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COMUNICAÇÃO VISUAL: EVOLUÇÃO, ECOLOGIA E MECANISMOS FUNCIONAIS
KAPPELER, capítulo 1
RESUMO
Ao longo de suas vidas, os animais reúnem e ponderam informações para decidir sobre estados
alternativos. Muitas das decisões em interações sociais, escolha de parceiros, e competição intrassexual
dependem de transferência de informações pela comunicação visual entre remetentes e destinatários.
Além disso, os animais e as plantas se engajam em comunicação visual interespecífica como exibições de
alerta e a atração de mutualistas. Na primeira parte deste capítulo, eu discuto como os processos
sensoriais e neuronais envolvidos na detecção e reconhecimento de estímulos visuais podem influenciar a
evolução do desenho de traços visuais informativos. Com base nessa compreensão funcional eu reviso
dois modelos de evolução de sinais, a exploração sensorial e a instigação sensorial, na segunda parte do
capítulo. O modelo da exploração sensorial prevê que os sinais que evoluíram são mais eficientes na
estimulação do sistema sensorial ou perceptual do destinatário. O modelo da instigação sensorial prediz
que os sistemas sensoriais dos animais, os sinais que usam, e seus habitats estão evolutivamente
acoplados. Finalmente, eu discuto vários estudos de caso de comunicação planta-animal e seleção sexual
em aves para ilustrar o ponto de que muitas cores são fortemente influenciadas pelo ambiente. Como tal,
há uma necessidade de integrar ecologia no conceito primariamente evolutivo da teoria da comunicação
para compreender a dinâmica evolutiva e a diversidade dos sistemas de comunicação.
1.1 Introdução
A comunicação é ubiquitária e essencial para a organização do comportamento. As células se
comunicam umas com as outras, membros de grupos sociais se comunicam uns com os outros, e
membros de espécies diferentes muitas vezes fazem o mesmo. A comunicação é portanto bem difundida e
ocorre em diferentes níveis organizacionais. Envolve participantes que diferem amplamente na firmeza de
sua associação.
Embora haja muitas definições de comunicação, muitos autores concordam que a comunicação
envolve o fornecimento de informações por um remetente e a avaliação dessas informações na tomada de
decisões por um destinatário. Precisamos saber então o que é informação. Em um sentido coloquial,
informação pode ser definida como a redução na incerteza do destinatário sobre condições alternativas do
remetente. Porém, é geralmente difícil medir se o traço de um remetente usado na comunicação realmente
reduz a incerteza do destinatário. A comunicação é muitas vezes manipulativa, e há claramente sistemas
de comunicação, como a camuflagem, que não reduzem a incerteza do destinatário. Aqui eu adoto a
definição de comunicação de Dawkins e Krebs (1978), de acordo com a qual a comunicação é uma ação
de um remetente que influencia o sistema sensorial de um destinatário de modo que o destinatário muda
seu comportamento para benefício do remetente. Essa definição contorna o problema controverso da
informação. Afirma que se comunicando, o remetente tenta manipular o destinatário de modo que seu
comportamento aumenta a aptidão do remetente.
Claramente, a comunicação pode resultar na transferência de informação. Nesse caso é a
transferência de informação privada que os remetentes possuem mas sobre a qual os destinatários estão
incertos. Apesar dessa assimetria no controle do fluxo de informação, a evolução da comunicação é
essencialmente um processo co-evolutivo. Note que esse processo co-evolutivo pode ser um de evolução
antagonista, isto é, uma queda de braço entre remetentes e destinatários. Ainda assim, muitos autores
mantêm que a comunicação, embora geralmente manipulativa, beneficia em média os remetentes e os
destinatários da informação. Observe o uso de “em média” na frase anterior. Enquanto os remetentes
quase sempre se beneficiem da comunicação – de outro modo eles seriam contra-selecionados e a
comunicação não seria evolutivamente estável -, há casos em que os destinatários não se beneficiam, por
ex., quando são explorados pelos remetentes.
A exploração da comunicação é disseminada; os exemplos variam de flores permanentemente
não-recompensadoras que exploram polinizadores para sua reprodução até aranhas-bola que mimetizam
quimicamente o feromônio sexual de sua presa. Ainda assim, se os destinatários não se beneficiam por
responder em média a um dado estímulo, vão parar de fazê-lo e portanto vão romper o sistema de
comunicação. Da mesma forma, se machos não obtêm em média benefícios de aptidão por responderem
ao feromônio sexual da fêmea (um remetente), a aranha-bola (segundo remetente) não poderia explorar o
sistema de comunicação inter-sexual entre as mariposas.
A exploração de polinizadores por flores e de mariposas
machos por aranhas-bola documentam que a comunicação
geralmente consiste de vários remetentes e destinatários
diferentes. Portanto, mesmo a comunicação intraespecífica pode
envolver diferentes espécies, por ex., parceiros em potencial e
predadores que respondem aos mesmos sinais e cujas pressões
seletivas moldam o desenho do sinal. Mesmo dentro de uma
espécie, os sexos podem representar destinatários diferentes. Por
exemplo, uma troca entre sinais epigâmicos para fêmeas e de
sinais antagonistas para machos na ave Euplectes ardens implica
que a evolução de um sinal não é independente da evolução do
outro sinal. Embora seja concebível que sistemas de comunicação
muito especializados possam apenas envolver um remetente e um
Euplectes ardens
destinatário (por ex., comunicação química entre parceiros que
requer receptores específicos), a escuta por acaso é comum e a própria natureza da comunicação
conspícua a torna particularmente propensa a exploração por predadores. Como tais, os sistemas de
comunicação consistem de múltiplos remetentes e destinatários, cuja abundância relativa molda as
pressões seletivas sobre o desenho da comunicação. Embora esse caráter reticular da comunicação seja
crescentemente reconhecido, a comunicação tem sido vista tipicamente como um jogo binário de
remetente e destinatário. Esses jogos binários permitem elucidar propriedades fundamentais da
transferência de informações que podem então ser estendidas para sistemas de comunicação e redes de
sinalização mais complexos em todos os níveis da organização biológica.
