Volume 19, N. 1, pp. 58 – 78, Jan/Jun 2015 REINSERÇÃO PSICOSSOCIAL POR MEIO DE ATENDIMENTO GRUPAL DE PACIENTES DEPRESSIVOS DO CAPS Gláucia Benedita de Moraes Gomes (UNIC – Universidade de Cuiabá, Sinop – MT) Paulo César Ribeiro Martins (PUCCAMP – Pontifícia Universidade Católica, Campinas – SP) Resumo O objetivo deste trabalho é descrever as contribuições do Grupo Terapêutico na reinserção psicossocial de pacientes com transtornos depressivos do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS de uma cidade do interior do Estado de MT.Contextualiza-se o serviço do CAPS baseando-se na história da reforma psiquiátrica que eclode na década de 1970, evidenciando concomitantemente com o crescente número de pacientes depressivos no mundo, bem como os benefícios do tratamento em grupo para a retomada da saúde mental. O estudo é exploratório e qualitativo, com cinco pacientes com Depressão Maior, afastados do convívio social e participantes com maior efetividade nas sessões de grupo. Os dados foram obtidos por meio de entrevistas e observações. Desta maneira, foi possível tecer algumas considerações sobre os resultados alcançados: o grupo provocou mudanças em seus participantes, que vão desde o interesse pelo conhecimento e aprendizagem à liberdade e autonomia para fazer escolhas facilitando a reinserção psicossocial. Palavras-chave: Depressão; Grupo terapêutico; Psicologia; Reforma psiquiátrica; Reinserção psicossocial. Abstract Rehabilitation Psychosocial of Depressive Patient from the CAPS Through Group Care This article aims to describe the contribution of a therapeutic group in the psychosocial rehabilitation of patients with depressive disorders at the Psychosocial Care Center - CAPS in a town in Mato Grosso. Therefore, it contextualizes the CAPS' service based on the history of psychiatric reform that came to light in the 1970s, highlighting at the same time with the growing number of depressive patients in the world, as well as the benefits of the therapy group for the recovery of mental health. The study was exploratory and qualitative, and shows the observations made in five patients with major depression, away from society, and participants with greater effectiveness at the group. The informations were collected through interviews and observations. Thus, it was possible to make some observations about the results: the group has caused changes in their participants, which extends from interest in knowledge and learning to the liberty and autonomy to make choices facilitating their psychosocial rehabilitation. Keywords: Depression; Therapeutic group; Psychology; Psychosocial rehabilitation; Psychiatric reform. 58 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 GLÁUCIA BENEDITA DE MORAES GOMES, PAULO CÉSAR RIBEIRO MARTINS grupo, assim é possível aos participantes Introdução resgatar a capacidade de aprender fazendo Este estudo enfatiza as contribuições que os atendimentos em grupo traz aos pacientes depressivos do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS de uma cidade do interior do Estado de MT. Segundo Pego (2003), os atendimentos em grupo se dirigem ao processo de uma leitura significativa de si e de sua aprendizagem no cotidiano. Como comenta Pego (2003), o grupo tem sua realidade constituída a partir da contribuição dos participantes, que trazem consigo suas experiências, a experiência e consegue retirar dela um saber mudando o comportamento. A Psicologia estuda a conduta humana, o sujeito que aprende e aquilo que está aprendendo. Contempla-se a aprendizagem na linha da reinserção psicossocial que enfoca as dificuldades e possibilidades apresentadas pelo paciente, mudando a forma de cuidá-lo. O problema principal não reside em remover o sintoma, acabar com a doença ou recuperar a pessoa, mas em criar várias possibilidades de vida em um novo modelo que deixe de ser o de custódia ou de tutela, buscando a participação e o desenvolvimento de projetos que ampliem os espaços de liberdade dos sujeitos (Melmam, 2001). O atendimento em grupo é um dos procedimentos oferecidos pelo CAPS para tratamento de transtornos mentais por meio da relação terapêutica que se estabelece entre os pacientes e o coordenador do necessidades, medos e curiosidades. O objetivo proposto é descrever a aprendizagem do ser humano e tem como objeto de estudo o sujeito que se volta para interesses, contribuição do Grupo Terapêutico à reinserção social dos pacientes com transtorno depressivo em tratamento no CAPS, no período de fevereiro à junho do ano de 2014. Conseguimos verificar as mudanças provocadas pelo atendimento nos pacientes, como também identificar os aspectos que motivam e desmotivam os pacientes a participarem do Grupo Terapêutico. Algumas apresentam na dificuldades realização grupal,dentre da elas: se terapia situação socioeconômica dos pacientes para se locomoverem até CAPS,participação a unidade do familiar,adesão dos pacientes às terapias oferecidas pela unidade por não acreditarem nas mesmas e falta de entendimento dos pacientes na relação da terapia proposta com a sua melhora. Neste estudo são abordados aspectos que permeiam os transtornos psiquiátricos, a saber: processo histórico da 59 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 REINSERÇÃO PSICOSSOCIAL POR MEIO DE ATENDIMENTO GRUPAL DE PACIENTES DEPRESSIVOS DO CAPS reforma psiquiátrica, depressão, tratamento mítica para a filosófica, passando o grupal, comportamento do “louco” também a ser reinserção psicossocial e, finalmente, apresentação e análise dos questionado. Com a dados dos pacientes depressivos. Toda essa pensamento abordagem serve de base para a construção necessária do conhecimento, aprendizagem e sugestão comprovação dos fatos, esta percepção no para o CAPS, compreendido em toda sua século XIX passa a ser científica. O novo equipe e usuários. objeto de conhecimento passou a ser a científico, mais chegada no reflexão qual e do era mais