Arquivos Catarinenses de Medicina ISSN (impresso) 0004- 2773 ISSN (online) 1806-4280 RELATO DE CASO Metástase pulmonar por coriocarcinoma: relato de caso Pulmonary metastatic choriocarcinoma: case report Marianne Ramos de Lima e Silva1, Fernanda Cabral2, Carlos Alberto Massucato2, Débora Bergami2, Mariana Mohr2, Rafaela Ludvig Lehmkuhl2 Resumo clínica é importante afim de viabilizar o tratamento precoce, sendo desnecessário sempre aguardar a confirmação histológica definitiva para iniciar o tratamento nos casos altamente sugestivos. Coriocarcinoma é a forma maligna mais agressiva da neoplasia trofoblástica gestacional, que comumente evolui para doença metastática, sendo o pulmão um dos sítios mais acometidos. Cerca de 73% das pacientes com coriocarcinoma possuem metástase pulmonar no momento do diagnóstico, porém com alta taxa de cura se diagnosticada e tratada precocemente. É uma neoplasia rara, mas que deve ser aventada como diagnóstico diferencial a ser pensado em mulheres com sintomas respiratórios e ginecológicos associados. Paciente feminina, 23 anos, história de 2 gestações prévias e atraso menstrual há cerca de 3 meses, procurou atendimento médico de urgência devido a sangramento vaginal abundante. Ultrassonografia transvaginal mostrou grande quantidade de material amorfo intra-útero, sendo o anatomopatológico compatível com restos deciduais. Apresentava aumento progressivo do hormônio gonadotrofina coriônica humana (hCG). Evoluiu com quadro clínico de dispnéia, dor torácica ventilatório-dependente, tosse seca e febre, sem melhora com antibioticoterapia empírica para tratamento de pneumonia. Submetida a fibrobroncoscopia com biópsia e nova curetagem uterina, o qual evidenciou metástase pulmonar por neoplasia trofoblástica gestacional, sugestiva de coriocarcinoma. Evoluiu com insuficiência respiratória, necessitando de ventilação mecânica. Iniciado quimioterapia com metotrexato ainda na Unidade de Terapia Intensiva, porém com evolução desfavorável e óbito. Metástase pulmonar ocorre na maioria das pacientes com coriocarcinoma, por disseminação hematogênica, porém com boa resposta terapêutica e baixa mortalidade. A suspeição Descritores: Coriocarcinoma. Doença Trofoblástica Ges­ tacional. Metástase neoplásica. Abstract Choriocarcinoma is the most aggressive form of malignant trophoblastic neoplasia, which commonly progresses to metastatic disease, and the lungs are one of the most affected sites. About 73% of patients with choriocarcinoma have pulmonary metastases at diagnosis, but with high cure rate if diagnosed and treated early (1). It is a rare neoplasia that should be suggested as the differential diagnosis to be thought of women with gynecological and respiratory symptoms associated. A female patient, 23 years, history of 2 previous pregnancies and missed period for about three months, sought emergency medical care due to heavy abundant vaginal bleeding. Transvaginal ultrasound showed a large amount of intrauterine amorphous material, and the pathology was compatible with remnants deciduous. Showed a progressive increase of the human chorionic gonadotropin hormone (hCG). Evolved with clinical dyspnea, chest pain upon breathing, dry cough and fever, without improvement with empiric antibiotic therapy for treatment of pneumonia. Underwent bronchoscopy with biopsy and new curettage, which showed lung metastasis by trophoblastic neoplasia, suggestive of choriocarcinoma. The patient developed respiratory failure requiring mechanical ventilation. Started chemotherapy with methotrexate still in the Intensive Care Unit, but with adverse outcome and death. Lung metastasis occurs in most patients with choriocarcinoma, by hematogenous spread, but with a good outcome 1. Pneumologista, preceptora do programa de Residência de Clínica Médica, responsável pelo Serviço de Medicina Hospitalar do Hospital Santa Isabel – Blumenau - SC. Brasil. 