Os sinais são os veículos da comunicação. São definidos como características morfológicas,
fisiológicas ou comportamentais que são mantidas por seleção natural porque transmitem informações
para outros organismos. Essa definição é muito útil mesmo se evitamos o termo “transmitem informações
para” e usamos em vez disso “manipulam outros organismos”. Essa definição é útil porque fornece uma
perspectiva evolutiva que usa como base as pressões seletivas que moldam os traços. O termo sinal é
geralmente definido menos rigorosamente como um traço que transmite informações ou que desencadeia
uma resposta em um destinatário. Contudo, os traços podem transmitir informações sem serem
primariamente selecionados para essa função (Box 1.1).
Por exemplo, o tamanho corporal pode
indicar confiantemente a capacidade de luta de um
indivíduo sem ter sido selecionado para um papel na
comunicação. Da mesma forma, francelhos (Falco
tinnunculus) detectaram marcas de odor de arganaz
em luz UV mas não em luz sem componente UV.
Da mesma forma, podem usar a reflexão UV como
indício visível que é uma revelação da presença de
arganazes em uma dada área. Embora informativo, o
tamanho corporal e a reflexão UV nesses exemplos
não são sinais porque não são selecionados para
Falco tinnuculus
manipular os oponentes e os francelhos,
respectivamente.
Para compreender a evolução da comunicação é importante diferenciar entre traços que são
selecionados por seu papel comunicativo, i.e., sinais, e aqueles que não são. Os traços que não são
primariamente selecionados por uma função comunicativa e que podem ser informativos são melhor
encarados como indícios. Observe minha ênfase na palavra primariamente, uma palavra que está faltando
nas definições anteriores. Está ficando cada vez mais claros que os traços, incluindo aqueles usados na
comunicação, são moldados por múltiplas pressões seletivas. Pigmentos, por exemplo, podem funcionar
como sinais e são geralmente concomitantemente selecionados por seu papel na termorregulação. É
portanto essencial avaliar as pressões seletivas relativas que atuam sobre um determinado traço. Eu
portanto concluo que sinais são selecionados primariamente por seu papel comunicativo e podem assim
evoluir para manipular o destinatário, enquanto que a evolução de indícios no sentido de manipulação
crescente é restringida porque são selecionados primariamente por um papel não-comunicativo.
O exemplo do francelho (acima) testifica as dificuldades de distinguir entre indícios e remetentes
se destinatários distintos atendem ao mesmo traço. Obviamente, marcas de odor são muito provavelmente
selecionadas para comunicar com outros arganazes e assim representam sinais. Suas propriedades visuais,
contudo, certamente não foram selecionadas para comunicar aos francelhos que portanto atentam para
indícios quando forrageiam arganazes. Portanto, se os predadores espiam sinais sexualmente
selecionados, esses traços constituem sinais para os parceiros mas indícios para os predadores.
Finalmente, um traço que é necessariamente informativo – por ex., se o tamanho corporal é uma
indicação não-falsificável da capacidade de luta – é melhor encarado como um índice de uma certa
qualidade.
Em seguida, em irei revisar brevemente a base sensorial e neural da visão a cores para mostrar
como as sensibilidades visuais dos animais podem influenciar o desenho dos sinais visuais. Com base
nessa informação, eu avalio conceitos-chave na evolução dos sinais nas seções seguintes. Embora muitos
conceitos que eu discuto neste capítulo também pertençam mais amplamente à comunicação em outras
modalidades sensoriais, eu vou enfocar a evolução e os mecanismos que fundamentam a comunicação
visual.
BOX 1.1 Distinguir entre sinais e indícios pode ser desafiador
Mesmo se um traço transmite informações que alteram o comportamento de um destinatário para
o benefício do remetente e do destinatário, não é necessariamente um sinal. Isso porque a pressão
seletiva do destinatário pode possivelmente ser superada por aquelas de outros agentes seletivos, tais
como fatores abióticos. Esse é um tema comum em sinais visuais porque os pigmentos geralmente
desempenham múltiplos papéis. Por exemplo, é bem conhecido que as melaninas podem proteger contra
radiação alta e desempenham um papel na termorregulação. O papel dessas funções não-comunicativas
não é bem compreendido, principalmente porque as hipóteses sobre o valor adaptativo das funções nãocomunicativas não competem diretamente contra a hipótese de um papel comunicativo adaptativo. Esse
inconveniente leva a uma subestimação da complexidade dos sistemas de comunicação.
As interações planta-animal fornecem um bom exemplo da complexidade da comunicação. As
antocianinas são pigmentos vegetais que conferem coloração vermelha, azul, ou preta ao tecido da
planta. As antocianinas são ao mesmo tempo antioxidantes dietários poderosos que contribuem para a
saúde dos consumidores. Essa é a principal razão do porque há um interesse considerável em aumentar
os conteúdos de antocianinas bioativas, e mais geralmente flavonóides e outros fenóis vegetais, na
nutrição humana. Surpreendentemente, contudo, a ecologia evolutiva das antocianinas, particularmente
em relação a interações planta-animal, tem sido um tópico de pesquisa negligenciado, embora as
antocianinas sejam os principais pigmentos em frutos e flores.
A coloração escura nos frutos é conferida pelas antocianinas. As aves podem assim avaliar
visualmente os conteúdos de antocianinas como antioxidantes dietários em frutos. Devido à ligação
necessária entre coloração escura dos frutos e conteúdos de antocianinas, a coloração escura dos frutos é
melhor encarada como um índice de conteúdos de antocianinas. O rouxinol de cabeça preta frugívoro
(Sylvia atricapilla) seleciona alimentos artificiais de acordo com seus conteúdos de antocianinas.
Especialmente, selecionar alimento contendo antocianinas melhora a resposta imune humoral dessas
aves. As aves são portanto aparentemente capazes de selecionar frutos usando sua cor como um sinal
confiável de benefícios à saúde. Elas podem assim atentar para a coloração dos frutos para aumentar sua
ingestão de flavonóides para automedicação. Concebivelmente, as plantas poderiam aumentar seu
sucesso reprodutivo comunicando recompensas antioxidantes para os dispersadores de sementes.