doença mental e o único meio de tratá-la Processo Histórico da Reforma seria com a prática médica psiquiátrica. O Psiquiátrica estudo do modelo psiquiátrico clássico, enquanto saber e prática são enfatizados na O olhar sobre a “loucura” obedece, obra de diversos autores. Entre esses, ao longo da história, o desenvolvimento do destaca-se Focault com a sua obra “A pensamento Inicialmente história da loucura” na Idade Clássica, imperava a ideia de que a loucura era algo representando um autêntico marco, uma divino, “castigo dos deuses”, época em que reviravolta reinava a consciência mítica, onde nada se psiquiatria quanto da loucura, marcando podia fazer além da acomodação que o assim o nascimento da Psiquiatria e das mito da loucura proporcionava. A loucura práticas ou a doença mental, como passou a ser intervenção sobre a loucura (Amarante, definida a partir do século XVIII, foi 1994). humano. nas médicas histórias tanto contemporâneas da de praticamente sempre combinada a uma As várias formas de abordar a dimensão negativa, estranha, estrangeira, loucura possuem sua importância e abrem ameaçadora e desestabilizante. Já nos dias espaço ao conhecimento às críticas e ao atuais deixou de ser considerada uma repensar sobre ela, construindo uma nova experiência trágica, ou algo que integra a forma mais humana que respondesse aos condição humana, para ser olhada somente anseios sociais e científicos da história como negatividade (Melmam, 2001). atual, momento em que se tem discutido a Quando os filósofos iniciaram o luta antimanicomial. Neste enfoque questionamento sobre a existência dos desinstitucionalizar não se restringe e nem deuses e sobre a própria existência se humana, deu-se a transição da consciência Desospitalizar confunde com significa desospitalizar. identificar 60 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 GLÁUCIA BENEDITA DE MORAES GOMES, PAULO CÉSAR RIBEIRO MARTINS transformação com organizações extinção de cursos de capacitação de operadores em hospitalares/manicomiais, saúde mental e psiquiatria social, leis de por outro lado desinstitucionalizar significa reforma compreender a instituição no sentido acontecer dinâmico e complexo das práticas e assistenciais saberes significativas que produzem determinadas psiquiátrica de e novas são as deste um prolífero experiências provas mais processo que formas de interpretar e relacionar-se com impressiona muitos segmentos importantes os da sociedade brasileira e de muitos outros fenômenos sociais e históricos (Amarante, 1994). países (Amarante, 1994). O Brasil também vivenciou o Um passo importante foi dado processo histórico do desenvolvimento do quando a Organização Mundial de Saúde pensamento sobre o sofrimento mental, (OMS) definiu o ano de 2001 como o ano demonstrando que a história da Psiquiatria Internacional da Saúde Mental, no qual no Brasil passa por um processo de houve a promulgação da lei da Reforma asilamento, ou seja, a história de um Psiquiátrica, Lei nº 10.216, oriunda do processo de medicalização social. O Projeto Paulo Delgado. Neste panorama de pensamento brasileiro sobre a loucura, mudanças nasceu o Centro de Atenção como era chamada a doença mental, se Psicossocial (CAPS) objetivando cuidar e desenvolveu a partir de influências de reinserir o doente mental na sociedade. Os outros países a ponto de ser alvo de serviços de saúde mental surgem em vários questionamentos foram municípios do país e se consolidam como fortalecidas por meio do projeto de lei eficazes para diminuir as internações e nº365/89 para a mudança do modelo assistencial. do e então ideias que deputado Paulo Delgado. São locais de referência e tratamento para Desde então as discussões acerca da pessoas com transtornos mentais, que de temática não cessaram, ao mesmo tempo acordo com a severidade e/ou persistência em que mudanças significativas eram justifiquem permanecer num dispositivo de implantadas cuidado objetivando dar maior intensivo, comunitário, cobertura e consistência à nova forma de personalizado e promotor de vida (Brasil, tratar a doença mental. Vivemos, no Brasil, 2004). um dos mais singulares processos e O primeiro CAPS criado no Brasil transformação da saúde mental e da foi em março de 1986, na cidade de São assistência fértil Paulo, conhecido como CAPS da Rua teorização, o aparecimento de vários Itapeva. Foi o resultado de um desconforto psiquiátrica. Uma 61 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 REINSERÇÃO PSICOSSOCIAL POR MEIO DE ATENDIMENTO GRUPAL DE PACIENTES DEPRESSIVOS DO CAPS e consequente movimento social dos individual, respeitando a individualidade trabalhadores mental que de cada um dentro e fora do CAPS. situação dos Podendo ser incluído em três modalidades hospitais psiquiátricos, que na época eram de tratamento: intensivo, semi-intensivo, os únicos lugares que tratavam as doenças não intensivo. denunciaram de a saúde caótica mentais. Atualmente a regulamentação dos O tratamento intensivo ocorre no CAPS dá-se pela portaria nº 336/GM de 19 momento da crise, quando o grau de de fevereiro de 2002, tendo como objetivo: sofrimento mental é intenso, apresentando dificuldades [...] oferecer cuidados, aos portadores de transtornos mentais, dentro de sua área de abrangência, buscando através de suas ações a reinserção social dos usuários. É um serviço criado para ser substitutivo às internações nos hospitais psiquiátricos, com espaço próprio adequado para atender os pacientes em crise ou egressos de modalidade convívio social. semi-intensiva A acontece quando o sofrimento do cliente diminui, facilitando o relacionamento familiar e social, podendo ser atendido até doze dias no mês. Na forma não intensiva não há necessidade de um suporte contínuo da equipe, sendo atendido até três dias no mês. internações psiquiátricas (Brasil, 2004, p.13). no Quando se pensa em atenção psicossocial a noção de territoriedade é importante, isto significa