GRUPO DE MÃES: UMA PROPOSTA EM ODONTOPEDIATRIA MOTHERS GROUP: A PUPOSE IN PEDIATRIC DENTISTRY 1 Ana Angélica Ponte Galvão 2 Sandra Feitosa 3 Viviane Colares RESUMO Considerando que a situação odontológica, muitas vezes, pode inibir o responsável pelo paciente infantil, em especial a mãe de baixa renda e pouca escolaridade, para desenvolver um diálogo franco e esclarecedor com o profissional, este trabalho teve como objetivo propor uma abordagem diferenciada para grupos de mães cujas crianças são atendidas em serviços públicos de saúde, numa proposta inovadora em Odontopediatria. A formação de grupos visa favorecer a relação profissional-família e a melhoria do atendimento da criança pelo dentista. Nesse estudo, os participantes dos grupos de mães foram os responsáveis pelas crianças atendidas no decorrer do ano de 2002, na Clínica de Especialização em Odontopediatria da Faculdade de Odontologia de Pernambuco/UPE. Utilizou-se o método de grupo focal, também chamado de grupo de discussão, sendo uma forma de entrevista realizada em grupo que fornece dados através da comunicação desenvolvida entre os participantes. A amostra foi composta por 49 responsáveis distribuídos em 6grupos de 5 a 8 componentes cada. Ocorreram 3 reuniões iniciais, 2 intermediárias e 1 final. Foram formados, assim, grupos de acordo com o dia e o horário do atendimento da criança. Verificou-se que através do grupo, pode-se obter dados importantes como opiniões, dúvidas e expectativas dos acompanhantes. Os participantes desse estudo apresentaram uma percepção positiva do programa de Grupo de Mães, sugerindo que o mesmo favoreceu um melhor entendimento entre o profissional e o responsável. Palavras-chave: Percepção, pesquisa qualitativa, criança, comportamento, saúde bucal. INTRODUÇÃO O sucesso na melhoria da qualidade do atendimento prestado em saúde depende da habilidade do profissional em compreender as necessidades e expectativas do paciente. Em Odontopediatria, faz-se necessário abordar o paciente, a criança e seu acompanhante, o responsável pelo menor. Em geral, a abordagem do acompanhante ocorre de forma individual no consultório odontopediátrico. No entanto, essa abordagem poderia também acontecer através de grupos específicos, reunindo pessoas que se identificam com um mesmo problema. Esse tipo de interação pode proporcionar a troca de experiências, enriquecendo a motivação, educação e sensibilização dos acompanhantes1,2,3 . Considerando que a situação odontológica muitas vezes inibe o paciente, em especial a mãe de baixa renda e pouca escolaridade, para desenvolver um 1 Especialista em Odontopediatria pela FOP/UPE, 2 Doutoranda em Odontopediatria pela FOP/UPE, 3 Professora Adjunta em Odontopediatria pela FOP/UPE Arquivos em Odontologia, Belo Horizonte, v.40, n.4, p.287-386, out./dez. 2004 363 diálogo franco e esclarecedor com o profissional, esse trabalho teve como objetivo propor uma abordagem diferenciada para grupo de mães cujas crianças são atendidas em serviços públicos de saúde, numa proposta inovadora em Odontopediatria. REVISÃO DA LITERATURA RELAÇÃO PROFISSIONAL-FAMÍLIA O tratamento de um adulto envolve, em geral, um tipo de relação um-para-um, que é o modo como se relacionam o dentista e o paciente. Entretanto, ao tratar uma criança, se estabelece uma relação um-para-dois: o dentista, o paciente infantil e seus responsáveis 4. A interação dentista-paciente infantil não se trata de uma relação igualitária entre adultos, mas uma entre o dentista como responsável e o paciente como criança5. A unidade mais importante no desenvolvimento social da criança é a família. Não somente porque é dentro da família que surgem os primeiros afetos da criança, mas porque dentro dela aprende-se muitos de nossos outros papéis sociais6. A família é de fundamental importância tanto ao nível das relações sociais, nas quais ela de inscreve, quanto ao nível da vida emocional dos seus membros. Porém, para que uma estrutura familiar predominante promova incondicionalmente o bem estar de seus membros é necessário que ela não se defina por um fechamento e uma oposição ao mundo extrafamiliar, mas integre seus membros na comunidade que a circunscreve7. Sendo a mãe uma intermediária entre o meio exterior e seu filho, todas as medidas que visem orientar a mãe antes da consulta, contribui de forma inegável para que ela permaneça como elemento de apoio psicológico. Já é bem conhecido que quando orientados adequadamente os pais se tornam colaboradores fundamentais8. Em Odontopediatria, é fundamental a manutenção de uma relação de cumplicidade pais-profissional, pois são os pais os maiores aliados do Odontopediatra tanto no que se refere à instituição