Se as aves selecionam os frutos de acordo com seus benefícios à saúde e cores, a questão
evolutiva importante é se a coloração dos frutos evoluiu como um sinal para comunicar esses benefícios
à saúde para os dispersadores de sementes. Examinar a cor dos frutos no jogo binário de sinalização
entre plantas e dispersadores de sementes poderia sugerir isso porque os benefícios à saúde dos
flavonóides ocorrem não apenas em aves mas mais amplamente também em mamíferos. Porém, frutos
são consumidos não apenas por dispersadores de sementes, mas também por predadores de frutos que
consomem a polpa do fruto sem dispersar as sementes. Bactérias e fungos de podridão são na verdade os
consumidores de frutos mais ubiquitários que podem ter efeitos fortes, deletérios, sobre a aptidão das
plantas. De modo importante, altos conteúdos de antocianinas inibiram fortemente o crescimento fúngico
in vitro e em uvas danificadas reduzindo o crescimento fúngico em 95%. Portanto, a pressão seletiva
tanto de animais mutualistas (dispersadores de sementes) e antagonistas (fungos de podridão) estão
alinhadas para selecionar conteúdos aumentados de antocianinas. A menos que seja demonstrado que a
seleção para comunicação supera a seleção para defesa, os conteúdos de antocianina são mais bem
encarados como um indício, não um sinal.
1.2 Sensibilidades visuais
Muitos animais são capazes de extrair informações de traços visuais usando dois aspectos
diferentes, informações acromáticas, isto é, variação no brilho ou intensidade da luz refletida por uma
superfície, e informações cromáticas, sobre cor. A variação no brilho é percebida na escala de branco até
preto e é geralmente chamada de luminância se analisada de acordo com as capacidades sensoriais dos
animais. Os humanos percebem saturação e tonalidade como aspectos cromáticos da informação visual. A
saturação descreve a semelhança da cor com uma tonalidade cromaticamente neutral, como cinza (ou
branco ou preto); as cores que contêm nada ou pouco cinza são profundamente saturadas, enquanto um
cinza com um pouco de cor tem uma baixa saturação. Em contraste, o tom define as diferenças de cor que
estão relacionadas com as categorias de cor, por ex., vermelho, amarelo e verde. Embora não haja
evidência de que os animais percebem tom e saturação como os humanos fazem, há algumas evidências
de que abelhas têm uma dimensão perceptual de saturação. Além disso, experimentos com galinhas
mostram que elas categorizam cores e generalizam entre elas (isto é, tratando estímulos que podem ser
diferenciados como sendo equivalentes) de maneira semelhante aos humanos.
Para extrair informações de cor, um animal precisa de pelo menos dois receptores distintos que
diferem em suas sensibilidades espectrais porque isso é um pré-requisito para distinguir entre cores que
não diferem em brilho. Os animais podem assim ser categorizados de acordo com o número de receptores
distintos que são encontrados em sua retina e que são usados para visão a cores. Variam de
monocromatas, dicromatas (muitos mamíferos), tricromatas (primatas, muitos insetos) até tetracromatas
(muitos peixes já conhecidos, muitas aves e lagartos, alguns insetos; ver Fig. 1.1). Experimentos
comportamentais são necessários para avaliar a dimensionalidade da visão a cores de um dado animal.
Por exemplos, camarões mantis são excepcionais por possuírem 16 fotorreceptores morfologicamente
diferentes, mas a dimensionalidade de sua visão a cores é atualmente desconhecida e provavelmente
envolve menos dimensões.
Fig. 1.1 Sensibilidades espectrais dos animais. Aves são tetracromatas, possuindo quatro tipos de cones
que diferem em sensibilidade espectral (a), enquanto muitos insetos como abelhas são tricromatas,
possuindo três tipos diferentes de cones (b). as sensibilidades espectrais normalizadas dos cones são
ilustradas pelas linhas brancas. A tonalidade da cor indica variação de cor como vista por olhos humanos
exceto para UV que os humanos não percebem. Observe que abelhas são menos sensíveis a luz vermelha
do que aves.
Compreender as sensibilidades espectrais
dos animais permite a modelagem dos passos
iniciais da percepção de cores. Em geral, neurônios
visuais podem ou somar os sinais dos
fotorreceptores (na visão acromática), ou comparálos por algum tipo de interação inibitória (na visão
cromática) para dar a proporção ou diferença dos
sinais receptores. É importante reconhecer que a
percepção de cores é muito mais complicada que
esses passos básicos iniciais de codificação neuronal
que são atualmente estimados na modelagem visual.
Em particular, a cor não está no olho do espectador,
Camarão mantis
mas envolve processos cognitivos superiores. Até
agora, o componente cognitivo da avaliação do sinal é ainda uma caixa preta em muitos animais nãoverbais e representa uma das fronteiras mais importantes na nossa compreensão atual da evolução dos
sinais; não apenas na comunicação visual mas mais amplamente em todas as modalidades sensoriais.
Apesar dessas limitações óbvias, o uso de modelos de visão a cores é uma ferramenta poderosa que
permite testes de previsões específicas sobre as pressões seletivas sobre o desenho dos sinais. Isso explica
seu uso progressivamente mais amplo para explicar o desenho da comunicação no aposematismo, seleção
sexual, camuflagem, e interações interespecíficas entre mutualistas ou antagonistas.
1.3 Seleção sensorial do desenho do sinal
1.3.1 Visibilidade
A modelagem da visão a cores nos permite examinar a suposição básica da teoria dos sinais de
que os destinatários do sinal devem detectar sinais que são mais conspícuos e mais fáceis de detectar.
Essa suposição parece intuitivamente plausível e foi sustentada por modelagem teórica. Contudo, há
poucos testes dessa suposição sob condições naturais. Esses testes seriam desejáveis porque a relação
entre detectabilidade e benefícios de aptidão provavelmente não é constante em ambientes e sistemas de
comunicação distintos. Pode até mesmo variar dentro de sistemas de comunicação. Por exemplo, Cazetta
et al. (2009) analisaram se a detecção de frutos é uma função da detectabilidade de diferentes cores de
frutos. De acordo com suas evidências preliminares para quatro cores diferentes, a relação entre
detectabilidade e consumo de frutos é linear em frutos de baixo contraste e assintótica em frutos
fortemente contrastantes.
Os animais podem mostrar modificações comportamentais
que aumentam a visibilidade de seus sinais sexualmente selecionados.
