SILVANA BASTOS COGO APLICABILIDADE DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE: NOVO OLHAR ACERCA DA MORTE E DA RELAÇÃO COM A VIDA RIO GRANDE 2016 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE (FURG) ESCOLA DE ENFERMAGEM PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM DOUTORADO EM ENFERMAGEM APLICABILIDADE DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE: NOVO OLHAR ACERCA DA MORTE E DA RELAÇÃO COM A VIDA SILVANA BASTOS COGO Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em Enfermagem, da Escola de Enfermagem Universidade Federal do Rio Grande (FURG), como requisito para obtenção do título de Doutora em Enfermagem – Área de Concentração: Enfermagem e Saúde. Linha de Pesquisa: Ética, Educação e Saúde. Orientadora: Dra. Valéria Lerch Lunardi RIO GRANDE 2016 2 3 4 Aos meus filhos, Eduarda e Lucas, que transformaram as minhas angústias e preocupações em momentos leves e inspiradores para a construção do pensamento para a realização da tese. A eles, a força para persistir e acreditar que tudo é possível quando somos regados pelo verdadeiro amor. 5 AGRADECIMENTOS Enumerar os agradecimentos me parece muito complicado, considerando as inúmeras pessoas que contribuíram para que concluísse o doutorado. No entanto, primeiramente, gostaria de agradecer aos meus pais que me concederam a vida. Agradeço, sempre, terem me oportunizado estudar, me apoiarem em minhas escolhas, me incentivarem a acreditar que tudo é possível quando estamos dispostos a realizar o que desejamos. Agradeço ao exemplo e por serem atuantes e participativos em minha vida. Agradeço imensamente a minha orientadora, Dra Valéria Lerch Lunardi, que aceitou me orientar e incansavelmente dedicou sua atenção na construção da tese. Além de sempre me ajudar e tranquilizar diante das minhas angústias, inquietações e dúvidas, sempre com uma palavra de incentivo e motivação. As palavras não traduziriam a imensa gratidão pela confiança e disponibilidade que dispensou em me auxiliar na construção desse trabalho. Agradeço aos membros da banca que foram escolhidos pela sua competência, comprometimento e admiração por suas atuações profissionais. Agradeço as contribuições realizadas que indispensavelmente foram importantes para a efetivação deste trabalho. Ao meu esposo Gustavo, pela dedicação e empenho que incansavelmente me acompanhou, desde as longas viagens semanais, juntamente com nossa filha Eduarda, até as horas adicionais dedicadas ao cuidado dos nossos filhos. Obrigada por ser meu verdadeiro companheiro e por ser a pessoa que és. Aos meus filhos, que nasceram e cresceram com o doutorado, minhas maiores fontes de inspiração e força para seguir em frente. Aos meus irmãos. Juliano e Cristiano, agradeço o incentivo e cuidado. Ao meu sogro, Eduardo, e minha sogra Nanci, agradeço por me incentivarem e me auxiliarem com palavras de motivação, além do cuidado dispensado aos meus filhos. Aos meus colegas do doutorado, que me acolheram e sempre me ajudaram. À Universidade Federal de Rio Grande, pela oportunidade de ser aceita na instituição. A coordenação do PPGEnf/FURG, pela oportunidade da qualificação profissional. Aos professores do PPGEnf/FURG, por contribuírem e possibilitarem meu aperfeiçoamento profissional, a partir das suas contribuições e instigações. Aos participantes desta pesquisa, que concederam parte de suas experiências e do seu tempo para participar nessa tese. 6 À Universidade Federal de Santa Maria e aos meus colegas do Departamento de Ciências da Saúde do Centro de Educação Superior Norte do RS, Campus de Palmeira das Missões, por me conceder a oportunidade de afastamento à realização do doutoramento. Ao meu colega e amigo Marcio Rossato Badke, por compartilhar e vivenciar, desde a graduação, momentos de conquista, além de ser um grande ouvinte das angústias e preocupações. Agradecida por ser um amigo fiel. Agradeço imensamente a todos que embora não tenham sido citados contribuíram para a construção e efetivação desta tese. 7 O dia mais belo? hoje; A coisa mais fácil? errar; O maior obstáculo? o medo; O maior erro?; o abandono; A raiz de todos os males? o egoísmo; A distração mais bela? o trabalho; A pior derrota? o desânimo; Os melhores professores? as crianças; A primeira necessidade? comunicar-se; O que mais lhe faz feliz? ser útil aos demais; O maior mistério? a morte; O pior defeito? o mau humor; A pessoa mais perigosa? a mentirosa; O sentimento mais ruim? o rancor; O presente mais belo? o perdão; O mais imprescindível? o lar; A rota mais rápida? o caminho certo; A sensação mais agradável? a paz interior; A proteção efetiva? o sorriso; O melhor remédio? o otimismo; A maior satisfação? o dever cumprido; A força mais potente do mundo? a fé; As pessoas mais necessárias? os pais; A mais bela de todas as coisas? o amor... Madre Tereza de Calcutá 8 RESUMO COGO, Silvana Bastos.Aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade: novo olhar acerca da morte e da relação com a vida. 2016. 