INSTITUTO AGRONÔMICO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AGRICULTURA TROPICAL E SUBTROPICAL QUALIDADE E PRODUTIVIDADE DA CANA-DEAÇÚCAR INOCULADA COM GLUCONACETOBACTER DIAZOTROPHICUS NO E ADUBADA COM NITROGÊNIO MINERAL E ORGÂNICO JOSÉ PAULO QUEIROZ PRADO JÚNIOR Orientador: Raffaella Rossetto Co-orientador: Lee Tseng Sheng Gerald Dissertação submetida como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Agricultura Tropical e Subtropical Área de Concentração em Tecnologia de Produção Agrícola Campinas, SP Janeiro 2008 i Ficha elaborada pela bibliotecária do Núcleo de Informação e Documentação do Instituto Agronômico P896q Prado Junior, José Paulo Queiroz Qualidade e produtividade da cana-de-açúcar inoculada com Gluconacetobacter diazotrophicus e adubada com nitrogênio mineral e orgânico./ José Paulo Queiroz Prado Junior. Campinas, 2008. 49 fls Orientador: Raffaella Rossetto Dissertação (Mestrado) Agricultura Tropical e Subtropical Instituto Agronômico 1. Cana-de-açúcar 2. Saccharum officinarum L. 3 Gluconacetobacter Diazotrophicus. 4. Inoculação 5. Bactérias fixadoras de nitrogênio, 6. Adubação nitrogenada. I. Rossetto, Raffaella II. Campinas. Instituto Agronômico III. Título CDD. 633.61 ii A minha família José Paulo, Vaima e Erick DEDICO A Raffaella Rossetto e Lee Tseng Sheng Gerald OFEREÇO iii AGRADECIMENTOS - A Deus que nos da força para a batalha do dia a dia; - Ao Dr. Victor Branco de Araújo pela utilização do Laboratório de Biotecnologia Vegetal da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral-CATI, localizado em Tiete-SP; - Aos funcionários do IAC-APTA Pólo Centro-Sul, do Laboratório de Biotecnologia Vegetal da CATI e da UFSCar-Araras; - A Coordenadoria de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão da bolsa de estudos; - A minha família José Paulo Queiroz Prado, Vaima Maria Alberto Queiroz Prado e Erick Alberto Queiroz Prado pois sem eles nada disso seria possível; - Ao Prof. Dr. Lee Tseng Sheng Gerald que me ensinou muito sobre pesquisa e que se tornou um grande amigo; - A Dra. Raffaella Rossetto, uma pessoa espetacular que encontrou tempo para me orientar neste trabalho; - Ao Engenheiro Agrônomo e amigo Diogo Miranda pelo auxílio fundamental na quantificação das bactérias; - Aos funcionários da PG-IAC pelo auxílio e amizade durante o curso; - A todos que colaboraram para a realização deste trabalho. iv SUMÁRIO ÍNDICE DE TABELAS ............................................................................................... vi ÍNDICE DE FIGURAS............................................................................................... vii RESUMO .................................................................................................................. viii ABSTRACT ................................................................................................................ ix 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 1 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................... 4 2.1 Importância da Fixação Biológica de Nitrogênio na Agricultura .............................. 4 2.2 Importância do Nitrogênio na Nutrição e Fisiologia da Cana-de-Açúcar .................. 5 2.3 Adubação Nitrogenada e Cana-Planta ..................................................................... 6 2.4 Fixação Biológica de Nitrogênio na Cana-de-Açúcar .............................................. 7 2.4.1 Bactérias Fixadoras de Nitrogênio ...................................................................... 10 2.4.2 Interação Variedades e Fixação Biológica de Nitrogênio .................................... 12 2.4.3 Inoculação de Bactérias Diazotróficas ................................................................ 14 2.4.4 Interação Adubação e Fixação Biológica de Nitrogênio ...................................... 16 3 MATERIAL E MÉTODOS...................................................................................... 18 3.1 Quantificação Prévia das Bactérias Diazotróficas em 6 Variedades de Cana .......... 18 3.2 Local do Experimento ........................................................................................... 19 3.3 Tratamentos e o Delineamento Experimental......................................................... 20 3.4 Preparo do Inóculo e a Inoculação ......................................................................... 21 3.5 Análise Foliar........................................................................................................ 23 3.6 Quantificação das Bactérias Diazotróficas Endofíticas .......................................... 23 3.7 Produtividade e Análise Tecnológica..................................................................... 25 3.8 Análise Estatística ................................................................................................. 25 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................................. 26 4.1 Quantificação Prévia das Bactérias Diazotróficas .................................................. 26 4.2 Produtividade ........................................................................................................ 26 4.3 Análise Tecnológica .............................................................................................. 30 4.4 Quantificação das Bactérias Fixadoras de Nitrogênio ............................................ 31 4.5 Análise Foliar........................................................................................................ 33 5 CONCLUSÕES ....................................................................................................... 34 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 35 v ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 - Aspectos relacionados com o processo de fixação do nitrogênio atmosférico por via industrial e biológica.......................................... 4 Tabela 2 - Porcentagem de nitrogênio proveniente da FBN na variedade RB72454 em diversas regiões produtoras no Brasil.......................... 14 Tabela 3 - Metodologia de aplicação reportados para algumas bactérias diazotróficas....................................................................................... 15 Tabela 4 - Características químicas (macronutrientes) do solo onde foi instalado o experimento*................................................................... 19 Tabela 5 - Características químicas (micronutrientes) do solo onde foi instalado o experimento..................................................................... 19 Tabela 6 - Características varietal de RB72454 e IACSP93-6006...................... 20 Tabela 7 - Tratamentos estudados no experimento............................................. Tabela 8 - Quantificação prévia das variedades disponíveis na época de plantio (% de amostras com presença das bactérias)......................... 26 Tabela 9 - Produtividade expressa em toneladas de colmos por hectare............. 27 Tabela 10 - Contrastes ortogonais dos dados relativos a produtividade das duas variedades estudadas.......................................................................... 28 Tabela 11 - Aplicação do Teste de Dunnett para a produtividade......................... 29 Tabela 12 - Parâmetros tecnológicos medidos aos 18 meses após a instalação do experimento, variedade RB72454................................................. 30 Tabela 13 - Parâmetros tecnológicos medidos aos 18 meses após a instalação do experimento, variedade IACSP93-6006........................................ 31 Tabela 14 - Bactérias diazotróficas (logaritmo do número de células por grama de matéria fresca) em duas variedades de cana-de-açúcar aos 16 meses.................................................................................................. 32 Tabela 15 - Nitrogênio total na folha +1 aos 8 meses após a instalação do experimento........................................................................................ 33 21 vi ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 - Possíveis locais de infecção e colonização das bactérias diazotróficas nas raízes ................................................................... 9 Células do colmo da cana-de-açúcar colonizadas por Gluconacetobacter diazotrophicus.................................................. 10 Colmos de cana mergulhados em meio sólido. A coloração azul indica o crescimento de Herbaspirillum spp. e a coloração amarela indica crescimento de Gluconacetobacter diazotrophicus.................................................................................. 18 Garrafa PET 2 litros com Gluconacetobacter diazotrophicus pronto para ser colocado no pulverizador costal.............................. 22 Figura 5 - Pulverização da bactéria no sulco de plantio.................................... 