principalmente É um lugar onde se pode exercitar a buscar integrar os clientes a um ambiente subjetividade e a cidadania do portador de social, cultural e concreto, no espaço da sofrimento mental perdida, muitas vezes, cidade no seu contato com a doença. As quotidiana dos usuários e familiares, atividades realizadas se dão em ambiente designado como seu território (Brasil, acolhedor, amplo, aberto e inserido na 2004). O CAPS oferece diferentes tipos de comunidade. Podem ser atendidas no atividades terapêuticas indo além da ação CAPS pessoas que apresentam intenso médica, o que é chamado de clínica sofrimento mental, que lhes impossibilita ampliada. viver de modo saudável e realizar seus realizadas em grupos ou individuais, para projetos de vida (Brasil, 2004). O cuidado usuários e famílias, são elas: atendimento dispensado a cada usuário do CAPS é individual, grupos terapêuticos, oficinas baseado terapêuticas, psicoterapia de grupo, grupo em um plano terapêutico onde se desenvolve Algumas a atividades vida são 62 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 GLÁUCIA BENEDITA DE MORAES GOMES, PAULO CÉSAR RIBEIRO MARTINS Psicopedagógico, visitas domiciliares e organizou mecanismos próprios e locais atividades comunitárias em parceria com para associações de bairros. Os diferentes tipos população.Implantou-se o CAPS I, onde de CAPS são: suas ações terapêuticas buscam assistir os melhor atender a pacientes de maneira que os objetivos CAPS para atendimento diário de adultos, em sua população de abrangência,com transtornos mentais severos e persistentes. CAPS III: são CAPS para atendimento diário e noturno de adultos, durante sete dias da propostos sejam alcançados. motor da severos e persistentes. CAPSi: CAPS para a infância e adolescência,para atendimento diário a crianças e adolescentes com transtornos mentais. CAPS A.D.: [...] para usuários de álcool e drogas, para atendimento diário à população com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas, como álcool e outras drogas (Brasil, 2004, p.22). tem sido a municipalização, a partir dela as cidades começaram a se ver implicadas e responsáveis pela política assistencial a ser conduzida em seu território (Brasil, 2004). semana, atendendo a população de referência com transtornos mentais reforma O grande O CAPS I de Sinop teve suas atividades iniciadas em janeiro de 2003 e, há dez anos, funciona oito horas diárias. Atualmente têm em sua equipe seis profissionais de nível superior: uma assistente social, uma enfermeira, um médico, duas psicólogas e uma terapeuta ocupacional; seis funcionários de nível médio, sendo: administrativos, enfermagem, três dois uma auxiliares técnicos de recepcionista, duas auxiliares de nutrição e uma zeladora de nível fundamental. A clientela atendida O Estado de vivenciou todas as mudanças inerentes Mato Grosso dificuldades inclui pacientes com sofrimento mental, e sendo que o tratamento proposto pela da equipe busca a reinserção e a autonomia Reforma Psiquiátrica e implantação dos dos pacientes. No caso específico do setor CAPS, sendo que atualmente, Mato Grosso de Psicologia os procedimentos utilizados possui trinta e três CAPS de acordo com são: Psicoterapia individual, psicoterapia dados do Ministério da Saúde (Brasil, de 2010). O município de Sinop, a 500 km da psicopedagógico. Capital de Mato Grosso, diante da nova possibilitam uma diminuição da ansiedade, política de abordagem em saúde mental, tomada ao processo grupo, de grupo Tais consciência, familiar e procedimentos expressão e 63 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 REINSERÇÃO PSICOSSOCIAL POR MEIO DE ATENDIMENTO GRUPAL DE PACIENTES DEPRESSIVOS DO CAPS elaboração dos conflitos, fortalecimento do que permanece por no mínimo duas eu, aumento da capacidade de lidar com as semanas questões emocionais em contextos grupais limitação significativa no funcionamento e atenção à família. Orientam-se os social, ocupacional ou em outra área familiares para uma melhor compreensão importante. da doença mental, resgatando a capacidade também deve apresentar pelo menos quatro de aprender que fica quase perdida diante sintomas de um estado mental alterado. Estes características comuns da depressão, as procedimentos se estendem a todos os quais são descritas por (Ebert, Loosem & tipos de transtornos mentais, e no caso Nurcombi, 2002, p. 54) da seguinte forma: provocando sofrimento ou Nesse período, o indivíduo adicionais, extraídos das específico deste estudo, a depressão. Humor Deprimido: [...] é o sintoma mais característico, ocorrendo em mais A Depressão de 90% dos pacientes. O paciente Considerando que uma maior parcela de usuários que buscam tratamento no CAPS do presente estudo sofre de transtornos depressivos e estando esta patologia colocada em 1º lugar entre as doenças que mais incapacitam no mundo, é a ela que este estudo se destina sendo oportuno defini-la de forma sucinta, chamando atenção para a Depressão Maior. Classificada no CID-10 (1993) como transtorno do humor, sendo descrita do F32 a F 33.9 e podendo se apresentar de três formas: leve, moderada ou grave (maior). É definida como uma doença mental na qual há significativa do uma alteração estado mental, especificamente o humor. Os sintomas do episódio depressivo maior são: Humor depressivo e perda de interesse ou prazer, habitualmente descreve a si mesmo como se sentindo triste, para baixo, vazio, sem esperança, desanimado, melancólico. Anedonia: Uma incapacidade para desfrutar das atividades habituais, é praticamente universal entre os pacientes deprimidos. Perda de Energia: Quase todos os pacientes deprimidos relatam uma significativa perda de energia (anergia), uma fadiga ou cansaço fora do comum e uma falta geral de eficiência, mesmo para as tarefas mais simples e elementares. Sentimento de Inutilidade: Um indivíduo deprimido pode experimentar uma diminuição pronunciada na auto estima. Indecisão ou