Manaquins – pequenas aves florestais neo-tropicais – tem um sistema
onde os machos se reúnem em arenas de acasalamento tradicionais
para competir pelas fêmeas. Os machos do manaquim de colar
dourado (Manacus vitellinus) mostram um comportamento particular
em que limpam a área em que estão se exibindo. A modelagem da
visão a cores revelou que as placas de plumagem usadas durante a
corte são mais contrastantes contra a área limpa do que contra a
cobertura de folhagem típica do chão da floresta. A modificação
comportamental pode portanto atuar para aumentar a visibilidade dos
Manacus vitellinus
machos pelas fêmeas, particularmente porque, além de contraste de
cores, limpar a área resulta em um fundo menos variável que acentua ainda mais a transmissão de sinais
visuais.
1.3.2 Seleção por múltiplos destinatários
Uma pedra fundamental da teoria da seleção sexual é que a seleção sexual e a natural são duas
forças oponentes que moldam os traços animais. Na verdade, Endler (1980) demonstrou em seu estudo
que a pigmentação do peixe gupi é mediada por um equilíbrio entre seleção sexual dirigindo a evolução
dos sinais de cor para visibilidade maximizada para coespecíficos e seleção natural selecionando contra
indivíduos conspícuos. Isso porque tanto parceiros quanto predadores respondem mais fortemente a cores
conspícuas, i.e., contrastantes. Os custos de viabilidade aumentados associados com sinalização
aumentada fornecem assim um possível mecanismo para assegurar a estabilidade evolutiva da
transferência confiável de informações.
Canais de comunicação
privados são um modo de resolver a
barganha evolutiva entre seleção
natural e sexual na coloração
animal.
Canais
privados
de
comunicação ocorrem se a presa usa
sinais de cor que são mais
conspícuos para os coespecíficos do
que são para os predadores.
Observe a diferença relativa; canais
de comunicação privados não são
invisíveis para os predadores, os
predadores são apenas menos
sensíveis a eles. Um pré-requisito
para os canais privados de
comunicação é que presa e
predadores difiram em suas
sensibilidades visuais. Essa situação
é comum porque muitos predadores
Peixes gupi
pertencem a classes taxonômicas
diferentes das de suas presas. Mesmo se presa e predador pertencem à mesma classe, podem ter
habilidades visuais distintas. Por exemplo, a sensibilidade espectral do receptor de ondas curtas de aves
canoras está desviada para o ultravioleta, enquanto que está aparentemente desviado para a parte violeta
do espectro em águias e corvos. Essa diferença explica porque, de acordo com a modelagem visual, as
cores da plumagem de espécies canoras europeias são mais conspícuas para seus coespecíficos do que
para suas aves predadoras. Igualmente, a ornamentação UV dos peixes cauda-de-espada (Xiphorus spp.)
aumenta sua atratividade para fêmeas mas não para seu predador, o tetra mexicano (Astyanax
mexicanus), que é menos sensível a UV. Ainda não está resolvido, contudo, até que ponto esses canais
privados de comunicação são realmente difundidos, principalmente porque as sensibilidades visuais de
muitas espécies não são conhecidas e é duvidoso até que ponto os modelos visuais atuais predizem suas
capacidades visuais.
Diferenças
nas
capacidades
sensoriais
são
também importantes
nas interações entre
múltiplas
espécies
que
são
Astyanax mexicanus
ecologicamente mais
semelhantes do que
Xiphorus spp.
predadores
e
parceiros em potencial. Essas interações entre múltiplas espécies são comumente encontradas em
interações planta-animal onde as plantas interagem com séquitos de espécies mutualistas e antagonistas.
Diferenças nas capacidades visuais dos animais podem resultar em pressões seletivas divergentes desses
agentes. Por exemplo, as plantas Mimulus spp. são polinizadas por abelhas tricromatas e beija-flores
tetracromatas. Fazendo infiltração de diferentes alelos de cor de flor em linhagens quase isogênicas de
duas espécies de Mimulus, Bradshaw e Schemske (2003) mostraram que uma mudança na cor das flores
resultava em uma mudança concomitante no espectro do polinizador (beija-flores vs. abelhas) que
poderia, em teoria, ser iniciada por uma única mutação. Esse é um exemplo extremamente interessante
porque a ecologia sensorial dos polinizadores prediz sua reação à mudança de cor da flor. Flores rosa são
polinizadas por abelhas que não são sensíveis a variações na parte vermelha do espectro. Beija-flores,
contudo, são muito sensíveis ao vermelho e polinizam predominantemente as flores vermelhas. Portanto,
uma única mutação pode ser adaptativa, levando a isolamento devido a atração diferencial de
polinizadores. A magnitude dessa única mutação é explicável considerando a ecologia sensorial de
diferentes destinatários de sinais. Isso, por sua vez, permite a compreensão da evolução repetida da
polinização por beija-flores a partir de espécies ancestrais polinizadas por insetos na flora norteamericana.
Os exemplos acima documentam como a seleção natural
sobre remetentes e os sistemas sensoriais dos destinatários molda o
desenho dos sinais. Esse efeito também é visível em diferentes
escalas de tempo. Em uma escala de tempo desenvolvimental,
girinos desenvolvem cores diferentes dependendo da presença e
tipo de predadores. Embora as mudanças de cor induzidas dos
girinos possam ter sido adaptativas, tornando-os menos conspícuos
para os dois tipos de predadores (larvas de libélula e peixes), a
adaptatividade não foi demonstrada nesse estudo. As mudanças de
cor induzidas por predador mais rápidas ocorrem em espécies
como camaleões que mudam de cor em milissegundos ou
segundos. Os camaleões mostram mudança de cor adaptativa,
predador-específica se confrontados com predadores que diferem
em capacidade visual eles mostram correspondência mais forte
Mimulus spp.
com o fundo se enfrentam uma ave predadora de visão a cores
aguda em comparação com um cobra com visão a cores menos desenvolvida.
1.4 Seleção por processos neuronais inferiores
Não apenas as sensibilidades espectrais dos animais, mas também seus processos neuronais e
cognitivos selecionam o desenho dos sinais de cor. Embora os processos neuronais envolvidos na
detecção de sinais e seu reconhecimento formem um contínuo, em tento discriminar entre processos
neuronais superiores e inferiores. Os últimos representam os primeiros passos da codificação neuronal das
aferências das células receptoras, enquanto os primeiros estão envolvidos em processos cognitivos.
