIORE, 2006; VELDHUIS et al., 2005). 106 MARQUES, M. P.; LYRA, C. O.; LIMA, S. C. V. C.; PINHEIRO, L. G. B.; AZEVEDO, P. R. M.; ARRAIS, R. F.; MIRANDA, A. L.; PEDROSA, L. F. C. S. Risco coronariano em adolescentes estimado pelo índice de Conicidade. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 99-109, abr. 2011. Cuidados também foram direcionados quanto ao conhecimento da variação da CA e da CC, que resultou em diferença média de 2,35±2,25cm (p<0,0001, t-pareado). Apesar de estas medidas serem aferidas em pontos anatômicos distintos, tem sido frequentemente utilizadas para compor os critérios de classificação de obesidade central, com o mesmo termo técnico ou significado. Portanto, para identificar a obesidade central a partir das circunferências abdominais é necessário primeiramente definir o critério de classificação a ser utilizado, para então escolher o referencial anatômico adequado para a pesquisa. Neste estudo, a prevalência do elevado risco coronariano foi preocupante e superior ao observado em adolescentes venezuelanos, que foi de 14% no sexo masculino e 15%, no feminino. A mediana do Índice C foi semelhante em ambos os sexos e seu valor diminuiu à medida que a idade aumentou, especialmente para os meninos. Além disso, para as distintas idades, os meninos apresentaram valores mais elevados de Índice C (1,02 – 1,18) que as meninas (0,99 – 1,14) (PEREZ; LANDAETA-JIMÉNEZ; VASQUÉZ, 2000). Uma pesquisa realizada na ilha de Chipre com adolescentes de 10 a 14 anos também investigou a média dos indicadores IMC, CC e RCA, segundo os percentis 50 e 75 da distribuição. Os resultados mostraram que todos os valores obtidos foram mais elevados do que os encontrados na presente pesquisa. Além disso, esses autores verificaram que os adolescentes que excederam o percentil 75 para esses três indicadores, apresentaram valores médios mais elevados de outros fatores de risco cardiovascular (colesterol total, triglicérides, high-density lipoprotein cholesterol - HDL-C, low-density lipoprotein cholesterol - LDL-C, e pressão arterial sistólica e diastólica) (SAVVA et al., 2000). O Índice C forte e positivamente relacionado à RCA reflete a pertinência desta medida pelo fato da RCA estar relacionada com a predição de vários fatores de risco cardiovasculares (HO; LAM; JANUS, 2003; HSIEH; YOSHINAGA; MUTO, 2003; LIN et al., 2002). Em outros estudos, também foi observado que as circunferências abdominais estão mais relacionadas aos fatores de risco cardiovasculares do que o IMC (ALVAREZ et al., 2008; FERNÁNDEZ et al., 2004; FREEDMAN et al., 1999). Verificou-se como limitação a escassez de estudos utilizando o Índice C em adolescentes, dificultando a interpretação dos resultados fundamentada em análises comparativas. Além disto, pesquisas de delineamento transversal não permitem identificar a precedência no tempo entre a exposição e o desfecho. No entanto, estas limitações não comprometem os achados diante do embasamento conceitual e metodológico explorados. CONCLUSÕES O Índice C indicou uma relevante prevalência de elevado risco coronariano nos adolescentes avaliados. A forte correlação entre este índice e a RCA reforça a predição de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares nesta população. Recomenda-se que outras investigações sejam realizadas, visando a determinação de pontos de corte mais adequados para a avaliação do Índice C em adolescentes. 107 MARQUES, M. P.; LYRA, C. O.; LIMA, S. C. V. C.; PINHEIRO, L. G. B.; AZEVEDO, P. R. M.; ARRAIS, R. F.; MIRANDA, A. L.; PEDROSA, L. F. C. S. Risco coronariano em adolescentes estimado pelo índice de Conicidade. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 99-109, abr. 2011. REFERÊNCIAS/REFERENCES ALVAREZ, M. M.; VIEIRA, A. C. R.; SICHIERI, R.; VEIGA, G. V. Associação das medidas antropométricas de localização de gordura central com os componentes da síndrome metabólica em uma amostra probabilística de adolescentes de escolas públicas. Arq. bras. endocrinol. metab., v. 52, n. 4, p. 649-657, 2008. BARBOSA, K. B. F.; FRANCESCHINI, S. C. C.; PRIORE, S. E. Influência dos estágios de maturação sexual no estado nutricional, antropometria e composição corporal de adolescentes. Rev. bras. saúde matern. infant., v. 6, n. 4, p. 375-382, 2006. BOZZA, R.; STABELINI NETO, A.; ULBRICH, A. Z.; VASCONCELOS, I. Q. A.; MASCARENHAS, L. P. G.; BRITO, L. M. S.; CAMPOS, W. Circunferência da cintura, índice de massa corporal e fatores de risco cardiovascular na adolescência. 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Children presenting such ratios with values of 2 z scores below the standard population according to the World Health Organization were diagnosed with malnutrition. In the case of overweight/obesity, children presenting values of 2 z scores above the standard population were considered overweight/obese. The food consumption was monitored through a 24-hour dietary recall. The health condition of children was analyzed, considering the presence of signals and symptoms of infection. Statistical analyses were carried out using software SPSS-8.0, considering a significance level of 5%. The prevalence of stunting, wasting and overweight/obesity, from a total of 353 children, were 7.36%, 1.13% and 6.23%, respectively. The variables vaccination schedule, birth weight, blood in the feces, number of rooms at home, per-capita income and maternal stature were statistically associated with stunting. The weight-for-height index was associated with the variables child’s age vaccination schedule, supplementation with vitamin A, the participation of macronutrients in the total-energy value and the mother’s age. Expressive prevalence of stunting and overweight/obesity was verified, thus justifying the need for a nutritional intervention in order to prevent and control these problems. Keywords: Nutritional Status. Child Malnutrition. Daycare Centers. CAROLINA PEREIRA DA CUNHA SOUSA¹; MAYANA PEREIRA DA CUNHA SOUSA²; ANA CAROLINA DANTAS ROCHA¹; DIXIS FIGUEROA PEDRAZA³ 1Estudante de Iniciação Científica PIBIC/CNPQ/UEPB, Curso de Enfermagem da Universidade Estadual da Paraíba. 2Estudante Colaboradora de Iniciação Científica, Curso de Fisioterapia da Universidade Estadual da Paraíba. 3Doutor em Nutrição. Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública e Núcleo de Estudos e Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Estadual da Paraíba. Endereço para correspondência: Carolina Pereira da Cunha Sousa Rua Dorinha de Vasconcelos, 155, Santa Rosa. Campina Grande-PB. CEP 58416-340. E-mail: carolina_pcs@ hotmail.com Agradecimentos: aos dirigentes da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano por viabilizarem o desenvolvimento da pesquisa. Às estudantes, dos cursos da área de saúde da Universidade Estadual da Paraíba, pela colaboração no estudo. Aos pais, crianças e funcionários das creches, que participaram do estudo. Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ). N° do Processo: 35.0210/2007-1. 111 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. RESUMEN RESUMO Estudio transversal con el objetivo de evaluar el estado nutricional de niños menores de 6 años que frecuentan jardines infantiles del Gobierno de Paraíba, Brasil, y su asociación con el consumo de alimentos y las condiciones de salud. Para la evaluación del estado nutricional fueron analizados los índices estatura/edad y peso/estatura, considerándose con déficit nutricional los niños que presentaron índices con puntaje z abajo del valor mediano del patrón de crecimiento infantil de la Organización Mundial de la Salud. Para el caso de sobrepeso/ obesidad fue considerado el índice peso/ estatura con puntaje z sobre la referencia. La evaluación de la ingestión de alimentos fue realizada por recordatorio de 24 horas. La condición de salud de los niños fue analizada considerando la presencia de señales y síntomas de infección. Fueron realizadas análisis estadísticas para proporciones con el programa SPSS-8.0, ponderando un nivel de significancia de 5%. La prevalencia de déficit de estatura, déficit de peso y sobrepeso/obesidad en un total de 353 niños estudiados, fue de 7,36%, 1,13% y 6,23% respectivamente. Las variables esquema de vacunación, peso al nacer, sangre en las heces, número de cuartos en el domicilio, renta familiar per cápita y estatura materna se relacionaron estadísticamente con el déficit de estatura. El peso/estatura mostró relación con las variables edad del niño, esquema de vacunación, suplementación con vitamina A, adecuación de macro nutrientes en el valor energético total de la dieta y edad materna. Fueron detectadas prevalencia expresiva de déficit de estatura y sobrepeso/obesidad, justificando la necesidad de intervenciones nutricionales para la prevención y control de estos problemas. Realizou-se estudo transversal com o objetivo de avaliar o estado nutricional de crianças menores de seis anos assistidas nas creches do Estado da Paraíba e sua associação com o consumo de alimentos e as condições de saúde. Para a avaliação do estado nutricional, foram analisados os índices estatura/idade e peso/estatura, considerando-se com déficit nutricional, as crianças que apresentaram índices dois escores z abaixo do valor mediano do standard de crescimento infantil da Organização Mundial da Saúde. Para o caso do sobrepeso/ obesidade, foi considerado o índice peso/estatura dois escores z acima da referência. A avaliação do consumo de alimentos foi realizada por recordatório de 24 horas. A condição de saúde da criança foi analisada considerando a presença de sinais e sintomas de infecção. Foram realizadas análises estatísticas para proporções com o programa SPSS-8.0, ponderando um nível de significância de 5%. As prevalências de baixa estatura, déficit de peso e sobrepeso/obesidade, de um total de 353 crianças estudadas, foram de 7,36%, 1,13% e 6,23%, respectivamente. As variáveis esquema de vacinação, peso ao nascer, sangue nas fezes, número de cômodos no domicílio, renda per capita e estatura da mãe se associaram estatisticamente com o déficit de estatura. O peso/estatura mostrou-se associado com as variáveis: idade da criança, esquema de vacinação, suplementação com vitamina A, adequação da participação de macronutrientes no valor energético total da alimentação e idade da mãe. Verificaram-se prevalências expressivas de déficit de estatura e sobrepeso/obesidade, justificando a necessidade de intervenções nutricionais para a prevenção e controle destes agravos. Palabras clave: Estado nutricional. Desnutrición infantil. Jardines infantiles. Palavras-chave: Estado nutricional. Desnutrição infantil. Creches. 112 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. INTRODUÇÃO O estado de nutrição, particularmente no caso das crianças, reflete mais do que qualquer outra condição do espectro saúde/doença o processo de ajustamento de indivíduos e populações ao seu ambiente físico, biótico e social. Sob essa perspectiva, as deficiências nutricionais expressam um desequilíbrio na relação hospedeiro/habitat mediado por restrições no consumo de alimentos, nas disfunções relacionadas com o aproveitamento biológico de energia e nutrientes ou, o que é mais comum, pela interação sinérgica dessas duas vertentes (RISSIN et al., 2006). Ao contrário, se o consumo energético excede as exigências biológicas acima dos níveis toleráveis, a tendência é a instalação da chamada patologia dos excessos nutricionais (FIDELIS; OSORIO, 2007). A desnutrição na infância, expressa pelo comprometimento do crescimento linear e/ou ponderal, é ainda um dos principais problemas de saúde enfrentados pelos países em desenvolvimento, quer pela elevada prevalência, quer pela carga de morbidade que se associa a esse evento (OLIVEIRA et al., 2007). Segundo Romani e Lira (2004), o retardo estatural constitui, atualmente, a característica antropométrica mais representativa do quadro epidemiológico do crescimento de crianças no Brasil e no mundo. Diversos estudos têm demonstrado que o Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, convive com a transição nutricional, determinada frequentemente pela má-alimentação. Ao mesmo tempo em que se assiste à redução contínua dos casos de desnutrição, são observadas prevalências crescentes de excesso de peso, contribuindo com o aumento das doenças crônicas não transmissíveis (COUTINHO; GENTIL; TORAL, 2008). De forma simplificada, a desnutrição e o excesso de peso são representações de dois modelos bem distintos e até antagônicos, justificando a conduta de enfoques clínicos e epidemiológicos diferenciados (BATISTA FILHO et al., 2008). A natureza multicausal do crescimento infantil, além de estar centrada na interação sinérgica entre o consumo inadequado de alimentos e o desenvolvimento de enfermidades infecciosas, compreende outras variáveis que devem ser destacadas pela sua relevância: i) biológicas: sexo, peso e comprimento ao nascer; ii) maternas: idade, peso e estatura da mãe; iii) condições de saneamento ambiental: abastecimento e tratamento da água, destino do lixo e esgotamento público; iv) acesso aos serviços de saúde: imunizações, internações hospitalares, pré-natal; vi) socioeconômicas: renda per capita familiar, ocupação/trabalho feminino fora do lar, escolaridade materna, tipo de moradia, número de irmãos pequenos, coabitação com o pai da criança, número de equipamentos domésticos no lar; vii) nutricionais: estado nutricional de micronutrientes (zinco, ferro, vitamina A) (ROMANI; LIRA, 2004). O sobrepeso/obesidade apresenta principalmente fatores biológicos e comportamentais de risco. Entre esses fatores, destacam-se as variáveis nutricionais, representadas pela alimentação hipercalórica e seus desvios específicos: consumo excessivo de açúcares simples, de gorduras animais, de ácidos graxos saturados, de gorduras trans, ao lado do sedentarismo crescente, tabagismo, uso imoderado de bebidas alcoólicas e outras práticas de vida não saudáveis (BATISTA FILHO et al., 2008). Nos últimos anos, poucos estudos de base populacional sobre o estado nutricional e fatores associados têm sido realizados, no Brasil (VITOLO et al., 2008). Dados resultantes 113 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. da avaliação do Programa Bolsa Alimentação, ao estudar crianças menores de sete anos de idade de municípios do Nordeste do Brasil, indicam a tendência de manutenção das altas prevalências de déficit no crescimento linear (15,1%) e ponderal (10,7%) e sustentam também o diferencial da distribuição dos déficits do crescimento na infância entre as regiões, especialmente nas populações de baixa renda (BRASIL, 2004). Nesse contexto, a utilização das creches por crianças em condições socioeconômicas menos favorecidas é considerada uma das estratégias dos países subdesenvolvidos para garantir o crescimento e desenvolvimento das mesmas, demonstrado associação positiva entre a permanência de crianças em creches e seu estado nutricional. Entretanto, o aumento de episódios de doenças infectocontagiosas e de outras doenças de maior gravidade associado à institucionalização, pode repercutir negativamente no estado nutricional das crianças (ZÖLLNER; FISBERG, 2006). Com base no supracitado, e considerando a influência decisiva do estado nutricional nos riscos de morbi-mortalidade, é de fundamental interesse investigar a etiologia da desnutrição infantil em crianças assistidas em creches. É nesta perspectiva que o presente estudo se propõe a avaliar o estado nutricional de crianças assistidas nas creches do Governo da Paraíba e sua associação com o consumo de alimentos e as condições de saúde, a fim de subsidiar a formulação e/ou reformulação das ações nutricionais correspondentes. MÉTODOS Realizou-se estudo transversal, integrado a um projeto mais amplo intitulado “Desnutrição crônica e deficiência de zinco em crianças pré-escolares de similar vulnerabilidade social do Estado da Paraíba, Brasil”. O estudo foi desenvolvido em creches da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano do Governo da Paraíba. Ao todo funcionam 45 creches em bairros distintos das cidades beneficiadas, situadas, geralmente, em áreas carentes que abrigam crianças de famílias de baixa renda (percebem uma renda familiar entre um e dois salários mínimos). O benefício está presente em oito municípios paraibanos: João Pessoa (30 creches), Campina Grande (9 creches), além das cidades de Areia, Bayeux, Mamanguape, Itaporanga, Soledade e Umbuzeiro (cada uma delas com uma creche). O universo é de 4.000 crianças beneficiadas, distribuídas, aproximadamente, em 2.800 no município de João Pessoa, 750 no município de Campina Grande e 450 nos outros municípios. Foi selecionada uma amostra probabilística de creches da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano do Governo da Paraíba, utilizando-se um procedimento de amostragem por conglomerados em duas etapas. Para garantir a representatividade dos municípios, o sistema de referência para a primeira etapa de amostragem foi ordenado segundo estratos (João Pessoa, Campina Grande, outros municípios), possibilitando a obtenção de um tamanho amostral apropriado para cada estrato. Considerou-se também o porte da creche (número de crianças por creche). Na segunda etapa de amostragem, foram sorteadas, nas 14 creches selecionadas de forma aleatória na primeira etapa, as crianças a serem avaliadas. A opção para determinar o tamanho da amostra do estudo foi através do procedimento de amostragem para proporções: 114 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. N * Z2α * p * q n= d2 * (N – 1) + * q Z2α 4000 * 3,8416 * 0,105 * 0,895 * p = 0,0009 * 3999 + 3,8416 * 0,105 * 0,895 = 364,65 onde N é o total da população, Zα2 = 1.962 (se a confiança é do 95%), p é a proporção esperada, q = 1 – p, d é a precisão arbitraria (erro de estimação). Considera-se p = 10,5 (média do déficit de altura para o Brasil, PNDS 1996) (SOCIEDADE CIVIL BEM-ESTAR FAMILIAR NO BRASIL, 1997) e d = 3%, totalizando 365 crianças entre 6 e 72 meses que foram sorteadas de forma aleatória no momento do trabalho de campo. A coleta de dados foi realizada nas creches, de forma transversal, por entrevistadores treinados (estudantes da área de saúde e três professores pesquisadores da Universidade Estadual da Paraíba). Eles foram treinados pelo coordenador do projeto para aplicar um questionário, contendo informações sobre as crianças (características biológicas, condições de saúde e consumo de alimentos) e sobre outras variáveis de interesse (características ambientais e antecedentes maternos). O treinamento também incluiu a obtenção do peso e estatura das crianças e das mães, seguindo as recomendações de padronização da Organização Mundial da Saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1995). As informações obtidas, mediante entrevista realizada com as mães ou responsáveis pelas crianças, através do questionário, previamente testado incluíram: sexo; ocorrência de diarreia, sangue nas fezes, febre ou problemas respiratórios nos 15 dias anteriores à entrevista; e cuidados durante a gravidez (suplementação com sulfato ferroso, imunização antitetânica e realização de três ou mais consultas de pré-natal). Para obter os dados sobre a data de nascimento, peso ao nascer e situação vacinal durante o primeiro ano de vida foi utilizado o cartão de saúde da criança. Para os dados socioeconômicos, foi utilizada a informação fornecida na ficha da criança, exceto a dos dados sobre a renda. O cartão de saúde da criança e a ficha da criança são de uso obrigatório em todas as creches. A renda familiar foi estimada considerando a soma dos salários dos membros da família com outros benefícios (doação ou pensão alimentícia, remessas e programas assistenciais). O salário da família sempre foi conferido com aquele fornecido na ficha da criança. Para obtenção do peso corporal das crianças, foi permitida apenas uma peça íntima leve. No caso de crianças que usavam fraldas, estas foram retiradas. Utilizou-se balança eletrônica do tipo plataforma com capacidade para 150kg e graduação em 100g (Tanita UM-080®). O processo de pesagem das crianças menores foi por verificação de diferenças: o adulto era pesado, a balança eletrônica era zerada e, em seguida, pesava-se a criança no colo daquele adulto. A mensuração do comprimento das crianças menores de 24 meses foi realizada na posição deitada com antropômetro infantil de madeira (construção própria) com amplitude de 130cm e subdivisões de 0,1cm. A estatura das crianças entre 25 e 72 meses e das mães foi realizada utilizando estadiômetro (WCS®) com escala em milímetros (mm), devendo a pessoa estar em pé e descalça. Para a obtenção do comprimento e da estatura, foram removidos enfeites e prendedores de cabelo e os indivíduos foram colocados na posição certa (pernas e pés paralelos, braços relaxados ao lado do corpo, corpo encostado na superfície vertical do 115 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. estadiômetro e cabeça no plano de Frankfurt). As medidas de peso e estatura foram tomadas nas creches no momento em que as mães deixavam ou pegavam as crianças. Para a avaliação do estado nutricional, foram considerados os índices estatura/idade e peso/estatura, comparados com o standard de crescimento infantil da OMS (ONIS et al., 2004), utilizando o programa WHO Anthro 2005 versão beta. Foram consideradas com déficit nutricional todas as crianças que apresentaram índices dois escores z abaixo do valor mediano da população de referência (<-2 escores z como ponto de corte para classificar déficit nutricional). Para o caso do sobrepeso/obesidade, foi considerado o índice peso/ estatura dois escores z acima da referência. A baixa estatura materna foi definida pelo ponto de corte 155,0cm. Esse valor corresponde ao percentil 5 da relação estatura para idade, onde idade é igual a 20 anos do National Center for Health Statistics (2000), assumindo que a essa idade perde-se a capacidade de crescer (segundo a OMS, a adolescência corresponde às idades de 10 a 19 anos) (NATIONAL CENTER FOR HEALTH STATISTICS, 2000; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2007). O índice de massa corporal (IMC), calculado pela razão entre a massa corporal (em kg) e a estatura (em metros) ao quadrado, também foi utilizado para a classificação do estado nutricional materno empregando os pontos de corte indicados pela World Health Organization (1995). A avaliação do consumo de alimentos foi realizada por recordatório de 24 horas, considerando a alimentação no dia anterior em casa e o consumo de alimentos na creche. Durante a aplicação do recordatório de 24 horas foi utilizado o álbum de registros fotográficos com o fim de diminuir erros (viés de memória, tamanho de medidas caseiras e estimação das porções) e obter resultados mais confiáveis (CAVALCANTE; PRIORE; FRANCESCHINI, 2004). A avaliação do consumo de alimentos na creche baseou-se no cálculo do valor nutricional dos cardápios do dia da avaliação oferecidos nas creches (sugeridos pelo núcleo de creches: um cardápio para cada dia da semana, mudando de um mês para outro), considerando a quantidade de alimento pronto servido, segundo a faixa etária da criança em cada creche. Os cálculos para quantificar o valor energético total da dieta e de macronutrientes foram realizados com o auxílio do software Virtual Nutri. Foi estimada a adequação das recomendações de energia, considerando os parâmetros da Organización de las Naciones Unidas para la agricultura y la Alimentación (2001), e a adequação da distribuição percentual dos macronutrientes em relação ao valor energético total, considerando o preconizado pelo Ministério da Saúde (BRASIL 2002, 2006). No caso dos cardápios oferecidos nas creches, estes também foram avaliados para estimar sua adequação às recomendações, ponderando que a alimentação nas creches deve suprir, no mínimo, 50% das necessidades nutricionais diárias, visto que nas mesmas as crianças recebem duas refeições (desjejum e almoço) e um lanche diariamente. A digitação dos dados foi realizada com dupla entrada e após o término da digitação, os dois bancos de dados foram cruzados com a utilização do aplicativo Validate do programa Epi Info v. 6.04b (NATIONAL CENTER FOR HEALTH STATISTICS, 2000), 116 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. possibilitando assim verificar a consistência dos dados e gerando o banco final que foi usado para análise estatística. Para analisar a influência das variáveis no estado nutricional (déficit de estatura, sobrepeso/obesidade) foi considerado (y) = estatura/idade ou peso/ estatura (≥ -2z = 0; <-2z = 1), como variável dependente. A identificação de diferenças entre proporções foi realizada através do teste de qui-quadrado de Pearson. As análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o programa SPSS. O nível de significância estatística considerado foi de 5% (p< 0,05, α = 0,05). Todas as diretrizes éticas da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde foram contempladas e o projeto maior foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, protocolado sob o número 4232.0.000.133-07. Após o resultado do estado nutricional, os pais foram contactados para esclarecimentos acerca do estado de saúde das crianças e correspondentes orientações nutricionais. RESULTADOS Da amostra de 365 crianças, registrou-se um total de 12 perdas, sendo devido ao não comparecimento das mães ou pessoas responsáveis pelas crianças, no momento da coleta de dados ou por recusas para participar. A tabela 1 apresenta a distribuição das crianças segundo o estado nutricional (déficit de estatura, baixo peso e sobrepeso/obesidade) e a associação com as características biológicas das crianças, condições de saúde e consumo de alimentos. A distribuição por sexo foi de 197 (55,8%) meninos e 156 (44,2%) meninas. A avaliação do estado nutricional segundo os índices antropométricos apontou prevalências de 7,36% de déficit de estatura, 1,13% de baixo peso e 6,23% de sobrepeso/obesidade. O percentual de meninas e meninos que apresentaram déficit de crescimento linear foi de 7,6% e 7,1%, respectivamente. Para o caso do índice peso/estatura, a prevalência de sobrepeso/obesidade foi maior entre os meninos (7,1%) quando comparado com as meninas (5,1%), o baixo peso só foi encontrado em crianças do sexo feminino. Os dados que abordam aspectos relacionados com a situação de saúde da criança revelaram que os problemas respiratórios apresentaram destaque no contexto dos processos infecciosos, sendo 68,6% da população afetada. A perda de peso e os estados febris foram os outros sintomas de maior importância em relação aos processos infecciosos. Por sua vez, referindo o consumo de alimentos, os resultados evidenciaram, para a maioria das crianças, adequação energética (71,7%) e adequação da participação dos macronutrientes no valor energético total. Quanto aos antecedentes maternos (Tabela 2), nota-se que 5,1% das mães tinham menos de 20 anos, 43,9% com déficit de estatura e 35,9% com sobrepeso/obesidade. A maior parte das mães entrevistadas obteve expressos percentuais no que se refere a cuidados durante a gravidez: suplementação com sulfato ferroso (84,4%), imunização com vacina antitetânica (88,9%) e três o mais consultas de pré-natal (91,2%). 