Proletariado e classe operária: uma abordagem sob a

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Proletariado
e
classe
operária: uma abordagem sob a
perspectiva do valor
Pablo Biondi
O tema das classes sociais, ao ser bem estudado, revela-se
extremamente árido, merecendo considerações muito cautelosas.
Ao mesmo tempo, o marxismo se vê instado a apresentar
respostas teóricas cada vez mais precisas sobre esse assunto,
sobretudo em tempos de influência ideológica pós-moderna.
Queremos aqui travar um debate sobre a definição e a
compreensão das classes subalternas contemporâneas, e o
faremos numa perspectiva centralmente econômica, apegada à
teoria marxista do valor. Não desconhecemos que uma
caracterização completa das classes sociais exige
considerações de cunho mais político. Todavia, entendemos que
o aspecto econômico-estrutural é o mais importante, e que toda
e qualquer análise política sobre as classes deve partir dele.
Pretendemos demonstrar que o marxismo oferece possibilidades
muito interessantes acerca da moderna compleição das classes
sociais, a despeito das elaborações pós-modernas e das
iniciativas revisionistas dentro da teoria marxista. Seguindo
de perto o pensamento de Marx, perceberemos a sua atualidade e
a sua força explicativa.
Passemos, pois, à discussão, mas não sem antes tocar um
problema conceitual prévio.
Antes de tudo: o conceito de trabalho produtivo
Para início de conversa, é preciso esclarecer em que consiste
o conceito marxista de trabalho produtivo, pois ele será
decisivo para nossas conclusões. Diríamos que Marx usa o termo
em duas acepções distintas, embora próximas. Convém anunciar e
explicitar desde logo esta distinção para evitar confusões,
reservando, no entanto, seus desdobramentos para o estudo
propriamente dito da localização dos trabalhadores.
O sentido “forte” – mais conhecido e admitido – de trabalho
produtivo é o de trabalho que produz mais-valia. Este é o
trabalho produtivo na sua acepção principal, pois corresponde
à peculiaridade da produção capitalista. Marx (1978, p. 70)
coloca que, “como o fim imediato e [o] produto por excelência
da produção capitalista é a mais-valia, temos que só é
produtivo aquele trabalho […] que emprega a força de trabalho
– que diretamente produza mais-valia”. É próprio da produção
capitalista gerar e extrair valor excedente no processo
produtivo, e este é o eixo do modo de produção burguês.
Para ser produtivo nesta conotação, ou seja, para ser gerador
de mais-valia, o trabalho não precisa ser material.
Frequentemente, o trabalho produtivo é material, e o caso
clássico é o das fábricas. Mas mesmo os serviços, que
correspondem a uma produção imaterial (consistem num efeito
útil e não se objetivam num produto separado da atividade
laboral), podem gerar mais-valia. Marx explica com um exemplo:
uma cantora contratada por um empreendedor para fazer uma
apresentação num espetáculo pode ser uma trabalhadora
produtiva se o espetáculo for cobrado. Num caso como este, a
lógica de valorização do capital funciona normalmente: o
capitalista contratante investe em capital constante (as
condições técnicas para o evento musical) e em capital
variável (o pagamento da cantora, que vende sua força de
trabalho). Com a venda dos ingressos, o empreendedor recolhe
mais dinheiro do que investiu para contratar a trabalhadora e
para sediar o evento. Esta diferença que ele embolsa nada mais
é do que um valor excedente, uma mais-valia.
Este exemplo é importante porque demonstra que a mais-valia
não necessariamente depende de produtos físicos. Aliás, Marx
dizia que podemos revirar à vontade uma mercadoria, mas não
encontraremos nela um único átomo de valor. O valor não é
físico, sua materialidade é dada nas relações sociais do
mercado e na produção para o mercado, não na coisa em si.