22 Figura 6 - Detalhe da inoculação. A pulverização é dirigida ao corte recém feito no colmo pois a entrada da bactéria é facilitada em ferimentos......................................................................................... 23 Metodologia do Número Mais Provável, utilizando frascos de penicilina de 10 ml com meio semi-sólido...................................... 24 Meio de cultura semi-sólido LGI-P. Os dois frascos da direita estão positivos quanto ao crescimento de Gluconacetobacter diazotrophicus................................................................................... 24 Meio de cultura semi-sólido JNFb. Os dois frascos da direita estão positivos quanto ao crescimento de Herbaspirillum spp.................. 25 Produtividade entre os tratamentos adubados com nitrogênio orgânico, nitrogênio mineral e testemunha sem nitrogênio, independente da inoculação.............................................................. 29 Figura 2 Figura 3 - Figura 4 - Figura 7 Figura 8 - Figura 9 Figura 10 - vii PRADO JUNIOR, José Paulo Queiroz. Qualidade e produtividade da cana-deaçúcar inoculada com Gluconacetobacter diazotrophicus e adubada com nitrogênio mineral e orgânico. 2008. 49f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia da Produção Agrícola)-Pós-Graduação-IAC. RESUMO O presente trabalho teve por objetivo avaliar o comportamento de duas variedades de cana-de-açúcar frente à inoculação de Gluconacetobacter diazotrophicus no sulco de plantio e a aplicação de fontes nitrogenadas. Para isso foi instalado um experimento de campo em delineamento de blocos ao acaso com 12 tratamentos e 4 repetições, sendo os tratamentos os seguintes: duas variedades de cana-de-açúcar RB72454 e IACSP936006; inoculação ou não com Gluconacetobacter diazotrophicus estirpe BR 11281; ausência e presença de adubação nitrogenada como torta de filtro e uréia. As variáveis analisadas foram: análise foliar (8 meses), quantificação das bactérias fixadoras de nitrogênio (16 meses), produtividade (18 meses) e características tecnológicas da cana. As variedades IACSP93-6006 e RB72454 tiveram produtividade favorecida tanto pelo nitrogênio como pela inoculação. As análises tecnológicas realizadas não indicaram diferenças entre os tratamentos em nenhuma das variedades estudadas. A inoculação e as adubações nitrogenadas não interferiram no acúmulo de sacarose e nos açúcares totais produzidos pela cana. A contagem de bactérias foi estatisticamente diferente apenas na variedade RB72454 para Herbaspirillum spp. e Gluconacetobacter diazotrophicus. Entretanto, o tratamento com maior contagem de bactérias não corresponde exatamente ao tratamento com maior ganho de produtividade, indicando que apenas a contagem de bactérias não reflete o potencial de fixação da associação. O número de bactérias presentes não foi inibido pelo de nitrogênio mineral e nem pelo nitrogênio orgânico. Os tratamentos estudados não aumentaram o teor de nitrogênio nas folhas. Conclui-se que ambas as variedades estavam colonizadas pelas bactérias, apresentaram ganhos na produtividade quando se procedeu a inoculação no sulco de plantio ou a adição de fonte nitrogenada e as bactérias não foram inibidas pela presença de nitrogênio mineral. Palavras-chave: Saccharum officinarum L., Gluconacetobacter diazotrophicus, inoculação, bactérias fixadoras de nitrogênio, adubação nitrogenada. viii PRADO JUNIOR, José Paulo Queiroz. Sugarcane quality and yield inoculated with Gluconacetobacter diazotrophicus and fertilized with mineral and organic nitrogen. 2008. 49f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia da Produção Agrícola)-PósGraduação-IAC. ABSTRACT The objective of this research was to evaluate the Gluconacetobacter diazotrophicus inoculation efficiency in two sugarcane varieties and nitrogen sources application. A field experiment was carried out using a randomized block statistical design with 12 treatments and 4 replications. The treatments were: 2 sugarcane varieties RB72454 and IACSP93-6006; inoculation or not with Gluconacetobacter diazotrophicus lineage BR 11281 and nitrogen application with urea and filter cake. The parameters measured was: foliar analysis (8 months); yield at 18 months; technological characteristics of the sugarcane and quantification of the nitrogen fixing bacteria (16 months). The results showed that the sugarcane variety RB72454 and IACSP93-6006 yield was higher due to inoculation or nitrogen application. It was not observed differences between treatments for technological analyses. Also no differences were observed for inoculation or the nitrogen application in the sacaroses and the total sugar contents. The number of nitrogen fixing bacteria evaluation showed differences between treatments but the higher number of bacteria don’t correspond exactly with the higher yield, showing that number of bacteria evaluation does not reflect the potential of the nitrogen fixation association. The number of bacteria was not inhibited by the nitrogen application. It was concluded that both varieties were colonized by fixing nitrogen bacteria. The both variety yield was increased by the nitrogen fixing bacteria inoculation and in the furrow and with the nitrogen fertilizer addition. The nitrogen fixing bacteria had not been inhibited by the nitrogen mineral presence. Key words: Saccharum officinarum L., Gluconacetobacter diazotrophicus, inoculation, nitrogen fixing bacteria, nitrogen fertilization. ix 1 INTRODUÇÃO As perspectivas para o setor sucroalcooleiro são as mais otimistas. Desde a implantação do Proálcool, em 1975, nunca se registrou um horizonte tão promissor como o que se vislumbra para os próximos anos. O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de açúcar, detém 40% do comércio internacional e deve ampliar essa participação com a reforma do regime açucareiro na União Européia, determinada pela OMC - Organização Mundial do Comércio. O novo regime prevê a retirada dos subsídios para a produção de açúcar (ORTOLAN, 2006). No entanto, será o álcool o principal propulsor do crescimento do setor por dois motivos: principalmente pelo aumento da demanda interna face ao crescimento da frota de veículos leves biocombustíveis e também pela valorização do combustível brasileiro no cenário internacional. O último motivo influenciado principalmente pelo declínio das reservas mundiais de petróleo e pela busca por um combustível renovável que represente menores emissões de CO2 na atmosfera. A safra brasileira de cana-de-açúcar atingiu no ano agrícola de 2006/2007 427 milhões de toneladas, sendo a região Centro-Sul responsável por 86% do total produzido. O crescimento da área colhida foi de 6,4% sobre a safra anterior, atingindo 5,812 milhões de hectares contra os 5,462 milhões estimados para a safra anterior. A produção de açúcar cresceu 7,8%, atingindo 29,99 milhões de toneladas e produção de álcool foi de 17,9 bilhões de litros (FNP CONSULTORIA & COMÉRCIO, 2007). As projeções atuais apontam para um crescimento de aproximadamente 83% na área plantada com cana nos próximos 10 anos. No mesmo período prevê-se um crescimento de 100% na produção, atingindo em torno de 1 bilhão de toneladas na safra 2017/2018. Atualmente existem 320 usinas em funcionamento e 90 em construção. Nos próximos 10 anos, pelo menos uma centena de outras novas usinas deverão ser instaladas (FNP CONSULTORIA & COMÉRCIO, 2007). Os primeiros programas de melhoramento genético da cana-de-açúcar no Brasil tinham por base solos de baixa fertilidade com baixa aplicação de nitrogênio, selecionando materiais adaptados a essas condições. A baixa aplicação de nitrogênio selecionou naturalmente variedades que se associam naturalmente a bactérias diazotróficas endofíticas podendo obter parte de seu nitrogênio através da fixação biológica. Ainda não está claro qual o mecanismo que está envolvido no 1 estabelecimento da interação planta-bactéria, faltam detalhes no processo metabólico e pouco se sabe sobre o papel da planta nesta associação. Uma das práticas aplicadas na cana-de-açúcar é o uso de torta de filtro proveniente do processo de produção de açúcar. Este subproduto industrial é considerado um excelente fertilizante, além de propiciar melhores condições para brotação da cana. A adição de materiais orgânicos ao solo estimula a decomposição da matéria orgânica do próprio solo. Nesse caso, o nitrogênio do solo também é mineralizado e tornado disponível às plantas, processo que pode ser acentuado pela adição de fertilizantes nitrogenados. Para aumentar a produção agricultores aplicam mais de 85 milhões de toneladas de nitrogênio por ano no mundo todo (ASSOCIAÇÃO NACIONAL PARA DIFUSÃO DOS ABUDOS, 2004). Sua produção e aplicação somam mais da metade da energia consumida na agricultura. Grande parte do nitrogênio aplicado como fertilizante não é utilizado pelas culturas, permanecendo no solo ou perdendo-se por lixiviação para águas