o modelo da reforma psiquiátrica brasileira e as modelagens de são

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FLORIANITA COELHO BRAGA CAMPOS
O MODELO DA REFORMA
PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA E AS
MODELAGENS DE SÃO PAULO,
CAMPINAS E SANTOS
CAMPINAS
2000
UNICAMP
i
ii
O MODELO DA REFORMA
PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA E AS
MODELAGENS DE SÃO PAULO,
CAMPINAS E SANTOS
Tese de Doutorado apresentada à
Pós-graduação da Faculdade de
Ciências
Médicas
da
Universidade
Estadual
de
Campinas para obtenção do
Título de Doutor em Saúde
Coletiva.
Orientador: Prof. Dr. Emerson Elias Merhy
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
CAMPINAS - 2000
iii
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS
UNICAMP
iv
BANCA EXAMINADORA DA TESE DE DOUTORADO
Orientador: Prof. Dr. Emerson Elias Merhy
Membros:
1.__________________________________
2. _________________________________
3. _________________________________
4. _________________________________
5. _________________________________
Curso de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
Data:
v
vi
ABREVIATURAS
ABP- Associação Brasileira de Psiquiatria
AIH – Autorização de Internação Hospitalar
AIS – Atenção Integral à Saúde
APS – Atenção Primária à Saúde
ASM- Ambulatório de Saúde Mental
AVD –atividade de vida diária
AVP – atividade de vida pública
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial/ Centro de Apoio Psicossocial
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos em Saúde
CEBS – Comunidades Eclesiais de Base
CES – Conselho Estadual de Saúde
CEVI – Centro de Vivência Infantil
CIMS – Comissão Interinstitucional de Saúde
CNPQ – Centro Nacional de Pesquisa
CNS – Conferência Nacional de Saúde / Conselho Nacional de Saúde
CONASP – Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária
COSEMS – Conselho de Secretários Municipais de Saúde
CRIAD – Centro de Referência e Informação sobre Alcoolismo e Drogadição
CRIS – Comissão Regional e Insterinstitucional de Saúde
CRP – Conselho Regional de Psicologia
CS – Centro de Saúde
DIR – Diretoria Regional de Saúde
DRS – Departamento Regional de Saúde
ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente
ERSA – Escritório Regional de Governo
EUA – Estados Unidos da América
FAPESP – Fundação para a Pesquisa do Estado de São Paulo
FBH – Federação Brasileira de Hospitais
HD – Hospital Dia
INAMPS- Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
LEMC – Laboratório de Educação Médica para a Comunidade/Unicamp
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
MS – Ministério de Saúde
MTSM – Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental
NAPS – Núcleo de Atenção Psicossocial
NOB – Norma Operacional Básica
NOT – Núcleo de Oficinas de Trabalho
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde
PAM – Posto de Assistência Médica
PAS – Plano de Assistência à Saúde
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PMC – Prefeitura Municipal de Campinas
vii
PMS – Plano Metropolitano de Saúde /Prefeitura Municipal de Santos
PS – Pronto-Socorro
PSF – Programa de Saúde da Família
PT – Partido dos Trabalhadores
PTI – Projeto Terapêutico Individual
PUCC – Pontifícia Universidade Católica de Campinas
QUALIS – Qualidade em Saúde
REME – Movimento de Renovação Médica
SAC – Secretaria de ação Comunitária
SAS – Secretaria de Assistência à Saúde
SEBRAE – Serviço Brasileiro de apoio à Empresas
SEDUC – Secretaria de Educação
SEHIG - Secretaria de Higiene e Saúde
SESC – Serviço Social do Comércio
SES - Serviço Especial de Saúde
SES/SP – Secretaria de Estado da Saúde
SILOS – Sistemas Locais de Saúde
SMS – Secretaria Municipal de Saúde
SSCF – Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira
SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS - Sistema Único de Saúde
TO – Terapia Ocupacional/ Terapeuta Ocupacional
UBS – Unidade Básica de Saúde
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UNIMED – Cooperativa Médica
USF – Universidade de São Francisco
USP – Universidade de São Paulo
viii
DEDICATÓRIA
Aos companheiros militantes da Luta Antimanicomial,
representados aqui por Andréia, Silvana e Sílvio – da
Associação Cornélia Viegl; pelo Jacaré da Associação
Franco Rotelli; pela D. Vera da Associação Franco
Basaglia; e D. Ana e Rubens da SOS-Saúde Mental.
Aos meus companheiros de aprendizado em “agenciar
convivências”, representados aqui pela Clarice e Marsalo.
E as minhas grandes amigas dessa jornada da “Mental na
Saúde Pública”: Elza Guarido e Góia Coelho.
ix
x
AGRADECIMENTOS
Começo pelos que fizeram parte do início desta história e nos desencontramos,
como as companheiras de equipe do meu primeiro trabalho como psicóloga e as pajens que
se transformaram em agentes de mudança daquele espaço – Ieda, Antônia e Elídia.
As pessoas das equipes de Saúde Mental dos municípios que prestei assessoria e aos
que ainda trabalho junto (Americana, Indaiatuba, Pedreira, Santa Rita do Passa Quatro,
Sumaré, Amparo, Águas de Lindóia, Vargem e Valinhos) que torceram por mim e com
quem aprendi muito do que está aqui. Também vale para as equipes de Saúde Mental dos
Centros de Saúde do Jd. Florence e do Integração, neste último estão parceiros desta
jornada de anos.
A todos que se desdobraram emprestando-me livros, textos, informações e todos
préstimos – xerox, pegar encomendas, despachar pelo correio, caronas, conserto de
computador, leituras, discussões e até traduções rápidas – que tornaram possíveis esta
realização:
Aos paulistanos: Lídia, Lancetti, Odette, Lumena, Izabel Cristina, Ianni,
Manfredini, Nacile, d. Nilva, Floriano, Elias e Adriano Diogo.
Aos santistas: Fer Nicácio, Tykanori, Sueli, Cláudio, David, Isamara e Carla.
Aos campineiros: Juarez, Ma. Eugênia, Williams, Cenise, LuCecílio, Mena,
Chackra, Amarilys, Goia, Jô, Márcia, Gastão, Heleno, Antônia, Clarice, André Alba, Rose,
Bete Zuza, Elza, Gal, Regininha, Sérgio, Val, Carol Moraes, Ana Oda, Oki, Ive, Luciana,
Márcia Amaral, M. Rita, Denise, Carmo, MauChakkour, Leocí e a Vânia.
Entretanto e entre tantos, ouso destacar 5 pessoas, em reconhecimento ao meu
exagero nas solicitações: André, Góia, Lídia, Oki e Tyka.
O André fiz perder muitas horas de almoço e de descanso. Esforçava-se (como quê!)
para não perder a paciência com meu brilhantismo no computador.
A Goia, mãe do Téo (que permitiu que ela trabalhasse num Domingo!), tirei-a de
casa num dia de chuva intensa que mais parecia ‘invernada goiana’, para ler comigo e
verificar os desacertos históricos de Campinas, esta terra de nossas invenções conjuntas.
Da Lídia, abusei de seu ir e vir à Campinas para as orientações, também de
doutorado, e consegui graças a esta situação, acesso a Biblioteca da FSP/USP, do SOSSaúde Mental, da Câmara Municipal e outros tantos. Não satisfeita com a exploração, a
Lídia leu toda a penúltima versão da tese, antes que o Emerson viesse com seu canetãoorientador definitivo.
Oki, com sua mala-pronto-socorro de acupuntura. Um hai-cai – rápida e intensa
resolução às minhas travadas infernais, promovidas pelo CD-cervical.
Com o Tyka, “e-mail/ei” infindáveis discussões sobre a vastidão da loucura e a
limitação da psiquiatria e nossa como profissionais: os anglo-saxões, os italianos, as várias
versões dos franceses, os americanos e nós, também variados. Pelo e-mail tivemos muitos
momentos de “governabilidade” nas experiências brasileiras. Discussões... se infindáveis, a
tese acabou, mas elas não.
Às colegas do Núcleo de Saúde Mental da UFSCar: Helo e Roseli.
À Sâmia, que sempre conseguiu encaixes naquela agenda lotada, para melhorar e
disfarçar minha desabilidade.
Aos meus alunos que toleraram minha pouca dedicação, nestes 2 últimos anos.
xi
À Elza, parceira antiga na disciplina Estágio Supervisionado em Psicologia Clínica,
na Saúde Pública/PUCC, que apesar da minha omissão nas questões de mudanças
“puccianas” deste ano, continua minha amiga.
Às minhas companheiras de batalha no Conselho Regional de Psicologia, da
subsede Campinas – Eliana, Bete, Daniela, Aninha e Bel - que trabalharam, trabalharam,
trabalharam... e eu consegui escapar para escrever. Também as meninas secretárias:
Cristina, Gisele e Mariete, sem elas seria impossível escapar.
Ao Lu e a Ângela, amigos e vizinhos, pelos ingredientes necessários à
sobrevivência: convívio, almoços, jantares e ... muito papo fiado.
À Aninha, minha irmã, e ao Mauro, meu filho, que cuidaram de mim e de meus
escritos nos momentos que a "LER”deza me atacou. Ao Niel, meu outro filho, que com
seus arroubos bem humorados debelava meu mal humor. Um destaque caseiro: a varanda,
que a Aninha construiu e esses (meus meninos) músicos com seus sons improvisados –
vozes, cello, viola, piano, percussão e sopros de vários tipos – fizeram com que eu, em
meio a criação deles, pudesse compor esses escritos com outros tons da natureza. E não
posso esquecer da viola do Ivan Vilela, da rabeca do Grammani, do piano do Glenn Gould,
do cello do Yo-Yo Ma.
E é claro: ao Emerson! Aguentou...esperou...perturbou-me com a confiança que
teve todo o tempo...e espero que tenha gosto.
xii
“O que interessa não é a lei nem as leis (uma é noção vazia, e as
outras são noções complacentes), nem mesmo o direito ou os
direitos, e sim a jurisprudência. É a jurisprudência que é
verdadeiramente criadora de direito: ela não deveria ser
confiada aos juízes”
Gilles Deleuze, em Conversações
“O GOVERNO VIVE FAZENDO
DECRETOS E LEIS
E NÓS FEITO POSTES:
TODOS EM FILA.”
Manuelzinho das Flores,
em “Num mundo sem princípio nem fim...as estrelas são azuis”
“Às vezes...
a razão quer matar o sonho,
que quer matar a dor,
que quer matar a ilusão,
que quer matar o amor.
Junto o amor na ilusão,
A ilusão na dor,
A dor no sonho,
O sonho na razão...
E me ponho a gritar:
Não me rendo, não!”
Florianita
xiii
xiv
xv
O MODELO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA E AS MODELAGENS
DE SÃO PAULO, CAMPINAS E SANTOS
Índice
RESUMO
ABSTRACT
APRESENTAÇÃO
Capítulo 1 : UM, DOIS, TRÊS... CONTANDO A HISTÓRIA OUTRA VEZ
1.1. .. Sistematização da Experiência Individual
1.2. .. Sintetizando as Grandes Experiências
1.3 ... Reforma Psiquiátrica e Psiquiatria Reformada
23
23
29
43
Capítulo 2: “RUIM DA CABEÇA E DOENTE DOS PÉS”: AS REFORMAS
BRASILEIRAS SOB HEGEMONIA DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
49
2.1. Experiências Brasileira de Reforma Psiquiátrica
49
2.2. Modelo da Reforma Psiquiátrica Brasileira
63
Capítulo 3: TRÊS MODELAGENS E SEUS PRÓPOSITOS
ANTIMANICOMIAIS
67
3.1. CIDADE DE SÃO PAULO: ANTIMANICOMIAL
73
3.1.1. Heranças da abertura democrática
73
3.1.2. Reformando a Atenção Primária à Saúde: o movimento antimanicomial
81
3.1.2.1. “ A Saúde Mental na Saúde”
81
3.1.2.2. “Combate a Cultura Manicomial.Atender a Multiplicidade da Vida” 89
3.1.2.3 “Confronto Político do Poder Público contra a Instituição
Asilar e Manicomial: Intervenção Estatal X Ocupação Popular”
93
3.2. CAMPINAS: HIBRIDEZ
97
3.2.1. APS: Uma História Antiga
97
3.2.2. O Contexto Antimanicomial
103
3.2.2.1. “ A Saúde Mental na Saúde”
103
3.2.2.2. “ A Hibridez e o Tempo”
107
3.2.2.3. “ Ousadia e Limites: Vivendo o Cotidiano”
113
3.3. SANTOS: DESVIANTE DO MODELO DA REFORMA
117
3.3.1. Olhando o Desviante
117
3.3.2. A luta de Idéias
121
3.3.2.1. “De Perto Ninguém é Normal”
121
3.3.2.2. “Por Uma Sociedade sem Manicômios”
125
3.3.2.3. “Trancar Não é Tratar: Liberdade é o Melhor Remédio”
131
xvi
Capítulo 4: ENSAIANDO CONCLUSÕES
4.1. Conversando com as Três Modelagens em Busca de Caminhos para a
Reforma Psiquiátrica
4.2. Relação Público X Privado: um dos Nós Críticos para a Reforma
4.3. A Lentidão Metodológica
137
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
165
xvii
137
147
159
RESUMO
Este trabalho faz uma releitura das experiências internacionais de reforma
psiquiátrica, trazendo ao debate os pontos relevantes que influenciaram a reforma
brasileira. Em seguida, também através do levantamento bibliográfico, traz a discussão do
caminho percorrido pela reforma psiquiátrica brasileira, no cenário colocado pelo modelo
da reforma sanitária no país: o modelo da Atenção Primária à Saúde.
Faz a descrição de três modelagens da reforma psiquiátrica do Estado de SP,
escolhidas pela suas pretensões antimanicomiais: cidade de São Paulo, Campinas e Santos
– focando os períodos em que tiveram administrações que sustentaram a bandeira “Por uma
Sociedade sem Manicômios”. Mesmo que duas delas ainda sob a diretriz da rede básica de
saúde como porta de entrada do sistema de saúde e sua concepção da História Natural da
Doença para organização da assistência à saúde mental (São Paulo e Campinas).
À luz das discussões sobre concepções reformadoras e transformadoras da Rede
Básica de Saúde e suas configurações tecnológicas, faz-se a conversa com as três situações
na busca de seus objetos, novas tecnologias, seus coletivos protagonizadores, e
principalmente que ofertas de modelos tecnoassistenciais elas permitem apresentar para a
reforma psiquiátrica brasileira. Na análise comparativa sobre o impacto das experiências na
reforma psiquiátrica, Santos mostrou-se desviante do modelo hegemônico e oficial.
Campinas, devido a situação colocada pela co-gestão de um hospital psiquiátrico, organizase numa hibridez de modelos – o da Atenção Primária à Saúde e o que nos trouxe a
Psiquiatria Democrática Italiana. Por sua vez, a cidade de São Paulo defendeu e buscou
reformar o modelo de assistência com uma modelagem adequando a Rede Básica, para sua
organização.
xviii
xix
ABSTRACT
This thesis reviews international psychiatric reform experiences. The debate included
within points out the relevant aspects which influenced the Brazilian reform. Thereafter,
also taking the bibliographic research into account, it examines the Brazilian psychiatric
reform and the way it went through amid the scenery of the sanitary reform model in the
country: Health Primary Care.
It describes three psychiatric reform models in São Paulo State. These were chosen due to
their anti-institutional intentions in the cities of São Paulo, Campinas and Santos. It focuses
on time periods when those places comprised administrations which sustained the motto
“For a society with no madhouses” – though two of them were still under the guidelines of
the primary public health system meant as a doorway for the health system and its
conception of Natural History of Diseasi in order do organize the mental health assistance
(São Paulo and Campinas).
Under the discussion about the reforming and transformative conceptions of the Primary
Public Health System and its technological configurations, the link among those three
situations is done in search of their objects, new technologies, their leading collectives and
mainly in search of what offerings of technological and assistive models they allow to
present for the psychiatric reform in Brazil. In the comparative analysis on the impact of the
experiences over the psychiatric reform, Santos showed to be deviant in relation to the
hegemonic and official model. Owing to a situation imposed by the co-management of a
psychiatric hospital, Campinas is organized in composite models: the Health PRIMARY
CARE and the one which brought us the DEMOCRATIC ITALIAN PSYCHIATRY. São
Paulo City defended and struggled to reform the assistance by means of a model which
compromises with the Primary Public Health System for its organization.
xx
xxi
APRESENTAÇÃO
Este trabalho tem origem na militância da autora no processo de reforma
psiquiátrica , há 17 anos, e a tensão atual na reforma psiquiátrica que é provocada pela
existência quase exclusiva do financiamento do Estado, ainda, em internação integral (93%
contra 7% no orçamento destinado à saúde mental), como se não houvessem outras
possibilidade de assistência psiquiátrica, e só no Brasil temos vários acúmulos que passam
como que desconhecidos.
Dentre estas experiências, foram escolhidas três, com início em 1989, que se
propuseram a ser transformadoras e antimanicomiais, mas tiveram tempos bem diferentes: a
cidade de São Paulo, de 1989 à 1992; Campinas, de 1989 à 1991 e Santos, de 1989 à 1996.
Apesar disto, a nossa escolha deveu-se mais à relevância, para o movimento da reforma
psiquiátrica brasileira, quanto ao que realizou-se em cada uma destas experiência e o que
elas permitem falar para as demais localidades que pretendem realizar suas reformas,
principalmente “Por uma Sociedade sem Manicômios”, lema das três modelagens
escolhidas.
No primeiro capítulo busca-se a história da reforma psiquiátrica internacionalmente
e seu significado para a reforma brasileira. No segundo, ressalta-se o trajeto da reformas
psiquiátrica e seu ela com a reforma sanitária no Brasil e principalmente no Estado de São
Paulo.
O terceiro capítulo, também através do levantamento bibliográfico, faz-se uma
descrição das três modelagens. Prepara-se com isto uma “conversa com as três situações’
buscando o que influenciaram no imaginário social, criando novas subjetividades, novas
configurações tecnológicas e com isto mostrar que oferta de modelo para a reforma
psiquiátrica brasileira. Este será o nosso quarto capítulo. Ele nos movimenta para ensaiar
uma conclusão, trazendo à tona alguns desafios colocados para a reforma psiquiátrica, à luz
do que já conquistamos.
xxii
22
1. UM, DOIS, TRÊS....CONTANDO A HISTÓRIA OUTRA VEZ
PARECE TRAPAÇA...
ACABO POR SER CERCIDEIRA
DE UMA VIDA RENDEIRA,
MAS CHEIA DE TRAÇA.
FLORIANITA
1.1. SISTEMATIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA INDIVIDUAL
“A primeira vez ninguém esquece!” Este dito serve para tudo, assim como para o
primeiro trabalho, início da carreira profissional, onde você tem a responsabilidade do que
faz e é quando você já exerce a autonomia e o poder da sua função – mesmo que tenha
chefia.
Psicóloga, recém-formada, trabalhando numa instituição com mil internos – 500 em
semi-liberdade e 500 aprisionados -, instituição beneficente, com excelentes recursos
próprios e também com financiamento do Estado, para acolher crianças – de zero a 49
anos! – com deficiências mentais e físicas graves, mas acima de tudo abandonadas.
Instituição com porta de entrada, sem porta de saída. A política de tratamento a doentes e
deficientes mentais e físicos – pobres principalmente – era o confinamento.
Passaram-se exatos 23 anos dessa experiência e não a esqueço, pois esta lembrança
faz parte de um grande aprendizado da minha vida profissional: o que é o fazer da
psicologia e da saúde mental?
Como fazer a clínica, em qualquer linha da psicologia, com crianças e adolescentes
– e adultos jovens – que não tinham a menor individualidade, singularidade ou pertinência?
Ou fazer intervenções escolares com quem não tinha ou nunca viu escola? Como fazer um
programa de AVD ( atividade de vida diária) com quem tinha boa comida, cama, roupas e
quartos limpos e pajens que faziam tudo por eles, e com a missão de “pajear”?
Não era possível ali trabalhar problema-solução, doença-cura, deficiência mental ou
física–reabilitação física ou fortalecer o ego para enfrentamento da vida cotidiana. Existia
necessidade de um trabalho bem anterior (primário!) para que se conseguisse o que era
esperado da profissão: interferir na miséria humana, na vida daquelas pessoas, na exclusão
23
total a que estavam submetidas.
Não fiz psicologia. Fiz música (coral e bandinha), fiz escola (alfabetização de
crianças e adultos em máquina de escrever para paralítico cerebral), fiz arte (pintura,
modelagem e escultura), fiz trabalho/produção (oficina de marcenaria
e tapeçaria, e
produção protegida com fábrica de prendedores de roupas), fiz administração doméstica
(mudança dos quartos e pessoas por afinidades e treinamento das pajens para um “novo
pajear”), fiz localização das famílias e fiz um pouquinho de clínica (história da doença,
história e perspectiva de vida). Fiz tudo isto e principalmente porque tive a experiência do
terapeuta-equipe: psicóloga, assistente social, professora de educação física, pediatra e
dentista.
Após um ano, a equipe nova organizou a apresentação dos trabalhos para as famílias
que conseguimos recuperar, para famílias “substitutas”, que receberam os internos em
finais de semana – em geral pajens ou vizinhos -, para a comunidade mantenedora da
instituição e representantes do governo. Esses internos - que passaram a dormir fora, a
ganhar dinheiro e consumir, a falar e cobrar coisas internamente -, fizeram uma exposição
de seus trabalhos, inclusive os escritos à máquina, discursaram e a bandinha acompanhou o
coral que cantou duas músicas: “Assum Preto” – “que veve solto mas não pode avoá” – e
“Obrigado Senhor, por mais um dia” – escolha dos cantores. E a equipe, um mês depois
(com exceção da assistente social, que para o modelo era muitíssimo necessária), foi
convidada, delicadamente, a ir embora, pois não era essa a necessidade de trabalho na
instituição.
Em 1980, ingressei nos quadros da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo
(SESSP), na
rede de Ambulatórios de Saúde Mental. Lá, fazia-se psicologia. Era o
reconhecido fazer da saúde mental na saúde pública: laudos, avaliações, ludoterapia,
psicomotricidade e orientação de pais. Mas muito incômodo sentíamos com a profissão,
pois o resultado não víamos. As pessoas vinham encaminhadas, em geral pelo médico ou
escola, ficavam um pouco no serviço e a maioria abandonava o tratamento – era alto o
índice de abandono – e o louco era só para o psiquiatra fazer laudo de internação, às vezes
restava-nos fazer orientação à família.
Em 1983 veio um alento. O novo governo eleito discutia com o conjunto de técnicos
24
nova política e novo modelo assistencial em saúde mental: a inserção das equipes mínimas
na rede básica de saúde – psiquiatra, psicólogo e assistente social -, ampliação da rede
ambulatorial, enfim, criação de uma rede que possibilitasse um tratamento à saúde mental
em diferentes níveis de atenção, na qual esperava-se a queda da internação, através da
prevenção precoce (na comunidade e em toda ação de saúde em geral). Era a inserção da
saúde mental na política da Atenção Primária à Saúde. Muitos resultados profissionais:
discussão e avaliação constantes de nosso fazer, jornadas, seminários, constituição do
trabalho em equipes multiprofissionais, supervisões, normatização básica dos serviços de
saúde pública com saúde mental e aumento da rede ambulatorial. Grande contribuição para
o aprendizado e também para não suportar o Governo Quércia logo depois. Demiti-me da
Secretaria de Estado da Saúde (SESSP) para ingressar nos quadros da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (PUCC). Desta forma abria-me possibilidades de
pensar, praticar e inventar, livre das amarras burocráticas da instituição pública de
atendimento à saúde mental, e ao mesmo tempo, como docente assistencial da rede básica,
num Centro de Saúde–Escola da universidade, podia participar, como representante da
PUCC no Grupo de Trabalho de Saúde Mental da Comissão Interinstitucional Municipal de
Saúde (CIMS).
Em 1989, os governos municipais eleitos nas cidades de São Paulo, Campinas e
Santos são de partidos de oposição, com uma política de saúde de grandes reformas. Como
secretários de saúde, e suas equipes, assumem pessoas do movimento sanitário que tinham
como meta pôr em prática o discurso que no Brasil, já estava escrito na Constituição: a
saúde como direito do cidadão e dever do Estado.
Na área de Saúde Mental foi intensa a ampliação e implementação do modelo já
existente em São Paulo e Campinas, e em Santos optou-se por outra forma do fazer saúde
mental.
Em 1993, ocorreu desmantelamento radical da política de saúde, incluindo Saúde
Mental, na cidade de São Paulo, não deixando nem sequer serviços montados: privatização
da saúde, com a terceirização da assistência, o PAS – o Plano de Assistência à Saúde.
Pouquíssimos programas permaneceram e quase 15 mil técnicos preferiram ser afastados de
suas funções do que aderir ao PAS.
25
Em 1993, em Santos, descobri que o que eu fazia no meu primeiro trabalho
profissional era, sim, tarefa da saúde mental: reabilitação psicossocial, emprestar poder
contratual para o paciente. Tratar exclusivamente a doença, naquelas situações, só
contribuía para manter a exclusão, a violência, a negação do outro. Então, melhorar as
condições de vida da pessoa era prioritário, inclusive para aparecer o que precisava ser
tratado, ou não. Assim funcionavam todos os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS),
serviços de atenção à saúde mental em Santos.
Em 1996, ocorreu derrota eleitoral na prefeitura de Santos após duas gestões da
mesma administração. Esfacelamento à vista?! Embora o governo eleito não tivesse em sua
plataforma outro projeto de saúde, sabia-se que era do mesmo partido político dos que
ganharam com o PAS, na cidade de São Paulo.
Volto à rede básica em Campinas. O Centro de Saúde (CS), mantinha a modificação
em termos de equipe de saúde mental, desde 1989 quando foi adotado o planejamento local
e a prioridade em fazer frente ao hospital psiquiátrico: o terapeuta ocupacional (TO) é parte
da equipe, que pode ter mais de um psiquiatra ou psicólogo. Porém, as equipes estão
desfalcadas. Conta com retaguarda “intermediária” (entre a internação e o ambulatório) os
CAPS (Centro de Apoio Psicossocial), H-D (Hospital-Dia) e Centros de Atenção Infantil e
ao Alcoolista e Drogadicto.
Em 1998, assumo a representação no Conselho Estadual de Saúde e na Comissão
Estadual para a Reforma Psiquiátrica, pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP/SP).
Calafrio: o Movimento da Luta Antimanicomial (MLA)1 se degladiando – técnicos,
familiares e usuários das diferentes modelagens (Santos, São Paulo, Campinas e CAPS.SP),
enquanto o capital da indústria da loucura (donos de hospitais e indústria farmacêutica)
confraternizava, sem pressa e galgava espaços modernos e politicamente aceitáveis – tudo
para manter o financiamento estatal.
Em 2000, esgota-se meu prazo de entregar a tese de doutorado.
1
Movimento da Luta Antimanicomial (MLA) é um movimento nacional, com núcleos estaduais e
municipais, que reúne protagonistas (técnicos, usuários e seus familiares) de uma reforma
psiquiátrica, que tem como lema “Por Uma Sociedade Sem Manicômios”. O marco constitutivo do
MLA é 1987. Hoje, ele tem reconhecimento a ponto de terem representantes nas Comissões da
Reforma Psiquiátrica, dos Conselhos de Saúde – quer o nacional, estaduais ou municipais.
26
Por que não sistematizar esta experiência? A experiência de uma participante à
protagonista2 e hoje, uma militante imbricada no movimento da luta antimanicomial e pela
reforma psiquiátrica3 brasileira.
Poderia debruçar-me sobre a produção acadêmica e discutir a tão confusa definição de
saúde mental que era designada em variadíssimos projetos: na Psiquiatria Preventiva, na
Psiquiatria Democrática, na Comunidade Terapêutica; ou refenciar-me nos mais próximos
como a Declaração de Caracas, a portaria 224 do Ministério da Saúde, Programa de Santos,
etc. Saúde Mental enquanto campo de atividades na saúde pública e enquanto núcleo
profissional das profissões PSIs.
Porém, por que não aproveitar este momento para estudar questões que estão difíceis de
responder e até discutir? Essa é uma possibilidade de através desse fugir planejado do
cenário, o estudo pós graduado, ter a oportunidade de lançar um olhar epistêmico para essa
história e poder avaliar e até sugerir, o que pode ser feito, deste ponto em diante, para a
reforma psiquiátrica avançar. Enfim, poder sair do maniqueísmo da luta antimanicomial de
que um modelo é bom e de que o outro é ruim e precisa-se da destruição de um para
continuar a luta?
Até que ponto as modelagens locais contribuem para a luta
antimanicomial e para a reforma psiquiátrica? Quem são seus sujeitos, suas apostas, suas
ferramentas de ação? Eis minha proposta de trabalho.
Entretanto, para concretização desta proposta de estudar, reler, elaborar o vivido e
escrevê-lo em uma tese, para mim, existe uma questão principal: uma tese só teria sentido
se as pessoas tivessem gosto em lê-la, uma tese que servisse para o fazer prático dos
profissionais envolvidos, em qualquer rincão deste Brasil, com a Reforma Psiquiátrica e
para a continuidade de minha prática no Centros de Saúde (com os alunos e com a
comunidade), nas assessorias que faço às equipes municipais e minha militância na luta
antimanicomial. Para isso os cânones mais tradicionais da academia não podiam ser
seguidos: capítulo especial sobre a metodologia, dissecar autores que já foram por demais
Embora ‘protagonista’ tem definição específica e tradicional no psicodrama, aqui utilizarei com
bases nos estudos de Eder Sader , em sua publicação de ‘Quando os novos personagens entram em
cena”
2
3
Reforma Psiquiátrica mundialmente é uma busca de outra forma de olhar, escutar e tratar a
loucura. Se com tal movimento busca-se a “reforma da psiquiatria como ciência” ou uma “psiquiatria
27
digeridos, ruminados e finalmente devorados (Rolnik, 1989), por extensas definições, em
milhares de outras produções reconhecidas e aprovadas e até financiadas pelo CNPQ,
FAPESP, etc. Ou seja, se estudei o material vindo daí, posso pois, trabalhar de maneira
diferente.
Para todas questões aqui abordadas, existiu de alguma forma, em algum momento
teóricos que já transbordaram nas tramas de meu raciocínio e que para minha formação são
‘primevos’: Marx, Gramsci e Freud. E também, são importantíssimos os grandes mestres:
Foucault, Basaglia, Deleuze, Guattari e Castoriadis. Optei, assim, neste trabalho, por lidar
com os teóricos-práticos da atualidade brasileira. Pessoas que dedicam-se, obtendo grande
sucesso nas instituições formadoras ou não - que partem deste mesmo fio ‘primevo’ -, em
construir novas elaborações teóricas sobre as práticas de todos nós.
reformada” é uma disputa que será exposta ao longo deste trabalho.
28
“SOU NASCIDO EM ALAGOAS,
MAS NA DIVISÃO DAS ÁGUAS SOU ALEMÃO.
MINHAS ESTRELAS SÃO AZUIS.
NO PORTO DE MACEIÓ
OS NAVIOS PARTEM...”
MANUELZINHO DAS FLORES
(alagoano, 97 anos, morador do
H.P. de S.R.Passaquatro)
1.2 SINTETIZANDO AS GRANDES EXPERIÊNCIAS
É importante não esquecer a afirmativa bem lembrada por Baremblitt quando diz que:
“qualquer reconstrução é feita desde uma perspectiva, que qualquer
reconstrução inclui os desejos, os interesses, as tendências de quem historia”
(Baremblitt, 1992:41),
pois esta será uma reconstrução de histórias para clarear o que temos como hipótese sobre a
implantação das políticas de saúde mental no Brasil.
Até a II Guerra Mundial, na psiquiatria a dominância era notoriamente da Medicina
Mental e Organicista,:
“figura paradigmática do exercício do poder, arcaica em sua estrutura, rígida
em sua aplicação, coercitiva em sua mira (...) como modelo, porque a relação
de imposição que ela coloca em sua operação implica, pelo menos em sua
forma tradicional de exercício, uma desnivelização absoluta entre aquele que
age e aquele que padece. Ela deixava ler a gratuidade e o arbitrário que pode
caracterizar todo exercício do poder a partir do momento em que não se
inscreve em uma relação recíproca” (Castel, 1987:25).
Em suma, a psiquiatria organicista tendo
“como local de sua produção o asilo, procura seguir a regra ou pelo menos a
tradição científica do pensamento médico, e tem como objeto o corpo sem vida,
o cadáver. Fazem-se dissecações, abrem-se os cérebros para ver exatamente o
que se passa la´dentro” (Costa, 1989a:43-44).
29
Ainda ecoou pelo mundo, inclusive no Brasil, a Psiquiatria Eugenista Alemã.
Segundo
“Rudin, sucessor de Kraepelin e representante do prestigiado grupo da clínica
psiquiátrica de Munique”(...)”a hygiene mental, em sua applicação practica,
não deve exercer-se somente no terreno da psychiatria, senão em todos os
domínios da vida social” (Costa, 1989a:95).
Os métodos aí utilizados para “aliviar” aqueles que por azar da vida perturbavam os outros
e a sociedade – que eram “perigosos” para si e para outrem - não passavam de
experimentos com humanos de purificação da raça, uma verdadeira seleção das naturezas.
A lobotomia e os eletrochoques eram comuns, então para além disto criaram verdadeiros
laboratórios de cobaias humanas.
Talvez, uma rara exceção do início do século, tenha sido os pesquisadores da Johns
Hopkins (Adolf Meyer) e Havard (Williams James) vinham trabalhando juntos e
organizaram, então, o que chamaram de Psiquiatria Dinâmica: hospitais pequenos, unidades
psiquiátricas em hospitais gerais e centros médicos de orientação para crianças. Com isso, a
hospitalização e a orientação prioritária para internação hospitalar, tanto para tratamento de
crônicos como para a doença mental, deixa de ser o centro do sistema de saúde mental
americano (Grob, 1994:142). Segundo estudos de Costa e Birmam (1998) foi
“...A. Meyer o primeiro formulador da enfermidade mental como desadaptação
social, como reação a uma situação ambiental conflitiva. Entretanto, a crise se
aprofunda, mostrando de modo mais nítido as suas linhas de desenvolvimento e
explicação a partir da II Grande Guerra, onde se fundem numa unidade as
preocupações dos psiquiatras quanto à sua impotência terapêutica e as
preocupações governamentais geradas pelos altos índices de cronicidade das
doenças mentais, com sua conseqüente incapacidade social.”
Inaugura-se assim, principalmente nos EUA, a psiquiatria na Saúde Pública: prevenir
o risco da desadaptação social e evitar a enfermidade mental. Com isso a psiquiatria
assumiu uma responsabilidade vital para a “comunidade”4 que é o mantê-la em equilíbrio
4
“quando estendemos nossas vistas desse modo, do indivíduo para toda a população exposta às
30
entre a agressão e não agressão, a violência e a não-violência, entre os indivíduos adaptados
e desadaptados às suas regras do bem-estar social. Dessa forma
“a doença mental passa a ter uma História Natural, estabelecendo-se a sua
assistência de acordo com o seu momento evolutivo” (Costa/Birman, 1998:54).
Caplan, o mais destacado teórico da nova psiquiatria, faz sua tradução para o modelo
epidemiológico:
“A prevenção primária é um conceito comunitário. Envolve a redução da taxa
de novos casos de distúrbio mental numa população durante um certo período,
neutralizando
as
circunstâncias
perniciosas
antes
que
elas
tenham
oportunidade de causar doença”(...)”vale assinalar que aquilo a que os
epidemiologistas chamam ‘fatores do hospedeiro’, notadamente as qualidades
dos membros de uma população que determinam sua vulnerabilidade ou
resistência às tensões ambientais, são constituídos por dois grupos de
atributos. O primeiro, que inclui atributos tais como idade, sexo, classe sócioeconômica e grupo étnico não pode ser manipulado, portanto envolve, por
assim dizer, fatores do destino individual. O segundo grupo, incluindo atributos
tais como a força geral do ego, a habilidade para a solução de problemas e a
capacidade para tolerar angústia e a frustração, é habitualmente fixo, mas
pode ter sido modificado no passado, mediante uma alteração da experiência
do indivíduo ou de seus pais” (Caplan, 1980:41).