192f. Tese (Doutorado em Enfermagem) Escola de Enfermagem, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande. As diretivas antecipadas de vontade (DAV) constituem o direito do paciente deixar previamente manifestado os tratamentos a que deseja, ou não, ser submetido diante de sua incapacidade. Inseridas recentemente no cenário nacional, representam uma alternativa plausível de manutenção de autonomia do paciente, contribuindo na redução de conflitos éticos entre profissionais da saúde, familiares e pacientes sobre as decisões que envolvem tratamentos e cuidados em final de vida. Nessa perspectiva, partindo do pressuposto que autonomia do paciente é fator determinante na aplicabilidade das DAV, o referencial teórico que embasa esta tese foi ancorado em Beauchamp e Childress, considerando os conceitos utilizados na teoria principialista referentesà autonomia, beneficência e não-maleficência.O objetivo geral desse estudo foi: compreender como enfermeiros, médicos e familiares de doentes terminais entendem a aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade para as situações de terminalidade, defendendo-se como tese que a aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade no ambiente hospitalar requer o seu conhecimento e capacitação pelos enfermeiros, médicos e cuidadores familiares de doentes terminais, demonstrando o respeito à autonomia pessoal dos pacientes e familiares. O percurso metodológico adotado foi de uma pesquisa qualitativa, conduzida pela realização de entrevistas semiestruturadas com oito enfermeiros, sete médicos residentes e sete cuidadores familiares de doentes terminais, de um hospital universitário do sul do Brasil. Mediante a análise textual discursiva dos dados, emergiram sete categorias: conflitos na assistência ao doente terminal: implicações à prática das DAV; o respaldo dos familiares e dos profissionais mediando o respeito a autonomia do paciente: vantagens à aplicabilidade das DAV; dificuldades e limitações na implementação das DAV: desafios à prática hospitalar; o medo das DAV e o respeito a autonomia: desejos pessoais de cuidado dos profissionais remetidos a doença terminal; desejos dos cuidadores familiares diante da situação de terminalidade; responsabilidade da família no cuidado ao doente terminal; e o respeito a autonomia do doente terminal pelos familiares: o medo da verdade. Os achados permitiram constatar que a aplicabilidade das DAV está intimamente relacionada ao direito do indivíduo de que sua autonomia seja respeitada. O reconhecimento desse direito foi enfatizado constantemente, entretanto muitas nuances circulam em torno da possibilidade de que as DAV possam de fato garantir esse direito, além de que persistem medos e receios para que efetivamente as manifestações sobre os tratamentos a serem utilizados numa situação de incapacidade possam ser implementados. Neste contexto, os achados relacionados a aplicação das DAV suscitam a necessidade dessa temática ser frequentemente discutida no ambiente de assistência à saúde, enfocando o ser humano que se encontra em processo de morte, a fim de garantir o respeito à autonomia pessoal e à dignidade humana. Descritores: Diretivas antecipadas. Enfermagem. Bioética. Doente terminal. Autonomia Pessoal. 9 ABSTRACT COGO, Silvana Bastos. Applicability of advance directives of will: a new look about death and the relationship with life. 2016. 