Tanto é assim que o trabalho criador de valor é chamado de
trabalho abstrato: são abstraídas as condições concretas do
processo do trabalho que resulta na mercadoria para levar em
conta apenas a quantidade de trabalho indiferenciado,
genérico, e socialmente necessário para a sua produção. Isto
significa que, para o valor, pouco importa se as pessoas
produzem calçados, alimentos, serviços de advocacia ou
apresentações musicais. Se este trabalho se dirige ao mercado,
ele será abstraído como mera quantidade de trabalho
indiferenciado, como mera soma de valor. E se houver um
excedente apropriado por outrem (como no caso do empreendedor
em relação à cantora), haverá aí a coleta de mais-valia.
Mas há um segundo significado, em Marx, de trabalho produtivo.
Para a nossa infelicidade, ele usou um mesmo termo para
designar situações que não são exatamente iguais, embora
guardem uma similitude importante. Cabe a nós, marxistas,
destrinchar os conceitos e enfrentar o desafio.
Ao tratar dos trabalhadores do comércio no livro III d’O
capital, Marx diz que eles são produtivos para os seus
empregadores, pois são explorados por eles e os enriquecem.
Sem o comerciário, o capital do ramo do comércio não poderia
prosperar, sendo que este capital que atua somente na
circulação valoriza-se ao nutrir-se dos custos da troca
mercantil:
Para o capital industrial, os custos de circulação se revelam
e são custos necessários, mas não produtivos. Para o
comerciante revelam-se fonte de lucro, que – suposta a taxa
geral de lucro – está na proporção da magnitude deles. O
desembolso a fazer nesses custos de circulação é, portanto,
investimento produtivo para o capital mercantil. Pela mesma
razão, o trabalho comercial que compra é para ele diretamente
produtivo (C. III, V, p. 401).
Ora, esta é uma segunda definição, um novo conceito. Primeiro,
trabalho produtivo foi descrito como aquele que cria novo
valor, mais-valia. A dificuldade agora está no fato de que o
comércio não gera mais-valia. O comerciário, na primeira
acepção, não é produtivo. Sua atividade não adiciona nenhum
valor ao processo de produção de uma mercadoria, e neste
aspecto ela é improdutiva. Todavia, o trabalhador do comércio
permite com que uma parte do valor das mercadorias produzidas
seja embolsada pelo seu empregador, aumentando a sua riqueza –
sendo que Marx o chamou, no tocante a isto, de produtivo, ou
melhor, produtivo para o capital que o utiliza. Tal empregado
é indispensável para a atividade de seu patrão, pois nenhuma
empresa comercial pode funcionar sem empregados.
No “capítulo inédito” d’O capital, Marx (1978, p. 79) coloca
que “a diferença entre o trabalho produtivo e o trabalho
improdutivo consiste tão-somente no fato de o trabalho trocarse por dinheiro como dinheiro ou por dinheiro como capital”.
No caso da firma comercial, o trabalhador é contratado para
enriquecer o patrão: seu salário corresponde a uma troca de
trabalho por dinheiro como capital. O comerciário serve ao seu
empregador não como um criado particular, mas como um
instrumento para arrecadar lucro. O quadro de empregados da
empresa de comércio consiste num capital variável, sem o qual
ela não consegue alimentar sua acumulação. Por outro lado,
afirma-se como produtivo, no mesmo texto, o trabalho que
produz diretamente mais-valia, o trabalho que é “consumido
diretamente no processo de produção com vistas à valorização
do capital”.
Insistamos, pois, neste ponto: o trabalho produtivo aparece em
Marx de duas maneiras: em primeiro lugar, como a atividade
pela qual o trabalhador produz um valor superior ao valor de
sua própria força de trabalho (mais-valia) no processo social
de produção de uma mercadoria qualquer, seja ela tangível ou
intangível. E em segundo lugar, o mesmo termo é utilizado para
reportar outro caso, o do trabalhador que, sem gerar nenhum
tipo de valor no processo de produção (ele não participa deste
processo, na verdade), apenas realiza a venda da mercadoria
produzida, o que implica a valorização do capital do
empregador – e não do capital em seu conjunto social.