subterrâneas ou por volatilização para a atmosfera. Obviamente, aumentar a eficiência com que as plantas obtêm nitrogênio é de suma importância (EPSTEIN & BLOOM, 2006). A fixação natural de nitrogênio (atmosférica mais biológica) se dá a uma taxa de 190 x 1012 gramas de nitrogênio ao ano. Desse total, a emissão de relâmpagos é responsável por 8%. Um adicional de 2% do nitrogênio fixado naturalmente deriva da reação fotoquímica entre o óxido nítrico gasoso e o ozônio resultando em ácido nítrico. Os 90% restantes resultam da fixação biológica de nitrogênio, em que bactérias fixam o nitrogênio molecular em amônia (EPSTEIN & BLOOM, 2006). O nitrogênio é constituinte de aminoácidos, proteínas e ácidos nucléicos, participando direta e indiretamente de diversos processos bioquímicos das plantas, podendo ser encontrado também na forma inorgânica (NO3- e NH4+). O nitrato é prontamente absorvido, convertido por enzimas e em contato com carboidratos forma as amidas e aminoácidos, passando então da forma inorgânica para a orgânica (FERNANDES & ROSSIELLO, 1995). No começo da década de 90 e principalmente após a reunião da ONU conhecida como ECO 92, a agricultura passou a incorporar o conceito de sustentabilidade. Os preceitos de rendimento e lucratividade que sempre nortearam as atividades agrícolas até então, tiveram que conviver com os conceitos de sustentabilidade, questões ambientais e qualidade de vida. A agricultura altamente impactante terá que ser 2 substituída por técnicas alternativas que visem minimizar problemas ambientais. Neste sentido, a fixação biológica de nitrogênio atende os anseios da agricultura de baixos insumos, perfeitamente de acordo com os modernos conceitos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL). Estudar as bactérias naturalmente presentes e inocular em condições de campo promove um passo para o entendimento das diversas interações que possam ocorrer e para o desenvolvimento da tecnologia de inoculantes, como ocorre no caso da soja e do arroz (NGUYEN et al., 2003). Os objetivos deste trabalho foram estudar a eficiência da inoculação de bactérias fixadoras de nitrogênio no sulco de plantio, o desenvolvimento das bactérias na presença de nitrogênio orgânico e mineral e avaliar a produtividade da cana-de-açúcar frente à inoculação e adubação com nitrogênio mineral e orgânico. 3 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 Importância da Fixação Biológica de Nitrogênio na Agricultura O gás nitrogênio presente em grande abundância na atmosfera apresenta uma tripla ligação entre os átomos que o torna extremamente estável a temperatura ambiente (SPRENT & SPRENT, 1990). Apesar da abundância de N2 na atmosfera, os organismos que pertencem ao grupo dos eucariotos não conseguem utilizar este elemento diretamente. Apenas uma parte dos organismos do grupo dos procariotos consegue reduzir enzimaticamente o nitrogênio da atmosfera em amônia, a qual pode ser incorporada para o crescimento e manutenção das células. Estes organismos são denominados diazotróficos e o mecanismo responsável pela incorporação de nitrogênio à biomassa é chamado de fixação biológica de nitrogênio (FBN). A FBN é o processo responsável pela incorporação do nitrogênio atmosférico à matéria viva, ao longo da evolução do nosso planeta. A Tabela 1 mostra alguns aspectos relacionados com a fixação industrial e biológica. Tabela 1-Aspectos relacionados com o processo de fixação do nitrogênio atmosférico por via industrial e biológica Fixação industrial Fixação biológica de nitrogênio (fertilizantes) (FBN) Nutriente mais caro, utiliza energia fóssil Segundo para produção e distribuição, aumentando importante processo do biológico planeta mais depois da o CO2 atmosférico e o aquecimento global fotossíntese. Não é poluente, utiliza energia solar, recicla CO2 Tem baixo aproveitamento agronômico e Mecanismo responsável por 65% do N2 são poluentes de solo, água e atmosfera incorporado nos seres vivos do planeta Representam de 5 a 20% do custo de Consome em torno de 2,5% da energia da produção das culturas fotossíntese do planeta Representam apenas 2% da absorção total A vida no planeta terminaria em 30 anos se de nitrogênio pelas plantas a fixação biológica do nitrogênio parasse Fonte: Franco e Balieiro (1999). 4 Um dos objetivos da agricultura sustentável é o aproveitamento eficiente do nitrogênio atmosférico (GRAHAN & VANCE, 2000). Dentre os sistemas biológicos capazes de aproveitar o nitrogênio da atmosfera, a simbiose rizóbio–leguminosa tornouse o sistema mais especializado responsável por 22% de todo o nitrogênio incorporado ao ecossistema terrestre (PEOPLES et al., 1995). No Brasil salienta-se a importância econômica e ecológica da fixação biológica do nitrogênio na cultura da soja, que dispensa totalmente a adubação nitrogenada sem causar perda de produtividade. 2.2 Importância do Nitrogênio na Nutrição e Fisiologia da Cana-de-Açúcar Apesar do nitrogênio contribuir com 1 a 1,5% na matéria seca da cana-deaçúcar, seu papel é tão importante quanto o do carbono, hidrogênio e oxigênio que constituem, juntos, mais de 90% da matéria seca. No solo, o nitrogênio disponível às plantas é suprido pela mineralização da matéria orgânica, fixação biológica do nitrogênio e adição de fertilizantes nitrogenados. A água de irrigação ou de chuva contém quantidades variáveis de nitrogênio mineral, que pode ser absorvido por raízes e folhas. Outra fonte de nitrogênio para a cana é o nutriente contido no tolete de plantio (TRIVELIN, 2000). Apesar dos solos das regiões tropicais apresentarem baixos níveis de nitrogênio, no Brasil aplica-se apenas 60 kg ha-1 de nitrogênio na cana-planta, porém as soqueiras respondem a doses mais altas deste nutriente, entre 100 e 150 kg ha-1 (URQUIAGA et al, 1992; PENATTI, 1994). Alguns levantamentos apontam que a cultura da cana acumula entre 100 e 200 -1 kg ha de nitrogênio por estação de crescimento. Parte do nitrogênio incorporado pela planta é exportada na colheita e parte é perdida pela queima das folhas. Dessa forma, as extrações contínuas causariam uma exaustão deste nutriente no solo causando acentuada queda de produtividade caso não houvesse a reposição do nitrogênio. No sistema de cultivo da cana sem despalha a fogo grande quantidade deste nutriente retorna ao sistema através da manutenção e incorporação da palhada. O nitrogênio é importante na nutrição e na fisiologia da cana-de-açúcar pois é constituinte dos aminoácidos, proteínas, enzimas e ácidos nucléicos (MALAVOLTA et al., 1989) e juntamente com o potássio são exigidos em maiores quantidades pela cultura (ORLANDO FILHO et al., 1980; SILVEIRA, 1980). 5 A assimilação de nitrogênio é estritamente relacionada com o metabolismo de carboidratos e provoca acentuada diminuição nos teores de açúcares do colmo, com menor expressão na bainha (SILVEIRA, 1985). A cana por ser do ciclo fotossintético C-4, responde às maiores temperaturas com aumento na taxa de fotossíntese, desde que a disponibilidade de água, nutrientes e concentração de O2 e CO2 na atmosfera não sejam limitantes. O estresse de nitrogênio, mesmo que não se manifeste por sintomas visuais, reduzirá a atividade da enzima Rubisco, responsável pela assimilação do carbono no Ciclo de Calvin e Benson localizados nas células do feixe da bainha, muito mais que a atividade da enzima PEPC, situada nas células do mesofilo foliar e responsável pela fixação do CO2 no ciclo C-4. O CO2 descarboxilado e não fixado no ciclo do carbono é refixado no mesofilo pela PEPC, representando um gasto adicional de energia para a planta, uma vez que ATP é requerida para a regeneração da PEPC (TRIVELIN, 2000). O acúmulo de nitrogênio pela cana-de-açúcar varia de acordo com o cultivar, com a idade da cultura, disponibilidade do nitrogênio e de outros elementos na solução do solo e de fatores edafoclimáticos (CLEMENTS, 1980; MUCHOW & ROBERTSON, 1994; WOOD et al., 1996). 2.3 Adubação Nitrogenada e Cana-Planta O nitrogênio que é fornecido para a cana-planta raramente ultrapassa dosagens de 60 kg ha-1. Se a cultura acumula entre 150 a 200 kg ha-1 (ORLANDO FILHO et al., 1980) e supondo que nada dos 60 kg ha-1 seja perdido, deve existir uma outra fonte para suprir o restante necessário para a planta. Em estudos sobre o efeito da adubação nitrogenada em cana-planta, Azeredo et al. (1986) verificaram que somente em 20% de 135 experimentos de campo conduzidos no Brasil foram observados efeitos positivos que incrementaram a produção. A análise de 81 experimentos conduzidos no Estado de São Paulo também revelou baixa resposta da cana-planta à adubação nitrogenada pois em apenas 26 experimentos houve efeito da aplicação do fertilizante (CANTARELLA & RAIJ, 1986). Rossiello (1987) também agrupou os resultados de 105 experimentos conduzidos no Brasil no período de 1960 a 1986 sob a forma de rendimento relativo e verificou que somente em 22 % houve resposta da cana-planta à adubação nitrogenada. 