Diminuição na 64 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 GLÁUCIA BENEDITA DE MORAES GOMES, PAULO CÉSAR RIBEIRO MARTINS Concentração: Aproximadamente depressiva exige um compromisso dos metade dos pacientes deprimidos se pacientes, dos membros da família e da queixa ou apresentam uma lentificação sociedade. do pensamento. Podem sentir que não Em meados do século XX os são capazes de pensar tão bem quanto pacientes antes, que não conseguem se concentrar gastavam um quarto da sua vida adulta em ou que se distraem facilmente. hospitais e uma metade completa de sua Ideação Suicida: Muitos indivíduos vida incapacitados. A epidemiologia da deprimidos experimentam pensamentos depressão é aproximadamente de duas a recorrentes incluindo três vezes mais comuns em mulheres sentimentos transitórios de que os adolescentes e adultas do que em homens outros estariam melhor sem eles até os adolescentes e adultos, com taxas mais planos reais e a implementação do altas entre homens e mulheres no grupo suicídio. etário entre os 25 e os 44 anos. Entre os de morte, deprimidos tipicamente indicadores prognósticos positivos estão: a É importante a observação destes ausência de sintomas sintomas por parte do profissional para hospitalização que, a partir deles, possa se definir o depressão e um bom funcionamento tratamento. No caso de sintomatologias familiar. Os prognósticos desfavoráveis que envolvem dificuldade de concentração envolvem: transtorno psiquiátrico co- e funções mórbido, abuso de substância, idade muito indispensáveis à tarefa de aprender, é precoce do início da doença, larga duração necessário o profissional assegurar ao da hospitalização e do episódio depressivo paciente que tais (Ebert, Loosem, & Nurcombi, 2002). sintomas da depressão, memória, que alteram dificuldades que são duração curta da Sobre o tratamento de pacientes serão trabalhadas no decorrer do tratamento. ou psicóticos, depressivos, outro aspecto importante é o Muitas complicações podem surgir médico discutir com os mesmos e seus no curso do tratamento da depressão. O familiares sobre a doença, o seu curso, os transtorno depressivo maior associa-se a sintomas, a sua natureza recorrente e a um alto nível de morbidade e mortalidade, necessidade sendo que até 15% dos pacientes com tratamento farmacológico é baseado na transtorno administração depressivo maior grave cometem suicídio. Assim, a condição de medicamentos. de O medicamentos antidepressivos, usados com sucesso para tratar uma variedade de problemas 65 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 REINSERÇÃO PSICOSSOCIAL POR MEIO DE ATENDIMENTO GRUPAL DE PACIENTES DEPRESSIVOS DO CAPS psiquiátricos e outros transtornos de estado mental começa a se organizar humor, sendo também usados atualmente facilitando a utilização positiva de suas no tratamento do transtorno depressivo funções mentais superiores. É nesse maior. O uso de antidepressivos costuma momento específico que se inclui a ser iniciado com baixa dosagem e é psicoterapia individual, seguindo-se o aumentado no curso do tratamento até a tratamento grupal que é aberto a todos, obtenção da dose adequada. Em alguns especialmente casos soma-se ao uso de medicamentos a somente terapia terapia psicoterápico individual. O paciente é ocupacional, a psicoterapia individual e ajudado a se conscientizar da importância grupal. do grupo na sua ressocialização, porém a eletroconvulsiva, a Durante o acompanhamento, a manutenção da relação psicoterapêutica, aqueles em que já estão acompanhamento participação na terapia grupal não é obrigatória. na qual o terapeuta ganha a confiança do paciente e está disponível em tempos de crise, é crucial no tratamento Tratamento Grupal da depressão. Segundo (Craig, 1991), o O tratamento grupal é usado há tratamento da depressão envolve terapia muito familiar e grupos de apoio que são mentais.Preocupa-se principalmente em benéficos para evitar melhorar recorrências e tempo a com socialização doentes buscando a reconhecimento precoce dos sintomas que expressão de sentimentos para maior antecedem os surtos. As causas precisas conhecimento de si mesmo por parte dos da depressão são pacientes. Historicamente, a terapia de conhecidas, no entanto, a OMS preconiza grupo iniciou-se nos Estados Unidos, em múltiplos fatores, entre eles: Hereditários, 1905, onde cursos foram organizados para congênitos, bioquímicos e psicossociais. A tratamento de tuberculosos. A partir de compreensão destes fatores possibilitará 1920, surgiram trabalhos em grupo para um diagnóstico e tratamento mais eficaz. doentes mentais. maior Partindo acompanhamento deste ainda não raciocínio, multidisciplinar o se Naquela época, os métodos psicodramático e psicanalítico passaram a utilizar o grupo como justifica e, na medida em que o paciente se elemento fundamental de modificações do mantém em tratamento, os sintomas são comportamento (Shirakawa, Chaves & controlados por meio de medicação e o Mary, 2001). 66 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 GLÁUCIA BENEDITA DE MORAES GOMES, PAULO CÉSAR RIBEIRO MARTINS A importância dos grupos é peculiar. observada desde o nascimento. Iniciamos O funcionamento do Grupo nossa vida no seio familiar, estudamos, Terapêutico aproveita as experiências trabalhamos, enfim, vivemos em grupo, o individuais dos pacientes para que os qual tem uma contribuição fundamental na mesmos possam enriquecer-se com as saúde mental. O grupo constitui o poder trocas de vivências, jogos dirigidos e de adoecer ou curar o indivíduo (Ribeiro, atividades 1988). De acordo com Melman (2001), histórias e dramatizações. Os participantes somos seres tribais, fomos forjados para fazem uma leitura de si e do outro, vivermos e aprendermos em grupo. O reaprendendo poder grupal tem a função de proteger (Rogers, 1986), em um ambiente ideal de seus integrantes de forças ameaçadoras, aprendizagem, sempre presentes em situações difíceis, o