Chamarei de trabalho produtivo “em sentido fraco”, na falta de
terminologia melhor, o trabalho do comerciário. E digo “fraco”
porque este trabalhador, ao mesmo tempo em que é “produtivo”
para o seu patrão (faz crescer sua riqueza – segundo
significado), é improdutivo do ponto de vista do processo
capitalista de produção (primeiro significado), o qual
transcende os empregadores individuais e remete ao capital
social total. Veremos mais à frente que esta perspectiva traz
implicações da maior relevância.
Feita esta diferenciação entre “trabalho produtivo em sentido
forte” (cria mais-valia) e “trabalho produtivo em sentido
fraco” (corta custos ou enriquece alguém sem criar maisvalia), podemos avançar para o debate sobre o proletariado, a
classe operária e os trabalhadores do Estado, sabendo de
antemão que há diferentes formas pelas quais os trabalhadores
se relacionam com a mais-valia e com o capital.
O proletariado
Existe, no marxismo, a tradição de definir como proletário
aquele que vive do salário, ou ainda, da alienação de sua
força de trabalho. Este conceituação não está errada, mas é
insuficiente, pois o proletariado só pode ser compreendido a
fundo na sua relação com seu antípoda, a burguesia. Ou seja:
para ser proletário, o indivíduo deve ser explorado pelo
capital, não basta que sua renda se dê na forma de salário.
Com isto, já adianto nossa visão de que alguns funcionários do
Estado, mesmo sendo assalariados, não poderiam ser enquadrados
nesta classe.
Do ponto de vista da produção de mais-valia, o proletário pode
ser produtivo ou improdutivo, embora seja sempre explorado, de
alguma forma, pelo capital – do mesmo modo que o capital, para
ser digno deste nome, precisa explorar valor excedente alheio,
ainda que indiretamente (como na finança e no comércio).
A exploração pelo capital pode ser direta ou indireta. Será
direta se algum capital, individualmente, elevar-se à custa do
trabalho de seus empregados, seja extraindo mais-valia, seja
se beneficiando com o corte de despesas ou com qualquer tipo
de atividade que o alimente. Será indireta, no entanto, se
isto ocorrer apenas com relação à totalidade dos capitalistas,
e não perante um capital individual. Neste ponto, entra em
cena o conceito de capital social total (ou capital global),
cuja explicação está em Marx, e a reproduzimos para que não
haja dúvidas, pois se trata de um conceito d’O capital que
aparece apenas nos livros II e III:
“Mas cada capital separadamente não é mais do que fração
autônoma, dotada por assim dizer de vida individual, mas
componente do conjunto do capital social, do mesmo modo que
cada capitalista isolado é apenas elemento individual da
classe capitalista. O movimento do capital social consiste na
totalidade dos movimentos de suas frações dotadas de
autonomia, na totalidade das rotações dos capitais
individuais” (C. II, III, p. 399).
“Os capitalistas dos diferentes ramos, ao venderem as
mercadorias, recobram os valores de capital consumidos para
produzi-las, mas a mais-valia (ou lucro) que colhem não é a
gerada no próprio ramo com a respectiva produção de
mercadorias, e sim a que cabe a cada parte alíquota do
capital global, numa repartição uniforme da mais-valia (ou
lucro) global produzida, em dado espaço de tempo, pelo
capital global da sociedade em todos os ramos. (…) Aqui, do
ponto de vista do lucro, os capitalistas são vistos como
simples acionistas de uma sociedade anônima em que os
dividendos se repartem segundo percentagem uniforme, só se
distinguindo os dividendos correspondentes a cada capitalista
pela magnitude do capital que cada um colocou no
empreendimento comum, pela participação percentual que tem na
empresa, pelo número de ações que possui” (C. III, IV, p.
211-212).
Assim sendo, pensamos que um estudo sobre o proletariado, ao
propor classificações, deve se ater aos critérios objetivos
das relações dos trabalhadores com o processo criador de maisvalia, tanto em face de cada capital isolado quanto em face do
capital em seu conjunto. Esta distinção, esperamos, provará a
sua importância cabal nas questões mais polêmicas. Por ora,
não nos esqueçamos que a sociedade capitalista é uma sociedade
voltada para a produção de valor excedente, e não para a
produção de utilidades concretas. Pensar o proletariado na sua
localização social e nas suas frações demanda, assim, que
tomemos em conta as diferentes maneiras pelas quais o trabalho
é incorporado na produção e na circulação do valor. Este é um
primeiro momento da análise, e que reputamos determinante.