192 sheets. Thesis (Doctorate in Nursing) - School of Nursing, Nursing Postgraduation Program, Federal University of Rio Grande, Rio Grande. The advance directives of will (DAV) are entitled to leave the patient previously expressed the treatments he wants, or not, to be submitted before his failure. Recently entered the national scene, represent a plausible alternative for the patient's autonomy maintenance, contributing to the reduction of ethical conflicts between health professionals, family members and patients about decisions involving treatment and care at end of life. From this perspective, assuming that patient autonomy is a determining factor in the applicability of the DAV, the theoretical framework that supports this thesis was anchored in Beauchamp and Childress, considering the concepts used in principlism related to autonomy, beneficence and non-maleficence. The general objective of this study was: understanding how nurses, doctors and family members of terminally ill understand the applicability of early-willed policies to the terminal situations if defending a thesis that the applicability of the advance directives of will in the hospital environment requires their knowledge and training nurses, doctors and family members of terminally ill caregivers, demonstrating respect for personal autonomy of patients and families. The methodological approach adopted was a qualitative research, conducted by carrying out semi-structured interviews with eight nurses and seven medical residents seven family caregivers of terminally ill patients of a university hospital in southern Brazil. By discursive textual data analysis, seven categories emerged: conflicts in assisting the terminally ill: implications to the practice of DAV; the support of family and professional mediating respect for patient autonomy: advantages to the applicability of the DAV; difficulties and limitations in implementing the DAV: challenges to hospital practice; fear of DAV and respect the autonomy: personal desires of care professionals remitted to terminal illness; the wishes of family caregivers on the terminally ill; family responsibility in the care to the terminally ill; and respect to the autonomy of the terminally ill by family members: the fear of the truth. The findings allowed to verify the applicability of the DAV is closely related to the right of the individual that his autonomy to be respected. The recognition of this right was emphasized constantly; however many nuances circulate around the possibility that the DAV can actually guarantee this right, as well as persisting fears and regrets to effectively demonstrations on the treatments to be used on incapacity can be implemented. In this context, the findings related to the implementation of DAV raise the need for this theme often be discussed in the health care environment, focusing on the human being who is in the dying process, to ensure respect for personal autonomy and human dignity. Descriptors: Advance Directives; Nursing; Bioethics; Terminally Ill; Personal Autonomy. 10 RESUMEN COGO, Silvana Bastos. Aplicabilidad de las directivas anticipadas de voluntad: nueva mirada sobre la muerte y la relación con la vida. 2016. 192 hojas. Tesis (Doctorado en Enfermería) - Escuela de Enfermería, Programa de Postgrado en Enfermería de la Universidad Federal de Río Grande, Río Grande. Las directivas anticipadas de voluntad (DAV) tienen derecho a dejar al paciente previamente expresado los tratamientos que desea o no ser presentada antes de su incapacidad. Recientemente entró en la escena nacional, representan una alternativa plausible para el mantenimiento de la autonomía del paciente, lo que contribuye a la reducción de los conflictos éticos entre los profesionales de salud, familiares y pacientes sobre las decisiones que implican el tratamiento y la atención al final de la vida. Desde esta perspectiva, en el supuesto de que la autonomía del paciente es un factor determinante para la aplicabilidad de la DAV, el marco teórico que apoya esta tesis fue anclado en Beauchamp y Childress, teniendo en cuenta los conceptos utilizados en principialismo relacionados con la autonomía, beneficencia y no maleficencia. El objetivo de este estudio fue: para entender cómo los enfermeros, los médicos y los familiares de los enfermos terminales a entender la aplicabilidad de las políticas de principios de voluntad a las situaciones terminales, si la defensa de una tesis de que la aplicación de las directivas anticipadas de voluntad en el ambiente hospitalario requiere su de conocimiento y de formación enfermeras, médicos y miembros de la familia de los cuidadores con enfermedades terminales, el respeto que demuestra por la autonomía personal de los pacientes y las familias. El enfoque metodológico adoptado fue una investigación cualitativa, llevada a cabo mediante la realización de entrevistas semi-estructuradas con ocho enfermeras y siete médicos residentes siete cuidadores familiares de pacientes terminales de un hospital universitario en el sur de Brasil. Por el análisis de datos textual discursiva, siete categorías emergieron: conflictos en la asistencia a los enfermos