positivas, onde prevalece a valorização do que justifica o seu uso na atenção eu. Tornando o paciente mais confiante, psicossocial. seguro de si, autônomo e criativo, dentro O Grupo Terapêutico, no CAPS, é criadoras a que envolvem tornarem-se de relações pessoas humanas de um contexto grupal desprovido de realizado duas vezes por semana, com ameaças. pacientes de ambos os sexos e composto expressão da saúde emocional da pessoa, por vinte pessoas. O objetivo principal é vivenciado no ato de realizar algo novo. É resgatar aprender, o encontro do ser humano, intensamente ajudando o paciente a interessar-se pelo consciente de sua relação com o mundo, conhecimento, e reúnem em sua essência a produzindo efeitos terapêuticos (Vigolim socialização e a aprendizagem, condições & Alencar, 1994). a capacidade de inerentes à condição humana. Diversas teorias O processo criativo é a O tratamento em grupo provoca psicológicas inúmeras experiências terapêuticas, enfatizam que a aprendizagem se dá por essenciais à recuperação da saúde mental. meio da observação, condicionamento, Quando o paciente ouve a respeito dos insight, ensaio e erro. A Psicologia problemas dos outros, passa a não se sentir apresenta uma forma própria de entrar em como contato com o conhecimento, preconiza experimentando que as pessoas têm suas particularidades universalidade. Os participantes oferecem no modo de aprender, caracterizando uma entre si apoio suporte, compreensão, maneira única de aproximar-se do objeto conselhos e encorajamento numa atitude de conhecimento, formando um saber altruísta. A união de todos por um único o único a um ter problemas, sentimento de 67 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 REINSERÇÃO PSICOSSOCIAL POR MEIO DE ATENDIMENTO GRUPAL DE PACIENTES DEPRESSIVOS DO CAPS objetivo comum fortalece a coesão, possibilitando o autoconhecimento na alienantes possíveis, para que haja a promoção da saúde. medida em que entendem o que se passa O sofrimento mental provoca por com o outro, compreendendo melhor a si vezes o isolamento que é automaticamente mesmo. O paciente instiga sua esperança disfuncional, obrigando a pessoa a viver ao descobrir que pode haver solução para imersa em si mesma, aceitando condições seus problemas e que todos no grupo impostas podem ser ajudados (Shirakawa, Chaves processo de alienação mental e social que & Mary, 2001). sutilmente a afasta da sociedade. Essa sem questionamentos, num Quanto mais se esforçam para lidar alienação é socialmente determinada e a com os problemas, mais se beneficiam do pessoa doente carece de mecanismos tratamento em grupo, criando um senso de mentais próprios que a faça reagir de responsabilidade. Neste contexto, o Grupo forma saudável a um contexto sócio Terapêutico é fundamental quando lança familiar opressor, impostor e de exclusão. mão, enfoque O Grupo Terapêutico deseja reverter esse psicossocial promovendo a aprendizagem, processo de alienação psicossocial por no seu verdadeiro sentido, que é a acreditar mudança participantes principalmente, de do comportamento, possibilitando a reinserção psicossocial. na capacidade de reagir de seus a esses condicionantes e até mesmo transformá- No grupo são realizadas atividades los. Bleger (1988) se aproxima de Marx criadoras de forma sistemática e cada quando se refere á alienação mental e novo encontro, caracterizando um espaço alienação do trabalho, afirmando que o onde se resgata a aprendizagem no nível mesmo processo que ocorre na neurose pessoal e social. São propostas diversas como fenômeno psicológico, pode ser atividades, entre elas: estimulação da visto na alienação como fenômeno social. expressão livre, troca de experiências, O Grupo Terapêutico desenvolve leituras e interpretação de texto. Segundo um espaço social por meio de suas tarefas, Rivière (1985) podemos considerar as atuando como fator transicional entre um atividades como ações humanas, onde funcionamento menos saudável, carregado estão presentes o sentir, o pensar e o agir de angústia e melancolia para formas de de forma integrada. Desta forma, a integração importância das atividades reside na autônomas. Para fazer frente ao seu questão de não serem ou serem menos círculo psicossociais de saudáveis convivência e diária, 68 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 GLÁUCIA BENEDITA DE MORAES GOMES, PAULO CÉSAR RIBEIRO MARTINS principalmente a família. O grupo num período de dez anos ampliou o funciona tentando número de participantes e totaliza possibilitar o espaço potencial (Winnicott, aproximadamente oitocentas e quarenta 1990), no qual os pacientes possam se sessões. Neste grupo recebe-se a presença expressar livremente de acordo com suas de estagiários de alguns cursos técnicos e necessidades e limites para se de diversos cursos de graduação, em surgir a especial Psicologia e Enfermagem das capacidade criadora diante das situações Instituições de Ensino Superior. Essa de ameaça individual. Oportunizando o parceria possibilita aos alunos estagiários crescimento pessoal e a ressignificação de a observação e conhecimento sobre as sua atuação social. práticas desenvolvidas no campo da desenvolverem, fazendo Ao longo dos últimos anos o Atenção Psicossocial. Grupo Terapêutico vem se esforçando para ser um dispositivo ressocialização das eficaz pessoas na com A questão psicossocial deve levar os pacientes a reflexões contínuas, principalmente, nos aspectos: saúde e sofrimento mental que fazem tratamento doença. no CAPS, oferecendo uma intervenção fomentadas no grupo provocam nos terapêutica exercida de forma continuada participantes a necessidade de buscarem pelo profissional de Psicologia que facilita outros espaços sociais para resolução de o processo de forma dialética, ajudando os suas demandas. Neste sentido, criaram-se pacientes dentro do CAPS as assembleias de a saírem da alienação As e usuários, conhecimento do pensamento de Marx momento (Bleger, a