117 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. Tabela 1 – Distribuição das crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba, segundo o estado nutricional e características das crianças (biologia humana, condições de saúde e consumo de alimentos). Paraíba, 2008 VARIÁVEIS Sexo Masculino Feminino Idade da criança (meses) 6 – 12 13 – 36 37 – 72 Esquema de vacinação Completo Incompleto Sem informação Suplementação com vitamina A Sim Não Sem informação Peso ao Nascer Baixo (<2500 g) Normal Sem informação Diarreia* Sim Não Sangue nas fezes* Sim Não Febre* Sim Não Problemas respiratórios* Sim Não Adequação de energia Inadequado Adequado Participação dos Carboidratos no VET Inadequado abaixo Adequado Inadequado acima Participação das Proteínas no VET Inadequado abaixo Adequado Inadequado acima Participação dos Lipídios no VET Inadequado abaixo Adequado Inadequado acima ESTATURA/IDADE Défi cit de Estatura Total estatura adequada (n = 26) (n = 327) (N=353) % % % 0,841 197 156 55,8 44,2 7,6 7,1 92,4 92,9 9 85 259 2,5 24,1 73,4 0,0 10,6 6,6 100,0 89,4 93,4 321 25 7 90,9 7,1 2,0 6,2 24,0 0,0 93,8 76,0 100,0 248 98 7 70,2 27,8 2,0 6,5 10,2 0,0 93,5 89,8 100,0 32 304 17 9,1 86,1 8,0 18,8 6,6 0,0 81,3 93,4 100,0 50 303 14,2 85,8 8,0 7,3 92,0 92,7 2 351 0,6 99,4 50,0 7,1 50,0 92,9 128 225 36,3 63,7 8,4 5,5 91,6 94,5 242 111 68,6 31,4 9,9 6,2 90,1 93,8 100 253 28,3 71,7 7,5 7,0 93,0 92,5 92,9 92,3 7,1 5,1 22,2 1,2 0,4 55,6 89,4 95,0 22,2 9,4 4,6 0,6 4,0 14,3 93,5 84,0 85,7 5,9 12,0 0,0 0,8 1,0 14,3 94,8 87,8 85,7 4,4 11,2 0,0 3,1 0,7 5,9 87,5 93,1 94,1 9,4 6,3 0,0 0,0 1,3 90,0 93,1 10,0 5,6 1,1 0,0 92,6 100,6 6,3 0,0 1,6 0,9 90,6 93,8 7,8 5,3 1,2 0,9 91,3 95,5 7,4 3,6 1,0 1,2 89,0 94,1 10,0 4,7 <0,001 0,004 0,004 0,365 0,002 0,021 0,148 0,853 0,362 0,021 0,923 0,303 0,544 0,215 0,365 0,869 0,183 0,476 64 247 42 18,1 70,0 11,9 10,9 6,5 7,1 89,1 93,5 92,9 <0,001 0,7 0,4 7,1 92,2 95,1 78,6 7,1 4,5 14,3 0,596 39 166 148 11,1 47,0 41,9 10,3 6,0 8,1 89,7 94,0 91,9 0,004 5,1 1,2 0,0 79,5 95,2 93,2 15,4 3,6 6,8 0,106 51 253 49 14,4 71,7 13,9 6,7 3,9 14,3 93,3 96,1 85,7 p 0,061 0,0v 2,6 0,324 * Condição referida nos 15 dias anteriores à entrevista. VET: Valor Energético Total. 118 p PESO/ESTATURA Baixo Peso Sobrepeso/ peso adequado obesidade (n = 4) (n = 327) (n = 22) % % % 0,003 5,9 0,4 0,0 82,4 94,9 91,8 11,8 4,7 8,2 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. Tabela 2 – Distribuição das crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba, segundo o estado nutricional e outras variáveis de estudo (características ambientais e antecedentes maternos). Paraíba, 2008 ESTATURA/IDADE VARIÁVEIS Déficit de Estatura estatura adequada (n = 26) (n = 327) Total (N=353) % % % >= 1 SM 1/2 SM ≤ Renda/pessoa < 1 SM < 1/2 SM Sem informação 4 50 296 3 1,1 14,2 83,9 0,8 0,0 4,0 8,0 66,7 100,0 96,0 92,0 33,3 Número de cômodos no domicílio <3 >= 4 69 284 19,5 80,5 13,0 6,0 87,0 94,0 Nº de indivíduos por domicílio >= 6 <6 97 256 27,5 72,5 8,2 7,0 91,8 93,0 Bolsa família Não recebe Beneficiário 189 164 53,5 46,5 5,8 9,1 94,2 90,9 Sulfato ferroso* Sim Não Sem informação 298 47 8 84,4 13,3 2,3 7,4 8,5 0,0 92,6 91,5 100,0 Vacina antitetânica* Sim Não Sem informação 314 31 8 88,9 8,8 2,3 6,5 7,6 0,0 93,5 92,4 100,0 Três o mais consultas de pré-natal* Sim Não Sem informação 322 24 7 91,2 6,8 2,0 4,2 7,8 0,0 95,8 92,2 100,0 Idade da mãe (anos) >= 30 25 ≤ Idade < 30 20 ≤ Idade < 25 < 20 Sem informação 121 120 89 18 5 34,3 34,0 25,2 5,1 1,4 5,8 8,3 7,9 11,1 0,0 94,2 91,7 92,1 88,9 100,0 Estatura para idade da mãe Baixa (< 155,0 cm) Normal Sem informação 155 190 8 43,9 53,8 2,3 10,3 5,3 25,0 89,7 94,7 75,0 IMC da mãe (Kg/m2) Obesidade (≥ 30) Sobrepeso (25 |– 30) Normal (20 |– 25) Baixo peso (< 20) Sem informação 33 94 199 19 8 9,3 26,6 56,4 5,4 2,3 12,1 7,4 6,0 15,8 25,0 87,9 92,6 94,0 84,2 75,0 Renda familiar per capita1 PESO/ESTATURA p Baixo Peso Sobrepeso/ peso adequado obesidade (n = 4) (n = 327) (n = 22) % % % 0,0 0,0 1,4 0,0 100,0 86,6 93,5 100,0 0,0 14,0 5,1 0,0 1,4 1,1 92,8 92,6 5,8 6,3 1,2 1,0 91,4 95,9 7,4 3,1 0,6 1,6 94,5 91,0 4,9 7,4 0,7 4,3 0,0 93,3 87,2 100,0 6,0 85,0 0,0 0,0 1,3 0,0 93,5 92,3 100,0 6,5 6,4 0,0 0,0 1,2 0,0 95,8 92,2 100,0 4,2 6,5 0,0 1,7 0,0 0,0 11,1 0,0 92,6 95,0 92,1 83,3 80,0 5,8 5,0 7,9 5,6 20,0 1,9 0,5 0,0 94,8 90,5 100,0 3,3 9,0 0,0 0,0 1,1 0,0 1,5 0,0 84,8 91,5 94,7 94,0 100,0 15,2 7,4 5,3 4,5 0,0 0,001 p 0,321 0,044 0,950 0,696 0,320 0,233 0,415 0,695 0,214 0,701 0,901 0,609 0,894 0,843 0,007 0,046 0,147 0,072 0,521 * Condição referida durante a gravidez. 1 Considerando o valor do salário mínimo da época (R$416,00). SM: Salário Mínimo. 119 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. Em relação às variáveis para medir as condições socioeconômicas, os dados destacaram que a maior parte das crianças residia em ambientes favoráveis indicado por frequências maiores de moradia com quatro cômodos ou mais (80,5%) e com menos de seis pessoas por domicílio (72,5%). A média da renda familiar foi de 2,76 salários mínimos, sendo que 83,9% das crianças pertenciam a famílias com renda familiar per capita abaixo de 0,5 salário mínimo. Na análise estatística (Tabelas 1 e 2), os fatores que se associaram de forma estatística ao déficit de estatura foram: esquema de vacinação (p = 0,004), peso ao nascer (p = 0,021), sangue nas fezes (p = 0,021), estatura materna (p = 0,046), número de cômodos no domicílio (p = 0,044) e renda familiar per capita (p = 0,001). Para o caso do baixo peso e o sobrepeso/ obesidade diferenças estatisticamente significativas, foram encontradas nas variáveis: idade da criança (p<0,001), esquema de vacinação (p = 0,004), suplementação com vitamina A (p = 0,002), idade da mãe (p = 0,007), adequação dietética de carboidratos (p<0,001), adequação dietética de proteínas (p= 0,004) e adequação dietética de lipídios (p = 0,003). DISCUSSÃO Avaliar o estado nutricional de crianças implica na análise da situação alimentar, de saúde e dos cuidados. Sugere-se que o esquema “alimento-saúde-cuidados” seja utilizado como instrumento analítico da interação dos vários determinantes da desnutrição. Nesse esquema, a desnutrição infantil é mostrada como resultado de dieta inadequada e doenças que resultam de falta de segurança alimentar, de cuidados inadequados da mãe para com a criança, e de serviços de saúde deficientes (MONTE, 2000). No presente estudo, descrevem-se variáveis relacionadas com as condições de saúde e adequação energética que influenciam o estado nutricional de crianças, assim como variáveis indiretas da capacidade das mães ou responsáveis pelas crianças para prestar cuidados. A população estudada apresentou uma alta prevalência de má nutrição, sendo o déficit linear e o sobrepeso/obesidade os mais prevalentes. Estes resultados manifestam a tendência de outros estudos em contextos similares, assim como em outros estudos locais e nacionais. Os resultados encontrados no estudo de Zöllner e Fisberg (2006) evidenciaram que o déficit nutricional mais prevalente foi o estatural (5,2%) seguido pelo sobrepeso (5,0%), sendo baixa a prevalência de crianças com emagrecimento (0,9%). Alencar et al. (2008) obtiveram em seu estudo sobre a desnutrição infantil no Estado do Amazonas percentuais superiores de inadequação no índice estatura/idade (17%). Em seu estudo, Lira et al. (2003) constataram que a avaliação do estado nutricional das crianças aos 12 meses de idade revelou percentual de déficit de 6,8%, 11,0% e 0,6% para os índices peso/idade, comprimento/idade e peso/comprimento, respectivamente. Os dados referentes à Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO, 2008) indicam que 7,0% das crianças brasileiras apresentam déficit de estatura, sendo a mais importante manifestação da desnutrição energético-proteica na população brasileira infantil. 120 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. A distribuição das crianças por sexo evidenciou uma maior proporção de déficit de peso entre as meninas quando comparado com os meninos. O contrário aconteceu para o sobrepeso/obesidade e para o déficit de estatura que resultou em maiores prevalências no sexo masculino. Diversos autores apontam resultados similares. Guimarães e Barros (2001) referem que, com respeito ao retardo do crescimento linear, os meninos são, em geral, mais susceptíveis que as meninas às condições desfavoráveis de vida. A Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO, 2008) indicou prevalência de déficits de estatura/idade de 8,1% e 5,8% para meninos e meninas, respectivamente. Com relação à faixa etária, observou-se que o déficit de estatura e o sobrepeso/obesidade ocorreram com maior frequência em crianças cujas idades variaram entre 13-36 meses para o caso da estatura e entre 6-12 meses para o sobrepeso/obesidade. Além disso, a faixa etária da criança esteve associada estatisticamente com o índice peso/estatura. Outros estudos corroboram com os resultados encontrados. O estudo de Fisberg, Marchioni e Cardoso (2004) encontrou associação entre a idade da criança e o déficit de crescimento linear, atingindo especialmente as crianças menores de 24 meses. Similar resultado ocorreu no estudo de Vitolo et al. (2008), pois neste observou-se associação estatística entre a idade da criança e o déficit linear, sendo a chance de baixa estatura maior para a faixa etária de até 36 meses (10,7%). Na Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO, 2008), a frequência do retardo de crescimento mais do que duplicou do primeiro para o segundo ano de vida, quando alcançou seu pico (12,3%), reduzindo-se progressivamente nas idades posteriores. Assim, as maiores prevalências de déficit de estatura foram encontradas nas faixas etárias de 12-35 meses com valores de 19,5%. Para o caso do sobrepeso/obesidade a pesquisa apontou a faixa etária de 36-59 meses com valores mais prevalentes (14,5%), diferente do encontrado no presente estudo. O peso ao nascer se mostrou estatisticamente significante para o índice estatura/idade. A condição de nascer com peso inferior a 2500 gramas se constitui um expressivo fator de risco relacionado ao crescimento e desenvolvimento, dificultando a amamentação dessas crianças e tornando-as mais vulneráveis à ocorrência de doenças infecciosas frequentes (principalmente diarreia e infecções respiratórias), repetidas e prolongadas com sequelas de fundamental importância, muitas vezes, conduzindo à morte (ROCHA et al., 2007; ROMANI; LIRA, 2004). O baixo peso ao nascer mostrou-se altamente associado com o déficit no crescimento linear, quando comparado com o peso adequado ao nascimento em crianças menores de dois anos do Estado da Bahia (OLIVEIRA et al., 2006), em crianças de 4 meses a 6 anos de idade residentes em favelas da cidade de Maceió (SILVEIRA et al., 2010), e em crianças pré-escolares da Bahia e de São Paulo (OLIVEIRA et al., 2007). Da mesma maneira que o peso ao nascer pode repercutir no crescimento infantil, por ser um fator associado com o desenvolvimento de doenças infecciosas, ações preventivas como as imunizações também repercutem no crescimento e desenvolvimento infantil por sua importância no sistema imune e na resistência às infecções (ROMANI; LIRA, 2004). Constatou-se que a maioria das crianças (90,9%) tinha completado o esquema de vacinação 121 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. aos doze meses de idade e que a variável em questão, se mostrou estatisticamente significante tanto com o índice estatura/idade, da mesma forma que o estudo de Oliveira et al. (2007), quanto com o índice peso/estatura. Para Santos et al. (2008), as intercorrências infecciosas (especialmente diarreia e as infecções respiratórias) pertencem ao grupo de fatores conhecidamente associados à desnutrição e quanto maior a frequência e a gravidade dos episódios, maior o efeito deletério sobre o estado nutricional da criança. Maiores prevalências de desnutrição foram encontradas nas crianças do presente estudo com problemas respiratórios e que apresentaram episódios de diarréia, entretanto sem associação estatística. Oliveira et al. (2006) e Oliveira et al. (2007), encontraram resultados similares ao avaliar a associação entre o déficit de estatura e a presença de morbidade nos 15 dias anteriores à entrevista. Apesar de que a adequação energética e o aporte de macronutrientes no valor energético total da alimentação não mostraram associação estatística com o índice estatura/ idade, a inadequação dos carboidratos, proteínas e lipídios no valor energético total da alimentação se mostraram associados estatisticamente com o índice peso/estatura. Esses resultados reforçam a importância do padrão alimentar de energia e de macronutrientes no desencadeamento dos déficits ponderal e estatural, constituindo, mesmo que seja indicadores indiretos do estado nutricional, o primeiro indicador de risco nutricional (MENEZES; OSÓRIO, 2007). O crescimento infantil é um evento altamente sensível às condições do ambiente social e econômico em que vive a criança e sua família, indicando a importância epidemiológica destes determinantes básicos na conformação do estado de saúde e nutrição na infância. A condição de pobreza, avaliada pela renda per capita das crianças envolvidas neste estudo, associou-se ao déficit do índice estatura/idade. Assim, o patamar de renda per capita situado em <1/2 do salário mínimo, seguramente restringe o poder de compra e a satisfação das necessidades materiais de vida, colocando as crianças que vivem nesse nível de pobreza em condição de alta vulnerabilidade para o déficit estatural. Esse patamar de renda limita também o acesso a bens e a situação de moradia, o que explica a produção do déficit no crescimento linear das crianças no presente e em outros estudos (OLIVEIRA et al., 2006; OLIVEIRA et al., 2007). O número de cômodos no domicílio foi a variável que expressou de forma significativa esta associação no estudo em questão. Referente aos programas sociais de complementação de renda, especificamente o benefício da bolsa família, os resultados apontam maior frequência do benefício entre as crianças que apresentaram déficit de crescimento linear. Isto pode ser analisado de duas maneiras diferentes: o direcionamento não adequado dos recursos envolvidos ou reduzida efetividade das ações. Para um melhor entendimento, faz-se necessário o desenvolvimento de pesquisas que possibilitem o fornecimento de dados suficientes para a avaliação de impacto do programa (VIANNA; SEGALL-CORRÊA, 2008). A alta prevalência de déficit de estatura encontrada nas mães do presente estudo e a forte associação encontrada entre a baixa estatura da mãe com a da criança, também 122 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. foram resultados de outros estudos com populações em risco de fome crônica (MARINHO et al., 2007; SILVEIRA et al., 2010). É importante ressaltar que estes estudos também coincidem na ausência de associação entre a obesidade da mãe e o déficit estatural das crianças. Esses resultados enfatizam a estatura dos pais, mais especificamente da mãe, como importante indicador de maior severidade de déficit estatural entre as crianças. A correlação positiva quanto ao estado nutricional de pais e filhos, condicionada por compartilharem tanto informações genéticas quanto condições socioeconômicas e ambientais, permitem presumir que os agravos nutricionais na gestação, levando à desnutrição fetal, sejam um dos principais determinantes desta observação. Portanto, é evidente que tanto a informação genética e as condições socioeconômicas e ambientais oferecidos por parte dos pais são transmitidas e têm impacto sobre o estado nutricional de seus filhos. Esse representa um dos principais dilemas da saúde pública contemporânea, centrado no ciclo da desnutrição infantil, baixa estatura, obesidade e comorbidades na vida adulta, processo iniciado ainda no período intrauterino (COUTINHO; GENTIL; TORAL, 2008; MARINHO et al., 2007; SILVEIRA et al., 2010). Considerando os resultados acerca dos agravos nutricionais mais prevalentes nas creches do Estado, destacando a magnitude do problema, a distribuição e principais fatores de suscetibilidade, espera-se contribuir com as discussões e o conhecimento sobre o processo de crescimento infantil. Porém, cabe ressaltar que os resultados de estudos descritivos conformam uma linha de base para a análise do crescimento infantil. Assim, torna-se importante a complementação dos dados com estudos longitudinais, pois o crescimento e desenvolvimento infantil é um processo dinâmico e de rápidas mudanças. Estudos prospectivos representam uma melhor possibilidade de proporcionar elementos para um entendimento mais adequado e concepção mais consistente das possíveis ações a serem implementadas. A necessidade de maior quantidade de estudos e de forma continuada sobre o déficit de estatura e o sobrepeso/obesidade centra-se no fato desses agravos constituírem as características antropométricas mais representativas das afecções do crescimento infantil, no Brasil. Porém, deve ser considerado que as creches oferecem a possibilidade das crianças desnutridas ou em risco nutricional serem facilmente identificadas e monitoradas. Destarte, estas instituições podem estabelecer um sistema simples de vigilância alimentar e nutricional que forneça subsídios para promover intervenções nutricionais adequadas. Do ponto de vista metodológico, a principal limitação do presente estudo, importante a ser considerada no desenvolvimento de outros similares, esteve coligada com as atividades correspondentes à avaliação do consumo de alimentos. A proposta inicial era de aplicar o questionário de recordatório de 24 horas por três vezes, fato que foi totalmente impossível por questões financeiras e pela não disponibilidade das mães para um segundo encontro. Sendo assim, a alternativa encontrada foi avaliar também os cardápios da alimentação que a criança recebe na creche, no intuito de ter resultados que pudessem expressar melhor a alimentação da criança (o rejeite insignificante da 123 SOUSA, C. P. C.; SOUSA, M. P. C.; ROCHA, A. C. D.; FIGUEROA PEDRAZA, D. Perfil epidemiológico do estado nutricional de crianças assistidas em creches no Estado da Paraíba. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 111-126, abr. 2011. alimentação oferecida nas creches foi referido pelas diretoras e merendeiras das creches e, posteriormente conferido pelos entrevistadores por observação durante o trabalho de campo, atribuindo-se isso à importância da alimentação nas creches de crianças cuja família apresenta problemas de acessibilidade aos alimentos). Considerando que, segundo Menezes e Osório (2007), a avaliação da ingestão de alimentos por um único recordatório de 24 horas tende a subestimar em até 30% o consumo de energia, em comparação com outros métodos, houve preocupação em preservar a qualidade dos dados através da padronização do trabalho, conduzido e supervisionado por uma nutricionista. Acredita-se que este fator somado à avaliação da alimentação oferecida nas creches (cardápios) possa ter contribuído de maneira positiva na diminuição de possíveis vieses. Considerando que existem poucos estudos que indicam o questionário de frequência de consumo alimentar para estudos em crianças, o recordatório de 24 horas continua representando o mais apropriado para estudos populacionais, principalmente de cunho transversal e em população infantil. Assim, fica evidente a necessidade de contar com questionário de frequência de consumo alimentar validado para crianças menores de cinco anos (CAVALCANTE; PRIORE; FRANCESCHINI, 2004; COLUCCI; SLATER; PHILIPPI, 2004). A pesagem direta dos alimentos, método que garante melhores resultados do consumo alimentar de crianças assistidas em creches (CAVALCANTE; PRIORE, FRANCESCHINI, 2004), não foi utilizado no presente estudo devido à grande quantidade de dados a serem coletados, implicando em longos tempos de trabalho de campo e em altos custos financeiros, sendo utilizado como alternativa a avaliação dos cardápios. CONCLUSÕES Baixa estatura e sobrepeso/obesidade foram os principais desvios antropométricos observados neste trabalho, constituindo condições que devem ser consideradas na formulação e/ou reformulação das ações de saúde e nutrição correspondentes e no monitoramento dos principais fatores de risco. REFERÊNCIAS/REFERENCES ALENCAR, F. H.; YUYAMA, L. K. O.; RODRIGUES, E. F.; ESTEVES, A. V. F.; MENDONÇA, M. M. B.; SILVA, W. A. Magnitude da desnutrição infantil no Estado do Amazonas/AM - Brasil. Acta amaz., v. 38, n. 4, p. 701-706, dez. 2008. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção B á s i c a . Avaliação do pr ograma bolsaalimentação: primeira fase. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. BATISTA FILHO, M.; SOUZA, A. I. de; MIGLIOLI, T. C.; SANTOS, M. C. dos. Anemia e obesidade: um paradoxo da transição nutricional brasileira. Cad. saúde pública, v. 24, p. S247-S257, 2008. Suplemento 2. _______. Guia alimentar para crianças menores de dois anos. 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Validity of weight and height informed by adult women in the city of São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr. = J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 127-136, abr. 2011. This study aimed to evaluate the validity of weight and height values selfreported by women in the city of São Paulo. The study used weight and height values which were self-reported by 167 mothers of public and private schools’ students in the city of Sao Paulo. To evaluate the differences between measured and self-reported values, Pearson coefficient of correlation and Bland-Altman analysis were used. Sensitivity and specificity were used for agreement between self-reported and measured nutritional status according to the Body Mass Index (BMI). The correlation between measured and informed weight and height values was 0.99, thus showing a high correlation between BMI values. A high agreement was found for overweight and obesity, with a high sensibility and specificity. The analysis of maternal education and per-capita income showed no differences for the nutritional status classification. It is possible to use the self-reported information of weight and height in similar populations, as the values present high agreement and validity. Keywords: Body Weight. Height. Body Mass Index. Anthropometry. MARIA FERNANDA PETROLI FRUTUOSO1; FERNANDA ÁVILA FALSARELLA2; ANA MARIA DIANEZI GAMBARDELLA3 1Docente do curso de Nutrição da Universidade Federal de São Paulo – campus Baixada Santista. 2Universidade de São Paulo Faculdade de Saúde Pública – Departamento de Nutrição. 3Docente do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Endereço para correspondência: Maria Fernanda Petroli Frutuoso Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo – campus Baixada Santista Av. Ana Costa, 95 Santos - SP - Brasil CEP 11060-001 [email protected] Departamento de realização do trabalho: Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo 127 FRUTUOSO, M. F. P.; FALSARELLA, F. A.; GAMBARDELLA, A. M. D. Validade de peso e estatura informados por mulheres adultas no Município de São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 127-136, abr. 2011. RESUMEN El objetivo del estudio fue evaluar la validez de la información autorreferida de peso y estatura de mujeres en el municipio de São Paulo, SP, Brasil. Fueron utilizadas informaciones autorreferidas de peso y estatura de 167 mujeres, madres de alumnos de escuelas públicas y privadas, del municipio de São Paulo. Para evaluar las diferencias entre el valor medido y el valor autorreferido, se utilizó el coeficiente de correlación de Pearson y análisis gráfico. Fue utilizada la sensibilidad y especificidad para evaluar el estado nutricional por medio del índice de masa corporal (IMC). La correlación entre los valores medido e informado, tanto de peso como de estatura fue 0.99, mostrando una elevada concordancia entre los valores de IMC. Los datos mostraron alta sensibilidad y especificidad para el diagnóstico de sobrepeso y obesidad. El análisis de la escolaridad y renta per cápita materna, no mostró diferencias para la clasificación del estado nutricional. Es posible utilizar el peso y estatura autorreferidos en poblaciones similares, porque los datos presentaron elevada concordancia y validez. Palabras clave: Peso corporal. Estatura. Índice de Masa Corporal. Antropometría. 