Passemos, pois, à nossa proposta de classificação:
Proletariado da produção: seu trabalho é sempre produtivo,
tanto para o capitalista imediato quanto para o capital social
total, gerando mais-valia nos setores que atua e no interior
de uma divisão técnica do trabalho (“trabalhador coletivo”). A
mais-valia que ele cria é a substância de toda a riqueza que
opera na sociedade capitalista, inclusive dos salários dos
trabalhadores improdutivos. Compreende-se aqui uma noção
ampliada de indústria: não só a produção material diretamente,
como nas fábricas, usinas, canteiros de obras etc., mas também
a produção imaterial (indústria dos serviços) e os processos
econômicos que são uma extensão da produção, como embalagem,
transporte, logística etc. Corresponde à classe operária, cujo
núcleo duro (“os grandes batalhões”) encontra-se nas
concentrações fabris – trataremos deste setor como uma fração
(ou “subfração”) à parte no próximo item. Importante destacar
aqui que se trata de um proletariado da produção pelo fato de
produzir mais-valia, e não de produzir bens materiais.
Proletariado da circulação: seu trabalho é improdutivo para o
capital social total, na medida em que não produz mais-valia,
apenas faz os valores circularem (agem na “metamorfose das
mercadorias”), e produtivo (em sentido fraco) para o
capitalista imediato, pois permite que este embolse uma parte
da mais-valia gerada na produção – sendo esta a fonte primária
do lucro comercial. Compreende as atividades que se separam do
processo produtivo e que representam custos de circulação para
o capital produtivo, como o comércio e os serviços financeiros
(a publicidade figurava no mesmo ramo até se destacar como uma
indústria de serviços). Corresponde ao que seria uma
“periferia” dos trabalhadores produtivos em sentido forte, da
mesma forma que a circulação é uma “periferia” da produção.
Sua exploração se dá pela diferença entre o seu salário (que
corresponde ao valor de sua força de trabalho) e os ganhos que
permite que a empresa receba. Ressalte-se que os trabalhadores
do setor financeiro, a despeito de comporem, formalmente, o
setor de serviços, integram o proletariado da circulação, pois
são parte não de um capital produtivo, mas sim de um capital
que vive da circulação (o capital portador de juros).
Subproletariado: seu trabalho é improdutivo para o seu
empregador imediato (que pode ser um proletário, inclusive),
na medida em que constitui um custo remunerado com renda, ou
seja, seu pagamento não corresponde a dispêndio de capital
variável (sua força de trabalho é consumida improdutivamente).
Simultaneamente, é produtivo para o capital social total, pois
reduz os custos de reprodução da força de trabalho para a
classe capitalista como um todo, potencializando a mais-valia
social. Corresponde ao trabalhador doméstico (ou melhor, às
trabalhadoras domésticas), e que é explorado não pelo
empregador imediato, e sim pela totalidade do capital, que
adquire vantagem ao se desonerar dos serviços domésticos de
reprodução da mercadoria força de trabalho. O capital
“subcontrata” tacitamente (daí propormos o termo
subproletariado com esta acepção) o trabalho doméstico, seja
de modo gratuito, no caso das “donas de casa”, seja a custo
precário, no caso das empregadas domésticas (diaristas ou
mensalistas). No caso brasileiro, esse tipo de trabalho
encontra-se hipertrofiado, ainda que em declínio recente,
sendo que esta hipertrofia remonta à inserção tardia do
proletariado negro (em relação aos imigrantes europeus) nos
principais ramos da indústria e à constituição, desde os
primórdios do capitalismo nacional, de um exército industrial
de reserva esmagadoramente composto por afrodescendentes.
A classe operária
O tema da classe operária merece uma seção à parte. Por classe
operária, entendemos uma fração do proletariado da produção
(ou, paralelamente, uma subfração do proletariado em geral)
que se caracteriza pela submissão aos processos de trabalho
típicos das fábricas, ou seja, centrados no maquinário.