6 A falta de resposta da cana-planta tem sido atribuída à fixação biológica de nitrogênio atmosférico e a maior mineralização do nitrogênio devido ao preparo do solo que ocorre em condições climáticas favoráveis (clima quente e úmido). O sistema radicular da cana-planta sendo mais vigoroso pode também justificar a maior eficiência de utilização de nitrogênio do solo (TRIVELIN, 2000). A produção de palha de um canavial sob colheita mecanizada, que inclui as folhas, as bainhas e o ponteiro, além de quantidade variável de pedaços de colmo, pode acrescentar cerca de 10 a 30 toneladas ha-1 de matéria seca. Esse material contém em torno de 40 a 80 kg ha-1 de nitrogênio, que estará disponível para a cultura após a mineralização (TRIVELIN, 2000). As respostas da cana-planta à adubação nitrogenada ocorrem geralmente quando se cultiva cana pela primeira vez, em cultivo mínimo ou quando há condições de eutrofismo do solo. Para as soqueiras ocorre o inverso, cerca de 70% dos trabalhos indicam respostas à adubação com nitrogênio (CÂMARA, 1993). Uma das práticas aplicadas na cana-de-açúcar é o uso de torta de filtro proveniente do processo de produção de açúcar. Este subproduto industrial é considerado um excelente fertilizante, além de propiciar melhores condições para brotação da cana. A adição de materiais orgânicos ao solo estimula a decomposição da matéria orgânica do próprio solo. Nesse caso, o nitrogênio do solo também é mineralizado e tornado disponível às plantas, processo que pode ser acentuado pela adição de fertilizantes nitrogenados. A composição química da torta de filtro é variável em função do processo de produção do açúcar. Na média a torta de filtro possui a seguinte composição em função da matéria seca: N = 1,4%; P2O5 = 1,9%; K2O = 0,4%; CaO = 2,1%; MgO = 0,5%; C = 7,4% e umidade = 75%. (COPERSUCAR, 1986). 2.4 Fixação Biológica de Nitrogênio na Cana-de-Açúcar Atualmente são conhecidas mais de 140 espécies de bactérias diazotróficas, incluindo cianobactérias e actinomicetos (YOUNG, 1992). Neste universo, apenas quatro espécies são consideradas fitopatogênicas: Agrobacterium tumefaciens, Burkholderia vietnamiensis, Herbaspirillum rubrisubalbicans e Pantoae herbicola. Os diazotróficos endofíticos têm uma vantagem sobre os diazotróficos associativos de raízes, uma vez que ocupa espaços mais intimamente ligados ao 7 hospedeiro com maior acesso às fontes de carbono. Além disso, eles colonizam nichos protegidos do oxigênio, o qual é necessário para a expressão e atividade da nitrogenase (DOBBELAERE et al., 2003). A promoção do crescimento das plantas por bactérias endofíticas pode ser resultante de ações indiretas, como por exemplo, a supressão de doenças ou de ações diretas como a produção de fitohormônios, fixação do nitrogênio atmosférico, solubilização de fosfatos minerais ou outros nutrientes do solo, oxidação do enxofre, aumento da permeabilidade das raízes e produção de sideróforos (TAN & ZOU, 2001). A associação entre bactérias diazotróficas e a cana-de-açúcar envolve diversos gêneros bacterianos e mecanismos singulares ainda pouco compreendidos (JAMES, 2000). Entre as bactérias associadas à cana-de-açúcar destacam-se as espécies Gluconacetobacter diazotrophicus (CAVALCANTE & DÖBEREINER, 1988), Azoarcus spp. (REINHOLD-HUREK et al., 1993), Herbaspirillum seropedicae (BALDANI et al., 1986), Herbaspirillum rubrisubalbicans (GILLIS et al., 1991; BALDANI et al., 1996) e Burkholderia spp. (YABUUCHI et al., 1992; BALDANI et al., 1997b). Pesquisas com bactérias fixadoras de nitrogênio em gramíneas foram iniciadas pelos pesquisadores Johanna Döbereiner e Alaíde Ruschel na década de 50, onde isolaram a bactéria fixadora de nitrogênio Beijerinckia fluminensis da rizosfera da canade-açúcar (DÖBEREINER & RUSCHEL, 1958). Nas décadas subseqüentes até hoje foram feitas grandes descobertas na área de fixação biológica em plantas não leguminosas, tornando o Brasil referência mundial neste assunto (BODDEY et al., 1991). A população das bactérias são influenciadas pela condição hídrica e nutricional da planta, incluindo o nível de nitrogênio aplicado (REIS JUNIOR et al., 2000), tecidos utilizados para isolamento (raízes, folhas e colmos), idade da planta (FUENTESRAMIREZ et al., 1993) e inoculações realizadas em condições de laboratório ou de campo (SEVILLA et al., 2001). A transmissão de bactérias patogênicas (Leifisonia xyli subsp. xyli e Xanthomonas albilineans) de uma planta para outra dentro do canavial se dá por ferramentas de corte como facão, máquinas de plantio e colheita, entre outras. Estas ferramentas ficam impregnadas com o caldo da planta infectada e contaminam plantas sadias que são cortadas na seqüência. Também podem ser disseminadas por meio de plantio de mudas (toletes) vindos de canaviais contaminados (MACCHERONI & 8 MATSUOKA, 2006), o mesmo ocorrendo para as bactérias endofíticas diazotróficas (DONG et al., 1994). Outro modo de disseminação local é pela cochonilha Saccharococus sacchari (ASHBOLT & INKERMAN, 1990). Existe a disseminação por esporos de micorrizas sendo que no seu interior foram encontradas as bactérias Azospirillum, Klebsiella, Burkholderia, Gluconacetobacter diazotrophicus entre outras (PAULA et al., 1991). Restos de cultura também são fontes de disseminação (REIS et al., 1994). Bastian et al. (1998) mostrou que ambas bactérias, Herbaspirillum seropedicae e Gluconacetobacter diazotrophicus, produzem giberelinas e ácido indol acético (AIA). Este resultado pode explicar, em parte, os efeitos benéficos destas bactérias dentro da planta. Figura 1 - Possíveis locais de infecção e colonização das bactérias diazotróficas nas raízes. Fonte: Reinhold-Hurek e Hurek (1998) Estes microrganismos possuem a habilidade de colonizar os espaços intercelulares e o interior das células epidérmicas das raízes. Uma vez dentro da planta, se locomovem sistematicamente e alcançam os tecidos aéreos através do xilema. São suportadas pelo transporte de nutrientes do apoplasto, os espaços do tecido aerenquimático garante um fluxo de oxigênio para a bactéria e estão geralmente em grupos de 3 ou 4 (JAMES et al., 1994; REINHOLD-HUREK & HUREK 1998). 9 Figura 2 - Células do colmo da cana-de-açúcar colonizadas por Gluconacetobacter diazotrophicus. Corte de uma planta com 5 meses crescendo em meio pobre em nitrogênio. A. Corte das células parenquimatosas armazenadoras de sacarose localizadas próximas do córtex. B. Corte do tecido vascular, elemento traqueídeo (ponto vermelho), rodeado pelas células do parênquima (pontos amarelos). O circulo branco mostra as bactérias em ambos cortes (A e B). Fonte: Fuentes-Ramírez et al. (1999). 2.4.1 Bactérias Fixadoras de Nitrogênio Gluconacetobacter diazotrophicus está inserida no grupo das bactérias do ácido acético e foi isolada de raízes e parte aérea de cana-de-açúcar por Cavalcante e Döbereiner (1988). É uma bactéria microaeróbia, que cresce em pH baixo (5,0 ou menos), produz ácido acético a partir de etanol, tolera altas concentrações de sacarose 10 (10%) e inibe parcialmente a fixação de NH4, especialmente em altas concentrações de sacarose (TEIXEIRA et al., 1997; BODDEY et al., 1991). É encontrada principalmente em plantas como cana-de-açúcar, Pennisetum purpureum (BALDANI et al., 1997a), Ipomea batatas (PAULA et al., 1991), Coffea arábica (JIMENEZ-SALGADO et al., 1997), Ananas comosus (TAPIA-HERNÁNDEZ et al., 2000), arroz selvagem (LOGANATHAN & NAIR, 2003) e em diversas plantas na Índia (MADHAIYAN et al., 2004). A ocorrência restrita deste diazotrófico foi confirmada pela sua completa ausência no solo e em tecidos de plantas daninhas crescidas entre e dentro das fileiras de experimentos de campo com cana (DÖBEREINER et al., 1988; SANTOS et al., 2006). Estes resultados foram confirmados usando primers espécie-específico desenhados para discriminar Gluconacetobacter diazotrophicus de outros diazotrofos (REIS et al., 1995). A influência de fatores climáticos, principalmente estress hídrico e estações do ano no processo de fixação biológica de nitrogênio foi demonstrada por Costa e Ruschel (1981) e Bellone et al. (1996). Eles sugerem que as atividades das bactérias são irregulares na primavera, relativamente uniforme no verão e fraca no outono. A população de Herbaspirillum spp. é menos afetada por fatores climáticos, sugerindo que são mais bem adaptadas a diferentes condições ambientais. Gluconacetobacter diazotrophicus é muito sensível a condições secas, mas tem alta tolerância a tratamentos de calor e concentrações de sais no meio de cultura (TEJERA et al., 2003). O tratamento térmico (50ºC por 2 a 3 horas), usualmente usado para controle de patógenos causadores de doenças na cana-de-açúcar não a destroem (ORTEGA et al., 2001). Hesbaspirillum seropedicae tem sido isolada de milho, sorgo, arroz, cana-deaçúcar (BALDANI et al., 1986), dendê e banana (DÖBEREINER et al., 1994; FERREIRA et al., 1995; WEBER, 2003), mas nunca foi isolada de folhas de cana-deaçúcar, apesar de isolada de raízes e colmos (BODDEY et al., 2003). A disseminação natural de Herbaspirillum seropedicae ainda não está clara, podendo ocorrer através da propagação vegetativa ou por sementes. A disseminação por propagação vegetativa foi confirmada pela presença da bactéria em plantas de cana-deaçúcar originadas por processos de micropropagação, nos quais o meristema apical não foi cuidadosamente extraído (OLIVARES et al., 1996; STURZ, 1995). Por outro lado, existe a evidência de que sua disseminação pode ocorrer através de sementes (BALDANI & DOBERËINER, 1995) e de solo (McINROY & KLOEPER, 1995). 