128 RESUMO O estudo objetivou avaliar a validade das informações autorreferidas de peso e estatura em mulheres no município de São Paulo. Foram utilizadas informações autorreferidas de peso e estatura de 167 mães de alunos de escolas públicas e privadas, do município de São Paulo. Para avaliar as diferenças entre valores medidos e autorreferidos, utilizou-se coeficiente de correlação de Pearson e análise gráfica. Utilizou-se sensibilidade e especificidade para avaliar a classificação nutricional a partir dos valores de índice de massa corporal (IMC). A correlação entre valor aferido e informado, tanto de peso como estatura foi igual a 0,99, evidenciando elevada concordância entre valores de IMC. Os dados apontaram elevada sensibilidade e especificidade para o diagnóstico tanto de excesso de peso quanto de obesidade. A análise, segundo escolaridade e renda per capita maternas, não apresentou diferenças, para a classifi cação do estado nutricional. É possível utilizar as informações autorreferidas de peso e estatura; em populações semelhantes, pois os valores apresentam elevada concordância e validade. Palavras-chave: Peso corporal. Estatura. Índice de Massa Corporal. Antropometria. FRUTUOSO, M. F. P.; FALSARELLA, F. A.; GAMBARDELLA, A. M. D. Validade de peso e estatura informados por mulheres adultas no Município de São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 127-136, abr. 2011. INTRODUÇÃO O peso e a estatura autorreferidos podem ser obtidos facilmente, no que diz respeito à técnica e custo, para utilização no monitoramento do estado nutricional, simplificando o trabalho de campo e favorecendo a economia de recursos em estudos epidemiológicos (CHOR; COUTINHO; LAURENTI, 1999). No entanto, o peso e estatura autorreferidos apresentam limitações, com tendência de subestimar o valor do peso e superestimar o valor da estatura, sendo sua validade dependente do gênero, da idade e das condições socioeconômicas do grupo estudado (FONSECA et al., 2004). De fato, segundo Nakamura et al. (1999), as mulheres tendem a subestimar o peso, muitas parecem desconfortáveis e se negam a informar tal dado, mesmo em ambientação anônima. Em contrapartida, os homens, geralmente, superestimam a estatura (NIEDHAMMER et al., 2000; VILLANUEVA, 2001). Os extremos de idade parecem influir nos dados de peso e estaturas corporais, o que pode ser corroborado pelo resultado de várias pesquisas. Gunnell et al. (2000) trabalharam com indivíduos idosos e adolescentes e detectaram maior diferença entre valores informados e aferidos nestas populações, quando comparadas aos adultos. No que se refere ao diagnóstico nutricional a partir de informações de peso e estatura referidos, Kuczmarski, Kuczmarski e Najjar (2001), analisando dados de indivíduos norteamericanos acima de 20 anos de idade que participaram do NHANES III, verificaram elevada sensibilidade e especificidade, associadas inversamente à idade, porém, sugerindo limitação na sua utilização para idosos. Nível de renda e escolaridade podem limitar a informação correta sobre peso e estatura. De acordo com Jeffery (1996), indivíduos com menor nível socioeconômico apresentariam menor acesso a obtenção desses dados e, em decorrência prestariam informações menos precisas. Entretanto, estudos indicam elevada concordância entre peso corporal informado e aferido, com maior concordância entre as mulheres do que entre os homens, independente de idade e nível de escolaridade. Em relação à estatura, esses mesmos estudos mostram concordância elevada entre os valores informados e referidos, com diferenças significativas segundo faixas etárias e escolaridade (FONSECA et al., 2004). Fonseca et al. (2004) estudaram 3.713 indivíduos, selecionados entre funcionários nas carreiras técnico-administrativas de uma universidade, tendo encontrado elevada correlação entre valores aferidos e informados de peso (0,977) e de estatura (0,943), além de tendência leve e uniforme à subestimação do peso e à superestimação da estatura informados, em ambos os sexos. Não observaram diferenças entre os valores aferidos e informados de acordo com idade, escolaridade, renda e categorias de índice de massa corporal - IMC. Pesquisa realizada por Chor, Coutinho e Laurenti (1999) com 1.183 funcionários de um banco, verificou que homens e mulheres tenderam a subestimar o peso, sendo 129 FRUTUOSO, M. F. P.; FALSARELLA, F. A.; GAMBARDELLA, A. M. D. Validade de peso e estatura informados por mulheres adultas no Município de São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 127-136, abr. 2011. este comportamento mais marcante entre os homens de peso mais elevado. Em relação à estatura, as diferenças entre informação e medida foram irrelevantes. Ao se considerar o IMC, as diferenças médias entre medida e informação foram menores do que no caso isolado do peso. Villanueva (2001) analisou dados disponíveis de 15.944 indivíduos que participaram do US Third National Health and Nutrition Examination Survey, verificando que a idade, escolaridade e IMC associam-se a valores não concordantes de peso aferido e informado, para ambos os sexos. No Brasil, Silveira et al. (2005), investigando a validade do IMC, calculado por intermédio do peso e estatura informados para predizer o estado nutricional de adultos do Sul do país, verificaram melhor concordância para o peso que para estatura, tendo observado subestimação somente para mulheres, sugerindo a necessidade de correção destes valores referidos. Entretanto, estudo com população adulta da região Centro-Oeste verificou superestimativa da estatura tanto para homens quanto mulheres, fato influenciado pela idade, escolaridade, altura e IMC. Os autores afirmam, ainda, que as medidas aferidas e relatadas apresentaram alto grau de concordância, com sensibilidade e especificidade do IMC elevadas (PEIXOTO; BENÍCIO; JARDIM, 2006). O conhecimento da validade de informações referidas de peso e estatura, bem como a criação de modelos de correção, quando necessários, é imprescindível para sua utilização, em estudos epidemiológicos, para obtenção de estimativas aproximadas sobre o estado nutricional de populações e monitoramento de fatores de risco. Devido à escassez de estudos sobre a concordância de dados colhidos e informados referentes à população adulta brasileira, o presente estudo teve como objetivo avaliar a validade da informação auto-referida de peso e estatura. METODOLOGIA Este trabalho é parte de projeto (Fatores associados ao sobrepeso e obesidade de indivíduos de 8 a 18 anos de idade), que teve como objetivo avaliar os fatores associados ao excesso de peso e obesidade de adolescentes. Os dados para este estudo foram obtidos por meio de questionário enviado para as mães de todos os 660 adolescentes matriculados em uma escola pública e uma privada do Município de São Paulo, participantes da investigação. Nesse questionário, encaminhado junto ao termo de consentimento, solicitavam-se informações sobre a renda familiar, escolaridade, peso e estatura dos pais. Dos 660 questionários, retornaram 499 completamente respondidos. Todas as mães (n=660) foram convidadas pela escola para reunião de pais e destas, 167 estiveram presentes em reunião realizada nas próprias escolas, e participaram da validação dos dados referidos. Não foi possível validar as informações paternas dado ao baixo comparecimento da população masculina nas reuniões. 130 FRUTUOSO, M. F. P.; FALSARELLA, F. A.; GAMBARDELLA, A. M. D. Validade de peso e estatura informados por mulheres adultas no Município de São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 127-136, abr. 2011. Após a reunião foram realizadas as medidas de peso e estatura das mulheres para comparação com as medidas informadas. Para a mensuração do peso corporal, foi utilizada balança eletrônica do tipo plataforma (Tanita®), com capacidade para 150 kg e graduação em 100g e para a da estatura foi utilizado antropômetro (Seca®), com escala em milímetros, fixado em suporte de madeira, adotando metodologia proposta por Gordon et al. (1988). Na análise utilizou-se o programa Stata® 9.0. Com base no valor do IMC calculado (peso/estatura 2 ) procedeu-se a classificação nutricional das mulheres de acordo com os critérios recomendados pela World Health Organization (1990), sendo IMC < 18,5kg/m 2 baixo peso; 18,5 ≥ IMC < 25,0kg/m 2 eutrofia; 25,0 ≥ IMC < 30,0kg/m 2 excesso de peso; IMC ≥ 30kg/m2 obesidade. Foi calculado o teste t de Student pareado para análise das médias entre os grupos. A comparação dos valores referidos e medidos foi realizada por meio do coeficiente de correlação de Pearson e análise gráfica por Bland e Altman (1986). Calculou-se a sensibilidade e especificidade do índice de massa corporal referido para classificação de mulheres com excesso de peso e obesidade, em relação ao IMC medido. Realizou-se análise de variância para determinar as diferenças entre valores referidos e medidos segundo renda e escolaridade. O projeto de pesquisa está de acordo com as normas da Resolução 196 de 10/10/1996 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo com protocolo número 421. Todos os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido concordando com a participação neste estudo. RESULTADOS A mediana de escolaridade das mães estudadas e a renda per capita familiar foi de 11 anos e 1,4 salários mínimos, respectivamente. Comparando os dados das mães, as médias (desvios padrão) do peso materno referido e medido foram, respectivamente 66,0kg (10,24) e 66,3kg (9,99). Para estatura, as médias foram de 161,3cm (6,53) e 160,8cm (6,21) para referida e medida, respectivamente. Conforme nota-se na tabela 1, as médias das variáveis apresentaram valores semelhantes entre os dados medidos e referidos para todas as variáveis estudadas, sendo a diferença de estatura e IMC estatisticamente significantes (p<0,000). A correlação entre valor aferido e informado foi de 0,99, tanto para peso como estatura corporal das mulheres estudadas. A figura 1 ilustra a elevada correlação entre as medidas aferidas e informadas. A diferença média observada foi 0,227kg, o que sugere, no geral, ser o peso referido inferior ao medido. 131 FRUTUOSO, M. F. P.; FALSARELLA, F. A.; GAMBARDELLA, A. M. D. Validade de peso e estatura informados por mulheres adultas no Município de São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 127-136, abr. 2011. Tabela 1 – Distribuição das médias (desvio padrão) das variáveis estudadas, São Paulo (2009) Mediana Média (desvio padrão) Valor mínimo Valor máximo Peso referido (kg) 65,0 66,0 (10,24) 45,0 105,0 Peso medido (kg) 66,2 66,3 (9,99) 42,2 103,0 Estatura referida (cm) 161,0 161,3 (6,53) 145,0 185,0 Estatura medida (cm) 160,4 160,8 (6,21) 145,9 183,4 IMC - dados referidos (kg/m2) 24,9 24,7 (3,55) 18,4 37,9 IMC - dados medidos (kg/m2) 25,1 25,6 (3,53) 18,8 36,6 Escolaridade (anos) 11 0 12 Renda per capita (salários mínimos) 1,4 0,2 9 Variável 4.3 Diferença (peso aferido – peso referido) -5.1 104 43.6 Média (peso aferido + peso referido)/2 Figura 1 – Diferença entre peso aferido e peso informado, São Paulo (2009). Conforme pode ser observado na figura 2, foi detectada elevada correlação entre a estatura medida e referida com diferença média de - 0,468cm, indicando estatura aferida inferior à informada. 132 FRUTUOSO, M. F. P.; FALSARELLA, F. A.; GAMBARDELLA, A. M. D. Validade de peso e estatura informados por mulheres adultas no Município de São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 127-136, abr. 2011. 3 Diferença (estatura aferida – estatura informada) -3.10001 184.2 145.45 Média (estatura aferida – estatura informada)/2 Figura 2 – Diferença entre estatura aferida e estatura informada, São Paulo (2009). Análise segundo a renda e escolaridade aponta que as mulheres com menor escolaridade (até ensino fundamental), tendem a subestimar o peso e superestimar a estatura, enquanto as com maior nível de escolaridade (nível superior, completo ou incompleto) superestimam tanto o peso quanto a estatura. Mulheres com renda per capita menor ou igual a um salário mínimo subestimam o peso em comparação àquelas que recebem dois salários mínimos ou mais. Os valores referentes à estatura foram superestimados em todas as classes de renda, sendo maior em mulheres com dois salários mínimos ou mais (p = 0,04). Seguindo os achados para peso e estatura, evidenciou-se elevada concordância entre valores de IMC (Figura 3), sendo a diferença média entre valores aferidos e medidos de 0,234kg/m2. 2.04124 Diferença (IMC aferido – IMC referido) -2.30661 18.6904 36.7239 Média (IMC aferido – IMC referido)/2 Figura 3 – Diferença entre IMC aferido e IMC informado, São Paulo (2009). 133 FRUTUOSO, M. F. P.; FALSARELLA, F. A.; GAMBARDELLA, A. M. D. Validade de peso e estatura informados por mulheres adultas no Município de São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 127-136, abr. 2011. Conforme observa-se na tabela 2, verificou-se 38,3% e 40,7% de mulheres com excesso de peso segundo IMC referido e medido, respectivamente. Os achados apontaram 10,2% de mulheres obesas segundo IMC informado e 11,4% segundo o aferido. Para o excesso de peso, a sensibilidade e especificidade foram, respectivamente, 88,2% e 96%. Para obesidade, observou-se sensibilidade de 84,2% e especificidade de 99,3%. A análise, segundo escolaridade e renda per capita maternas, não apresentou diferenças, para a classificação do estado nutricional. Tabela 2 – Distribuição (%) das mulheres estudadas com excesso de peso e obesidade segundo valores de índice de massa corporal referidos e medidos, São Paulo (2009) Medido Referido Baixo peso e eutrofia n % 79 98,7 Excesso de peso 1 Obesidade Baixo peso e eutrofia Total Excesso de peso n Total Obesidade % n % 7 10,3 – – 86 51,5 1,3 60 88,2 3 15,8 64 38,3 – – 1 1,5 16 84,2 17 10,2 80 47,9 40,7 19 11,4 167 100,0 68 n % Quanto ao baixo peso, apenas 2 mulheres (1,2%) foram classificadas segundo IMC referido e nenhuma segundo IMC medido. DISCUSSÃO A comparação gráfica entre os valores de peso e estatura, medidos e referidos, sugere elevada concordância entre as medidas informadas e aferidas na população estudada, apontando, de modo geral, tendência de subestimar o peso e superestimar a estatura, uma vez que a diferença média entre os valores medidos e referidos foram de 0,227 e -0,468, respectivamente. Resultado semelhante foi encontrado por Fonseca et al. (2004) que detectaram elevada concordância entre a aferição e a informação do peso e da estatura em adultos de ambos os sexos. Verificaram ainda, tendência leve e uniforme à subestimação da informação do peso e a superestimação da estatura, em ambos os sexos. Gunnell et al. (2000) estudando indivíduos de 56 a 78 anos, verificaram que a estatura autorreferida foi superestimada e o IMC, baseado em peso e estatura autorreferido, 134 FRUTUOSO, M. F. P.; FALSARELLA, F. A.; GAMBARDELLA, A. M. D. Validade de peso e estatura informados por mulheres adultas no Município de São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 127-136, abr. 2011. foi subestimado. Os autores sugeriram que os mais baixos e mais velhos tendem a superestimar a estatura, enquanto indivíduos com excesso de peso subestimam o peso. De acordo com Jeffery (1996), indivíduos com menor nível socioeconômico poderiam apresentar menor acesso à obtenção desses dados e, em decorrência, prestar informações menos precisas. Entretanto, estudos indicam elevada concordância entre peso corporal informado e aferido, com alta concordância especialmente entre as mulheres, independente do nível de escolaridade. Em relação à estatura, estudos mostram concordância elevada entre os valores informados e referidos, com diferenças segundo escolaridade (FONSECA et al., 2004). Não houve fonte de erro importante neste estudo, uma vez que no momento de preenchimento do questionário, os participantes não sabiam do objetivo de comparação entre os dados informados e mensurados. Segundo Bland e Altman (1986), o coeficiente de correlação aponta somente a força da relação entre duas variáveis e não sua concordância, além de depender do tamanho da amostra, fato que levou a utilização da proposta gráfica destes autores para a avaliação da concordância entre os dados. Tal proposta consiste na apresentação gráfica da diferença entre as medidas contra sua média, possibilitando a verificação de tendências entre as duas medidas, no caso aferida e referida. A título de ilustração, os dados antropométricos referidos e aferidos, de peso e estatura das mães, foram utilizados para a formulação de modelos de correção, sendo a equação para peso: Peso referido = -0,97 + 1,01 x peso medido e para a estatura: Estatura referida = -6,07 + 1,04 x estatura medida. Uma das limitações deste estudo é a impossibilidade de extrapolação dos resultados para a população geral, pelo fato de incluir apenas mulheres em idade adulta. Outra limitação consiste na falta da variável idade, uma vez que esta pode ter influência nas variáveis antropométricas, bem como no seu relato. Em relação à classificação nutricional, os dados apontaram elevada sensibilidade e especificidade para o diagnóstico tanto de excesso de peso quanto de obesidade, sendo que a especificidade foi maior que a sensibilidade para ambas as classificações, sugerindo a possibilidade de utilização de informações referidas de peso e estatura para estudos populacionais, especialmente na detecção das mulheres eutróficas. CONCLUSÃO Com esses resultados, pode-se concluir que as informações referidas de peso e estatura podem apresentar boa concordância e validade, quando comparadas com suas respectivas aferições. Apesar da boa concordância, ressalta-se, de modo geral, tendência de subestimar o peso e superestimar a estatura. 135 FRUTUOSO, M. F. P.; FALSARELLA, F. A.; GAMBARDELLA, A. M. D. Validade de peso e estatura informados por mulheres adultas no Município de São Paulo. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 127-136, abr. 2011. REFERÊNCIAS/REFERENCES BLAND, J. M.; ALTMAN, D. G. Statistical methods for assessing agreement between two methods of clinical measurements. Lancet, v. 8, n. 34-76, p. 307-310, 1986. NAKAMURA, K.; HOSHINO, Y.; KODAMA, K.; YAMAMOTO, M. Reliability of self-reported body height and weight of adult Japanese women. J Biosoc Sci., v. 31, n. 4, p. 555-558, 1999. CHOR, D.; COUTINHO, E. S. F.; LAURENTI, R. Reliability of self-reported weight and height among state bank employees in Rio de Janeiro. Rev. saúde pública, v. 33, n. 1, p. 16-23, 1999. NIEDHAMMER, I.; BUGEL, I.; BONENFANT, S.; LECLERE, A. 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Recebido para publicação em 21/05/10. Aprovado em 04/02/11. Artigo original/Original Article Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento Effect of the dietary glycid/lipid calorie ratio on the nitrogen balance and body composition of bodybuilders ABSTRACT MENDES-NETTO, R. S.; MAESTÁ, N.; DE OLIVEIRA, E. P.; BURINI, R. C. Effect of the dietary glycid/lipid calorie ratio on the nitrogen balance and body composition of bodybuilders. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr. = J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 137-150, abr. 2011. The aim of this study was to determine the effect of the carbohydrate/fat ratio on body composition, body weight, muscle mass and nitrogen retention in young bodybuilders. This was a prospective, randomized cross-over study with eleven voluntary males undergoing bodybuilding training. The volunteers were randomly divided in two groups; one receiving a dietary carbohydrate/ fat ratio of 4.0 (D1) and the other one receiving a dietary carbohydrate/fat ratio of 8.0 (D2); both groups receiving a high-protein diet (1.5g protein/ kg/d). Muscle mass, fat mass, nitrogen retention and biochemical analyses were assessed. Both diets promoted weight and fat mass gain and positive nitrogen retention. However, D2 showed a higher muscle mass gain. Thus, the higher carbohydrate/fat ratio resulted in a greater muscle mass gain. Keywords: Resistance Exercise. Energy Intake. Protein Intake. Nitrogen Balance. RAQUEL SIMÕES MENDES-NETTO1; NAILZA MAESTÁ2; ERICK PRADO DE OLIVEIRA2,3; ROBERTO CARLOS BURINI2 1Universidade Federal de Sergipe, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Núcleo de Nutrição 2Centro de Metabolismo em Exercício e Nutrição (CeMENutri) – Departamento de Saúde Pública – Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP) 3Pós-graduação pelo Departamento de Patologia – Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP) Endereço para correspondência: Roberto Carlos Burini UNESP Faculdade de Medicina - Departamento de Saúde Pública, CeMENutri Distrito de Rubião Jr, s/nº CEP 18618-970 Botucatu (SP) E-mail: [email protected] 137 MENDES-NETTO, R. S.; MAESTÁ, N.; DE OLIVEIRA, E. P.; BURINI, R. C. Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 137-150, abr. 2011. RESUMEN El objetivo del estudio fue comparar los efectos de dos dietas isoproteicas e isocalóricas, con diversas proporciones de carbohidratos y lípidos, sobre la composición corporal y retención de nitrógeno en jóvenes practicantes de entrenamiento de fuerza. El estudio fue prospectivo, randomizado cruzado, con 11 culturistas jóvenes del sexo masculino. Fueron formados dos grupos diferenciados por recibir relación calorías glúcidos/lípidos de valor 4,0 (D1) o 8,0 (D2), ambos con dieta hiperproteica (1,5g/kg/d). Se evaluaron masa muscular, masa gorda, retención de nitrógeno y análisis bioquímico. Ambas dietas promovieron aumento de peso y de masa adiposa y el balance nitrogenado positivo, sin embargo, la dieta D2 provocó mayor aumento de masa muscular. Se concluye que la mayor relación calórica glúcidos/lípidos promovió un mayor aumento de masa muscular. Palabras clave: Entrenamiento de fuerza. Ingestión de energia. Ingestión proteica. Balance nitrogenado. 138 RESUMO O objetivo do estudo foi comparar os efeitos de duas dietas isopr oteica-isocalóricas diversificadas na proporção carboidratos e lipídios sobre a composição corporal e retenção nitrogenada de jovens praticantes de treinamento de força. O estudo foi prospectivo, randomizado cruzado, com 11 culturistas jovens do sexo masculino. Foram formados dois grupos diferenciados por receberem relação calorias glicídicas/lipídicas de valor 4,0 (D1) ou 8,0 (D2), ambos com dieta hiperproteica (1,5g/kg/d). Massa muscular, massa gorda, retenção nitrogenada e análise bioquímica foram avaliadas. Ambas as dietas promoveram ganho de peso e massa adiposa e positivação do balanço nitrogenado, no entanto, a dieta D2 resultou em maior ganho de massa muscular. Conclui-se que a maior relação calórica glicídica/lipídica promoveu maior ganho de massa muscular. Palavras-chave: Treinamento de força. Ingestão de energia. Ingestão proteica. Balanço nitrogenado. MENDES-NETTO, R. S.; MAESTÁ, N.; DE OLIVEIRA, E. P.; BURINI, R. C. Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 137-150, abr. 2011. INTRODUÇÃO As necessidades proteicas e energéticas de praticantes de treinamento de força, principalmente para hipertrofia muscular, são maiores do que as de sedentários (MAESTÁ et al., 2008; RODRIGUEZ; DI MARCO; LANGLEY, 2009). Isto porque a proteólise decorrente do esforço, seguida do aumento da síntese de proteína, é determinante para força e desencadeamento da hipertrofia muscular (WOLFE, 2000). O predomínio da síntese em relação ao catabolismo proteico muscular representa a base metabólica da hipertrofia. O ganho muscular ocorre pela positivação do balanço proteico durante a recuperação. O aumento da síntese proteica ocorre em resposta ao catabolismo aumentado durante o esforço exaustivo (WAGENMAKERS, 1999). Vários fatores, como a ingestão proteico-energética, níveis de leucina e o exercício físico podem alterar o turnover proteico (BIOLO et al., 2003). A combinação de carboidrato e proteína, antes e após a sessão do exercício, promove a liberação de hormônios, anabólicos como hormônio do crescimento (GH), insulin like growth factor 1 (IGF-1), insulina e testosterona. Estes mediadores interagem com os receptores celulares do músculo esquelético, aumentando a transcrição gênica, além de facilitar a entrada de nutrientes (glicose e aminoácidos), promovendo a redução do catabolismo e o aumento da síntese proteica (GLYNN et al., 2010; VOLEK, 2004). A oferta de calorias provenientes de carboidrato (calorias não proteicas) influencia a positivação do balanço nitrogenado, em decorrência do aumento da glicose e insulina plasmáticas, diminuição do catabolismo proteico miofibrilar e excreção da ureia urinária, com aumento da síntese proteica muscular (BISSCHOP et al., 2003; HULMI et al., 2005; ROY et al., 1997; TIPTON et al., 2001). Maestá et al. (2008) sugerem a ingestão de 1,5g de proteína/kg de peso/dia com ajuste do consumo energético para 30kcal/g de proteína para síntese proteica ideal em atletas culturistas. Adicionalmente, o efeito hipertrófico do exercício (intensidade de 75 a 85% 1RM) apresenta associação com a ingestão energética, particularmente de carboidratos (BORSHEIM et al., 2004). Os carboidratos são maiores poupadores de proteínas do que as gorduras (ROY et al., 1997; ZAWADZKI et al., 1992), mas desconhece-se a melhor proporção da relação glicídica/lipídica sobre o ganho de massa muscular. Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da relação das calorias glicídicas/ lipídicas sobre a composição corporal, avaliando ganho de peso corporal, massa muscular e retenção nitrogenada de praticantes de treinamento de força. CASUÍSTICA E MÉTODOS O estudo foi prospectivo, randomizado cruzado, com 11 jovens saudáveis em treinamento com pesos, sexo masculino, com mais de dois anos de experiência em treinamento de força, idade entre 18 e 35 anos. 139 MENDES-NETTO, R. S.; MAESTÁ, N.; DE OLIVEIRA, E. P.; BURINI, R. C. Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 137-150, abr. 2011. Estes indivíduos foram recrutados em academias da cidade de Botucatu (SP). Foram selecionados adultos jovens, saudáveis e excluídos os indivíduos que ingeriam suplementos (com exceção de maltodextrina), usuários de esteroides anabolizantes, vegetarianos, fumantes e elitistas. Todos foram informados sobre a proposta do estudo, os procedimentos a que seriam submetidos e assinaram a declaração de consentimento esclarecido, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa em 03 de abril de 2000 (Of. nº 269/98). O estudo teve duração de seis semanas em que as duas primeiras foram de adaptação à dieta e ao treinamento e as 4 últimas com intervenção dietética associada ao treinamento para hipertrofia. PROTOCOLO DIETÉTICO Inicialmente, foi realizada investigação dos hábitos alimentares, por meio do registro alimentar de três dias, sendo dois no meio da semana e um no final de semana para análise das quantidades relativas de macronutrientes e total de calorias ingeridas (CINTRA et al., 1997), duas semanas antes do início da intervenção nutricional. As análises nutricionais foram realizadas por meio do software de nutrição NutWin, versão 1,5 (ANÇÃO et al., 2002). Foram prescritas dietas individuais para o período de pré-experimento (D0 2 semanas de duração), compostas por 1,5g de proteína/kg/dia, 60-70% de carboidratos e 20-30% de lipídios. Encerradas estas duas semanas, foram realizadas as avaliações (M0) e oferecidas aos atletas, duas dietas (D1 e D2) em sequência alternada (2 semanas cada dieta), por período de quatro semanas, ambas com conteúdo proteico fixo de 1,5g/kg/dia e isoenergéticas. O diferencial das dietas foi a razão energética carboidratos/lipídios. Na primeira dieta (D1), a relação calorias de carboidratos/calorias de lipídios foi de 4,0, enquanto que na D2 essa relação foi de 8,0. Os atletas foram distribuídos, aleatoriamente, em dois grupos, um recebendo a dieta D1 (n=5) e o outro a dieta D2 (n=6), com duração de 2 semanas. Após este período, houve a troca do tratamento dietético entre os grupos, ou seja, aquele que estava com a dieta D1 recebeu a D2 e quem estava coma D2 recebeu D1, por mais 2 semanas (Figura 1). Não houve dieta controle (normocalórica, lipídica e normoglicídica), pois os indivíduos consumiam dieta adaptada para hipertrofia muscular para ambos grupos e por se tratar de estudo cruzado. As dietas continham, aproximadamente, 34kcal não proteicas/g proteína/dia. A contribuição dos carboidratos foi estimada em 70-80% do consumo calórico total, ingeridos na forma de amido (45%), maltodextrina (40%) e carboidratos simples (15%). As calorias lipídicas correspondiam aproximadamente a 18% do total da dieta D1, e cerca de 9% das calorias lipídicas da dieta D2. A dieta foi fracionada em sete vezes ao dia (desjejum, almoço, jantar, três lanches e ceia), com ingestão de água ad libitum. A duração total do estudo de intervenção dietética foi de 28 dias (M0/M2). 140 MENDES-NETTO, R. S.; MAESTÁ, N.; DE OLIVEIRA, E. P.; BURINI, R. C. Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 137-150, abr. 2011. 1,5g/kg/dia de proteína e isoenergéticas D1 (n=5) D1 (n=6) 2 semanas 2 semanas D2 (n=6) D2 (n=5) 2 semanas 2 semanas (D1) relação carboidratos/lipídios = 4,0 (D2) relação carboidratos/lipídios = 8,0 Figura 1 – Delineamento do estudo e ingestão da dieta D1 e D2. PROTOCOLO DE EXERCÍCIO FÍSICO O protocolo de treinamento utilizado constou de duas fases, com a primeira fase (2 semanas) correspondendo ao pré-experimento (sem tratamento dietético), tendo como finalidade a equiparação do protocolo de treinamento físico, pois como já eram praticantes há mais de dois anos, essas duas semanas foram suficientes para nivelamento do treino. A segunda fase visou a hipertrofia muscular, envolvendo programação de quatro dias não consecutivos, intercalados por um de descanso. Cada programação constou de três exercícios para cada grupamento muscular, com quatro séries para cada exercício, com exceção dos grupamentos dos braços, ombros e pernas, com dois exercícios cada. O número de repetições utilizadas em cada série foi 12/10/8/6, utilizando o método de cargas variáveis conhecido como pirâmide. Para a panturrilha, foram realizadas 15-20 repetições e abdome 20-30 (KRAEMER; FRY, 1995). As cargas utilizadas foram compatíveis com o número de repetições máximas estipuladas para cada exercício, correspondendo em 75-85% de uma repetição máxima (1 RM). Antes de iniciar o teste de RM, os jovens fizeram aquecimento com carga subjetiva e 15 repetições para cada exercício. Após a pausa de um minuto foi iniciado o teste de 1RM com adição de carga subjetiva e individual, com maior número possível de repetições. Foram realizadas de três a cinco tentativas para obtenção da carga máxima com pausa de três a cinco minutos entre as elas (KRAEMER; FRY, 1995). Foram realizadas quatro sessões de treinamento (A e B). A primeira sessão (A) de treinamento foi composta por exercícios para os grupamentos musculares do peitoral, costas, panturrilha e abdome, repetida no primeiro e quarto dia da semana. A segunda sessão 141 MENDES-NETTO, R. S.; MAESTÁ, N.; DE OLIVEIRA, E. P.; BURINI, R. C. Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 137-150, abr. 2011. (B) envolveu exercícios para os grupamentos musculares do braço (anterior e posterior), ombros e coxas, repetida no segundo e quinto dia (KRAEMER; FRY, 1995). O intervalo de recuperação entre as séries, durante cada exercício, foi de sessenta a noventa segundos, e entre os exercícios de um mesmo grupamento muscular, de dois a três minutos. O intervalo de recuperação entre os exercícios para grupamentos musculares diferentes nunca foi inferior a cinco minutos. AVALIAÇÃO DA COMPOSIÇÃO CORPORAL A avaliação da composição corporal foi realizada antes do início do estudo dietético (M0), ao final dos primeiros 14 dias (M1) e no final dos 28 dias (M2). Para a avaliação do peso corporal e altura, foi utilizada balança antropométrica provida de estadiômetro (Filizola®, Brasil), com precisão de 0,1kg para peso e 0,1cm para altura, com o indivíduo descalço e mínimo de roupa (HEYWARD; STOLARCZYK, 2000). As circunferências do braço (CB), antebraço (CAT), abdominal (CA), quadril (CQ), coxa (CC) e panturrilha (CP), e as dobras cutâneas triciptal (DCT), biciptal (DCB), subescapular (DCSE), suprailíaca (DCSI), abdominal (DCA), coxa (DCC) e panturrilha (DCP) foram utilizadas o cálculo da massa gorda e massa muscular do corpo. As medidas foram realizadas por um único avaliador com adipômetro científico da marca Lange (Cambridge Scientific Instruments, Cambridge, MD) (HEYWARD; STOLARCZYK, 2000). Para o cálculo da densidade corporal, utilizou-se equação (JACKSON; POLLOCK, 1978) e com a densidade foi calculado o percentual de gordura corporal (%G) (SIRI, 1961). Para o cálculo da massa muscular (kg), utilizou-se a equação proposta por Martin et al. (1990), que leva em consideração a estatura (cm), circunferências (cm) do antebraço, coxa e panturrilha e as dobras cutâneas da coxa e da panturrilha (MARTIN et al., 1990). AVALIAÇÃO BIOQUÍMICA As amostras de sangue venoso foram colhidas após repouso e jejum de 8-12h, com quantidade de 10mL de sangue, em tubo seco com gel separador. Foram determinadas no plasma as proteínas totais, albumina, creatinina e ácidos graxos livres, por método colorimétrico; glicose, ureia, ácido úrico, triacilglicerol, colesterol total, HDL-colesterol por método enzimático. A insulina e a testosterona total e livre foram analisadas por radioimunoensaio (DWENGER, 1984). AVALIAÇÃO DO BALANÇO NITROGENADO O período de coleta de urina foi de 24 horas. Foram dosadas ureia urinária (método urease), amônia (extração em Conway) e nitrogênio total pelo método micro-Kjeldahl para o cálculo do balanço nitrogenado (BN) (DICH; DICH; BURINI, 1997). 142 MENDES-NETTO, R. S.; MAESTÁ, N.; DE OLIVEIRA, E. P.; BURINI, R. C. Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 137-150, abr. 2011. As amostras de urina foram coletadas em frasco contendo solução de HCl 1N (para manter o pH < 2) e conservadas em refrigerador. O período de coleta foi de 24 horas. Foi dosada ureia (método Urease) para o cálculo do balanço nitrogenado (BN): nitrogênio ingerido (NI) – (0,46 x ureia urinária (g/24h) +4), com NI expresso em g de N.d-1 (DICH; DICH; BURINI, 1997). ANÁLISE ESTATÍSTICA Os resultados estão apresentados como média ± desvio padrão. Para cada indivíduo foi calculada a variação relativa das variáveis, definida por: D1 = D2 = X15 dias – X0dias X0dias X30dias – X15dias X15dias Foi aplicado o teste de Kolmolgorov-Smirnov para verificar a homogeneidade da amostra. Para comparação entre dieta habitual, efeito dos tratamentos (dietas D1 e D2) foi feita análise de variância (ANOVA – one way), seguida de teste post hoc HSD de Tukey. Para comparação entre os dois tratamentos dietéticos (D1 e D2) foi aplicado teste t de Student pareado. O nível de significância adotado foi de p<0,05 (5%). O tratamento estatístico foi realizado com software STATISTICA 5.0. RESULTADOS Os indivíduos eram jovens, com percentual de gordura e massa muscular (kg) adequados para a idade (Tabela 1). Tabela 1 – Características basais da idade e da composição corporal dos praticantes de treinamento com pesos Variáveis n = 11 Idade (anos) 24,5+4,9 Estatura (m) 1,79+0,07 Peso (kg) 76,8+7,5 Gordura (%) 16,1+2,5 Massa Muscular (kg) 47,2+6,1 143 MENDES-NETTO, R. S.; MAESTÁ, N.; DE OLIVEIRA, E. P.; BURINI, R. C. Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 137-150, abr. 2011. Apesar das diferentes proporções glicídicas/lipídicas de 4,0±0,04 (D1) e 8,0±0,01 (D2), a ingestão energética, por unidade de peso corpóreo, foi semelhante entre os grupos nas duas dietas. Assim, como esperado, a diferença entre as dietas D1 e D2 ocorreu na proporção carboidratos/gorduras, resultando em diferença (p<0,05) de participação no valor calórico total da dieta (VCT) de 8%. A oferta proteica diária, por unidade de peso, foi semelhante nos dois grupos dietéticos, assim como a ingestão calórica (não-proteica) por grama de proteína (Tabela 2). Tabela 2 – Consumo proteico-energético habitual, dietas D1 e D2 dos praticantes de treinamento com pesos (n=11) Dietas Habitual D1 D2 3.372±715,1 4.463±319,0 4.393±357,0 kcal/kg 44,0±10,2 59,0±4,2 58,0±4,7 kcalNP/g ptn 24,0±9,2 34,0±1,1 34,0±0,55 kcal CHO/kcal GORD 3,3±2,3 4,0±0,04 8,0±0,01* Proteínas totais (g) 124,0±48,5 118,0±11,0 117,0±11,0 Proteínas/kg (g/kg) 1,7±0,75 1,5±0,15 1,5±0,14 % Proteína 14,9±5,7 10,5±0,3 10,6±0,14 518,0±174,0 803,0±53,0 883,0±70,0 6,7±2,0 10,5±0,7 11,6±0,9 % CHO 61,0±12,0 72,0±0,5 80,0±0,21 Gorduras totais (g) 88,0±39,8 89,0±6,5 49,0±4,0 Gorduras/kg (g/kg) 1,2±0,6 1,2±0,1 0,6±0,05 % Gorduras 24,0±9,2 18,0±0,1 10,0±0,02 Calorias totais Carboidratos totais (g) CHO/kg (g/kg) * p<0,05 (diferença entre D1 e D2); D1 (CHO/GORD: 4,0); D2 (CHO/GORD: 8,0); kcalNP/g ptn: calorias não proteicas por grama de proteína. As variações de peso e gordura corporal, decorrentes do consumo das dietas D1 e D2 foram semelhantes. O tratamento dietético mostrou-se efetivo (p<0,05) no ganho de massa muscular apenas na dieta D2 (Delta MM (kg) = -0,1±1,7 e 1,5±1,5, D1 e D2, respectivamente) (Tabela 3). 144 MENDES-NETTO, R. S.; MAESTÁ, N.; DE OLIVEIRA, E. P.; BURINI, R. C. Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 137-150, abr. 2011. Ambas as dietas promoveram redução na excreção do nitrogênio urinário e apresentaram balanço nitrogenado positivo, mas sem diferença estatística entre as dietas (Tabela 4). A dieta de maior proporção lipídica (D1) promoveu aumento dos ácidos graxos livres (AGL). Fato inverso foi verificado para a colesterolemia total (Delta = -3,91±16,9 e 12,2±10,8mg/dL, D1 e D2, respectivamente) e fração LDL (p<0,05) (Delta = -6,0±11,6 e 12,1±6,8mg/dL, D1 e D2, respectivamente), onde o estímulo hipercolesterolêmico foi da dieta D2. A oferta de proporções glicídicas/lipídicas diferentes em dietas isoproteicas não resultou em alterações significativas dos outros parâmetros bioquímicos em ambas as dietas (Tabela 5). Tabela 3 – Variação absoluta (kg) e relativa (%) da composição corporal dos praticantes de treinamento com pesos submetidos à dietas isoenergéticas, com variação na razão calorias glicídicas/lipídicas Variação absoluta Variação Relativa D1 (kg) D2 (kg) D1 (%) D2 (%) p Peso 1,3±1,1 1,6±0,9 1,7 2,1 0,65 MM -0,1±1,7 1,5±1,5* 0,01 3,0 0,05 Gordura 0,9±1,1 0,3±0,8 6,4 2,6 0,29 * p<0,05 (diferença entre D1 e D2); MM: massa muscular; D1 (CHO/GORD: 4,0); D2 (CHO/GORD: 8,0); p<0,05 (diferença significativa). Tabela 4 – Variação absoluta (g/d) e relativa (%) do nitrogênio ingerido (NI), nitrogênio ureico (NU) e balanço nitrogenado (BN) dos praticantes de treinamento com pesos submetidos à dietas isoenergéticas, com variação na razão calorias glicídicas/lipídicas Variação absoluta Variação Relativa D1 (g/d) D2 (g/d) D1 (%) D2 (%) p NI 2,9±6,4 3,1±5,3 41,3 28,5 0,16 NU -1,1±5,9 -3,4±6,0 -4,3 -13,6 0,47 BN 4,0±10,3 8,44±8,4 34,0 191,0 0,33 P<0,05: diferença significativa; D1 (CHO/GORD: 4,0); D2 (CHO/GORD: 8,0). 145 MENDES-NETTO, R. S.; MAESTÁ, N.; DE OLIVEIRA, E. P.; BURINI, R. C. Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 137-150, abr. 2011. Tabela 5 – Variação absoluta e relativa (%) dos parâmetros bioquímicos e hormonais dos praticantes de treinamento com pesos submetidos à dietas isoenergéticas, com variação na razão calorias glicídicas/lipídicas Variação absoluta Variação Relativa D1 D2 D1 (%) D2 (%) p Prot (g/dL) -0,1±0,3 0,1±0,2 -1,1 1,0 0,19 Alb(g/dL) 0,05±0,2 0,1±0,13 1,0 1,6 0,54 Creat (mg/dL) 0,03±0,05 0,03±0,05 3,3 3,5 0,96 U (mg/dL) -1,0±9,9 -0,7±9,7 3,2 0,6 0,10 Ac.U (mg/dL) 0,5±0,6 0,3±0,6 10,9 6,7 0,09 Gli (mg/dL) 1,4±4,15 3,45±6,2 1,6 3,9 0,11 TGL (mg/dL) 26,4±40,3 11,7±52,6 37,9 19,5 0,35 CT(mg/dL) -3,91±16,9 12,2±10,8 -1,1 7,4 0,05 HDL(mg/dL) -3,2±8,4 -2,4±9,3 -4,6 -3,3 0,52 LDL(mg/dL) -6,0±11,6 12,1±6,8 -4,2 14,0 0,004 AGL(mm/L) 0,11±0,33 -0,42±0,35 32,9 -39,0 0,01 Insulina (µUI/mL) 0,13±4,34 1,8±5,0 25,6 53 0,56 GH (ng/mL) 0,25±0,9 -0,1±0,2 535,0 4,2 0,40 TT (ng/mL) 6,75±148 25,0±145 13,9 2,7 0,60 TL (pg/mL) -0,85±4,8 1,8±7,6 1,0 16,8 0,26 Prot: proteínas totais; alb: albumina; creat: creatinina; U: ureia; ac. U: ácido úrico; gli: glicose; TGL: triglicerídios; CT: colesterol total; AGL: ácidos graxos livres. p<0,05: diferença significativa; D1 (CHO/GORD: 4,0); D2 (CHO/ GORD: 8,0). DISCUSSÃO O principal achado do estudo foi que a maior relação CHO/GORD resultou em maior ganho de massa muscular e positivação do balanço nitrogenado em atletas culturistas. Alguns estudos mostram que nos exercícios com levantamento de pesos, a alta ingestão de carboidrato melhora o balanço proteico, possivelmente por redução do catabolismo proteico (BORSHEIM et al., 2004). No presente estudo, a D2 que apresentava relação CHO/GORD:8,0 mostrou maior ganho de MM quando comparada a D1 (relação CHO/GORD:4,0). A associação de aminoácidos essenciais com carboidrato estimula o balanço proteico (aumento da síntese e redução do catabolismo proteico) (DORRENS; RENNIE, 2003; TIPTON et al., 2001). Sabe-se que a oferta concomitante de substratos energéticos é necessária para melhorar a síntese proteica muscular (TARNOPOLSKY; MACDOUGALL; ATKINSON, 1988; VOLPI et al., 2000). Assim, a introdução proteica 146 MENDES-NETTO, R. S.; MAESTÁ, N.; DE OLIVEIRA, E. P.; BURINI, R. C. Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 137-150, abr. 2011. associada à ingestão de carboidrato potencializa a resposta anabólica do treinamento físico (MENDES-NETTO; BURINI, 2000). A dieta com maior razão CHO/GORD (8,0) reduziu a excreção nitrogenada e promoveu aumento do BN em 191%, sem diferença significativa da dieta D1. O efeito significante e mensurável da troca isoenergética de gordura por carboidratos sobre o metabolismo proteico, foi mostrado neste estudo com praticantes de treinamento com pesos em fase de treinamento (Tabela 5). As razões energéticas de CHO:GORD (8,0 e 4,0) foram selecionadas por se enquadrarem dentro de variação que poderia ser aplicada às dietas destes atletas e que permitiria ampla variedade de alimentos com melhor palatabilidade. A maior oferta de calorias glicídicas por lipídicas (8,0) dobrou a retenção nitrogenada (pela menor excreção de nitrogênio ureico). Como o desempenho físico é dependente de diversas funções musculares, o balanço nitrogenado pode ser utilizado para avaliar o metabolismo proteico (TARNOPOLSKY; MACDOUGALL; ATKINSON, 1988). Sabe-se que a excreção de nitrogênio aumenta com exercício e quando a ingestão proteica e energética (principalmente de carboidrato) é reduzida, o balanço torna-se negativo, indesejável para estes atletas (MENDES-NETTO; BURINI, 2000). O consumo proteico associado ao de carboidratos resulta em aumento da síntese proteica muscular nos períodos de uma hora e duas horas após o treino (MILLER et al., 2003), período que coincide com o pico da síntese e catabolismo proteico muscular nas condições de repouso (pós-treino) (PITKANEN et al., 2003; WOLFE, 2002). As necessidades proteicas-energéticas de praticantes de musculação são maiores que dos sedentários (MAESTÁ et al., 2008). No presente trabalho, o consumo proteico de ambas dietas foi em média 1,5g por kg de peso por dia, com calorias glicídicas entre 72% (D1) e 80% (D2) e lipídicas entre 18% (D1) e 10% (D2), com diferença significativa somente entre a razão de calorias glicídicas por calorias lipídicas (D1 4,0±0,04 e D2 8,0±0,01). A massa muscular dos atletas do presente estudo correspondia a aproximadamente 62% do peso corporal, valor semelhante ao encontrado em atletas culturistas observado em outro estudo, que compara culturistas com outras modalidades esportivas e não atletas (SPENST; MARTIN; DRINKWATER, 1993). Apesar de ser utilizado método duplamente indireto para avaliação da massa muscular e adiposa do corpo, os dados antropométricos são confiáveis desde que as equações sejam adequadas ao grupo estudado. No entanto, no presente estudo a equação para densidade corporal (JACKSON; POLLOCK, 1978) é específica para pessoas fisicamente ativas (REZENDE et al., 2006). Além disso, a equação utilizada para quantificação da massa muscular utilizada no estudo é específica para o sexo masculino (MARTIN et al., 1990). A insulinemia não apresentou maior resposta à oferta de calorias glicídicas (D2), entretanto, a suplementação exclusivamente glicídica ou associada com proteínas estimula a resposta favorável ao crescimento muscular em função do aumento das concentrações 147 MENDES-NETTO, R. S.; MAESTÁ, N.; DE OLIVEIRA, E. P.; BURINI, R. C. Efeito da relação de calorias glicídicas/lipídicas da dieta sobre o balanço nitrogenado e composição corpórea de praticantes de musculação em treinamento. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 137-150, abr. 2011. de insulina e GH durante o período de recuperação após exercício de força (CHANDLER et al., 1994). Dietas hiperglicídicas podem induzir dislipidemias, favorecer a formação de partículas de LDL pequenas e densas e reduzir as concentrações de HDL plasmático, principalmente pelo aumento da síntese de triglicerídios, e consequente produção e liberação aumentadas de LDL e VLDL (PARK; LEE; PARK, 2010). Como a dieta D2 é mais hiperglicídica (80%) e menos lipídica (9% das calorias da dieta), isso pode explicar o maior aumento da LDL e a redução dos ácidos graxos livres, no grupo dos praticantes de treinamento com pesos que recebeu essa dieta. CONCLUSÃO A oferta de dietas isoenergéticas e isoproteicas, com maiores proporções de calorias glicídicas/lipídicas (D2), promoveu maior ganho de massa muscular, sem alteração da adiposidade corporal e ambas positivaram o balanço nitrogenado. Sendo assim, as dietas hiperglicídicas para praticantes de treinamento com pesos, com objetivo de hipertrofia muscular, apresentam maior efeito anabólico que dietas hiperlipídicas. REFERÊNCIAS/REFERENCES ANÇÃO, M. S.; CUPPARI, L.; DRAIBE, A. S.; SIGULEM, D. Programa de apoio à nutrição Nutwin, versão 1.5. São Paulo: Departamento de Informática em Saúde - SPDM - UNIFESP/EPM, 2002. CD-ROM. BIOLO, G.; ANTONIONE, R.; BARAZZONI, R.; ZANETTI, M; GUARNIERI, G. 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Artigo de Revisão/Revision Article Aspectos metabólicos e nutricionais da contagem de carboidratos no tratamento do diabetes mellitus tipo 1 Metabolic and nutritional aspects of carbohydrate counting in the treatment of type 1 diabetes mellitus ABSTRACT COSTA, A. C. P.; THALACKER, M.; BESENBRUCH, N.; SIMONY, R. F.; BRANCO, F. C. Metabolic and nutritional aspects of carbohydrate counting in the treatment of type 1 diabetes mellitus. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr. = J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 151-162, abr. 2011. Type 1 diabetes mellitus, the incidence of which has been considerably increasing in the world, is characterized by the deficiency in the production and secretion of insulin by the pancreas, resulting in hyperglycemia and disorders in the metabolism of the macronutrients. Therefore, it is known that the presence of the nutritionist in the health-care team that deals with diabetic patients is essential for the maintenance of a good metabolic control, encouraging modifications in the eating habits and the practice of physical activity. Evidences show that the amount of carbohydrate may be more important than its quality in determining the postprandial glycemic levels. In this context, carbohydrate counting is a dietary method that allows the patients to choose the food they wish to eat in each meal, and adjust the insulin doses according to the sum of the carbohydrate grams ingested. The goal of this study was to review the literature for the nutritional aspects of this dietary method, which has been used with patients with type 1 diabetes. Studies verified a decrease in the levels of glycosylated hemoglobin and a higher compliance with the treatment in patients using carbohydrate counting, as it allows more flexibility in the food choices. The nutritionist’s role in the education of the patient who chooses to start counting carbohydrates is further discussed. ANA CAROLINA PEREIRA COSTA1; MARIANA THALACKER1; NATHÁLIA BESENBRUCH1; ROSANA FARAH SIMONY2; FERNANDA CASTELO BRANCO3 1Nutricionista pelo Centro Universitário São Camilo. 2Docente dos Cursos de Nutrição do Centro Universitário São Camilo e da Universidade Presbiteriana Mackenzie. 3Nutricionista da Associação de Diabetes Juvenil. Endereço para correspondência: Ana Carolina Pereira Costa Rua Tucuna, 270, apto. 44, Pompéia. São Paulo, SP. CEP 05021010. E-mail: [email protected] Keywords: Nutritional Therapy. Diabetes mellitus, Type 1. Carbohydrates. 151 COSTA, A. C. P.; THALACKER, M.; BESENBRUCH, N.; SIMONY, R. F.; BRANCO, F. C. Aspectos metabólicos e nutricionais da contagem de carboidratos no tratamento do diabetes mellitus tipo 1. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 151-162, abr. 2011. RESUMEN RESUMO La diabetes mellitus tipo 1 (DM1) se caracteriza por una deficiencia en la producción y secreción de insulina por el páncreas, lo que resulta en hiperglucemia y alteraciones en el metabolismo de macronutrientes. Su incidencia mundial ha aumentado considerablemente y se sabe que la actuación del nutricionista en el cuidado de los portadores de DM1 es esencial para la mantención de un control metabólico adecuado, por medio del estimulo a cambio de hábitos alimentarios y a la práctica de actividad física. Hay evidencias mostrando que la glucemia pósprandial es más afectada por la cantidad total que por el tipo de carbohidratos ingeridos en una comida. En este contexto el cálculo de los carbohidratos es un método que permite al paciente seleccionar los alimentos que desea consumir en cada comida, y de acuerdo con los gramos de carbohidratos contenidos en cada alimento, ajustar la dosis de insulina regular o ultra rápida. El objetivo de este trabajo fue hacer una revisión bibliográfica de los aspectos nutricionales de este método, utilizado actualmente en el control de la DM1. Los estudios encontraron una disminución en los niveles de hemoglobina glucosilada y una mejor adherencia al tratamiento en pacientes que utilizan el cálculo de carbohidratos, debido a que permite una mayor flexibilidad en la elección de alimentos. Se plantea la participación de nutricionistas en la educación de los pacientes que deseen comenzar este cálculo. O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) caracteriza-se pela deficiência na produção e secreção de insulina pelo pâncreas, resultando em hiperglicemia e distúrbios no metabolismo dos macronutrientes. Sua incidência vem aumentando consideravelmente no mundo, e sabe-se que a atuação do nutricionista no cuidado de pacientes com DM1 é essencial para a manutenção de um bom controle metabólico, através do incentivo de alterações nos hábitos alimentares e da prática de atividade física. Evidências relatam ser mais importante a quantidade de carboidratos ingeridos numa refeição do que seu tipo na determinação da resposta glicêmica pós-prandial. Nesse contexto, a contagem de carboidratos é um método dietético que permite ao paciente escolher os alimentos que deseja consumir em cada refeição, e a partir da soma dos gramas de carboidrato contidos em cada alimento, ajustar as doses de insulina regular ou ultrarrápida. O objetivo deste trabalho foi fazer uma revisão bibliográfica dos aspectos nutricionais desse método dietético, usado atualmente no controle do DM1. Estudos verificaram diminuição nos níveis de hemoglobina glicosilada e maior adesão ao tratamento em pacientes utilizando a contagem de carboidratos, já que ela permite maior flexibilidade nas escolhas alimentares. Discute-se a participação do nutricionista na educação do paciente que deseja iniciar a contagem. Palabras clave: Terapia nutricional. Diabetes mellitus tipo 1. Hidratos de carbono. Palavras-chave: Terapia nutricional. Diabetes mellitus tipo 1. Carboidratos. 152 COSTA, A. C. P.; THALACKER, M.; BESENBRUCH, N.; SIMONY, R. F.; BRANCO, F. C. Aspectos metabólicos e nutricionais da contagem de carboidratos no tratamento do diabetes mellitus tipo 1. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 151-162, abr. 2011. INTRODUÇÃO O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) caracteriza-se pela deficiência na produção e secreção de insulina pelo pâncreas, resultando em hiperglicemia e distúrbios no metabolismo dos macronutrientes. O diagnóstico se traduz clinicamente pelo aparecimento de sintomas como poliúria, polidipsia, polifagia, astenia e perda de peso (COSTA; FRANCO, 2005). O tipo 1 da doença pode ser dividido em tipo 1A (origem autoimune), que é mais comum, e tipo 1B (origem idiopática, ausência de anticorpos) (IMAGAWA et al., 2000). Em ambos os casos, as consequências comuns de um mau controle metabólico incluem danos neurológicos, macro e microvasculares, além de aumento no risco de morte por doenças cardiovasculares (DCCT RESEARCH GROUP, 1993; HIRSCH; BROWNLEE, 2005). Estudos in vitro indicam que constantes variações glicêmicas parecem danificar mais as células do que a hiperglicemia por si só (HANEFELD; BORNSTEIN; PISTROSCH, 2009). Estudo com humanos identificou que o valor de hemoglobina glicada (que reflete a média de glicemia mantida num período de três meses) define somente 25% o risco de intercorrências microvasculares em pacientes com DM1, ressaltando que um bom controle metabólico deve apresentar redução na variabilidade glicêmica (DCCT RESEARCH GROUP, 1995). Outro autor chegou a afirmar que a variação glicêmica é um fator de risco independente para complicações do diabetes (BROWNLEE; HIRSCH, 2006). A incidência do DM1 no mundo vem aumentando cerca de 3% ao ano e pode ser bastante variável. Tal variação ocorre por conta de fatores genéticos e ambientais, e dentre estes podemos citar a dieta como fator de risco importante (DIB; TSCHIEDEL; NERY, 2008; LEITE et al., 2008). Dados do estudo multicêntrico DIAMOND revelam incidências anuais variando de 0,6/100.000 na Coréia e no México a 35,3/100.000 na Finlândia (KARVONEN et al., 1993). Em São Paulo, entre os anos de 1987 e 1991, a incidência anual de DM1 entre jovens com até 14 anos foi de 7,6/100.000 (FERREIRA et al., 1993). Nos próximos dois anos, a incidência deverá ser 40% superior à do ano de 1997, com maior incidência (6,3%) entre crianças de 0 a 4 anos (EISENBARTH; JEFFREY, 2008). Observa-se o aumento da frequência da figuração da doença nas estatísticas de mortalidade, tanto como causa básica ou contributiva, especialmente associada à doenças renais, cardiovasculares e cerebrovasculares. Tais associações representam uma enorme sobrecarga para a Saúde Pública (FONTBONNE, 1997). Pelo fato de o DM1 estar diretamente relacionado ao metabolismo dos macronutrientes, a nutrição desempenha importante papel no seu controle. Sabe-se que a atuação do profissional nutricionista no cuidado de pacientes com DM1 é essencial para a manutenção de um bom controle metabólico, através do incentivo de alterações nos hábitos alimentares e da prática de atividade física (BATISTA et al., 2005). Até o advento da terapia insulínica, pela ausência de outros recursos disponíveis, apenas o tratamento dietético viabilizava o controle da doença. Acreditava-se que a restrição de diversos alimentos seria a melhor forma de tratamento, pois preveniria a elevação glicêmica. Tal conduta, porém, provocava desnutrição grave, conduzindo os indivíduos à 153 COSTA, A. C. P.; THALACKER, M.; BESENBRUCH, N.; SIMONY, R. F.; BRANCO, F. C. Aspectos metabólicos e nutricionais da contagem de carboidratos no tratamento do diabetes mellitus tipo 1. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 151-162, abr. 2011. morte precoce (HISSA; ALBUQUERQUE; HISSA, 2004). As recentes diretrizes publicadas pela American Diabetes Association (2010) refletem uma abordagem mais flexível em relação às intervenções nutricionais e ao conteúdo de carboidratos da dieta, possibilitando ao paciente ajustar sua própria insulina baseando-se no conteúdo ingerido desse nutriente. Este é o fundamento básico da contagem de carboidratos. Assim sendo, o objetivo deste trabalho foi verificar os aspectos nutricionais desse método dietético, usado atualmente no tratamento e controle do DM1. Foi feita uma revisão de artigos científicos publicados entre 1991 e 2010 e indexados nas bases de dados Lilacs, SciELO e PubMed. Os descritores usados na busca foram: terapia nutricional/nutritional therapy, dieta/diet, diabetes mellitus, carboidratos/carbohydrates, contagem de carboidratos/carbohydrates counting. INSULINOTERAPIA NO DM1 As primeiras insulinas comercializadas eram extraídas de porcos e bois, mas com o desenvolvimento da bioengenharia genética passou-se a produzir quimicamente insulinas humanas sintetizadas por técnicas de recombinação de DNA, a partir de bactérias ou de células de outros tecidos. Estas insulinas sintéticas não apresentam impurezas e possuem uma menor ação antigênica (COSTA; ALMEIDA NETO, 1998). Um dos marcos na terapêutica em diabetes ocorreu a partir do clássico estudo Diabetes Control and Complication Trial (DCCT RESEARCH GROUP, 1993), que demonstrou que níveis de glicemia próximos da normalidade diminuem drasticamente, ou até previnem, as complicações decorrentes do DM1. A insulinoterapia no DM1 pode ser realizada através de múltiplas injeções diárias, num esquema chamado de basal/bolus, ou através do uso de bombas de infusão contínua de insulina subcutânea, que mimetiza com mais precisão a liberação fisiológica do hormônio pelas células beta (PIRES; CHACRA, 2008). O esquema basal/bolus consiste na aplicação alternada de insulinas de longa e curta duração, de maneira individualizada para cada paciente. As insulinas de longa duração são utlizadas a fim de se manter a glicemia nos períodos de jejum (madrugada) e entre as refeições. São três os tipos mais utilizados: NPH, de ação intermediária, com pico de ação cerca de 8 a 10 horas após a aplicação; glargina, que não apresenta pico de ação; e detemir, que é semelhante à anterior e possui pico de ação pouco pronunciado. Já as insulinas de curta duração são responsáveis pela metabolização dos carboidratos consumidos nas refeições e pela correção de glicemias elevadas. As mais conhecidas são: regular (ação rápida), que apresenta pico de ação após 3 horas de aplicação, devendo ser aplicada meia hora antes da refeição; lispro, asparte e glulisina, (ação ultrarrápida), que apresentam picos de ação após aproximadamente uma hora de aplicação, devendo ser aplicadas imediatamente antes ou após a refeição (PIRES; CHACRA, 2008). O uso da bomba de insulina requer treinamento mais elaborado por parte dos pacientes e profissionais, além do custo maior associado à sua operacionalização. Estudos 154 COSTA, A. C. P.; THALACKER, M.; BESENBRUCH, N.; SIMONY, R. F.; BRANCO, F. C. Aspectos metabólicos e nutricionais da contagem de carboidratos no tratamento do diabetes mellitus tipo 1. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 151-162, abr. 2011. colocam que seu uso é mais eficaz do que as múltiplas injeções diárias de insulina no controle glicêmico a longo prazo, bem como na prevenção da hipoglicemia em diabéticos do tipo 1. Ainda assim, a indicação para o uso do equipamento deve ser avaliada individualmente pela equipe responsável pelo cuidado do paciente (SCHEINER et al., 2009; SILVERSTEIN et al., 2005). É importante que os profissionais de saúde e pacientes conheçam bem os tipos de insulina e seus mecanismos de ação, já que estes relacionam-se intimamente com o método da contagem de carboidratos. CONTAGEM DE CARBOIDRATOS Os carboidratos são os principais nutrientes que influenciam os níveis glicêmicos de indivíduos saudáveis e com diabetes. Evidências relatam ser mais importante a quantidade de carboidratos ingeridos numa refeição do que seu tipo na determinação da resposta glicêmica pós-prandial (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2010; WOLEVER et al., 1999). A contagem de carboidratos ganhou destaque a partir de um estudo realizado pelo DCCT Research Group (ANDERSON et al., 1993), que comparou a eficácia de quatro métodos dietéticos no controle do DM1 – Healthy Food Choices, sistema de substituições, glicose total disponível e contagem de carboidratos – e verificou que este último era uma alternativa inovadora e motivadora para os pacientes. A contagem permite que o paciente, com o auxílio de um nutricionista, escolha os alimentos que deseja consumir em cada refeição e, a partir da soma dos gramas de carboidrato contidos em cada alimento, realize o ajuste do chamado bolus prandial, isto é, a dose de insulina rápida ou ultrarrápida a ser utilizada para metabolizar os carboidratos contidos naquela refeição. Há também o bolus de correção, que é uma dose extra de insulina rápida ou ultrarrápida utilizada nos casos em que a glicemia pré-prandial excede o limite desejado. O cálculo do bolus prandial e do bolus de correção, bem como os horários de aplicação de insulina, devem levar em consideração os seguintes itens: nível de glicose pré-prandial; meta glicêmica (prescrita pelo médico); fator de sensibilidade (também determinada pelo médico, representa quanto uma unidade de insulina rápida ou ultrarrápida reduz a glicemia do indivíduo); realização de atividade física posterior à refeição; experiências alimentares prévias e quantidade de carboidratos ingeridos na refeição. Geralmente, uma unidade de insulina é capaz de metabolizar de 10 a 20g de carboidratos em adultos, dependendo do peso corporal, do horário do dia, da resistência à insulina e do grau de atividade física. Em crianças, como a sensibilidade ao hormônio é maior, a relação insulina:carboidrato é normalmente considerada como sendo 1:30 (AHERN et al., 1993; GILLESPIE; KULKARNI; DALY, 1998; HISSA; ALBUQUERQUE; HISSA, 2004; LOTTENBERG, 2008; SCHEINER et al., 2009). Uma estratégia interessante para nutricionistas que trabalham com diabéticos é possuir em consultório manuais fotográficos ou mesmo instrumentos culinários (colheres, 155 COSTA, A. C. P.; THALACKER, M.; BESENBRUCH, N.; SIMONY, R. F.; BRANCO, F. C. Aspectos metabólicos e nutricionais da contagem de carboidratos no tratamento do diabetes mellitus tipo 1. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 151-162, abr. 2011. tigelas, copos, xícaras) para exemplificar e auxiliar o paciente no controle das porções alimentares (GILLESPIE; KULKARNI; DALY, 1998). O IMPACTO DA CONTAGEM NO TRATAMENTO DIETÉTICO DO DM1 Um estudo inglês acompanhou durante doze meses 169 adultos diabéticos do tipo 1, com idade média de 40 anos, e mostrou diminuição nos valores de hemoglobina glicada (HbA1c) e aumento na satisfação em relação ao tratamento após um período de seis meses utilizando a contagem de carboidratos (DAFNE STUDY GROUP, 2002). De forma análoga, um estudo brasileiro de oito meses com dez adolescentes diabéticos realizando contagem de carboidratos revelou ser possível a redução dos níveis de HbA1c, mesmo com a introdução da sacarose no lanche da tarde, consumida na forma de um doce (COSTA; FRANCO, 2005). A American Diabetes Association (ADA), após a análise de diversos estudos clínicos, concluiu que a sacarose pode ser utilizada por indivíduos diabéticos do tipo 1 em substituição aos carboidratos da dieta (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2010). Entretanto, é recomendável que seu consumo não ultrapasse 10% do total calórico diário da dieta, segundo recomendação da OMS para indivíduos saudáveis (LOTTENBERG, 2008). Um estudo brasileiro (HISSA; ALBUQUERQUE; HISSA, 2004) usou um questionário para verificar a aceitação da contagem de carboidratos, que foi respondido por 50 pacientes entre 9 e 59 anos, que vinham utilizando a técnica havia seis meses. Os resultados indicaram boa aceitação, principalmente nos quesitos relacionados à escolha do número de refeições, comer fora de casa, horário das refeições, planejamento das atividades sociais e diárias, realização de testes de glicemia e leituras de rótulos dos alimentos. Um estudo italiano com 48 adultos portadores de DM1, com idade média de 27 anos, revelou que a educação nutricional em contagem de carboidratos melhorou a reação e a conduta frente aos episódios de hipoglicemia (BRUTTOMESSO et al., 2001). Tais episódios podem ser sintomáticos ou não e normalmente são identificados através de um valor de glicemia capilar abaixo de 70mg/dL (MAIA; ARAÚJO, 2008), constituindo fator limitante para a adequação e adesão terapêuticas, especialmente em crianças. A correção ideal, caso o indivíduo esteja consciente, é a ingestão de 15g de carboidrato de rápida absorção (balas de goma, refrigerante normal, mel, água com açúcar), que tende a aumentar a glicemia em 40 a 50mg/dL em até 15 minutos. Após esse período, é recomendável a realização de novo teste de glicemia capilar e a repetição do processo caso haja necessidade (NERY, 2008). Na prática clínica, sabe-se que também as proteínas e gorduras da dieta podem ser transformadas em glicose, num período que varia de 4 a 6 horas, influenciando os níveis glicêmicos. O estudo americano de Ahern et al. (1993), com amostra de oito pacientes diabéticos com idade média de 35 anos, verificou que episódios de hiperglicemia tardia após a ingestão de pizza estavam relacionados à sua composição dietética, e não 156 COSTA, A. C. P.; THALACKER, M.; BESENBRUCH, N.; SIMONY, R. F.; BRANCO, F. C. Aspectos metabólicos e nutricionais da contagem de carboidratos no tratamento do diabetes mellitus tipo 1. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 151-162, abr. 2011. somente ao consumo exagerado desse alimento. A importância da monitoração glicêmica frequente é justamente identificar as possíveis reações individuais ao consumir esses nutrientes e servir de embasamento para possíveis alterações dietéticas medicamentosas e no padrão de atividade física do paciente. A monitoração glicêmica é comumente realizada através da medição da glicemia capilar (GILLESPIE et al., 2009). Um estudo australiano com 31 crianças e adolescentes entre 9 e 16 anos revelou que a insulina pré-prandial (bolus) calculada individualmente para um lanche contendo 60g de carboidrato conseguiu manter a glicemia pós-prandial em níveis adequados quando o mesmo lanche continha 50 ou 70g, indicando que uma quantidade fixa de insulina ultrarrápida é capaz de cobrir uma determinada faixa glicêmica (SMART et al., 2009). Ainda assim, a contagem de carboidratos trata-se de um planejamento alimentar que requer certa precisão na quantificação de porções dos alimentos e, por isso, pode aumentar a ansiedade e a obsessão por comida, fazendo com que os pacientes sintam que o diabetes controla suas vidas. A adoção de práticas como omitir a aplicação de insulina e restringir severamente a alimentação é comum em pacientes adolescentes, tanto do gênero feminino como masculino, e sabe-se também que a prevalência de transtornos alimentares é alta na população diabética, tanto nos portadores do tipo 1 quanto do tipo 2 da doença. Atitudes alimentares inadequadas e práticas errôneas de controle do peso têm um impacto negativo sobre o controle metabólico do diabetes, especialmente do tipo 1. É importante, portanto, atentar às atitudes alimentares dos pacientes, especialmente daqueles que apresentam muita dificuldade no controle glicêmico, a fim de se detectar precocemente sinais de um possível transtorno alimentar (AZEVEDO; PAPELBAUM; D’ELIA, 2002; JONES et al., 2000; NEUMARK-SZTAINER et al., 2002; PAPELBAUM et al., 2004; PEREIRA; ALVARENGA, 2007; WALDRON, 1996). Já existe um questionário específico para detectar a presença de atitudes alimentares inadequadas em crianças com DM1; entretanto, este ainda não foi traduzido e validado (MARKOWITZ et al., 2010). Faz parte da educação nutricional, dentro do contexto da contagem de carboidratos, incentivar o consumo diário de 20 a 35g de fibras, segundo recomendação da ADA (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2010). As fibras da dieta retardam a absorção de glicose, melhoram a sensibilidade à insulina e estão associadas à diminuição nos níveis plasmáticos de colesterol (GARG; SIMHA, 2007; O’KEEFE; GHEEWALA; O’KEEFE, 2008). O uso do índice e carga glicêmicos, segundo a ADA, fornecem benefícios modestos no controle e tratamento do DM, por conta de variações inter e intraindividuais (AMERICAN DIABETES ASSOCIATION, 2010). Gilbertson et al. (2001) obtiveram resultados interessantes ao avaliar a aplicabilidade do índice glicêmico no controle metabólico de pacientes diabéticos. Ao longo de um ano, comparou-se o uso da contagem de carboidratos versus uma orientação nutricional baseada na pirâmide, com ênfase em alimentos de baixo índice glicêmico (IG), em 104 crianças com DM1. Aquelas do grupo de baixo IG reduziram de forma significante os níveis de HbA1c e obtiveram redução nos episódios de hiperglicemia. Entretanto, não foram 157 COSTA, A. C. P.; THALACKER, M.; BESENBRUCH, N.; SIMONY, R. F.; BRANCO, F. C. Aspectos metabólicos e nutricionais da contagem de carboidratos no tratamento do diabetes mellitus tipo 1. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 151-162, abr. 2011. feitos ajustes de insulina em ambos os grupos, que é justamente uma das vantagens da contagem de carboidratos, e os próprios autores colocaram que não se poderia atribuir os baixos valores de HbA1c somente ao uso da dieta com baixo IG. É importante orientar os pacientes quanto aos exageros alimentares que podem surgir com a quebra dos antigos mitos relacionados à alimentação do diabético, já que tais exageros também podem gerar danos à saúde. O estudo multicêntrico e multiétnico de Liu et al. (2009), nos Estados Unidos, analisou 3.953 jovens diabéticos e 7.666 não-diabéticos, com idades entre 3 e 19 anos. Houve maior prevalência de obesidade em jovens com DM2 e em jovens não diabéticos, mas em jovens com DM1 a prevalência de sobrepeso ultrapassou a de jovens saudáveis. Sabe-se que indivíduos diabéticos do tipo 1 também podem apresentar resistência insulínica e síndrome metabólica, o que implica na piora do controle metabólico e da qualidade de vida do paciente (BÁEZ et al., 2009). Entretanto, um grande estudo de coorte realizado nos EUA, que acompanhou 655 indivíduos com DM1 durante 20 anos, obteve resultados interessantes. O primeiro deles é que a relação entre índice de massa corpórea (IMC) e mortalidade não foi linear nem no baseline e nem durante o follow-up. O segundo achado do estudo é que o ganho de peso ao longo dos anos se mostrou protetor nos indivíduos diabéticos, e a faixa de IMC associada à mortalidade mínima foi entre 20 e 29kg/m2. Já valores altos de HbA1c representaram fator de risco importante para mortalidade (CONWAY et al., 2009; SHANKAR et al., 2007). O estudo qualitativo de Mehta et al. (2009) avaliou a percepção de alimentação saudável e a influência do controle do diabetes na escolha alimentar apresentada por 35 crianças e adolescentes com DM1 e suas famílias. Todos os participantes reconheceram que frutas e vegetais são saudáveis, enquanto que fast food e outros alimentos que tendem a aumentar mais a glicemia pós-prandial não são. Muitos pais e jovens admitiram a importância da determinação da quantidade de carboidratos dos alimentos para um controle adequado do diabetes, e relataram preferir muitas vezes alimentos industrializados pela facilidade nessa determinação, através da leitura de rótulos. Importante ressaltar que alguns pais e poucos jovens associaram a maior flexibilidade de um regime insulínico basal-bolus a um pior comportamento alimentar, como por exemplo maior tendência a “beliscar” alimentos durante o dia e corrigir com insulina depois. Já as famílias que seguiam um regime fixo de aplicação de insulina apresentaram a visão equivocada de que não é saudável consumir lanches para prevenir hipoglicemia nos momentos de pico de ação do hormônio. As crenças e mitos acerca da alimentação saudável para diabéticos também devem ser abordadas no processo de educação nutricional dos pacientes e familiares. No contexto da contagem de carboidratos, o uso de produtos diet deve ser avaliado, pois grande parte deles apresenta maior teor de gorduras (FARIA et al., 2007) e quantidades semelhantes de carboidrato, alterando a glicemia do paciente da mesma forma que um produto convencional. Confirmando que alimentos dietéticos são bastante usados por indivíduos com diabetes, Castro e Franco (2002) encontraram que somente 24,2% de uma amostra de 389 pacientes não utilizavam produtos diet. 158 COSTA, A. C. P.; THALACKER, M.; BESENBRUCH, N.; SIMONY, R. F.; BRANCO, F. C. Aspectos metabólicos e nutricionais da contagem de carboidratos no tratamento do diabetes mellitus tipo 1. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 151-162, abr. 2011. Finalmente, é necessário que o profissional nutricionista também auxilie o paciente a aceitar melhor a doença e a conviver em paz com ela e com si próprio. A saúde deve ser vista não só em um contexto puramente biológico, mas sua promoção deve favorecer acima de tudo o bem-estar do paciente, e o nutricionista deve levar em conta que as escolhas alimentares derivam de fatores fisiológicos e psicossociais. Dessa forma, o profissional é capaz de incentivar uma melhor aderência à dieta (MACLEAN, 1991; WALDRON, 1996). CUIDADOS IMPORTANTES NA CONTAGEM DE CARBOIDRATOS O paciente que deseja adotar a contagem de carboidratos deve estar disposto a passar por treinamento específico, a conhecer tamanhos de porções alimentares e a se habituar à leitura de rótulos e tabelas de alimentos (AHERN et al., 1993; GILLESPIE; KULKARNI; DALY, 1998; HISSA; ALBUQUERQUE; HISSA, 2004; LOTTENBERG, 2008; SCHEINER et al., 2009). Os profissionais devem dominar a técnica da contagem de carboidratos, bem como outros aspectos relativos ao tratamento, e devem se tornar mais empáticos com os problemas enfrentados pelos pacientes (ZANONI et al., 2009). Isso possibilita que eles tenham maior confiança em seu autocuidado. CONSIDERAÇÕES FINAIS A contagem de carboidratos é um método dietético que apresenta diversas vantagens aos pacientes diabéticos do tipo 1, na medida em que possibilita maior liberdade e flexibilidade na escolha dos alimentos, bem como melhor controle metabólico, prevenindo episódios de hipo e hiperglicemia. O acompanhamento multiprofissional contínuo desses pacientes e o auxílio do nutricionista na escolha de alimentos mais saudáveis e adequados são extremamente relevantes. O nutricionista deve atentar-se às atitudes alimentares dos indivíduos com DM1, a fim de detectar precocemente práticas inadequadas de controle do peso. REFERÊNCIAS/REFERENCES A H E R N , J . A.; G A T C O M B , P. M.; HELD, N. A.; PETIT, W. A.; TAMBORLANE, W. V. Exaggerated hyperglycemia after a pizza meal in well-controlled diabetes. Diabetes Car e, v. 16, n. 4, p. 578-580, 1993. ANDERSON, E. J.; RICHARDSON, M.; CASTLE, G.; CERCONE, S.; DELAHANTY, L.; LYON, R.; MUELLER, D.; SNETSELAAR, L. Nutrition interventions for intensive therapy in Diabetes Control and Complications Trial. J Am Diet Assoc., v. 93, n. 7, p. 768-772, 1993. A M E R I C A N D I A B E T E S A S S O C I AT I O N . Standards of medical care in diabetes – 2010. Diabetes Care, v. 33, p. S11-S61, 2010. Supplement 1. AZEVEDO, A. 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Original articles and reviews were used in this essay which aims to investigate the effects of wine consumption, especially on the cardiovascular system. Wine is an alcoholic beverage obtained from the processing of organic grapes, it has substances called polyphenols which are the major compounds responsible for these beneficial effects. Among polyphenols, we can emphasize resveratrol, a substance which is mainly present in red grapes, reduces platelet aggregation and helps in the prevention of atherosclerosis. Like the wine, the grape juice also contains these substances, but the effects are not the same because of the difference in the absorption of these polyphenols. The types of grapes also contain different amounts of this substance. Studies highlight that the Sangiovese, Merlot and Tannat varieties have higher concentrations of resveratrol and consequently a greater cardio-protective effect. The consumption of wine must be regular and moderate to avoid risks to health, though. In regular and moderate doses, wine can act beneficially in the body. The benefits of wine consumption to the cardiovascular system cannot be denied, but further studies must be conducted to clarify questions like which is the ideal amount of resveratrol recommended and what are other possible effects of its consumption. Keywords: Wine. Phenolic Compounds. Flavonoids. Cardiovascular diseases. DANIELA CRISTINA SEMINOTI JACQUES DOMENEGHINI1; SUÉLEM APARECIDA DE FRANÇA LEMES2 1Nutricionista. Av. Marcolino Pereira Vieira, 1665. Bairro Centro, CEP 95310-000, André da Rocha - RS 2Nutricionista, Doutoranda do Programa de PósGraduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Departamento de Química. Laboratório de Bioquímica Pesquisa. Endereço para correspondência: Suélem Aparecida de França Lemes Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Departamento de Química. Laboratório de Bioquímica Pesquisa. Av. Fernando Corrêa da Costa, n. 2367, Bairro Boa Esperança. CEP 78060-900 Cuiabá, MT, Brasil. E-mail: [email protected] Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Nutrição da Universidade de Cuiabá-MT em 2009. 163 DOMENEGHINI, D. C. S. J.; LEMES, S. A. F. Efeitos dos componentes do vinho na função cardiovascular. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 163-176, abr. 2011. RESUMEN Las enfermedades cardiovasculares están entre las principales causas de óbito en el mundo. El consumo de algunos alimentos esta directamente ligado a la prevención de estas enfermedades, como es el caso del vino, que puede producir efectos benéficos al organismo y al sistema cardiovascular. En este análisis fueran utilizados artículos originales y de revisión, y el objetivo fue pesquisar los efectos causados por el consumo de vino, principalmente en el sistema cardiovascular. El vino es una bebida alcohólica resultante de la transformación biológica de la uva, posee sustancias denominadas polifenoles que son los grandes responsables por los efectos benéficos. Entre los polifenoles se destacan el resveratrol, sustancia presente principalmente en las uvas tintas y que actúa previniendo la ateroesclerosis por disminuir la agregación plaquetaria. Así como el vino, el jugo de uva posee estas sustancias, pero los efectos no son los mismos porque la absorción de los polifenoles es diferente. Los tipos de uvas también poseen diferentes cantidades de estas sustancias. Los estudios destacan las variedades Sangiovese, Merlot y Tannat con mayores concentraciones de resveratrol y, consecuentemente, mayor efecto en la protección cardiovascular. Pero el consumo de vino debe ser regular y moderado para que no traiga riesgos a la salud, en dosis regulares y moderadas el vino puede actuar benéficamente en el organismo. Son innegables los beneficios del consumo de vino al sistema cardiovascular, pero más estudios deben ser realizados para aclarar las dudas acerca de la cantidad ideal recomendada de resveratrol así como otros efectos del consumo. Palabras clave: Vino. Compuestos fenólicos. Flavonoides. Enfermedades cardiovasculares. 164 RESUMO As doenças cardiovasculares estão entre as principais causas de morte no mundo. O consumo de alguns alimentos está diretamente ligado à prevenção dessas doenças, como é o caso do vinho, que pode produzir efeitos benéficos ao organismo e ao sistema cardiovascular. Neste levantamento bibliográfico, foram utilizados artigos originais e de revisão com o objetivo de abordar os efeitos causados pelo consumo de vinho, principalmente ao sistema cardiovascular. O vinho é uma bebida alcoólica resultante da transformação biológica da uva. Possui substâncias denominadas polifenóis, responsáveis pelos efeitos benéficos. Entre os polifenóis destaca-se o resveratrol, substância presente principalmente nas uvas tintas e que age prevenindo a aterosclerose por diminuir a agregação plaquetária. Assim, como o vinho, o suco de uva possui tais substâncias, porém os efeitos não são os mesmos, diferenciando-se na absorção dos polifenóis. Os tipos de uvas também possuem quantidades diferentes desta substância. Estudos destacam as variedades Sangiovese, Merlot e Tannat com maiores concentrações de resveratrol e, consequentemente, maior efeito cardioprotetor. O consumo de vinho deve ser regular e moderado para que não traga riscos para a saúde, dessa forma o vinho pode atuar beneficamente no organismo. São inegáveis os benefícios do consumo de vinho ao sistema cardiovascular, porém mais estudos devem ser realizados para esclarecer dúvidas em relação à quantidade ideal recomendada de resveratrol, assim como outros efeitos do seu consumo. Palavras-chave: Vinho. Compostos fenólicos. Flavonoides. Doenças cardiovasculares. DOMENEGHINI, D. C. S. J.; LEMES, S. A. F. Efeitos dos componentes do vinho na função cardiovascular. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 163-176, abr. 2011. INTRODUÇÃO As doenças cardiovasculares (D.C.V.) estão entre as principais causas de morte no Brasil, representando 30% dos óbitos para todas as faixas etárias (SANTOS FILHO; MARTINEZ, 2002; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009). Dentre essas doenças, a arterial coronariana (D.A.C.), a insuficiência cardíaca (I.C.) e o acidente vascular cerebral (A.V.C.) são as causas principais de mortalidade no mundo segundo dados da Organização Mundial da Saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009). Elas são responsáveis por 29% do total de óbitos e, curiosamente, 80% desse total ocorre em países em desenvolvimento (ANDRADE, 2006; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009). Entre os fatores de risco para as D.C.V. está a má qualidade da alimentação (CERVATO et al., 1997). Uma dieta rica em vegetais como a Dieta Mediterrânea, pode trazer benefícios ao organismo e diminuir fatores de risco. Uma das características dessa dieta, assim como de outras, é incluir o vinho como elemento fundamental na promoção de saúde, longevidade e proteção ao sistema cardiovascular. Existem vários estudos que abordam dados relativos à ação de vinho no sistema cardiovascular. Muitas dessas pesquisas, naturalmente, procuraram demonstrar os possíveis efeitos benéficos do consumo do vinho em relação a acidentes cardiovasculares, entre outras doenças (ANDRADE, 2006; DA LUZ, 2006; GIEHL et al., 2007). Contudo, há um consenso de que o consumo moderado de vinho tinto está inversamente associado ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares (ANDRADE, 2006; SOUZA FILHO; MONFRÓI, 2005). O vinho é uma bebida alcoólica resultante da transformação biológica da uva. Durante a fermentação um conjunto de reações químicas provocadas por leveduras age sobre os açúcares da uva, transformando-os em álcool, dando origem ao vinho. Em algumas vinícolas as leveduras utilizadas são selecionadas e cultivadas em laboratório (NASCIMENTO, 2005). O vinho possui substâncias, inicialmente protetoras da uva e da videira conhecidas como polifenóis ou compostos fenólicos, que acompanham a fermentação do vinho e até são acentuadas neste processo. Essas substâncias exercem uma forte ação antioxidante em humanos e animais, melhorando a função endotelial e reduzindo a pressão arterial, além de outros efeitos (ANDRADE, 2006; GIEHL et al., 2007; MAMEDE; PASTORE, 2004). Os flavonoides e não-flavonoides são grupos de polifenóis que têm um importante papel na prevenção e tratamento da aterosclerose, pois atuam como agentes antiaterogênicos (ANDRADE, 2006). Esta propriedade foi descoberta a partir do Paradoxo Francês, onde foi observada baixa taxa de mortalidade por D.A.C. na população francesa que consumia uma dieta rica em gordura saturada, mas apresentava também um alto consumo de vinho, em especial o tinto (GIEHL et al., 2007). O suco de uva também é um antioxidante poderoso, porém existem controvérsias quanto à sua eficácia. Como o vinho, o suco de uva possui polifenóis que agem na prevenção de D.C.V., porém os efeitos não são os mesmos do vinho, o qual possui melhor absorção de polifenóis. A quantidade de polifenóis também é variada em diferentes tipos de uva. Estudos demonstram que variedades como Sangiovese, Merlot e Tannat apresentam as maiores concentrações de substâncias benéficas (FREITAS, 2006; SOUTO et al., 2006). 165 DOMENEGHINI, D. C. S. J.; LEMES, S. A. F. Efeitos dos componentes do vinho na função cardiovascular. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 163-176, abr. 2011. Uma substância benéfica presente na uva que tem sido estudada recentemente é o resveratrol. Ela seria responsável pela redução da viscosidade do sangue além de prevenir a aterosclerose. Estudos afirmam que o resveratrol, da mesma forma que os outros compostos fenólicos, atuam como agente antioxidante prevenindo fenômenos aterogênicos e trombogênicos (ABE et al., 2007; ANDRADE, 2006; BERTAGNOLLI et al., 2007; DUDLEY et al., 2009; PENNA; HECKTHEUER; 2004; SAUTTER et al., 2005; SOUSA NETO; COSENZA, 1994; SOUTO et al., 2001). Além dessas substâncias, outros fatores tem influência sobre os benefícios causados pela ingestão de vinho ao sistema cardiovascular. Diante disso, este artigo tem por objetivo fazer um levantamento bibliográfico sobre os benefícios do consumo de vinho para a saúde humana, assim como os seus efeitos sobre o sistema cardiovascular. Trata-se de um levantamento bibliográfico, utilizando livros, teses, artigos originais e de revisão selecionados em bases de dados como Lilacs, Bireme, Pubmed e Scielo, no período de fevereiro a junho de 2009. Foram incluídos estudos realizados em seres humanos (adultos e idosos) e estudos experimentais envolvendo animais (ratos e coelhos) publicados nos idiomas português, inglês e espanhol, no período de 1994 a 2009. Para a busca, os termos de indexação utilizados foram: doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, vinho, vinho tinto, uva, compostos fenólicos, flavonoides, polifenóis, resveratrol, vino, red wine e cardiovascular disease. VINHO E SAÚDE Segundo a Organização Mundial de Saúde, as doenças cardiovasculares são consideradas uma das principais causas de morte (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009). Os tipos mais comuns incluem doenças coronárias, cerebrovascular, cardíaca reumática, arterial periférica, hipertensão arterial, cardiopatia congênita e insuficiência cardíaca (SANTOS FILHO; MARTINEZ, 2002; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009). A hipertensão arterial é considerada um dos principais fatores de risco de morbi-mortalidade cardiovascular e um dos principais agravantes à saúde no Brasil (BRASIL, 2004). Os fatores de risco para as D.C.V. estão relacionados ao estilo de vida, maus hábitos alimentares, consumo excessivo de bebida alcoólica e tabagismo (CERVATO et al., 1997; SIPP; SOUZA; SANTOS, 2008). Estes são chamados de fatores de risco modificáveis e podem levar a fatores de risco intermediários como: hipertensão arterial sistêmica (H.A.S.), hiperglicemia, dislipidemias, sobrepeso e obesidade. Os fatores de risco modificáveis são responsáveis por cerca de 80% das doenças coronarianas e cerebrovasculares. Há também uma série de determinantes de doenças crônicas, ou as chamadas “causas das causas”, como os fatores socioeconômicos e culturais entre eles a globalização, a urbanização, bem como o envelhecimento da população. Além disso, a pobreza e o estresse também estão relacionados ao surgimento das D.C.V. (BRASIL, 2004; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2009). 166 DOMENEGHINI, D. C. S. J.; LEMES, S. A. F. Efeitos dos componentes do vinho na função cardiovascular. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 163-176, abr. 2011. Se não houver mudanças, as D.C.V. tendem a continuar sendo a principal causa de morte (GIEHL et al., 2007). Segundo a Organização Mundial de Saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION , 2009), no ano de 2005, 17,5 milhões de pessoas morreram de D.C.V. representando 30% de todas as mortes no mundo. Desses óbitos 43% foram devido a ataques cardíacos e 32% devido a A.V.C. Cerca de 80% destas mortes ocorreram em países de rendas média e baixa. Estima-se que 20 milhões de pessoas morrerão de D.C.V. principalmente por infarto agudo do miocárdio (I.A.M.) e A.V.C. até o ano de 2015. No Brasil, as estimativas não são diferentes. As mortes por doenças do aparelho circulatório passam dos 60% segundo dados do Ministério da Saúde de 2004, sendo as de maior incidência as doenças cerebrovasculares (31,8%), isquêmicas do coração (30,4%) e I.A.M. (22,9%) (BRASIL, 2004). Estudos prospectivos indicam que o controle de alguns dos fatores de risco independentes pode reduzir de forma importante a morbi-mortalidade secundária à aterosclerose (RIQUE; SOARES; MEIRELLES, 2002; SANTOS FILHO; MARTINEZ, 2002). O controle de dislipidemias é um fator importante na prevenção de D.C.V., assim como o de H.A.S. (SIPP; SOUZA; SANTOS, 2008). Pode-se dizer que as dislipidemias são distúrbios do metabolismo lipídico que podem contribuir para o desenvolvimento das D.C.V. (SPOSITO et al., 2007). A lipoproteína de baixa densidade (LDL) tende a se depositar nas artérias e está associada ao início e à aceleração do processo aterosclerótico. Já as lipoproteínas de alta densidade (HDL) são de extrema importância, pois ajudam a remover o colesterol já depositado, reduzindo o risco de aterosclerose e de infarto (ANDRADE, 2006; PENNA; HECKTHEUER, 2004; SIPP; SOUZA; SANTOS, 2008; SOARES; MEIRELLES, 2002; SPOSITO et al., 2007). Segundo Santos Filho e Martinez (2002), a redução do LDL em cerca de 30% diminuiria o risco de I.A.M. em 33%, o A.V.C. em 29% e a mortalidade cardiovascular em 28%. Da mesma forma, a diminuição da H.A.S. reduziria o A.V.C. cerca de 40% e a doença isquêmica do coração em 15% (SANTOS FILHO; MARTINEZ, 2002). Para prevenir doenças, principalmente as de origem cardiovascular, várias estratégias são sugeridas, sobre modificar o estilo de vida através da prática de atividades físicas, redução do tabagismo, ingestão de uma dieta saudável e inclusão do consumo de vinho, especialmente o tinto. Estudos desenvolvidos no mundo todo comprovam que o vinho, ingerido em quantidade moderada, contribui para a saúde do organismo humano, melhorando a qualidade e aumentando o tempo de vida (ABE et al., 2007; NASCIMENTO, 2005; SOUSA NETO; COSENZA, 1994; SOUZA FILHO; MONFRÓI, 2005). As pesquisas relacionam o consumo moderado de vinho a benefícios à saúde humana no que diz respeito às D.C.V., à quimio-prevenção de vários tipos de câncer e outras doenças (ANDRADE, 2006; BERTAGNOLLI et al., 2007; DUDLEY et al., 2009; GIEHL et al., 2007; PENNA; HECKTHEUER, 2004; SOUTO et al., 2001). Os compostos aos quais foram atribuídas as possíveis ações terapêuticas do vinho são conhecidos como compostos fenólicos ou polifenóis. Dentre estes compostos, cabe destacar o resveratrol, que é classificado como a substância que mais beneficia o organismo com proteção à doenças (ANDRADE, 2006; BERTAGNOLLI et al., 2007; DUDLEY et al., 2009; GIEHL et al., 2007; PENNA; HECKTHEUER, 2004; SOUTO 167 DOMENEGHINI, D. C. S. J.; LEMES, S. A. F. Efeitos dos componentes do vinho na função cardiovascular. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 163-176, abr. 2011. et al., 2001). O vinho é considerado um alimento funcional (AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION, 2009; ANJO, 2004). Alimentos funcionais são definidos como qualquer substância ou componente de um alimento que proporciona benefícios para a saúde, inclusive a prevenção e o tratamento de doenças. Possuem compostos fitoquímicos bioativos que, quando ingeridos diariamente em determinadas quantidades, mostram potencial para modificar o metabolismo humano de maneira favorável à prevenção do câncer e de outras doenças degenerativas. Essas substâncias bioativas presentes nas uvas, também podem ser encontradas em frutas e verduras (ANJO, 2004). A baixa incidência de doenças em alguns povos chamou a atenção para a sua alimentação. Populações que consomem dietas ricas em frutas, legumes, frutos secos e vinho tinto regularmente e com moderação, têm uma vida mais longa e com menos doenças crônicas do que outras populações ocidentais (MEZZANO, 2004; URQUIAGA et al., 2004). Esse tipo de alimentação é característica da Dieta Mediterrânea. Estudos intervencionais realizados em seres humanos objetivando comparar os efeitos de dietas mediterrâneas e ocidentais, suplementadas com vinho tinto, observaram uma diminuição no percentual de ácidos graxos saturados e aumento no percentual de ácidos graxos monoinsaturados (MUFA) e polinsaturados (PUFA) no plasma. Isto sugere que o vinho tinto reduz o risco de doença cardiovascular (URQUIAGA et al., 2004). Durante os anos de 1985 a 1993, a OMS desenvolveu o Projeto MONICA (“MONItoring system for CArdiovascular disease”) com o objetivo de estudar as características populacionais, regionais e temporais de 37 países. Este projeto demonstrou menor incidência de D.A.C. na França, Bélgica e Espanha, em comparação a outras regiões, devido ao consumo de álcool (ANDRADE, 2006; MAMEDE; PASTORE, 2004). Estudos posteriores surgiram evidenciando uma relação benéfica entre álcool e D.A.C. (ANDRADE, 2006; DA LUZ, 2006; MAMEDE; PASTORE, 2004). Dados do Projeto MONICA levaram ao surgimento do famoso “Paradoxo Francês”, onde afirma que os franceses, quando comparados com outros povos do mesmo nível socioeconômico-cultural, são mais sedentários, fumam mais e consomem mais gorduras saturadas e, no entanto, têm a metade dos problemas cardiocirculatórios (ABE et al., 2007; ANDRADE, 2006; ARAÚJO et al., 2005; GIEHL et al., 2007; MAMEDE; PASTORE, 2004; NASCIMENTO, 2005; PASTEN; GRENETT, 2006; PENNA; HECKTHEUER, 2004; RIQUE; SOARES; MEIRELLES, 2002; SOUSA NETO; COSENZA, 1994; SOUZA FILHO; MONFRÓI, 2005; URQUIAGA et al., 2004). Diante desse resultado pode-se observar que a ingestão moderada de bebidas alcoólicas, sobretudo vinho tinto, reduzia o risco de morbi-mortalidade cardiovascular em 40 a 60% (ARAÚJO et al., 2005). Vários outros estudos surgiram a partir desta descoberta exaltando o vinho como uma bebida com atividades antioxidante, anti-inflamatória, antimicrobiana, anticarcinogênica e vasodilatadora (ABE et al., 2007; ISHIMOTO; FERRARI; TORRES, 2006; MAMEDE; PASTORE, 2004; SOUSA NETO; COSENZA, 1994). Diferentes bebidas alcoólicas também foram avaliadas em algumas pesquisas epidemiológicas na prevenção das D.C.V. (ANDRADE, 2006; GIEHL et al., 2007; SOUSA 168 DOMENEGHINI, D. C. S. J.; LEMES, S. A. F. Efeitos dos componentes do vinho na função cardiovascular. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 163-176, abr. 2011. NETO; COSENZA, 1994; SOUZA FILHO; MONFRÓI, 2005). Em uma metanálise envolvendo 209.418 indivíduos mostrou que o risco relativo para o desenvolvimento de D.C.V. foi menor no consumo de vinho do que para o consumo de cerveja quando comparados aos abstêmios. Ainda neste mesmo estudo foi encontrada uma associação benéfica significativa com o consumo diário de 150mL de vinho. Estes dados corroboram a associação inversa entre o consumo frequente, de leve a moderado, de vinho com o risco de doença vascular. Uma associação semelhante, porém menor foi sugerida com o consumo de cerveja por Di Castelnuovo et al. (2002). Acredita-se que a ingestão de quantidades moderadas de álcool, de até 30 gramas por dia (DA LUZ, 2006), tenha efeito protetor nas coronariopatias, através do aumento da HDL e redução do fibrinogênio (ANDRADE, 2006; DA LUZ, 2006; DI CASTELNUOVO et al., 2002). O álcool age no fígado e assim aumenta os níveis de HDL (ANDRADE, 2006). O vinho tinto demonstrou ter um benefício maior entre as bebidas alcoólicas nesta prevenção (ANDRADE, 2006; DI CASTELNUOVO et al., 2002). COMPOSTOS FENÓLICOS DO VINHO Outros estudos pormenorizaram os benefícios do vinho e descobriram uma série de substâncias que teriam maiores e melhores efeitos do que o álcool ao organismo (ANDRADE, 2006; GIEHL et al., 2007; NASCIMENTO, 2005; SOUSA NETO; COSENZA, 1994; SOUZA FILHO; MONFRÓI, 2005). Uma série de pesquisas sugeriu que os compostos fenólicos, presentes no vinho tinto associados com o álcool eram os responsáveis por limitar o início do processo aterosclerótico (ANDRADE, 2006; DA LUZ, 2006; DA LUZ; COIMBRA, 2001; DI CASTELNUOVO et al., 2002). As ações fisiológicas exercidas pelos polifenóis foram relacionadas à prevenção de D.C.V., neurodegenerativas, câncer, entre outras, principalmente em função da elevada capacidade antioxidante (ABE et al., 2007; FALLER; FIALHO, 2009; MAMEDE; PASTORE, 2004; PASTEN; GRENETT, 2006). Nos vinhos, os compostos fenólicos apresentam comprovados efeitos anticarcinogênicos in vitro e in vivo, constituindo promissores alimentos funcionais para a prevenção do câncer (FERRARI; TORRES, 2002). Além disso, reduz a interação plaquetária com a parede vascular, o que é considerado benéfico do ponto de vista de risco cardiovascular (MEZZANO, 2004). O consumo moderado de vinho tinto melhora a função cardíaca no miocárdio isquêmico através da proteção da função endotelial (ANDRADE, 2006; GIEHL et al., 2007; DAS; SANTANI; DHALLA, 2007) e, também tem sido relacionado à redução da ocorrência de câncer e doenças degenerativas, como Alzheimer e demência (BERTAGNOLLI et al., 2007). Polifenóis são substâncias que tornam o vinho uma bebida diferente de todas as outras. São conhecidos mais de 8.000 tipos desses compostos químicos presentes nos vegetais (ARAÚJO et al., 2005; MAMEDE; PASTORE, 2004). A eles cabe proteger essas plantas dos ataques físicos como a radiação ultravioleta do sol e dos ataques biológicos por fungos, vírus e bactérias. Nos vinhos, já foram identificados cerca de 200 polifenóis com importantes efeitos antioxidantes (ANJO, 2004; ARAÚJO et al., 2005; MAMEDE; PASTORE, 169 DOMENEGHINI, D. C. S. J.; LEMES, S. A. F. Efeitos dos componentes do vinho na função cardiovascular. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 163-176, abr. 2011. 2004) e estão distribuídos nas folhas da videira, nas sementes e principalmente na casca das uvas. É por isso que os vinhos tintos, que são fermentados na presença das cascas e sementes, têm cerca de 10 vezes mais polifenóis que os vinhos brancos, fermentados na ausência delas, atribuindo ao tinto melhores benefícios para a saúde (ANDRADE, 2006; FERRARI; TORRES, 2002; SOUSA NETO; COSENZA, 1994). Os compostos fenólicos representam um constituinte importante para a produção de vinhos tintos porque contribuem para os atributos sensoriais e, principalmente, para a coloração do vinho. Apesar de os vinhos brancos possuírem polifenóis em menor número, autores afirmam que esses têm uma ação antioxidante mais potente (SAMUEL et al., 2008). Os polifenóis compreendem o maior grupo dentre os compostos bioativos nos vegetais, sendo subdivididos em classes de acordo com a estrutura química de cada substância (FALLER; FIALHO, 2009). Estes polifenóis, presentes no vinho tinto, são subdivididos em duas categorias: flavonoides e não-flavonoides. Dentre a classe dos flavonoides podemos encontrar a antocianina, catequina, epicatequina e a quercetina. Todas essas substâncias são antioxidantes derivadas geralmente das sementes e da casca da uva (ANDRADE, 2006). As mesmas são responsáveis pelo sabor, cor e adstringência de vinhos e sucos de uva (ABE et al., 2007; GIEHL et al., 2007). As antocianinas, em especial, são responsáveis pela maioria das cores azul, violeta e todas as tonalidades de vermelho presente em flores e frutos. Em uvas tintas, as antocianinas contribuem para os atributos sensoriais e, principalmente, para a coloração do vinho. As catequinas e epicatequinas presentes, sobretudo em sementes de uvas, são os principais compostos fenólicos responsáveis pelo sabor e adstringência de vinhos e sucos de uva. Os compostos fenólicos também são encontrados em uvas brancas, porém em baixas concentrações, mesmo assim influenciam no aroma e gosto dos vinhos brancos (ABE et al., 2007). Apesar de a classe de flavonoides ser a mais estudada e possuir mais de 5.000 compostos identificados (FALLER; FIALHO, 2009), o resveratrol pertence ao grupo de nãoflavonoides, e foi apontado em estudos científicos como o principal fator de proteção à saúde encontrada em vinhos (GIEHL et al., 2007; PENNA; HECKTHEUER, 2004). O tanino é outra substância polifenólica presente no vinho. Os que apresentam alto peso molecular são responsáveis pelo sabor adstringente, já os de baixo peso molecular tendem ao sabor amargo (ANJO, 2004). Sobre sua classificação, não há consenso na literatura. Estudos apontam que os taninos estão inseridos na classe de flavonoides (MALACRIDA; MOTTA, 2005; MAMEDE; PASTORE, 2004), outros mostram que eles pertencem à classe de não-flavonoides (SOUSA NETO; COSENZA, 1994), todavia é consenso de que são responsáveis também pelo sabor e cor do vinho (FREITAS, 2006; MALACRIDA; MOTTA, 2005; MAMEDE; PASTORE, 2004; SOUSA NETO; COSENZA, 1994). Segundo Giehl et al. (2007), os polifenóis do vinho tinto apresentam vários efeitos antiaterogênicos atuando como antioxidantes no colesterol LDL, inibindo agregação plaquetária, induzindo a liberação de óxido nítrico e promovendo a vasodilatação. Estes efeitos, porém, estão limitados ao vinho, já que não são claros em estudos com sucos de uva (ANDRADE, 2006; GIEHL et al., 2007; MIYAGI; MIWA; INOUE, 1997). 170 DOMENEGHINI, D. C. S. J.; LEMES, S. A. F. Efeitos dos componentes do vinho na função cardiovascular. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 163-176, abr. 2011. Em alguns países da Europa, o vinho é considerado um complemento alimentar, pois contém carboidratos, vitaminas e minerais, provenientes da uva (PENNA; HECKTHEUER, 2004). Possui em sua composição de 80 a 85% de água e de 10 a 13% de álcool dependendo da variedade, pois o mesmo é formado a partir de açúcares presentes na uva. Entre os minerais presentes destacam-se potássio, cobre, zinco, flúor, magnésio, alumínio, iodo, boro e silício que, mesmo em quantidades pequenas, são indispensáveis ao organismo. O vinho ainda fornece energia na forma de açúcares, como glicose e frutose, vitamina C e vitaminas do complexo B (B1, B3, B5 e B8) (DAUDT; PENNA, 2004; KROGH et al., 2004; PENNA; HECKTHEUER, 2004). O RESVERATROL Dentre todas essas substâncias polifenólicas destaca-se uma em especial: o resveratrol. Estudos recentes mostraram que os efeitos benéficos do vinho provêm principalmente desta substância (ABE et al., 2007; ANDRADE, 2006; FERRARI; TORRES, 2002; PENNA; HECKTHEUER, 2004; SAUTTER et al., 2005; SOUSA NETO; COSENZA, 1994). O resveratrol (3,5,4’-triidroxiestilbeno) é uma substância natural produzida por diversas plantas como eucalipto, amendoim, amora, porém a principal fonte são as uvas e seus derivados (ABE et al., 2007; SAUTTER et al., 2005). Os compostos fenólicos são encontrados em espécies Vitis vinifera, conhecidas como uvas finas como Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Merlot, Tannat, Sangiovese e outras produtoras de vinhos finos, e também em Vitis labrusca que são uvas rústicas, Concord, Herbemont, Isabel e Niágara, de vinhos comuns, porém existem diferenças nas quantidades de resveratrol (ABE et al., 2007; PENNA; HECKTHEUER, 2004). Na uva, essa substância é sintetizada na casca como resposta ao estresse causado por ataque fúngico na videira, por dano mecânico ou por irradiação de luz ultravioleta (ABE et al., 2007; PENNA; HECKTHEUER, 2004; SAUTTER et al., 2005). Ou seja, sempre que a planta sofrer agressões, o resveratrol é produzido como uma defesa. Quanto mais intensa a coloração da uva, maior conteúdo de compostos fenólicos e capacidade antioxidante ela apresenta (ABE et al., 2007; GUTIÉRREZ MAYDATA, 2002; SOUTO et al., 2001). O resveratrol da uva aumenta no processo de transformação em vinho pela ação de contato com a casca (BERTAGNOLLI et al., 2007; SAUTTER et al., 2005; SOUTO et al., 2001). No grão de uva, a síntese de resveratrol é concentrada na casca e está ausente ou presente em baixíssima quantidade na polpa da fruta (BERTAGNOLLI et al., 2007). É por isso que em vinhos provenientes de uvas tintas, as quantidades que aparecem são maiores do que em sucos de uva ou em vinhos brancos e rosados, pois na produção de vinhos tintos a casca participa do processo de fermentação, diferente dos demais (ANDRADE, 2006; BERTAGNOLLI et al., 2007; DUDLEY et al., 2009; PENNA; HECKTHEUER, 2004; SAUTTER et al., 2005; SOUTO et al., 2001). As concentrações de resveratrol encontradas nos diferentes tipos de vinhos variam em função da infecção fúngica, cultivo da uva, origem geográfica, tipo de vinho e práticas enológicas (BERTAGNOLLI et al., 2007; PENNA; HECKTHEUER, 2004; SOUTO et al., 2001). 171 DOMENEGHINI, D. C. S. J.; LEMES, S. A. F. Efeitos dos componentes do vinho na função cardiovascular. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 163-176, abr. 2011. Esta proteção dada inicialmente à videira é transmitida pelo vinho e beneficia o organismo através do consumo regular e moderado (ABE et al., 2007; ANDRADE, 2006; BERTAGNOLLI et al., 2007; PENNA; HECKTHEUER, 2004). Estudos confirmam que o resveratrol diminui a agregação plaquetária, através da interferência na síntese das prostaglandinas, que são mediadores inflamatórios, juntamente com outros polifenóis o que inibe certos fatores de risco para D.C.V., o mesmo não sendo confirmado no suco de uva (ANDRADE, 2006; GIEHL et al., 2007). O resveratrol também seria responsável pela redução da viscosidade do sangue, como anticoagulante e vasodilatador, diminuindo assim riscos de aterosclerose (BERTAGNOLLI et al., 2007; GUTIÉRREZ MAYDATA, 2002; SOUSA NETO; COSENZA, 1994; SOUTO et al., 2001). Estudo realizado com ratos alimentados com resveratrol por 14 dias mostrou uma melhor recuperação pós-isquêmica e redução de I.A.M. comparado ao controle (DUDLEY et al., 2009). Os efeitos benéficos do resveratrol vão além do sistema cardiovascular. Apresenta também capacidade antitumoral através da indução da morte de células neoplásicas, inibição da atividade dos receptores de hormônios andrógenos em células tumorais prostáticas (DUDLEY et al., 2009; FERRARI; TORRES, 2002; GUTIÉRREZ MAYDATA, 2002; PENNA; HECKTHEUER, 2004; SOUTO et al., 2001), e atividade anti-inflamatória (BERTAGNOLLI et al., 2007; PENNA; HECKTHEUER, 2004). Um estudo inédito no Brasil realizado por Souto et al. 2001 avaliou os teores de resveratrol de vinhos brasileiros comparados aos importados. Foram analisadas 36 amostras de diferentes variedades de vinhos e observou-se uma média superior aos valores apresentados na literatura para vinhos da Califórnia, Portugal, Grécia, Japão, Canadá, Chile e Argentina. Os vinhos brasileiros analisados com maiores concentrações de resveratrol foram Sangiovese (5,75mg/L) e Merlot (5,43mg/L). Este estudo verificou também que as concentrações de resveratrol em vinhos Merlot e Cabernet Sauvignon vêm aumentando nas últimas safras, podendo posteriormente mudar esta classificação atual. Outro estudo, realizado também no Brasil, analisando vinhos tintos avaliou quantidade de compostos fenólicos e quantificação de cor das variedades Vitis vinifera: Cabernet Sauvignon, Tannat e Merlot. Entre eles o vinho que apresentou maior teor de compostos fenólicos e intensidade de cor foi o Tannat, devido ao maior teor de antocianina presente nessa variedade de uva (FREITAS, 2006). Apesar de possuir quantidades menores de resveratrol, o vinho branco é considerado tão cardioprotetor quanto o tinto (SAMUEL et al., 2008). Esta propriedade se deve pela identificação do tirosol em vinhos brancos. Ou seja, além do resveratrol, esta substância é capaz de induzir proteção contra isquemias e prolonga a longevidade de substâncias benéficas (SAMUEL et al., 2008). Estudo realizado com coelhos demonstrou que o vinho tinto diminuiu placas ateroscleróticas macroscopicamente nos animais alimentados durante 3 meses com dieta hipercolesterolêmica, além de haver uma diminuição quando comparados somente com a dieta, ou com a dieta mais produtos não alcoólicos do vinho. Assim, o vinho tinto 172 DOMENEGHINI, D. C. S. J.; LEMES, S. A. F. Efeitos dos componentes do vinho na função cardiovascular. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 163-176, abr. 2011. parece fornecer maiores benefícios do que qualquer outro tipo de bebida alcoólica, provavelmente devido aos polifenóis. Além de induzirem o relaxamento vascular os flavonoides e não-flavonoides inibem muitas das reações celulares associadas com aterosclerose e inflamação, tais como a expressão endotelial de moléculas de adesão vascular (DA LUZ; COIMBRA, 2001). Comparando os efeitos do consumo de vinho aos do suco de uva, Miyagi et al. em estudo realizado com 20 voluntários (8 homens e 12 mulheres) que consumiram 300mL de ambas as bebidas, mostrou uma significativa inibição da oxidação de LDL colesterol com vinho tinto, mas não com o suco de uva, embora o suco tenha apresentado maiores quantidades de flavonoides. Este resultado deve-se à melhor absorção dos flavonoides do vinho pelo intestino do que os do suco de uva (MIYAGI; MIWA; INOVE, 1997). Assim como o vinho, o suco de uva melhora os fatores de risco relacionados ao desenvolvimento da aterosclerose, como a diminuição da agregação plaquetária, reduz a pressão arterial e melhora a função endotelial, porém não evita a oxidação do colesterol LDL (GIEHL et al., 2007). Os conteúdos de compostos fenólicos totais encontrados para os sucos de uva são semelhantes aos encontrados para o vinho tinto. Diante disso, o suco de uva pode ser considerado uma boa fonte de compostos fenólicos (MALACRIDA; MOTTA, 2005; MIYAGI; MIWA; INOUEL, 1997). A presença do álcool atesta benefícios, como na redução da pressão arterial, a outras bebidas alcoólicas e não somente o vinho (ANDRADE, 2006; MALACRIDA; MOTTA, 2005; MIYAGI; MIWA; INOUEL, 1997). Há controvérsias quanto aos benefícios atribuídos ao vinho serem maiores do que os do suco de uva, pois outros estudos afirmam a maior eficácia do suco aos benefícios à saúde. Provenientes da uva, os polifenóis estão presentes nos seus derivados, porém em quantidades diferentes. O suco de uva contém mais compostos fenólicos do que o vinho (GIEHL et al., 2007; MALACRIDA; MOTTA, 2005), esses são mais facilmente absorvidos pelo organismo quando provenientes do vinho. Por outro lado, a presença de etanol no vinho aumenta a absorção de compostos fenólicos, pois previne a precipitação destes no trato digestivo. (MALACRIDA; MOTTA, 2005). VINHO: OUTROS BENEFÍCIOS X MENOR RISCO DE D.C.V. Em doses moderadas, o vinho pode atuar beneficamente no organismo além dos efeitos relatados ao aparelho cardiovascular. São atribuídos ao vinho ações como a melhoria da qualidade de vida dos idosos, relaxante com alteração do humor e alívio do estresse, além do prazer sensorial e do seu alto valor nutritivo (SOUSA NETO; COSENZA, 1994). Argumenta-se ainda que a menor incidência de D.C.V. em consumidores moderados e habituais de vinho pode estar associada a um estilo de vida mais descontraído (GIEHL et al., 2007; SOUSA NETO; COSENZA, 1994). Porém, o consumo de vinho deve ser regular e moderado de uma a duas taças ao dia (300mL), para oferecer efeitos benéficos sem comprometer a saúde do organismo e proteger o sistema cardiovascular (ABE et al, 2007; 173 DOMENEGHINI, D. C. S. J.; LEMES, S. A. F. Efeitos dos componentes do vinho na função cardiovascular. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 163-176, abr. 2011. DA LUZ; COIMBRA, 2001; DAS; SANTANI; DHALLA, 2007; ISHIMOTO; FERRARI; TORRES, 2006; MAMEDE; PASTORE, 2004; PASTEN; GRENETT, 2006; PENNA; HECKTHEUER, 2004; SAMUEL, et al., 2008; SOUSA NETO; COSENZA, 1994; SOUZA FILHO; MONFRÓI, 2005). Na dose correta, o vinho pode ser indicado como tratamento e prevenção das D.C.V., porém o consumo de doses elevadas e uso indiscriminado de álcool, assim como de vinho, estão associados à H.A.S. e, portanto, deve ser evitado (DA LUZ; COIMBRA, 2001; SOUSA NETO; COSENZA, 1994). Em indivíduos que ingerem álcool em excesso, há risco de oclusão vascular, arritmias, cirrose hepática, câncer gastrintestinal, síndrome alcoólica fetal, assassinatos, crimes sexuais, acidentes industriais e de tráfico, roubos e psicose, além da dependência alcoólica que é um grave problema de saúde (DA LUZ, 2006; DA LUZ; COIMBRA, 2001; PENNA; HECKTHEUER, 2004). Assim o vinho, como todas as outras bebidas alcoólicas são contraindicadas em casos de transtornos no aparelho digestivo, para menores de idade, em casos de alcoolismo, fibrilação arterial, insuficiência hepática e diabetes (DA LUZ, 2006; PENNA; HECKTHEUER, 2004). CONSIDERAÇÕES FINAIS O vinho pode ser considerado mais do que uma bebida alcoólica, sendo de complemento alimentar a alimento. As características sensoriais atraem o consumo do vinho, porém são os compostos fenólicos os dignos de mérito quanto aos benefícios à saúde. Tal como o vinho, o suco de uva traz benefícios, porém menos significativos que os do vinho. O consumo de vinho deve ser cuidadosamente indicado em caso de prevenção à D.C.V., observando as contraindicações que dependem de cada indivíduo, de sua condição psicológica e de saúde em geral. Assim, o consumo excessivo de qualquer bebida alcoólica, inclusive o vinho, por razões de saúde não deve ser incentivado. No entanto, se os riscos forem avaliados, o consumo regular e moderado traz benefícios à saúde e principalmente ao sistema cardiovascular. Sugerem-se mais estudos para o esclarecimento de dúvidas como os efeitos do suco de uva, a dose recomendada de resveratrol e outros efeitos desta substância se for utilizada de forma isolada e não através do consumo de vinho. REFERÊNCIAS/REFERENCES ABE, L. T.; MOTA, R. V.; LAJOLO, F. M.; GENOVESE, M. I. Compostos fenólicos e capacidade antioxidante de cultivares de uvas Vitis labrusca L. e Vitis vinifera L. Ciênc. tecnol. aliment., v. 27, n. 2, p. 394-400, 2007. AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION. Position of the American Dietetic Association: Functional Foods. J Am Diet Assoc., v. 109, n. 4, p. 735-746, 2009. 174 ANDRADE, A. C. M. Ação do vinho tinto sobre o sistema nervoso simpático e a função endotelial em pacientes hipertensos e hipercolesterolêmicos. 2006. Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. ANJO, D. F. C. Alimentos funcionais em angiologia e cirurgia vascular. J. vasc. bras., v. 3, n. 2, p. 145-154, 2004. DOMENEGHINI, D. C. S. 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Artigo de Revisão/Revision Article Anemia ferropriva e obesidade: novos olhares para antigos problemas Iron-deficiency anemia and obesity: a new look at old problems ABSTRACT BAGNI, U. V.; VEIGA, G. V. Iron-deficiency anemia and obesity: a new look at old problems. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr. = J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 177-188, abr. 2011. The coexistence of iron-deficiency anemia and obesity could represent an apparent paradox, since the first would be associated with nutritional deficiencies, and the second, with excesses. However, recent findings suggest that obesity could predispose to iron-deficiency anemia, thus indicating a possible link between these diseases. The increased inflammatory activity in the adipose tissue of the obese person favors the production of hepcidin, which in high concentrations negatively regulates the export of iron in duodenal enterocytes and macrophages, thus reducing circulating iron and favoring anemia. Furthermore, anemia in obese people could favor the perpetuation of obesity, since aerobic capacity and resistance to physical efforts are impaired in anemic individuals, who tend to gradually reduce their activity level to avoid discomfort arisen from increased cardiac stress, which favors weight gain. The complex relationship between anemia and obesity requires professionals to seek new strategies that are effective in coping with the combination of these nutritional problems. URSULA VIANA BAGNI1; GLORIA VALERIA DA VEIGA1 1Instituto de Nutrição Josué de Castro, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Endereço para correspondência: Ursula Viana Bagni Instituto de Nutrição Josué de Castro, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Av. Carlos Chagas Filho, 373, Bloco J, 2º andar. Cidade Universitária, Ilha do Fundão. Rio de Janeiro, RJ. CEP 21941-590. E-mail: [email protected] Keywords: Anemia, Iron-Deficiency. Obesity. Chronic Disease. 177 BAGNI, U. V.; VEIGA, G. V. Anemia ferropriva e obesidade: novos olhares para antigos problemas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 177-188, abr. 2011. RESUMEN La coexistencia de anemia ferropénica y obesidad podría representar un aparente paradojo, ya que la primera estaría asociada con deficiencias alimenticias y la última con excesos. Sin embargo, hallazgos recientes sugieren que la obesidad puede predisponer a la anemia por deficiencia de hierro, señalizando una posible relación entre estas enfermedades. El aumento de la actividad inflamatoria en el tejido adiposo de los obesos favorece la producción de hepcidina, que en altas concentraciones regula negativamente la salida de hierro en los enterócitos duodenales y los macrófagos, disminuyendo el hierro circulante y promoviendo el aparecimiento de anemia. Por otro lado, la anemia en los obesos puede favorecer la perpetuación de la obesidad, porque personas anémicas tienen la capacidad aeróbica y resistencia al esfuerzo físico perjudicados y tienden a reducir gradualmente su nivel de actividad para evitar el malestar derivado del mayor esfuerzo cardíaco. Esto provoca más aumento de peso. Esta compleja relación entre anemia y obesidad requiere que los profesionales busquen nuevas estrategias que sean eficaces para hacer frente a esta combinación de problemas nutricionales. Palabras clave: Anemia ferropénica. Obesidad. Enfermedad crónica. 178 RESUMO A coexistência da anemia ferr opriva e obesidade poderia aparentemente representar um paradoxo, visto que a primeira estaria associada à carências nutricionais e a outra a excessos. Todavia, descobertas recentes sugerem que a obesidade poderia predispor a anemia ferropriva, evidenciando possível relação entre estas doenças. A aumentada atividade inflamatória no tecido adiposo do obeso favoreceria a produção de hepcidina, que em altas concentrações regula negativamente a saída do ferro em macrófagos e enterócitos duodenais, reduzindo o ferro circulante e favorecendo a anemia. Por outro lado, a anemia no obeso favoreceria a perpetuação da obesidade, já que anêmicos têm capacidade aeróbica e resistência aos esforços físicos prejudicados e tendem a reduzir, gradativamente, seu nível de atividade para evitar desconfortos decorrentes do maior esforço cardíaco, favorecendo o ganho de peso. Esta complexa relação entre anemia e obesidade impõe aos profissionais buscar novas estratégias que sejam eficazes para o enfrentamento dessa combinação de problemas nutricionais. Palavras-chave: Anemia ferropriva. Obesidade. Doença crônica. BAGNI, U. V.; VEIGA, G. V. Anemia ferropriva e obesidade: novos olhares para antigos problemas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 177-188, abr. 2011. INTRODUÇÃO Desde o final da década de 1950, a anemia por deficiência de ferro é considerada pela Organização Mundial de Saúde como um problema de saúde pública. Hoje, meio século depois, a doença permanece com elevada magnitude e encontra-se entre as mais graves deficiências nutricionais no mundo (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2001, 2008). O aumento na demanda orgânica por ferro, mais expressivo, particularmente durante a gestação e a primeira infância, tem sido um dos principais fatores relacionados ao desenvolvimento da anemia ferropriva na população. As práticas alimentares também exercem importante papel no desenvolvimento da doença, tais como: consumo insuficiente de ferro, consumo inadequado de estimuladores da absorção do ferro junto às refeições (ex. vitaminas C e A), assim como o consumo concomitante de inibidores da biodisponibilidade do ferro (ex. cálcio e ácido fítico) (COMITÉ NACIONAL DE HEMATOLOGÍA, 2001; BRAGA; AMÂNCIO; VITALLE, 2006; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2008). Se por um lado a manutenção de uma dieta desequilibrada por longo prazo pode favorecer o aparecimento da anemia ferropriva e outras deficiências nutricionais (COMITÉ NACIONAL DE HEMATOLOGÍA, 2001; BRAGA; AMÂNCIO; VITALLE, 2006), por outro lado, pode também aumentar o risco de desenvolvimento de doenças crônicas, como a obesidade e as alterações metabólicas relacionadas (VASKONEN, 2003), outro problema de proporções epidêmicas da atualidade. Assim, a coexistência de obesidade e anemia, designada como “dupla carga de problemas nutricionais”, já vem sendo encontrada em diversos países, especialmente aqueles em transição nutricional como o Brasil (BATISTAFILHO et al., 2008), Índia, Marrocos e Tailândia (ZIMMERMANN et al., 2008), México, Egito e Peru (ECKHARDT et al., 2008). Durante muito tempo, a associação entre a obesidade e anemia ferropriva foi explicada pela alimentação desequilibrada dos indivíduos acometidos por estes dois problemas nutricionais (NEAD et al., 2004; PINHAS-HAMIEL et al., 2003; SELTZER; MAYER, 1963). Entretanto, descobertas recentes nos campos da fisiologia e biologia molecular suscitaram a discussão de que a obesidade propriamente dita, e não a dieta, poderia ser o fator predisponente para o desenvolvimento da anemia ferropriva em diversos indivíduos (ZIMMERMANN et al., 2008). Já na década de 1960, surgiam os primeiros estudos epidemiológicos demonstrando a maior proporção de deficiência de ferro entre indivíduos com obesidade (SELTZER; MAYER, 1963; WENZEL; STULTS; MAYER, 1962). Posteriormente, essa relação também veio sendo observada por diversos outros autores, tanto em indivíduos adultos (LECUBE et al., 2006; MENZIE et al., 2008; MICOZZI; ALBANES; STEVENS, 1989; YANOFF et al., 2007) como em crianças e adolescentes (MOAYERI et al., 2006; NEAD et al., 2004; PINHAS-HAMIEL et al., 2003). A literatura ainda é muito incipiente quanto à relação entre anemia ferropriva e obesidade, particularmente no Brasil. Nesse sentido, o presente artigo traz uma revisão sobre o tema e discute acerca das possibilidades de que o melhor conhecimento sobre a 179 BAGNI, U. V.; VEIGA, G. V. Anemia ferropriva e obesidade: novos olhares para antigos problemas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 177-188, abr. 2011. relação entre estes dois distúrbios nutricionais possa influenciar as políticas e ações em saúde pública voltadas para a prevenção e controle dos mesmos. A busca bibliográfica foi realizada no ano de 2010 nas bases de dados eletrônicas PubMed, Scielo, Scopus, Science Direct, Wiley Inter Science, Ovid e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), tendo sido consultadas também as listas de referências dos artigos encontrados. O ano de publicação não foi utilizado como filtro para seleção dos artigos. Foi priorizada a utilização dos descritores obtidos pelo Medical Subject Headings (MeSH) (http://www.nlm.nih.gov/mesh) e Descritores em Ciências da Saúde, (DeCS) (http:// decs.bvs.br); quando não disponíveis, termos livres foram aplicados para a realização da busca. Os descritores utilizados em português (e seus respectivos correspondentes em inglês) foram: ferro (iron), anemia ferropriva (iron-deficiency anemia), deficiência de ferro (iron deficiency), sobrepeso (overweight), obesidade (obesity), adiposidade (adiposity), inflamação (inflammation), hepcidina (hepcidin), anemia da doença crônica (anemia of chronic disease). As expressões de pesquisa foram construídas combinando-se os descritores ou utilizando-os de forma isolada. DESVENDANDO A RELAÇÃO ENTRE ANEMIA E OBESIDADE Os primeiros estudos epidemiológicos demonstrando a maior proporção de deficiência de ferro entre indivíduos com obesidade surgiram na década de 1960. Ao avaliar 355 adolescentes de 11 a 19 anos de idade, Wenzel, Stults e Mayer (1962) verificaram que o nível sérico de ferro dos jovens obesos era significativamente inferior ao dos eutróficos, resultado também verificado por Seltzer e Mayer (1963) em um grupo de 321 jovens de 11 a 21 anos de idade. Mais recentemente, Nead et al. (2004) constataram que crianças e adolescentes americanos com sobrepeso e obesidade apresentavam o dobro de chance de ter anemia por deficiência de ferro (OR=2,0 IC95%:1,2-3,5 e OR=2,3 IC95%:1,4-3,9, respectivamente), e que a prevalência de anemia aumentava à medida que o Índice de Massa Corporal (IMC) se elevava da faixa normal (2,1%) para sobrepeso (5,3%) e obesidade (5,5%) (p=0,002). Esta tendência também vem sendo observada em jovens de outras regiões. Em Israel, a concentração de ferro sérico de crianças e adolescentes com sobrepeso (10,6µmol/L) e obesidade (13,3µmol/L) foi significativamente menor que de crianças eutróficas (15,8µmol/L) (p<0,001) (PINHAS-HAMIEL et al., 2003). No Teerã, também, se constatou maior chance de ter anemia ferropriva em crianças e adolescentes com sobrepeso (OR=3,5; IC95% 2,2-5,8) e obesidade (OR=2,6; IC85% 1,4-4,6) quando comparados aos eutróficos, e que a prevalência desse agravo aumentava, significativamente, à medida que o IMC se elevava da faixa normal (2,5%) para sobrepeso (5,3%) e obesidade (6,9%) (p=0,001) (MOAYERI et al., 2006). A maior prevalência de anemia entre indivíduos com excesso de peso e obesidade também vem sendo relatada entre adultos. Avaliando os dados da primeira edição do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES-I), Micozzi, Albanes e Stevens (1989) verificaram que valores elevados de IMC estavam associados com baixas concentrações de 180 BAGNI, U. V.; VEIGA, G. V. Anemia ferropriva e obesidade: novos olhares para antigos problemas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 177-188, abr. 2011. ferro sérico em mulheres, e que a saturação de transferrina era, significativamente, mais baixa no maior quartil de IMC, tanto em homens quanto em mulheres. Desde então, a deficiência de ferro em obesos vem sendo demonstrada por outros pesquisadores (GILLUM, 2001; MENZIE et al., 2008; YANOFF et al., 2007; ZIMMERMANN et al., 2008) inclusive entre mulheres obesas pós-menopausa (LECUBE et al., 2006). Durante muito tempo, a dieta desequilibrada foi única hipótese aventada para explicar a relação entre anemia e obesidade, mas no início da década de 2000, com a descoberta da hepcidina, a discussão acerca dessa relação começou a tomar novos rumos. A hepcidina é uma pequena proteína de 25 aminoácidos sintetizada principalmente nos hepatócitos e inicialmente caracterizada por apresentar atividade antimicrobiana (KRAUSE et al., 2000; PARK et al., 2001). A primeira descrição desse peptídio no plasma foi feita por Krause et al. (2000), que o nomeou como Liver Expressed Antimicrobial Peptide 1 (LEAP-1). Um ano depois, Park et al. (2001) divulgaram a descoberta desse peptídio na urina, que passou a ser denominado hepatic bactericidal protein (Hepcidin). Mais tarde foi demonstrado que a hepcidina seria um hormônio chave na homeostase do ferro, interferindo na regulação da sua absorção intestinal e na sua reutilização pelo sistema reticuloendotelial (GRAF et al., 2008; NEMETH; GANZ, 2006; SELA, 2008). Ao entrar na circulação, a hepcidina regula, negativamente, a saída de ferro das células, especialmente nos macrófagos reticuloendoteliais envolvidos na reciclagem de ferro a partir de eritrócitos e enterócitos duodenais (FLEMING, 2008). A hepcidina age ligando-se à ferroportina, que é a proteína transmembrana encarregada de exportar ferro das células. Essa ligação faz com que a ferroportina seja internalizada nos lisossomos citoplasmáticos e degradada. Consequentemente, com a perda dessa proteína na superfície da membrana celular, o ferro degradado acumula-se nessas células, enquanto a concentração de ferro circulante se reduz (FLEMING, 2008; GANZ; NEMETH, 2006; GROTTO, 2008; NEMETH; GANZ, 2006; SELA, 2008). Além disso, a retenção do ferro nos enterócitos leva à redução no aproveitamento do ferro dietético pelas células da membrana apical (FLEMING, 2008; MENA et al., 2008), potencializando ainda mais o efeito sobre a concentração de ferro circulante. No intestino, a hepcidina também causa a internalização da molécula de ferroportina situada na membrana basolateral dos enterócitos, bloqueando a transferência do ferro que está no citoplasma dessas células para a transferrina no plasma (GANZ; NEMETH, 2006; GROTTO, 2008). A síntese de hepcidina se reduz em situações de deficiência de ferro e hipóxia, e é estimulada em situações de sobrecarga de ferro no fígado, a fim de evitar o acúmulo do metal e danos tissulares irreversíveis (LEONG; LÖNNERDAL, 2004; NEMETH; GANZ, 2006). Sua produção também é aumentada durante infecções e inflamações, causando a diminuição no nível de ferro sérico e a instalação do fenômeno conhecido como “Anemia da Inflamação” ou “Anemia da Doença Crônica”, um mecanismo do hospedeiro para limitar a disponibilidade de ferro para micro-organismos invasores (ANDREWS, 2004; NEMETH; GANZ, 2006). Citocinas inflamatórias favorecem esse aumento da produção de hepcidina (FLEMING, 2008; GANZ; NEMETH, 2006; LEONG; LÖNNERDAL, 2004), sendo 181 BAGNI, U. V.; VEIGA, G. V. Anemia ferropriva e obesidade: novos olhares para antigos problemas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 177-188, abr. 2011. a principal delas a Interleucina-6 (IL-6), que age diretamente nos hepatócitos estimulando sua expressão (ANDREWS, 2004; GANZ; NEMETH, 2006). Uma vez que a obesidade está associada com o aumento da atividade inflamatória no tecido adiposo, com particular aumento na produção de IL-6 (BASTARD et al., 2006; COPPACK, 2001; FAIN, 2006), é possível que a adiposidade em excesso possa predispor ao aparecimento da “Anemia da Doença Crônica” (McCLUNG; KARL, 2009). A veracidade dessa afirmativa foi constatada por Yanoff et al. (2007), ao verificar que em adultos americanos o ferro sérico (75,8±35,2µg/dL vs. 86,5±34,2µg/dL, p=0,002), a saturação de transferrina (20,3±9,9% vs. 23,0±9,9%, p=0,005) e o volume corpuscular médio (85,9±5,4fL vs. 88,0±5,4fL, p<0,0001) foram significativamente menores nos obesos, comparados aos eutróficos, e se correlacionaram negativamente com o IMC e a massa adiposa. No estudo de Menzie et al. (2008), a massa gorda também afetou negativamente a concentração sérica de ferro (β= -0,330; p<0,05), sendo essa associação significativa mesmo após ajuste para variáveis de confundimento, tais como características demográfi cas e dietéticas. Segundo os autores, apesar de os indivíduos obesos apresentarem consumo semelhante de ferro total na dieta (p=0,10) e até mesmo superior de ferro heme (p<0,001) que os indivíduos eutróficos, os obesos tiveram menor concentração média de ferro sérico (72,0±61,7µg/dL vs. 85,3±58,1µg/dL, p<0,001) e saturação de transferrina (20,7% vs. 23,3%, p=0,012), apontando para um menor aproveitamento do mineral nesse grupo (MENZIE et al., 2008). Ao investigar a relação entre o IMC e a absorção de ferro alimentar em mulheres e crianças da Tailândia, Marrocos e Índia, Zimmerman et al. (2008) também observaram que aqueles com IMC mais elevado apresentaram menor absorção do ferro oferecido em uma intervenção com alimentos fortificados com o mineral. No ano de 2009, Aeberli, Hurrell e Zimmermann compararam os níveis de hepcidina circulante, estado nutricional de ferro, assim como a quantidade e biodisponibilidade do ferro consumido por crianças de 6 a 14 anos com peso adequado e com sobrepeso, na Suíça. Os autores verificaram que, apesar de crianças com sobrepeso e sem sobrepeso apresentarem consumo semelhante de ferro, a deficiência de ferro foi significativamente maior naquelas com sobrepeso (20% vs. 6%, p=0,022), as quais apresentavam níveis séricos de hepcidina significativamente maiores que as crianças não obesas (1,4 mM vs. 2,0mM p=0,001). No modelo de regressão múltipla, os níveis séricos de hepcidina mostraram associação com o IMC (β=0,680, p=0,02) e ferro corporal (β=0,039, p=0,029). Os autores concluíram que existe uma baixa disponibilidade de ferro para eritropoiese em crianças com sobrepeso, e consideraram improvável que isto se deva ao consumo alimentar inadequado, mas sim à ação da hepcidina sobre a redução de ferro absorvido e/ ou aumento da retenção do ferro nas células (AEBERLI; HURRELL; ZIMMERMANN, 2009). No estudo de Del Giudice et al. (2009) também foi verificado que crianças obesas apresentaram menor concentração de ferro sérico (68,3±28,8µg/dL vs. 79,0±18,6µg/dL, p=0,02) e menor saturação de transferrina (18,6±8,1% vs. 22,3±6,6%, p=0,01) do que crianças não obesas, além de maiores níveis de hepcidina (2,8±1,6nmol/L vs. 1,9±1,6nmol/L, p=0,004). A hepcidina sérica teve correlação direta com o IMC (r2=0,33, p=0,0015) e inversa com 182 BAGNI, U. V.; VEIGA, G. V. Anemia ferropriva e obesidade: novos olhares para antigos problemas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 177-188, abr. 2011. o ferro sérico (r2=0,16, p=0,04) e com a saturação de transferrina (r2=0,33, p=0,005), e particularmente entre obesos, também com o aproveitamento do ferro dietético (r2= 0,37; p=0,003) (DEL GIUDICE et al., 2009). É importante considerar que a instalação da anemia ferropriva no indivíduo obeso, além de trazer os prejuízos próprios dessa doença, poderia também favorecer a manutenção e/ou agravamento da própria obesidade. Uma vez que a baixa concentração de hemoglobina no sangue leva à redução da capacidade aeróbica e resistência aos esforços físicos (NELSON, 1996; WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2001) e a prejuízos na função muscular pela diminuição da capacidade oxidativa mitocondrial para produzir energia a partir do oxigênio (DALLMAN; YIP; OSKI, 1993), o indivíduo com anemia, consequentemente, torna-se menos ativo, favorecendo o sedentarismo. Segundo Nelson, Bakaliou e Trivedi (1994), pessoas anêmicas têm um aumento muito mais expressivo na frequência cardíaca durante a atividade física do que aquelas não-anêmicas, assim como apresentam maior dificuldade de se recuperar do exercício. Assim, na tentativa de evitar desconfortos como cansaço e palpitações decorrentes do maior esforço cardíaco para garantir a oferta de oxigênio aos tecidos, o indivíduo anêmico vai, gradativamente, reduzindo seu nível de atividade (BATHIA; SESHADRI, 1987; NELSON; BAKALIOU; TRIVEDI, 1994), o que poderia favorecer o ganho de peso. A influência negativa da anemia sobre a atividade física foi identificada por diversos autores. Na Índia, meninos anêmicos apresentaram a pior performance após serem submetidos ao teste de step (BATHIA; SESHADRI, 1987) e teste de corrida de 1.600 metros (SATYANARAYANA et al., 1990), quando comparados com indivíduos não-anêmicos. Wang et al. (2009) verificaram que durante atividade física, jovens com anemia severa apresentam menor tempo máximo de atividade e menor consumo máximo de oxigênio (VO2 máx), e durante o tempo de lazer apresentam menor frequência cardíaca, atividade aeróbica e gasto energético do que jovens com deficiência marginal de ferro ou com ferro adequado. A recuperação do exercício também foi mais difícil em meninas indianas com anemia, que após realizarem teste de step apresentaram frequência cardíaca, significativamente, maior que as não anêmicas, imediatamente após o teste e também após 1 minuto de repouso após o teste (NELSON; BAKALIOU; TRIVEDI, 1994). NOVAS DESCOBERTAS, NOVOS DESAFIOS Ao longo dos últimos anos, tem ficado evidente que a relação entre a anemia e a obesidade é bem mais complexa do que se poderia imaginar. A obesidade tanto pode favorecer o aparecimento da anemia ferropriva, quanto pode ser causada por ela, conforme esquematizado na figura 1. E se outrora essa “dupla carga de doença” foi considerada um paradoxo em meio à transição nutricional (BATISTA-FILHO; RISSIN, 2003), atualmente deixa de ser compreendida meramente pela presença de fenômenos isolados, de natureza oposta, que ocorrem em paralelo, mas sim de eventos correlacionados entre si, onde um pode determinar o desenvolvimento do outro. 