Grandes avanços em anos recentes demonstraram que os processos neuronais inferiores podem
moldar as pressões seletivas que os predadores exercem sobre o desenho dos traços de camuflagem. Há
muitas formas de camuflagem incluindo correspondência com o fundo (onde a presa corresponde ao
fundo em cor e forma), coloração perturbadora, e disfarce (onde a presa se parece com um item específico
sem interesse do fundo, tal como um galho ou uma folha. Como essas diferentes técnicas de camuflagem
foram revisadas recentemente, irei enfocar apenas os efeitos da codificação neuronal. A coloração
perturbadora frustra a detecção por dissimular padrões contrastantes do contorno corporal. Esses padrões
contrastantes são particularmente eficientes em dificultar a detecção de uma pressa por explorar
mecanismos de detecção de bordas nos processos visuais iniciais. Os mecanismos de detecção de bordas
acentuam a sensibilidade dos predadores a contrastes porque são naturalmente associados com os limites
dos objetos. Padrões marginais contrastantes que criam limites falsos e mascaram a forma do corpo
podem assim esconder o contorno corporal.
Os mecanismos de detecção de bordas são provavelmente otimizados para detectar albos contra o
fundo heterogêneo de cenas naturais. Por exemplo, um fundo de folhas varia dramaticamente, mais de 3
unidades logarítmicas, em luminosidade. A variação no brilho é particularmente pronunciada se há um
mosaico de locais ensolarados e sombras criados por objetos tridimensionais. Portanto, muitos
organismos aparentemente segregam imagens com base nessas bordas de alto contraste. Como
conseqüência, a detecção de bordas é mediada primariamente por contrastes acromáticos porque a
variação acromática tipicamente excede, e é assim mais confiável, que a variação nos contrastes
cromáticos. Inversamente, os contrastes cromáticos são particularmente valiosos para a identificação de
objetos contra um fundo acromaticamente variável como folhagem.
Marcas marginais na presa que criam contrastes cromáticos ou acromáticos podem gerar
coloração perturbadora eficiente que camufla seu portador. Interessantemente, estudos com modelos
artificiais de borboletas revelaram que a coloração perturbadora é eficiente, embora menos, mesmo se as
cores não correspondem àquelas do fundo. Porém, dois estudos posteriores mostraram com padrões
diferentes que aumentar o contraste com o fundo diminui as probabilidades de sobrevivência de presas.
Sendo assim, a extensão com que a coloração perturbadora permite ao portador explorar uma diversidade
maior de habitats do que a correspondência com o fundo não está bem resolvida e pode depender da
forma e localização dos padrões contrastantes.
Os olhos que muitas borboletas mas também peixes (e possivelmente aves como corujas pigmeus)
exibem são outro aspecto visual que é aparentemente selecionado pelo desenho dos campos receptivos na
retina dos predadores. A hipótese tradicional é que essas manchas em forma de olhos mimetizam os olhos
de um animal maior e assim assustam potenciais predadores. Porém, essas manchas circulares,
contrastantes, são altamente eficientes em estimular o arranjo centro-periferia dos campos visuais na
retina dos vertebrados. Experimentos detalhados mostraram que grande tamanho e número maior de
manchas aumentam seu valor protetor, independente do nível de semelhança com olhos reais. Manchas
conspícuas de diferentes formas servem para camuflar as presas provavelmente por distrair a atenção da
forma do corpo. Sendo assim os mecanismos perceptuais neuronais, em vez da mímica dos olhos, parece
explicar o desenho das manchas das asas e nadadeiras.
1.5 Seleção por processos neuronais superiores
A circuitaria neuronal superior envolve processos cognitivos que são geralmente desconhecidos e
difíceis de estudar em animais não-verbais. Desvendar o significado evolutivo de processos cerebrais
superiores representa um tópico de pesquisa particularmente excitante. Esses processos podem influenciar
a seleção de padrões de cores através de vários mecanismos. Esses incluem erros perceptuais, mudanças
nas preferências por estímulos que são causados por aprendizado de discriminação (fenômenos de
mudança de pico), atenção limitada pela taxa de processamento de informações, barganhas entre
velocidade e precisão, e a recuperação e taxa de desvalorização das propriedades de memória.
A função de recuperação da memória é melhor estudada no contexto do forrageio. Por exemplo,
abelhas escolhem entre cores florais dependendo de sua experiência com essas cores 24 horas antes. A
recuperação das memórias de cor na abelha segue portanto um ritmo circadiano que aparentemente
corresponde ao ritmo circadiano da produção de néctar e pólen nas flores. As abelhas então possuem uma
memória temporal que permite a elas ajustar adaptativamente seu comportamento de forrageio ao pico de
disponibilidade de néctar associado com estímulos visuais.
O aprendizado associativo pode influenciar a seleção de
cor também em diferentes escalas de tempo. Rouxinóis de
jardim (Sylvia borin) de idade semelhante que foram criados ou
capturados imaturos diferiram em sua capacidade de avaliar
recompensas doces nos alimentos independente dos estímulos
de cor. Aves de ambos os grupos inicialmente preferiam
alimento vermelho em vez de alaranjado. Embora todas as aves
fossem mantidas na mesma dieta por um período de sete meses,
aves selvagens obtiveram ingestões de açúcar mais altas
quando expostas a alimentos alternativos com recompensas de
Sylvia borin
açúcar diferentes cuja coloração mudava entre experimentos. A
maior ingestão de nutrientes ocorreu porque as aves selvagens
desvalorizaram as informações de cor de experimentos anteriores mais rapidamente. Esses experimentos
documentam assim que a experiência anterior tem efeitos duradouros sobre a escolha do alimento mesmo
em situações de forrageio simples onde os alimentos apenas variam na dimensão única do conteúdo de
açúcar. Os exemplos das abelhas (acima) e dos rouxinóis de jardim documentam que uma melhor
compreensão do aprendizado associativo é necessária para avaliar como os animais respondem a
estímulos visuais.