11 A bactéria não sobrevive bem no solo natural como outros endófitos, sendo sua sobrevivência menos afetada em solo estéril, indicando que fatores biológicos interferem na sobrevivência. Todavia, a taxa de sobrevivência de Herbaspirillum seropedicae em ambos os solos foi mais alta do que a observada para Gluconacetobacter diazotrophicus (CARUSO & BALDANI, 1995). A outra espécie do gênero, Herbaspirillum rubrisubalbicans foi derivada da reclassificação de Pseudomonas rubrisubalbicans, considerada um agente fitopatogênico causador da doença conhecida como estria mosqueada em algumas variedades susceptíveis de cana-de-açúcar cultivadas no Brasil (PIMENTEL et al., 1991). Estudos de caracterização ecológica demonstraram a ocorrência de Herbaspirillum rubrisubalbicans em raízes, caules e folhas de cana-de-açúcar em todas as partes do mundo, sendo também encontrada em arroz e palmeira (FERREIRA et al., 1995; BALDANI et al., 1997a; OLIVARES et al., 1996). A população de Herbaspirillum spp. mantém-se estável ao longo do ciclo da cultura ao contrário da Gluconacetobacter diazotrophicus que decresce ao final do ciclo (REIS JUNIOR et al., 2000; MUÑOZ-ROJAS & CABALLERO-MELLADO, 2003). 2.4.2 Interação Variedades e Fixação Biológica de Nitrogênio Existe atualmente quatro programas de melhoramento de cana-de-açúcar no Brasil. As variedades plantadas comercialmente apresentam diferentes características quanto a adaptabilidade às regiões de cultivo. A cana-de-açúcar que se tem hoje em dia é o resultado da hibridação de várias espécies do gênero Saccharum e de outros gêneros. É um híbrido interespecífico com número variável de cromossomos, entre 100 e 130. Existem 162 genes ligados ao metabolismo de açúcares em geral, indicando a complexidade do genoma dessa cultura (FIORAVANTI, 2000). A manipulação de genes que estão envolvidos no metabolismo do nitrogênio, carbono e fotossíntese podem melhorar a eficiência do processo de fixação de nitrogênio, maximizando o potencial da associação planta-bactéria. Nogueira et al. (2001), estudaram os perfis de expressão gênica de plantas colonizadas pelas bactérias, usando o banco de dados do SUCEST (Sugarcane Expressed Sequence Tag). Um catálogo com os genes de cana que são candidatos a se expressar exclusivamente ou preferencialmente durante a associação foi gerado. Esses dados sugerem que a planta 12 deve ter uma participação ativa na interação, respondendo a diversos processos metabólicos durante a associação. Existe uma grande discrepância na estimativa da fixação biológica de nitrogênio na variedade SP80-1842 entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais indicando que o manejo cultural como a adubação nitrogenada e irrigação podem afetar de forma expressiva o processo. As variedades RB72454 e SP80-1842 apresentaram elevado potencial para a fixação biológica de nitrogênio nas lavouras amostradas, no entanto, o manejo da fertilidade do solo e a nutrição das plantas apresentaram tendência de influenciar na magnitude da contribuição sendo necessário o monitoramento do estado nutricional das plantas (POLIDORO et al., 2001). A fixação biológica contribuiu com 170 kg ha-1 de nitrogênio para a variedade CB45-3, 150 kg ha-1 para a CB47-89 e 210 kg ha-1 para a SP70-1143, variando entre 60 a 70% do fornecimento de nitrogênio necessário para o desenvolvimento da planta (URQUIAGA et al., 1992). A quantificação das bactérias diazotróficas Herbaspirillum spp. e Gluconacetobacter diazotrophicus em diversos genótipos mostrou não haver diferença entre os genótipos e ambas estão presentes em maiores quantidades nas raízes (REIS JUNIOR et al., 2000). Fisiologia e mudanças metabólicas podem modificar o estabelecimento e a permanência de Gluconacetobacter diazotrophicus, promovendo o crescimento da planta quando houve interação variedade e bactéria (MUÑOZ-ROJAS & CABALLERO-MELLADO, 2003). A quantificação da fixação biológica de nitrogênio na variedade RB72454 foi realizada em diversas regiões do Brasil por Polidoro et al. (2001) e Yoneyama et al. (1997). Devido à metodologia utilizada que avalia a fixação do nitrogênio pelo valor de abundância natural do isótopo nitrogênio-15, é necessário a utilização de uma planta testemunha não fixadora. Uma das limitações desta metodologia é exatamente a escolha da planta testemunha. Na Tabela 2 verifica-se a estimativa de porcentagem de nitrogênio proveniente da fixação na variedade RB72454 varia conforme o local e a escolha da testemunha. 13 Tabela 2 - Porcentagem de nitrogênio proveniente da FBN na variedade RB72454 em diversas regiões produtoras no Brasil Usina/Município/Estado Ciclo Espécie Testemunha % FBN São Jose/Macatuba/SP Planta Eragrotis pilosa 31,0 Seda rhobifolia 33,0 Emilia sonchifolia 41,2 Panicum maximim 32,9 Acanthopurpreum australe 32,9 Bidens pilosa 33,8 Croton lobatus 45,6 Commelina benghalensis 22,6 Sida rhombifolia 33,4 Euclipta alba 28,2 Nd 26,6 São Jose/Macatuba/SP UFRRJ/Campos/RJ Barcelas/Campos/RJ 2º soca 1º soca nd Três Pontes/Mg nd Cynodon dactylon 49,0 Nova América/Assis/SP nd Amaranthus viridis 13,0 Fonte: Adaptado de Polidoro et al. (2001) e Yoneyama et al. (1997). Nota: nd - Não divulgado. A eficiência fotossintética, as exigências nutricionais e a resistência às condições adversas são características ligadas ao genótipo da planta que podem apresentar influência na eficiência da fixação de N2 pelas bactérias (REIS JUNIOR et al., 2000). 2.4.3 Inoculação de Bactérias Diazotróficas A Tabela 3 mostra os métodos até agora usados para a aplicação de bactérias diazotróficas em diversas culturas. A tabela indica que uma grande variedade de técnicas são usadas, mas pouco tem sido realizado em otimizar o processo de inoculação. A inoculação sempre foi realizada com um grande número de bactérias (>108 células ml-1). 14 Tabela 3 - Metodologia de aplicação reportados para algumas bactérias diazotróficas Bactérias A. choococcum Método de Aplicação Aplicação no solo, sementes ou raízes imersas em suspensão e aplicação foliar Azospirillum spp. Inoculação das sementes antes do plantio, raízes de plântulas imersas em suspensão de bactérias, aplicação no solo H. seropedicae Inoculação em sementes B. vietnamiensis Inoculação das sementes antes do plantio, raízes de plântulas imersas em suspensão de bactérias Burkholderia sp. Inoculação das sementes antes do plantio e em plântulas R. leguminosarum bv. Aplicação da suspensão de bactérias no solo, sementes imersas Trifolii na suspensão, sementes revestidas com o inóculo R. etli bv. Phaseoli Inoculação em plântulas A. caulinodans Inoculação das sementes antes do plantio G. diazotrophicus Inoculação em plântulas e colmos de cana-de-açúcar Fonte: Adaptado de Kennedy et al. (2004) Trabalhos realizados recentemente em diversos países estudaram a inoculação de bactérias diazotróficas em plantas micropropagadas de cana-de-açúcar, algumas tendo respostas positivas em diversos parâmetros (SUMAN et al., 2005) e outras negativas (OLIVEIRA et al., 2003). Estas plantas estão isentas de diazotróficas, mas não refletem as condições de plantas coletadas no Brasil (PERIN et al., 2004), Índia (MUTHUKUMARASAMY et al., 1999), Austrália (BIGGS et al., 2002), África do Sul (HOEFSLOOT et al., 2005), Japão (YONEYAMA et al., 1997), México (FUENTESRAMÍREZ et al., 1993) e Guatemala (PÉREZ et al., 2003) onde mostram que as plantas no campo já estão infectadas com algum tipo de bactéria diazotrófica. Dados mostraram que a inoculação com misturas de bactérias é a melhor estratégia para melhorar a associação planta-bactéria (OLIVEIRA et al., 2000). Resultados semelhantes foram demonstrados em 4 variedades de cana na Índia que foram inoculadas com uma mistura de bactérias diazotróficas e fungos micorrizicos, produzindo uma resposta equivalente a metade da dose de nitrogênio recomendado para a cultura (MUTHUKUMARASAMY et al., 1999). 