Sob o prisma do valor, ou ainda, do trabalho produtivo, ela
não se diferencia, em princípio, das demais categorias do
proletariado da produção. Tal como elas, o operariado é
criador de mais-valia e, portanto, produtivo em sentido forte
– para o capital que o explora e para o conjunto do capital.
Resta buscar sua peculiaridade, portanto, no processo de
trabalho. Para Marx, o trabalhador da fábrica é aquele que
está sujeito de modo mais intenso ao poder do capital no
processo de produção. Afirma que, enquanto na época da
manufatura, pré-fabril, o operário se servia das máquinas, com
as fábricas isto muda: é o maquinário do complexo fabril que
se serve do operário, que o transforma em apêndice da máquina.
Este é o ápice daquilo que Marx denominou subsunção real do
trabalho ao capital: o trabalhador, nestas condições, sofre a
máxima opressão pelo capital no processo produtivo, e é também
por isto que o capitalista dele retira mais-valia relativa de
modo qualificado. Por conta da maquinaria e dos avanços
técnicos, o operariado é aquele que fornece a maior quantidade
de mais-valia em relação ao valor de sua própria força de
trabalho. O tempo que ele gasta produzindo o equivalente à
própria força de trabalho é ínfimo – hoje em dia quase
infinitesimal –, ensejando um nível brutal de exploração.
Objetivamente, isto é, pela óptica da taxa de mais-valia, o
operário da fábrica é muito mais explorado do que muitos
proletários mal remunerados e em regime contratual precário
(como é o caso dos serventes terceirizados, por exemplo).
Note-se que, mesmo dentro da classe operária, há variações em
termos de intensidade da subsunção real do trabalho ao
capital. Os operários da construção civil estão menos
subsumidos que os petroleiros, os quais, por sua vez, estão
atrás dos metalúrgicos nesta gradação. O nível de dependência
do processo de trabalho em face do maquinário corresponde ao
nível de subsunção do trabalho ao capital, e o significado
desta constatação é muito mais social do que técnico, pois
indica o grau de investimento capitalista sobre os setores da
economia e
relativa.
as
possibilidades
de
captura
de
mais-valia
Nesta ordem de considerações, consideramos que a aposta
estratégica do marxismo clássico na classe operária continua
pertinente. Não por uma questão numérica (importa pouco, para
a análise, se este setor é mais ou menos numeroso que as
demais frações), mas pelo fato de que é nas fábricas que se
gera a maior parte da mais-valia que opera na sociedade (e que
alimenta a acumulação comercial e financeira). Também se
coleta valor excedente nas outras frações do proletariado da
produção, mas é nos complexos fabris que o montante gerado é
maior, e isto graças às técnicas avançadas de extorsão de
mais-valia relativa, e que repousam fundamentalmente no
maquinário. Aliás, foi a subsunção real da classe operária ao
capital que, ao elevar a produtividade, diminuiu a proporção
numérica deste setor no interior do proletariado, deslocando
um contingente populacional para outros ramos da economia.
Cumpre
perceber,
pois,
que
é
o
maquinário
fabril
que
potencializa economicamente o trabalho do operário, e não o
seu caráter coletivo e concentrado. O trabalho coletivo em
unidades concentradas não se resume à classe operária:
encontramo-lo hoje até mesmo no comércio e nos serviços. A
fábrica, com o seu sistema de máquinas, é muito mais eficiente
na coleta de mais-valor do que as demais unidades produtivas.
E mais: foi apenas com a formação da classe operária a partir
da moderna indústria capitalista que o capitalismo, enquanto
modo de produção, alcançou o seu máximo desenvolvimento. Na
medida em que introdução da maquinaria em certos ramos da
indústria fomenta a instalação de maquinário nos ramos
associados (MARX, 1978, p. 67), percebe-se que a produção
fabril inspira e dirige toda a organização social do trabalho,
disseminando as suas determinações mais gerais. Nos dias de
hoje, vemos como este processo amadureceu, atingindo até mesmo
o campo, onde a subsunção real do trabalho ao capital
transforma grandes contingentes de assalariados rurais em
autênticos operários agrícolas, em trabalhadores submetidos à
disciplina da máquina. E vemos ainda esse regime de controle
de produtividade ser estendido mesmo para os setores onde não
há produção de valor.