E continua:
“esta abordagem baseia-se no pressuposto de que muitas perturbações mentais
resultam de inadaptação e desajustamento, e que, pela alteração do equilíbrio
de forças, é possível conseguir uma adaptação e um ajustamento saudáveis”
(1980:42).
Na Europa, outros caminhos eram percorridos, mas nossa herança de modelo veio dos
vitoriosos e ricos da II Guerra – os EUA -, não da Europa também vitoriosa, mas
influências nocivas do mesmo teor, descobrimos que algumas delas parecem doentes e outras
saudáveis. Destas últimas, algumas adoecerão à medida que os efeitos perniciosos se acumularem,
mas outras continuarão gozando de boa saúde.” (Caplan,1980:41)
31
estraçalhada. E ao final da II Guerra Mundial,
“cresce o imperialismo, cresce o intervencionismo, como cresce também o
envolvimento com as questões sociais das áreas de influência políticas dos
EUA, dado o franco avanço das hostilidades leste-oeste, com a Guerra Fria.
Em 1945 nasce a ONU e, a partir desta, as Organizações Mundial e Panamericana de Saúde, consolidando o movimento de internacionalização do
sanitarismo que se iniciara nas primeiras décadas do século. A diferença é que
agora essa internacionalização é feita sob a franca hegemonia política de uma
nação determinada e seu determinado projeto de sociedade, assim como de
uma franca hegemonia ideológica da racionalidade tecnopragmatista
consubstanciada nesse projeto” (Ayres, 1997:237).
Mundialmente, durante a guerra, com a tentativa de domínio nazista, é que a
humanidade resistindo a essa opressão, fez um verdadeiro pacto contra a opressão aos
direitos do indivíduo, pela importância das relações coletivas de solidariedade e pela
aceitação das diferenças. Isto seguiu-se ao pós-guerra em todos os cantos do mundo. Esta
nova situação fez com que a psiquiatria, usada para classificação dos indivíduos aptos para
a vida em sociedade e que, como “ciência” reconhecida, utilizava métodos opressivos aos
direitos individuais em nome de “um tratamento médico”, fosse questionada. E já durante a
II Guerra, algumas experiências de tratamento ao doente mental haviam sido realizadas nos
hospícios, utilizados como campos de concentração para prisioneiros políticos.
Absurdo? Porém real. Os hospitais psiquiátricos não se diferenciavam muito,
principalmente em termos de diretrizes, dos campos de concentração nazistas: exclusão
total. Os prisioneiros políticos, que não deviam ser rapidamente exterminados porque
poderiam ser úteis, foram colocados num mesmo espaço que os loucos no hospício. Isto
aconteceu em países dominados, como na França, onde o convívio entre doentes e
perseguidos políticos (artistas – do teatro, da música, da dança e artes plásticas -;
advogados, psiquiatras, artesãos, padres, etc.) permitiu que uma experiência importante
coordenada por um preso político da guerra civil espanhola, o psiquiatra Tosquelles, na
França, em Saint-Alban, viesse posteriormente ter grande influência na psiquiatria
alternativa.
32
Segundo Braudel,
“as grandes catástrofes não são forçosamente as produtoras, mas são
seguramente as anunciadoras infalíveis das revoluções reais, e constituem
sempre uma intimação a ter que pensar, ou melhor, repensar o universo”
(Braudel, 1992:18).
Verdadeira “escola de liberdade” dentro de um hospício/campo de concentração
(Tosquelles, 1994:93), era o que foi anunciado por um interno à Tosquelles, que o levou a
pensar o quanto é importante o convívio protegido, mas aberto à comunidade para facilitar
ao louco o enfrentamento da vida em sociedade.
Representavam, em Saint Alban, um movimento que conseguiu
“propiciar, apoiar, deflagrar nas comunidades, nos coletivos, nos conjuntos de
pessoas, processos de auto-análise e processos de autogestão” (Baremblitt,
1992: 14).
Assim, loucos, padres, dançarinos, artesãos, advogados, etc., formavam a comunidade local
do hospício e foram protagonistas de seus problemas, que em rápidas palavras seriam: o
louco excluído em qualquer sociedade ou os pensadores contrários ao nazismo, excluídos
naquele momento histórico. Em comum tinham a exclusão pelas diferenças.
A loucura tem como principal dificuldade o convívio (o contato, o poder ver e
perceber o outro) e contraditoriamente, sempre foi tratada impossibilitando a troca, o
relacionamento da pessoa enlouquecida. Como a doença da relação é muito próxima de
qualquer indivíduo, trancafiá-la foi um consenso fácil (Foucault, 1987). Assim que em
Saint-Alban, o louco contido no hospício teve a possibilidade de convívio com tantas
diferenças, que não cobrava nem diminuía as suas.
Desta experiência, vieram conquistas que não se apagariam mais sobre o tratamento
da tal “doença psiquiátrica”: o convívio com as pessoas do tecido social de pertinência, o
convívio entre a expressão/produção da arte e da doença. E o que era fundamental para esta
novidade, a participação de outros profissionais que não apenas os tradicionalmente “PSIs”
– psiquiatras, psicólogos, enfermeiros - e em espaços não apenas os das enfermarias e da
doença.
33
O pós-guerra gerou uma demanda imensa para a área da psiquiatria e psicologia.
Não mexeu apenas com tratamento psiquiátrico de contenção asilar, mas com a própria
psicoterapia individual. A terapia familiar e de casal, a orientação sobre desenvolvimento
da criança, enfim as terapias de grupo (Weiner, 1983:449), pois a emergência da situação
de reconstrução do pós-guerra forçou movimentos - reunindo diferentes escolas PSI - se
formarem com intuito de buscar soluções para as situações de sofrimento mental,
sobrepujando o domínio da psicanálise na Europa e do behaviorismo nos EUA (Weiner,
1983:449). O resultado desta evolução da psiquiatria de extensão foi a expansão da
assistência ao sofrimento mental para muito mais pessoas, uma verdadeira saúde mental
coletiva. Entretanto, os psiquiatras do movimento da Rede Alternativas à Psiquiatria,
década de 70, viram nessa Reforma Psiquiátrica do pós-guerra, um “aggiornamento” da
psiquiatria clássica ...
” o que implicava a um só tempo a transformação profunda de suas condições
de exercício e a continuidade de sua tradição secular. Transformação
profunda, pois ela se esforçava para romper com a antiga solução segregativa
para intervir diretamente na comunidade. Mas continuava a visar a um objeto
específico, a doença mental, através de instituições específicas, se bem que
desdobradas a partir de então sobre o tecido social“ (Castel, 1987:15).
Ou ainda
“muitos são os registros que demonstram a produção de novas demandas
psiquiátrico-psicológicas em que o aparato psiquiátrico ampliou-se, sua rede
de influência no âmbito da comunidade enquanto instrumento técnico-científico
de poder, mas não atendeu ao problema dos egressos que deveriam deixar os
hospitais” (Rotelli/Amarante, 1992:53).
Várias experiências, principalmente européias, merecem ser citadas: a Psicoterapia
Institucional (anos 40) e a Psiquiatria de
Terapêutica na Inglaterra (anos 50),
Setor (anos 60), na França; a Comunidade
a Psiquiatria Comunitária dos EUA (anos 50), a
Antipsiquiatria na Inglaterra (anos 60) e a Psiquiatria Democrática Italiana (nos anos 70).
Vamos começar pela Psiquiatria de Setor, na França, por ser a herdeira das
experiências durante a II Guerra, da Psicoterapia Institucional, e embora não possamos nos
34
esquecer que Tosquelles, em entrevista de 1987, disse que
“em Saint-Alban tudo terminou em 52. A morte da experiência coincidiu com
seu batismo, por Daumezon, de ‘psicoterapia institucional’ (Tosquelles,
1994:101). “A psicoterapia institucional, diferente de outras correntes dentro
da psiquiatria, não propõe o fim do hospital psiquiátrico (talvez o asilo da
modernidade); pelo contrário, pensa que ele seja necessário para alguns
sujeitos, em virtude de suas alienações psicóticas...O que a psicoterapia
institucional busca é a transformação do hospital psiquiátrico feita de dentro
para fora” (Vertzman, J. et alli, 1992:18).
Posteriormente a influência dos psiquiatras franceses no poder governamental, de
então, facilitou a institucionalização das experiências alternativas e pretenderam
“... ‘a um só tempo, transformar nossa organização hospitalar, e levar nossa
atividade a todos os campos onde o conhecimento psicopatológico é
necessário’, palavras do próprio Daumezon e Bonnafé, outro ator importante
da psicoterapia institucional de 1946” (Castel, 1987:44).
Com estes princípios de extensão da psiquiatria, houve uma evolução, de início pioneira e
radical, com a experiência de 13º Distrito de Paris – que nada tinha a ver com o hospital ou
que em nada era medicocêntrica -, para uma nova incorporação psiquiátrica, na qual
equipes médico-sociais diversificadas e itinerantes, saíam para além do hospital levando
assistência e dando cobertura aos territórios onde viviam as pessoas: a psiquiatria de setor
francesa nasce com grande adesão à psicanálise lacaniana, principalmente partindo das
experiências com o sofrimento do psicótico.
A reconstrução no pós-guerra mostrou diferenças nítidas dos que perderam as
colônias – os velhos colonialistas europeus – e os que ganharam nações – os novos
imperialistas norte-americanos. Os europeus vitoriosos, mas depauperados, partiram de
situações vivenciadas durante a guerra, do enfrentamento com o nazismo, pelos que
estavam na mira da exclusão. Os norte-americanos, ricos e vitoriosos, partiram de
reorganizar a saúde pública e a psiquiatria equilibrando custo-benefício: o modelo
psiquiátrico só tinha entrada - do paciente no sistema - com gastos em internação altíssimos
e o tratamento não tinha resultado para cura/alta. E a maior diferença é que na Europa, os
35
projetos levavam em conta a responsabilização do Estado e nos EUA, atribuía-se a
responsabilização à “comunidade” de problemas/dificuldades individuais.
Segundo Caplan, em 1964, o
“...enfoque de saúde pública do planejamento comunitário organizado, de
programas globais que incluíssem a prevenção, tratamento e reabilitação das
doenças mentais, e fossem coordenadas com outros programas comunitários
nas área da saúde e do bem-estar social, encontrou pronta acolhida entre
muitos psiquiatras e seus colegas especialistas, que nos últimos 20 anos, e em
alguns casos até mais tempo, vinham explorando as possibilidades de
prevenção dos distúrbios mentais em certos contextos” (Caplan, 1980:24).
Cita para isto, exemplos de 1943, o desenvolvimento dos
“fundamentos da ‘teoria de crise’ 5 como quadro conceitual para a psiquiatria
preventiva” que muito contribuiu para instrumentalizar leigos da comunidade a
ajudar “pessoas desoladas a enfrentar adequadamente os sentimentos de luto”
(Caplan, 1980:24).
Para o mesmo autor, contudo, o grande impulso que
“anunciou
o início de uma revolução na psiquiatria americana” (Caplan,
1980:17)
foi quando o presidente Kennedy enviou uma Mensagem sobre Saúde Mental e
Retardamento Mental ao Congresso dos Estados Unidos, em 1963. Essa mensagem
enfatizava a prevenção, tratamento e reabilitação como uma responsabilidade comunitária e
não privada, e sobre as instituições psiquiátricas, versava sobre questões já discutidas
amplamente pela psiquiatria comunitária americana, que ressoaria na fala de Kennedy:
”...muitos desses hospitais e residências têm contado vergonhosamente com
5
Em Caplan, a “concepção da crise como um período transitório que apresenta ao indivíduo tanto
uma oportunidade de crescimento da personalidade quanto o perigo de crescente vulnerabilidade ao
distúrbio mental, cujo desfecho, em qualquer caso determinado, depende em certa medida do seu
modo de controlar a situação” (1980:51) Tem como base a teoria de Erikson (de 1959) das ‘crises
de desenvolvimento’ e crises acidentais’, deste modo são passíveis de sucesso com ações
preventivas.
36
insuficiência de pessoal e excesso de pacientes, instituições desagradáveis das
quais a morte propiciou, com demasiada freqüência, a única e sólida
esperança de libertação” (Caplan, 1980:17).
Uma mensagem contundente, mas regada a “american of way life”: não se mexeria
nos manicômios, a medida que se criassem e fortalecessem as atividades comunitárias e
“serviços intermediários” – os Comunity Mental Health Center – prescindir-se-ia dos
hospitais asilares.
Durante o grande desenvolvimento da psiquiatria de setor francesa e da psiquiatria
comunitária americana, também os ingleses, após a II Guerra, com a vitória do Partido
Trabalhista, fizeram a reforma na assistência saúde. Criaram um sistema estatal de saúde
pública, por meio do qual remodelaram os hospitais gerais e inclusive os hospitais
psiquiátricos, contribuindo também para avanços na área da reforma psiquiátrica.
“Surge assim, com a abertura do manicômio inglês, o primeiro conceito de
comunidade terapêutica. Uma comunidade torna-se terapêutica porque tem em
si princípios que levam a uma atividade comum, não se limitando somente ao
chefe da instituição: o grupo cura-se a si próprio. O mais importante é que a
doença que surgia no manicômio começava a perder suas características
essenciais. Mesmo o doente mais louco, mais delirante, passava a ser parte
ativa da comunidade(...) inventavam-se técnicas para desinstitucionalizar o
manicômio(...) e, pela primeira vez, surge claramente o aspecto social da
psiquiatria” (Basaglia, 1979:84).
Essas duas novas maneiras de tratamento psiquiátrico, a comunidade terapêutica e a
setorialização, influenciaram inicialmente as experiências dos italianos em Gorízia e em
Parma, respectivamente.
“Nós usamos, de certa forma, importada da Inglaterra, a técnica da
comunidade terapêutica. Esta técnica permitia à pessoa exprimir-se em
assembléias, e sob nova relação médico-paciente” (Basaglia, 1979:86);
e
“o primeiro passo foi descentralizar a assistência, segundo os princípios do
37
‘setor francês’, em uso na época. Isto é, procurava dividir o manicômio em
tantos setores, quantas eram as zonas territoriais da província, para que o
mesmo grupo de tratamento pudesse atender os doentes internados e o setor
externo de sua competência” (Tommasini, 1993:9).
Porém, os italianos começaram por aí e foram muito além: acabar com o manicômio
passou a ser fundamental e todos os meios somavam para este fim. A crítica principal a
quaisquer destas outras experiências de reforma era de que a discussão, questionamentos e
as invenções que faziam estavam dentro da lógica do poder, do controle e da tolerância à
loucura. Como seria possível criar nova ciência psiquiátrica com códigos velhos? Os
códigos novos só poderiam vir do próprio paciente e o “código da não-voz” era muito
difícil de entendimento (Basaglia, 1979:88/89).
A Psiquiatria Democrática Italiana6 foi inscrita na conjuntura das rebeliões de 68, em
que
“poderíamos dizer que a luta pela emancipação da sociedade tomou outro
colorido” (Basaglia, 1979:15). “Não víamos mais a doença, mas a crise. Nós
salientamos, hoje que cada situação que nos é apresentada é uma crise vital, e
não uma esquizofrenia, uma situação institucionalizada, um diagnóstico.
Víamos que aquela esquizofrenia era expressão de uma crise existencial,
social, familiar, não importa, mas uma crise. Uma coisa é considerar o
problema uma crise ou um diagnóstico, porque o diagnóstico é uma coisa e
uma crise é uma subjetividade” (Basaglia, 1979:19).
Para os italianos da desinstitucionalização, ainda hoje,
“o problema não é a cura (a vida produtiva), mas a produção de vida, de
sentido, de sociabilidade, a utilização das formas (dos espaços coletivos) de
convivência dispersa. E por isso a festa, a comunidade difusa, a reconversão
contínua dos recursos institucionais, e por isso solidariedade e efetividade se
6
Crise na Psiquiatria Democrática corresponde a uma complexa situação existencial, representa
uma ruptura da experiência individual na história de vida, e “para torná-la compreensível (e não
explicável!) deve-se recuperar a relação entre as valências de saúde, os valores de vida e a própria
crise(...)a crise se coloca, assim, em uma prática unitária de prevenção, cura e reabilitação”
(Dell’Acqua/Mezzina, 1991:56/57)
38
tornarão momentos e objetivos centrais na economia terapêutica (que é
economia política) que está inevitavelmente na articulação entre materialidade
do espaço institucional e potencialidade dos recursos subjetivos” (Rotelli,
Leonardis e Mauri, 1990:30).
Enfim, para as experiências italianas de Trieste, Parma, Livorno e algumas outras
sintetizadas na lei 180 - lei Basaglia –, o esquizofrênico antes de ser esquizofrênico é um
oprimido, precisa de liberdade, afeto, comida e trabalho, igual a qualquer indivíduo que luta
pela emancipação da vida. Quando estiverem resolvidas estas questões será mais fácil
trabalhar o que ficou da doença, que para Basaglia,
“em princípio, colocar ‘entre parênteses’ a doença e o modo no qual foi
classificada, para poder considerar o doente no seu desenvolver-se em
modalidades humanas que – propriamente enquanto tal – devemos procurar
avizinhar-nos” (Amarante,1996:82)
Personagens importantes, vindo destas experiências, juntar-se-iam no que veio a
chamar Rede Alternativas à Psiquiatria, em 1975. O comum de todas elas era propor o
tratamento do doente mental fora do hospital e territorializar o acesso à atenção, mas
algumas se ativeram mais ao discurso e apologia da loucura, outras distribuíram o espaço
hospitalar em setores, mas com o hospício ainda sendo a fonte de onde emanavam formas
de tratamento.
A Rede de Alternativas reunia prioritariamente técnicos e usuários – que chamavam
de “psiquiatrizados” –
“decididos a lutar contra a opressão”; “todos promotores ou animadores de
experiências coletivas psiquiátricas” (...que visavam...) “destruir o hospital” e
apresentar “alternativas ao setor” ; “todos trabalhadores de saúde mental ou
não, que rejeitam ser agentes da ordem psiquiátrica repressiva” (Rede,
1975:13).
Em sua justificativa, colocavam claramente a necessidade do doente mental ser
considerado cidadão e, portanto, tratar-se no convívio normal do cotidiano. A destruição do
manicômio era colocada sem tergiversação.
39
Faziam uma discussão crítica não só do tratamento no hospital como também sobre a
infância e a escola, sobre a justiça e a psiquiatria. Mostravam, já na época, a necessidade de
trabalhar o setor educacional e a justiça como encaminhadores e nomeadores do doente.
Enfim, deixavam claro:
“A rede internacional como alternativa à psiquiatria inicia uma nova etapa de
trabalho nesta área, que não se trata de obter tolerância para a loucura e de
valorizar o desvio como fazem algumas interpretações anti-psiquiátricas, mas
de compreender que a existência da loucura é inseparável das contradições
sociais contra as quais é necessário que se lute” (Rede, 1975:1).
A Rede chegava fazendo a crítica para ir além do que já haviam vivenciado em
diferentes países, durante os anos do pós-guerra. Desta forma via a “psicoterapia
institucional” francesa de 1945, que se desdobrou na Psiquiatria de Setor, pós-68, uma
psiquiatria aderida ao serviço do Estado:
“A idéia de setor psiquiátrico foi a princípio criada por um grupo de
profissionais(...) na França no fim da II Guerra Mundial” (...) ”esse grupo
embora minoritário, apodera-se da liderança na profissão, tanto no ponto de
vista de prestígio, quanto do ponto de vista do poder. Desenvolve uma
ideologia que se poderia qualificar de reformismo democrático, hoje talvez
com outra denominação. Trata-se ao mesmo tempo de humanizar as condições
da prática psiquiátrica existente, isto é, transformar o hospício para torná-lo
“meio terapêutico”, e deslocar o conjunto do dispositivo institucional para ir
ao encontro das “verdadeiras necessidades” da população, linha que enfatiza
o “extra-hospitalar” (...) “Entretanto, na realidade, o hospital psiquiátrico
tradicional continua dominando toda cena psiquiátrica. Continua sendo o
centro do poder e o lugar quase exclusivo do exercício das práticas” (Castel,
Guattari, El Kaim e Jervis, 1977:13).
Esse modelo em seu desdobramento chegou a 1968, recebendo tal crítica:
”Uma tal política, que operará um esquadrinhamento completo da população,
constituirá uma verdadeira polícia do desvio. Quais são os critérios que
justificarão a intervenção da equipe encarregada do tratamento? De fato,
40
estamos começando a erguer um pequeno exército a serviço da norma e da
ideologia dominante” (“ Contre la Psychiatrie” in Castel, 1987: 43).
Sobre a Antipsiquiatria:
“Apologias, mesmo discutíveis, da loucura contribuíram para quebrar esse
claustro feito tanto de preconceitos quanto de muros. Experiências, mesmo que
aventurosas, que negavam qualquer diferença entre terapeutas e pacientes,
deixaram pelo menos ver que a alternância do doente não era radical.” (...) “A
antipsiquiatria foi ao mesmo tempo o sintoma e um dos repositórios de uma
nova sensibilidade, segundo a qual as partilhas do positivo e do negativo, do
bem e do mal, da respeitabilidade e da indignidade, da razão e da loucura, não
são traçadas a priori e não são substancializadas como irreversíveis”
(Castel,1987:30)
Discutiam a impossibilidade de penetração do movimento antipsiquiátrico na França
pela institucionalização do modelo de setor iniciado pelo que chamavam de “reformismo
democrático”. Sem contar que, a esta época, o movimento tinha sido eliminado na
Alemanha e Cooper renunciava a prática na Inglaterra (Castel, Guattari, El Kaim e Jervis,
1977:15).
Podemos, contudo, resumir em três grandes questões as críticas pontuadas pela
REDE, em relação as experiências de reforma da assistência psiquiátrica (exceção feita à
Itália). Em primeiro lugar não enfrentaram o hospício e ele continuou o centro de poder; em
segundo, deixaram o poder corporativo dos profissionais, tirou-se o segredo administrativo
dos hospícios das mãos dos hospitais e jogou-se para os profissionais ou de setor ou dos
Mental Health Center da psiquiatria comunitária; e finalmente, nas experiências extramuros, a comunidade era “objeto” e não protagonista. Isto fica claro nos documentos
constitutivos, em
“...algunos objetivos de lucha: - rechazo de todas las formas de confinamento
psiquiatrico; - cuestionamento da psiquiatria comunitaria como una forma
tecnocratica para relevar ao asilo; - rechazo del monopolio profesional sobre
los problemas de ‘salud mental’ ” (Rede, 1977:8).
O movimento cresceu e atravessou oceanos: em 1981 aconteceu o I Encontro
41
Latinoamericano da Rede de Alternativas à Psiquiatria, no México e, em 1983, no Brasil,
em Belo Horizonte. Os países que tinham experiências dispersas e marginais, mas
influenciadas pelas comunidades terapêuticas inglesas, principalmente Argentina, Brasil,
Chile, Colômbia e México, organizavam-se internacionalmente neste movimento. Basaglia,
Cooper, Castel e Guattari, nomes importantes do movimento, estiveram no Brasil a partir
de 1978, na época no Rio de Janeiro (Paulin, 1998:57).
No movimento da Rede não existiam expressões da Psiquiatria Comunitária norteamericana, que continuava, apesar de avaliações não tão positivas acerca de custo-benefício
esperado. Buscando seu aperfeiçoamento e ganhando força a partir das organizações
mundiais para a saúde – OMS e OPAS. Na Inglaterra vence o modelo preventivista da
reforma sanitária inglesa, sobre as comunidades terapêuticas, que se restringiram quase
exclusivamente à Escócia. Nos países do “socialismo real” – URSS e Cuba – apesar da
APS e do planejamento para as ações de saúde, perpetuava o modelo asilar. Da Argentina
veio a salada latina da psicoterapia institucional de Bleger7 e a comunidade terapêutica de
Rodriguez8, que foram influências definitivas para o Brasil.
7
Bleger, autor argentino que teve muita influência no Brasil – tanto na academia como nas
experiências locais em saúde mental. Fez uma “celebração” das teorias de Pichón-Riviere e com as
propostas da OPS: APS.
8
Rodriguez, também argentino, um dos introdutores de Grupoterapia Psicanalítica no Brasil e
também da experiência com Comunidade Terapêutica
42
TEMPESTADE...
ATÉ O IMPONENTE BAMBU
CURVA-SE AO CHÃO.
FLORIANITA
1.3 REFORMA PSIQUIÁTRICA E PSIQUIATRIA REFORMADA
Com a releitura das experiências de reforma psiquiátrica pelo mundo, é importante
trazer à tona a disputa dos conteúdos essenciais das diferentes ofertas de modelos
produzidas.
Partindo do que já analisou criticamente Castel e a Rede Alternativas à Psiquiatria: as
diferenças em disputa podem ser sintetizadas na Reforma Psiquiátrica italiana de um lado e
todas as outras de psiquiatria reformada, que podemos resumir na Psiquiatria Preventiva
dos EUA, divulgada e estimulada pela Organização Mundial da Saúde. Confirmando com
Amarante:
“a desinstitucionalização está na crítica à idéia de uma resposta
exclusivamente técnica para o tratamento dos problemas mentais, ou melhor, a
crítica à idéia, por si só ideológica, de que o ‘problema mental’ seja um
problema exclusivamente psiquiátrico” (Amarante,1996:93) E
“a nova psiquiatria, enquanto instituição da tolerância, torna-se apenas um
novo momento de uma mesma psiquiatria, que vislumbra uma nova solução
técnica específica para o problema da enfermidade mental. Se a violência é
rechaçada, e em seu lugar é adotada a tolerância, tal substituição não é
suficiente para resolver o problema da enfermidade mental; talvez seja o
mesmo, e simplesmente, apenas uma solução social e ideológica” (Amarante,
1996:95).
No quadro, da página seguinte, é uma tentativa de delinear - a partir de Costa e
Birman (1989) que estudando a Psiquiatria Preventiva e seu
“novo objeto – a saúde mental; um novo objetivo – a prevenção da doença
mental; um novo sujeito de tratamento – a coletividade; um novo agente
43
profissional – as equipes comunitárias; um novo espaço de tratamento – a
comunidade; e uma nova concepção de personalidade - a unidade bio-psicosocial” (Costa, 1989:24).
Buscamos também, encontrar objeto, objetivo, e agente profissional da Psiquiatria
Democrática (Basaglia e col.,1998; Dell’Acqua e Mezzina, 1991, Rotelli, Leonardis e
Mauri, 1990), além do que acrescentamos as tecnologias ou as intervenções que operam.
OS MODELOS DE REFORMA PSIQUIÁTRICA
MODELO TECNO-
PSIQUIATRIA
PSIQUIATRIA
ASSISTENCIAL
PREVENTIVA
DEMOCRÁTICA
OBJETO
Saúde Mental
Existência/sofrimento
inserido no corpo social
OBJETIVO
Prevenção e Promoção
Inclusão social
TECNOLOGIAS
Atenção à crise na
Produção de sentido, de
comunidade, além de
vida através auto-gestão dos
contenções de espaço e
serviços, do tempo e de
medicamentosa
contatos
AGENTE
Equipe
Equipe referência ou de
PROFISSIONAL
com
comunitária
um
corpo
de
cuidadores
profissionais
FONTE: BIRMAM-JURANDIR/ equipe de GORÍZIA (Basaglia e col) e TRIESTE (Rotelli e col)
Na definição de ‘psiquiatria preventiva’ como formulada por Caplan:
“refere-se ao corpo de conhecimentos profissionais, teóricos e práticos que
podem ser utilizados para planejar e executar, planos destinados a reduzir (1)
a incidência de distúrbios mentais de todos os tipos numa comunidade
(‘prevenção primária’), (2) a duração de um número significativo daqueles
distúrbios que efetivamente ocorrem (‘prevenção secundária’) e (3) a
deterioração que poderá resultar desses distúrbios (‘prevenção terciária’) (...)
o pré-requisito fundamental é, porém que os profissionais e serviços atentem
não só para o que querem fazer e o que suas habilidades lhes permitem
realizar, mas, além disso, para o problema comunitário total e para a forma
44
como sua contribuição se ajustará melhor ao esforço geral da comunidade”
(Caplan, 1980:31),
Na definição de Psiquiatria Democrática colocada por Rotelli:
“...o movimento...uniu um grupo de técnicos que já tinham efetuado uma ação
prática e crítica, e o mundo social, político e cultural (...) baseia-se em alguns
pontos de referência essenciais: o primeiro é a crítica a todas as instituições
totais e, em particular, ao hospital psiquiátrico (... ) outro ponto é a reflexão a
respeito das relações entre técnica e política, entendendo que o trabalho é
campo específico e não poderia jamais prescindir da matriz de exclusão social
sobre a qual os manicômios foram construídos, sobre a qual a própria
psiquiatria se funda (...) um dos princípios teóricos deste movimento é aquele
que firma que a prática é o que se previlegia, isto é, a transformação concreta
das instituições existentes é o laboratório de provas de qualquer análise,
reflexão e teorização que se queira fazer” (Rotelli, 1991:84/85)
Somente neste dois apontamentos, o de Caplan sobre a Psiquiatria Preventiva e o de Rotelli
sobre o movimento da Psiquiatria Democrática, podemos verificar que a primeira, a
Psiquiatria Preventiva, traz formatação e ampliação do técnico, para além do conhecimento
do psiquiatra, mas interdisciplinarmente, buscando o entendimento “enriquecido” do
paradigma ‘problema-solução’ via “outros saberes científicos”
que dêem conta da
explicação e cura da doença mental. E que na Segunda mostra
“os passos iniciais da desinstitucionalização consistem, pois, no desconstruir o
paradigma problema-solução, no envolver e mobilizar neste processo os atores
sociais envolvidos, inclusive os internos – já não mais sob o critério de
desalienação -, o que permite descobrir que este não é um problema puramente
‘tecnocientífico’, mas também normativo, social e ético” (Amarante, 1996:81),
Fala Caplan:
“o psiquiatra preventivo deve ser acima de tudo, um profissional competente.
Além disso, deve adquirir conhecimentos sobre uma vasta gama de questões –
sociais, econômicas, políticas, administrativas, etc. – que o habilitarão a
planejar e implementar programas que focalizem não só os pacientes
45
individuais, mas também os problemas comunitários de que eles são parte
integrantes” (Caplan, 1980:31)
Para a Psiquiatria Democrática não será um profissional determinado, nem mesmo ou
muito menos ainda com a “ciência psiquiátrica” que dará conta da reabilitação de uma
pessoa. Chamam de “operador psiquiátrico”, quem compõe suas equipes de cuidadores9,
que em primeiro lugar deve ter a “flexibilidade” máxima e uma “tomada de
responsabilização” sobre cada caso e assim poder apresentar uma “oferta terapêutica”. E
esta, deve
“responder à necessidade, antes de tudo, fornecer instrumentos materiais de
‘reprodução
social’
e
de
melhorias
da
qualidade
de
vida”(Dell’Acqua/Mezzina, 1991:71),
e preocupar com as diversidade e diferenças é o que
“induzem os operadores uma visão integral dos problemas da saúde mental e
do serviço, evitando especializações estéreis e permitindo um enriquecimento
recíproco de práticas diversas” (Dell’Acqua/Mezzina, 1991:69).
O modo de trabalhar, tendo o usuário como o centro da atenção e não o diagnóstico
do qual alguém é portador, levou as experiências da desinstitucionalização - a alma da
Psiquiatria Democrática –, a esse desconstruir/construindo relações (doença e ciência) à
autogestão do processo de trabalho (da reabilitação, do tempo, do cotidiano de um serviço e
da vida), pela equipe de cuidadores e dos cuidados. Assim construía novas subjetividades,
apostava em um sujeito capaz de andar a própria vida.
Esse funcionamento, apresenta-nos resultados com a demanda chamada ‘em situação
de crise’. Os dados mostram uma queda significativa, em cinco anos de Trieste: em 1980,
de total de chegados ao serviço de saúde mental, 73% era desta ‘demanda em situação de
crise’; em 1983, ela já caiu para 36, 6% e em 1985, chegou a 25% (Dell’Acqua e Mezzina,
1991).
A Psiquiatria Preventiva, por sua vez tem nos serviços o centro de sua organização.
9
o que aqui no Brasil chamamos Equipe de Referência.
46
Conforme o ‘grau’ da doença apresentada pelo usuário – controlado/adaptado, em crise –
um tipo de serviço diferente também era-lhe ofertado: os Centros de Saúde, os
equipamentos intermediários (H-D, Lares, Ambulatórios) e finalmente o Hospital.
Fecharemos com uma citação de Basaglia, que mostra o pensamento sobre o fazer, a
organização dos serviços, enfim o “modelo” italiano:
“Não sabemos qual será o próximo passo. A realidade não pode ser definida a
priori: no momento mesmo em que é definida, desaparece enquanto conceito
abstrato” (Amarante, 1996:81)
47
48
2. “RUIM DA CABEÇA E DOENTE DOS PÉS: AS REFORMAS BRASILEIRAS
SOB HEGEMONIA DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
AQUI VEJO MUITO PASSARINHO,
A ASA BRANCA, O ANU, PARDAL,
JOÃO-DE-BARRO...MAS SABIÁ NÃO VEM:
FOI PRESO NA GAIOLA.
TODOS OS PÁSSAROS
QUE ACHEI NO PAVILHÃO SOLTEI.
NÃO DÁ PARA PRENDER PASSARINHO
BASTA O QUE ELES JÁ PRENDEM DE GENTE.
MANUELZINHO DAS FLORES
2.1 SINTETIZANDO
A
EXPERIÊNCIA
BRASILEIRA
DA
REFORMA
PSIQUIÁTRICA
No Brasil
“...a sensação é de defasagem de pelo menos 40 anos” (Pitta, 1984:51),
é o que diz Ana Pitta em sua tese de mestrado, em 1984, quando era coordenadora da Rede
Ambulatorial de Saúde Mental da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SESSP).
Nessa época implantavam uma política para a área que era um desdobramento da política
de saúde mais geral com diretrizes dadas pelo Plano oficial da Política de Saúde no Brasil,
o Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária, CONASP/82.
Apesar da história da psiquiatria brasileira conter decretos e manuais oficiais de 1962
e 1973 (Paulin, 1998:46 e Pitta, 1984:47), que apregoavam a descentralização e
hierarquização dos serviços com prioridades extra-hospitalares, na prática nunca foram
levados a cabo. Somente com a crise da Previdência Social, na década de 80,
principalmente no que dizia respeito a
“sua crise financeira, conclui-se com a reordenação do espaço político no qual
se inscreve a assistência médica previdenciária com os atores políticos cada
vez mais organizados, claramente posicionados, marcando os contornos da
estrutura de poder no setor saúde, com diversas propostas colocadas na mesa,
e, como consequência, com um espaço cada vez menor para uma atuação
49
arbitrária dos órgãos governamentais” (Fleury/Oliveira, 1985:289).
Uma proposta quase consensual para superação da crise financeira foi criar uma
instância que regulasse a Previdência e é nesta perspectiva que veio o CONASP. Ao modo
brasileiro de consenso, teve como presidente uma personalidade médica “isenta” e de
notório saber - o Dr. Aloysio Salles e outros 14 membros escolhidos pelo Presidente da
República em lista quíntupla apresentada por órgãos representativos de classe - ficaram sete
representantes governamentais, três patronais, dois da área médica e três representantes dos
trabalhadores. Em 1982, o CONASP divulga seu “Plano de Reorganização da Assistência à
Saúde no Âmbito da Previdência Social” dividido em três partes: sobre o diagnóstico do
modelo atual, proposta de reorientação e uma estratégia de implantação do Plano.
As posições que terão influência decisiva no CONASP, são posições consideradas
por Merhy, como reformadoras com algumas diferença:
“uma delas que preconizou a constituição de uma rede básica, mas mantendo a
dicotomia assistência médica e saúde pública, e outra que visualizava uma
rede básica como ‘porta de entrada’ do conjunto dos serviços de saúde”
(Merhy, 1997:218).
A primeira delas já se apresentava uma perspectiva de resultados, embora com
exercício pontual (na SESSP), então
“a implantação de seu modelo encontrou pela frente a associação entre
‘extensão de cobertura e custo das ações’ como um problema limitante, pois
nele, devido à restrição no acesso e à dicotomização das ações, o padrão de
gasto apontava para um patamar muito maior do que historicamente vinha se
dando” (Merhy, 1997:219).