15 A inoculação na variedade SP81-3250 apresentou decréscimo de produtividade nos três tipos de solos (Ultisol, Oxisol e Alfisol) testados e a resposta à inoculação ocorreu com maior sucesso em solos de baixa fertilidade (OLIVEIRA et al., 2003). A contribuição da fixação biológica em plantas de cana (18 meses) inoculadas em laboratório com uma mistura de estirpes de Gluconacetobacter diazotrophicus foi de 20 a 30% do total de nitrogênio acumulado na planta (OLIVEIRA et al., 2003). Em outro trabalho diferentes estirpes foram inoculadas na cana aumentando significativamente a brotação e o peso da planta em relação ao controle. A população ficou mais concentrada nas raízes e foi maior na aplicação de 75 kg ha-1 de nitrogênio comparado com 0 e 150 kg ha-1, indicando que uma dose inicial é necessária (MORAES & TORNISIELO, 1997; SUMAN et al., 2005). O potencial de resposta de cereais à inoculação com estirpes de Herbaspirillum seropedicae foi avaliado por muitos experimentos nos últimos 15 anos. Resultados negativos foram obtidos em sorgo, milho e respostas positivas em arroz. A interação de estirpes de Herbaspirillum seropedicae e Herbaspirillum rubrisulbabicans foram estudadas em condições de laboratório através da inoculação em cana e arroz. No caso da cana foi observado que a bactéria entra na planta perto da região meristemática da raiz, invadindo o tecido vascular e colonizando as células do parênquima e vasos do xilema. No caso das folhas, formam microcolônias no lúmen do xilema e no apoplasto (POLIDORO et al., 2001). 2.4.4 Interação Adubação e Fixação Biológica de Nitrogênio Entre os fatores que podem influenciar o processo da fixação de nitrogênio destaca-se a presença do nitrogênio mineral. Altas aplicações de fertilizantes nitrogenados já foram sugeridas como responsáveis pela diminuição do número populacional de Gluconacetobacter diazotrophicus em variedades de cana-de-açúcar cultivadas no México (FUENTES-RAMÍREZ et al., 1999), Índia (MUTHUKUMARASAMY et al., 1999), Filipinas (GONZALES; BARRAQUIO, 2000) e Brasil (REIS JUNIOR et al., 2000). Também foi observado que íons amônio inibem o desenvolvimento deste organismo dentro dos tecidos da cana-de-açúcar (MUTHUKUMARASAMY et al., 2002b). É mais provável que o estado fisiológico da planta é alterado pelas altas doses de nitrogênio afetando a associação com as bactérias (FUENTES-RAMÍREZ et al., 1999). 16 Caballero-Mellado e Martinez-Romero (1994) e Caballero-Mellado et al. (1995), consideram que a fertilização química pode limitar a diversidade genética desta população, pois no México a diversidade genética é menor do que no Brasil provavelmente pelo maior requerimento de nitrogênio pelas variedades mexicanas. Todavia, em experimentos de campo ou em casa de vegetação foram obtidas respostas positivas a inoculação, mesmo quando foram utilizados altos níveis de fertilizantes nitrogenados (REYNDERS & VLASSAK, 1982; MILLET & FELDMAN, 1984). A bactéria Herbaspirillum spp. foi considerada mais resistente a doses maiores de nitrogênio (MUTHUKUMARASAMY et al., 1999). O número de Gluconacetobacter diazotrophicus é mínimo comparado com outras bactérias em altas aplicações de nitrogênio (MUTHUKUMARASAMY et al., 2002a; PERIN et al., 2004). Diferentes níveis de nitrogênio em meio de cultura indicaram que o nitrato e cloreto de amônio reduziram a colonização de Gluconacetobacter diazotrophicus em relação ao nitrato de potássio e uréia em plantas micropropagadas. Resultado similar foi obtido em experimento de campo com grandes quantidades de nitrogênio aplicado (MUTHUKUMARASAMY et al., 2002a). Na Índia Gluconacetobacter diazotrophicus foi encontrada em canas que não foram expostas ao nitrogênio industrial, mas somente em aqueles cultivados com matéria orgânica (MUTHUKUMARASAMY et al., 1999). Dentre os micronutrientes a limitação na nutrição molíbdica pode ser a mais importante pelo seu papel nos processos envolvidos na nutrição nitrogenada das plantas de cana-de-açúcar (POLIDORO et al., 2001). O molibdênio faz parte tanto da redutase do nitrato, pela qual o nitrato (NO3-) é reduzido a nitrito (NO2-), quanto da nitrogenase, pela qual bactérias que fixam nitrogênio convertem o gás dinitrogenio (N2) em amônia (NH3) (EPSTEIN & BLOOM, 2006). 17 3 MATERIAL E MÉTODOS 3.1 Quantificação Prévia das Bactérias Diazotróficas em 6 Variedades de Cana Para a escolha das variedades do experimento foi realizada uma análise preliminar para verificar a existência de colonização por parte das bactérias diazotróficas, em diferentes variedades de cana. Foram estudadas as seguintes variedades: IACSP93-6006; IAC87-3396; IACSP94-4004; IACSP92-1099; RB72454; SP81-3250. O teste consistiu em colocar pequenos pedaços de colmos no meio sólido LGI-P e JNFb para Gluconacetobacter diazotrophicus e Herbaspirillum spp., respectivamente, com 10 repetições (DÖBEREINER et al., 1995), quantificando o crescimento bacteriano (%) após uma semana e procedendo a escolha das duas variedades utilizadas no experimento. Na figura 3 visualiza-se a diferença entre a coloração dos meios de cultura quando na presença das bactérias fixadoras de nitrogênio. Com este método tem-se um “screening” para trabalhos exploratórios da presença da colonização de bactérias fixadoras em cana. Figura 3 - Colmos de cana mergulhados em meio sólido. A coloração azul indica o crescimento de Herbaspirillum spp. e a coloração amarela indica crescimento de Gluconacetobacter diazotrophicus. 18 3.2 Local do Experimento O experimento foi conduzido na APTA Pólo Regional do Centro-Sul, Piracicaba-SP, em Argissolo Vermelho-Amarelo distrófico com características químicas apresentadas na Tabela 4 e 5, cultivado há muitos anos com cana-de-açúcar. A análise do solo foi feita pelo Laboratório de Solos da UFSCar e os métodos de extração e determinação seguem o utilizado pelo IAC (RAIJ et al., 2001). A localização geográfica do experimento é dada por 22º41’00” de latitude sul e 47º39’00 de latitude oeste, 554 metros acima do nível do mar. O clima segundo a classificação de Köppen é do tipo Cwa: subtropical com inverno seco, temperatura média do mês mais frio inferior a 18ºC e dos mês mais quente superior a 22ºC (SETZER, 1966). Os parâmetros climáticos apresentam as seguintes médias anuais: (a) precipitação: 1253 mm; (b) temperatura: 21,1ºC; (c) umidade relativa do ar: 74%; (d) velocidade do vento: 2,2 m s-1. Tabela 4 - Características químicas (macronutrientes) do solo onde foi instalado o experimento* Prof. P S M.O. pH K Ca Mg H+Al Al SB CTC V Resina -----mg/dm3--- g/dm3 CaCl2 cm -------------------mmolc/dm3------------- % 0-20 5 22 24 5,0 3,2 17 9 50 15,2 29,2 79,2 37 20-40 3 22 20 4,5 2,4 12 7 68 21,5 21,4 89,4 24 *Análise realizada no Laboratório de Solos da UFSCar-Araras. Tabela 5 – Características químicas (micronutrientes) do solo onde foi instalado o experimento Prof. B Cu Fe Mn Zn 3 cm -------------------------------mg/dm --------------------------- 0-20 0,4 1,2 73 28 1,3 20-40 0,27 1,1 71 23 1,1 19 3.3 Tratamentos e o Delineamento Experimental O experimento foi instalado no campo em Março de 2006 em delineamento experimental de blocos ao acaso com 4 repetições. As parcelas foram constituídas de 5 linhas de 12 metros espaçadas de 1,4 metros, plantadas com os genótipos de cana-deaçúcar RB72454 e IACSP93-6006 (características na Tabela 6). Como fonte de nitrogênio, utilizou-se a torta de filtro e uréia na dose de 30 kg ha-1. As doses de fósforo e potássio foram comuns a todos os tratamentos sendo 140 kg ha-1 de P2O5 na forma de superfosfato simples e 120 kg ha-1 de K2O como cloreto de potássio. A adubação foi realizada no sulco, antecedendo o plantio e não foi realizada adubação de cobertura.Os tratamentos estudados estão descritos na Tabela 7. Tabela 6 - Características varietal de RB72454 e IACSP93-6006 Características da Planta RB72454 IACSP93-6006 Brotação Boa Boa Perfilhamento Bom Médio Porte Ereto Ereto Produção Agrícola Alta Alta Brotação das socas Muito Boa Boa Florescimento Ocasional Ausência Média Semi-precoce Alto Bom Intermediária Resistente Resistente Resistente Sem Restrições Baixa exigência Maturação Teor de açúcar Carvão Ferrugem Solo Fonte: Câmara, 1993; Landell et al. 2004 Nota: A variedade RB72454 foi liberada com excelentes resultados de produção agroindustrial em todos os estados produtores de cana-de-açúcar do Brasil. A variedade IACSP93-6006 foi selecionada na região de Assis-SP, apresenta alta produtividade agrícola em ambiente favorável e média em ambiente desfavorável. 20 Tabela 7 - Tratamentos estudados no experimento Tratamento Variedade Inoculação Sim Fonte N Não T1 RB72454 X T2 RB72454 X T3 RB72454 X T4 RB72454 X T5 RB72454 X T6 RB72454 X T7 IACSP93-6006 X T8 IACSP93-6006 X T9 IACSP93-6006 X T10 IACSP93-6006 X T11 IACSP93-6006 X T12 IACSP93-6006 X Ausência Orgânico Mineral X X X X X X X X X X X X 3.4 Preparo do Inóculo e a Inoculação Para a multiplicação da Gluconacetobacter diazotrophicus estirpe BR 11281 e posterior inoculação em campo, realizou-se da seguinte maneira: cotas de 20 ml foram colocados em frascos contendo 180 ml do meio LGI-P e após o sétimo dia (período em que ocorre o pico de multiplicação das bactérias) (DÖBEREINER et al., 1995) o material foi retirado dos frascos e acondicionados em garrafas PET de dois litros esterilizadas (figura 4). Para a inoculação em campo fez-se uma diluição de 10% com água (concentração final de 107 células viáveis mL-1) aplicando com um pulverizador costal no momento do corte dos toletes no sulco de plantio, conforme ilustra as figuras 5 e 6. 