cotidiano, entre os temas: relação dos alienação se dá quando o homem ignora a pacientes com os profissionais do serviço, sua organização entendemos participação na que construção da consolidadas reflexões psicossocial que vivenciam. A partir do 1988), já discussões para do discussões serviço sobre um o (aspectos técnicos), histórico determinando o surgimento de paciente (quanto a compreensão da doença instituições sociais,que em sua maioria o de cada um) e propostas para melhoria do oprimem criando condições favoráveis ao serviço. O serviço tem possibilitado uma adoecimento. mudança de conduta dos participantes, pública de saúde mental, tem se beneficiado desta abordagem grupal que paciente – sociedade e deixa de ver o processo O CAPS como uma instituição relacionamento como tornando-os mais participativos na relação com suas famílias e com sua comunidade. Reivindicando seus direitos sem 69 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 REINSERÇÃO PSICOSSOCIAL POR MEIO DE ATENDIMENTO GRUPAL DE PACIENTES DEPRESSIVOS DO CAPS menosprezar seus deveres, com postura partir das atividades que política enquanto cidadão, reforçada pelos entendendo profissionais do CAPS. Na tentativa de processo que se dá em um âmbito menor garantir da reconstrução da Saúde Mental. do espaço social. Todas as suas ações são ressocialização realiza, como um ressocializadoras, capazes de desenvolver Reinserção Psicossocial no indivíduo a dimensão social do ser humano.Neste sentido,(Brasil, 2004) Considerando o processo histórico lembra que no novo modelo assistencial a pelo qual percorre a saúde mental, sabe-se sociabilidade é valorizada, estimulando que durante um longo período os pacientes cada vez mais as trocas interpessoais foram mantidos isolados da sociedade, como medida terapêutica, havendo assim objetivando tratar e manter a ordem social. uma maior valorização do indivíduo, o A sociedade é desafiada cotidianamente que o torna singular e possuidor de para o acolhimento e cuidado das pessoas desejos. Portanto, ressocializar distingue- que adoecem mentalmente com gravidade. se de reinserir, visto que este último inclui No entanto, o que predomina é uma visão abrir-se para um nível social mais amplo. preconceituosa em relação ao fenômeno da doença mental, resultando Reinserir significa trazer de volta, na assim se faz mister cuidar visualizando o marginalização efetiva e social de um retorno à vida social, acrescenta-se a isto, grande número de pessoas que precisam o de atenção psiquiátrica (Melmam, 2001). reconstrução No contexto de mudanças do novo termo psicossocial indivíduo. da Desta com cidadania forma, vistas plena a do reinserção olhar sobre a saúde mental, destaca-se a psicossocial significa oferecer todas as necessidade da reinserção psicossocial do possibilidades de tratamentos disponíveis, indivíduo, demonstrando que a doença não respeitando até onde o paciente quer deve torná-lo excluído do mundo, e que o chegar, e não até onde a equipe de mesmo tem o direito de continuar sendo cuidados cidadão. Este é um dos objetivos dos mesmo tempo não podemos perder de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), vista criados, em alguns casos, para substituir as indissociáveis. Para reabilitar deve-se internações. continuamente oferecer tratamento aos O CAPS, em sua filosofia, é um lugar capaz de ressocializar os pacientes a previamente que tratar estabelece. e reabilitar Ao são indivíduos (Morais, 2003). A reabilitação psicossocial passa a 70 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 GLÁUCIA BENEDITA DE MORAES GOMES, PAULO CÉSAR RIBEIRO MARTINS ser entendida não somente como um não percam de vista o respeito e a processo que visa reabilitar e desenvolver tolerância, tanto pelos pacientes quanto novas atitudes e comportamentos nos pelas suas experiências expressas de pacientes, mas também nos familiares e forma objetiva e subjetiva (Pego, 2003). técnicos, de maneira a fomentar É proposta a realização de movimentos inovadores de produção de atividades que estimulem a autonomia, trocas afetivas e de sociabilidade. A fomentando o interesse pelo conhecimento reinserção mais completa possível na (sistematizado ou não), ações que rompam normalidade da vida social e produtiva com o estigma e preconceitos em relação abre as comportas da experimentação e da ao transtorno mental, encorajando o invenção de práticas sociais que possam paciente colocar todos os atores envolvidos num participativa e humana. a viver de forma mais movimento coletivo de busca de novas modalidades de existência, novos valores Estratégias Metodológicas e novos sentidos (Melmam, 2001). No CAPS a reinserção psicossocial Este é considerada como o processo pelo qual o exploratório indivíduo com transtorno mental retorna qualitativas, que, de acordo com Chizzotti ao convívio social, retoma sua autonomia, (1998), se dedica a estudar fenômenos participa de sua vida e reaprende a fazer sociais a partir de um obstáculo percebido escolhas. Partindo desta compreensão, são pelo sujeito. O pesquisador é um condutor propostas algumas atividades visando à participante que tem compromisso com o reinserção, como por exemplo: O Grupo fenômeno pesquisado, acreditando no Terapêutico, conhecimento como encaminhamento das questões emocionais coletiva,no existe para sofrimento dinâmica entre pesquisado e pesquisador, mental, contemplando as dificuldades e assim os dados acontecem em um possibilidades apresentadas pela pessoa contexto de relações. uma no qual elaboração do há um é um estudo com qual descritivo características construção uma relação com transtorno mental. O psicólogo atuará A pesquisa qualitativa dá privilégio junto ao grupo, respeitando as diferenças e à observação participante, relatos de vida não as reduzindo, deixando que se crie e e análise de conteúdo, permitindo assim a recrie novas possibilidades, favorecendo criatividade do pesquisador que expõe