A seguir, eu examinarei dois modelos de evolução de sinal que permitem uma compreensão
melhor da diversidade marcante de sinais visuais que é inerente a quase todo sistema de comunicação
desde plantas com flores em um prado alpino à diversificação visual (e acústica) de animais epigâmicos
em uma comunidade de aves de uma floresta tropical. Fazer isso nos permite reunir o conceito
primariamente evolutivo da teoria dos sinais com a ecologia das espécies envolvidas.
1.6 Barganhas sensoriais e exploração sensorial
Uma excitante linha de pesquisa sugere que a diversidade de sinais pode, pelo menos
parcialmente, ser explicada por estratégias de sinalização distintas. Em geral, traços que transmitem
informações consistem em um componente de desenho (ou eficiência) e um de conteúdo. O componente
de desenho descreve os aspectos proximais, sensoriais, de um traço, discutidos acima, enquanto o
conteúdo de um traço descreve as informações (mensagem) que ele transmite (ou não). Portanto, os sinais
poderiam divergir para maximizar sua visibilidade (componente de desenho) ou sua confiabilidade
(componente de conteúdo). A modelagem da evolução de sinais em um jogo binário de remetente e
destinatário onde os sinais diferiam em eficácia e confiabilidade resultaram que – em teoria – essa troca
poderia explicar a diversidade de sinais porque o componente da eficácia irá variar de acordo com as
condições ambientais.
Estudando as características da plumagem em três espécies de aves, Andersson (2000) sugeriu
que essas trocas na realidade ocorrem na plumagem das aves. Há também evidências comprovadas em
outros sistemas sinalizadores. Sapos venenosos aparentados diferem em sua coloração de aviso.
Aumentar sua visibilidade ou sua toxicidade permite um afastamento equivalente pelos predadores,
sugerindo que essas estratégias alternativas de exibições de aviso podem explicar a diversidade da
coloração de aviso. Da mesma forma, as cores de frutos carnosos na floresta tropical venezuelana
divergiram ao longo da dicotomia de cores relacionadas a conteúdo ou a eficácia. A cor de fruto mais
contrastante (vermelho), não indicou os conteúdos da polpa do fruto, enquanto que a variação cromática
em outras cores de frutos indicou os conteúdos de açúcar, proteína e tanino dos frutos.
Uma barganha intrigante entre detectabilidade relativa e retornos nutricionais relativos também
ocorre em cores de frutos vermelhos e pretos. Ambas as cores são transmitidas por antocianinas como
pigmentos vegetais, e muitos frutos mudam a pigmentação de vermelho para preto durante o processo de
amadurecimento devido a uma mudança quantitativa nos conteúdos de antocianinas (por ex., amoras
silvestres). Durante o amadurecimento do fruto, o aparecimento de pigmentação vermelha está associado
com baixos conteúdos de antocianinas, enquanto que a pigmentação preta dos frutos maduros é
transmitida por acúmulo adicional de antocianinas. O amadurecimento dos frutos implica então em uma
mudança de um indício vermelho, cromático para um preto predominantemente acromático no fruto
maduro. Essa mudança é importante porque tem conseqüências dramáticas para a proporção sinal-ruído
dos frutos. Como explicado antes, o fundo de muitas cenas terrestres é altamente heterogêneo em brilho.
Contra esse fundo, é muito difícil detectar um alvo primariamente acromático, simplesmente porque ele
está escondido no meio do ruído do fundo.
Essas considerações teóricas predizem que os frutos maduros, que são feitos para serem ingeridos
por dispersores de sementes, são na verdade mais difíceis de detectar do que frutos pré-maduros. Na
verdade, corvos de peixe (Corvus ossifragus) detectaram os frutos vermelhos de uma distância maior
(60% de aumento) comparados com frutos pretos de tamanho semelhante. Dado que as aves preferem
fortemente se alimentar dos frutos mais maduros disponíveis, retardar a maturação dos frutos vermelhos
meio maduros poderia ser adaptativo para as plantas porque aumenta a detectabilidade da planta toda.
Essa é uma estratégia semelhante á retenção de flores polinizadas que aumentam a atratividade global da
planta para os polinizadores. A detectabilidade relativamente menor dos frutos maduros não é portanto
explicável por uma função comunicativa mas em vez disso pelas propriedades defensivas das
antocianinas nos frutos maduros.
Como podemos visualizar a estabilidade evolutiva dos sinais relacionados a eficácia que
fornecem poucas informações? Um modelo importante é o modelo de exploração sensorial que foi
desenvolvido no contexto de seleção sexual, mas que é igualmente aplicável a outros sistemas de
comunicação, tal como comunicação planta-animal. Esse modelo coloca i) que as preferências femininas
por traços são explicáveis porque certos traços são mais efetivos em estimular os sistemas sensoriais
femininos, e ii) que é mais provável a evolução de traços que correspondem a tendências pré-existentes
no sistema sensorial das fêmeas. A seleção natural sobre os sistemas sensoriais mantém inclinações
sensoriais. Por exemplo, quatro espécies de aves dispersoras de sementes e polinizadoras têm preferências
inerentes por frutos e flores contrastantes, respectivamente, mesmo se são apresentados aos animais a
uma curta distância. Entretanto, não é apenas a magnitude do contraste que influencia as decisões de
forrageio. Em uma série de experimentos elegantes, Lunau et al. (1996) demonstraram que a magnitude
dos contrastes explicava a aproximação inicial para flores artificiais (i.e., detecção), mas que a cor
verdadeira da flor influenciava a decisão de pousar ou não em uma determina flor (i.e., uma preferência).
As preferências por fontes de alimento contrastantes são provavelmente adaptativas para
polinizadores e dispersores de sementes porque frutos e flores diferem de seu fundo predominantemente
folhoso em cor, aroma e forma. Reagir a contrastes de cor portanto representa um mecanismo importante
para os animais localizarem e identificarem fontes alimentares. Porém, essas preferências por cores
contrastantes também podem ser exploradas pelos sinalizadores. Por exemplo, flores permanentemente
não-recompensadoras são geralmente altamente contrastantes e portanto atraentes para polinizadores. Na
realidade, as exibições florais de flores sem néctar são geralmente descritas como flamboyant, mas a
hipótese de que flores não-recompensadoras são caracterizadas por pigmentação mais contrastante do que
flores recompensadoras aparentemente não foi testada. Sendo assim, usando uma estratégia de sinalização
relacionada a eficácia pode ser evolutivamente estável porque explora inclinações inerentes do sistema
sensorial dos destinatários.