precoce de hábitos de autocuidado, hábitos adequados de dieta e de higiene bucal, como na prevenção e no auxílio da criança em relação aos sentimentos de ansiedade e medo enfrentados durante situações novas, como no caso do atendimento odontológico9. A participação dos responsáveis pode se tornar uma for ma eficaz de educação para a saúde, 364 Arquivos em Odontologia, Belo Horizonte, v.40, n.4, p.287-386, out./dez. 2004 fortalecendo uma Odontologia co-participativa. A orientação prévia dos pais é fundamental para viabilizar sua permanência e possibilitar maior conforto e segurança para o paciente infantil, em especial os pré-escolares10. Diversos fatores podem estar relacionados com o comportamento não-cooperativo de crianças préescolares, como: idade da criança, educação dos pais, história médica, experiência odontológica, ansiedade dos pais e a saúde bucal. Segundo os autores, as informações referentes a esses fatores devem ser obtidas durante a consulta do paciente infantil e podem ajudar o profissional a lidar com o comportamento não cooperativo da criança11. O TRABALHO EM GRUPO A educação em grupos tem um poder multiplicador do que se deseja ensinar muito maior que o processo pessoa-pessoa, mas depende da habilidade do educador em motivar o grupo e da existência de um interesse comum à maioria. As mudanças de hábitos têm maior probabilidade de ocorrer como conseqüência de contato individual que é mais profundo e não deve deixar de existir. O trabalho grupal não o substitui, mas sim o reforça3. A formação de grupos específicos para discutir questões de saúde deve ser estimulada, produzindo reuniões nas quais o interesse dos participantes seja o máximo. Podem ser clubes de mães, de gestantes, de pessoas com uma doença comum, associações populares que decidem discutir periodicamente saúde. Quase sempre os grupos são constituídos em função de problemas gerais de saúde ou de saneamento, nos quais os assuntos odontológicos constituem uma parte3. O grupo focal é uma técnica de inegável importância para se tratar das questões da saúde sob um ângulo social, porque se presta ao estudo de representações e relações dos diferenciados grupos de profissionais da área, dos vários processos de trabalho e também da população. Os participantes são escolhidos a partir de determinado grupo, cujas idéias e opiniões são do interesse da pesquisa, a discussão de grupo se faz em reuniões com um pequeno número de informantes (6 a 12) e geralmente tem a presença de um animador que intervém, tentando focalizar e aprofundar a discussão2. Em Psicologia, a formação de novos grupos envolve: as pessoas, as relações interpessoais, a relação entre as pessoas e o grupo. Este último não pode ser considerado somente como uma moldura. Durante as sessões de encontros do grupo, ocorrem trocas, Arquivos em Odontologia, Belo Horizonte, v.40, n.4, p.287-386, out./dez. 2004 365 geralmente muito livres e vivazes, em relação a tudo que está ocorrendo e em relação aquilo que cada um dos participantes, consciente ou não, comunica1. METODOLOGIA Esse estudo utilizou o método de grupo focal, também chamado grupo de discussão, sendo uma forma de entrevista realizada em grupo que fornece dados através da comunicação desenvolvida entre os participantes. Os grupos de mães foram for mados por responsáveis pelos pacientes infantis atendidos na Clínica de Odontopediatria do Curso de Especialização da Faculdade de Odontologia de Pernambuco/UPE, no período de maio a dezembro de 2002. Os grupos foram formados por 5 a 8 participantes, de acordo com os dias de consulta da criança, de forma a facilitar a participação dos acompanhantes. As reuniões ocorreram na sala de espera da clínica anteriormente citada, no horário do atendimento odontológico das crianças. Aqueles responsáveis por mais de uma criança participaram em apenas um grupo. As mães foram previamente esclarecidas a cerca dos objetivos e da metodologia da pesquisa e os consentimentos livres e esclarecidos devidamente assinados. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UPE sob o protocolo nº 176/2002. DINÂMICA DOS GRUPOS FOCAIS Ocorreram 3 encontros para cada grupo formado, um inicial, um intermediário e outro final, com intervalo de tempo aproximado de 40 dias entre eles. Os encontros inicial e inter mediário foram conduzidos por um facilitador (V.C.), com a finalidade de proporcionar um espaço que permitisse a livre expressão das idéias, dúvidas e receios em relação aos cuidados com a saúde bucal e experiência odontológica, possibilitando a discussão entre os participantes. Na primeira reunião, foram levantados os problemas apresentados pelas crianças (queixa principal); buscouse conhecer a visão dos responsáveis em relação à Odontologia, a expectativa dos responsáveis em relação ao atendimento odontológico que seria prestado à criança e a percepção dos participantes dos grupos em relação à sua responsabilidade quanto à saúde bucal da criança. 