21 Figura 4 – Garrafa PET 2 litros com Gluconacetobacter diazotrophicus pronto para ser colocado no pulverizador costal Figura 5 – Pulverização da bactéria no sulco de plantio 22 Figura 6 – Detalhe da inoculação. A pulverização é dirigida ao corte recém feito no colmo pois a entrada da bactéria é facilitada em ferimentos 3.5 Análise Foliar Foi obtido o terço médio das folhas sem a nervura central da 1ª folha totalmente expandida que apresenta lígula visível (folha +1-First Visible Dewlep), sendo 20 folhas coletadas em cada parcela (MALAVOLTA, 1982). As coletas foram realizadas no 8º mês de cultivo. As amostras foram secas em estufa, moídas e enviadas para análise no Laboratório de Solos e Análise Foliar do Instituto Agronômico de Campinas, localizado em Campinas, SP. 3.6 Quantificação das Bactérias Diazotróficas Endofíticas Para quantificação das bactérias foram coletados cinco colmos/parcela aos 16 meses após a instalação dos tratamentos. As gemas foram plantadas em bandejas contendo areia esterilizada e aos trinta dias após o plantio foi coletada a parte aérea, que foi lavada em água corrente, seca em papel toalha e esterilizada superficialmente através do uso de algodão embebido em álcool. Parte aérea na quantidade de 10 gramas foram trituradas em liquidificador com 90ml de solução salina por dois minutos. Em seguida, 23 foram feitas as diluições seriadas das amostras em solução salina (10-1 a 10-7) (REIS et al., 1999). A contagem em meio semi-sólido foi feita através da inoculação de 0,1 ml de cada diluição no centro do frasco (Figuras 7, 8 e 9) contendo meio LGI-P e JNFb para Gluconacetobacter diazotrophicus e Herbaspirillum spp., respectivamente. Foram realizadas três repetições de cada diluição, sendo o método usado para quantificação o Número Mais Provável (NMP), que é baseado na presença ou ausência de película formada no meio semi-sólido, conforme apresentado na Tabela de McCrady (DÖBEREINER et al., 1995). Figura 7 – Metodologia do Número Mais Provável, utilizando frascos de penicilina de 10 ml com meio semi-sólido. Figura 8 – Meio de cultura semi-sólido LGI-P. Os dois frascos da direita estão positivos quanto ao crescimento de Gluconacetobacter diazotrophicus 24 Figura 9 - Meio de cultura semi-sólido JNFb. Os dois frascos da direita estão positivos quanto ao crescimento de Herbaspirillum spp. 3.7 Produtividade e Análise Tecnológica A colheita foi realizada em Agosto de 2007. Para a medição da produtividade as parcelas foram cortadas, despontadas, despalhadas e tiveram a massa de colmos avaliada através de pesagens pelo dinamômetro. Para a análise tecnológica foram coletadas 10 colmos/parcela ao acaso aos 18 meses. Foram analisadas pol% cana, pol ha-1, fibra, pureza, açucares redutores e açúcar total recuperável. 3.8 Análise Estatística Os dados obtidos foram analisados, estatisticamente, pelo programa STATISTICA 6.0, realizando análise de variância seguida da comparação das médias pelo teste de Tukey. Para a produtividade foram aplicados Contrastes Ortogonais e o teste de Dunnett a 5% de significância. 25 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 Quantificação Prévia das Bactérias Diazotróficas Na Tabela 8 estão contidos os resultados de percentagem de amostras com presença de bactérias fixadoras em cada variedade de cana estudada. Verifica-se que todas as variedades tiveram a presença de bactérias fixadoras em seu colmo. A variedade IACSP93-6006 foi a escolhida por apresentar alta taxa de colonização e por ser a variedade IACSP mais plantada. A variedade RB72454 embora não apresentando os maiores índices de colonização foi escolhida para o experimento no campo, por já ter sido estudada por outros autores em diversos experimentos relacionados a fixação biológica de nitrogênio e também por ser a variedade encontrada em maiores áreas de plantio comercial no Brasil. Tabela 8 - Quantificação prévia das variedades disponíveis na época de plantio (% de amostras com presença das bactérias) Variedades Gluconacetobacter diazotrophicus -------------------%------------------ IACSP93-6006 100 IAC87-3396 44 IACSP94-4004 100 IACSP92-1099 100 RB72454 77 SP81-3250 55 4.2 Produtividade A produtividade de colmos de cana-de-açúcar obtida pelos diversos tratamentos encontra-se na Tabela 9. Verifica-se que as variedades responderam diferentemente aos tratamentos aplicados. A variedade RB72454 teve produtividade favorecida tanto pela presença de nitrogênio como pela inoculação com as bactérias fixadoras ao nível de 5% de significância. Já a variedade IACSP93-6006 teve diferenças entre os tratamentos 26 somente com 15% de significância. Aplicando esta significância e o teste de Tukey podemos observar que a produtividade foi favorecida pela presença do nitrogênio mineral em presença da inoculação. Na média, a variedade IACSP93-6006 foi 9,97% menos produtiva que a variedade RB72454. Tabela 9 - Produtividade expressa em toneladas de colmos por hectare Tratamento RB72454 IACSP93-6006 ---------------------- t ha-1--------------------Inoculado + N-Mineral 143,82ab 148,30a Inoculado + N-Orgânico 160,82a 136,12ab Inoculado + ausência N 155,38ab 130,07ab Não Inoculado + N-Mineral 149,88ab 137,64ab Não Inoculado + N-Orgânico 166,30a 144,87ab Não Inoculado + ausência N 137,57b 127,84b Média 152,69 137,47 F 4,58 2,15 CV (%) 6,55 7,98 5 15 Desvio Padrão 10,00 10,97 D.M.S 15,07 12,00 Nível de Significância (%) Obs: Médias seguidas de mesma letra nas colunas não diferem entre si pelo teste de Tukey. Respostas positivas da inoculação com bactérias fixadoras de nitrogênio foram relatadas na literatura, a exemplo de Shankariah e Hunsigi (2001) que obtiveram aumento de 9 toneladas ha-1 quando inocularam Azospirillum brasiliense e de 5 toneladas ha-1 quando inocularam Gluconacetobacter diazotrophicus. Moraes e Tornisielo (1997) obtiveram aumento de produtividade nas plantas inoculadas cultivadas em solos onde os níveis de fertilidade foram mais elevados. Por outro lado, a falta de resposta à inoculação também tem sido relatada, a exemplo de Reis et al. (2000) que comentam que em muitos casos a ausência de resposta à inoculação pode ser atribuída ao uso de linhagens inadequadas no inóculo. Este fato não deve ter ocorrido uma vez que o inóculo promoveu aumentos de produtividade para a variedade RB72454 e IACSP93-6006. Os resultados deste 27 experimento evidenciam um consenso existente na literatura onde a interação genética entre a variedade e a bactéria, mostra-se como fator chave para a obtenção dos benefícios provindos da fixação do N2. A Tabela 10 indica os diversos contrastes realizados para a produtividade. A adubação orgânica aparentemente promoveu maiores acréscimos na produtividade para a RB72454 em relação a testemunha e a adubação mineral promoveu maiores acréscimos para a IACSP93-6006 em relação a testemunha, independente da inoculação, conforme pode ser visualizado na figura 10. A torta de filtro, além do nitrogênio apresenta todas as vantagens da adição de uma fonte de matéria orgânica, entre elas, a presença de micronutrientes, água, ácidos húmicos e fúlvicos, fatores que podem incentivar a brotação da cana e a produtividade. Tabela 10-Contrastes ortogonais dos dados relativos a produtividade das duas variedades estudadas Contraste Ortogonal RB72454 IACSP936006 F** P*** 0,64 F P Inoculados x Não inoculados 0,22 0,09 0,75 Testemunha* x Adubação Orgânica 15,15 0,0004 3,59 0,06 Testemunha x Adubação Mineral 1,93 0,17 5,16 0,02 Testemunha x Restante dos tratamentos 8,75 0,005 3,76 0,06 Adubação Orgânica x Mineral independente da ----- 0,07 3,39 ---- variedade * testemunha = ausência de adubação nitrogenada e ausência de inoculação. **F = Teste F. ***P = nível de significância. Diversos autores mostraram haver pouca resposta da cana-planta em relação a adubação nitrogenada (ROSSIELLO, 1987; CANTARELLA & RAIJ, 1986). Esta falta de resposta pode estar ligada a diversos fatores inerentes ou não a planta como condições climáticas (COSTA & RUSCHEL, 1981; BELLONE et al., 1996), fertilidade do solo (OLIVEIRA et al., 2003), calagem, adubação, perdas de nitrogênio por lixiviação entre outros (TRIVELIN, 2000). 28 Existe diferença também entre a média da testemunha e o restante dos tratamentos na variedade RB72454 mostrando que quaisquer uns dos tratamentos tiveram médias melhores do que a da testemunha. Foi objetivo deste trabalho verificar se a adubação nitrogenada mineral poderia interferir negativamente na fixação, e compará-la com a adubação orgânica. Os resultados indicam que o nitrogênio mineral não interfere na fixação ao menos no parâmetro produtividade da cultura na dose de 30 kg ha-1. 