2. Residente de Clínica Médica do Hospital Santa Isabel – Blumenau – SC. Brasil. Arq Catarin Med. 2014 jul-set; 43(3): 54-57 54 Metástase pulmonar por coriocarcinoma: relato de caso and low mortality. The suspicion is important in order to facilitate early treatment, always being unnecessary to wait for the definitive histological diagnosis to start treatment in cases highly suggestive. diferenciar entre coriocarcinoma e tumor trofoblástico de sítio placentário. Investigação de metástase cerebral por TC de crânio foi negativa. Paciente foi transferida para serviço referência em oncologia, iniciado tratamento quimioterápico com metotrexato associado a ácido folínico, sem resposta terapêutica, evoluindo com piora do padrão respiratório e óbito em poucos dias. Keywords: Choriocarcinoma. Gestational Trophoblastic Disease. Neoplastic metastasis. Introdução Discussão A doença trofoblástica gestacional (DTG) engloba uma série de distúrbios relacionados a gestação, consistindo nas doenças pré-malignas como a mola hidatiforme completa e parcial, e doenças malignas como a mola invasiva, o coriocarcinoma e o tumor trofoblástico de sítio placentário(1). A NTG é diagnosticada quando os níveis do hormônio gonadotrofina coriônica humana (hCG ) não retornam ao normal após a gestação(2). O coriocarcinoma é uma rara neoplasia epitelial maligna de células trofoblásticas, que pode ocorrer em associação com qualquer evento gestacional, sendo que cerca de 50% dos casos ocorrem após gestação molar, 25% após abortamento ou gestação ectópica, e 25% após uma gestação normal(3,4). Tem uma taxa de incidência descrita em 1 caso para cada 50.000 nascimentos(5,6). A forma clínicopatológica mais agressiva da DTG é o coriocarcinoma, que é caracterizado por hiperplasia e anaplasia trofoblástica anormal, ausência de vilosidades coriônicas, hemorragia e necrose(9). O coriocarcinoma caracteriza-se por rápida proliferação e células tumorais com alta vascularização(10). Causa invasão direta do miométrio e invasão vascular precoce, resultando em disseminação metastática a longa distância, mais comumente para pulmões, cérebro, fígado, pelve, vagina, rins, intestino e baço(9). A ocorrência de sangramento no sítio da metástase pode levar a presença de sinais e sintomas como hemoptise e défcit neurológico agudo(3). A maioria dos pacientes com metástase pulmonar apresenta múltiplos nódulos pulmonares, mas também é descrito lesão pulmonar única(12). Sintomas como dispnéia, dor torácica pleurítica, hemoptise e tosse podem estar presentes quando há metástase pulmonar, sendo que os dois últimos podem resultar do acometimento brônquico ou do parênquima pulmonar(1,12). Derrame pleural pode estar presente quando há metástase pleural(12). O tumor trofoblástico de sítio placentário caracteriza-se por um crescimento mais lento, com metastatização mais tardia, principalmente para linfonodos, e produz menos hCG do que o coriocarcinoma. Mas assim como o coriocarcinoma, a maioria das pacientes apresentam sangramento vaginal irregular. Considera-se a possibilidade de tumor trofoblástico de sítio placentário quando há baixas concentrações de hCG para o tamanho da lesão presente no exame de imagem e altos valores de ß-hCG livre, porém somente a análise histológica pode comprovar o diagnóstico(1). Relato do caso Paciente do gênero feminino, 23 anos, previamente hígida, com história gestacional pregressa de 2 gestações, sendo um parto normal há 5 anos e um aborto há 3 anos. Procurou atendimento médico por quadro de sangramento vaginal abundante. Relatava atraso menstrual de