366 Arquivos em Odontologia, Belo Horizonte, v.40, n.4, p.287-386, out./dez. 2004 No encontro intermediário, foram investigadas as dúvidas dos responsáveis em relação ao tratamento proposto pelos profissionais, o controle do comportamento da criança no consultório odontológico, assim como questões relacionadas com as medidas de promoção de saúde. O encontro final, com a facilitadora sendo a pesquisadora A. A. P. G., teve como objetivo avaliar a aceitação dos grupos focais pelos participantes, assim como levantar os pontos positivos e negativos do programa proposto. Adotou-se uma outra facilitadora para a reunião final, de forma a não constranger opiniões negativas acerca das reuniões anteriores conduzidas pela pesquisadora V. C. As reuniões tiveram uma duração aproximada de 20 minutos e o relatório de cada encontro foi feito pelo facilitador durante o desenrolar das discussões, através de anotações feitas no local, para análise posterior. A análise do material coletado foi realizado através da análise de conteúdo. Nessa técnica, o tratamento dos dados parte de uma leitura de primeiro plano para atingir um nível mais aprofundado. Para isso, a análise de conteúdo relaciona estruturas semânticas (significantes) com estruturas sociológicas (significados) dos enunciados e articula a superfície dos textos descrita e analisada com fatores que determinam suas características: variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção da mensagem12. A validação e verificação do conteúdo coletado foram realizadas através da triangulação onde, junto com as entrevistas abertas ou semi-estruturadas e da observação do pesquisador se constrói uma série de possibilidades de informações que indicam se o caminho que se está seguindo está correto12. Os dados coletados durante as sessões dos grupos forma repassados aos profissionais que prestavam atendimento odontológico às crianças de foram a fornecer informações sobre as opiniões, dúvidas e expectativas dos responsáveis pelos pacientes infantis. RESULTADOS A amostra foi composta por 49 responsáveis, sendo 47 mulheres e 2 homens. Ocorreram 6 encontros dos grupos de discussão durante todo o estudo, sendo 3 reuniões iniciais, 2 intermediárias e 1 final. Como os grupos foram formados de acordo com o dia e o horário do atendimento da criança, devido à conclusão dos tratamentos Arquivos em Odontologia, Belo Horizonte, v.40, n.4, p.287-386, out./dez. 2004 367 odontológicos, muitos responsáveis não participaram das reuniões seguintes, causando redução no número de grupos intermediário e final. A TABELA 1 apresenta, de for ma objetiva e sumarizada, os relatórios dos grupos formados. DISCUSSÃO Diversos autores ressaltaram a importância da formação de grupos de pacientes na área de saúde para avaliar, de forma mais precisa, os serviços que vem sendo prestados, assim como promover uma melhoria no atendimento realizado2, 3, 13. Os participantes de um grupo devem identificar-se com problemas semelhantes3, assim as reuniões programadas serão do máximo interesse dos participantes. Um facilitador, o animador, deve intervir como forma de focalizar e aprofundar a discussão2. Inicialmente, os participantes dos grupos apresentaram-se tímidos para expressar suas idéias e opiniões, porém nas reuniões seguintes observou-se maior participação dos mesmos. 368 Arquivos em Odontologia, Belo Horizonte, v.40, n.4, p.287-386, out./dez. 2004 Tabela 1. Relatório sumarizado dos dados da pesquisa coletados e analisados Pode-se verificar nesse estudo que o facilitador desempenha um papel importante, proporcionando um ambiente favorável à participação verbal dos responsáveis pelos pacientes infantis através da interação entre os membros do grupo. Através da análise de conteúdo das discussões desenvolvidas, pode-se obter maior número de dados necessários à elaboração de estratégias de ação por parte dos profissionais de saúde, visando a promoção de saúde da criança, numa perspectiva holística de saúde como um bem estar biopsicosocial. Arquivos em Odontologia, Belo Horizonte, v.40, n.4, p.287-386, out./dez. 2004 369 Existem dificuldades em obter informações sobre as dúvidas, opiniões e expectativas dos pacientes através do uso de questionários, sugerindo a utilização de outras técnicas de abordagem13. Verificou-se, nesse estudo, que a formação de grupo de mães, apesar da inibição inicial, parece favorecer a maior abertura dos