e uma da valida às técnicas adotadas, demonstrando agressividade manifestada, com ações que a cientificidade da pesquisa por acreditar transformação positiva 71 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 REINSERÇÃO PSICOSSOCIAL POR MEIO DE ATENDIMENTO GRUPAL DE PACIENTES DEPRESSIVOS DO CAPS que o momento histórico atual impulsiona atividade grupal promotora de educação, para um pensar mais amplo e dinâmico suporte, sobre a doença mental. treinamento de habilidades sociais e desenvolvimento emocional, O estudo foi realizado em um vocacionais, é tido pelos participantes em CAPS do interior do Estado de Mato questão como um grupo onde as pessoas Grosso, com depressão aprendem a socializarem- com apresentavam cinco indivíduos transtorno que depressivo, participantes do Grupo Terapêutico. O se, sendo que a terapia ajuda na recuperação dos problemas mentais. critério para escolha dos participantes foi Em relação à ajuda do Grupo pautado nos seguintes itens: Pacientes Terapêutico na recuperação da saúde com depressão maior, onde é perceptível o mental, os pesquisados foram unânimes afastamento social; e participantes com em responder positivamente, justificando maior efetividade de participação no suas respostas em função do espaço de grupo. Estes critérios possibilitaram ao troca de ideias e experiências comuns. Ao pesquisador fazer observações e um participarem de um grupo, os pacientes acompanhamento sistemático da compartilham pacientes. Os problemas com outros, descarregando instrumentos utilizados foram: observação afetos carregados de emoção, promovendo com registro em diário de campo e um movimento de catarse, bem como entrevista aberta, gravada e consentida. descrevem Shirakawa, Chaves e Mary Para coletar os dados foram feitos (2001). participação dos suas histórias e seus encontros previamente marcados com os Foi claramente perceptível que a participantes selecionados para entrevista. participação da maioria dos participantes O estudo foi desenvolvido durante cinco do Grupo Terapêutico é realizada com meses. motivação, facilitando o aproveitamento e o comparecimento as sessões grupais. É o Resultados e Discussão que deixa claro a seguinte resposta: “Participo de forma otimista, acreditando A partir dos resultados obtidos por na minha recuperação”. Esta fala vem ao meio das entrevistas, complementadas encontro do ponto de vista de Pego pelas observações, verificamos que o (2004), quando refere que o sujeito diante grupo psicopedagógico, entendido por da experiência com o grupo, tem a Shirakawa, Chaves e Mary (2001) como possibilidade de perceber a si mesmo 72 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 GLÁUCIA BENEDITA DE MORAES GOMES, PAULO CÉSAR RIBEIRO MARTINS enquanto presença motivada para a ação e sobre a experiência de estar no grupo a própria transformação pessoal, o que referindo que o sentimento de vergonha reflete como resposta na sua interação pode fazer com que algum participante com o meio. Relacionando esses dados fique mais quieto. No entanto, mesmo com os das observações realizadas, e quando está em silêncio, às vezes, por quanto à atitude do paciente frente à longos períodos, a pessoa, através do que atividade denominou reação de espelho, trabalha grupal, foi contemplada a dificuldade motora na execução da tarefa seus conteúdos internos. de escrever e desenhar, expressa da O sentimento de acolhimento para seguinte maneira: “a dificuldade que tenho poderem compartilhar é só de escrever ...”.Percebemos desta comum, maneira que há no geral mais facilidade de motivos para que todos os participantes expressão oral, o que acreditamos ser pelo fossem sentimento de acolhimento e respeito aconselham outras pessoas a participarem constantemente presentes nas sessões do do Grupo Terapêutico. O que é expresso grupo psicopedagógico e pela falta do da seguinte forma: “... é bom estar aqui no hábito da expressão escrita. grupo, a gente encontra mais motivação Perguntados sobre como se possivelmente, unânimes principalmente de coisas em foi em quando um referir a gente dos que fica sentiam no grupo, apenas um participante sabendo dos problemas da outra pessoa, expressou que, às vezes, sente-se à eu aconselharia porque é muito bom esse vontade e outras vezes envergonhado, os grupo e quanto mais gente melhor”. As demais evidenciaram um sentimento de observações realização em estar no grupo: “Eu sinto levantar informações sobre a relação entre bem maravilhosamente”, “ Sinto muito pacientes e coordenador do grupo, na qual feliz”, “Me sinto muito bem , porque ele parece estar presente o sentimento de ajuda sociedade”. acolhimento e respeito, o que têm Percebemos que os sentimentos dos despertado nos participantes o desejo de pacientes pertencentes ao grupo vêm ao que outros pacientes participem. Estar encontro com o que dizem Shirakawa, com o outro, como diz Pego (2004) Chaves e Mary (2001), afirmando que o promove a partir do contato e confronto tratamento com as diferenças individuais a recriação a voltar para grupal a possibilita uma sensação de acolhimento embora alguns pacientes sintam-se tímidos e retraídos. Neste sentido, Ribeiro (1988) comenta do grupo possibilitaram de si mesmo. Os participantes da pesquisa foram unânimes em afirmarem em suas 73 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 REINSERÇÃO PSICOSSOCIAL POR MEIO DE ATENDIMENTO GRUPAL DE PACIENTES DEPRESSIVOS DO CAPS respostas, quando perguntados sobre a histórias e seus problemas com os outros, motivação para aprender, revelando o extravasar afetos carregados de emoção, seguinte: “No momento eu quero aprender promovendo catarse (Shirakawa, Chaves muito mais”. “Eu querendo aprender & Mary, 2001). muitas coisas ... pensar um pouco de Ao falarmos sobre a reinserção mim, mudar a vida ... quero ser mais feliz, social ser outra pessoa”. “É que sou muito constatamos interesseiro, vivendo e aprendendo, a pessoas é um fator de incômodo