aproximadamente 3 meses. A ultrassonografia transvaginal mostrou grande quantidade de material amorfo intra-útero. Foi submetida a curetagem uterina com envio de material para anatomopatológico e dosado níveis de hormônio ß-HCG, com valores entre 624,8 e 795,9. Após uma semana evoluiu com febre baixa e sintomas respiratórios como dispneia, tosse seca e dor ventilatório-dependente. Foi iniciado antibioticoterapia para tratamento de pneumonia comunitária, porém não houve melhora clínica. A radiografia de tórax mostrou infiltrado intersticial difuso bilateral (Figura 1) e a Tomografia Computadorizada (TC) de tórax evidenciou lesão intersticial caracterizada por múltiplos nódulos difusos, com escavações centrais (Figura 2). A pesquisa de bacilo álcool-ácido resistente (BAAR) no escarro foi negativa. Realizado fibrobroncoscopia com coleta de material para anatomopatológico. A análise histopatológica da amostra uterina foi compatível com doença trofoblástica gestacional, não podendo afastar a possibilidade de coriocarcinoma. O resultado da biópsia pulmonar foi sugestivo de metástase pulmonar de neoplasia trofoblástica gestacional, não sendo possível A irregularidade menstrual não é universal, e no momento do diagnóstico mais de 73% das pacientes com coriocarcinoma já possuem metástase pulmonar. Em alguns casos de coriocarcinoma não há conhecimento de lesão uterina, e a doença pode se manifestar através dos sintomas respiratórios, como tosse, dispnéia e escarro hemoptoico(4). No caso apresentado acima, a paciente apresentava sintomatologia ginecológica associada a sintomas respiratórios com múltiplos nódulos pulmonares cavitados na TC de tórax, reforçando a hipótese diagnóstica de uma única patologia como sendo a causa de todo o quadro clínico, posteriormente suge55 Arq Catarin Med. 2014 jul-set; 43(3): 54-57 Metástase pulmonar por coriocarcinoma: relato de caso rido como coriocarcinoma pela análise histopatológica. A análise mostrou células poligonais com moderado pleomorfismo nuclear, não foi observado vilosidades coriônicas e células sinciciais. Na biópsia transbrônquica identificou-se a presença de êmbolos neoplásicos (Figura 3 e 4). O diagnóstico definitivo por histologia não é sempre exigido previamente ao tratamento, visto o risco de hemorragia pulmonar ou hemotórax após biópsia da lesão pulmonar, já que o coriocarcinoma é um tumor muito vascularizado(12). É importante ressaltar que, apesar de ser uma patologia rara, o coriocarcinoma deve ser considerado na presença de sintomas respiratórios associado a lesão pulmonar no exame de imagem, em mulheres com algum evento gestacional prévio, e a terapêutica adequada deve ser prontamente iniciada a fim de aumentar a sobrevida, reduzir o risco de metastatização e aumentar a taxa de cura. O diagnóstico por imagem desempenha um papel importante na detecção de metástases e no estadiamento. A tomografia por emissão de pósitrons (PET) é um bom exame para detecção de metástases do coriocarcinoma, com sensibilidade em torno de 87%. O tumor primário do coriocarcinoma é visto nos exames de imagem como uma massa uterina heterogênea, o qual representa áreas de necrose e hemorragia(5). Diagnósticos diferenciais a serem pensados são tromboembolismo pulmonar, tuberculose com padrão miliar, neoplasias da artéria pulmonar, como sarcoma ou leiomiossarcoma(12). 1. Seckl MJ, Sebire NJ, Berkowitz RS. Gestational trophoblastic disease.The Lancet, August 2010; Vol 376. Referências 2. Tse KY, Ngan HYS. Gestational trophoblastic disease. Best Practice & Research Clinical Obstetrics and Gynaecology 2012; 26: 357–370. 3. Lazovic B, Milenkovic V. Gestational choriocarcinoma with hemorrhagic pleural effusion. Arch Oncol 2010;18(3):86-7. 