O que mais motivava o CONASP, pela situação crítica financeira e política da assistência à
saúde no país, eram questões que diziam respeito a custo/benefício, racionalidade de gastos
para o Estado, daí foi priorizada a
“linha que postulou um combate a dicotomia das ações de saúde, técnica e
institucionalmente, através da unificação das ações ao nível ministerial e de
serviços de saúde concebidos como hierarquizados por complexidade
50
tecnológica e regionalizados, com lugares bem-definidos de realização das
ações básicas de saúde” (Merhy, 1997:220),
o que ainda seguindo Merhy,
“este modelo trouxe para seu interior conceitos forjados pela saúde pública,
principalmente no campo administrativo/gerencial, como por exemplo as
questões sobre a regionalização, descentralização, etc. Isto faz deste modelo
um
híbrido
interessante,
pois
é
organizado,
administrativa
e
programaticamente, pelos critérios organizacionais adotados pelas ações
coletivas, com uma abordagem tecnológica marcada pela ótica médica, mas
sob uma leitura epidemiológica” (Merhy, 1997:223).
Assim firmou-se a proposta do CONASP, fruto de articulações, principalmente dos
setores sanitaristas de diferentes estados, que já vinham de articulações em movimentos
sindicais, no Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – o CEBES; fruto de experiências de
organização de serviços de saúde sob responsabilidade de universidades (MG, SP, RJ, BA,
CE), e ainda, de setores do Ministério e da Fundação Nacional de Saúde no Nordeste e da
Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, o Plano de reorganização da assistência à
saúde seguiu os referenciais da Atenção Primária à Saúde. É desta forma que vários
Estados
e
Municípios,
já
em
1983,
assinam
os
Convênios
Trilaterais
(MPAS/MS/Secretarias Estaduais) e iniciam a compatibilização dos seus programas, o
planejamentao
e
gestão
conjuntas
regionais
-
com
as
Comissões
Regionais
Interinstituicional de Saúde ( CRIS) - e locais - com as Comissões Municipais
Interinstitucional de Saúde ( CIMS).
A assistência psiquiátrica foi adequada ao plano de saúde com um documento “Programa de Reorientação da Assistência Psiquiátrica” - elaborado quatro meses após o
decreto do primeiro plano a ser publicado e com a participação de muitos destes atores já
citados, vem adequar a Assistência Psiquiátrica ao Plano de Saúde anteriormente
divulgado.
Alguns ítens propostos merecem ser citados e comentados:
Na Introdução do Programa afirmam
51
“o modelo asilar e custodial tem prevalecido na prática, apesar dos avanços
ocorridos nas áreas da psicoterapia e da farmacologia. Todos são unânimes
em afirmar o seu caráter iatrogênico, com nenhuma possibilidade de contribuir
para a superação de quadro nosológico gerado por condições tão adversas;
pelo contrário é agravador e perenizador da situação. Esse quadro agrava-se
ainda do ponto de vista institucional quando identificam aí as mesmas
características indutoras de desvios e distorções já devidamente analisadas e
qualificadas no modelo assistencial em geral, com um efeito econômicofinanceiro perverso” (MPAS, 1983:10).
Ainda na introdução é comentado o crescimento da participação da assistência da rede
hospitalar privada, que na década de 70 – em números de leito-dia - atingiu a proporção de
15% ao ano. E o atendimento ambulatorial resumia-se à atenção psiquiátrica nos Postos de
Assistência Médica (PAM) do INAMPS, principalmente no RJ, SP e Curitiba (MPAS,
1983:12).
Na caracterização geral do modelo, apontavam
“internações desnecessárias motivadas pelos fatores de distorção próprios à
forma
de
remuneração
por
produção
já
indicadas
no
Plano
CONASP”(...)“estabelecimento, às vezes questionáveis, de diagnósticos com
vistas a conseguir maiores prazos de internação”(...) “altas precoces, com
finalidade de não extrapolar os tempos de permanência estabelecidos para o
sistema contábil”(...)“dar altas seguidas de imediata reinternação, sem que o
paciente deixe o hospital, como forma de contornar os tempos” pois
”processos de pagamento pelo INAMPS são mais demorados” e “dificuldades
criadas para os servidores da Previdência Social na execução de suas tarefas
de supervisão e avaliação dos serviços contratados”(MPAS, 1983:12).
Quanto as distorções e implicações da assistência, discorrem sobre a baixa qualidade
e grande variação dos tratamentos oferecidos pela rede hospitalar, desrespeito às exigências
dos contratatos no que regem também a linha assistencial, falta de fluxo adequado de
medicamentos, insuficiência de recursos de atendimento ambulatorial, etc.
As propostas de Reorientação da Assistência Psiquiátrica, objetivavam
52
“melhoria da qualidade assistencial na área de saúde mental”(...)”permitindo
a alocação e previsibilidade de recursos de acordo com o modelo assistencial
proposto”(...)”e aumento da produtividade dos recursos alocados, com
racionalização e controle das formas de prestação de serviços próprios,
conveniados, contratados e credenciados” (MPAS, 1983:13).
Como princípios firmaram os mesmos do Plano CONASP: a regionalização,
descentralização, hierarquização e compatibilização entre os três níveis de governo, com
prioridades ao setor público e complementariedade com setor beneficente e privado.
Nos princípios específicos para a área da saúde mental definiam:
“a assistência em saúde mental deve observar a visão do paciente dentro do
seu contexto familiar e sociocultural, sujeito às influências dos seus
relacionamentos
interpessoais
e
ambientais
considerado
o
distúrbio
psiquiátrico como episódio no ciclo natural de saúde/doença do indivíduo”
e observar os seguintes princípios:
“ a) ser predominantemente extra-hospitalar; b) empregar os vários recursos e
técnicas diagnóstico-terapêuticas disponíveis, com a conseqüente e necessária
utilização de equipe multiprofissional, respeitadas as especificidades de cada
categoria profissional; c) incluir-se numa estratégia de atenção primária à
saúde; d) utilizar recursos e métodos extra-hospitalares, intermediários entre o
ambulatório e a internação integral, que procurem reverter a tendência
(prevalente) à hospitalização; e) utilizar a internação integral apenas para
aqueles pacientes que apresentem uma sintomatologia que represente risco
para si e/ou para terceiros e, nos poucos casos em que a associação problemas
sociais/sintomatologia psiquiátrica, impossibilite totalmente a manutenção do
paciente em seu meio familiar e social, e pelo menor prazo possível;
f)
promover a implantação progressiva de pequenas unidades psiquiátricas em
hospitais gerais, na tarefa assistencial ora desenvolvida quase que
exclusivamente por hopitais especializados” (MPAS, 1983:14).
É importante lembrar que também no setor da assistência psiquiátrica já se discutia
uma reforma. Principalmente entre os anos 1978 a 1980, segundo Amarante, e que
53
“dentre os diversos atores, merece destaque o Movimento de Trabalhadores da
Saúde Mental (MTSM) em suas várias formas de expressão – Núcleos
Estaduais de Saúde Mental do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), Comissões de Saúde Mental dos Sindicatos dos Médicos, Movimento
de Renovação Médica - (REME), Rede de Alternativas à Psiquiatria, Sociedade
de Psicossíntese. Outros atores de relevância nesta história são a Associação
Brasileira de Psiquiatria – (ABP), a Federação Brasileira de Hospitais –
(FBH), a indústria farmacêutica e as universidades, que têm uma atuação
extremamente importante, ora legitimando, ora instigando a formulação das
políticas de saúde mental. O Estado, por meio de seus órgãos do setor saúde –
Ministério da Saúde - (MS) e Ministério da Previdência e Assistência Social
(MPAS) (Amarante, 1998:51).
No final dos anos 70, ainda na resistência à ditadura militar, os atores/militantes da
área da saúde mental tinham o discurso radical: por exemplo, o MTSM “filiou-se” à Rede
Internacional de Alternativas à Psiquiatria, com expressões importantes em SP, RJ e MG.
Tal movimento criticava o que chamavam de aggiornamento (Castel, 1978): as políticas
preventivistas em saúde mental, em avaliação nos EUA, já mostravam um aumento de
demanda ambulatorial e falta de alternativas à internação hospitalar. Este modelo, segundo
avaliações da Rede, já mostrava que, ao não enfrentar o hospital psiquiátrico – pois
esperava-se que à medida que funcionasse a porta de entrada do sistema (a rede básica), a
“doença” prescindiria da internação integral – não “desinstitucionalizou”, mas transferiu
internos de instituições: houve a desospitalização com a criação das casas asilos para
internação e grande aumento (podemos até dizer criação) de uma demanda ambulatorial. E
mais: a Rede fazia uma crítica fundamental a essa proposta, sobre o trabalho extra
hospitalar e na comunidade, que viam a comunidade como objeto e não como protagonista
de seus problemas, ficando nas mãos dos profissionais da saúde mental resolvê-los –
fazendo uma transferência de responsabilização do hospital aos técnicos, embora se
chamasse “comunitária”.
O interessante nessa releitura é perceber que esses mesmo atores, na década seguinte,
da abertura política, contraditoriamente, passaram a implementar uma política de saúde
mental com base nas diretrizes do Plano CONASP, que anunciou como um de seus
54
princípio para a área da saúde mental “inserir-se numa estratégia de Atenção Primária à
Saúde”. Foram implantar um modelo, que eles próprios tinham considerado já superado: as
co-gestões dos hospitais psiquiátricos estatais no RJ; a organização de equipes em rede
básica e rede ambulatorial na Secretaria de Estado da Saúde, em SP; e no governo de MG e
RS. Nas palavras de Amarante:
“o MTSM dá as mãos ao Estado e caminha num percurso quase inconfundível,
no qual, algumas vezes, é difícil distinguir quem é quem. O Estado autoritário
moribundo, especificamente no setor saúde, na sua necessidade de alcançar
legitimidade, de diminuir tensões e de objetivar resultados concretos nas suas
políticas sociais, deseja essa aliança, mas certo de que as mudanças propostas
não conseguem ferir efetivamente as bases destas mesmas políticas”
(Amarante, 1998:67 e 68).
Existiria uma estranheza inexplicável se não lembrássemos, que esta foi a época
quando os partidos políticos ‘clandestinos começam a aparecer’. Durante a ditadura, o
Partido Comunista Brasileiro (PCB)10 na clandestinidade tinha bastante influência na área
da saúde, tanto nos movimentos (sindicais e na criação do CEBES), quanto na
tecnoburocracia (secretarias estaduais e funcionários federais) e tinha como bandeira
política uma Frente Ampla, que acabava por dominar todas suas áreas de influência. Esta
influência, aparece mais claramente quebrada, na 8ª CNS, com a discussão de SUS já ou o
SUDS – que ameaçava menos o setor privado... tivemos de conviver com o SUDS até a
Constituição. Porém, ainda aí o ‘Partido Sanitário”11 continuava unido, o que realmente vai
demonstrar as diferenças e até nuances da esquerda brasileira, serão as propostas e prática
da implantação do SUS, após 1989: Modelo da Atenção Primária à Saúde , Programação
em Saúde, o Sistemas Locais de Saúde (SILOS) com a Vigilância à Saúde e Em Defesa da
Vida.
Voltando à 1982, para a organização de serviços de saúde implantou-se uma Atenção
Primária à Saúde um tanto modernizada, pois trabalhava-se a assistência não dicotomizada
da prevenção, propunha um esboço de controle social e a descentralização da gestão.
10
para essa discussão ver Gallo (1993) e Elias (1997)
55
Porém, para a área da saúde mental, amenizaram-se as contendas: ‘pela ampliação da
atenção’ à saúde mental e não mais a contundente ‘pela extinção dos manicômios’. A área
de saúde mental seguiu bastante aderida ao modelo hegemônico da reforma sanitária,
sempre marcada pelo eixo do controle custo/benefício das ações sob um ótica da
epidemiologia e da saúde pública.
Três pontos colocados pelo CONASP para a Assistência Psiquiátrica, deixam claro
esta questão. O primeiro deles define “o distúrbio psiquiátrico como episódio no ciclo
natural do processo saúde-doença do indivíduo”, o segundo ‘prescreve’ à assistência em
saúde mental “incluir-se numa estratégia de Atenção Primária à Saúde” e finalmente sua
visão de internação limita à internação integral, quando considera que casos de “problema
social/sintomatologia psiquiátrica, impossibilite ‘totalmente’ a manutenção do paciente em
seu meio familiar e social, e pelo prazo menor possível”.
As Ações Integradas de Saúde (as AIS) iniciam numa conjuntura política que
favorecia a construção de coisas novas: em 1983, no Brasil, aconteceram eleições para
governadores dos Estados, o que não acontecia havia décadas. E em muitos deles,
importantes em termos populacionais e de desenvolvimento industrial, ganharam partidos
oposicionistas em relação ao governo federal e ainda, após quase 20 anos de governo
militar, o colégio eleitoral - Câmara Federal e Senado - escolheu um civil, de partido
oposicionista.
O fervilhar de diferenças era, finalmente, possível. Todos os questionamentos sobre
os resultados da assistência à saúde da população brasileira vieram à tona. As propostas e
experiências que buscavam melhorar o acesso aos serviços desde a assistência médica
individual - não apenas os benefícios ao coletivo -, à saúde pública preventiva. Não bastava
mais a vacina, a puericultura, a distribuição de medicamento e busca ativa para os
hansenianos e tuberculosos.
As AIS foram um basta ao papel do médico generalista e papel exclusivo de um
educador em saúde. Educação em Saúde deveria ser trabalho de todos os profissionais da
Rede Básica e a atenção ambulatorial com médicos de clínicas básicas. Entram em cena o
Referiam as tentativas de reunir as pessoas em prol da saúde pública, independente das
correntes partidárias ideológicas.
11
56
ginecologista, o pediatra, o clínico, o psiquiatra – e, conforme o planejamento local - até o
geriatra e o cardiologista. Por estas modificações chamamos modernização da Atenção
Primária à Saúde - ou correção da APS que se praticava no Brasil. Porém, o essencial para
uma reformulação maior do sistema como um todo - financiamento e controle - não se
atingiu nesse período. O sistema hospitalar continuou excluído dos planejamentos da saúde
pública e a gestão do sistema era da rede básica, sem financiamento ou verbas e
descentralizado. Com isso, na área da Saúde Mental, por exemplo, mesmo com as
observações precisas do CONASP – prioridades as ações ambulatoriais - o descompasso
da assistência continuou o mesmo: a proporção era que 96% dos investimentos iam para a
assistência psiquiátrica nos hospitais, e 4% para a atenção em saúde mental extra-hospitalar
(Pitta, 1984:135).
As AIS, na área da mental, não se constituíram em uma ‘camisa-de-força’ desejável
para os donos dos hospícios, que inicialmente ao CONASP reagiram:
“o setor privado, representado pela FBH, é o principal oponente do plano,
considerando-o absolutamente estatizante e contrário aos seus interesses”
(Amarante, 1998:67).
Posteriormente, com um resultado que não mostrava a inversão do que tanto temiam, o
dinheiro – representado pelas Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) -, que não
mudou de mãos... e ficaram calmos.
Era uma época, que apesar do fervilhar de possibilidades, a vanguarda da saúde
mental arreou as bandeiras mais radicais: contra a exclusão, contra a miséria e pela
emancipação da vida. Entretanto, faz bem lembrar que felizmente não existe linearidade na
vida, e neste momento histórico existiu como que um divisor de “linhas estratégicas” no
MTSM, que Amarante discorre como
“a primeira, que adota uma linha predominantemente instituicional, define o
seu campo de intervenção num aspecto que vai desde a criação de associações
de funcionários, de participação da comunidade na gestão da instituição, até a
imagem-objetivo de superar o manicômio pela transformação das práticas
assistenciais. A segunda, que adota uma linha predominantemente sindical,
exerce um papel de vigilância sobre a primeira, atuando na organização dos
57
trabalhadores, na luta por melhores condições de assistência e trabalho”
(Amarante, 1998:68).
Este é um dado mais representativo do RJ. E em São Paulo, organizou-se a Plenária
dos Trabalhadores de Saúde Mental (embrião paulista do Movimento da Luta
antimanicomial), após 1985, quando a “linha do MTSM-governista”, organizou com toda
formalidade governamental um Congresso dos Trabalhadores de Saúde Mental, sendo
vaiada – de costas – por um auditório repleto de trabalhadores que não queriam ser meros
participantes (Yasui, 1989). E ainda, os hospitais psiquiátricos continuavam levando a
maior – mas muito maior mesmo - parcela do financiamento (Paulin, 1998:63).
É interessante pontuar que essas divisões, no movimento pela Reforma Psiquiátrica
brasileira, apresentavam diferenças de propostas na política maior12 e consequentemente
disputas de formas de gerir e fazer saúde. Também movimentavam-se aqui, atores
estratégicos que vão assumir e forjar projetos para outros governos mais adiante.
A Constituição de 1988 ratifica, no seu capítulo 5, os princípios que o movimento
sanitário já havia apresentado na 8ª CNS: o Sistema Único de Saúde (SUS). A lei orgânica e
suas normatizações vieram numa conjuntura em que a classe dominante, vitoriosa com a
eleição de Collor de Melo13, buscava fortalecer seu projeto liberal – presente desde a Velha
República - que entrava em choque com a Constituição de 88: privatizações, centralização,
a disputa do mercado para regular/controlar tudo. A sina do SUS: lutar pra não ficar só no
papel e ainda, nadar contra a maré das correntes neoliberais.
O que possibilitou fôlego ao SUS e à Constituição foi, ao mesmo tempo em que, a
população brasileira elegeu para Presidente da República um programa que muito bem
representava a tendência neoliberal, elegeu também – no ano anterior -, na maioria dos
Municípios importantes (capitais e grandes cidades) Prefeitos de partidos de centro e
esquerda, que escolheram seus Secretários Municipais de Saúde - em muitos casos protagonistas do Movimento Sanitário e envolvidos com as propostas contidas na
Estou chamando
assim, as proposta de organização político-econômica da sociedade,
representada pelas opções políticas dos Partidos. O que também já define diferentes formas de
analisar e propor o modo de fazer saúde.
13
Presidente eleito na 1a eleição direta após ditadura, em 1989 e cassado pelo Congresso Nacional
em 1993.
12
58
Constituição.
Tempo de novidades na experimentação do poder político, ou seja, maiores
possibilidades de se implementar propostas que muitas vezes não saíam do papel, pois os
governantes
anteriores
não
as
incorporavam
de
fato.
Agora,
muito
dos
elaboradores/defensores delas estavam no executivo estadual ou municipal.
Outro fator relevante: já se passavam cinco anos do CONASP e dos convênios das
AIS. Com isso, as experiências da incorporação da assistência médica, a organização do
trabalho das equipes e a reformulação das funções profissionais e a organização dos
serviços de saúde, também faziam cinco anos. Sem esquecer que estas experiências
aconteceram com grandes diferenças nos principais Estados brasileiros, devido à histórias
anteriores de organização da Assistência à Saúde e dos diferentes protagonistas dos
movimentos em cada um deles. Daí que diferentes diagnósticos e análises, e
consequentemente, propostas de reformulação do Modelo de Atenção ocorreram. Adquiria
potência uma posição mais transformadora, ainda na matriz médico-sanitária, conforme
Merhy
“democratização do poder político e socialização dos benefícios eram seus
lemas” (Merhy, 1997:223).
Trazia
“uma proposta de rede básica mais complexa que as anteriores, pois a rede
básica teria de ser não só porta de entrada do sistema de saúde , mas o lugar
essencial a realizar a integralidade das ações individuais e coletivas de saúde,
ao mesmo tempo em que fosse a linha de contato entre as práticas de saúde e o
conjunto das práticas sociais que determinam a qualidade de vida, provocando
a mudança no sentido das práticas. Deste modo a rede básica teria de ser
‘inventada’ tecnologicamente, não bastando incorporar o que já se acumulou
em outras experiências” (Merhy, 1997:224)
Na área da Saúde Mental assistiram-se experiências bastante diversificadas. Na
cidade de São Paulo investiram na radicalidade da proposta da saúde mental na saúde
pública, acompanhando a Reforma Sanitária. Em Campinas, com história anterior de saúde
mental comunitária, não só ampliaram-se os serviços na rede básica - também bastante
59
vinculada a Reforma Sanitária em curso -, como fez-se um contrato de co-gestão
transformando um Sanatório filantrópico e conveniado ao SUS. Em Santos fizeram uma
intervenção no único hospital psiquiátrico, privado, conveniado ao SUS e partiram do
hospital para o território, dando novas formas de organização em saúde mental. E assim,
pelo país afora aconteceram experiências de acordo as possibilidades históricas locais, mas
todas orientadas pela origem na APS – à exceção de Santos: São Lourenço do Sul, Porto
Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Quixadá, etc.
Para a área da saúde mental e para a reforma psiquiátrica alguns princípios
fundamentais do SUS vieram somar a favor: 1) descentralização com a municipalização da
assistência; 2) integralidade da assistência oferecida devendo abranger os diversos níveis de
atenção à doença e a responsabilização pela saúde do munícipe, entendendo a recuperação
dos indivíduos intersetorialmente; 3) e o controle social – tripartite – da aplicação
financeira e necessidade e organização dos serviços oferecidos.
Porém, um dos princípios do SUS, para a organização dos serviços de atenção à
saúde mental, amarrou a proposta de reforma psiquiátrica aos moldes burocráticos: a
hierarquização. Forçou os novos serviços a se incorporarem na rede básica classificando-os
ou primários, ou secundários (só respondendo a encaminhamentos da
rede)
e ainda
intermediários, o que faz classificar “crises e tipos de crises”. Dessa maneira a
hierarquização para a saúde mental é uma dificultadora ao acesso do usuário e deixa a
desejar quanto a eficácia dos resultados. Além destas questões tem o aspecto do
acolhimento e a reabilitação psicossocial, que ficam afetados. A pessoa adoecida das
relações, necessitada do reconhecimento e empréstimo contratual de pessoas – familiares,
vizinhos e técnicos - que a acompanham, tendo uma crise perde qualquer relação com suas
referências à reabilitação e é tratada apenas como ‘um doente’, numa internação integral
seja em pequeno ou grande hospital, hospital geral ou psiquiátrico.
No Brasil, no último ano do século XX, ainda os interesses em jogo têm emperrado o
que já se conquistou na área, tanto no plano internacional como em algumas ações locais:
várias destas experiência estão ao sabor de governos nos quais a visão conservadora da
psiquiatria domina. As Comissões Nacional e Estaduais de Reforma Psiquiátrica, para
assessorar e executar diretrizes saídas das Conferências e dos Conselhos, não funcionam. O
interesse econômico dos donos de hospitais e da indústria farmacêutica mistura-se com a
60
indecisão política das prefeituras em assumir, de fato, o poder local.
Enfim, pelo menos três questões são importantes grifar com relação à proposta de
Reforma Psiquiátrica, levada adiante no Brasil, que tem sua base fundada no modelo da
OPAS, do preventivismo da APS. Primeira, existe a hegemonia de uma psiquiatria bastante
reformada, reafirmando os estudos de Costa e Birman, e com
“um novo objeto – a saúde mental; um novo objetivo – a prevenção da doença
mental; um novo sujeito de tratamento – a coletividade; um novo agente
profissional – as equipes comunitárias; um novo espaço de tratamento – a
comunidade; e uma nova concepção de personalidade - a unidade bio-psicosocial” (Costa e Birman, 1989:24).
A segunda é que a Reforma brasileira tem sido marcada por um grande descompasso.
Isto acontece pela falta de investimento dos governos e, pior ainda, pelo enfraquecimento
do movimento da sociedade civil e também por alterações nos sentidos de protagonistas –
assistimos a algumas contradições quando lideranças sobem ao poder de Estado, facilitam a
execução dos planos, mas desaquecendo o movimento social. Ao longo desses 17 anos,
vimos a ampliação da rede ambulatorial de saúde mental – incluindo equipes nas Unidades
Básicas -, construção de equipamentos intermediários à internação psiquiátrica – HD,
Oficinas e Pensões. Assistimos a redução imediata dos leitos credenciados, necessidade
indiscutível para qualquer tentativa de humanização. Reformulou-se com isso os convênios
(Psiquiatria-3 e Psiquiatria-4)14 para que fossem mais exigentes nos projetos terapêuticos;
contemplando a reabilitação com a possibilidade do sair, conviver e ser contra-referenciada
da internação para o serviço que solicitou. Abriu-se Centrais de Vagas do Estado para o
controle do uso de leitos, com supervisões e auditorias.
Contudo, continuamos sem mudar ou redirecionar o financiamento da assistência
psiquiátrica. Segundo assessores do Ministério da Saúde (Dra. Ana Pitta e Dr. Cláudio
Duarte), em reunião com secretários e articuladores dos municípios da DIR-XII, em agosto
de 1999, ainda mantém-se uma proporção de 7% X 93% para a relação entre a assistência
extra-hospitalar e a internação integral em hospital psiquiátrico (SSCF, vídeoclipping,
E lógico, para contemplar o lobby dos donos de hospitais e dar-lhes mais uma chance, já que o
Estado não investiu em sua capacidade de controle. As auditorias são pouquíssimas e esparsas.
14
61
1999).
E, por último, estes anos mostram que apostar na arena política dos
espaços
governamentais, deixa um vácuo muito grande no movimento forjado na sociedade civil e
os projetos ficam ao pêndulo das vontades dos mandatários eleitos a cada sufrágio. No
Brasil como um todo, as repercussões foram bastante limitadas pelo desequilíbrio no jogo
de forças dos donos de hospitais e do movimento antimanicomial (técnicos, usuários e
familiares). Uma melhora, nesses anos, foi a possibilidade do controle social fortalecido
como princípio de organização do SUS, o que mudou a relação dos hospitais conveniados
com o Estado, pois, até então, os hospitais seguiam curso autônomo das opiniões da
sociedade e, bastante dependentes do financiamento estatal, sendo os típicos utilizadores,
para o benefício privado, da coisa pública. Hoje continuam... mas um pouco mais vigiados.
62
FRAGILIDADE
...SE GLORIFICO O CAVALO
AS RÉDEAS
O SOL
E A ESPADA,
O HOMEM EU APENAS OUÇO GRITANDO
NA SOMBRAS DE SEUS CONCEITOS.
L’ ESTAQUE
(Campineira, artista do mAtelier Espaço-8)
2.2. O MODELO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA
Talvez pensarmos um pouco a respeito dessa condição de herdeiros do modelo da
Atenção Primária à Saúde seja interessante para o entendimento das bandeiras que
colocamos ou deixamos de colocar para o Movimento da Luta Antimanicomial no Brasil.
No Brasil, reconhecidamente área de influência dos EUA, assim como toda a
América Latina, a Atenção Primária à Saúde fez parte de uma disputa interna entre os que
representavam a Saúde Pública e o planejamento estatal e os que representavam os
interesses privados e da medicina liberal. No pós-guerra, num convênio com os EUA foi
criado o Serviço Especial de Saúde Publica (SESP) em regiões de MG, AM e ES, com o
intuito
“de organizar um serviço que permitisse a ocupação de regiões importantes
para a produção de borracha e minério” (Merhy, 1997:208).
O SESP representou uma organização de uma rede permanente de centros de saúde,
constituiu a “carreira profissional” para sanitaristas em tempo integral, equipes auxiliares
com laboratórios, visitantes sanitários e até médicos consultantes. E introduz um conceito
de regionalização e hierarquização dos serviços de saúde pública. (Merhy, 1997)
O mais importante dessa experiência é que inicia-se diferentes modos de pensar a
saúde pública e críticas contundentes surgem após o que julgavam falência das políticas
campanhistas do início do século e da “americana” representada pelo SESP.
“O correr da década de 50 a 60 foi palco de uma intensa disputa que, partindo
da matriz médico-sanitária, trouxe para o centro do debate muitas outras
questões e projetos que genericamente se dividiram em duas grandes linhas,
uma que pregava a necessidade de investir cada vez mais em serviços de saúde
para melhorar o perfil de saúde do povo, e uma outra que via a necessidade de
63
investir em melhoria das condições gerais de vida que determinariam uma
melhora do perfil de saúde dos vários grupos sociais, como consequência”
(Merhy, 1997:210).
Os anos 50 tem como característica a industrialização e com ela o início da “teoria do
bolo”: primeiro o desenvolvimento econômico para o grande salto social. Contenção e
concessão, a ambiguidade dos governantes do período – de Vargas a JK. A marca de ambos
na saúde foi criar, organizar e estender a assistência médica previdenciária – apenas aos
trabalhadores e seus dependentes, empregados de empresas públicas ou privadas, mas cada
vez mais às custas do Estado e não dos empregadores. Isto mostra-nos claramente a
dicotomia da medicina e saúde pública, uma para quem paga ou é empregado e outra
apenas para manter a capacidade produtiva, e então para todos os sem posses.
Em início dos 60, o presidente João Goulart tenta estender tais benefícios também ao
trabalhador rural e não deu conta da “oligarquia” não empregadora, mas “escravagista” por
concepção. Embora
“a universalização da atenção médica previdenciária, curativista, é projeto de
hegemonia de classes no sistema capitalista de produção, em nível
internacional, desde o final da guerra”(...)”Esse projeto se exprime em formas
variadas de propostas institucionais nos diversos países de acordo com a
estrutura político-econômica destes países, e com as conjunturas políticas –
onde se defrontam os divergentes interesses das classes em presença” (Madel
Luz, 1979:15),
o que no Brasil foi impossibilitado pelo golpe militar de 1964. Mesmo o Planejamento em
Saúde introduzido na América Latina, pela OPAS, no início de 60, o modelo
CENDES/OPS,
“elaborado a partir de um modelo matemático apresentado em Seminário de
Planejamento de Saúde da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins de 1963, e
visava a estabelecer preços para cada doença”...(Madel Luz, 1983:153)
era visto como perigo comunista.
E no país, as tentativas na 3ª CNS, em 1963,
64
“representando as novas posições, surgiu com ênfase” (...e...) ”introduziu a
discussão do desenvolvimentismo, da integração das ações, do planejamento
em saúde, e da mercantilização das ações de saúde, numa perspectiva que
supunha a superação das bases capitalistas de organização da sociedade
brasileira, enquanto “sociedade atrasada” no rumo da modernização” (Merhy,
1997:210)
foram, logicamente, abortadas. Continuamos assim com as bem separadas: assistência
médica previdenciária – de controle estatal para o benefício privado – e a saúde pública
para controle campanhista das epidemias.
As experiências brasileiras do Planejamento em Saúde e do modelo de Atenção
Primária à Saúde aconteceram pontualmente sob a responsabilidade de algumas
universidades e poucos municípios. Até que o Estado de São Paulo, na década de 70, faz
uma reforma administrativa e considera como política estadual de saúde a Atenção
Primária, e para isso organiza uma rede de Centros de Saúde, cursos e carreira de
profissionais sanitaristas para implantá-la – médicos, enfermeiros, educador e visitador
sanitário, etc. Tais experiências vão ter significado na política de saúde brasileira, mas se
modificando para não dicotomizar assistência médica e saúde pública, com o Plano
CONASP. Da mesma forma a saúde mental, em 1983, com a proposta de Reorientação da
Assistência Psiquiátrica nos moldes do modelo da psiquiatria preventiva importada dos
EUA.
O modelo tecnoassistencial que nos apresentou o Plano CONASP trouxe
“a conceituação de uma rede básica de saúde, que seria a porta de entrada dos
serviços, e que deveria obedecer a uma hierarquia tecnológica da assistência à
saúde como primária, secundária e terciária. Isto inspirado ao mesmo tempo
na História Natural da Doença e em uma pobre visão “medicalizante” das
ações de saúde, dispostas tecnologicamente num continuum, de acordo com a
sequência linear dos cinco níveis de prevenção, na qual (a rede básica) atos
mais simples e de baixa incorporação tecnológica (estas entendidas como
insumos e equipamentos), corresponderiam graus elevados de resolutividade
da maioria dos ”simples” problemas de saúde, que com retaguardas de maior
65
complexidade completariam a resolução de problemas mais complexos”
(Merhy, 1997:220).
Para uma grande ala e representativa do movimento sanitário no país, essa posição era vista
como
“uma tática de ‘apoderar-se’ do sistema como um todo, que poderia então
desembocar em uma lógica de funcionamento de acordo com um sistema único
de serviços” (Merhy, 1997:220).
Se para a Reforma Sanitária, na organização de um sistema de saúde, esse modelo
apresenta dificuldades de ordem da política (incluindo aqui o financiamento, o
investimento, as categorias profissionais, o controle social sobre as diretrizes, etc) e da
subjetividade individual e social (incluindo a vulnerabilidade social de amplos setores
populacionais, as diferenças individuais para adquirir, manter, curar e/ou viver com
determinada doença, etc), para a Reforma Psiquiátrica passa da dificuldade para a
impossibilidade.
Como resolver que a rede básica seja a verdadeira porta de entrada do sistema, se ela
tem uma equipe mínima, com horas-profissional mínimas, de acesso mínimo ao usuário,
pois não existe equipe em toda rede e não pode nem deve atender o usuário em qualquer
necessidade que venha a ter?
Como resolver o conceito de hierarquização em saúde mental se a tecnologia
essencial, sofisticada e complexa é a tecnologia mais barata, básica e única: pessoal para o
cuidado?
Como resolver os conceitos de doença/crise na História Natural da Doença e com a
tecnologia da APS no que é apresentado pela vida real da loucura?
Como resolver que todo plano de saúde mental desde 1983 fala em priorizar o
atendimento extra-hospitalar e o todo o financiamento continua com os hospitais? E a
maioria deles, o contrário da rede básica e ambulatorial- que são públicos -, é filantrópico e
privado.
Esses são problemas herdados de um modelo que conservamos há 17 anos.
66
MINHA BIZARRICE NEGA
MEU ESTADO DE DIFERENÇA
BATE COMO NOMES-PALAVRAS
MARCO DOCILMENTE
O VERSO...
MÁRCIO LUIZ OLIVEIRA
(25 anos, paulistano, usuário do HD da V. Prudente)
3. AS TRÊS MODELAGENS COM PROPÓSITOS ANTIMANICOMIAIS
Antecede a discussão das três situações escolhidas, o entendimento do termo
“MODELAGENS”.
As novas experimentações partem, quase sempre, de experiências anteriores que
deram certo. É o caso das “Comunidades Terapêuticas” na Inglaterra e da
“Desinstitucionalização” na Itália, ou aquelas que, além de terem resultados a mostrar,
também têm grande poder econômico e de influência através das instituições internacionais
– como é o caso da “Psiquiatria Comunitária” nos EUA, e a relação deste com a OPAS.
Porém, sempre qualquer invenção responde a condições históricas para sua origem,
desenvolvimento e até manutenção. O que vamos chamar MODELAGENS é o desenho que
formata toda experiência, que tem como pano de fundo um MODELO que já foi
experimentado. Assim sendo, MODELAGEM passa a ser: fazer saúde num determinado
local, com uma determinada história de inserção de serviços de saúde e em um determinado
tempo histórico com seus protagonistas singulares. Claro que tendo como visão do “melhor
fazer” a um MODELO determinado.
Esta será, então, nossa definição para o termo no estudo a partir do qual
começaremos pelos dados históricos das situações.
Nas eleições de 1988, como já dissemos, os novos governos eleitos na maioria dos
grandes municípios foram de oposição. E em todos eles assumiram as secretarias
municipais de saúde uma parte da vanguarda do movimento sanitário, de currículos
atuantes desde a época da ditadura. Aconteceu assim nas cidades de São Paulo, de
Campinas e de Santos, onde venceu o Partido dos Trabalhadores (PT) e são os três
municípios que serão discutidos neste trabalho. E para a oposição brasileira essa gestão
67
teria uma marca fundamental, qual seja a de colocar em prática a Constituição do Brasil, de
1988, que foi uma das conquistas que enterrou de vez a ditadura de 20 anos no país. As
eleições diretas para presidente estavam marcadas para 1989 e os novos caminhos
delineados na carta magna - através de mobilizações para as
conquistas dos direitos
individuais e coletivos dos brasileiros -, abria portas para o Sistema Único de Saúde – SUS
– (1989), o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA - (1990) e a Lei Orgânica da
Assistência Social - LOAS - (1993) 15. A saúde , a criança e a assistência social deveriam
ser tratadas como direito do cidadão e dever do Estado. Na lei estavam dadas as diretrizes
para se municipalizar os serviços, organizar a autonomia
da gestão com os fundos
municipais, e a decisão política para criar os conselhos de controle social, eleitos em
conferências bi-anuais.