Os remetentes podem explorar as inclinações sensoriais de outros animais ou as tendências que
ocorrem quando a aferência sensorial é processada no cérebro de um animal. As últimas então são
tendências que surgem durante o processamento de informações. Há vários modelos relacionados sobre a
evolução de sinais que podem ser diferenciados de acordo com sua ênfase relativa sobre a exploração de
processos sensoriais vs. processos cerebrais superiores. Independente da origem de uma tendência, os
modelos sobre exploração de tendências pré-existentes permitem prever porque certos sinais evoluem se
incluem uma abordagem filogenética explícita. Podem assim prever a sequência de eventos na evolução
do sinal. Por exemplo, tendências para tamanho maior em machos são difundidas no reino animal,
potencialmente direcionando a evolução de ornamentos de maior tamanho. Um pré-requisito para o
modelo das tendências pré-existentes é portanto mostrar que a preferência por um traço é ancestral,
ocorrendo em espécies que não têm o traço, e que o traço é desenvolvido na direção prevista em espécies
relacionadas. Isso foi demonstrado em sistemas tão diversos como comunicação acústica em sapos e
inspeção visual de traços morfológicos em peixes cauda-de-espada e na ave Euplectes axiliaris. Portanto,
tendências pré-existentes são um mecanismo poderoso que pode explicar a evolução de sinais acústicos e
visuais.
1.7 Instigação sensorial
O modelo de instigação sensorial é um modelo ecológico para explicar a diversidade de sinais.
Esse modelo prevê que o sistema sensorial dos animais, seus sinais e seu comportamento de sinalização, e
a escolha do habitat foram todos acoplados ao longo do tempo evolutivo. Como diferenças ambientais
afetam a transmissão e percepção de sinais (o componente de eficiência), esse modelo prediz diferenças
geográficas na percepção de sinais e no comportamento de sinalização. Testes elegantes de como as
restrições sensoriais associadas com diferenças ambientais previsíveis direcionam a evolução de sinais, e
mesmo a especiação, são encontradas em ambientes aquáticos. Em cinco espécies de peixe dicromatas
intimamente relacionadas, a escolha do habitat implica em uma barganha inerente entre detecção de cor e
luminosidade que leva a diferenças na sintonia espectral desses peixes. A troca está associada com a
profundidade da água mas é direcionada primariamente por variação na cor e brilho do entorno. Espécies
que vivem em habitats com grande variação na luminosidade evoluíram sistemas sensoriais e sinais que
favorecem a detecção cromática.
O direcionamento sensorial pode resultar em forte seleção divergente. Por exemplo, nas espécies
ciclídeas do lago Vitória, a seleção divergente ao longo de um gradiente ambiental de claridade da água e
gradientes de luz mediados pela profundidade direcionam a evolução divergente do sistema visual (genes
das opsinas). No lago há pares de espécies ciclídeas relacionadas onde os machos diferem por ter uma
coloração nupcial vermelha ou azul. Embora esses peixes sejam geograficamente simpátricos, são melhor
encarados como parapátricos com faixas de profundidade contíguas no lago. A espécie vermelha sempre
ocorre em profundidade média maior. A seleção divergente sobre os sistemas visuais desses peixes
evidenciada por maior variação genética nos loci do gene da opsina comparados com aquela de loci
neutros está levando a especiação incipiente. Os regimes de seleção contrastantes levam a divergência na
coloração de reprodução do macho e preferências da fêmea nesse sistema, mas também em esgana-gatas.
Importantemente, várias populações de espécies ciclídeas ao longo do gradiente ambiental acentuado de
claridade ambiental são reprodutivamente isolados, mostrando que o direcionamento sensorial pode levar
a especiação mesmo na ausência de isolamento geográfico estrito.
Evidências para direcionamento sensorial também são encontradas em sistemas terrestres de
comunicação. Habitats mésicos e xéricos diferem na qualidade da luz ambiente porque diferem na
quantidade de luz filtrada pela vegetação. Populações alopátricas do lagarto Anolis de habitats mésicos e
xéricos diferem na coloração do papo, um sinal sexualmente selecionado, de modo que cada população
exibe uma cor que aumenta a detectabilidade em seu habitat específico. Diferenças ambientais na
visibilidade de um traço epigâmico poderiam da mesma forma explicar a introgressão unidirecional na
zona híbrida dos manaquins de colar dourado (Manacus vitellinus) e de colar branco (M. candei). O colar
de cada espécie é melhor detectado em áreas onde ambos são alopátricos, enquanto que na zona híbrida a
visibilidade do colar dourado excede aquela do colar branco. Esses resultados sugerem que mecanismos
sensoriais podem explicar a dispersão unidirecional da plumagem amarela através da zona híbrida bem
como lentificou o movimento além dela.
1.8 Influência ambiental sobre a comunicação
Os exemplos acima fornecem evidências poderosas de como diferenças ambientais podem
direcionar a percepção visual, evolução de sinais, e finalmente, a especiação. Fatores abióticos podem
acelerar a diferenciação da população e o direcionamento sensorial porque os pigmentos geralmente
desempenham papéis duplos na termorregulação e na comunicação. Traços visuais podem ser portanto
particularmente propensos a responder a diferenças ambientais, o que pode explicar parcialmente a
diversificação de traços visuais.
A determinação ambiental de traços de cor ocorre
em muitos sistemas de comunicação, por exemplo, traços
de plumagem de aves que estão envolvidos na escolha de
parceiros. Um grande experimento de criação cruzada
desacoplou os efeitos genéticos dos ambientais porque
alguns filhotes de chapim azul (Cyanistes caeruleus) de
cada família foram criados por seus pais e outros por pais
adotivos. A herdabilidade do capuz ultravioleta/azul
sexualmente selecionado da espécie e das penas do peito
amarelo, de base carotenóide foi baixa. Nenhum dos
traços indicava componentes de aptidão da prole. Esse é
Cyanistes caeruleus
um estudo importante para avaliar modelos alternativos
de seleção sexual porque mostra que fêmeas de chapim azul provavelmente não obtinham benefícios
indiretos (por meio de prole de alta qualidade) por escolher entre machos com base na coloração desses
traços de plumagem.