4. Ibi T, Hirai K, Bessho R, et al. Choriocarcinoma of the lung: reporto f a case. Gen Thorac Cardiovasc Surg 2012; 60:377-380. As neoplasias trofoblásticas gestacionais são alguns dos tumores sólidos com alta taxa de cura, acima de 90%, mesmo na presença de doença metastática difusa, desde que a quimioterapia foi introduzida no manejo desses tumores há 50 anos(10). O tratamento depende de uma série de fatores, mas a quimioterapia combinada é geralmente um modo terapêutico aceito. A principal modalidade de tratamento no tumor trofoblástico de sítio placentário é a histerectomia, pois é menos sensível a quimioterapia comparado ao coriocarcinoma(2). Pelo menos 85% das metástases são associadas ao coriocarcinoma, sendo que há estudos que relatam presença de metástase pulmonar em todos os casos de coriocarcinoma(11). Mesmo na presença de metástase pulmonar o prognóstico é bom e a mortalidade gira em torno de 8%. Em casos de NTG com múltiplas metástases a mortalidade gira em torno de 21%, mas o prognóstico depende do sítio da metástase, causando pior prognóstico na presença de metástase cerebral pelo risco de hemorragia cerebral(11). 5. Maruoka Y, Abe K, Baba S, et al. A case of pulmonary choriocarcinoma metastasis with unusual FDG-PET and CT findings: correlation with pathology. Ann Nucl Med 2012; 26:835-839. 6. Nozue A, Ichikawa Y, Minami R, et al. Postpartum choriocarcinoma complicated by brain and lung metastases treated successfully with EMA/CO regimen. Br J Obstet Gynaecol 2000; 107:1171-1172. 7. Rodriguéz MEC, Lahera JF, Labajo HG, et al. Coriocarcinoma de pulmón. Arch Bronconeumol. 2009; 45(3):153-155. 8. Suzuki T, Kitami A, Hori G, et al. Metastatic lung choriocarcinoma resected nine years after hydatiform mole. Scand Crdiovasc J 1999;180-182. 9. Lurain JR. Gestational trophoblastic disease I: epidemiology, phatology, clinical presentation and diagnosis of gestational trophoblastic disease, and management of hydatidiform mole. American Journal of Obstetrics & Gynecology 2010; December: p. 531-39. Assim como a maioria dos casos de coriocarcinoma descritos na literatura, a paciente já apresentava metástase pulmonar no momento do diagnóstico, com comprometimento importante do parênquima pulmonar. De acordo com a evolução clínica, epidemiologia, exames de imagem, múltiplas lesões pulmonares metastáticas e anatomopatológico sugestivo, foi instituído o diagnóstico de coriocarcinoma pulmonar metastático, sendo o tumor trofoblástico de sítio placentário pouco provável. Arq Catarin Med. 2014 jul-set; 43(3): 54-57 10.Tatokoro M, Kawakami S, Sakura M, et al. Successful management of life-threatening choriocarcinoma syndrome with rupture of pulmonary metastatic foci causing hemorrhagic shock. International Journal of Urology 2008; 15:263-264. 56 Metástase pulmonar por coriocarcinoma: relato de caso Figura 3 – Curetagem uterina 11.Lazovic B, Milenkovic V, Dordevic S. Treatment of gestational trophoblastic disease – A 10-year experience. Med Pregl 2012; LXV (5-6): 244-246. 12.Gando S, Villarejo F, Maskin B, et al. A 37-year-old woman with multiple pulmonary nodular opacities and hemoptysis. Chest 2006; 130:1241-1243. Anexos Figura 1 – Radiografia de Tórax: Agrupamento coeso de células do citotrofoblasto com intensas atipias. HE — 200X Figura 4 – Biópsia transbrônquica Presença de infiltrado intersticial difuso bilateral. Figura 2 – Tomografia Computadorizada de Tórax: Agrupamento de células do citotrofoblasto atípicas. HE — 200X Lesões intersticiais difusas com múltiplos nódulos com escavação central. Ausência de linfonodomegalias. Endereço para correspondência: Marianne Ramos de Lima e Silva Endereço: Rua Lauro Muller, n.º 20, apto. 142. Blumenau- SC. CEP 89010-380 57 Arq Catarin Med. 2014 jul-set; 43(3): 54-57