183 BAGNI, U. V.; VEIGA, G. V. Anemia ferropriva e obesidade: novos olhares para antigos problemas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 177-188, abr. 2011. OBESIDADE “Inflamação” [↑ citocinas] ↑ produção Leptina ↑ sedentarismo PRÁTICAS ALIMENTARES INADEQUADAS ↑ produção de Hepcidina Ligação da Hepcidina à ferroportina nos macrófagos Acúmulo do ferro degradado dentro dos macrófogos Ligação da Hepcidina à ferroportina nos enterócitos Bloqueio da transferência do ferro absorvido para a transferrina no plasma Redução gradativa do nível de atividade física ↓ concentração ferro circulante ↓ ingestão de ferro ↓ ingestão de facilitadores da absorção de ferro ↓ ingestão de inibidores da absorção de ferro prejuízos na função muscular ANEMIA FERROPRIVA ↓ capacidade aeróbica e resistência a esforços físicos Figura 1 – Modelo esquemático da relação entre anemia ferropriva, obesidade e práticas alimentares. Essa nova compreensão da relação entre os dois principais problemas de saúde pública da atualidade tem imposto aos profissionais um novo modo de olhar para a sua prática. É mister refletir em como lidar com a sobreposição da anemia e obesidade de maneira eficaz: as estratégias atuais utilizadas individualmente para o controle dessas doenças são suficientes nesse novo cenário? Segundo Zimmerman et al. (2008), o rápido aumento do excesso de peso e obesidade em países em transição nutricional pode prejudicar os esforços no controle da deficiência de ferro e trazer sérias consequências para a população, já que indivíduos em excesso de peso podem apresentar menor aproveitamento do ferro dos alimentos, produtos fortificados e suplementos nutricionais. Percebe-se, assim, como o controle da obesidade pode exercer importante papel no avanço do controle da anemia ferropriva, e vice-versa. Alguns autores já recomendam que as diretrizes voltadas à identificação, prevenção e tratamento da anemia ferropriva, passem a incluir a obesidade como mais um fator de risco a ser controlado (LECUBE et al., 2006; TUSSING-HUMPHREYS et al., 2009). Por sua vez, o controle da anemia ferropriva em obesos pode ter papel importante no processo de perda de peso, uma vez que pode melhorar a adesão a programas de prática regular de atividade física, que têm sido um dos pilares para o 184 BAGNI, U. V.; VEIGA, G. V. Anemia ferropriva e obesidade: novos olhares para antigos problemas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 177-188, abr. 2011. sucesso dos programas de controle da obesidade. Segundo McClung e Karl (2009), a melhor compreensão da relação entre essas doenças poderá também, no futuro, subsidiar o desenvolvimento de terapias nutricionais e/ou farmacológicas que previnam o desenvolvimento de deficiência de ferro em obesos. Para Coutinho, Gentil e Toral (2008), o dilema atual da nutrição em saúde pública, que é lidar simultaneamente com situações aparentemente contraditórias, deve ser enfrentado pautando-se em políticas articuladas numa “agenda única de nutrição”, considerando, como pedra angular, a promoção da alimentação saudável com enfoque no curso da vida, em uma abordagem integral capaz de prevenir, ao mesmo tempo, as doenças causadas por deficiências nutricionais e aquelas causadas por excessos, resultando em redução da prevalência do excesso de peso e das outras doenças crônicas não transmissíveis associadas. Batista-Filho e Rissin (2003) consideram que “as ações setoriais de saúde ainda não apresentam o grau de agilidade e o nível de eficácia para responder, com presteza, aos desafios que o quadro mutante do cenário epidemiológico brasileiro aconselha e reclama”, e para muitos profissionais, a concretização de ações integradas para o controle da obesidade e anemia ferropriva, na prática, ainda parece um desafio hercúleo frente à íntima relação e interdependência dessas doenças. Em meio a tantos questionamentos onde as respostas nem sempre parecem evidentes, o primeiro passo é manter um olhar ampliado para o indivíduo, fugindo de uma prática segmentada e reducionista e buscando, pelo contrário, uma atuação que valorize a multiplicidade de fatores envolvidos no complexo processo saúde-doença, a fim de que as medidas de promoção, proteção e recuperação à saúde implementadas sejam realmente eficazes no enfrentamento dessa dupla carga de problemas nutricionais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Se por um lado parecem abundantes as informações sobre a prevalência e as consequências independentes que anemia ferropriva e a obesidade podem trazer para indivíduos e sociedades, por outro lado ainda são escassas as investigações prospectivas, particularmente em âmbito nacional, acerca da relação entre as duas doenças e do prejuízo que a combinação desses dois problemas nutricionais pode trazer. Muitas são as lacunas que demandam respostas na busca do controle da obesidade e da anemia ferropriva, tais como a influência da concentração sérica da hepcidina sobre o estado nutricional de ferro em indivíduos com excesso de peso nos diferentes ciclos de vida. A redução gradual na atividade física em indivíduos anêmicos também precisa ser melhor investigada, assim como o possível desenvolvimento da obesidade, em longo prazo, frente a essa redução de atividade. Pesquisas nesse sentido, além de esclarecer e fundamentar a relação entre anemia e obesidade, serão fundamentais para trazer subsídios à prática profissional e para o fomento de políticas públicas de prevenção e promoção da saúde. 185 BAGNI, U. V.; VEIGA, G. V. Anemia ferropriva e obesidade: novos olhares para antigos problemas. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 177-188, abr. 2011. REFERÊNCIAS/REFERENCES AEBERLI, I.; HURRELL, R. F.; ZIMMERMANN, M. B. Overweight children have higher circulating hepcidin concentrations and lower iron status but have dietary iron intakes and bioavailability comparable with normal weight children. Int J Obes., v. 33, n. 10, p. 1111-1117, 2009. ANDREWS, N. C. Anemia of inflammation: the cytokine-hepcidin link. J Clin Invest., v. 113, n. 9, p. 1251-1253, 2004. BASTARD, J. P.; MAACHI, M.; LAGATHU, C.; KIM, M. J.; CARON, M.; VIDAL, H.; CAPEAU, J.; FEVE, B. 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J., 163 LEMES, S. A. F., 163 LIMA, S. C. V. C., 99 LOPES, V. A. A., 23 LYRA, C. O., 99 MAESTÁ, N., 137 MARCHIONI, D. M. L., 71 MARQUES, M. P., 99 MENDES-NETTO, R. S., 49, 137 MIRANDA, A. L., 99 NETTO, M. P., 23 NOLASCO, S. A. V. N., 23 OLIVEIRA, D. A. G., 1 PEDROSA, L. F. C. S., 99 PINHEIRO, L. G. B., 99 QUEIROGA, R. C. R. E., 37 ROCHA, A. C. D., 111 ESPERANÇA, L. C., 71 FALSARELLA, F. A., 127 FERNANDES, A. A. H., 85 FIGUEROA PEDRAZA, D., 111 FRUTUOSO, M. F. P., 127 GAMBARDELLA, A. M. D., 127 SANTOS, F. A., 85 SGARBIERI, V. C., 1 SILVA, E. G., 85 SILVEIRA, B. C., 23 SIMONY, R. F., 151 SOUSA, C. P. C., 111 SOUSA, M. P. C., 111 SOUZA, E. L., 37 HIRAKAWA, H. S., 85 THALACKER, M., 151 JERÔNIMO, H. M. A., 37 VEIGA, G. V., 177 VIEIRA, D. A. S., 49 189 Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p.190-191, abr. 2011. ÍNDICE DE ASSUNTO Adolescente Antropometria, 100, 128 Fatores de risco, 100 Índice de Conicidade, 100 Alimentação Consumo de alimentos, 50 Contaminação Staphylococcus, 38 Nutrientes, 24 Assentamentos rurais, 50 Creches, 112 Criança, 24 Desnutrição infantil, 112 Doença crônica Anemia ferropriva, 178 Obesidade, 178 Doenças cardiovasculares Vinho Compostos fenólicos, 164 Flavonóides, 164 Gravidez Diabetes gestacional, 86 Ganho de peso, 86 Hiperglicemia, 86 Macrossomia fetal, 86 Índice de Massa Corporal Estatura, 128 Peso corporal, 128 Restaurantes Controle de qualidade, 72 Perfis sanitários, 72 Terapia nutricional Diabetes mellitus tipo 1, 152 Carboidratos, 152 Treinamento de força Balanço nitrogenado, 138 Ingestão de energia, 138 Ingestão proteica, 138 Unidade de alimentação e nutrição, 38 Estado nutricional, 24, 50, 112 Fígado Hiperplasia celular, 2 Hipertrofia celular, 2 Restrição alimentar, 2 190 Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p.190-191, abr. 2011. SUBJECT INDEX Adolescent Anthropometry, 99, 127 Conicity index, 99 Risk factors, 99 Liver Cell hyperplasia, 1 Cell hypertrophy, 1 Food restriction, 1 Body mass index Body weight, 127 Height, 127 Nutritional status, 23, 49, 111 Nutritional therapy Carbohydrates, 151 Diabetes mellitus, type 1, 151 Cardiovascular diseases Wine Flavonoids, 163 Phenolic compounds, 163 Child, 23 Child malnutrition, 111 Chronic Disease Anemia, Iron-deficiency, 177 Obesity, 177 Daycare centers, 111 Feeding Contamination Staphylococcus spp., 37 Food consumption, 49 Nutrients, 23 Food and nutrition services, 37 Pregnancy Fetal macrosomia, 85 Gestational diabetes, 85 Hyperglycemia, 85 Weight gain, 85 Resistance exercise Energy intake, 137 Nitrogen balance, 137 Protein intake, 137 Restaurants Quality control, 71 Sanitary profiles, 71 Rural settlements, 49 191 Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 192-197, abr. 2011. INSTRUÇÕES AOS AUTORES NORMAS PARA PUBLICAÇÃO Os artigos devem ser redigidos em ortografia oficial, utilizando o programa Word, em espaço duplo, em folhas tamanho ofício (A4), com letras corpo 12, com margens de 3cm em cada um dos lados e enumeradas em algarismos arábicos no ângulo inferior direito. Não devem ser cortadas as palavras no final das linhas. O envio deverá ser feito, exclusivamente, pelo e-mail [email protected]. No item assunto deverá ser colocado: artigo NUTRIRE. O mesmo deverá ser anexado em um único arquivo. Os artigos podem ser: originais, de revisão, atualização ou notas e informações: a) originais: divulgam resultados de pesquisas que possam ser replicados ou generalizados; b) revisão: avaliação crítica da literatura sobre determinados assuntos. Devem conter conclusões ou comentários; c) atualização: baseada na literatura recente, descritos e interpretativos da situação em que se encontra determinado assunto; d) notas e informações: relatos curtos e notas prévias; e) são aceitos artigos em inglês e espanhol. QUANTIDADE DE PÁGINAS Artigo de revisão: no máximo 30 laudas (cada lauda = 1.250 caracteres sem espaço), incluindo-se as referências – seguir normas de publicação. Artigo original: não tem limite - seguir normas de publicação. FOLHA DE ROSTO (IDENTIFICAÇÃO) a) título e subtítulo; versão em inglês e espanhol; b) indicar título abreviado para legenda; 192 c) nome e sobrenome de cada autor; filiação à instituição e respectivo endereço; d) nome do departamento onde o trabalho foi realizado; e) nome e endereço do autor responsável; f) se foi baseado em Tese, indicar o título, ano e instituição onde foi apresentada; g) se foi apresentado em reunião científica, indicar o evento, local e data de realização; h) se foi subvencionado indicar o tipo de auxílio, nome do agente financeiro e o número do processo; i) agradecimentos: 1. contribuições (assessoria científica, coleta e dados, revisão crítica da pesquisa); 2. instituições (apoio econômico, material e outros). Introdução: deve ser curta, definindo o problema estudado sintetizando sua importância. Material e Métodos, a população estudada, a fonte dos dados e critérios de seleção, dentre outros. Resultados: deve se limitar a descrever os resultados encontrados sem incluir interpretações/comparações. Discussão: deve começar apreciando as limitações do estudo, seguida da comparação com a literatura e a interpretação dos autores, extraindo conclusões, indicando novos caminhos para pesquisa. Conclusão: para os artigos originais. RESUMO E PALAVRAS-CHAVE a) português, inglês e espanhol (até 250 palavras); b) descritores (usar o vocabulário) português e espanhol: Descritores em Ciências da Saúde, da Literatura Latino-Americana e do Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 192-197, abr. 2011. Caribe em Ciências da Saúde-LILACS inglês: Medical Subject Headings-MESH, da National Library of Medicine. FIGURAS (FOTOGRAFIAS, DESENHOS, GRÁFICOS) As figuras deverão vir logo após as referências (enumeradas em ordem consecutiva, na ordem do texto); Legendas à parte. TABELAS As tabelas também devem ser incluídas no mesmo arquivo, logo após as referências (enumeradas em ordem consecutiva, na ordem do texto) devem ter título breve. OBS: não usar traços horizontais ou verticais internos. UNIDADES Seguir as normas do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial-INMETRO, Homepage: www.inmetro.gov.br ABREVIATURAS E SIGLAS a) forma padrão da língua portuguesa e inglesa; b) não usar no título e no resumo. AGRADECIMENTOS VER FOLHA DE ROSTO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (ABNT NBR-6023, 2000) a) ordem alfabética; b) abreviatura dos periódicos (Index Medicus); c) todos os autores são citados, separados por ponto e vírgula (;) CORDEIRO, J. M.; GALVES, R. S.; TORQUATO, C. M. d) indicação do autor e data no texto: citar entre parênteses o nome do autor e data (BRIAN, 1929); e) substituir & por e no texto e, por ponto e virgula (;) nas referências bibliográficas (BRITTO e PASSOS, 1930); f) a exatidão das referências é de responsabilidade dos autores. REGULAMENTO DA NUTRIRE: REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO= JOURNAL OF THE BRAZILIAN SOCIETY OF FOOD AND NUTRITION Da Revista, Sede e Fins Art.1º - A Nutrire: revista Brasileira de Alimentação e Nutrição=Journal of the Brazilian Society of Food and Nutrition, órgão oficial da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição – SBAN, criado em 1985, com sede na Rua Pamplona, 1119 - Cj. 51, Jardim Paulista, São Paulo, Brasil, tem por finalidade publicar trabalhos técnico-científicos nas áreas de alimentação e nutrição. Parágrafo 1: a Nutrire: revista Brasileira de Alimentação e Nutrição=Journal of the Brazilian Society of Food and Nutrition contará com as seguintes seções: artigos originais, de revisão, atualização, notas e infor- mações, cartas ao editor, índices de autores e assuntos. Parágrafo 2: A Comissão Editorial, o Editor-científico e o Conselho Editorial compõem a Comissão de Redação. Art. 2º - A revista será editada, no mínimo, uma vez por ano. Art. 3º - Periodicidade quadrimestral. Da Direção e Redação Art. 4º - O editor-responsável será o Presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição-SBAN. Art. 5º - A Comissão Editorial será composta de 7 membros, com mandato de 5 anos 193 Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 192-197, abr. 2011. e escolhidos dentre seus sócios efetivos. Os membros da Comissão elegerão o editor-científico pelo mesmo período. Parágrafo único: a renovação de seus membros será de 4 e 3, respectivamente, a cada três (3) anos. na Nutrire: revista da Socidade Brasileira de Alimentação e Nutrição= Journal of the Brazilian Society of Food and Nutrition sem prévia autorização do autor e do Presidente da SBAN. É permitida a reprodução de resumos com a devida citação da fonte. Art. 7º - Compete à Comissão Editorial e ao Editor-científico julgar todo o material encaminhado para publicação. Art. 16º - Os autores deverão assinar a declaração de responsabilidade e transferência. Art. 8º - Compete à Comissão Editorial fazer cumprir este regulamento e seu respectivo Cronograma. Art. 17º - Os artigos poderão ser enviados a qualquer momento. A partir de julho de 2007 o envio de artigos deverá ser feito pelo e-mail: [email protected]. No item assunto deverá ser colocado: artigo NUTRIRE. O mesmo deverá ser anexado em um único arquivo. Art. 9º - Compete ao Conselho Editorial a revisão científica dos artigos recebidos. Parágrafo único: O Conselho Editorial não terá número de membros definidos e será composto de especialistas nacionais e internacionais de cada área de Alimentação e Nutrição indicados pela Comissão Editorial. Art. 10º - Os trabalhos aprovados para publicação deverão trazer o visto do Editorcientífico. Parágrafo único: os trabalhos serão publicados em ordem cronológica de recebimento, salvo as notas prévias. Art. 11º - A data de recebimento do artigo constará obrigatoriamente no final do mesmo. Art. 12º - Todo trabalho enviado para publicação deverá trazer endereço para correspondência e endereço eletrônico do autor principal. No caso de mais de um autor deverá expressamente ser indicado o autor responsável pela publicação. Art. 13º - A primeira prova gráfica será revisada pelo Editor-científico e conferida pelo autor que a rubricará. Haverá apenas duas provas gráficas. Art. 14º - Os originais de trabalhos aceitos para publicação não serão devolvidos. Art. 15º - É proibida a reprodução, no todo ou em parte, de trabalhos publicados 194 Art. 18º - A organização e revisão do material a ser publicado compete ao bibliotecário responsável pela normalização técnica e indexação. Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição-SBAN Rua Pamplona, 1119 - Cj. 51 Jardim Paulista, São Paulo (SP) CEP: 01405-001 - Brasil Tel.: (11) 3266-3399 E-mail: [email protected] Referência 1. Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR 6023: Informação e Documentação; Referência, Elaboração. Rio de Janeiro, 2000. 22p. 2. Comitê Internacional de Editores de Periódicos Médicos. Requisitos de uniformidade para manuscritos submetidos a periódicos biomédicos. An. Bras. Dermatol., Rio de Janeiro. v.72, supl. 1, p.41-53, jul./ago., 1997. [4.ed.] 3. International Committee of Medical Journal Editors. Uniform requirements for manuscripts submited to biomedical journals. Ann. Intern. Med. v.126, p.36-47, 1997. [updated may, 1999, 5th ed.] Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 192-197, abr. 2011. INSTRUCTIONS TO AUTHORS PUBLICATION RULES Manuscripts must be written in the official orthography, on one side of the sheet and double space, in A4 paper and 12 pt size characters, 3 cm margins on each side and number in Arabic numerals on the lower right side. Words should not be separated at the end of the lines. One (1) original and two (2) copies should be mailed. When accepted for publication, an electronic copy in 3/5 6.0 MS Word must also be included. Manuscripts can be original studies, reviews, updates or notes and information: a) original data: disclosure of results that can be replicated or generalized; b) reviews: critical overview of the literature on specific issues. They must contain conclusions or comments; c) updates: based on recent literature, describing and interpreting the current situation of a chosen issue; d) notes and information: short reports and previews; e) the manuscript can be written in Portuguese, Spanish or English. FRONT PAGE a) title and heading; in Portuguese (or Spanish) and English; b) running title; c) name and surname of each author, affiliation, and address; d) department where the study was performed; e) name and address of the principal investigator; f) if based on a Thesis, indicate the title, year and institution where it was carried out; g) if presented in a scientific meeting, indicate the name of the event, place and date; h) if financial supported was provided indicate the type of support, name of the funding agency and grant number. i) acknowledgements: 1. Contributions (scientific consulting, data collection, critical revision of the study); 2. Institutions (financial support, material, etc). Introduction: must be concise, defining the problem under study, summarizing its importance. Methods and materials employed, the population under study, data source and selection criteria, among others. Results: must be limited to description of the results without including interpretations/ comparisons. Discussion: must begin by pointing out the limitations of the study, followed by a comparison with the literature and interpretation of the data, extracting conclusions and indicating new ways of research. Conclusion: for original studies. SUMMARY AND KEYWORDS a) in Portuguese, English and Spanish, up to 250 words; b) keywords in Portuguese and Spanish: Descriptors in Science and Health (Descritores em Ciências da Saúde) of Latin-American and Caribean Literature in Health Sciences-LILACS. In English: Medical Subject Headings-MESH of the National Library of Medicine; TABLES a) must be in separate sheets (number consecutively, in the order that they appear in the text) with a short title; b) should not contain inner horizontal or vertical borders; 195 Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 192-197, abr. 2011. FIGURES (PHOTOGRAPHS, DRAWINGS, GRAPHICS) Must be in separate sheets (numbered consecutively, in the order that they appear in the text); captions are apart. UNITS Must follow the guidelines of the Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO, homepage: www.inmetro.gov.br ABBREVIATIONS a) Standard pattern of Portuguese and English languages; b) Must not be used in the Title and Summary. ACKNOWLEDGEMENTS – SEE FRONT PAGE REFERENCES (ABNT NBR 6023, 2002) a) alphabetical order; b) journal abbreviations (Index Medicus); c) all authors must be cited, separated by semi-colon (;); CORDEIRO, J. M.; GALVES, R. S.; TORQUATO, C. M.; d) citation of author and year of publication in the text: in parenthesis (BRIAN, 1929); e) use e instead of & in the text and ; in the list of references (BRITTO e PASSOS, 1930); f) the authors are responsible for the accuracy of the references. DIRECTIVE OF NUTRIRE: JOURNAL OF THE BRAZILIAN SOCIETY OF FOOD AND NUTRITION Of the Journal, Headquarters and Purposes Art. 1° - Nutrire, Journal of the Brazilian Society of Food and Nutrition, is the official organ of the Brazilian Society of Food and Nutrition –SBAN, created in 1985, located* at Rua Pamplona, 1119 - cj. 51, São Paulo, Brasil, CEP 01405-001, with the purpose to publish technical-scientific papers in food and nutrition. Paragraph 1: Nutrire, Journal of the Brazilian Society of Food and Nutrition will be composed by the following sections: Original data, Reviews, Updates, Notes and Information, Letters to the Editor, Author and Issue Indices; Paragraph 2: The Editorial Committee, Scientific Editor and Editorial Board compose the Composition Committee. 196 *The headquarters are located at the jurisdiction of the President elected. Art. 2° - The journal will be published, at least, once a year. Art. 3° - Periodicity: semester. Of the Direction and Editorial Art. 4° - The Editor-in-Chief will be the President of the Brazilian Society of Food and Nutrition-SBAN. Art. 5° - The Editorial Committee will be composed of 7 members, with a 5-year mandate to be chosen among the effective members. The members of the Committee will elect the Scientific-Editor for the same period. Single paragraph: renewal of the members will be of four and three, respectively, every three years. Art. 6° - Is the competence of the Editorial Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v. 36, n. 1, p. 192-197, abr. 2011. Committee and of the Scientific-Editor to judge all material submitted to publication. Art. 7° - Is the Editorial Committee’s competence to fulfill this regulation and its timetable. Art. 8° - Is the Editorial Board’s competence to perform the scientific revision of the manuscripts received. Single Paragraph: The Editorial Board will not have a permanent number of members and will be composed of national and international experts in each area of Food and Nutrition, indicated by the Editorial Committee. Art. 9° - The papers approved for publication must be signed by the Scientific-Editor. Single Paragraph: Papers will be published in the order of receipt, except when noted. Art. 10 - Date of receipt will appear at the end of the paper. Art. 11 - Every manuscript submitted for publication must be signed by its author and must contain an address of correspondence. In case of more than one author, the principal investigator must be indicated. Art. 12 - The first galley proof will be revised by the Scientific-Editor and checked and signed by the author. There will be only two galley proofs. Art. 13 - The original versions of the manuscripts accepted for publication will not be returned to the authors. Art. 14 - Total or partial reproduction of papers published by Nutrire, Journal of the Brazilian Society of Food and Nutrition without previous authorization of the author or SBAN’s president is strictly forbidden. Reproduction of the summaries is allowed when appropriately cited. Art. 15 - The authors must sign a Copyright Transfer and a Term of Responsibility. Art. 16 - Due dates for manuscripts to be received for publication are January 30 and July 30 of each year. Art. 17 - Organization and revision of the material to be published is under the librarian’s responsibility for technical normalization and indexing. Art. 18 - Manuscripts must be mailed to the Scientific-Editor (one original and two copies): Dra. Célia Colli. Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição-SBAN Rua Pamplona, 1119 - Cj. 51, Jardim Paulista, São Paulo, SP, CEP 01405-001 Brasil. References 1. [Brazilian Association of Technical Guidelines] Associação Brasileira de Normas Técnicas, NBR 6023: Infor mação e Documentação; Referência, Elaboração. Rio de Janeiro, 2000. 22p. 2. [International Committee of Editors of Medical Jour nals. Unifor mity of requirements for manuscripts submitted to biomedical journals] Comitê Internacional de Editores de Periódicos Médicos. Requisitos de uniformidade para manuscritos submetidos a periódicos biomédicos. An. Bras. Dermatol., Rio de Janeiro. v.72, supl. 1, p.41-53, jul./ago., 1997. [4.ed.] 3. International Committee of Medical Journal Editors. Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. Ann. Intern. Med. v.126, p.36-47, 1997. [updated may, 1999, 5th ed.] 197 SOCIEDADE BRASILEIRA DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO-SBAN Presidente / President Sergio Alberto Rupp de Paiva 1ª Vice-presidente / Vice-President Silvia Maria Franciscato Cozzolino 2ª Vice-presidente / Vice-President Regina Mara Fisberg Secretário Geral / General Secretary Dirce Maria Lobo Marchioni 1º Secretário / Secretary Semíramis Martins Álvares Domene 2ª Secretário / Secretary Eliane Fialho de Oliveira 1º Tesoureiro / Treasurer Thomas Prates Ong 2º Tesoureiro / Treasurer Marcelo Macedo Rogero Sócios Mantenedores / Supporting Partners Bunge Alimentos S.A. Coca Cola Indústrias Ltda. Danone Ltda. Monsanto do Brasil Ltda. Nestlé Brasil Ltda. Unilever Bestfood Brasil Ltda. Wyeth Consumer Healthcare A Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição – SBAN representa no Brasil a IUNS – International Union of Nutritional Sciences Endereço / Address Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição-SBAN Rua Pamplona, 1119 – cj. 51 – Jd. Paulista São Paulo/SP, Brasil – CEP 01405-001 Tel./Fax: (11) 3266-3399 e-mail: [email protected] www.sban.org.br ISSN 1519-8928 Nutrire 36 n. 1, abr. 2011 R E V I S T A D A S O C I E D A D E B R A S I L E I R A D E A L I M E N T A Ç Ã O E N U T R I Ç Ã O J O U R N A L O F T H E B R A Z I L I A N S O C I E T Y O F F O O D A N D N U T R I T I O N