e que eles minha faculdade sempre falo: é a vida”. A sentem-se reinseridos socialmente, é o que possibilidade aprendizagem se observa na resposta: “Estou até fazendo interpessoal e a descoberta de que pode curso de computação”. A reabilitação haver solução para os problemas, que psicossocial, de acordo todos integrantes podem receber ajuda e (2003), é um processo de reconstrução do de fato melhorar, traz à tona mais um fator pleno exercício de cidadania e também de terapêutico, o da instilação de esperança plena contratualidade em três cenários: (Shirakawa, Chaves & Mary, 2001). habitat, rede social e trabalho com valor de Os construcionistas sociais e o que que a os incomodava, aglomeração de com Morais social. sustentam que todo o conhecimento, tanto Sobre a questão de aconselhar do mundo como de si mesmo, evolui nos outros pacientes para que iniciem ou espaços interpessoais. Assim, é importante retornem a participar do grupo, todos buscar: O que os pacientes já aprenderam; pediriam como articulam os diferentes conteúdos iniciassem, deixando clara a importância entre si; como fazem uso do conhecimento do grupo para eles. Comentando sobre o nas e grupo, Ribeiro (1988) lembra-nos que: O sociais; e como os usam no processo e grupo resulta no fator psicoterapêutico assimilação mais eficiente, mais abrangente, mais real diferentes situações de novos escolares conhecimentos (Weiss, 2004). e mais para que próximo retornassem da ou realidade. Ao serem indagados sobre como se Possivelmente, estes sejam os motivos que sentiam após a participação no grupo, levariam os participantes sugerirem que houve unanimidade ao responderem que todos os pacientes seriam beneficiados era a melhora e a felicidade. Participando com as reuniões em grupo. de grupos, os pacientes têm oportunidade de compartilhar a Outro fator que motivaria os suas participantes a valorizar o grupo é as 74 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 GLÁUCIA BENEDITA DE MORAES GOMES, PAULO CÉSAR RIBEIRO MARTINS relações paciente-paciente e paciente- execução de tarefas que envolvem a coordenador, nas quais está presente um escrita. É importante observar a forma clima de solidariedade e colaboração na como os pacientes se aproximam ou tentativa de resolução das dificuldades evitam as atividades, a postura e as surgidas, respaldadas na fala de um dos tensões que ocorrem, culminando na pacientes: temática do material escolhido para ler ou “... não devia abandonar, porque ajuda muito na hora que a gente escrever, mais precisa... a gente vem no meio deles, resistência na sugestão de mudança de cada um fala de uma maneira que ajuda a horário do grupo expresso na seguinte gente resposta: viver”. Nestas relações entre deixando “Estou transparecer fazendo curso a de paciente-paciente e paciente-coordenador, computação no dia que é para participar Shirakawa, Chaves e Mary (2001) referem do grupo psicopedagógico”. Como pode- que o coordenador precisa estar alerta às se observar, os relatos dos pacientes atitudes cooperantes dos pacientes e demonstram que estão felizes com o reconhecer a ajuda que os membros atendimento, otimistas, acreditando na sua oferecem uns aos outros, reforçando essas recuperação interações úteis. Pelo visto, é algo que tem dificuldades, o que tem contribuído para a se reinserção psicossocial. realizado no Grupo Terapêutico e percebendo as suas apresentado neste artigo. Em relação às dificuldades Considerações Finais encontradas para participação no grupo, evidenciamos que a dificuldade Pensar socioeconômica é um dos empecilhos atualmente encontrado contínuas para a participação pensar apesar dos em mental reflexões avanços já alcançados ao longo da história. O Grupo condição eu ia, mas minha doença não Terapêutico, criado como recurso de permite ... é essa a minha dificuldade ... a reinserção social, tem contribuído para a gente tem que faltar para correr atrás de reinserção do paciente depressivo, dotado um outro negócio porque sou pobre, de um enfoque teórico e prático para dependo de correr atrás das coisas para compreender e lidar com os transtornos conseguir resolver os problemas”; “A ocasionados minha dificuldade é: se tiver guarda-chuva basicamente significa entender a relação eu venho, se não, não tem como eu vir”. complexa entre sintoma, personalidade, no grupo: se é transtorno tivesse pacientes “... dos em Outras dificuldades aparecem na ambiente pela doença. interpessoal O que tornando-os 75 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015 REINSERÇÃO PSICOSSOCIAL POR MEIO DE ATENDIMENTO GRUPAL DE PACIENTES DEPRESSIVOS DO CAPS responsável em relação à doença, sem aspecto que desmotivaria a participação sentirem-se culpados pela enfermidade. dos pacientes. Houveram mudanças provocadas A participação efetiva no Grupo pela participação no grupo, a saber: O Terapêutico tem levado os pacientes a interesse pelo conhecimento, a vontade de melhorar o insight sobre a doença; lidar aprender, o desejo de viver e ser outra melhor com a estigmatização da doença e pessoa. Os aspectos que motivaram a melhor adesão ao tratamento;encontrando participação foram: A aprendizagem ,a caminhos autônomos para imprimir uma expressão de sentimentos, o fato de serem melhor qualidade de vida. Abrindo espaço compreendido e saber que outras pessoas para novas reflexões sobre o assunto em passam pelo mesmo problema . Sendo a direção a desmistificação da “loucura”. dificuldade sócia econômica o principal Referências Amarante, P. D. de C.(1994). Apresentação. In P. D. de C. Amarante (Org.). Psiquiatria social e reforma psiquiátrica.Rio de Janeiro: Fiocruz. Bleger, J. (1988). Psicoanálisis y dialéctica materialista. 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Endereço: Rua Dionísio, 543 – Bairro Bela Vista - Ipatinga – MG – CEP 35160-187, e-mail: [email protected] – (31) 9978-5854. 78 Perspectivas em Psicologia, Vol. 19, N. 1, pp 58-78, Jan/Jun 2015