O que toda oposição esperava: venceu a política da inclusão! Os loucos teriam sua
inserção nas três áreas: saúde, criança/família e assistência social. A lei para a extinção
progressiva dos manicômios com criação de redes substitutivas municipais para tratar as
pessoas em sociedade, na vida cotidiana, entrou no Congresso Nacional, em agosto de
1989:
“art.1 - Fica proibida, em todo território nacional, a construção de novos
hospitais psiquiátricos públicos e a contratação ou financiamento , pelo setor
governamental, de novos leitos em hospital psiquiátrico”.
Parag.1- nas regiões onde não houver estrutura ambulatorial adequada, a
implantação do disposto no caput deste artigo se fará de maneira gradativa,
sem colapso para o atendimento”
(projeto de lei do Dep. Federal Paulo Delgado - PT)
Porém, os municípios do estado de São Paulo, já tinham uma política de saúde
mental assentada nos princípios da “Reorientação da Assistência Psiquiátrica” proposta
pelo CONASP/82, implementada nos anos seguintes, pela Secretaria de Estado da Saúde.
Com base na ampliação da rede ambulatorial – com equipes nas unidades básicas e criação
15
A legislação sobre saúde, criança e assistência social têm estes mesmos princípios citados para
sua implantação: descentralização, gestão local com fundos municipais e controle social em
conselhos.
68
de ambulatórios -, criação de leitos em enfermarias nos hospitais gerais e na diminuição de
leitos em hospital psiquiátrico. Com essa proposta investiu-se na criação de uma rede,
principalmente entre 83/86. Depois houve um implemento maior na diminuição de leitos
psiquiátricos, com a organização de centrais de vagas no intuito de regulação do sistema,
entre 87/90. Mas nessa última fase já caminhava a municipalização dos serviços de saúde,
não estando mais a Secretaria de Estado sozinha em suas decisões.
O que podemos ver, pelos dados do quadro a seguir, é que os municípios de São
Paulo, Campinas e Santos tiveram histórias diferentes, anteriores à 1989, de inserção das
políticas de saúde mental. O primeiro, o maior município da América Latina – com seus 10
milhões de habitantes – passava, desde 1982, por uma remodelação dos serviços e com um
financiamento de projeto pelo Banco Mundial, o Plano Metropolitano de Saúde (PMS), o
que favoreceu experiências pioneiras em saúde mental. Podemos verificar no quadro o que
já falamos anteriormente: com o Governo Montoro, 1983,
houve uma tentativa de
implantação do que era apregoado pelo CONASP e ampliou-se a rede ambulatorial (de 11
para 22 serviços) e de Centros de Saúde com equipes de saúde mental (de 19 para 48
locais), mas nada além destas duas modalidades.
Campinas, com aproximadamente 800 mil habitantes, por sua vez, desde 1976, com
um modelo assistencial fundado na Atenção Primária à Saúde (APS), construiu a
assistência à saúde mental na unidade básica como porta de entrada, tinha equipes de saúde
mental em um terço de seus Centros de Saúde e dois ambulatórios, um estadual e outro
municipal.
Nesta mesma fase de investimentos do governo estadual e no caso de
Campinas, houve principalmente por parte do governo municipal, atingindo um
crescimento de 4 para 10 Centros de Saúde, com equipes, e um incremento dos hospitais
universitários com enfermarias e PS psiquiátricos, além do que já aparecia o fechamento de
um (01) hospital psiquiátrico conveniado.
Santos, com seus 400 mil habitantes, teve investimento apenas e muito pouco do
governo do Estado em um ambulatório regional e um CS com equipe mínima de saúde
mental.
69
OS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL DE SÃO PAULO. CAMPINAS E SANTOS,
EM 1982 e EM 1988
Período
1982
1988
Municípios
Serviços Ambulatoriais
Serviços Hospitalares
PAM
H.Psiquiátrico
11
4
26
2
1
4
2
2
4
1
1
Santos
1
1
1
1
0
0
São Paulo
48
22
4
22
2
1
Campinas
10
2
2
3
2
2
Santos
1
1
1
1
1
0
CS
ASM
São Paulo
19
Campinas
PS
Enferm.
Fonte: Pitta AM, 1984 // Campos, FCB, 1989 // Paulin, LF, 1998 // Lopes, IC, 1999
Partimos de que o MODELO hegemônico da Reforma Psiquiátrica brasileira é o da
APS/OPAS, mas a experimentação brasileira deu-lhe novos desenhos conformando
MODELAGENS próprias em cada lugar. Na página seguinte mostramos os desenhos do
modelo da APS (em preto) e as modelagens com a evolução para reforma psiquiátrica (em
cinza) nos 3 municípios (São Paulo, Campinas e Santos) e os pontilhados tentam simbolizar
a permeabilidade interna ou externa ao modelo, e a principal instituição da modelagem.
Neste capítulo, destacaremos em primeiro lugar a cidade de São Paulo e seu trajeto
antimanicomial dentro da concepção do modelo da APS. Em seguida, também dentro da
mesma concepção, trataremos do caso de Campinas e finalmente, veremos Santos, um
desviante nesse trajeto da Reforma Psiquiátrica brasileira. Procuramos, também, com isso
refletir nas três experiências, sobre suas potências como impulsionadoras efetivas de
reformas antimanicomiais.
70
c
e
SÃO PAULO
c
c
o
CAMPINAS
SSCF
SANTOS
Progra
ma
71
de
S.Mental
As três prefeituras dos municípios escolhidos tinham o mesmo partido no governo e
secretários de saúde, com suas equipes, eram militantes antigos do movimento sanitário
nacional. Seria pois, quase óbvio que tivessem reuniões periódicas e um claro propósito
político de influir na Reforma Sanitária em curso e nos modos de implantação do SUS, tão
recente. Assim, todos foram da diretoria da Associação “Sebastião de Moraes” de
secretários municipais de saúde do estado de São Paulo (A.S.M./Carta de Santos, 1989),
que tornou-se o COSEMS – Conselho de Secretários Municipais de Saúde – e os projetos
locais que desenvolveram, conviviam e intercambiavam durante todo o tempo de governo,
que variou em cada local: Campinas foram 2 anos, São Paulo foram 4 anos e Santos, além
de 8 anos, o secretário de saúde da primeira gestão foi o prefeito na segunda, tendo pois
maior possibilidade de continuar seus planos.
72
3.1 A CIDADE DE SÃO PAULO: ANTIMANICOMIAL
3.1.1.HERANÇAS DA ABERTURA DEMOCRÁTICA
“...ecos de um movimento maior que impregnou toda a sociedade...a campanha
das diretas-já...Nas ruas e praças centenas de milhares de pessoas
expressaram sua vontade de participar, afirmaram sua cidadania, tantas vezes
ultrajadas nos anos de autoritarismo e exigiram mudanças” (Yasui, 1989:50).
Nesse clima chega na Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo uma equipe que
propunha-se a juntar forças à Secretaria de Higiene e Saúde do Município de São Paulo
(SHSMSP). A SHSMSP desde o ano anterior tinha uma proposta - o “Plano Metropolitano
de Saúde” – com financiamento do Banco Mundial e
“...basicamente com as seguintes preocupações:
integração dos diversos órgãos financiadores e prestadores de serviços
médicos;
regionalização da atenção médica prestada através desses órgãos;
universalização da clientela;
vinculação da clientela aos serviços regionalizados;
estruturação dos serviços em complexidade crescente, o que compreende: unidade básica de saúde, - módulos, - áreas, - regiões” (Cesarino, 1989:7). “A
partir dessas características propunha que o trabalho se realizasse baseado em
programa para cada nível, detalhando o número ideal de equipamentos a
serem construídos...; até mesmo a emergência psiquiátrica, assim como os
leitos de curta permanência em hospital geral dos módulos, já estavam
previstos. Pensava-se no ambulatório psiquiátrico acoplado ao Hospital-dia,
imaginava-se até as dimensões...” (Cesarino, 1989:8)
Essa feliz junção de vontades políticas, característica da abertura democrática, trouxe para a
cidade de São Paulo ganhos na área da Saúde Mental, que davam ares para a política de
saúde de uma próxima municipalização dos serviços. A época, entre 82 e 84, foi a fase de
73
elaboração e implantação do apregoado pelo Plano CONASP: as AIS, as CIMS –
Comissões Interinstitucionais e Municipais de Saúde -, as CRIS – Comissões Regionais e
Interinstitucionais de Saúde -, etc. O Plano Metropolitano de Saúde de São Paulo, tinha
com a Saúde Mental os seguintes objetivos:
“1. Construir nos níveis primário, secundário e terciário de atenção um
programa integrado e regionalizado de Saúde Mental consoante com essa
concepção mais totalizadora do fenômeno mórbido psíquico.
Prevenir internações psiquiátricas desnecessárias.
Criar procedimentos terapêuticos não cronificadores.
Abrir espaço na rede pública de atendimento para ser utilizado na formação de
pessoal especializado em Saúde Mental dentro dessa nova visão.
Na região escolhida (para iniciar o projeto anteriormente colocado: Freguesia
do Ó, na Zona Norte paulistana) viviam na época 585.000 habitantes”
(Cesarino, 1989:9).
Os primeiros serviços de atenção em saúde mental passavam a existir
organizadamente em uma rede pública de saúde, buscando interferir na única forma
existente de “tratar” a doença mental que era a internação psiquiátrica. Nessa área
paulistana constituíram-se equipes mínimas de saúde mental na unidade básica de saúde, as
primeiras unidades de emergência em hospital geral e abertura de pavilhões do hospital
psiquiátrico deixando juntos homens e mulheres.
Ao mesmo tempo, na implantação do modelo pela Secretaria de Estado da Saúde
(SES/SP), em 1983, temos a opção:
“compete a cada unidade básica o desenvolvimento de ações que levem à
melhoria do nível de saúde da população, visando o máximo de cobertura
possível. Para se aproximar desse objetivo programam-se ações de assistência
a doentes propriamente ditos ao lado de ações preventivas ou promocionais de
saúde (...) Neste contexto, a equipe de saúde mental busca o mesmo objetivo:
elevar o nível de saúde mental da população assistida, desenvolvendo ações de
recuperação específica da saúde mental (tratamento de doentes) ao lado de
74
ações que visam a elevação do nível de saúde mental (tanto ações extra-muros,
dirigidas a grupos comunitários ou à comunidade como todo, quanto ações
dirigidas à demanda interna da própria unidade) (SES/SP, 1983:7).
E em contexto das AIS, fazem a seguinte ressalva:
“quando se trata de uma pessoa se está prevenindo o agravamento dos seus
sintomas ou o aparecimento de outros; além disso, a atenção em saúde mental
de um membro da família comumente beneficia, indiretamente, todo o grupo
familiar (não se estaria fazendo profilaxia da saúde mental dos familiares?)”
(SES/SP, 1983:7).
A época foi de crescimento no fazer da saúde mental. Inserção do raciocínio clínico
da saúde mental na saúde pública – acolhimento e escuta do sofrimento mental:
“...e o agente administrativo investe-se também das funções de agente
terapêutico”,
ressaltando que para que isto aconteça, o pessoal administrativo deve ser trabalhado pela
equipe de saúde mental em termos de
“treinamento
e
reciclagem,
e
participar
de
reuniões
periódicas”
(SES/SP,1983:2).
Investimento no terapeuta-equipe com supervisão e avaliação contínuas, atendimento
conjunto com profissionais da saúde pública:
“a recepção à clientela deve merecer todo cuidado e ser objeto de orientação
para todos os elementos da Unidade nela envolvidos” (e ainda que) “uma
atitude terapêutica é viável para a maioria dos funcionários, desde que
assessorados nesta tarefa” (SES/SP, 1983:4 e 12).
Tais experiências trouxeram contribuições na área da organização dos serviços de
saúde, pensando como inserir a saúde mental na saúde pública. Contribuiu para a saúde
quando levou técnicas e ritmos próprios da área, como a prática da supervisão. Na saúde
pública o que existia de supervisão era uma colocação mais próxima ao treinamento de
diretrizes dadas: como fazer determinada ação, exemplos clássicos temos as salas de vacina
e sua medidas, zelos necessários, calendários e as técnicas de vacinação. As supervisões nas
75
escolas psicoterápicas estiveram
“sempre apoiadas num contexto liberal, tipo consultório particular. Suas
origens remontam a institucionalização da psicanálise...(na formação
psicodramatista)...é um lugar de expressão de dúvidas, angústias, dificuldades
técnicas, pessoais e de conhecimentos” (Mascarenhas, 1989:62).
A reunião destas histórias com a da prática da intervenção institucional,
“a crítica da noção de verdade, a noção de poder como algo produtivo e
relacional, a multiplicidade do inconsciente, o objetivo de contribuir para o
livre fluir da produção auto-gestiva, grupos sujeitos e sujeitados”
(Mascarenhas, 1989:63),
vieram construir nova ferramenta facilitadora do dia a dia do trabalho em saúde coletiva.
Maior consideração ao conhecimento e dificuldades/despreparo dos trabalhadores,
possibilitar maior vínculo com os usuários, entendendo melhor o poder, e na equipe não se
dirigir apenas pelo burocrático do serviço.
Contribuições também na área das tecnologias psiquiátricas e psicológicas. Os
grupos psicoterapêuticos, as avaliações e protocolos médicos para as emergências, as
demandas por psicoterapia. Juntou-se aí diferentes escolas “psi”, diferentes formações e
formadores: o Sedes Sapientiae, a Escola Paulista de Medicina, a Santa Casa de São Paulo,
a Faculdade de Saúde Pública/USP estiveram presentes participando e protagonizando
experiências. Foi um tempo de grande investimento na formação dos profissionais com
seminários, cursos, supervisões técnicas e institucionais, tudo sem perder de vistas as
regiões de todo Estado.
Tanto foram criativas tais situações que Lancetti, um crítico do modelo preventivista
comentando o Programa de Intensidade Máxima – o PIM -, preconizado pela SES/SP,
realça
“a experiência nos locais onde cumpriu seu objetivo de suporte, como o
exemplo do ambulatório da Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo, foi
intensa pelo grau de comprometimento dos trabalhadores, pelas diversas
experimentações ocorridas e pelo abandono relativo da nosografia
76
classificatória psiquiátrico-psicológica” (Lancetti,1989:86).
E Cesarino, questinando-se a si mesmo se a postura ideológica do projeto se situava
na postura preventivista, responde abertamente para discussões:
“Pode-se dizer não, dentro de uma leitura estrita de Caplan. Todos os membros
das sucessivas composições que teve na coordenação sempre tiveram claro que
não se colocavam diante da doença como desvio da norma, como
desajustamento da ordem social, da crise como teoria importante para o
trabalho e principalmente da noção da sociedade que temos dada como
essencialmente correta e harmônica. Entretanto, aceitamos trabalhar pensando
nos níveis primário, secundário e terciário de atenção, como balizamento
inicial” (Cesarino, 1989:31).
Diferentemente do que ressaltamos e chamamos governos em clima de abertura
democrática, os governos seguintes, tanto Orestes Quércia, como Jânio Quadros, no Estado
e na cidade de São Paulo, respectivamente, foram gestões que conseguiram deixar um vazio
e até retroceder algumas conquistas nas áreas de políticas sociais e consequentemente na
saúde e saúde mental. Demonstraram descompromisso com a saúde coletiva e uma
preocupação com os compromissos por eles firmados com os donos de hospitais. A SES/SP
ainda no final do Governo Montoro, implantou um reforma administrativa aproximando-se
mais da municipalização de seus serviços. Porém, mudava a gestão na sua rede de serviços
de saúde, priorizando a política partidária, isto é governo que administra em detrimento da
política técnica sanitária,
terminou com a carreira de sanitaristas para gerência dos
serviços. O governo Quércia usou o que interessava nesta reforma: o municipalismo
populista, aumentando o poder de seu grupo em cada município, ou seja substituiu a regra
de diretrizes técnicas de cada local pelo clientelismo político partidário.
Exemplos desta prática estão nos recadastramentos de hospitais que tinham sido
cortados pelas auditorias públicas, pelo aumento de leitos contratados, voltaram a trancar os
paciente nos pátios internos do Hospital Pinel, e claro fica nas declarações da assessoria de
Saúde mental, da época, que
“criticava os ambulatórios exatamente por ‘ficarem 6 meses sem internar’ ”
(Cesarino, 1989:26).
77
E ainda as perseguições a funcionários públicos que não aderiram a nova proposta política
do governo, numa confusão proposital dos interesses privados de governantes e os
interesses públicos, pelos quais deveria zelar o Estado - “confusões” estas já tradicionais na
política brasileira (Cesarino, 1989; Yasui, 1989).
Apesar de tantas derrocadas, em 87 foi criado – um núcleo de resistência possível
para alguns – o Centro de Atenção Psicossocial “Luíz Cerqueira” ( o CAPS), que propunha
uma grande modificação em toda experiência: trocava os programas de saúde mental para
projetos onde
“o usuário é o centro da atenção. Por fim, esta postura é sustentada, com
diferentes matizes e argumentações teóricas, por uma equipe de profissionais
que privilegia muito mais a função terapêutica que cada um de seus integrantes
pode
desempenhar,
a
partir
de
sua
experiência,
posição
teórica,
disponibilidade pessoal, do que a categoria profissional a qual pertença”
(Yasui,1989:54).
O CAPS, no entanto além de um único serviço deste porte, numa cidade como São
Paulo, foi colocado como serviço intermediário, em nível secundário de uma rede “sem
referências”, prestes ao fim. Sua grande inovação que era sair da concepção programática
ofertada pelos serviços e tratar as necessidade do usuário num projeto terapêutico para
atendê-las, numa situação como esta deixava o CAPS muito restrito em seus resultados para
uma cidade do tamanho de São Paulo.
Ainda lançando vistas a Cesarino, quando faz um balanço da experiência paulistana
de 1982 à 1985 – o PMS:
“Não saímos quase de dentro do espaço “protegido” dos nossos serviços de
saúde. Medo, incompetência, despreparo, falta de tempo? Limites ideológicos?
Claro que houve exceções, mas não foi a regra(...e...)deu-se , talvez,
principalmente esse viés preventivista quando tivemos no conjunto uma atitude
tendente a conservadora (sem sair para tarefas mais abertamente políticas com
a comunidade – como foi feito em poucos lugares do projeto, a partir de
atitudes isoladas de determinados grupo de técnicos). Possivelmente a
ausência da comunidade em nosso projeto, como elemento decisivamente
78
participante, foi o que facilitou sua destruição após as mudanças gerais da
política estadual e municipal” (Cesarino, 1989:31).
A aposta foi grande,
“afinal estávamos investindo contra a indústria da doença mental (...e...) muito
longinquamente
ainda,
criamos
uma
potencial
ameaça
à
indústria
farmacêutica” (Cesarino, 1989:29).
Porém, mesmo avaliando o retrocesso, muitas vezes total do projeto, e sentindo-se até
derrotado politicamente, imputa à experiência
“ganhos de ordem histórica: inaugurou-se um amplo movimento de discussão a
respeito das políticas de saúde mental do poder público. Embora não se possa
afirmar que o projeto foi o criador desse processo, pode-se afirmar com
certeza que ele foi um dos elementos propiciadores dessa efervescência, que
culminou no surgimento de um Plenário de Trabalhadores de Saúde Mental.
Pela primeira vez, através de grande número de reuniões e jornadas houve no
serviço público produção maciça e coletiva, oriunda em grande parte dos
próprios trabalhadores do projeto, de material teórico reflexivo sobre o
trabalho de todos, inclusive de críticas a atuação da coordenação” (Cesarino,
1989:25).
79
80
3.1.2 REFORMANDO A ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: O MOVIMENTO
ANTIMANCIOMIAL
3.1.2.1. “A SAÚDE MENTAL NA SAÚDE”
Já em contexto antimanicomial, o governo municipal de 1989 em suas diretrizes para
a implantação do programa de saúde mental da cidade de São Paulo, partiu
“do princípio de que o sofrimento psíquico é parte integrante e indissociável do
sofrimento global dos indivíduos submetidos à desigualdade social, às más
condições de vida e trabalho, implicando em marginalização e discriminação
social(...)a política de saúde mental deverá, a médio prazo, reverter o modelo
hospitalocêntrico e manicomial
hegemônico, através da conscientização
popular, do combate dos interesses privados no setor, e de uma política
ambulatorial que crie condições para a desospitalização; priorizar espaços de
discussão junto a população nos bairros e às organizações populares e
sindicais, visando desmistificar a loucura e o transtorno mental na reflexão de
seus determinantes sociais; reconhecer e valorizar os saberes e práticas
culturais populares, como formas de equilíbrio psicossocial, relativizando o
saber médico-psicológico; investir na expansão de serviços de saúde mental
segundo uma política ambulatorial e de saúde pública, que considere os
critérios estabelecidos pela OMS” (SMS/SP, 1989:3).
Em seguida define a formação de
“uma equipe mínima em unidade básica de saúde para cada 50.000 habitantes;
uma unidade mista (Ambulatório/ hospital-dia) para cada 250.000 habitantes;
5 a 10% dos leitos dos hospitais municipais para internação psiquiátrica; em
todos PSs municipais, serviços de urgência psiquiátrica com retaguarda de
leitos de alta rotatividade, de no máximo 72h de permanência; (...) a
hospitalização psiquiátrica, seja em hospital público ou privado, será
fiscalizada, não devendo ultrapassar 15 dias de internação, retornando o
paciente à família e ao acompanhamento ambulatorial, próximo ao seu bairro
de moradia” (SMS/SP, 1989:4 e 5).
81
Em outros documentos oficiais, a SMS/SP definia como papel de porta de entrada, a
UBS, para identificar, avaliar e tratar ou referenciar – se mais grave um caso - toda a
demanda da área de cobertura e mostrava a importância dada ao perfil epidemiológico de
morbi-mortalidade para um planejamento e organização dos serviços:
“desenvolvimento de ações de vigilância à saúde como fundamento das ações
de saúde mental coletiva, promovendo consciência sanitária da população
sobre os condicionantes do sofrimento mental, (...) criar impacto sobre a
prevalência de transtornos mentais, evitando a cronificação (...) possibilitar a
compreensão pela instituição saúde, que alguns agravos relevantes da saúde
da população (homicídios, suicídios, doenças cárdio-vasculares, cérebrosvasculares, doenças do aparelho digestivo, AIDS, violências sexuais,
atropelamentos, acidentes em geral – domiciliar e do trabalho, etc.) são
mediados por processos psicossociais e mesmo por transtornos mentais que
necessitam uma abordagem multidisciplinar, multiprofissional e intersetorial
diferentes das práticas medicalizadoras e segregadoras hegemônicas”
(SMS/SP, 1992:1 e 2).
Estes documentos citados nos sinalizam que houve um retorno aos trilhos da Reforma
Psiquiátrica nos moldes da Atenção Primária à Saúde, da reforma sanitária, com a chegada
da nova equipe dirigente municipal em 1989: regionalização, hierarquização, integralidade
e equidade. Continuavam as preocupações com a equipe de saúde mental compondo
atenção básica e todos os serviços da rede de saúde – quer sejam secundários ou terciários –
e obedecendo parâmetros da OMS.
Existe, entretanto duas diferenças fundamentais nessa volta aos trilhos: a gestão e o
contexto de 1989. No primeiro, fica claro como se pretende governar a cidade, nas palavras
de um dos secretários de saúde que ocuparam o cargo:
“No nível central existe uma Plenária de Entidades e Movimentos interessados
na Questão da Saúde no Município de São Paulo, que se constituirá no espaço
de participação para toda e qualquer Entidade do Movimento que queira
contribuir para solucionar os problemas de saúde(...)é neste universo de
Entidades e Movimentos cadastrados que são escolhidos os representantes
82
para o Conselho Municipal de Saúde(...)que terá uma composição tripartite: 12
representante das estruturas estatais (prefeitura, estado e governo federal,
universidade e Câmara Municipal); 08 representantes dos usuários dos
serviços (movimentos populares, sindicatos de empregados e de empregadores)
e 08 representantes de trabalhadores da área de saúde e dos produtores
privados de serviços de saúde” - SMS, 1989 (Esquerdo Lopes, 1999:174)
Outra diferença foi o marco estabelecido pela Conferência Regional para a
Reorganização da Assistência Psiquiátrica nos Sistemas Locais de Saúde, na Colômbia, que
iluminou os caminhos da Atenção Primária, com a Declaração de Caracas (1990):
“VERIFICANDO
1. que a assistência psiquiátrica convencional não permite alcançar os
objetivos compatíveis com o atendimento comunitário, descentralizado,
participativo, integral, contínuo e preventivo;
que o hospital psiquiátrico, como única modalidade assistencial, impede
alcançar os objetivos já mencionados ao: a) isolar o doente do seu meio,
gerando, dessa forma, maior incapacidade social; b) criar condições
desfavoráveis que põem em perigo os direitos humanos e civis do enfermo; c)
requerer a maior parte dos recursos humanos e financeiros destinados pelos
países aos serviços de saúde mental; d) fornecer ensino insuficientemente
vinculado com as necessidade de saúde mental das populações, dos serviços de
saúde e outros setores.”
DECLARAM
Que a reestruturação da assistência psiquiátrica ligada ao atendimento
Primário à Saúde , no quadro dos Sistemas Locais de Saúde (SILOS), permite a
promoção de modelos alternativos, centrados na comunidade e dentro de suas
rede sociais;
Que a reestruturação da assistência psiquiátrica na Região implica a revisão
crítica do papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico na
prestação de serviços;
83
Que os recursos, cuidados e tratamentos dados devem: a) salvaguardar,
invariavelmente, a dignidade pessoal e os direitos humanos e civis; b) estar
baseados em critérios racionais e tecnicamente adequados; c) propiciar a
permanência do enfermo em seu meio comunitário;
Que as legislações dos países devem ajustar-se de modo que: a) assegurem o
respeito aos direitos humanos e civis dos doentes mentais, b) promovam a
organização de serviços comunitários de saúde mental que garantam seu
cumprimento;...” (CRPSP, 1997:26 e 27).
Desta forma o município de São Paulo, também representado nesta Conferência, levou suas
diretrizes e voltou com mais força para reorganizar os serviços.
Tendo como pano de fundo as observações de Cesarino (1989), sobre as experiências
anteriores em saúde mental terem ficado contidas ao espaço protegido dos serviços,
reduzindo-se ao saber tecnocientífico, lembramos outra grande diferença dos novos
gestores da cidade: sua inserção tanto no movimento de trabalhadores da saúde, como no
movimento popular e traziam para a Saúde Mental uma organização que tinha um
“tripé de sustentação:
Combate à Cultura Manicomial presente nas instituições e na maioria da
população;
Criação de um Modelo Assistencial em Saúde Mental que torne desnecessária
a internação psiquiátrica asilar;
Confronto político do poder público contra a Instituição Psiquiátrica
Manicomial Asilar e seus interesses subjacentes” (SMSSP, 1989:8).
Segundo um membro do Colegiado de Saúde Mental dessa época,
“o ‘novo’ inscrevia-se muito mais na postura e na ação necessariamente inter e
transdisciplinar, na inter-relação e interdependência de inúmeros atores
individuais e institucionais, executores e destinatários, do que propriamente de
reorientar outros espaços físicos" (Lopes, 1999a:145).
Esse ‘tripé’ de lutas que traziam era traduzido para a prática na ampliação do modelo
84
já existente. Entretanto, traziam à tona a vontade popular: controle das ações de saúde pelos
conselhos locais, pelas comunidade de bairros, pelas associações de doentes, de mães, etc.
O ritmo das conquistas, fossem elas mais técnicas ou mais políticas, seria dado pela
consciência dos direitos e da cidadania das pessoas no coletivo. A ações técnicas eram
balizadas pela força política organizada.
Os elementos que permitem falar de uma reforma no Modelo da APS é pois o que
mostra o discurso. Embora antimanicomial, ele não dispensa a necessidade da internação
em hospital – com proposta de implantação de leitos em todos hospitais gerais - e acredita
que cercando o hospital psiquiátrico de uma rede alternativa e na comunidade se conseguirá
“torná-lo desnecessário”. Segundo Daúd, Assessor de Saúde Mental à época, comentando
sobre este “tripé”:
“...a questão da razão/desrazão, inserida na discussão da construção de uma
sociedade ecologicamente sustentada, do ponto de vista da subjetividade, do
trânsito das diferenças(...)na convivência dos diferentes, para que as pessoas
possam circular nos espaços públicos e aí conviver, ir reaprendendo,
resignificando a loucura, a doença mental, o sofrimento. E por isso que o
modelo do Hospital Geral (aberto), unidade básica, H-D, Centro de
Convivência e Lar Abrigado (ver quadro abaixo)
constitui um núcleo
assistencial de resignificação cultural muito forte” (Esquerdo Lopes, 186)
85
Quadro-1
LAR
HOSPITAL GERAL
Psicologia
Hospitalar
INTERCONSULTA
HOSPITAL
DIA
CECCO
ENFERMARIA
PSIQUIÁTRICA
EMERGÊNCIA
PSIQUIÁTRICA
U BS
HOSPITAL
PSIQUIÁTRICO
Fonte: Esquerdo Lopes,1999
Firme no discurso antimanicomial, mas firme também no modelo opasiano com a
hierarquização, dos serviços normatizados, dos níveis de atenção como fica claro no
estabelecido para o H-D e sua relação com a rede básica:
“uma complexidade de ações cuja função é oferecer uma atenção intensiva ao
paciente em crise, sem excluí-lo do convívio familiar e social, evitando a
internação, a reinternação, a cronificação e a estigmatização. Este serviço
disponibiliza ao paciente em crise, um atendimento que a UBS não é
necessariamente capaz de oferecer, e por isso desempenha um papel
complementar à resposta oferecida pela UBS e o Hospital Geral, cabendo ao
H-D, reintegrar o paciente à UBS” (Esquerdo Lopes, 1999:188).
A normatização da UBS, tendo como papel definido ’porta de entrada’ do sistema
mantém a hierarquização dos serviços em níveis de atenção: UBS a entrada encaminhadora
– se necessário – para os outros níveis de atenção à saúde mental e a equipe (profissionais
psi) é contratada para todos os serviços da saúde – até 1991 tinha 1200 concursados
86
(Scarcelli, 1999:194).
A UBS com esse papel e com a preocupação
“de ir ao encontro das necessidades de saúde da população em um
determinado território, embasada no perfil epidemiológico regional(...)assim,
através de programas de atenção à saúde (Saúde do Adulto, Saúde da Mulher,
Saúde da Criança, Saúde Mental, Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência,
Saúde Bucal, Vacinações, Vigilância Epidemiológica) vão sendo oferecidos
atendimentos clínicos ambulatoriais nas áreas de clínica médica, pediatria,
ginecologia(...)e de algumas especialidades como psiquiatria, psicologia,
fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional. De acordo com
necessidades específicas, outros tipos de intervenção como visitas domiciliares,
trabalhos de prevenção ou orientação em creches, escolas e outros grupos da
comunidade, entre outros, também vão se configurando como estratégicos para
as tentativas de resolutividade dos problemas de saúde detectados” (Garcia de
Abreu, Samea e Le Roux, 1999:80).
Talvez um facilitador da entrada do PAS, foi a cidade de São Paulo não ter
municipalizado.
87
88
3.1.2.2 “COMBATER
A
CULTURA
MANICOMIAL.
E
ATENDER
A
MULTIPLICIDADE DA VIDA”
A equipe da Secretaria Municipal de Saúde da Cidade de São Paulo, que veio apoiada
num antigo e organizado movimento popular, apoiada também no entendimento sobre
“Cultura
Manicomial
um
conjunto
complexo
de
representações
e
comportamentos coletivos sobre as relações entre os indivíduos, destes com as
instituições, sobre a loucura, sua determinação e o modo de proceder da
sociedade/instituição com a loucura” (SMSSP, 1989:10),
e com a bandeira de
“não protagonizar outros signos manicomiais”, (tais
como as) “forças
burocráticas”, a “vaidade” profissional, os “guetos protegidos” dos serviços,
os “pronto-atendimentos”, a “desqualificação das crenças populares”, a
priorização do modelo médico”, a “negação da subjetividade”, a
“compartimentalização” da pessoas, a “desautorização para criar-recriar
novas senhas e abordagens”, etc. (Lopes, 1999b:30),
inventaram diversas modalidades de atenção e organização das pessoas, priorizando a
incorporação da comunidade, família de usuários, população marginal e dispersa nas
atividades.
“Confeccionou-se uma rede variada de ações e serviços na qual a saúde mental
passou a ser uma preocupação não só voltada à demanda de um movimento
social organizado, como também a uma necessidade epidemiológica
significativa, que se expressava no progresso de planejamento estratégico
territorializado (...e que apesar de...) as ações intersetorializadas com a
educação, cultura, habitação, transporte, que marcadamente apresentaram
uma abordagem inovadora e ousada na reorientação dessa dimensão de
saúde” (Lopes, 1999a:144),
também era a mais difícil de convencer
“se considerarmos a tradição das políticas públicas, particularmente as de
saúde que, enclausuradas, resistiam à intersetorialização” (Lopes, 1999a:148).
89
A marca do programa para Saúde Mental do Governo Democrático e Popular, da
cidade de São Paulo, foi o CECCO – Centro de Convivência e Cooperativa. Colocado
“como espaço de reintegração social e produtiva, de uma população alvo
discriminada” (SMS/SP, 1989:14)
foram criados 18 deles, em parques, centros esportivos, praças e centros comunitários da
cidade de São Paulo, desde o famoso Parque Ibirapuera aos parques menores e longinquos
da periferia. Pretendeu-se que constituíssem em
“serviços com perfil interventor e questionador da coisa pública (...) foi-se
configurando um objetivo imperioso, a conceituação do sentido de público
para além do pertencente ou destinado ao povo. Evocando o sentido de
diversidade no acesso, das necessidades, do estar-no-mundo dos portadores de
necessidades especiais, buscava-se compreender a importância da igualdade
de direitos não só no uso-consumo, mas fundamentalmente no uso-autônomoparticipativo desses indivíduos considerados diferentes” (Lopes, 1999a:149).
Buscou-se nesses espaços, oferecer serviços profissionais que favorecessem, as
diversas pessoas, que por ali passavam, de realizar alguns de seus desejos, trazer-lhe um
“holofote de cidadania” (Lopes, 1999a:152).
O CECCO não via apenas os passantes, mas os que estavam nos parques por não terem
outro lugar, como os meninos de rua do Parque Ibirapuera. Funcionava como um
complemento terapêutico de todos os serviços de saúde mental, que para lá encaminhavam
os usuários – os HDs, as UBS, etc. – e a priorização dos trabalhos oferecidos era a arte,
vinculando-a ao lazer e prazer, e o mais ousado era abrir possibilidade para as atividades
tornarem-se produtivas e até a comercialização destes produtos.
“Uma verdadeira aposta na solidariedade consorciada, ou seja, a formação de
cadeias complementares de potencialidade e vocações de uns, associadas às de
outros, patrocinando transformações na concepção de homem, de trabalho, de
mundo e de ser no mundo(...) A inter-relação e cooperação neste arranjo de
interesses e responsabilidades constitui o contrato dos núcleos de trabalho das
Cooperativas” (Lopes, 1999a:156).
90
Contudo, essa força de inserção na vida das pessoas que tinham os CECCO, era
“formatada” pela
“proposta trazida pela gestão do PT em São Paulo” (que) “depositava na UBS
grande expectativa, reservando-lhe um duplo papel: em primeiro lugar, o de
executor de ações básicas e preventivas de saúde coletiva; e em segundo (...)a
UBS como porta de entrada do sistema e referência primeira para os usuários,
para o que pretendia-se que a esse equipamento fossem dadas condições de
desenvolver ações nessas áreas” (Esquerdo Lopes, 1999:258).
E podemos ainda mostrar como autorizamo-nos a discutir que a hierarquização do sistema
impunha ritmo à ‘filosofia antimanicomial’, pela avaliação feita da Emergência Psiquiátrica
do Hospital Ermelindo Matarazzo:
“o atendimento oferecido (...) chegava a 600 pessoas/mês. Dessas, de 120 a
150 precisavam internação. Cerca de 90 a110 demandavam internações
breves, que eram resolvidas pela própria Emergência; outras 40 eram
encaminhadas para a Enfermaria de Saúde Mental, no hospital geral.