No modelo do bom gene, as fêmeas obtêm benefícios genéticos indiretos para sua prole
acasalando-se com o macho mais ornamentado porque os ornamentos podem ser desvantagens caras e
portanto indicam a qualidade genética de seu portador. O modelo do bom gene é geralmente comparado
com modelos sobre os benefícios diretos que as fêmeas podem adquirir acasalando-se com um parceiro
que investe mais em tarefas parentais. A baixa herdabilidade e a forte influência ambiental sobre os traços
da plumagem no chapim azul não sustentam modelos indiretos de seleção sexual. Portanto, esses estudos
levantam questões fundamentais sobre a confiabilidade da transferência de informações na comunicação
e, mais geralmente, sobre o uso comum de inferir padrões genéticos a partir de dados fenotípicos.
Irei examinar agora dois estudos de caso de interações planta-animal. Esses são informativos por
duas razões. O primeiro estudo mostra que a determinação ambiental de traços visuais não
necessariamente compromete sua confiabilidade. O segundo estudo resume porque a sabedoria livresca de
que as cores das flores são uma adaptação para comunicação com agentes bióticos de dispersão não
aprecia completamente as trajetórias evolutivas da comunicação.
A coloração das brácteas nas infrutescências do
sambuco preto (Sambucus nigra) é um bom exemplo de
um sistema de comunicação direcionado pelo ambiente.
Nas clareiras de floresta, os indivíduos têm brácteas
vermelhas, enquanto que as brácteas permanecem verdes
em indivíduos que crescem na sombra da floresta. A
coloração das brácteas é um traço fenotipicamente
plástico porque os indivíduos podem exibir ambos os
fenótipos de cor se recebem luz solar direta em apenas
um lado. A coloração vermelha geralmente se
desenvolve em tecidos vegetais como uma proteção
Sambucus nigra
contra o excesso de luz solar. Como os indivíduos nas
clareiras recebem mais luz, também produzem frutos
mais doces, criando uma ligação entre a coloração das
brácteas e a qualidade dos frutos. Nesse sistema de
comunicação, a qualidade do fruto é indicada
quantitativamente pelos contrastes de cor entre as
brácteas e o entorno; quanto maiores os contrastes, mais
doces os frutos. Sendo assim, pedicelos vermelhos
aumentam ao mesmo tempo a detectabilidade e a
confiabilidade da troca de informações no sambuco
preto. Os rouxinóis de cabeça preta atentam para a
coloração das brácteas quando consomem frutos e
preferem frutos de brácteas vermelhas. Ainda assim,
como a coloração das brácteas é um traço
Rouxinol de cabeça preta
ambientalmente determinado, deveria ser encarado
como um indício até que haja evidências de que a pressão seletiva das aves dispersoras de sementes
supera aquela da irradiação excessiva. Esse estudo mostra que o acoplamento ambiental do desenho de
um traço visual e do conteúdo que indica pode levar a transferência de informações confiável,
determinada pelo ambiente.
As diferenças nas cores das flores são
tradicionalmente interpretadas como uma adaptação
em direção à seleção divergente pelos polinizadores;
uma idéia que pode ser recuperada desde o final do
século 18. A diferenciação espacial na forma de cor
branca e azul de Linanthus parryae tornou-se um
sistema modelo na biologia evolutiva. O polimorfismo
de cor nessa espécie é causada por um único gene. O
único
polinizador,
um
besouro
melirídeo,
aparentemente não diferencia entre as formas de cor.
Aplicando seu modelo de isolamento por distância,
Linanthus parryae
Wright (1943) concluiu que a diferenciação espacial
em L. parryae foi causada por desvio aleatório.
Schemske e Bierzychudek (2007) estudaram diferenciação genética nessa espécie. Não descobriram
diferenciação em marcadores de alozimas em populações com cores florais distintas. Concluíram portanto
que a diferenciação espacial na cor das flores é explicável pela seleção natural, uma conclusão sustentada
porque cada forma se deu melhor em experimentos de transplante em seus habitats locais. Sendo assim, o
polimorfismo de cor nessa espécie é explicável pela pleiotropia, i.e., pelos efeitos múltiplos que um único
gene tem em fenótipos distintos (cor e desempenho local) e não por seleção divergente mediante a
comunicação com os polinizadores.
1.9 Conclusão
Ao longo do capítulo, enfatizei a necessidade de considerar os mecanismos funcionais que
fundamentam a comunicação visual para compreender as trajetórias evolutivas da comunicação visual.
Hoje em dia, os pesquisadores podem construir sobre um conhecimento em rápida expansão sobre os
processos sensoriais de recepção de sinais que formam a base para os modelos de exploração sensorial e
direcionamento sensorial. Ambos esses modelos sobre a evolução de sinais enfatizaram o papel das
inclinações sensoriais e levaram ao uso crescente da modelagem visual nos estudos evolutivos e
ecológicos. Incorporar o significado evolutivo de processos neuronais superiores nos modelos atuais
sobre evolução de sinais represente uma dos desafios atuais mais importantes para uma compreensão
funcional da comunicação. Outra fronteira atual é abordar como a influência ambiental geralmente
significativa sobre os traços visuais altera seu desenho e seu conteúdo informativo. Uma influência
ambiental substancial sobre a sinalização pode desestabilizar os sistemas de comunicação que transmitem
informações sobre a qualidade genética do sinalizador. Um bom exemplo desse sistema de comunicação é
fornecido pelo modelo de benefícios genéticos indiretos na teoria da seleção sexual que fundamenta o
paradigma do princípio da desvantagem. Em outros sistemas de comunicação, contudo, a ligação entre
traço visual fenotípico e qualidade fenotípica pode ser em grande parte direcionada pelo ambiente.
Estudos futuros são necessários para testar essa hipótese bem como avaliar até que ponto o princípio da
desvantagem explica a estabilidade evolutiva dos sistemas de comunicação.
Traduzido de: SCHAEFER, H. M. Visual comunication: evolution, ecology, and functional mechanisms.
In KAPPELER, P. Animal behaviour: evolution and mechanisms. Springer, 2010, pg. 3-28.
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