participantes pelo estímulo dos outros responsáveis no relato de suas experiências, receios e opiniões. A relação do profissional apenas com a criança, em Odontopediatria, é praticamente impossível, pois como já bem citado na literatura científica, esse relacionamento entre profissional-paciente envolve sempre o responsável pela criança, em geral, a mãe4, 5, 8, 9. A abordagem dos responsáveis proporciona uma Odontologia co-participativa, na medida que facilita a relação paciente-profissional, visto que essa é uma relação triangular, envolvendo o acompanhante da criança10. O uso de questionários para conhecer as dúvidas, opiniões ou expectativas do responsável pelo paciente infantil pode, muitas vezes, falhar em seus objetivos. Um típico questionário de perguntas e respostas fechadas não oferece ao paciente uma real oportunidade para expor suas dúvidas e necessidades; assim como um questionário escrito constitui-se numa barreira para aqueles pacientes com menor grau de escolaridade 13. Desse modo, os trabalhos com grupos de pacientes podem levantar questões e dúvidas que não foram identificadas inicialmente. Esse tipo de abordagem é fundamental na avaliação dos serviços de saúde e pode ser utilizada na melhoria da qualidade da atenção prestada ao paciente. O Grupo de Mães pode oferecer um espaço mais democrático e livre para a discussão de questões relacionadas à saúde da criança, considerando-se aspectos psicológicos, sociais e familiares, através do diálogo entre os participantes com envolvimento de profissionais de saúde atuando como facilitadores de processo. Vários setores da saúde podem lançar mão do recurso do grupo focal para interação profissionalpaciente-responsável, tanto em nível particular como público. No segundo, o Grupo de Mães representa um avanço no entrosamento da relação triangular, além de auxiliar na incorporação de medidas saudáveis no dia-adia familiar, sendo uma importante estratégia a ser utilizada na promoção de saúde. 370 Arquivos em Odontologia, Belo Horizonte, v.40, n.4, p.287-386, out./dez. 2004 CONCLUSÃO Pode-se concluir que o Grupo de Mães é uma proposta de abordagem dos responsáveis pelo paciente infantil que pode ser adotada em serviços de saúde, favorecendo a relação profissional-família e a melhoria do atendimento da criança pelo dentista. Verificou-se que, através do grupo, pode-se obter dados importantes como opiniões, dúvidas e expectativas dos acompanhantes. Os participantes dos grupos de mães apresentaram uma percepção positiva do programa, sugerindo que o mesmo favoreceu um melhor entendimento entre o profissional e o responsável. ABSTRACT Considering that the dental office frequently inhibits the childs guardian or parent, especially those of low income and education, from developing a sincere and elucidating dialogue with the dentist, the aim of this study was to propose a new method in Pediatric Dentistry to approach different mothers groups whose children are attended in public health services. The formation of groups aims to improve dentist-family relationship and child care. In this study, groups were formed by guardians or parents of patients attended at the Pediatric Dentistry Clinic of the University of Pernambuco Dental School, Brazil. This study used the focal group method, also known as discussion group, which is a form of group interview that provides data using the dialogue developed between the participants. The sample consisted of 49 guardians or parents distributed into six groups of five to eight participants each. There were three initial, two intermediate and one final meeting. Groups were formed according to the appointment day and time. It was observed that through the group important data, such as opinions, queries, and expectations of a childs parent or guardian may be obtained. The participants of this study had a positive perception of the Mothers Group program, suggesting that it improves dentist-family relationship. Key words: Behavior, child, oral health, perception, qualitative research. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Nery C. Uma visão de conjunto. In: NERY C. Manual de psicanálise em grupo. Rio de Janeiro: Imago, 1999; 43 51. Minayo MCS. Fase de trabalho de campo. In: MINAYO MCS. O desafio do conhecimento Pesquisa Qualitativa em saúde. São Paulo: HucitecAbrasco, 1999; 105 196. Pinto VG. Educação em saúde bucal. In: PINTO VG. Saúde Bucal Coletiva. São Paulo: Santos, 2000; 311 317. Wright GZ. Controle psicológico do comportamento de crianças. In: McDonald RE, Avery DR. Odontopediatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 1995; 23 36. Freeman R. 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