Estimava-se que em torno de 3% ainda fossem para o manicômio, o que
correspondia às expectativas. A maioria das pessoas que chegava à
Emergência tinha suas necessidades atendidas com ações de orientação e
apoio, não demandando internação ou medicalização. Parte desta demanda
era encaminhada também para acompanhamentos nas UBSs. Conclui, assim,
que os serviços davam conta das situações de crise psiquiátrica e da demanda
por internação, de forma bastante satisfatória. A Enfermaria recebia os
quadros de psicoses graves (...)a grande maioria superava plenamente a crise
vivenciada e era encaminhada para as equipes de referência nas UBSs; cerca
de 10% aqueles que em geral apresentavam recuperação mais lenta, eram
encaminhados para o HD; já aqueles indivíduos com história de alguma
internação manicomial, mais cronificados ou em relação aos quais se percebia
uma desestruturação familiar e/ou social, eram encaminhados para o CeCCos;
encaminhava-se 2 a 3 vezes mais para os CeCCos do que para os HDs”
(Esquerdo Lopes, 1999:281)
91
92
3.1.2.3 “CONFRONTO POLÍTICO COM AS INSTITUIÇÕES MANICOMIAIS E
ASILARES: INTERVENÇÃO ESTATAL X OCUPAÇÃO POPULAR”
Uma grande dificuldade enfrentada pela cidade foi não ter municipalizado os
serviços de saúde e com isto o município não teve a gestão dos hospitais psiquiátricas nem
dos estaduais (07) e nem dos conveniados (dezenove), questão essencial para a intervenção
antimanicomial: afinal o hospital é um símbolo de altíssimo custo e representa a forma mais
hard das relações manicomiais. Continuava a prevalecer o papel da Secretaria de Estado da
Saúde – onde a questão técnica era sempre relegada aos interesses das questões partidárias.
Exemplos desta prática são vários: as auditorias técnicas nos hospitais conveniados
solicitavam o descredenciamento de leitos, mas conforme o poder do dono do hospital
poderia acontecer ou não. Desta forma a Clínica de Repouso de Americana sofreu
intervenção e foi descredenciada (de 87 a 93) e a Casa de Saúde Anchieta não teria fechado
se não fosse a intervenção da Prefeitura (de 89 a 93). 16
Para a equipe da SMS – colegiado e equipe de saúde mental – este não era
impedimento para a ação. A visão que defendiam era apostar mais na ação política que
interferir na normatização de um governo com interesses diferentes do que defendiam – no
caso a SESSP. Para isso reuniam o poder público (executivo, legislativo e judiciário – a
SMS, as comissões de Saúde mental e Direitos Humanos da Assembléia e Câmara, e a
promotoria) ao movimento popular organizado, mais os protagonistas dispersos de cada
situação colocada.
Foi desta maneira que alguns hospitais psiquiátricos, com auditoria da SESSP ou
denúncias de usuários, viram colocados em xeque seus convênios com o SUS. As
experiências do Hospital San Genaro da Zona Norte e o Hospital da Vila Alpina tem
histórias importantes a contar.
O San Genaro foi “ocupado” por essas forças e gerou processo contra pessoas de
ONG e da SMS. Depois que as pessoas foram defendidas pela Comissão de Direitos
A Clínica de Repouso de Americana, na região administrativa do Ersa-27, que juntamente com o
município, fez auditoria e fechou o hospital, transferindo os pacientes moradores; o que não
aconteceu com a Casa de Saúde Anchieta , ligada ao Ersa-51, que somente foi fechada sob
‘intervenção’ administrativa e política - e finalmente com apoio jurídico-, do município de Santos.
16
93
Humanos e de Saúde Mental – respectivamente da Câmara Municipal e Assembléia
Legislativa – o resultado foi o fechamento do Hospital, conforme relatório do gabinete do
Vereador Adriano Diogo, de São Paulo.
De maneira parecida, o hospital da Vila Alpina, denunciado, vistoriado e ratificadas
as denúncias, necessitou uma destas “ocupações”. O mais importante, para a equipe da
SMS, era que a ação política tinha efeitos sobre o imaginário social colocando em
questionamento a cultura manicomial e conseguindo adesão de usuários e familiares ao
movimento de reforma psiquiátrica. D. Nilva que interna na época, escreveu sua trajetória
manicomial, incorporou-se ao movimento popular e até hoje, é militante paulistana:
“O manicômio é um campo minado: um descuido e tudo explode. A gente
dorme com a violência, acorda com a violência, come com a violência, brinca
com a violência. Eu não me considero como ex-paciente psiquiátrico; eu sou
uma sobrevivente do manicômio” (Nunes. 1990).
E sobre o Hospital de Vila Alpina, descreve o horror e faz uma ironia com sua situação de
alcoolista, pois solicitavam “internação para não vê-la na sarjeta”:
“Entramos num quarto, no andar térreo, que parecia uma pocilga. Deitei-me
numa cama de madeira, com uma colchonete de espuma, sem forro...imundície
pura. Uma senhora, paciente, me cobriu com um trapo de cobertor que parecia
ter sido retirado de uma fossa. Naquela cama baixinha, quase rente ao chão,
cobertas com os trapos do manicômio eu era a própria mendiga...na sarjeta”
(Nunes, 1990)
Os hospitais estatais, sob gestão da SESSP, nos quais o acesso era mais fácil, como
a experiência no Hospital da Água Funda, a equipe distrital organizava a territorialização
dos serviços partindo do estudo da demanda dos internos nos hospitais (relatório da SMS,
1992).
Hoje, pouco resta das experiências em Saúde Mental da Secretaria Municipal de
Saúde da Cidade de São Paulo, depois de dois governos conservadores e da política
definida e abertamente neoliberal – Paulo Maluf e Celso Pitta. O que de mais expressivo
ficou e com garra e força das poucas pessoas envolvidas foram as iniciativas criadas através
dos CECCOs e hoje agrupadas numa ONG (SOS-Saúde Mental): o Coral Cênico de Saúde
94
Mental de São Paulo, “Cidadãos Cantantes”, e a Livraria “Espaço Vôo Livros”,
conseguiram permanecer em espaços expressivos na rede cultural da capital (no Centro
Cultural São Paulo e no Instituto Sedes Sapientiae).
O CAPS continuava com uma liberdade emprestada à autonomia universitária. Com
o convênio, entre a SES e o Departamento de Medicina Social e Preventiva da USP, foi
possível manter o projeto numa cidade que não se municipalizou. E o CAPS “Luís
Cerqueira”, hoje, mantém-se como um laboratório importante das inovações tecnológicas
antimanicomiais, com seu pé na academia promove cursos, aprimoramentos e intercâmbios
internacionais – França, Portugal, Canadá, Itália -, buscam a inserção e reconhecimento no
imenso município com suas festividades – a Multiplacidade já em várias edições.
A cidade de São Paulo possui, hoje três modelos assistenciais distintos em sua
forma de financiamento e gestão: o PAS que terceiriza a assistência as cooperativas
profissionais; a SESSP com sua rede básica própria e falida, e fundamentalmente com uma
rede especializada e de grande hospitais; e o QUALIS, modelo pós-Norma Operacional
Básica de 1996 (NOB/96), que permitiu o contrato da SES com fundações públicas e
privadas – as Organizações Sociais – que inovassem o Programa de Saúde da Família. O
PSF, no município de São Paulo, incluiu em suas tarefas restritivas impostas pelo Governo
Federal, a organização de uma rede com ambulatórios especializados e de Programa de
Saúde Mental, que inclui o treinamento e acompanhamento das equipes – médico,
enfermeiro e agente comunitário – recebendo em Oficinas de Trabalho os usuários
encaminhados por elas, segundo os documentos oficiais do Qualis:
“As intervenções realizadas pelas equipes de saúde mental são pautadas pela
surpresa, pelo conhecimento do interlocutor invisível de cada pessoa e família
e pela parceria da equipe de saúde mental e a equipe de saúde da família. Há
um programa de saúde mental elaborado para cada família. O psiquiatra da
equipe atua exclusivamente como membro de uma equipe e o responsável pela
administração de psicofármacos é o médico da família (...) o acoplamento da
ação sanitária e da ação comunitária forma uma rede cuja força sustenta
inúmeras mulheres em surto puerperal, pessoas que ouvem vozes, que estavam
em prisão domiciliar, meninos e meninas que moravam nas ruas e que hoje
voltaram a assistir aulas ou a usuários de crack que estão substituindo essa
95
substância por drogas menos nocivas” (Lancetti, 1999:2)
O Programa de Saúde Mental do PSF/Qualis, na cidade de São Paulo, orientou-se,
segundo seu coordenador, pelos projetos de apoio educacional, sócio-familiar e de atenção
psicossocial realizados pela Prefeitura de Santos, na gestão de 1989 a 1996 (Lancetti,
1998:4). Seguindo este aprendizado, organizam o programa com tais critérios:
“1. Dar prioridade aos casos mais graves. Família com parentes psicóticos,
drogadictos, com crianças e adolescentes em situação de maior dificuldade,
que vivenciam maior violência, etc;
2. Evitar a institucionalização e o processo de iatrogenia que se inicia com
produção de demanda e a forma tradicional de respondê-la. Abandonar a
tradicional dos programas de retaguarda de maneira a evitar as conseqüencias
cronificadoras dessas práticas;
3. Disparar um processo de promoção e produção de saúde mental nas famílias
atendidas e no território;
4. Ajudar a família para que a família ajude ao louco, ao drogado, a criança ou
jovem com vida difícil e não internar o familiar mais “frágil” para “ajudar” a
família (...) o locus, o epicentro a partir do qual se irradiam as ações do
Programa é a família e não o estabelecimento de saúde” (Lancetti, 1998:5).
Finalizando, no município de São Paulo, com a terceirização da assistência
organizada pelo Plano de Assistência a Saúde (o PAS), teve a diretriz para os funcionários,
que se organizassem em cooperativas para assumirem a assistência municipal. Com isto
aconteceu uma resistência ao PAS, onde os trabalhadores da saúde, 15.000 funcionários,
não aceitaram “o novo contrato”, tendo preferido a transferência para outras secretarias do
município, muitas nada tendo a ver com as áreas da saúde.
O que talvez a ONG-SOS Saúde Mental, nas palavras de um integrante do Colegiado
de Saúde Mental da Cidade de São Paulo, de 1989 à 1992, interpretaria como
“...o Panapaná Humano de rara beleza, de força delicada... determinação”.17
17
na apresentação do livro de poesias “Vôo das Borboletas”, caderno 1 da coleção
Loucriação/1996, fazendo uma variação nas palavras de Câmara Cascudo, em Cantos de Muro:
“Diz-se apenas ‘enxame de borboletas’, mas é o “Panapaná, a migração em massa... miraculoso
caudal”,
96
AS IMAGENS DO PASSADO NÃO MAIS EXISTIRÃO.
SUBIREMOS NOS MASTROS E
ARRANCAREMOS AS NOSSAS BANDEIRAS.
TIRAREMOS AS MÃOS DOS ROSTOS
NOS DESPIREMOS DAS NOSSAS
AMARRADURAS DE VISCOSE.
L’ ESTAQUE
3.2. CAMPINAS: HIBRIDEZ DE MODELOS
3.2.1. APS:UMA HISTÓRIA ANTIGA
Assim como a cidade de São Paulo, Campinas tem uma história antiga e própria da
Saúde Pública a contar. Pioneirismo, conquistas e orgulho de cidade grande.
Pioneirismo pois foi dos primeiros municípios, a implantar a Atenção Primária à Saúde,
desde 1976, como modelo de organização de serviços públicos no país.
Implantou Postos de Saúde Comunitária e seus “auxiliares de saúde”18 selecionados
entre as pessoas da comunidade próxima, os médicos generalistas e os estagiários e
residentes das duas Faculdades de Ciências Médicas de Universidades sediadas no
município – PUCC e UNICAMP. Com isto, também os serviços de Saúde Mental eram
oferecidos na rede: psicólogo, assistente social e o psiquiatra.
Além da rede municipal, o Estado também havia começado a institucionalizar a
prática da saúde comunitária antes de outros estados brasileiros. Somando os CS estaduais ,
Campinas tinha uma rede primária considerável – oito postos e centros de saúde e três com
equipe de saúde mental. Em 1978, o município já contava com rede de 16 Postos de Saúde
e um Ambulatório Municipal de Saúde Mental.
O Ambulatório de Saúde Mental buscava acertar-se com a rede básica e atualizavase nos moldes da experiência de Murialdo19, no RS. Em 1980, inaugura-se o Ambulatório
Estadual de Saúde Mental dentro do programa de ampliação da rede ambulatorial do
18
o papel do auxiliar de saúde era diretamente ligado ao trabalho com a comunidade, na tarefa de
despertar a consciência sanitária. (Paulin, 1998:130)
19
A Unidade Sanitária de Murialdo tinha em conjunto com a OMS estudo e pesquisa sobre
Estratégias para a Extensão de Serviços de Saúde Mental, onde produziam Manual de Treinamento
em Cuidados Primários de Saúde Mental, e o ASM-Campins procurava cumprir esse papel produzindo
97
governo do Estado. As enfermarias psiquiátricas da Unicamp e da PUCC vieram em
seguida, e mais tarde a Unidade Psiquiátrica de Urgência no hospital universitário da PUCC
(1986),
Há de se pensar, entretanto, porque tanto pioneirismo? Não foi de graça.
O movimento popular e de esquerda tinham forte inserção em Campinas, e em
meados da década de 70, o Brasil tinha começado a se levantar tal qual o fez nas eleições
1974. Na cidade, a Igreja Católica tinha suas Comunidades Eclesiais de Base (as CEBs)
reunidas na Assembléia do Povo, com movimentos não só na área da saúde, mas de
habitação e condições urbanas. Um Laboratório de Educação Médica para a Comunidade
da Unicamp – o LEMC - para estudos, pesquisas aplicadas à área social, que formava em
bloco os profissionais que assumiram a nova política de Saúde do Município e um dos
berços do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – o CEBES (Smeke, 1989; L’Abbate,
1990; Medeiros,1994).
Dentro do apregoado pela Conferência Mundial para a Saúde de Alma-Ata
(OMS/1978) a situação campineira tem pronta as bases para articulação dos níveis de
atenção na concepção da Atenção Primária à Saúde, antes mesmo do Plano CONASP
(1983) e das propostas para a saúde do Governo Montoro.
Outras versões do pioneiro: na década de 20, Campinas também cuidou à moda
européia dos pobres, dementes e alienados...sujos e maltrapilhos...fundando o Hospício de
Dementes de Campinas, que mais tarde tornou-se Sanatório “Dr. Cândido Ferreira” e logo
em seguida veio a Casa de Saúde “Dr. Bierrembach de Castro”. Hospícios onde se
recolhiam as figuras dissonantes da sociedade, assim interpretado na revista “Excluídos da
História” publicação do Serviço de Saúde “Dr. Cândido Ferreira” para reflexão de seus 75
anos de história:
“Com a urbanização, a população desviante – miseráveis, órfãos, aleijados,
prostitutas, loucos, homossexuais, negros – passa a comprometer a imagem
ideal da sociedade burguesa. “ (Mascarenhas/Moreira, 1999:13)
Talvez tenha sido a grande relação intersetorial da época, pelos dados históricos que nos
também seus curso e reciclagem do pessoal auxiliar de saúde.(PMPortoAlegre, 1978)
98
mostra tal publicação, a iniciativa uniu os filantropos da cidade, a segurança pública, a
mídia e a saúde, onde cada qual entrou com parcela importante nessa empreitada.
Campinas continua sua trajetória de conquistas, pois com esse fio histórico
consegue não apenas reformas na área da atenção primária à saúde, mas na educação e
assistência social, que são áreas de grandes interfaces com o setor. Essas áreas têm bastante
influência da filantropia: a FUMEC e a FEAC – a última Federação das Entidades
Assistenciais de Campinas e a primeira Fundação Municipal para Educação Comunitária de
Campinas. Porém, não podemos esquecer da medicina moderna, de alta tecnologia e
privada, e na Assistência Psiquiátrica tradicional. A UNIMED campineira e os grupos
médicos que tanto desenvolveram, nas décadas de 60 e 70, também aqui conquistaram
grande poder e mercado. A medicina privada tinha um poder decisório na organização da
Saúde Pública igual ou maior que o da Secretaria de Municipal, quando no SUDS (1987), a
Comissão Interinstitucional Municipal de Saúde (CIMS) concedeu acento com direito a voz
e voto a todos os representantes de hospitais privados e conveniados com o Estado, eram
seis votos contra dois da Secretaria Municipal de Saúde! (L’Abbate, 1990)
Quando o CONASP publica seu plano de reformulação da assistência médica
previdenciária, em 1983, Campinas já colocava em prática as diretrizes propostas por
“comissões de compatibilização normativa dos programas de saúde” com representantes
dos diferentes níveis de governo - federal, estadual e municipal, reunidos no ProAssistência (a versão campineira do CONASP). Constituia-se a CIMS (Comissão
Interinstitucional Municipal de Saúde), onde tinham acento a Secretaria Municipal de
Saúde , o Departamento Regional de Saúde-5, o INAMPS, as Universidades e os serviços
conveniados ao Estado. Mesmo antes da municipalização muitas das ações já eram
realizadas pelo município, conforme deliberações do Pro-assistência (SMS/GTSM, 1983).
Fazer frente, entretanto aos avanços da medicina privada, e os estudos à época (1982)
mostravam que
“os serviços públicos de Campinas tinham como porta de entrada ao sistema
de saúde o INAMPS que através de seus serviços próprios e contratados,
detinha 47,8% do total de consultas realizadas mensalmente. A UNIMED era
responsável por 14,7% do atendimento, enquanto a Rede Básica, através dos
99
Postos de Saúde do município, Estado e PUCCamp, era responsável
conjuntamente por 14,4%. Os Hopitais Universitários da Unicamp e PUCAMP
respondiam por 13,3% do atendimento” (Paulin, 1998:131).
Porém o Movimento Sanitário da cidade não era surdo:
“...as autoridade municipais e estaduais fizeram tudo para impedir a
participação dos sindicatos de Trabalhadores, dos profissionais de saúde e de
outras entidades representativas , na Comissão Interinstitucional de Saúde
(CIMS), que teoricamente, deveria elaborar as políticas de saúde para a
cidade. Ofereceram-nos a alternativa de fiscalizá-los, enquanto usuários do
sistema. Como se o exercício deste direito dependesse de tal concessão. No
entanto, ao setor privado – no caso travestido com a aparência de filantropia –
foi oferecido assento na CIMS, com direito a voz e voto” (Campos, 1991:131).
Campinas, com maior tempo de insersão da saúde mental na rede básica de saúde,
apresenta em 1984, já uma avaliação e a proposta de funcionamento:
“ a atenção em saúde mental deve ser integrada ao sistema geral de saúde,
tanto quanto possível e em todos os níveis; deve ser considerada como porta de
entrada no subsistema de saúde mental, exceto para casos de emergência, a
equipe primária de saúde; deve-se dividir o subsistema de saúde mental em
níveis de complexidade crescente” (SMS/GTSM, 1984:4 e 5)
Um estudo de Paulin observa que 3 anos depois – em 1987 – as deficiências
apresentadas eram as mesmas e
“apesar dos esforços do sistema público e da Coordenadoria de Saúde Mental
da SES/SP na gestão 83-86, pouco se modificou na área de saúde mental na
região” (Paulin, 1998:143).
Todas estas informações mostram que os ganhos maiores não eram da Atenção Primária à
Saúde e menos ainda da organização da saúde mental. Os hospitais psiquiátricos de
Campinas, em 1989, ocupavam 80% dos convênios do SUDS, com 697 leitos contra 442
que pertenciam a todas as outras especialidade e hospitais gerais. E a UNIMED já era
responsável pelo atendimento de 30% da população da cidade, mantendo convênio com
100
770 empresas (L’Abbate, 1990:160).
Apesar dos ventos soprados pela abertura democrática, da expansão da rede extra
hospitalar em saúde mental, durante a gestão 83-86 do governo do Estado, apresentava-se
assim o quadro da assistência à saúde mental de Campinas. Ao longo da década de 80, em
vários municípios, graças ao desempenho da SES, através de sua direção regional – seja
enquanto DRS-5, ERSA-27 ou DIR-XII – implantou-se e estimulou-se as secretarias
municipais a organizarem seu próprios serviços de saúde mental no sistema local. Todas
que o fizeram, sem exceção, acompanharam o modelo da APS (ver tabela às página 133).
Avaliações dos serviços e da implementação das propostas fundadas na APS
mostravam dificuldades de evolução: continuava o quadro hospitalocêntrico da atenção em
saúde mental, os ambulatórios eram porta para a internação e a porta de entrada do sistema
de saúde (os Centros e Postos de Saúde com equipe de saúde mental) nem sequer recebiam
o doente mental e irrisoriamente, o egresso do hospital psiquiátrico. ( Braga Campos,1989,
L’Abbate, 1990, Amaral, 1995, Paulin, 1998)
A esperança fechava o cerco sobre quem lucrava com a doença e desvalia das
pessoas. Em 1989, Campinas elege um governo municipal que já na campanha política
anuncia seus secretários, inclusive o da saúde que apresenta sua proposta para a área:
“A redução da média de permanência hospitalar e do número de internações
psiquiátricas para pacientes com quadro agudo constituem a ponta de lança da
Política de Saúde Mental para o Município de Campinas a partir de 1989”
(Amaral, 1995:1).
101
102
3.2.2 O CONTEXTO ANTIMANICOMIAL
3.2.2.1. “A SAÚDE MENTAL NA SAÚDE”
E em 1989, o secretário de saúde tinha críticas claras dirigidas ao modelo
preventivista. Explicitou em entrevista para Medeiros (1994:83) sua discordância com o
modelo de saúde mental com bases na APS, criticando a transposição mecânica do que
estava implantado na atenção à saúde para a saúde mental e a pretensão de sitiar o hospício
com ambulatórios. Apesar de sua posição, as conclusões e indicações do Seminário de
Saúde Mental, realizado em março de 1989, para orientar a política da área da saúde
mental, nada mudou. Com todos os profissionais e assessoria de saúde mental presentes, o
final do Seminário referendou a mesma política que era marca do início da implantação
dos serviços de saúde mental da cidade:
”hierarquização dos serviços e das Ações de Saúde – para atender a
diversidade da demanda” (...) “três frentes de atenção nos Centros de Saúde –
a) atendimento à demanda específica, com vistas a aumentar a resolutividade e
a cobertura da atenção; b) trabalho integrado com o restante da equipe de
saúde, de modo a melhorar a qualidade dos atendimentos, focalizando-se
aspectos emocionais dos clientes, contribuindo na dinâmica de funcionamento
interno da equipe; c) trabalhos na comunidade, através de ações preventivas e
educativas para evitar a internação e segregação dos doentes mentais; criar
serviços intermediários entre a hospitalização e o atendimento ambulatorial”
(Medeiros, 1994:151).
Expandiu-se as equipes na rede básica, passando de 7 para 19 CS com saúde mental –
fechou-se o ambulatório municipal e foi feito concursos para novos profissionais - e a
programação para o final dos quatro anos de governo era ampliação das equipes para todos
os 36 CS. A proposta da Reforma Sanitária na cidade vinha com o peso de intenções para
transformar-se num movimento cultural, debates, diversidades de opiniões, questionamento
de conceitos arraigados e
“resgastou-se o direito à dúvida, estimulou-se o debate entre diferentes
concepções, sistematicamente foram questionados os limites de atuação dos
vários atores sociais: o Estado (prefeitura, governos estadual e federal) estaria
103
cumprindo o seu papel? E os profissionais de saúde? E os diretores de
serviços? Os usuários, o que teriam a dizer?” (Campos, 1991:140)
E encaravam as unidades básicas, o Centro de Saúde (CS) como local privilegiado de
procura e atenção portanto não tratava apenas de democratizar o acesso, mas ampliar a
possibilidade de resolução dos problemas trazidos, sendo assim
“os CS da rede básica podem e devem possuir a máxima capacidade de
resolver autonomamente problemas de saúde, não sendo de estranhar que
algumas destas unidades tenham equipes e equipamentos para reabilitação
física, para atenção em saúde mental, acesso a métodos diagnósticos (...)por
outro lado, há que se realizar toda uma reavaliação da prática clínica (...)
pela sua separação radical do saber epidemiológico, preventivo e da educação
em saúde(...)dentro deste contexto estamos procurando não só capacitar os
membros da equipe de saúde para o trabalho com a clínica, com as noções de
saúde pública e até mesmo de saúde mental, como também buscando
mecanismos que quebrem a ‘impessoalidade’ do atendimento médico-sanitário
(...) Como vincular famílias, pessoas que têm um mesmo local de trabalho,
escolares, a uma equipe de saúde que cuide da atenção individual como de
ações programadas de promoção de saúde?” (Campos, 1991:146).
Inicialmente parecia firmar uma proposta de mudança na saúde mental semelhante a
da cidade de São Paulo, mas não houve extensão das equipes para serviços especializados
como saúde do trabalhador ou para a assistência hospitalar no hospital municipal, e
principalmente não houveram discussões sobre a importância e organização da
intersetorialidade, que para a saúde mental é essencial.
Porém, uma remodelação importante foi a gestão dos serviços, com discussão,
supervisão e planejamento descentralizado. Foram feitos seminários e reuniões semanais
temáticas e reordenado toda as instâncias da secretaria
“os aspirantes a governar com instrumentos de democracia direta, devem
propor uma nova composição para as comissões de Gestão do Sistema de
Saúde” (Campos, 1991:132).
Os CSs fortaleceram suas equipes, os planejamentos locais facilitaram a automonia delas
104
para o fazer saúde e a concepção da clínica com trocas de saberes entre epidemiologia,
saúde pública e saúde mental, complementa e estimula o raciocínio da saúde mental na
saúde. No CS Integração – Cs municipal, mas campo de estágio de 9 cursos de saúde da
PUCCamp – desenvolveram cursos para auxiliares de saúde, que tinham continuidade com
o que chamavam supervisão com diferentes visões – enfermagem, medicina, psicologia,
nutrição, TO e farmácia - dos grupos de doentes crônicos, conduzidos pelas auxiliares
(PUCCamp, 1990). No CS do Jd. Aurélia, a equipe de saúde mental fez trabalhos com seus
pacientes de grupos específicos –psicóticos, neuróticos egressos - e os usuários de outras
áreas: festas, passeios e horta comunitária (Equipe de SM, 1999).
Contudo, o processo de reforma psiquiátrica não correspondia ao acúmulo, nem no
que diz respeito a experiência, nem aos elementos teóricos e críticos à prática da reforma
sanitária, em Campinas. Com isso, não foram alteradas diretrizes e práticas além da
ampliação de profissionais na rede básica.
Em 1990, caiu uma bomba nesta calmaria. O programa de saúde mental, que
pretendia reforçar uma rede básica substitutiva ao hospício, recebeu para ter sob sua
responsabilidade o Sanatório filantrópico, Dr. Cândido Ferreira que tinha 131 internos
crônicos, sem recursos financeiros, deficiente em recursos técnicos ou humanos, e de
péssima qualidade técnica, ou seja assistência psiquiátrica igual a todos os hospícios. Nessa
ocasião foi selado um convênio de co-gestão com o município, que na mesma época
municipalizava os serviços estaduais e realoca o pessoal, que se dispôs, do ambulatório
estadual para trabalhar no Sanatório.
105
106
3.2.2.2 A HIBRIDEZ E O TEMPO
O que em princípio parecia uma bomba relógio foi um evento com fogos de
artifício: a experimentação de um outro modelo de assistência psiquiátrica no município,
que há mais de uma década implantara a APS. Ou seja, trabalhar com equipes mínimas nos
Postos de referência da Rede Básica e que em nenhum momento, durante esses anos, tinha
conseguido ameaçar os hospitais psiquiátricos que continuavam trabalhando a loucura sob
confinamento.
A maioria dos profissionais da rede resistiam a novidade. A razão da resistência
estava na possibilidade e quase imposição para que a rede de CS mudasse de fato. Ela teve
de receber e atender o egresso que começava a ser referenciado ao CS, mais próximo de sua
casa. A equipe de saúde mental passa a não ser mínima, mas conforme o planejamento
local, poderia ter mais horas psiquiatra ou psicólogo e até o terapeuta ocupacional para
compor os trabalhos.
Um outro modelo de atenção à saúde mental movimenta-se com o convênio de cogestão. Desinstitucionalizar no entender dos italianos? Superar as condições de cronicidade
dos pacientes até à autonomia de não virem mais a ser dependentes das instituições
psiquiátricas? Um grande desafio, que pelo menos se traduziu, inicialmente, em
desospitalizar: rever diagnósticos, recuperar histórias, localizar famílias reabilitar com
atelier e oficinas de trabalho – e reinserir na vida social (PMC/SMS, folder, 1990). Do
hospital ao território exigia um trabalho de atenção psicossocial que se ocupasse da loucura
de forma diferente do que fazia um CS. Era preciso um modelo usuário-centrado com
projetos que respeitassem a singularidade. O CS faria isto? A equipe como estava, apenas
agregando o TO - e avaliando-se pelo planejamento local - daria conta dessa nova
exigência?
Movimentavam-se protagonistas de formas diversas, desde a desconfiança das
universidades, na comissão de saúde mental da CIMS – com defensores do extra-hospitalar
para conter os hospitais - e apoios paulistanos e santistas – inclusive com indicações de
profissionais que viveram as experiências em Santos e na Itália -, mas continuava uma
profunda resistência e dúvida na Rede Básica:
107
“existe(...)um risco: o de desconhecermos os chamados ‘problemas menores’20
que causam retornos infindáveis para a assistência médica e a população
continuar adoecida e tratarmos como único assunto pertinente à nossa área a
doença mental – a patologia instalada. Mas não podemos esquecer que é na
rede social, no local da vida rotineira, que começa a loucura” (Braga Campos,
1992:54).
A pressão feita pela rede básica, com sua crença no modelo estabelecido e as
demandas geradas pelo Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira, dois modelos em luta,
gerava o que estamos chamando de HIBRIDEZ.
No primeiro documento de avaliação elaborado pela equipe de saúde mental que
assumiu o Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira (SSCF) – o então Sanatório -, em abril de
1991, descreve:
“a tarefa que nós tínhamos pela frente – uma equipe ‘montada’ sob tensões e
disputas – era mudar o perfil de uma instituição de saúde mental, sua forma e
concepção de prestar assistência, o perfil de sua clientela, e portanto
contribuir, ainda que no final da cadeia, para modificações significativas no
sistema de saúde do município de Campinas” (SSCF, 1991:2)
O primeiro modelo, o da rede básica como porta de entrada, mas hierarquizada na
organização dos serviços, vinha puxado pelas remodelações que estavam sendo forjadas
pela nova direção da SMS: planejamento local, equipe protagonista de seu processo de
trabalho, autonomia da equipe sob a área de cobertura - definição sobre prioridade e de
como cuidar –, colegiado das regiões de saúde e conselhos locais (Campos, 1991). A
efervecência da reforma sanitária instalada na SMS fazia com que a reforma psiquiátrica se
atrelasse ao mesmo tempo histórico conjuntural de construção e tudo que fosse próprio da
saúde mental parecia “especifista” e podia esperar.
Mesmo que a equipe dirigente da SMS tinha a consigna “Em Defesa da Vida”21 sob o
20
alusão a pesquisa de Almeida Filho, N; Mari, J.J. et al.(1992) “Estudo Multicêntrico de
Morbidade Psiquiátrica em Áreas Urbanas Brasileiras”, Revista ABP-APAL 14(3):93-104
21
veio a consolidar-se, após 1991, em um Modelo Tecnoassistencial ‘Em Defesa da Vida, que entra
na disputa nacional pela organização do SUS. Este Modelo tem no Laboratório de Planejamento e
108
segundo modelo em saúde mental pesava o medo de ter de fazer muito diferente do
conhecido, e não conseguia-se ir além de melhorar o modelo instituído:
“para os casos graves de distúrbios emocionais não é suficiente o trabalho das
equipes básicas, ainda que compostas com profissionais de saúde
mental(...)faz-se necessário a criação de estruturas com capacidade de cuidado
e de atenção que transcendem aos das unidades básicas: refiro-me aos CAPS,
H-D e unidades
para internações psiquiátricas breves” (Braga Campos,
1992:53).
Cursos foram oferecidos sob coordenação de assessores do Programa de Saúde
Mental de Santos (PMC/SMS,folder, 1990) e semanalmente passou a existir reuniões com
todas as equipes de saúde mental para discussão de casos institucionais, textos com temas
de política e modelos tecnoassistenciais de saúde mental e de experiências nacionais e
internacionais e os diferentes modelos (PMC/SMS, 1990).
Para a consolidação de modelo híbrido o tempo era importante: a rede estava numa
etapa de crescimento do fazer, planejar e avaliar – não só fazer! –; e no SSCF instalava-se
as modificações internas ao hospital. Esse tempo se esgarçava em crises políticas22 de
governo municipal e o partido político (PT) que o elegeu.
O II Seminário de Saúde Mental já apresenta as novas discussões:
“a necessidade de se implantar um serviço pouco burocrático, de fácil acesso
ao usuário, que permita a convivência e o desenvolvimento da equipe, e que
organize atividades visando a reabilitação de aspectos básicos da vida dos
pacientes, é um dos pontos estratégicos dentro da política de saúde mental do
município de Campinas (mas) justifica-se desse modo a criação de um serviço
intermediário que efetivamente sirva de referência, tanto para o paciente que
tem alta hospitalar e requer atenção mais intensificada do que a rede básica
oferece, como para o paciente que está em acompanhamento na rede e tem um
Administração em Saúde, o LAPA na Unicamp sua fonte geradora - de onde o secretário de saúde,
de então, é originário e retorna após sua saída da SMS-, através dos 3 teóricos deste modelo:
Gastão WS Campos, Emerson E. Merhy e Luís C.O Cecílio.
22
Jacó Bittar prefeito eleito pelo PT, em 1988, é afastado do partido, em abril de 1991, e todos
109
episódio agudo, como alternativa à internação hospitalar” (SMS/II SSM,
SMS, 1990).
Inicia-se a discussão dos Centros de Apoio Psicossocial, que teriam como objetivo
trabalhar a reabilitação psicossocial das pessoas com grande sofrimento mental, egressas e
cronificadas pelo sistema hospitalar. Previsto o funcionamento de 24h, os CAPS deveriam
estar abertos para situações de crise e hospitalidade noite, mudando o conceito da
internação integral:
“não poderá ser apenas um centro de atenção a mais na rede(...)o CAPS deve
ser um novo serviço que não sirva como base para cronificidade dos sujeitos
nele inseridos, nem queira apenas ‘descentralizar para melhor atender’; mas
sim, um serviço que reconheça a possibilidade de lutar contra o inexorável
caminho das internações psiquiátricas, àqueles que até então não encontram
outros caminhos a percorrer em suas vidas; um serviço que permite enquanto
projeto, viabilizar aos cidadãos direito à saúde , ao lazer, à sociabilidade e à
cultura (...)o serviço deverá funcionar recebendo encaminhamentos dos CS,
dos PS, dos hospitais e funcionando também com porta aberta à população da
região(...)atividades poderão ser tanto abertas como programadas e deverão
ser discutidas entre os técnicos e usuários(...)deverão ser utilizados os recursos
da região (horta, praça, quadras, centro comunitário, casa de cultura, etc.)”
(Ferrão et col., 1991)
Porém,
os
CAPS
em
Campinas,
foram
contados
como
“equipamentos
intermediários”, sendo de referência secundária e não porta aberta ao louco. Essa foi uma
discussão que gerou polêmica até depois da saída do secretário, na crise de governo, que
culminou com a expulsão do prefeito do PT.
Nas entrevistas dadas pelo secretário (E1), o adjunto (E2), como as assessoras (E3 e
E4) para a área de saúde mental, para Medeiros (1992) fica claro a dificuldade de
esclarecimento de qual era a política de saúde mental para o município de Campinas, mas
convergem as propostas de melhorar o modelo já instituído:
os secretários petistas deixaram o governo, inclusive o da saúde.