165 colmos t ha -1 160 155 150 145 140 135 Nitrogênio Orgânico Nitrogênio Mineral Sem Nitrogênio Figura 10- Produtividade entre os tratamentos adubados com nitrogênio orgânico, nitrogênio mineral e testemunha sem nitrogênio, independente da inoculação. Aplicando o Teste de Dunnett para a variedade IACSP93-6006, conforme Tabela 11, somente o tratamento inoculação+adubação mineral diferiu do controle (testemunha) ao nível de 5% de significância. Tabela 11 - Aplicação do Teste de Dunnett para a produtividade Tratamento RB72454 IACSP93-6006 ----------Nível de significância (%)--------Inoculado + N-Mineral 47,49 3,42 Inoculado + N-Orgânico 1,00 39,39 Inoculado + ausência N 4,37 73,48 Não Inoculado + N-Mineral 16,29 31,39 Não Inoculado + N-Orgânico 2,16 7,75 Não Inoculado + ausência N Testemunha 29 Para a variedade RB72454 os tratamentos que diferenciaram da testemunha foram não inoculado+nitrogênio orgânico, inoculado+nitrogênio orgânico e inoculado+ ausência de nitrogênio. 4.3 Análise Tecnológica As análises tecnológicas realizadas na época da colheita não indicaram diferenças entre os tratamentos nos parâmetros Pol, Pol ha-1, fibra, pureza, açúcares redutores e açúcares totais recuperáveis, em nenhuma das variedades estudadas, como se verifica nas Tabelas 12 e 13. A inoculação com bactérias fixadoras de nitrogênio não interferiu no acúmulo de sacarose e nos açúcares totais produzidos pela cana. A adubação orgânica ou mineral também não alterou nenhum dos parâmetros de qualidade tecnológica. Tabela 12 – Parâmetros tecnológicos medidos aos 18 meses após a instalação do experimento, variedade RB72454 Tratamento Pol Pol ha-1 Fibra Pureza AR ATR ---------------------------%-------------------------- kg t-1 Inoculado + N-Mineral 14,42 20,90 17,97 92,08 0,21 135,46 Inoculado + N-Orgânico 14,32 22,99 17,58 88,83 0,46 136,78 Inoculado + ausência N 14,66 22,72 17,76 91,99 0,23 137,90 Não Inoculado + N-Mineral 15,34 22,86 14,38 88,49 0,53 146,80 Não Inoculado + N-Orgânico 15,23 25,29 14,52 89,07 0,48 145,37 Não Inoculado + ausência N 15,01 20,69 13,55 89,37 0,48 143,39 Média 14,83 22,57 15,96 89,97 0,39 140,95 ns ns ns ns ns ns 14,3 15,41 48,75 2,63 49,98 13,88 5 5 5 5 5 5 Desvio Padrão 2,12 3,47 7,78 2,37 0,19 19,56 D.M.S 3,19 5,24 11,72 3,57 0,29 29,48 F CV (%) Nível de Significância (%) ns - Não significativo aplicando o teste de Tukey. 30 Tabela 13 – Parâmetros tecnológicos medidos aos 18 meses após a instalação do experimento, variedade IACSP93-6006 Tratamento Pol Pol ha-1 Fibra Pureza AR ATR ---------------------------%-------------------------- kg t-1 Inoculado + N-Mineral 15,80 23,16 11,92 89,78 0,44 150,30 Inoculado + N-Orgânico 15,51 21,21 16,69 91,60 0,24 145,83 Inoculado + ausência N 13,59 17,78 21,03 90,50 0,33 128,85 Não Inoculado + N-Mineral 15,50 21,38 12,63 88,97 0,50 148,06 Não Inoculado + N-Orgânico 14,40 20,80 16,28 88,42 0,51 137,99 Não Inoculado + ausência N 15,15 19,40 13,70 89,38 0,46 144,44 Média 14,99 20,62 15,37 89,77 0,41 142,57 ns ns ns ns 17,31 19,21 52,99 2,61 5 5 5 5 5 5 Desvio Padrão 2,60 3,96 8,16 2,34 0,19 23,86 D.M.S 3,91 5,97 12,29 3,53 0,28 35,95 F CV (%) Nível de Significância (%) ns ns 45,62 16,73 ns - Não significativo aplicando o teste de Tukey. 4.4 Quantificação das Bactérias Fixadoras de Nitrogênio A Tabela 14 mostra a contagem de bactérias em toletes pré-germinados de cana aos 16 meses após a aplicação dos tratamentos. Verifica-se que a contagem de bactérias foi estatisticamente diferente na variedade RB72454 ao nível de 10 e 5% de significância para Gluconacetobacter diazotrophicus e Herbaspirillum spp, respectivamente. Entretanto, o tratamento com maior contagem de bactérias não corresponde exatamente ao tratamento com maior ganho de produtividade, indicando que apenas a contagem de bactérias não reflete o potencial de fixação da associação. Njoloma et al. (2006), trabalhou com a inoculação de Herbaspirillum sp. B501gfp1 em duas concentrações 102 e 108 células ml-1 obtendo como resultado o aumento do número de células no interior da planta, porém com ausência de resposta no peso de matéria seca da parte aérea da cana. 31 Tabela 14 - Bactérias diazotróficas (logaritmo do número de células por grama de matéria fresca) em duas variedades de cana-de-açúcar aos 16 meses. Tratamento RB72454 IACSP93-6006 Glucona Herbaspirillum Glucona Herbaspirillum Inoculado + N-Mineral 8,24a 8,12a 6,15 6,55 Inoculado + N-Orgânico 5,72b 5,39b 7,31 7,25 Inoculado + ausência N 6,03ab 5,25b 6,5 5,34 Não Inoculado + N-Mineral 6,59ab 6,55ab 7,12 6,79 Não Inoculado + N-Orgânico 7,34ab 7,24ab 5,83 6,03 Não Inoculado + ausência N 5,7b 5,82ab 7,11 6,83 Média 6,59 6,39 6,67 6,46 F 2,86 3,77 ns ns CV (%) 18,14 18,18 18,79 36,62 10 5 5 5 Desvio Padrão 1,19 1,16 1,25 2,37 D.M.S 1,48 1,75 1,89 3,56 Nível de Significância (%) Obs: Médias seguidas de mesma letra nas colunas não diferem entre si pelo teste de Tukey. ns - Não significativo. O número de bactérias presentes não foi inibido pela presença de nitrogênio mineral e nem incentivado pela presença de nitrogênio orgânico. Moraes e Tornisielo (1997) e Suman et al. (2005) indicam que uma dose inicial de nitrogênio é necessária para o desenvolvimento das bactérias, sem inibi-las. Um menor número de bactérias foi encontrado no tratamento sem nitrogênio e não inoculado, indicando que a presença de nitrogênio pode favorecer o estabelecimento da associação entre a planta e as bactérias. Verifica-se também que a inoculação não aumentou o número de bactérias em relação aos tratamentos não inoculados. Vale ressaltar que os toletes usados para a propagação da cana carregam uma população nativa de bactérias diazotróficas (OLIVARES, 1997; Tabela 7) podendo explicar a falta de resposta dos tratamentos a quantificação das bactérias, principalmente a aqueles onde houve a inoculação. Também pode ser explicado pelos diversos fatores que interagem nesta complexa simbiose bactéria-planta como época do ano e estádio fisiológico da cultura (COSTA & RUSCHEL, 1981), características ligadas ao genótipo da planta como eficiência 32 fotossintética e resistência as condições adversas (REIS JUINOR et al., 2000; NOGUEIRA et al., 2001; MUÑOZ-ROJAS & CABALLERO-MELLADO, 2003). 4.5 Análise Foliar Os tratamentos estudados não aumentaram o teor de nitrogênio nas folhas +1 da cana-de-açúcar aos 8 meses após a instalação do experimento, conforme se verifica na Tabela 15, estando os valores dentro da faixa considerada adequada de acordo com Malavolta (1982). Há controvérsias quanto à técnica da análise foliar para avaliar o estado nutricional da cana-de-açúcar. Nem sempre a análise da folha diagnóstico, representa o potencial de absorção do nutriente ao longo do ciclo da cultura, conforme Orlando Filho et al. (2001). Tabela 15 – Nitrogênio total na folha +1 aos 8 meses após a instalação do experimento Tratamento RB72454 IAC93-6006 -1 -----------g kg ----------Inoculado + N-Mineral 20,30 20,28 Inoculado + N-Orgânico 20,25 20,25 Inoculado + ausência N 20,83 20,20 Não Inoculado + N-Mineral 20,63 20,10 Não Inoculado + N-Orgânico 19,93 20,30 Não Inoculado + ausência N 20,13 20,23 Média 20,34 20,23 ns ns 4,06 4,07 5 5 Desvio Padrão 0,825 0,776 D.M.S 1,24 1,17 F CV (%) Nível de Significância (%) ns - Não significativo aplicando o teste de Tukey. 33 5 CONCLUSÕES Os resultados obtidos no presente trabalho permitem concluir que: 1. As variedades estudadas apresentaram-se colonizadas por bactérias fixadoras de nitrogênio independente da aplicação da fonte de nitrogênio. 2. As variedades RB72454 e IACSP93-6006 apresentaram ganhos na produtividade de colmos quando se procedeu a inoculação no sulco de plantio ou a adição de fonte nitrogenada. 3. As bactérias fixadoras de nitrogênio não foram inibidas pela presença de nitrogênio mineral. 4. A qualidade da matéria prima não foi alterada em nenhum dos parâmetros avaliados, nem pela inoculação e nem pela adição de fonte nitrogenada. 34 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAÇÃO NACIONAL PARA DIFUSÃO DE ADUBOS. Anuário Estatístico do Setor de Fertilizantes. São Paulo: Editora Nagy, 2004. 162p. ASHBOLT, N.J.; INKERMAN, P.F. Acetic acid bacterial biota of the pink sugarcane mealbug, Saccharococcus sacchari, and its environs. Applied and Envionmental Microbiology, 56, p.707-712, 1990. AZEREDO, D.F.; BOLSANELLO, J.; WEBER, H.; VIEIRA, J.R. Nitrogênio na cana planta: doses e fracionamento. Revista STAB, Piracicaba, v.4, p.32-36, 1986. BALDANI, J.I.; DOBEREINER, J. Recent advances in BNF with non-legumes plants. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM ON SUSTAINABLE AGRICULTURE FOR THE TROPICS – THE ROLE OF BIOLOGICAL NITROGEN FIXATION, 1995, Angra dos Reis. Abstracts... 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