Em suma, se a fonte mais abundante de mais-valia e se o
arquétipo da organização do trabalho no capitalismo vêm das
fábricas (ou das unidades produtivas que a elas se
assemelham), é indispensável que os(as) revolucionários(as)
marxistas busquem se inserir nelas, visando dirigir
politicamente a fração do proletariado localizada mais
estrategicamente na produção capitalista.
Evidentemente, também deve ser levado em conta o papel que o
operariado tem a desempenhar na transição socialista. Afinal,
se a mais alta produtividade interessa ao capital para sugar
uma maior quantidade de mais-valia, ela também interessa ao
socialismo como meio de garantir o melhor abastecimento
possível da coletividade em termos de valores de uso
produzidos. A sobrevivência de uma sociedade socialista
depende, além da expansão internacional do processo
revolucionário, do controle dos principais meios de produção,
daqueles que se mostrarem mais capazes de satisfazer as
necessidades sociais. Roman Rosdolsky, não por acaso, citava a
maquinaria moderna como condição necessária para a construção
de uma sociedade sem classes:
Graças ao desenvolvimento da técnica moderna, estão finalmente
dadas – pela primeira vez – as condições para suprimir total e
definitivamente o “roubo do tempo de trabalho alheio”; agora –
pela primeira vez – podem ser impulsionadas tão poderosamente
as forças produtivas da sociedade que, de fato, e em um futuro
não muito longínquo, a medida da riqueza social não será mais
o tempo de trabalho, mas o tempo disponível. Até o presente,
todos os métodos para elevar a produtividade do trabalho
humano revelaram-se ao mesmo tempo, na prática capitalista,
métodos de degradar, subordinar e despersonalizar cada vez
mais o trabalhador. Hoje, o desenvolvimento técnico chegou a
um ponto no qual os trabalhadores poderão finalmente libertarse da “serpente dos seus tormentos”, da tortura sem fim do
trabalho cansativo, monótono e fragmentado, para se
converterem de meros apêndices a verdadeiros dirigentes do
processo de produção. Nunca estiveram tão maduras as condições
para uma transformação socialista da sociedade, nunca o
socialismo foi tão imprescindível e economicamente viável
(ROSDOLSKY, 2001, p. 356).
Conclusão
Pode-se resumir a proposta que apresento no quadro abaixo:
Proletariado da
produção
Produtivo em
sentido forte
Produtivo em
sentido fraco
Sim
Não
Proletariado da
circulação
Não
Sim
Subproletariado
Não
Sim
Para o
empregador
Para o capital
social total
Proletariado da
produção
Sim
Sim
Proletariado da
circulação
Sim
Não
Subproletariado
Não
Sim
Se nossa abordagem estiver correta, há de se reconhecer que i)
a principal clivagem no proletariado, em termos de fração, é
dada pela produção e pela circulação do valor na economia
capitalista; ii) no tocante à produção da mais-valia, a classe
operária ocupa posição de destaque, sendo o coração pulsante
da valorização capitalista global e, portanto, o ponto mais
sensível da exploração e da luta de classes a ela associada
(mesmo que o operariado não se coloque em movimento em todas
as conjunturas).
Referências bibliográficas
MARX, K. O capital: crítica da economia política: l. II, v.
III, 12.ª ed. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.
______. O capital: crítica da economia política: l. III, v.
IV. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.
______. O capital: crítica da economia política: l. III, v. V.
Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2008.
______. O capital: livro I, capítulo VI (inédito). Tradução de
Eduardo Sucupira Filho. São Paulo: Livraria Editora Ciências
Humanas, 1978.
ROSDOLSKY, R. Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx.
Tradução de César Benjamin. Rio de Janeiro: EDUERJ;
Contraponto, 2001.
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