110
“E3: A idéia era mudar a visão da saúde mental entre as pessoas que
trabalham com ela e entre os trabalhadores de saúde em geral para
juntamente, mudar a visão da população do sofrimento psíquico, da loucura,
da marginalização do doente mental. ...Partia-se da proposta de tratar o
paciente fora do hospital psiquiátrico... perto de sua casa, sem ter que se
deslocar... acompanhando a proposta geral da saúde que era de regionalização
do atendimento... nos vários Centros de Saúde.”
E4: “Santos adota um modelo basicamente da psiquiatria italiana, que é
diferente do nosso, embora teoricamente a gente se refere muito à psiquiatria
italiana. A diferença é que Santos começou a lidar com a saúde mental, a
partir de dentro de um hospital; o nosso ponto inicial e central de atuação não
é esse. Tanto que nós começamos pela Rede, e isso é basicamente outro
modelo.”
“E3: “cronificados pelo ambulatório, ...(pois) não eram acompanhados em sua
totalidade e eram tratados como meros receptores de medicação”
“E2: Nada estava sendo tocado no que diz respeito às necessidades mais
básicas (específicas) da população alvo, ou pelo menos, eram experiências
muito esporádicas, muito raras, de alguns profissionais que estavam dando
conta do seu recado.”
E1: “de mexer nos hospitais, de criar atendimento de urgência... de acabar
com os dois ambulatórios existentes, criar várias equipes de saúde mental para
atuar na Rede, bem como criar unidades com internações breves em hospitais
gerais.”
E3: “foi apresentada, discutida e aceita a proposta de descentralização da
saúde mental e a relação de hierarquização com os outros serviços do sistema:
PS da PUCC e o da UNICAMP, ambulatórios das universidades e hospitais
psiquiátricos”
E2: No seminário é que foi ficando mais claro... não era suficiente para
desospitalizar a gente pensar numa equipe em nível do CS, com estrutura do
CS que a gente tinha. A gente tinha que ter vários tipos de serviços.”
111
Estas declarações mostram-nos a proposta determinada de acompanhar a saúde geral,
privilegiando a rede básica, mas mudando sua resolutividade ambulatorial – não apenas
prevenção. O discurso do tratamento extra-hospitalar, mas começando pela rede e com a
demanda epidemiológica definida, e mesmo tendo um desejo de proximidade com a
psiquiatria italiana, mostrava-se na prática muito distante e com risco de repetir o que
estava sendo criticado. Enfim, uma crítica ao trabalho dos profissionais, mas a proposta de
reforço imediato e a médio prazo do modelo instituído.
A saída da secretaria de saúde de pessoas importantes desta equipe dirigente deixou
para a área da saúde mental, tudo mais confuso: não se ampliou as equipes da rede básica e
não criaram novos e diversificados serviços. Os CAPS somente vão acontecer no último
momento da gestão e vão
constituir se, de fato, em abril e maio de 1993 como
equipamento intermediário.
Com isto o que tinha sido iniciado para o programa municipal de saúde mental a
partir da co-gestão com o SSCF – e o programa até então era exclusivamente na rede básica
e mais as enfermarias das universidade – resumiu-se a estratégias micropolíticas de equipes
ou profissionais isolados. No CS do J. Aurélia, que já existia 60 psicóticos inscritos e em
acompanhamento, organizaram até um Brechó para permitir o apoio psicossocial ao
usuário, com trabalho diário monitorado pela equipe e mantendo uma convivência com
todo o CS (Equipe de SM, 1999).
Em Campinas, apesar da saída da equipe da secretaria de saúde, e de seu pouco tempo
na direção, ela fez um investimento, neste dois anos, em uma transformação básica: a
democratização da gestão com fóruns de discussão de todos os coordenadores de serviços,
oficinas de planejamento, planejamento local com as equipes e seu acompanhamento com
informações para avaliação, além de ter estimulado, com a criação dos conselhos locais de
saúde, a participação popular. O movimento sanitário que a cidade já acumulara solidificou,
no que pode-se dizer um marco na construção de sujeitos do processo da reforma sanitária.
3.2.2.3 “OUSADIA E LIMITES: VIVENDO O COTIDIANO
112
A saída da equipe dirigente, inicialmente provocou um desconforto muito grande,
mas os técnicos envolvidos nos diferentes serviços conseguiram segurar as conquistas:
foruns de discussão da política, os conselhos locais, uma rede básica funcionando com
infraestrutura (medicamentos, reformas, etc), recursos humanos e informação para a
avaliação. Porém a área da saúde mental, que estava dependente deste processo de
crescimento como um todo, sofre uma dicotomia: a rede e o SSCF.
A rede ficou à deriva e dependia da possibilidade individual de técnicos que
trabalham na perspectiva híbrida dos modelos: uma rede básica capaz de bancar os
hospitais psiquiátricos respondendo às necessidades do paciente grave e evitando a
internação, mas a maioria volta à APS. Na criação dos CAPS, a maioria dos técnicos saíram
do SSCF para implantar os novos serviços, que respondem a outro planejamento, que assim
está no documento para discussão , de 1992:
“o Centro de Apoio é ao mesmo tempo uma nova opção de atendimento para
alguns pacientes, e uma estrutura intermediária em relação à intensidade de
cuidados com os pacientes(...)é importante frisar que esta proposta não
pretende discutir a orientação geral dada à Saúde Mental, mas sim, a partir
dela, criar novas possibilidade de atendimento(...)a seleção deverá se prestar
por um diagnóstico bi-axial, ou seja, considerando-se o diagnóstico
psiquiátrico (nosológico) e o situacional (que estaria ligada ao conceito de
crise) (...) o encaminhamento será feito pelos CS e pelo hospital através de
formulário próprio, a ser elaborado (...) deverá funcionar no período diurno
(8-17 horas), entendemos que o funcionamento noturno do CA num primeiro
momento poderia ser muito ocioso ou desastrado no sentido de passar a
assumir funções de pronto-socorro” (SMS/CoordSM, 1992)
Além de secundários – de referência e não porta aberta – não funcionaram com
hospitalidade noturna. Com isso, sem nenhuma dúvida, o modelo da hierarquização
triunfou.
Foram anos de dificuldades, que ainda hoje a saúde mental na rede básica, em
Campinas depende do interesse dos técnicos locais e sua adesão a um modelo ou outro.
Houve um desfalque muito grande nas equipes de CS e CAPS, mas criou-se um Centro de
113
Vivência Infantil (o CEVI) – para crianças com distúrbios psíquicos graves – e um Centro
de Referência e Informação sobre Alcoolismo e Drogadição (o CRIAD). Serviços que
faltavam ao programa de saúde mental da cidade e que inicialmente, foi bastante positiva a
realização das equipes e junção de saberes e experiências, mas ainda mantém-se muito
defasados da necessidade num municípios com as proporções de Campinas.
Apesar das dificuldades que atravessaram neste período de 2 governos municipais, o
SSCF conseguiu alcançar resultados mesmo no seu estreito universo de projeto de
desinstitucionalização cercado de APS por todos os lados.
No seu propósito inicial estavam os desafios de transformar a assistência e a forma
de gestão. O primeiro dizia respeito a desinstitucionalização: reabilitação psicossocial dos
pacientes para independência das instituições psiquiátricas. O segundo, uma gestão
democrática que se aproximasse da auto-gestão.
O SSCF transitou pelas biografias de seus pacientes, compôs suas equipes de
referências que trabalharam respeitando, e mais que isto, centrando na singularidade do
usuário, com a elaboração de Projetos Terapêuticos Individuais (PTI) que balizam as
intervenções dos técnicos. Todos os trabalhadores da instituição compõem uma mesma
orquestra, tendo suas parcelas diferenciadas de trabalho terapêutico: assim, até o pessoal
administrativo tem trabalho com os usuários ( distribuição dos passes e cestas básicas,
orientação financeira para movimentação bancária, escolha de roupas na rouparia e
lavanderia, etc), o que no último seminário de avaliação e planejamento chamaram de AVP
– Atividade de Vida Pública (SSCF, 2000) Nesse ritmo foi ressaltado pelo CAPS
“Estação”, antigo Núcleo de Moradores, o papel de todos para a efetivação das últimas 8
moradias organizadas em apenas 6 meses, como algo que em tudo era passível de dar
errado, mas tudo foi feito para que atingissem um grande desafio coletivo a que se
propuseram: ninguém mais morando no hospital e que tivessem a própria casa (SSCF,
2000a).
Além dos equipamentos previstos na portaria oficial 224/9223 (H-D, oficinas,
23
Portaria que normatiza os serviços extra-hospitalares e também os hospitais e tudo nos moldes
da hierarquização.
114
unidade de internação) o SSCF, ousou dar alta para seus moradores e mostrar a
possibilidade e capacidade das equipes de referência de cuidar das residências, com todas
as dificuldades da falta de investimentos – novo contratado sem AIH e desconhecido pelos
mecanismos do SUS - e do gerenciar “a vida privada”, o domicílio, dos pacientes exmoradores (Fonseca, 1997; Furtado e Pacheco, 1998)
Um papel importante que teve o SSCF em seus 10 anos de transformação – de
Sanatório à um serviço de saúde – foi o peso de seus resultados influindo tanto nas
universidade (são 5 universidades com inúmeros cursos das mais variadas áreas que
mantém estágios de graduação e pós-graduação: artes, jornalismo e propaganda, economia,
direito, além das tradicionalmente da área da saúde mental), quanto nos serviços e no poder
público (cursos e estágios de educação continuada; assessorias à municípios, estados e até
ao ministério da saúde) (SSCF, 2000b)
E finalmente o SSCF tem se desdobrado na insersão na comunidade e através do seu
Centro de Convivência e Centro Cultural transforma-se em agência para convivência da
população excluída socialmente, não somente o louco: espaço-escola com curso supletivo,
atelier de artes, turismo de baixo custo, cursos que facilitam à cidadania, para a comunidade
do albergue municipal, usuários dos CS próximos, para as entidades sociais ligadas aos
Conselhos de Assistência Social e ao de Direitos da Criança e Adolescente, e à comunidade
em geral cumprindo o direito universal à saúde, à assistência social e à educação (SSCF,
2000a).
Na rede básica, apesar dos profissionais optantes pelo cuidado usuário centrado, ela
mostra um abandono recheado de decisões burocráticas. Em 1998, argumentando não ter
dinheiro para repor as equipes de saúde mental, a prefeitura decidiu juntar os profissionais
de 2 ou 3 CSs e formar a Equipe Mínima para pelo menos um deles, e os outros sairiam
perdendo seu trabalho. A resistência veio de onde ainda guardavam alguma força. A equipe
de saúde mental e os usuários do CS do J. Aurélia conseguiram só no Conselho Local de
Saúde reunir 70 pessoas e fizeram uma exposição de todo seu processo de trabalho (Equipe
de SM, 1999). A prefeitura recuou.
Nessa exposição, escolho para contar um momento de autonomia dos usuários – em
1996 - que cultivavam a horta com o jardineiro da prefeitura, quando chegaram máquinas,
115
que começaram a derrubar metade da horta e pomar para conserto de encanamento.
Fizeram na hora um movimento de resistência ficando na frente da máquina e chamando
rapidamente pessoas que plantavam e pessoas que se serviam da horta. Cercaram os
administradores e começaram a discutir trabalho para reabilitação psicossocial e a
indignação que estava gerando um descaso burocrático, que para um conserto desmontam
vidas. Conseguiram também, resolução do caso com a construção do estacionamento de
outra forma. Isto está num álbum organizado pela Equipe de Saúde Mental e Usuários do
CS J. Aurélia, com um nome ironizando o modelo e seus parâmetros para avaliação:
“Planilha Viva, a memória foto-poética de um processo – 1990 a 1998”. Sobre essa reforma
e fazendo alusão à outra Reforma, a ‘planilha registra’:
“Que Reforma? Essa que ora... gora
E gruda e atola?
Traveste-se de uma moderno-humanidade.
Ainda bem que tem
Micropolítica em território onde se aplica
a desinstitucionalização...
pró-vida, pró-sigularidade
Vive la difference!!
Pró-agenciamentos
Parceria de pensamentos
Usuário/família/equipe.
“ Góia ” (Equipe de SM, 1999)
BORRACHA... PRA QUÊ BORRACHA?
NÃO PODEMOS MAIS FUGIR
A CORRUPÇÃO ESTÁ DEMAIS,
OS PEQUENOS SOFRENDO OPRESSÃO
E PASSANDO COMO MARGINAIS.
ESTÃO MUTILANDO TODA ÁREA SOCIAL
116
MANTENDO A BORRACHA...
E O GOVERNO ACHANDO LEGAL.
JOSÉ GONÇALO, o JACARÉ
(santista e atual presidente da Associação Franco Rotelli)
3.3. SANTOS: “DESVIANTE” DO MODELO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA
BRASILEIRA
3.3.1. OLHANDO O DESVIANTE
Ressaltamos o que já foi mostrado no início deste capítulo, sobre a história de
implantação da política de saúde mental do modelo proposto no CONASP, em Santos. A
exceção de uma equipe em CS estadual e um ASM regional também estadual, os governos
santistas foram, até estão, absolutamente coniventes com os maus-tratos, a violência, a
inanição, aprisionamento e morte dos seus loucos no manicômio. A política de assistência à
saúde mental não existia, era feita a assistência hospitalar num único hospital conveniado
ao Estado e privado.
Em 1989, logo após uma nova equipe assumir a Secretaria de Higiene e Saúde de
Santos, em final de fevereiro, os jornais da cidade publicavam notícias de excesso de
lotação na Casa de Saúde Anchieta, um manicômio conveniado com o SUDS. Maus tratos
de pacientes e mortes sem assistência não eram incomuns na maioria dos manicômios. E a
equipe de supervisão da secretaria estadual havia, pelo mesmo motivo, fechado alguns em
outras regiões24, mas em Santos lidavam com donos poderosos e “influentes” no poder
político local. Influências que não contavam com a nova equipe que assumiu a secretaria
municipal, que não vacilou em colocar em prática a luta contra a opressão e a favor dos
excluídos, o que apregoaram na plataforma eleitoral. Em poucos meses de governo, já
haviam investido em reformas de unidades, criação de outras, contratação, treinamento e
reciclagem de pessoal – médicos, enfermeiras, auxiliares, dentistas, fisioterapeutas,
nutricionistas. Declararam guerra à mortalidade infantil; à poluição da praia combatendo os
ratos, o bicho geográfico, etc.; enfrentaram a AIDS em Santos que tinha o pior índice do
Brasil; e não vacilaram em lançar mão de um problema que à priori dizia respeito a
24
p.ex. na região de Campinas: 1 em Valinhos, 1 em Americana e 1 em Jundiaí
117
secretaria estadual: intervir na Casa de Saúde Anchieta, o hospício local sob gestão do
Estado.
Após as denúncias dos jornais, uma supervisão do SUDS confirmara os fatos
relatados, mas os donos do hospício não se movimentavam... e o governo estadual
mostrava-se moroso nas providências. A Secretaria de Higiene e Saúde não entrou sozinha
para essa batalha: a prefeita, a TV, os jornais, os moradores vizinhos ao hospício, familiares
de internos e comissão de direitos humanos da Assembléia Legislativa do Estado. Em uma
semana eliminaram o “leito-chão”, dando altas aos pacientes que ali estavam somente para
justificar as prorrogações de Autorização da Internação Hospitalar (AIH), mudaram a
alimentação, contrataram novos técnicos e começaram o projeto de Comunidade
Terapêutica. Segundo os interventores
“transformamos isso aqui em um hospital, do que ele não podia ser chamado
antes” (PMS/vídeo-Kinoshita,1989).
Após o primeiro mês começaram a mudar as condições físicas do prédio.
Entretanto, enfrentaram uma peleja judicial com o juízes da cidade e em seguida
conseguiram apoio do Tribunal de Justiça do Estado.
“Do ponto de vista da cultura político-administrativa, prevalecia a crença de
que o poder local era um poder menor. Havia a idéia de que a cidade era
subordinada ao estado, que por sua vez subordinado à União. Mas
a
concepção que prevaleceu na Constituinte é mais horizontal, dizendo que a
federação é composta por estados e municípios. A nova Carta determinou a
existência de atribuições concorrentes, que poderiam ser exercidas pelo estado
ou pelo município. (...) Porém, a justiça ainda não havia sido chamada a
opinar à luz da nova Constituição” (Capistrano Fi., 1995:102).
Interpretação feita pelo então Secretário de Saúde de Santos, quando assumia o cargo de
prefeito, em 1993, ao fazer um balanço da gestão da Secretaria de Higiene e Saúde, do
período anterior.
A mobilização da cidade através da mídia - rádios, TV e jornais – com campanhas
para ajudar a intervenção, desde o apoio material – roupas, alimentos, etc. – até apoio de
118
pessoal, voluntariado para a fase que chamaram de “cuidados maternos-infantis”, que era o
visitar pacientes, conversar, ajudar o cuidado corporal. Essas campanhas foram essenciais
pois a
”intervenção trouxe para dentro do manicômio os olhos e ouvidos da cidade (e)
uma grande adesão da opinião pública, superando a expectativa mais otimista”
(Capistrano Fi., 1995:120).
A proposta da organização de um sistema de atenção em saúde mental no município
de Santos começa, basicamente, com a intervenção no manicômio. A tarefa que se
propuseram era a de organizar internamente o hospital para posteriormente, sair ao
território: nas famílias, na montagem de residências, no trabalho e com serviço de saúde
mental territorializado – o objetivo era eliminar a necessidade do hospital.
Liberdade , equidade e solidariedade! Como foi tratada a loucura em Santos: abrir
não só as celas fortes, mas sair do hospital; igualar as diferenças com aceitação e
crescimento no coletivo. Assim discursavam o secretário de saúde e a prefeita, na ocasião:
“nós trabalhamos(...)primeiro, pensando mais em luta política, em luta social,
em luta cultural, em luta de idéias e menos em trabalho técnico especializado,
por melhor que seja. Em segundo lugar, nós trabalhamos valorizando mais a
iniciativa, a ação concreta, o exemplo, e menos a investigação, o inquérito, o
plano, o programa, a exposição de motivos, mais fazejamento , menos
planejamento” (Capistrano Fi., 1992:35).
“A loucura é questão do dia a dia de cada um de nós, numa sociedade
absolutamente enlouquecida (...) quando você toma contato direto e quando
você vê se concretizar, na sua frente, inclusive com a possibilidade de mudar
essa situação, o fato toma outra perspectiva.( ...) É inconcebível
sermos
cúmplices... não podemos permitir que isso aconteça” (PMS/vídeo-Telma de
Souza, 1989).
A decisão mostrada nas palavras da prefeita de Santos, sobre a loucura, somada a
determinação do secretário da saúde ao conduzir sua gestão com o que chamava de
“fazejamento”, ou seja o planejamento possível num exíguo tempo de governabilidade
municipal mostravam a conjuntura favorável nos anos que se seguiriam, não apenas em
119
termos de decisão política, mas na própria concepção da loucura e de como administrar
trabalhando o imaginário social.
Ao descrever a experiência de Santos queremos atentar não apenas para a política,
mas principalmente para o “Modelo” que seguiram, ao perseguir os resultados almejados,
em que a prática determinava sua construção.
As pessoas, da equipe de saúde mental que assumiu a gerência da área, quase sem
exceção vinham com uma visão crítica de experiências vividas anteriormente da saúde
mental preventivista (o PMS de SP) ou tinham feito estágios em Trieste, na Itália. O
significado inicial deste dado, não esquecendo o pouco desenvolvimento no município dos
serviços de saúde mental, incentivados pela Secretaria de Estado, era que o modelo
assistencial hegemônico da reforma psiquiátrica do estado de São Paulo e que estava nos
planos do país (CONASP), não seria implantado em Santos.
Politicamente, o governo do município, como citado anteriormente, trabalhava o que
chamava de “luta de idéias”. A forma de encarar a loucura será a PRIMEIRA idéia
essencial para nossa discussão. A SEGUNDA idéia básica é a organização do município
para tal e a configuração tecnológica que reuniram será a TERCEIRA idéia importante,
que iremos discutir.
3.3.2 A LUTA DE IDÉIAS
120
3.3.2.1. PRIMEIRA IDÉIA: “DE PERTO NINGUÉM É NORMAL” 25
O primeiro desafio enfrentado e sentido pela equipe era o
“desmonte: da contenção à continência – cuidados clínicos, cuidados
primários, maternos-infantis, grupos terapêuticos, passeios - da prisão à
comunidade terapêutica” (PMS/vídeo-Lancetti, 1989).
A concepção de doença mental contida no modelo preventivista não se circunscrevia
na concepção sobre “a loucura ser questão do dia a dia de cada um de nós” – fala da
prefeita.
“Desligar a conexão imediata entre doença e violência, como expressão
natural da doença e por a nu a violência da instituição. Que pouco a pouco
pode ser colocada como violência da sociedade, e portanto política. Abrir as
portas das celas fortes foi o primeiro ato épico. Logo na primeira noite
abrimos todas as celas. E isto foi importantíssimo. Os meses que se seguiram,
foram dedicados a demonstrar que a violência era fruto de relações violentas e
não natureza da
doença. Constituir contextos onde a violência fosse
compreensível, e ao mesmo tempo, procurando modos de transformar a
violência em motor de debate, de discussão da violência da instituição. A maior
violência é a negação do outro. De fato não foi uma concepção de doença que
nos orientava, mas uma concepção sobre a instituição” (Kinoshita, 1993b).
O poder médico, o paradigma médico – a cura, a ciência psiquiátrica - eram abolidos
pelas concepções do “existência/sofrimento inserido no corpo social” que deveria ser
tratado, antes de tudo como cidadão, um sujeito de diretos.
“Tradicionalmente a formação dos profissionais de saúde estão voltados para
dar atenção aos momentos de crise (a psicose, a emergência, a internação),
desresponsabilizando-se da parte mais difícil: a vida cotidiana...é nos
momentos quando a vida ressurge como problema (e não mais a doença),
25
frase de Caetano Veloso que tornou consígnia do Movimento da Luta Antimanicomial
121
paradoxalmente, que os pacientes são remetidos forçosamente ao seu papel de
doentes, como única estratégia de sobrevida. Assim é necessário inverter as
prioridades, dedicando tempo, inteligência e energias para o desenvolvimento
de projetos de vida capazes de prover a reprodução social e promover a
qualidade de vida” (Kinoshita, 1997:46).
A doença mental era vista como uma questão envolta, dependente e manipulada por
todas outras situações da vida. O esquizofrênico era um “sujeitado”26: não tinha
possibilidades de troca, trato ou contrato na vida. Se se trabalhasse essas condições outras,
aí sim a doença seria colocada, então tratada. Mas antes de tudo sua condição de oprimido,
pedinte, solitário, não reconhecido, sem moradia, desprovido de qualquer poder, era o que o
Estado deveria dar conta. Trabalhar primeiro e/ou concomitantemente a cidadania.
À ilustração temos
“um caso de paranóia, clássico (...) após um certo tempo de tratamento com
neurolépticos, embora os sintomas mais floridos tivessem desaparecidos, a
forma geral da paranóia não se modificava, como sempre (...) Até então, a
equipe se relacionava com G.H. como mais um usuário, mais um doente. Isto é,
um louco paranóide, do qual deveríamos garantir a sustentação, os seus
direitos, mas que pela sua desvalia, acabava por receber o desprezo da equipe.
Afinal, mesmo com tantas garantias, ele não melhorava, nem mesmo com a
psicoterapia. Podemos apontar aqui que a equipe reconhecia G.H. apenas pela
sua falta de valor. E, por isso, não o considerava, de fato, um sujeito de trocas,
mas um assistido. Ou melhor, não se dava conta que, mais que a paranóia, a
grande questão era que G.H. não conseguia estabelecer nenhum intercâmbio
real, a não ser reiterando o seu lugar de bizarro, de exótico, de doente. As suas
idéias, os problemas que apresentava não eram levados a sério, nem suas
pretensões/ambições (delírios?Desejos?). Decidiu-se então, por uma revisão
total do caso, procurando recuperar o sentido das suas demandas, pesquisando
o seu habitat, a sua história, os sonhos/fantasias a partir do que deveria-se
construir projetos práticos que pudessem restabelecer o seu poder
26
ao modo de Guattari, o que se deixa levar, inerte.
122
contratual(...) Após alguns meses, pela primeira vez, começou-se a notar
mudanças importantes no hard core do seu comportamento paranóide. Na
última Conferência Municipal de Saúde, G.H. foi eleito delegado, porém a sua
participação não foi marcada pela bizarria, mas pelo respeito que conseguiu
conquistar” (Kinoshita, 1997:59).
Esta visão da representação da loucura como uma condição pertinente ao social, não
permite a simples tolerância do louco, não tolerado socialmente, mas sim
inserido e
interferindo em/na sociedade.
“É a vida do paciente que é o centro do trabalho. Então estar ou não louco é
secundário em relação a que tipo de vida leva este paciente. E é por isso que a
vida no manicômio não é aceitável e a vida em sociedade é preferível. O social
é exigência da vida humana, e não está diretamente relacionada a questão da
doença, como se fosse numa relação causal” (Kinoshita, 1993a).
Significava que o trabalho na área da saúde seria contemplado a medida da
necessidade de tutela para recuperação do poder de autonomia, a medida que o
Estado tinha obrigação por essas pessoas que ele pagou/sustentou o adoecer, a
iatrogenia, o trancafiar, a forma antiga de tratamento psiquiátrico, foi cúmplice da
situação a que elas chegaram. A partir deste libertar dos internos, do empréstimo de
“poder contratual” feito pelos técnicos e pelos serviços de saúde mental, e
concomitantemente a produção de vida não poderia ser feita ou tratada apenas nos
serviços de saúde, mas em todo meio social, todas instâncias da rede social.
Concluindo a primeira idéia sobre a concepção da loucura e cidadania:
“esta articulação coloca o caminhar da experiência não apenas no contexto
das políticas públicas que pretendem a afirmação e extensão dos direitos
universais, mas produz algo novo ao enunciar o louco como sujeito de direitos”
(Nicácio, 1994:22).
Daí podemos entender que o objetivo do Programa de Saúde Mental de Santos não era
acabar com a loucura, mas era acabar com a violência instituida para os que são
representados como loucos. O objetivo: interferir no circuito que faz a exclusão.
123
“Melhorar a vida dos mais frágeis, no caso os loucos que frequentam os
hospícios, é algo que traz um enriquecimento ético para toda a população. Por
isso, as teorias e práticas de saúde devem estar a serviço da emancipação, do
bem-estar e da felicidade das pessoas. Há que se produzir vida, e vida nesse
caso é conviver num mundo com pessoas muito diferentes, que possuem seus
próprios desejos, necessidades e seu próprio valor” (Kinker, 1997:110).
124
3.3.2.2. SEGUNDA IDÉIA:“POR UMA SOCIEDADE SEM MANICÔMIOS”27
Nas palavras do secretário de Saúde, à época, a intervenção seria
“um grande ensaio de uma outra tática que não a de cercar o manicômio com
uma rede de ambulatórios, na expectativa de que os manicômios percam a
concorrência para os Ambulatórios de Saúde Mental. Mas nos instalarmos na
cidadela desse modelo superado, sem dúvida perverso – o modelo manicomial
– para destruí-lo por dentro e a partir daí a construção de um outro modelo
com vistas à defesa e recuperação da saúde mental das pessoas” (PMS-vídeoCapistrano Fi. 1989).
E lembrando Nicácio, sobre o processo da transformação em Santos
“como síntese da instituição a ser negada, projeta a construção da Saúde
Mental como território de cidadania, emancipação e reprodução social.
Desconstruir e desmontar a instituição psiquiátrica implica estender esses
processos às instituições, aos saberes e à cultura que a sustentam e legitimam”
(Nicácio, 1994:20).
Santos implanta uma rede assistencial totalmente substitutiva, num processo que
culminou com extinção do manicômio local: 5 Núcleos de Atenção Psicossocial
(os
NAPS), Centro de Convivência Tam-Tam (com a rádio Tam-Tam e ações culturais e
artísticas), o Núcleo de Reabilitação Psicossocial que tinha braços diversificados em
diferentes frentes de trabalho (lixo limpo, adote uma praça, limpeza de caixas de água,
estufa de plantas, construção civil, culminando tudo na criação da Cooperativa Paratodos),
a urgência nos Prontos Socorros Municipais e um Lar Abrigado onde foram residir os 17
pacientes graves, ex-moradores, do hospital psiquiátrico que foi fechado.
Um jeito de fazer interessante, era a montagem e início de funcionamento de um
NAPS. Todos saíram do hospital para o território – durante a intervenção separaram as alas
por regiões da cidade – inicialmente ao convívio da família, da vizinhança do interno,
juntos buscavam o local da nova instituição, somente após um período, quando o
27
frase-lema da Plenária dos Trabalhadores de Saúde Mental
125
funcionamento já penetrava ou alimentava o convívio com a rua, a vizinhança, o bairro
(padaria, papelaria, mercado, etc.) faziam a inauguração oficial com a placa de ‘NAPS no.
Tal’, sempre com uma grande festa, para a qual a vizinhança era convidada.
As experiências eram a todo momento inventadas, por exemplo a Rádio Tam-Tam
começou pela percepção, durante os vídeos da Prefeitura, que os internos gostavam e se
sentiam bem em poder denunciar, filmar, cantar e representar. Fez-se inicialmente videos
“TV Tam-Tam” com entrevistas na vizinhança, mas depois veio a idéia de produzir um
programa de rádio, em um horário cedido pela emissora local e organizou-se a “Rádio
Tam-Tam”, com o “Loucutor” que coordenava gincanas com os escolares da cidade
(PMS/vídeos,1989). Os Loucutores tornaram-se cada dia mais presentes na apresentação
dos shows de verão promovidos pela Prefeitura na orla da praia. Essa idéias e seus
idealizadores e coordenadores transferiram know how para a Secretaria de Ação
Comunitária para trabalhar com meninos de rua: a Rádio Moleque.
No modelo implantado a hierarquização de serviço é abolida:
“os NAPS são regionalizados(...) e respondem pela demanda de saúde mental
de cada região, com prioridade para as pessoas com sofrimento psíquico
grave. O atendimento é integral, objetivando a autonomia e ampliação da rede
social dos usuários através de diversas ações: hospitalidade integral,
hospitalidade diurna ou noturna, atendimento às situações de crise,
ambulatório, atendimento domiciliares, atendimentos grupais, intervenções
comunitárias e ações de reabilitação psicossociais... os NAPS funcionam
ininterruptamente, têm 6 leitos cada, e contam com transporte diariamente; a
equipe é multiprofissional, formada por psiquiatras, psicólogos, enfermeiros,
assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, acompanhantes terapêuticos,
auxiliares de enfermagem, pessoal administrativo e de apoio “ (Kinoshita,
1997:48).
A desinstitucionalização foi radical. Desconstrução da forma tradicional de tratar a
loucura, com o fim do manicômio e criação de espaços alternativos de crescimento
individual, e a inserção do paciente como qualquer outro cidadão em sociedade. Isto
demandava um trabalho não apenas de técnicos e da área da saúde, mas na inserção destas
126
pessoas (anteriormente asiladas e violentadas) nos conselhos de participação popular de
saúde, de educação, de defesa civil, do meio ambiente, de habitação, da assistência social, e
todos os outros programas fundamentais das áreas de governo (educação, moradia, geração
de renda, etc). A hierarquização, tão importante e racionalizadora para os serviços de saúde
pública, foi relegada em prol da construção da autonomia dos sujeitos, tanto usuários
quanto técnicos que dependiam de suas capacidades de emancipação, relações produtivas e
referências com o meio sócio-afetivo.
Para eles, a liberdade é o valor maior tanto para crianças, adolescentes como para o
adulto. E é, também, o valor mais caro e mais difícil de construir e manter, pois mais que
qualquer outro depende do compromisso de cada um desejar e fazer pelo respeito às
diferenças, e não esquecendo que cada um é um ser singular, mesmo que a produção de
subjetividade seja coletiva.
“Mas a vida social tem suas contradições e estas “precisam ser vividas”,
assim ele (o Basaglia) coloca que saúde e doença também são contradições da
vida e precisam ser vividas, numa certa alusão de que o paciente que tem uma
vida ‘invivível’ (na sociedade de classes) vai parar no manicômio, igualmente
‘invivível’. Ambas são problematizadas simultaneamente. O que seria
intolerável é o manicômio e a sociedade como ela é. E então, não se trata de
inserir na sociedade, mas de interferir, transformando-a” (Kinoshita, 1993a).
Coincidia aí a posição do governo municipal santista (de 1989 a 1996), que queria através
de todos seus programas, com sua maneira de governar, interferir na sociedade, na cultura.
Desta forma o trabalho de construção e melhora na qualidade de relações entre as pessoas
era perseguida como uma questão fundamental para a cidadania de todos do município.
“Os programas de governo realizados em Santos constituem essencialmente
uma forma nova(...)tem contribuído para isto a preocupação em estabelecer
parcerias básicas que gerem resultados economicamente viáveis, socialmente
justos e ecologicamente sustentáveis. Com a introdução da valorização do
ambiente familiar e da criança, verificou-se a recuperação de valores
fundamentais da própria sociedade” (PMS/SAC, 1996:13).
Assim, foi que a mais famosa Campanha da sociedade civil brasileira da década de
127
90, encabeçada por Betinho – “Pela cidadania: Contra a Miséria e contra a Fome!” - em
Santos recebeu realces vigorosos. O slogan tornou-se
“Contra a Fome: Comida! Contra a Miséria:Trabalho!” (PMS/SAC,1994:
folhetos),
isto desdobrou-se em várias ações do governo local, a começar pela criação de uma
Secretaria do Trabalho, que basicamente reunia os vários serviços públicos para estruturar a
produção das pessoas, o direito ao trabalho: banco de emprego - cadastramento de
empregadores privados, de trabalhadores das mais diversas áreas – treinamento e
desenvolvimento de pessoal para qualificar melhor o trabalhador (parcerias com Sesc,
Senac, Sebrae, Banco do Brasil, Sindicatos da região, participação da Secretaria de Higiene
e Saúde, Ação Social e Meio Ambiente) (PMS/SAC, 1995:revista).
Não esqueceram dos curso abertos de política, liderança e de técnicas básicas:
“...somente assim, pode-se organizar uma ação transformadora e libertadora
na sociedade pluralista em que vivemos” (Capistrano, 1995:folheto).
Estes cursos realizados pelos departamentos de Cidadania em parceria com Secretaria de
Estadual de Cultura, vinham
“com
a
meta
capacitar
pessoas
para
atuarem
nas
organizações
populares”.(PMS/SEC, 1995:folder)
No relatório de conclusão, de 1995 e 1996, 63% das pessoas fizeram as 2 fases do curso
(738 formandos) (PMS/SEC,1995:relatório).
Ou mesmo os cursos que facilitaram a criação de cooperativas (Construção Civil,
Costureiras e ParaTodos) onde discutiam as organizações sócio-econômicas do capitalismo
e socialismo, mercado, poder econômico, e a cooperativa como combate à exclusão
(PMS/SEHIG, 1996:folheto).
Também desta forma criaram os Programas de Renda Mínima e Apoio à Família,
que envolvia todos as instâncias do governo municipal com suas diversas secretarias. Em
todas as publicações, seja da Administração regional dos Morros (PMS/ARMorros,
1996:revista), onde era essencial a discussão do Plano Preventivo de Defesa Civil; seja
Administração da Zona Noroeste (PMS, 1996:folheto), onde era vital a construção de
128
moradias na área do dique, até então, eram palafitas sobre o mangue; via-se todas as
instruções necessárias (onde encontrar, como procurar) para o acesso a esses programas, ou
outros ainda como o “Toda Criança na Escola” (PMS, 1994:folder e PMS, 1995:boletim).
Coincidia o buscar interferir no que chamavam de
“circuito de controle, que não se limita ao manicômio, mas ao conjunto das
instituições postas para a geração do consenso sobre a norma da exclusão –
escola, polícia, assistência social - ...romper o circuito é validar vozes e
linguagens dissonantes, não normalizadas, e tomar a diversidade como
norma.” (Kinoshita, 1993b)
A forma de radicalidade da implantação dos preceitos constitucionais do Brasil de
1988 – direitos de cidadão e dever de Estado -, leva-nos a perceber a aposta numa rede de
sujeitos ampliada, que favorecia a sociedade civil penetrar o estado, com vistas ao
imaginário social contra à exclusão, quando lutavam não apenas por um grupo de pessoas,
mas pelo cidadão santista.
129
130
3.3.2.3- TERCEIRA IDÉIA:” TRANCAR NÃO É TRATAR, A LIBERDADE É O
MELHOR REMÉDIO” 28
“A multiplicação dos atores envolvidos tem se revelado como fundamental para
a saída do circuito psiquiátrico; é nesta perspectiva de ruptura com os lugares
de exclusão e, portanto, de necessária conexão de espaços diferentes,
linguagens plurais, de novos interlocutores, que se pode recolocar a questão do
sofrimento psíquico, da diversidade, do mundo dos outros, na complexidade
das relações humanas” (Nicácio e Kinker, 1996:128)
Aqui a discussão das tecnologias psiquiátricas são postas em cheque.
“Isto exige que as intervenções técnicas sejam orientadas não para metas
abstratas como a cura, como restitutio ad integrum, mas para finalidades
concretas(...)a produção de uma nova subjetividade do paciente é operada
através de projetos práticos que resgatam o sentido para a vida dos pacientes
(...)desloca-se o olhar para a multiplicação dos nexos, pesquisa de
virtualidades , para transformá-las em possibilidades” (Kinoshita, 1997:46).
A tecnologia desenvolvida e utilizada a anos pela psiquiatria, a contenção
(medicamentosa, de espaço, de contatos, de vida) passa a ser combatida a todo momento,
seja no pequeno espaço (o domicílio) ou no amplo (no trabalho e mercado).
“Diante deste quadro a função dos profissionais é precisamente a de emprestar
poder contratual aos pacientes, até que estes recuperem algum grau de
autonomia” (Kinoshita, 1997:46).
A tecnologia básica é o cuidar, o tutelar para autonomia da pessoa andar a própria vida, mas
na busca de projetos comuns com os técnicos, ou com familiares, ou com outros munícipes.
Os serviços de saúde mental ofertavam o que era demonstrado como necessidades
pelos pacientes das regiões específicas, começando pelos ex-internados do manicômio. Os
serviços eram como que lugares de passagem e revigoramento para enfrentar a vida: onde
28
frase-consígnia do Movimento da Luta Antimanicomial
131
morar, onde estudar, onde e em que trabalhar. A grande oferta era o “empréstimo de poder
contratual” para conseguir negociar o dia-a-dia, as relações. O medicamento era
acompanhado, a terapia era o projeto de cada um – “homem a homem” - embora a ação
psicoterapêutica reconhecida fosse grupal. Nenhuma técnica era “proibida” desde que
viesse fortalecer o usuário para desempenhar seu papel social, não como “louco com
direitos tolerado”, mas sim como cidadão em sua dignidade.
A responsabilização pelo usuário era a prioridade, assim para facilitar acesso aos
serviços e para melhor garantir a individualidade existia a figura de um
técnico de
referência para cada usuário. Este técnico deveria conhecer a história, os locais de vida
(família, vizinhança, tratos do dia a dia) e estar compondo com o usuário seus projetos,
enfim o profissional de referência era o primeiro responsável por “emprestar poder
contratual” para o enfrentamento do “circuito da exclusão”.
Um caso curioso que ilustra a situação de enfrentamento: uma usuária de um NAPS,
- senhora de uns 45 anos, ex-interna por anos do Anchieta -, que era frequente nas reuniões
de moradores nas discussões por direitos e adquiriu o costume de frequentar também, o
gabinete da Prefeita. Marcava audiência ou não, era recebida como qualquer pessoa que
tinha uma reivindicação que precisava ser negociada, e às vezes até melhor que a maioria
dos cidadãos que teriam os mesmos direitos. Certa vez, foi ao gabinete sem avisar, sem
clareza do que agendar para discussão e sentindo-se apesar disto, com uma questão
fundamental a falar. Porém, quando a secretária falou que a prefeita não poderia recebê-la,
pois estava com visitas de estrangeiros, discutindo um financiamento para o Programa de
AIDS e ofereceu-lhe um café, ela não só não aceitou como quebrou a xícara e jogou tudo
sobre o garçom e quem tivesse por perto. O NAPS mais próximo foi acionado de imediato,
mas não foram e apenas orientaram que devessem tratá-la como a qualquer cidadão. Este
foi um trabalho que além de exigir um acompanhamento “terapêutico” de quem não era do
setor saúde - secretárias, chefia de gabinete, vereador, guarda municipal, garçom, etc – ele
interferiu na própria concepção destas pessoas. Também a equipe técnica do NAPS, ao
viver esta situação,
orientando e se comportando desta maneira, enfrenta a própria
concepção de autonomia X assistencialismo, da técnica, do sofrimento e da cidadania.
E a equipe de trabalho, para ter condições de cumprir esse papel, vários
132
investimentos eram tentados. Cursos de aprimoramento, pelo qual passaram todas
auxiliares de enfermagem: treinamentos que iam desde a política de saúde pública e saúde
mental, passando pela discussão dos efeitos de psicotrópicos, até a visita, o
acompanhamento, o reconhecimento do entorno do usuário. A Prefeitura fez um convênio
com a FIOCRUZ para Especialização em Saúde Mental para os técnicos universitários.
Publicações e participação em congressos eram incentivadas e feitos seminários com
convidados de experiências de fora e dentro do Brasil (Itália, Espanha, RJ, MG, entre
outros). Os técnicos eram incentivados – com disponibilidades de tempo - a supervisionar
estagiários das universidades que solicitavam estágios e tinham dispensas para cursos fora.
As discussões de caso diárias, nas trocas de turnos, que mobilizavam as referências e o diaa-dia; a discussão de caso mensal, quando reuniam todos os NAPS, os dirigentes e até
alguns implicados de outras secretarias eram convidados, era assim realizada num grande
auditório da PMS.
Por que falar em “DESVIANTE”?
O que vimos com a experiência de Santos foi o peso do pragmatismo na construção
de um trabalho em Saúde Mental. Esta foi exatamente a maior inspiração no modo italiano
de pensar e resolver “Saúde Mental”: desinstitucionalizar, “da instituição negada à
instituição inventada”. A invenção sempre feita à partir da construção de projetos conjuntos
(técnico-cidadão com o usuário-cidadão e o munícipe-cidadão santista). Não tiveram um
modelo organizacional prévio, com programas a executar e normatização de como cuidar,
ou número e categorias de técnicos fixa ( a exceção de auxiliar de enfermagem – 17 a 22
trabalhadores - que era a base dos NAPS funcionarem 24h).
A prioridade para os serviços era apoio psicossocial para a pessoa que mais
estivesse sofrendo no “circuito psiquiátrico” e o tipo da população era definido pelo local
circunscrito de um NAPS: na região central da cidade, população mais marginalizada,
rotativa, moradores de grandes cortiços e dependente da vida noturna portuária, onde o
alcoolismo, a drogadição, a violência urbana estavam mais presentes e o trabalho era muito
mais próximo dos serviços municipais de prevenção, acolhimento e tratamento ao portador,
enfim de atenção à AIDS. Noutra região maior e também muito pobre, mas de
trabalhadores assentados na cidade, região dos Diques,
133
as crises que batiam à porta
necessitavam intervenções nas “faltas” da vida: moradia, comida,
trabalho, portanto
famílias e famílias nessa situação, foi onde houve um grande investimento da prefeitura em
construções substituindo as palafitas e um Horto Florestal, onde os usuários trabalhavam na
construção civil e em uma estufa (Oliva, 2000). Duas fontes de geração de renda e futuro
das famílias.
Enfim, a modelagem santista nos colocou: “não foi uma concepção de doença que
nos orientava, mas uma concepção de instituição” (Kinoshita); um único serviço de saúde
mental responde tudo que for demandado por uma região, e “o atendimento é integral
objetivando a autonomia e ampliação da rede social do usuário” (Kinoshita); e “a produção
de subjetividade do paciente é operada através de projetos práticos que resgatam o sentido
para a vida dos pacientes” (Nicácio e Kinker).
Após 8 anos de Administração Democrática e Popular – duas vezes consecutivas
administrações do PT -, do processo de desinstitucionalização, que depende muito de “uma
sociedade sem manicômios”, o novo governo eleito29 coloca na direção do Programa de
Saúde Mental pessoas do antigo corpo clínico da Casa de Saúde Anchieta, que quando
houve a intervenção foram afastadas.
Com isso o programa foi “sendo comido pelas
bordas”: centralizou o transporte – que cada dois NAPS tinham 1 carro – apenas com este
fato diminui as possibilidades de visitas e com elas a dificuldade de acompanhamento
intensivo e domiciliar, diminuem os leitos de pernoite – eram 6 em cada NAPS -, aumenta a
procura no PS e assim é justificada a criação de uma Enfermaria psiquiátrica no hospital do
estado. Por pouco também justificam a reabertura do hospital com a devolução para o dono.
Foi necessário um grande ato e audiência pública, com participação de nomes nacionais e
internacionais, em defesa do programa de Saúde Mental de Santos, em 1998.
29
Porém, “Santos viveu uma disputa eleitoral(...)candidatura que representava a continuidade das
políticas públicas em curso durante a administração de David Capistrano – a deputada federal e exprefeita Thelma de Souza, do PT – obteve o maior número de votos no primeiro turno, sendo,
entretanto, derrotada no segundo pelo também então deputado federal, Beto Mansur, do PPB, que
conseguiu reunir em torno de sua condidatura as forças mais tradicionais da cidade, a xenofobia e
o discurso ‘antiesquerda’, traduzido como ‘anti-PT’“ (Henriques, 1997:293)
134
Houve uma transferência de técnicos de todos postos onde exerciam alguma função e
alteração de alguns locais de funcionamento. A prefeitura não faz mais contrato com as
cooperativas sociais, ou sequer os projetos de agenciar contratos com a cidade, tipo “Adote
uma Praça”. Alguns ex-loucos “enlouqueceram” ou desequilibraram e outros, fortaleceramse na Associação Franco Rotelli – de usuários, familiares e técnicos – participando
ativamente da Luta Antimanicomial e nas discussões da pertinência de como aceitar os
novos acordos impostos pela prefeitura para a vida da Cooperativa “Paratodos” (Oliva,
2000). Técnicos e usuários disputam posições de representação no Conselho Municipal de
Saúde, buscando núcleos de resistência que dificultem a destruição do Programa.
“Durante toda a campanha as diretrizes do sistema municipal de saúde eram
quase unanimidade(...)o aparente consenso certamente ocultava diferenças
profundas(...)a julgar pelo tom dos discursos, não haveria iniciativas claras e
deliberadas para destruir o modelo. Era mais forte a possibilidade de que fosse
mudando sua ”alma”. A construção do sistema durante os anos anteriores não
fora um trabalho de engenheiro e pedreiro, que exibia grande esforço para ser
demolido que fosse facilmente percebido. Podendo ser alvo de estratégias de
resistência. Manter o trabalho significava esforço e luta constantes, deixar de
avançar seria sinônimo de retrocesso, pois a manutenção apoiva-se na
animação constante dos diversos atores e na perseguição de um horizonte em
perspectiva sempre mutável e, por definição, inatingível. Cultivar o
acolhimento aos usuários nos serviços, manter olhos e ouvidos atentos para
problemas individuais e coletivos, não permitir que faltassem os diversos
insumos necessários, cultivar a adesão dos profissionais interessados e exigir
dos demais o cumprimento de suas obrigações e horários, buscar o
engajamento da comunidade e de outros setores da administração pública na
saúde...enfim, preservar a postura militante de responsabilidade e de
engajamento nunca seria um objetivo mantido inercialmente” (BragaCampos e
Henriques, 1997:294).
135
Talvez, se fôssemos buscar um nome para a luta de idéias que descreva a atual situação de
Santos seria:
“Estou Me Guardando Para Quando O Carnaval Chegar” (Chico Buarque,
década de 70),
com todo significado de preparo, e não espera, que tem o evento brasileiro.
136
CAPIM NA SECA:
SUMIÇO DE LEVANTAR POEIRA,
MAS VOLTA A VERDEJAR.
FLORIANITA
4. ENSAIANDO CONCLUSÕES
4.1.
CONVERSANDO SOBRE AS TRÊS MODELAGENS EM BUSCA DE
CAMINHOS PARA A REFORMA
Por que ensaiando e não concluindo? Medo? Incapacidade?
A primeira coisa a deixar claro é que não tenho a pretensão de dar conta de todas
‘conclusões’ que suscitam o tema da Reforma Psiquiátrica. Várias teses estão acontecendo,
elaboração de protagonistas chaves das experiências, e várias já aconteceram, que foram
materiais para meu trabalho. O que procurarei neste capítulo são os temas de recortes
centrais que as três situações permitem colocar e que mostram que os caminhos que
trilharam para a reforma não foram iguais.
O principal é que tais diferenças não significam que uma experiência é válida e a
outra não. Nesse momento atual do processo da Reforma, o pior que pode nos acontecer é a
“torcida” de uma modelagem a eliminar sempre a outra. Ou a postura manicomial-soft de
passar horas discutindo a interpretação dada à Basaglia por uma ou outra experiência, ou
mesmo pelos nossos estudiosos-práticos da reforma: Amarante, Tykanori, Nacile, Ana
Pitta, Sandra Fagundes, Lancetti, Nicácio, etc. Ou ainda, que a estratégia de combater
frontalmente o hospício – símbolo hard das relações manicomiais - invalida ou atrapalha o
combate das relações manicomiais da sociedade.
Assim, para qualquer conversa com as 3 situações, passaremos necessariamente por
refletir sobre no que influenciaram o imaginário social, falar sobre as novas configurações
tecnológicas e assim, poder verificar a oferta de modelos tecnoassistenciais, que elas
permitem-nos transmitir para a reforma psiquiátrica brasileira.
A primeira característica que fica de todas as modelagens é que nos momentos ou
modos de fazer diferentes dos tradicionais e de fato reformadores, o fator preponderante
137
não foi o financeiro e o financiamento. O que teve maior peso foi a vontade política de
mudar o modelo, mesmo que as prefeituras tenham investido, às vezes de forma invejável –
em Santos de 3% do orçamento municipal definido para 1989, passou para 19% em 1993
(SEHIG, 1993); ou São Paulo com grande investimento em pessoal para toda a rede básica.
Quando os três governos (do PT) assumiram a gestão (em 1989) iniciava-se a
municipalização no país, ainda sem os Fundos Municipais de Saúde (FuMdS) receberem
diretamente do orçamento federal, mas passando pelo governo estadual. Santos habilitou-se
na Gestão Semi-plena30, em 1993; Campinas somente em 1996 e São Paulo não tem
habilitação até hoje, pois desde 1993, o governo (do PPB) implantou o seu Plano de
Assistência à Saúde – o PAS - fora de todas as diretrizes e princípios do SUS.
Outra questão importante a ressaltar nas mudanças, referente a marca maior – a
instituição inventada - de cada local, é que ela aconteceu onde as reformas correram
paralelas ao modelo “hard” da reforma sanitária. Ou seja com indefinição hierárquica no
sistema e sem obedecer a parâmetros da OMS, mesmo porque eram desconhecido tais
“serviços”.
Os CECCOs, em São Paulo, eram “sem porta”, lugar de passagem onde e quando os
técnicos iam em busca da vida das pessoas em “desabilidade31 social” e através do convívio
recuperava o sentido de suas vidas. Segundo
Saraceno:
“o bom serviço é, portanto(...) onde a permeabilidade dos saberes e dos
recursos prevalece sobre a separação dos mesmos” (Saraceno, 1999).
Ainda em São Paulo, a “ação política” – até com “ocupação” de hospital psiquiátrico
denunciado - que reunia o movimento popular organizado, vereadores e deputados,
30
as habilitações nos tipos de gestão para a municipalização dos serviços de saúde iniciou-se, em
nov/1993, com apenas 44 dos 5mil municípios brasileiros, e destas três cidades discutidas apenas
Santos estava nesses
primeiros. Posteriormente, com a versão NOB-96, pós X CNS, Campinas
assinou a habilitação. São Paulo, até hoje, ano 2000, não está municipalizada.
31
utilizando o conceito da reabilitação psicossocial: “desabilidade (limitação ou perda de
capacidades operativas produzidas por hipofunções” (Saraceno, 1999:34)
138
“ajudava” e muito, às auditorias feitas e com propostas não executadas da equipe técnica da
SESSP. Seguia, a SESSP, mantendo as centrais de vagas para o controle dos leitos e
geravam tetos financeiros para o modelo, mesmo que os Ambulatórios e CAPS e H-D não
dessem conta da demanda “por intervenção na crise”, que terminava por definir a
necessidade da internação integral.
Em Campinas, o SSCF com os Projetos Terapêuticos Individuais (os PTI) e tudo que
envolve a reabiliatação psicossocial dos moradores – Atividades de Vida Diária (AVD),
Atividades de Vida Pública (AVP), passeios, trabalho, coisas do cotidiano – até as
moradias, que chegaram a 19 extra-hospitalar e 1 pensão protegida, correram e correm por
fora da rede básica com seus “programas ofertados”, que imperram a reabilitação do
paciente ao voltar para as filas: falta vaga nos (ainda!) agendamentos, não existe trabalhos
de convívio, falta possibilidades de acompanhamento das dificuldades do dia a dia
(Medeiros, 1993; Amaral, 1995; Oda, 1998)
Em Santos, organizaram uma rede de saúde mental, um sistema próprio e à parte da
rede básica. Inicialmente, enfrentaram na rede o questionamento sobre “os problemas
emocionais com a demanda”, sobre deixá-la descoberta, o que fez com que a Rede Básica
santista buscasse outras formas de funcionar nessa tarefa de acolher as pessoas adoecidas:
com atendimento domiciliar (o Programa Ambulatorial Domiciliar – o PAD –, o Programa
de Internação Domiciliar – o PID – e o Programa de Recém-nascido de Risco que serviram
de modelo para o SUS, nacionalmente). E fez com que a discussão de acolhimento, porta
aberta, desinstitucionalização32 fosse ampliada nas experiências da saúde, ação social e na
32
estas concepções influenciaram mais longe que áreas do governo santista. Exemplo disto é o
LAPA / Unicamp que fez uma grande troca de saberes, em suas assessorias, nas pessoas de dois de
ª
seus teóricos (Gastão Campos e Emerson Merhy). Na 1 gestão (89/92), em Santos tinham o lema,
fixado em toda cidade, “exija saúde: defenda a vida”, ele transmudou-se para o nome do modelo
de atenção em Campinas “Em defesa da vida”; as teorias defendidas por Gastão Campos de que...”o
SUS deveria ter a reprodução da vida e a emancipação social como imagem objetivo que se quer
atingir” (1992:cap.4) veio reforçar a posição da desinstitucionalização do Programa de Saúde
Mental, (que defendia não a saúde para vida produtiva, mas a produção de vida para a
emancipação), e assim a Rede Básica de Policlínicas pôde usar outros olhos para vê-lo. Na
139
educação, em Santos.
Outro ponto a ser ressaltado é a relação das ações técnicas e as ações políticas nas três
experiências. Em São Paulo, à Rede Básica ficavam reservadas as ações técnicas e ela
“referenciava” as ações mais tecnopolíticas a outros serviços (H-D, CeCCoo), que por sua
vez “referenciavam” ao mais político (movimento popular e antimanicomial), que seria o
pico da hierarquização nesta pirâmide. Esta situação colocava uma dificuldade em
transformar as ações mais políticas em conquistas técnicas. Uma “ocupação” do manicômio
podia fazer com que a SESSP fechasse o hospício e transferisse alguns moradores, mas
como não houve a entrada da SMS em algum desses hospitais para que de dentro dele
fizesse a desmontagem, com devolução de autonomia e vida aos pacientes, não estabeleceuse uma continuidade das ações que traduziam a desinstitucionalização. Assim, acabava por
existir uma continuidade no modelo da internação integral com transferência de pacientes
para um “hospital melhor e/ou humanizado”, determinado pela SESSP.
A Rede Básica paulistana teve grande ampliação nas equipes – não só - de saúde
mental, mas o modelo de assistência era o mesmo33. A intimidade da Reforma Psiquiátrica
com a Reforma Sanitária, na cidade, tratou o processo saúde-doença mental como um
problema de saúde pública, mudou a forma, mas deixou o conteúdo do modelo da rede
básica como porta de entrada de todo e qualquer problema. Ainda com a ótica
racionalizadora.
Organizaram,
‘nos
parâmetros
esperados’,
uma
exaustiva
normatização
e
planejamento do trabalho das equipes na rede básica, que trazia desde o tempo para cada
tipo de atendimento – individual 30 minutos e grupal 60, em São Paulo e 45 minutos e 90,
assessoria do LAPA à Ipatinga, a teorização feita por Emerson Merhy (1997:cap.3) sobre “porta
aberta” e processo de trabalho, reproduzia para a rede básica uma discussão das tecnologias
defendidas nos NAPS contra o modelo preventivista da hierarquização.
33
“Vários deles (técnicos) vinham desenvolvendo um trabalho com as crianças nas escolas e
continuaram a atendê-las nas UBSs, bem como convenceram outros profissionais a também lidarem
com essa problemática – terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos(...)esse foi um fator extra de
incremento da demanda que limitou o tempo disponível de alguns profissionais(...)para ações que se
pretendia aí fossem feitas”(Esquerdo Lopes, 1999:269)
140
em Campinas -, até o prazo graduado pelo problema apresentado – por exemplo o psicótico
de 4 meses a um ano, com espaçamento bimensal antes da alta, em São Paulo e em
Campinas isto ficou em aberto. Se acontece um surto e não uma estabilização do ‘quadro’
ou encaminha-se para outro serviço ou inicia-se tudo de novo (PMSP/SMS, 1992; e SMS,
1997).
O CeCCoo mudou o modo de ver e assistir as pessoas em desabilidade, referendadas
pela rede, H-D, outros serviços de saúde, da promoção social e educação, mas tanto
aconteceu esta separação de enfoque na assistência que hoje, o que ficou de resistência
acontece no que já estava independente dos serviços públicos ou pelo menos os não
reconhecidos como próprios da saúde, como o Coral Cênico de Saúde Mental, que continua
na Secretaria de Cultura e no SOS-Saúde Mental (Folders. 1997/1998/1999)
Em Campinas, na Rede ocorrem as ações técnicas preditas pelo modelo opasiano,
protegidas pelo investimento ou não dos governos. Entretanto, no SSCF, um filantrópico
conveniado ao SUS – e exclusivamente SUS – segue um trajeto de influir e interferir no
processo de Reforma Psiquiátrica, buscando transferir os ganhos técnicos e resultados
alcançados em relação política com a sociedade (universidades, governos municipais,
estaduais e federal, conselhos de saúde, assistência social, etc) para os avanços
antimanicomiais na reforma. Isto fez com que o SSCF, apesar dos diferentes governos, que
discordando ou não de seu projeto, investindo ou não nele, tem conseguido levar à cabo sua
meta de desinstitucionalização: 19 moradias extra-hospitalares, 1 pensão protegida, 9
diferentes tipos de trabalho remunerado oferecidos no núcleo de oficinas, H-D, CAPS e um
Centro de Convivência, que agencia convivência – turismo, cursos, dança, música, artes
plástica, etc – com a cidade. Tudo isso, além da unidade de internação que sofre com as
dificuldades da rede: não consegue sucesso em seu projeto de leitos de pernoite e não
consegue desinvestir na internação integral.
Santos com seu Programa de Saúde Mental priorizando o combate à violência, a
exclusão social em todos os níveis das relações, teve a oportunidade de experimentar e
mostrar resultados, com isso trazendo segurança para a sociedade e mostrando outra forma
de se lidar com a loucura, principalmente, com a exclusão social. Desinstitucionalizaram as
relações e prazos rígidos e estruturados nos currículos escolares - com os programas “Toda
141
Criança na Escola” e “Escola de Verão” – (PMS, 1994:folder e 1995:boletim); as relações
médico-paciente na rede básica com os cuidados ao paciente nos seus locais de vida – com
o PID, o PAD, o Recém-nascido de Risco -; as relações assistenciais com toda a cidade –
com os programas “Não dê Esmola, Dê Vida” e “Contra a fome: comida e Contra a
Miséria: Trabalho”, das secretarias da Ação Comunitária e secretaria do Trabalho.
Para outro tema de nossa conversa, o das configurações tecnológicas de cada local,
utilizaremos os conceitos de Merhy, que quando fala em tecnologia
“não se está referindo só ao conjunto das máquinas que são usadas nas ações
de intervenção realizadas, por exemplo, sobre os pacientes” (Merhy,
1998:106).
Para esse autor, as configurações tecnológicas são gestadas nos processos de trabalho
e a superação dos domínios tanto de saberes estruturados (medicina, psiquiatria, psicologia,
enfermagem, etc.), como das exigências de mercado em pensar “necessidades de saúde“, é
fundamental para o trabalho em saúde, do instituir o cuidado como a prática da saúde
(Merhy, 1994, 1995, 1997 e 1998).
Para Merhy, a tecnologia pode ser pensada em categorias como o que ele chama
tecnologia DURA, que são os medicamentos, exames que necessitam aparelhos (RX,
Tomografia, hemograma, etc), ou ainda os conhecimentos profissionais bem estruturados,
que ele denomina LEVE-DURA:
“é leve um saber que as pessoas adquirem e está inscrito na sua forma de
pensar os casos de saúde e na maneira de organizar uma atuação sobre eles;
mas é dura à medida que é um saber fazer bem estruturado, bem organizado,
bem protocolado, normalizável e normatizado” (Merhy, 1998:106).
Ainda delimita tecnologia LEVE:
“produz através de um trabalho vivo em ato34, em um processo de relações, isto
é, há um encontro entre duas pessoas que atuam uma sobre a outra e no qual
se opera um jogo de expectativas e produções, criando-se intersubjetivamente
alguns momentos interessantes, como os seguintes: momentos de falas, escutas
142
e interpretações, nos quais há a produção de uma acolhida ou não das
intenções que essas pessoas colocam nesses encontros” (Merhy, 1998:106).
Poderíamos arriscar que “ontologicamente” a tecnologia LEVE é o fazer da saúde
mental, descrito por quaisquer das escolas PSI. E mais: as novas formas de trabalhar a
loucura, utilizando os diferentes saberes profissionais para o cuidar, estruturando equipes
em comunidade ou de referências nos serviços – incluindo a experiência de vida de cada
componente -, trouxeram para a cena o autogoverno35 dos profissionais e a relação de
autogestão36 do coletivo dos serviços – usuários e trabalhadores.
Na modelagem de Santos não há como duvidar da utilização prioritária e essencial da
tecnologia Leve: o convívio, ouvir, falar trocar entre técnico e usuário; o acompanhamento
em todas situações – casa, serviços, trabalho, mercado – e em momentos diversos – de
crise, de alegria, de receber a medicação, etc. “Emprestar poder contratual”(Kinoshita,
1996) como tarefa dos técnicos dos serviços não deixava dúvidas sobre suas prioridades.
Utilizava-se a tecnologia Dura – o medicamento – e a Leve-Dura dos saberes profissionais
estruturados, como complementaridade do acompanhar.
Em São Paulo e Campinas manteve-se prioritariamente as tecnologias Leve-Dura e
Dura nos processos de trabalho na Rede Básica, onde a malha institucional impunha o
trilho das discussões e sobrepunha à capacidade inventiva dos profissionais: viam-se
obrigados a discutir o perfil dos serviços em que estavam trabalhando (HD, CAPS, UBS) e
sua atribuições para atender aquele momento da ‘doença’ do paciente (se HD, se CAPS, se
UBS ou até se Enfermaria, ou Hospital?). Desta forma, as tecnologias Leves colocaram-se
como ferramentas fundamentais nas instituições inventadas: CeCCoo e SSCF.
Abaixo construimos um quadro, que mostra nossa tentativa em sintetizar as
34
concepção desenvolvida no livro Agir em Saúde de 1997.
35
“o trabalhador de saúde opera em um espaço de ‘autogoverno que lhe dá inclusive a possibilidade
de ‘privatizar’ o uso do espaço público, conforme o modelo tecnoassistencial, sem ter de prestar
conta do que e do como está atuando” (Merhy, 1997:77)
36
“Na autogestão os coletivos mesmos deliberam e decidem. Existem hierarquias em matéria de
potência, peculiaridade e capacidade de produzir; mas não há hierarquia de poder” (Baremblitt,
1996)
143
modelagens sob os aspectos do objeto, objetivo, prioridade tecnológica e agente
profissional, tendo como base o quadro do capítulo 2, sobre a psiquiatria preventiva e a
psiquiatria democrática.
TRÊS MODELAGENS DA REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA
OBJETO
SÃO PAULO
CAMPINAS
SANTOS
Saúde Mental
Saúde Mental
Ser-existência em
sofrimento no corpo social
OBJETIVO
Prevenção e Promoção de
Prevenção Secundária e
Inclusão Social
Saúde Mental
Reabilitação Psicossocial
TECNOLOGIAS
Leve- Dura/Leve /Dura
Dura/ Leve-Dura/ Leve
Leve/ Leve-Dura/Dura
AGENTE PROFISSIONAL
Equipes de SM
Equipes de SM e de
Equipe de Referência
Referência
Fonte: cap. 2; e Merhy, 1998.
Nesse momento, podemos refletir sobre a oferta de modelo tecnoassistenciais que
nos permite as três situações. Arriscamos a seguinte leitura: quaisquer que sejam os
serviços de saúde mental – CS, ASM, CAPS, NAPS, H-D, Oficinas, CeCCoo – tendo como
objeto de trabalho a inclusão social e objetivo a reabilitação psicossocial; tendo como
sujeito de tratamento o ser-existência em sofrimento no corpo social e utilizar
prioritariamente a tecnologia leve, poderíamos desenhá-lo como na página seguinte.
Um modelo de bases sólidas nos movimentos sociais com os coletivos
protagonizadores de cada experiência, com usuários dos serviços inseridos e envolvidos nos
problemas, talvez os mais vitais para qualquer pessoa em sociedade: a moradia e o trabalho.
Um modelo onde o ‘parâmetro’ será o usuário, sua demanda e necessidade, que
muda de hora em hora, repentinamente e surta como a loucura. A normatização deve ser
abolida dos serviços, pois até então serviu a que lógica? Racionalizadora da APS, em que
não cabe a equidade, o ritmo e espaço-tempo da loucura, a necessidade do apoio
psicossocial? Ou ainda lógica nosográfica da psiquiatria, que prescreve olhar todos os
aspectos da doença, em que o diagnóstico nos dá uma visão do prognóstico, mas não deve
(modernamente) ser determinista dele (pois pode-se melhorar muito as condições de vida e
até cura da ‘doença’)? Ou ainda, a lógica sanitarista do acesso mais próximo ao domicílio,
144
descentralizado, mas ‘reconhecendo sua incompetência’ para cuidar da loucura – a ‘doença’
tem de estar sob controle igual a doença contagiosa -, pois não é da UBS a atribuição de
cuidar?
Na gestão dos serviços é básico o respeito às diferenças individuais dos usuários e o
organizar das equipes, para isto uma permeabilidade e flexibilidades em que não se discute
“porta aberta” ou “porta de entrada” ou “parâmetros” definidos a priori, mas
disponibilidade total para a responsabilização do território. Eis o que poderíamos desenhar:
CS / CAPS - NAPS / HD
/ Oficinas / CeCoo/ ASM
MORADIA
E
MOVIMENTOS
TRABALHO
SOCIAIS
E
PROTAGONIZADORES
COLETIVOS
O que foi construído por essas três experiências autoriza a discussão de suas
modelagens para a implantação de uma atenção à saúde mental em qualquer lugar deste
país, inclusive porque trazem maiores elaborações sobre nossas realidades que os modelos
internacionais.
Hoje, somos mais NÓS MESMOS do que antes.
Essa maturidade apresenta-nos um grande desafio. Em 1989, o pensar, o questionar,
o criticar vinham da implantação de modelos outros – da OMS/OPS ou da Itália. Hoje, em
2000, ano de novas eleições – com grandes possibilidades dos protagonistas de tais
situações voltarem aos governos – estamos pensando, questionando, criticando as nossas
próprias modelagens.
De ora em diante, teremos de enfrentar o espelho e não mais quadros de exposições
145
alheias.
Os Programas de Saúde Mental de Santos e São Paulo não serão os mesmos depois
das experiências do Programa de Saúde Mental do PSF/Qualis. Assim como a Saúde
Mental da Rede Municipal de Saúde de Campinas, não será a mesma depois de 10 anos de
co-gestão, com amplos alcances da experiência do SSCF.
Avaliar um programa de saúde mental e ajudar a pensar sobre a organização de
serviços de saúde mental, com a reforma implementada ao perguntar: o que mudou em
favor da reforma psiquiátrica?
1. O sentido da internação37, que passa a ser uma possibilidade no tratamento de alguém.
Não mais a forma de tratamento que o diagnóstico grave determine;
2. a história (biografia) e a família (de sangue ou adquirida ao longo de sua permanência
num hospício) passam a ser fundamentais para reatar e devolver a vida às pessoas
cronificadas;
3. a responsabilização pelo usuário que será tomada por serviços e equipes
multidisciplinares, quando as funções não podem delimitar o enfoque e sim as frestas;
e a complementariedade dos profissionais numa atuação no campo de trabalho, onde
ofereçam as possibilidades de seu núcleo de formação38;
4. os serviços que devem se restabelecer e conduzir pela flexibilidade de ofertas que
exige a loucura, o ser-existência em sofrimento no meio social39 não pode ser
normatizado ou enquadrado nas regras de serviços de saúde pública hierarquizados;
5. o trabalho em rede de apoio onde a intersetorialidade é essencial: não só os
profissionais de saúde e nem só, também profissionais de outras tantas áreas de serviços
conseguiriam a reabilitação psicossocial e devolver a vida a essas pessoas, mas o
inserir em sociedade os diferentes significa intervir na sociedade para que ela
mude seus padrões e regras do “bem-viver”, convívio, da solidariedade que
encontra-se empobrecida, e para isto não será apenas os serviços de assistência,
mas toda a política sócio-econômica do município.
6. Geração de nova cultura psiquiátrica para que não se retorne ao passado.
O que conseguirmos destes fatores permitem-nos avaliar nosso alcance.
37
38
Tykanori Kinoshita (1997)
Gastão Campos (1995) e Emerson Merhy (1997)
146
TODOS ESSES QUE AÍ ESTÃO
ATRAVANCANDO O MEU CAMINHO,
ELES PASSARÃO...
EU PASSARINHO!
MÁRIO QUINTANA
4.2. AS RELAÇÕES PÚBLICO X PRIVADO: UM DOS NÓS CRÍTICOS DOS
CAMINHOS DA REFORMA
Talvez, em toda avaliação da implantação dos SUS, nos seus 12 anos de existência,
considerando todos os percalços, a relação público X privado é a que reúne maior
dificuldades, é quando o jogo político-econômico assume características mais cruéis. Ele
tem uma estratégia de solapar sem pressa, quando se descuida um pouco...a sangria é
rápida. Quando escreveu-se, pela primeira vez, uma reorientação da assistência psiquiátrica
para o Brasil – CONASP/83 -, no qual criticava-se os grandes hospitais e a forma de
tratamento exclusiva nas internações, em que o custo para o Estado era alto e o resultado
para vida do paciente era nulo, o setor privado que perdeu no discurso, no texto, tratou de
ganhar na prática. Mudou o tamanho dos hospitais e até organizou Hospitais-dia e oficinas
terapêuticas, que em nada muda a vida do paciente, mas o objetivo maior que era de segurar
a AIH, que representa o financiamento estatal, foi conseguido. Assim, as novas instituições
se fizeram públicas, porque conveniadas ao Estado, mas “uma vez empresariadas, visam ao
lucro e não ao bem-estar, restabelecendo o sistema de privilégios, com clara distinção entre
quem paga e quanto paga, segundo o critério predominante do acúmulo, acréscimo e
reposição do Capital” (Matos, 1999:33)
Na área do sofrimento mental essa lógica é mais cruel: mesmo quem paga muito
não conhece direitos e cidadania. A forma de tratamento, tanto em uma situação como
noutra, leva a anulação completa da pessoa: exclusão, contenção medicamentosa e de
espaço, “laborterapias” para manter o paciente ocupado não dando trabalho e gastos à
instituição ou à sociedade. Ou seja, nesta área o lucro é total e sobre o adoecimento
progressivo e morte em vida do indivíduo. Hoje, no Brasil, a rede substitutiva existente dos
1410 leitos/H-D em todo país, 811 são dos hospitais privados e conveniados, (CRPSP,
39
Rotelli e col, (1991)
147
1999/dez) ou seja a AIH, não saiu dos “antigos donos” do sistema. Muda-se o tipo de
serviço, mas continua o mesmo “projeto terapêutico”: acalmar os donos da indústria da
loucura.
Para exercitar um pouco a lembrança, voltemos à época em que priorizou-se o setor
privado em todos os campos da economia nacional e o público seria complementar.
Tempos estes em que o Estado estava a serviço dos interesses privados com o golpe militar
de 1964, e quando qualquer movimento, organizado ou não, de crítica ou protesto foi
calado. Em 1965, existiam em todo país 110 hospitais psiquiátricos. Em 1978, saltou para
351 o número de hospitais conveniados com o INAMPS. Um dado curioso para estar junto,
é que ao longo de 20 anos (1950 a 1970) a população brasileira cresceu 82% e a população
dos hospitais psiquiátricos, no mesmo período, cresceu 213%, e é óbvio que isto justificou
o aumento de hospitais pelo país afora, pois nos 8 anos que se seguiram a esta estatística,
eles continuaram aumentando e muito! Esse espanto compartilhamos com Cesarino, ao
estudar as estatísticas publicadas por Luíz Cerqueira, o Coordenador de Saúde Mental do
Estado de SP, de carreira meteórica – em 1973 – pois quis dar um basta a esta ganância da
indústria da loucura, no Estado. (Cesarino, 1989:4 e 5)
Dez anos após esta tentativa frustrada, a Secretaria de Estado da Saúde de SP, em
plena abertura democrática recoloca, a partir do Plano CONASP uma política contrária a
abertura de leitos, mas de investimento numa rede ambulatorial que desse conta da
demanda já existente e com a esperança de mudá-la de curso. Não mais seria o hospital a
porta de entrada - e sem saída – do sistema, e sim a rede básica com equipes de saúde
mental, trabalhar a saúde e não a doença mental.
Porém, entre um período e outro – início da abertura democrática, 1983 e pós
constituição, 1988 - é fundamental assinalar a ruptura com a política de construção de uma
rede ambulatorial e substitutiva ao manicômio, que ocorreu com a Nova República e
principalmente, no Estado de São Paulo com o segundo governo eleito do PMDB, governo
Quércia.
Nestes dois momentos – o que antecedeu e o que veio após a Nova República –
tentaremos discutir esse controverso tema da relação público-privado distinguindo o
público enquanto poder público – o planejador e prestador de serviços – e o público,
148
enquanto movimento civil – usuários dos serviços.
Sobre a primeira forma, vejamos os planejamentos e execução dos serviços que
decorrem deles, pelo poder público representado ou pelo governos estaduais, municipais e
federal. No caso do estado de São Paulo, através da Secretaria de Estado da Saúde iniciou –
em 1983 - a implantação de uma rede ambulatorial para fazer frente as internações
desnecessárias, incluía para tal o crescimento e supervisão de pessoal técnico, decretos que
propunha organização dos serviços referenciados e até organização de processo de trabalho
nos serviços. Além disto, incrementou as auditorias nos hospitais conveniados –
conseguindo o fechamento de centenas de leitos.
Nessa situação pegou para si a
responsabilidade de abrigar, nos hospitais próprios aqueles pacientes abandonados por
anos, de biografia desconhecida, enfim institucionalizados. Chegou hoje, com hospitais
próprios do Estado que na sua totalidade abriga os chamados “moradores” – ex.: os 473
moradores de Santa Rita do Passaquatro (SSCF, relatório de assessoria, 1999). Segundo o
Coordenador de Saúde Mental do Estado de SP (Lino, 1999), no interior do estado existem
8000 leitos, com mais 1500 na grande São Paulo, que abrigam as pessoas moradoras. Isto
em termos de recursos significa, aproximadamente 6 milhões de reais/mês – que o Estado
gasta com moradores em hospitais. E várias são as experiências que mostraram que com
esse mesmo dinheiro pode-se fazer muito mais, com um modelo que é inverso (Fonseca,
1998; SSCF, 2000a).
A rigidez do modelo oficialmente implantado no país, somado com todas as razões
de clientelismos políticos peculiares de cada lugar, fez com que a reforma psiquiátrica
brasileira de fato não trabalhasse a inversão dos investimentos do estado para uma rede
substitutiva ao manicômio.
O que estou chamando de “rigidez” não são as formas como algumas pessoas
ousavam e inventavam em seus serviços, mas a diretriz do poder central de não financiar
respeitando planos locais, mas sim o plano centralizado. Assim o INAMPS, na década de
80, só fez convênios com as secretarias estaduais ou municipais de saúde para constituirem
equipes em rede básica, ambulatórios e ficou na expectativa de hospitais – pelo menos
universitários – organizarem as enfermarias psiquiátricas; no máximo “estadualizou” seus
Postos Assistência Médica (PAM). Da mesma forma, o Ministério da Saúde, na década de
149
90 até agora - só liberou financiamento aos serviços que se moldavam a portaria 224/92 –
Unidade Básica/Ambulatório, CAPS/NAPS, HD e internação breve e integral –
desconhecendo por anos os 6 leitos contidos em cada NAPS/24h, de Santos e as moradias
que realmente estão na comunidade e não dentro dos antigos hospitais-colônias, como em
Campinas ou mesmo em Santos e São Paulo, não tem financiamento.
Após o CONASP, há 17 anos, as verbas continuam sendo destinadas mais de 90%
à internação integral – hospitais psiquiátricos – e menos de 10% a rede substitutiva.
Continuamos, no estado de São Paulo, com 9.500 mil pessoas “moradoras” em hospitais
contra 10 mil vagas liberadas para internações, que continuam com a média de 60 dias.
Essas vagas continuam, ainda, a serem ocupadas em igual proporção – aproximadamente
45% para 55% – por dependentes químicos e alcoolistas e todas as outras internações (DIRXII/SSCF, 1996 e 1998). Enfim, a internação psiquiátrica ainda é a forma de “tratamento”
dominante na política de saúde mental, como um dos 7 maiores gastos em internação de
todo orçamento para a saúde.
O que pode-se verificar é que não será a proliferação de Centros ou Núcleos de
Atenção Psicossociais (CAPS ou NAPS), que irá resolver ou possibilitar a Reforma
Psiquiátrica Brasileira. Os credenciamentos dos novos CAPS/NAPS ainda respeitam a
interpretação burocrática da portaria 224/92, ou seja devem inscrever-se na APS, sendo
pois referência para os serviços ambulatoriais e não porta aberta ao usuário. Em muitos
casos, os CAPS nascem como serviço único no município pequenos e para ser cadastrado
ele deve ter um ambulatório que faça os encaminhamentos. Existem municípios que não
justifica mais de um serviço, então a mesma equipe é ‘ambulatório’ em um período,
encaminha para ela mesma, noutro período, quando se torna CAPS.
Outra questão séria, é que continuam as formas de financiamento passando pela
lógica da necessidade da internação integral, transformando manicômios em hospitais
menores e humanizados, fomentando a crença do hospital bom e o hospital ruim. Sejam
“equipes mínimas” em Centros de Saúde, ou equipes em ambulatórios de especialidades, ou
ambulatório de saúde mental, ou até CAPS ou H-D – os ditos “intermediários” - continuam
todos circunscritos na área de referência de um hospital psiquiátrico conveniado ao SUS, e
tudo na lógica do Modelo Opasiano.
150
O município de Americana é exemplo desta dificuldade. Ele está reorientando seus
serviços e organizando uma rede própria (ASM com ações de CAPS e Oficina, um PS e
leitos psiquiátricos no hospital geral municipal), em conjunto com a Secretaria da
Assistência Social. Vem trabalhando a desospitalização e efetivando as possibilidades de
reconstrução da vida das pessoas (25 ex-moradores – de 1994 até agora - dos hospitais
psiquiátricos credenciados regionais) no albergue e depois para pensões normais da cidade
e três moradias a serem montadas (DIR-XII/SSCF, 1999; PMA/CAM, 1999). Outro
exemplo é o município de Sumaré que assumiu o ASM como um CAPS: a equipe
funcionando da mesma forma que um NAPS santista – só não funciona 24h - isto é, não
existe a psicoterapia formal, aprendida na escola. Trabalham o bloqueio do circuito
psiquiátrico com acompanhamentos, festas, trabalho, grande atividades envolvendo toda a
cidade: comércio doou mercadorias para um grande bingo, roupas para os usuários
desfilarem e o clube local para num evento angariar fundos para construção e melhoria da
oficina de trabalho. Fazem passeios e mantém uma vez mês a frequência no cinema local,
que conseguiram a liberação de ingressos (DIR-XII, 1999). Porém, o financiamento para a
saúde mental destes municípios continua sendo enviado – O MESMO TETO
FINANCEIRO anterior a tais mudanças citadas - em AIH para o hospital psiquiátrico
regional, um filantrópico conveniado, continuam os mesmos números de leitos como se os
dois municípios continuassem ocupando o hospital da mesma forma que antes.
Entretanto as verbas estaduais, mesmo as municipalizadas para a saúde mental vem
no teto do hospital, que está no município de Americana. Com isto, soma-se dois dos
maiores municípios de uma mesma região que “deveriam se servir” de um mesmo hospital
e cada vez mais prescindem dele. Pior ainda é que com isto o hospital continua com
“hotelaria cheia”, usando mensalmente o total de seu teto financeiro repassado pelo SUS
(DIR-XII/SSCF, 1999)!
Todos municípios cresceram e investiram - mesmo os que criaram recentemente
seus serviços -, no modelo opasiano e mesmo os que têm uma rede de Programa de Saúde
da Família, com agentes e equipe indo ao domicílio, que são aspectos positivos para o fazer
da reabilitação psicossocial: o acompanhamento no cotidiano da vida, só se organizam sob
as regras da portaria 224/92. Esse modo do movimento sanitário conceber organização de
serviços de saúde mental a partir da ótica da APS - prevenção, promoção e tratamento –
151
sem nenhuma invenção e com as tecnologias Duras sobrepondo qualquer outra, não
contribui para uma avanço da reforma psiquiátrica.
Essa herança, mostra-nos os limites de experiências, como no Serviço de Saúde Dr.
Cândido Ferreira, de Campinas, o Serviço de Saúde Mental de Sumaré, ou CAPS de
Pedreira. Embora façam investimentos no desmonte da instituição psiquiátrica, na
intervenção
do
circuito
psiquiátrico
e
têm
como
inspiração
o
modelo
da
desinstitucionalização, ficam a mercê de uma hierarquização e propostas municipais ou
regionais que financiam o outro modelo: o teto financeiro vai para o hospital, mesmo que
os municípios não queiram a internação integral para seus usuários.
Para nossas experiências a liberdade é o símbolo maior, um grande norteador dos
nossos feitos, é o que mais afeta o imaginário de nossa sociedade que hoje tranca-se no
domicílio. A ‘porta’ nem invisível, pois não deixa de ser ‘parâmetro’ e todos vêem e
sentem, como mostra-nos Manuelzinho das Flores, do Hospital Psiquiátrico de Santa Rita
do Passaquatro:
“Não gosto de portão
e não passo por eles.
Dizem que podemos andar em tudo,
mas é mentira.
Tudo tem número e nome nas portas
Por isso não saio daqui.” (Associação Jequitibá, 1999)
O quadro a página seguinte serve para termos idéia da construção dos serviços de
saúde mental dos 12 municípios da microregião de Campinas, todos modelares à
APS/OPAS e por dedução, para onde é canalizado o dinheiro do Estado. Ele, pertence a um
relatório feito pelos Articuladores Municipais de Saúde Mental, da micro região de
Campinas, e equipe da DIR-XII, apresentado aos técnicos do Ministério de Saúde, em
agosto de 1999, sobre a implantação e reorientação dos serviços, que está sendo feita na
Micro-região (DIR-XII, 1999; SSCF, 1999b).
152
MICROREGIÃO DE CAMPINAS – SAÚDE MENTAL/ DIR-XII – AGOSTO/1999
Município
AMERICANA
População
175 mil
Início
1985
Reorientação
1998
Mudanças significativas
-Municipalização do hospital psiquiátrico filantrópico e
conveniado da região com 140 leitos e 60 h-d (vagas
regionalizadas);
- em organização um CAPS; e atenção infantil;
Projeto de 3 moradias p/ 19 ex-moradores dos hospitais
que hoje encontram-se no Albergue municipal
CAMPINAS
1.100
1978
1990
Os dados serão discutidos na reunião com a Secretaria
Municipal
COSMÓPOLIS 42 mil
1993
Centro de Reabilitação e Saúde Mental
HORTOLÂNDIA 126 mil
1993
Centro de Saúde Mental
INDAIATUBA 135 mil
1985
1998
-Municipalização do hospital psiquiátrico privado e
conveniado da região de 230 leitos e iniciando 15 h-d
para o município;
- otimização dos serviços de saúde mental (amb.SMadulto/ Deto.de reabilitação-inf)
- projeto de uma oficina terapêutica
MONTE MOR 33 mil
N. ODESSA
39 mil
STA.
BÁRBARA
167 mil
PAULÍNIA
48 mil
1998
- montou e contratou uma equipe (psicólogas, psiquiatra
e auxiliar) para um ASM
Consulta psiquiátrica, autorização p/CV, no hospital
municipal
1984
1999
Projeto de um CAPS
1999
Reorganização dos serviços existentes em um Sistema
de SM contemplando:
- um CAPS adulto; - um CAPS infantil; - serviço p/
dependentes químicos, e
-internação psiquiátrica no Hospital Geral municipal
SUMARÉ
179 mil
1989
1997
-Um serviço de Saúde Mental com ações de CAPS Projeto de vagas H-D;
- Projeto de oficina Terapêutica.
VALINHOS
77 mil
1985
VINHEDO
40 mil
1985
Contratação de
especialidades
1998
equipe
p/
um
ambulatório
de
Construção de um CAPS com inauguração já marcada.
Na década de 80, quando os municípios inseriram os serviços de saúde mental na rede básica de saúde, esta região contava com 4
hospitais conveniados (em Campinas, 2 Americana, 1 Indaiatuba e 1 em Valinhos). Hoje foram reduzidos para 2 em Campinas
(sendo que um é o Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira que tem apenas 50 leitos na unidade de internação e várias moradias) e o
hospital Tibiriçá (88 leitos); e 2 para o restante da região que somam 300 leitos e 60 vagas H-D // Fonte: Relatório sobre a micro
região de Campinas/ DIR-XII
153
A região de Campinas é bom exemplo para fazer pensar a potência do
antimanicomial na reforma psiquiátrica em curso, pois a região é privilegiada na
perspectiva do modelo oficial da reforma psiquiátrica brasileira. A região da DIR-XII tem 3
universidades – Unicamp, PUCC e USF – com os cursos de medicina e os seus hospitaisescolas que têm formação de psiquiatras, 2 Prontos Socorros e 2 enfermarias psiquiátricas,
1 Hospital-Dia e a possibilidade de mais 1 enfermaria. Também é importante ressaltar que
esta região e mais a DIR-XX (São João da Boa Vista) e
DIR-XV (Piracicaba) –
anteriormente, à época do CONASP eram uma só região administrativa do Estado - contém
o maior “parque hospitalar psiquiátrico” privado e beneficente, conveniados ao SUS. Para
mostrar sua força e presença, são destas regiões – DIR-XX e DIR-XII - que vieram os
representantes tanto da Federação Brasileira de Hospitais (FBH) e das Filantrópicas para a
Comissão Estadual da Reforma Psiquiátrica, do Conselho Estadual de Saúde. Esse é o
MODELO.
A outra questão fundamental e bastante polêmica é que não basta ser ou “filantrópica
não-lucrativa”, ou do “3º setor” e nem ser “estatal”, para uma instituição ser PÚBLICA.
Acabamos de discutir e lembrar várias situações do Estado – que deveria funcionar para o
benefício público, mas protege os interesses privados, e pior ainda, situações que os nossos
próprios trabalhos e realizações profissionais, mais privilegiam o desejo privado individual
ou grupal, em detrimento as necessidades públicas, dos usuários. Faz parte dos objetivos
de uma gestão publicizar os espaços.
Foi assim, que o SSCF conseguiu, mesmo sendo uma instituição filantrópica, seguir
como uma instituição mais pública do que as estatais municipais de Campinas.
O SSCF, com sua forma de gestão democrática, colegiada em várias instâncias:
político administrativa (um conselho diretor composto por representantes da entidade
mantenedora, que não decide sozinha e sim, junto com representantes das universidades, da
prefeitura, da secretaria estadual de saúde, e de trabalhadores do SSCF); tecno política (um
colegiado de gestão composto por todos os gerentes dos diferentes setores e serviços do
SSCF, e ampliado, conforme demandado, com assessores diversos); técnica (colegiado de
área, composto pela equipe de cada setor); e culminando anualmente, com um Seminário de
Avaliação, aberto a todos os parceiros que componham ou não as instâncias descritas, para
154
reencaminhar o convênio público com o SUS.
Desta forma que o SSCF, conseguiu realizar submetendo-se ao mesmo critério para
teto financeiro conferido aos demais hospitais conveniados, diminuir o seu lado hospitalar
e dar alta aos seus moradores, reduzindo consideravelmente o custo da AIH integral - de R$
692,40 para R$ 349,00 aos cuidados das moradias, no convênio SUS – (Fonseca, 1997).
Para os usuários, devolveu-lhes assim, a vida em sociedade, alugando casas em diferentes
bairros da cidade, e responsabilizando pelo cuidado destas pessoas em alta hospitalar.Essa
experiência foi influência definitiva para o Ministério da Saúde elaborar a portaria 106/00
sobre as “Residências Terapêuticas”.
Em contrapartida, Santos, município que abriu perspectivas para a experiência do
SSCF, adiantado em suas conquistas antimanicomiais – com o fechamento do hospício
local e criação de uma ampla rede substitutiva e estatal – foi “comido pelas bordas”: o
interesse do governo local atual não é com aqueles que mais precisam de tutela (Kinoshita,
1997). Equidade não é mais a marca do sistema de saúde mental, como já abordamos no
capítulo 3. A SESSP abriu leitos no Hospital Estadual Regional sediado no município. Pelo
menos a liberdade dos loucos, pelo menos a de não sequestrá-la, foi conquistada: não
conseguiram remontar hospícios ou reabrir o manicômio (Oliva, 2000).
Na cidade de São Paulo, os espaços públicos e estatais fecharam-se. Hoje temos
como único espaço público-estatal e antimanicomial, o CAPS-Itapeva (SES/USP). Os
demais espaços públicos antimanicomiais ficaram com o 3º setor: o Sedes Sapientiae, o
SOS-Saúde Mental e o Qualis.
Este último, motivo de muita controvérsia em nosso meio antimanicomial e para falar
do tema começaremos por outro.
O Programa de Saúde da cidade de São Paulo, de 1989-1992, do PT, foi de todo os
3 municípios o mais ‘exterminado’, mas houve – talvez a única cidade que tenhamos visto
falar – uma debandada de 15 mil funcionários que não se “submeteram” ao novo Plano de
Assistência à Saúde – o PAS. Só permaneceram na Secretaria de Saúde, os trabalhadores
que continuavam em assistência especializada, ou seja, fora do que era então, a rede básica
(que foi transformada em sede das cooperativas das categorias profissionais). Com isso
ficaram sem formas de praticar a resistência micropolítica do trabalho, tiveram ou optaram
155
em separar as lutas políticas nas instâncias partidárias ou de controle social e de movimento
civil. Isso ocorreu diferente nas outras experiências.
Em Campinas, os trabalhadores de saúde ou se reuniram no SSCF, ou nas
universidades e ainda, a maioria na própria rede municipal onde exercem seu auto-governo
no dia a dia do trabalho: existem centros de saúde que parecem não pertencer a mesma rede
que os outros, não funcionam com agendas fechadas para saúde mental, têm convívio com
a comunidade local e recebem e tratam seus “ex-egressos” – pois já faz tanto tempo que
não internam que parecem nunca foram pacientes de hospício -, têm formas de trabalho
dentro ou no espaço do CS, com hortas e Brechó (Amaral, 1995; Equipe de SM, 1999;
SSCF, 2000).
E em Santos, dois tipos de resistência no trabalho podemos citar. Uma delas, os
trabalhadores firmaram-se na Associação Franco Rotelli, e mantém núcleos de discussão
com propostas políticas a serem disputadas no fazer do dia a dia (Oliva, 2000); e a outra foi
opção dos trabalhadores que eram ‘municipalizados’ pela SES/SP, na cidade, e tiveram
‘seus passes’ devolvidos pelo prefeito. Foram trabalhar na cidade de São Paulo, mas não
com o PAS e ativaram na SES um projeto em parceria com Organização Social – permitida
pela NOB/96 – a ampliação do Programa de Saúde da Família (PSF) do governo federal: o
Qualis (Capistrano, 1998).
O que veio a ser o Qualis, da equipe santista, senão uma potente rede básica de ‘porta
(do domicílio) aberta’ a todos os problemas da área adscrita para a equipe do PSF: doenças
crônicas, pré-natal, crescimento e desenvolvimento infantil, doenças agudas, vacinação e
saúde mental com tudo e da forma como a experiência de Santos entendia. Isto é: violência
urbana e doméstica, analfabetismo, exploração do trabalho infantil e de clandestinos
estrangeiros, desemprego, repetência e dificuldade escolar, exclusão social da parcela
submetida ao apartheid brasileiro (Capistrano, 1998; Lancetti, 1999 e 2000)
As apostas na construção de sujeitos sociais foram também diversas. Ao que parece o
modelo reformista em saúde mental, bastante afinado com o modelo da reforma sanitária,
na cidade de São Paulo define-se de forma dependente da macropolítica, do poder de
governo local. Esta situação traz um risco muito grande: tentar voltar onde havia-se parado,
ignorando experiências e invenções diferentes, que possam ter ocorrido fora do campo de
156
controle político dos protagonistas anteriores, e que da mesma forma tenham reunido
modelagens importantes para as mudanças.
Campinas safou-se desta lógica por ter uma experiência independente (o SSCF),
pelas formas do poder local que já discutimos e, também não podemos esquecer que
conseguiram acumular mais na área da reforma sanitária, mesmo demorando para assumir a
gestão semi-plena, pois em 1983, teve um embrião de municipalização, onde começaram a
exercer a micropolítica do poder local.
Refletindo sobre estas relações entre o público X privado, que são grandes entraves
para evolução do antimanicomial da reforma psiquiátrica buscamos e vislumbramos
também uma esperança quando apegando ao conceito que
“uma minoria pode ser mais numerosa que uma maioria. O que define maioria
é um modelo ao qual é preciso estar conforme(...)ao passo que a minoria não
tem modelo, é um devir, um processo(...)quando uma minoria cria para si
modelos, é porque quer tornar-se majoritária, e sem dúvida isso é inevitável
para sua sobrevivência ou salvação. Mas sua potência provém do que ela
souber criar, e que passará mais ou menos para o modelo, sem dele depender“
(Deleuze, 1991:214)
Essa minoria, a porção antimanicomial da Reforma Psiquiátrica, aprendeu ao longo destes
anos, a trabalhar sem a formalidade da lei, pois a lei da extinção dos manicômios não foi
até hoje aprovada em instância final no Congresso Nacional, e já está tão travestida, como
toda legislação pelos direitos sociais neste nosso Brasil. Ampara-nos um pouco as portarias
e decretos, mas continuamos a organizar o trabalho na atenção e para a reabilitação
psicossocial do louco, sem amparo legal. Hoje, temos um grande contingente, que por tudo
o que já falamos, encontra-se aposentado por invalidez. A legislação de cooperativas, não
apoia quem está nesta situação, o trabalho na reabilitação – para deficientes – é considerado
estágio para readaptação e permitido por 6 meses, ora no caso da reabilitação psicossocial
não é possivel prazos.
A portaria 106/00, sobre as “Residências Terapêuticas”, vem em um momento
crucial para a reforma. Poucas experiências seguiram, que hoje tem melhor condição de
pensar na regulamentação de uma portaria que diz respeito a assunto tão importante, não da
157
vida pública, mas da vida privada – o domicílio. Entretanto, ela vem com o mesmo
“dispositivo” para o bem privado de poucos, dos ‘mais normais’ do sistema de mercado, a
palavra inserida no seu parágrafo único do art. 1º: ‘preferencialmente’40, assim as
residências dos pacientes, que estiveram por anos trancafiados e isolados do mundo, sob
custódia do Estado, ficarão sob a definição do jogo de forças políticas da relação público X
privado. A mesma palavra que no Capítulo 5, da Constituição Brasileira quebrou as
deliberações da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Dizia-se na 8ª Conferência que a saúde,
além de um direito do cidadão, é também um “bem público”, mas ao “consenso” brasileiro
em que sempre pesa mais o setor privado, ficou na Constituição que saúde
‘preferencialmente’ será vista como um bem público, ficando destituída assim, da
jurisprudência pública.
Assim como nossa melhor marca é a micropolítica, a nossa pior marca é exatamente
a macropolítica, que depende de conquistas da política maior, mas vamos por aí criando
(forçando) jurisprudência. E de quem empresto poder contratual é ninguém menos que
Deleuze:
“o que interessa não é a lei nem as leis (uma é noção vazia, e as outras são
noções complacentes), nem mesmo o direito ou os direitos, e sim a
jurisprudência. É a jurisprudência que é verdadeiramente criadora de direito:
ela não deveria ser confiada aos juizes” (Deleuze, 1992:209).
40
“entende-se
como
Serviços
Residenciais
Terapêuticos,
moradias
ou
casas
inseridas,
PREFERENCIALMENTE, na comunidade...” (§ único do Art. 1º da portaria 106/00, do Ministério
da Saúde)
158
TERRA É ESPAÇO.
O PARAÍSO É O INFINITO.
TERRA, MAR E CÉU
ESTRELAS MAIÚSCULAS E MINÚSCULAS.
MANUELZINHO DAS FLORES
4.3.A LENTIDÃO METODOLÓGICA
Descortinar a memória é um fazer indiscutível dos PSI. Qualquer escola terapêutica
por mais tradicional e ortodoxa que seja, trabalha associando o passado da pessoa – história
antiga e/ou recente – para ajudá-la clinicamente. E não é incomum ouvir do paciente:
“quero voltar a ser como antes” ou “trouxe meu filho porque ele está muito diferente, assim
não dá...ele não era assim”.
Quanto mais a clínica deixa o setting do consultório, quanto mais afasta-se do
campo, que fragiliza, da relação consciente e inconsciente, quanto mais se aproxima do
cotidiano e se permite roçar a subjetividade da pessoa, buscando a “ampliação do
coeficiente de autonomia” ou a “autonomia do nosso modo de andar a vida”– que segundo
definições do LAPA isto é a cura ou saúde (Campos, 1994:50; Merhy, 1998:108) – mais
perto a clínica chega do desvendar histórias, biografias inteiras esquecidas ou
desvalorizadas, como é o caso dos crônicos dos manicômios, territorializando novos
contratos.
Leva-se anos ou gerações para construir vidas e histórias, também para estabelecer
algo, mesmo que se queira mudar depois. E não será em horas que se entenderá ou resolverse-á nenhuma destas situações. Assim, como levou séculos à construção da cultura da
loucura e do tratar pessoas trancafiando, dopando, não confiando e segregando de qualquer
relação social, também está se levando anos para desmontá-la, mostrar para as famílias,
para a comunidade e sociedade como um todo, o que é possível fazer para a reabilitação de
quem enlouqueceu.
Porém esta é uma instituição e temos tantas outras instituições. No jogo de construir
e desconstruir histórias, vidas e sentido, existem interesses diversos, inclusive o daqueles
que lutam por conservar e apenas manter os mesmos vencedores.
Hoje, uma característica básica de nosso século é a rapidez sobre todas as coisas: a
comunicação, o conhecimento, a informação, a produção. O que nos levou “rapidamente”
159
ao descartável, a falta de valores, a todos os extremos, mas não mudamos os prazos da
maturação do ser humano. Da construção e reconstrução do afeto, da subjetividade em cada
um de nós. Vence no humano o desejo de não ter dor, de esquecer, de não vincular, de não
responsabilizar-se.
“Há um vínculo secreto entre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o
esquecimento. Imaginemos uma situação das mais comuns: um homem
andando da rua. De repente, ele quer se lembrar de alguma coisa, mas a
lembrança lhe escapa. Nesse momento, maquinalmente, seus passos ficam mais
lentos. Ao contrário, quem está tentando esquecer um incidente penoso que
acabou de viver sem querer acelera o passo, como se quisesse rapidamente se
afastar daquilo que, no tempo, ainda está muito próximo de si. Na matemática
existencial, essa experiência toma a forma de duas equações elementares: o
grau de lentidão é diretamente proporcional à intensidade da memória; o grau
de velocidade é diretamente proporcional à intensidade do esquecimento”
(Kundera, 1995:42/43).
A lentidão não pode ser a medicamentosa. Essa retira a memória, facilita o
esquecimento. A lentidão da concentração, da reflexão, da escuta, do entendimento, da
pedagogia, da experimentação, do processo de criação.
O triunfo do processo de desconstrução das relações manicomiais, da reabilitação de
pessoas cronificadas está na
“micropolítica processual, aquela que constrói novos modos de subjetividade,
que singulariza (...)e deve ser encontrada a cada passo, a partir dos
agenciamentos que a constituem, na invenção de modos de referência, de
modos de praxis. Invenção que permita, ao mesmo tempo, elucidar um campo
de subjetivação e intervir efetivamente nesse campo, tanto em seu interior
como em suas relações com o exterior” (Guattari/Rolnik, 1986:30).
Os acertos de um modelo assistencial não estão na pressa da balança eficáciaeficiência, mas no tempo dos sujeitos em questão, o usuário e o trabalhador.
A cultura sobre a loucura levou a cronificação de milhões de pessoas por séculos.
Este processo para ser desfeito não basta a aceitação da culpabilidade do Estado e social.
160
Por isso não basta elaborar decretos e portarias – 224/92, 106/00 etc. - que repassem um
pouco do dinheiro para essas pessoas, que ficaram anos trancafiadas. Porém, trata-se de
retirar-lhes o cotidiano sem trocas, sem vínculos, em total abandono. Trata-se pois de
reconstituindo ou devolvendo-lhes o movimento no mundo, buscar sentido, produção de
vida, e nesse processo de enriquecimento de suas relações, possibilitar-lhes geração de
renda para adquirir poder contratual suficiente para não mais sofrer a constante ameaça de
retorno a caminhos manicomiais. Para isso, nós os técnicos temos de recuperar, também, os
códigos da rua, do cotidiano, do “ordinary people” que somos fora do nosso título
funcional, fora do uniforme ou do crachá institucional.
O manicômio, como o conhecemos, poderia estar quase no fim, mas o Estado não
muda suas relações com os interesses privados e ainda mais, guarda suas ”terras e
edificações” ociosas e lúgubres, num cuidado “COM” precedentes. Convém lembramos
sempre que os hospitais colônias, antes de encarcerar loucos, encarceraram leprosos e
tuberculosos. A história mostra que os inescrupulosos atos de governo ainda – e já está em
discussão e até forçando – utilizarão para “abrigar” as crianças e adolescentes “infratores”.
Deleuze, partindo da sociedade disciplinar como analisada por Foucault, discute nossa era
da “sociedade de controle” que tem nos levado a caminhos que devemos ser cuidadosos,
pois
“a crise do hospital como meio de confinamento, a setorialização, os hospitaisdia, o atendimento domiciliar puderam marcar de início novas liberdade, mas
também passaram a integrar mecanismos de controle que rivalizam com os
mais duros confinamentos. Não cabe temer ou esperar, mas buscar novas
armas.” (Deleuze, 1991:220)
E ainda Deleuze, lembrando a ‘velha toupeira monetária’ – econômica, poupadora,
rígida, etc. - que simbolizava os meios disciplinares, hoje tem-se a ‘serpente’ –veloz,
sinuosa, ondulante - simbolizando os meios de controle, diz:
“Os anéis de uma serpente são ainda mais complicados que os buracos de uma
toupeira” (Deleuze, 1991:226)
Faz parte de qualquer posição de combate à cultura manicomial, à instituição total,
repensar as edificações que abrigaram os hospícios. Buscar novas armas, buscando os
161
usuários da vida em comunidade, incorporar esses espaços à cidade - cultural e social - é
imprescindível para não regressão das conquistas contra a instituição total.
Os hospitais colônias são estatais e podem ser o exemplo do que fazer pela nova
cultura que se propões nas leis: o Juqueri, Santa Rita do Passaquatro e o Cocais, em Casa
Branca, etc. simbolizariam a vitória da vida - alargar seus espaços para a cidade. Cinemas,
turismo, teatro, oficina de trabalho, espaço de geração de rendas para os ex-moradores,
escolas, creches, entidades protetivas da infância, parques, bares, clube e muito mais, pois
seriam verdadeiros bairros da cidade.
E o mais importante de tudo isto é que “alargar espaços”, como fizemos, nessas
experiências de combate à violência e à exclusão na instituição total, deu-nos um know-how
invejável: o enriquecimento das relações individuais, o respeito às diferenças, a
dependência saudável das relações para a autonomia (Kinoshita, 1996 e 1997), a troca de
saberes no coletivo dos conhecimentos individuais (SSCF, 1999a), o reconhecimento e
valorização do outro, aposta e experiência na economia solidária (SSCF, 1999a; Lopes,
1999a/b). Estas são conquistas que interferem em qualquer construção, pois muda a forma
de ver e do fazer das pessoas que participaram destas experiências. Tornaram-se
protagonistas e gestoras da própria vida.
Queremos dar uma última olhada na memória, que é importante ser visitada:
1963: “O hospital psiquiátrico de madrugada é assim: milhares de corpos
humanos nus, imundos, decompostos (...) o quadro em horror, supera toda a
imaginação. Não se pode compará-lo a uma imensa pocilga, porque a
realidade ficaria atenuada. O mau cheiro, violento, fere as narinas, tonteia,
provoca náuseas. O ar, irrespirável. O ambiente, uma antevisão do pior dos
infernos” (Folha de SP, 21/fev., texto de Ewaldo Dantas sobre o Juqueri)
(Revista Rádice, no. 07, 1978)
1978:” ‘Pelo que se depreende na convivência quase diária com pacientes e
funcionários, pelo que se pode sentir vivendo de perto a vida do DP.II
(complexo “manicomial” do Juqueri) é a desagradável impressão de que ela
não anda, não flui, não funciona’ (...) e por aí adiante, mostrando que o
Hospital, um local que deveria ser de tratamento, recuperação de seres
162
humanos, se transformou num verdadeiro pardieiro de corrupção, descaso e
indiferença pela vida humana” (Revista Rádice, no. 07/1978, sobre o relatório
da CEI da Assembléia Legislativa de SP)
2000: “Grades e remédio. Grades para conter, remédios para dopar. Assim se
cuida da loucura nos manicômios brasileiros visitados pela comissão de
direitos humanos da Câmara, de norte a sul do país(...)seria falso afirmar que
os manicômios brasileiros não mudaram nada no período democrático. No
entanto, as mudanças são muito pequenas (...)Em cada diálogo, o que se sente
é o peso asfixiante de um a solução que não se sustenta por si própria, sua
única base é a indiferença que suscitam só temas incômodos no Brasil(...) um
paciente, em Juqueri, respondeu-me sem hesitar há quanto tempo estava
internado ali: 600 anos (...) o argumento de que não existe dinheiro não vale,
pois uma alternativa poderia ser montada com a mesma verba que usa hoje
para isolar e quebrar a vontade dos internos. O argumento de que não há
alternativas também não, pois tanto no campo do atendimento a pacientes com
forte dependência como no caso de ambulatórios, já há exemplos funcionando”
(Dep. Fernando Gabeira em entrevista a Revista “Bundas”, sobre o relatório da
Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, 2000)
Até quando?
E encerrar com Deleuze:
“Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos completamente o
mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente
suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou
engendrar
novos
espaços-tempos,
mesmo
de
superfície
ou
volume
reduzidos(...)é ao nível de cada tentativa que se avaliam a capacidade de
resistência ou, ao contrário, a submissão a um controle. Necessita-se ao
mesmo tempo de criação e povo” (Deleuze,1991:218).
163
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