terminales: implicaciones para la práctica de la DAV; El apoyo de la familia y el respeto de mediación profesional para la autonomía del paciente: ventajas la aplicabilidad de la DAV; dificultades y limitaciones en la aplicación del DAV: desafíos para la práctica hospitalaria; miedo de DAV y respetar la autonomía: deseos personales profesionales del cuidado remitidos a la enfermedad terminal; los deseos de los cuidadores familiares delante a los enfermos terminales; la responsabilidad de la familia en el cuidado de enfermos terminales; y respetar la autonomía de los enfermos terminales por miembros de la familia: el miedo a la verdad. Los resultados permitieron verificar que la aplicabilidad de la DAV está estrechamente relacionada con el derecho de la persona que se respete su autonomía. El reconocimiento de este derecho se enfatizó constantemente, sin embargo muchos matices circulan en torno a la posibilidad de que el DAV realmente puede garantizar este derecho, así como los temores y pesares persistentes de manera efectiva demostraciones sobre los tratamientos que se utilizan en la incapacidad puede implementar. En este contexto, los resultados relacionados con la aplicación de DAV plantean la necesidad de que este tema suele ser discutido en el entorno de la atención de la salud, centrada en el ser humano que está en el proceso de la muerte, para garantizar el respeto de la autonomía personal y la dignidad humana. Descriptores: Directivas Anticipadas; Enfermería; Bioética; Enfermos Terminales; Autonomía Personal. 11 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 12 1 INTRODUÇÃO 14 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1O SURGIMENTO DA BIOÉTICA 2.2A BIOÉTICA PRINCIPIALISTA 2.2.1 Autonomia 2.2.2 Não-maleficência 2.2.3 Beneficência 2.2.4 Justiça 19 19 22 23 26 31 34 3REVISÃO DE LITERATURA 3.1REVISANDO CONCEITOS 3.1.1 As Diretivas Antecipadas de Vontade / Testamento Vital no contexto mundial 3.1.2 Conceituando Diretivas Antecipadas de Vontade 3.1.3 Legislação do Conselho Federal de Medicina acerca das Diretivas Antecipadas de Vontade 3.1.4 Ortotanásia e as Diretivas Antecipadas de Vontade 3.2O RESGATE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA INTERNACIONAL E NACIONAL DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE 3.2.1 Estudantes e profissionais frente às Diretivas Antecipadas de Vontade 3.2.2 A enfermagem e as diretivas antecipadas de vontade 3.2.3 Receptividade dos pacientes às diretivas antecipadas de vontade 3.2.4 Questões familiares diante das diretivas antecipadas de vontade 36 36 36 4 PERCURSO METODOLÓGICO 4.1 DESENHO DO ESTUDO 4.2 O CENÁRIO DO ESTUDO 4.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA 4.4 COLETA DOS DADOS 4.5 ANÁLISE DOS DADOS 4.6 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS 66 66 66 68 70 71 74 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 5.1 ARTIGO 1 – Assistência ao doente terminal: vantagens na aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade no contexto hospitalar 5.2 ARTIGO 2 – Dificuldades e limitações na implementação das diretivas antecipadas: desafios à prática hospitalar 5.3 ARTIGO 3 – Diretivas antecipadas de vontade: desejos dos profissionais da saúde e cuidadores familiares quando remetidos a doença terminal 76 77 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS APÊNDICES ANEXOS 40 42 46 48 48 54 56 62 92 110 130 137 145 151 12 APRESENTAÇÃO A temática da tese ora apresentada adveio de inquietações oriundas da prática profissional, além dos resultados obtidos na dissertação de mestrado, concluída em 2008, que teve como propósito analisar as representações sociais de enfermeiros e médicos, atuantes em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), diante da prática da ortotanásia1 e como essas representações influenciavam a sua atuação profissional. A prática da ortotanásia havia sido aprovada, em 2006, por meio de uma Resolução2 do Conselho Federal de Medicina (CFM). Ao analisar as representações dos enfermeiros e dos médicos, foi possível perceber dificuldades relacionadas ao reconhecimento da iminência da morte e a possibilidade de vivenciar esse processo. A construção das representações estava relacionada à possibilidade de não realizar a reanimação cardiorrespiratória (RCR), como alternativa de exclusão de sofrimento dos doentes terminais. Contudo, muitas discussões apareciam interpostas, como a não participação da família nos processos decisórios, discordâncias entre as condutas dos médicos que repercutiam diretamente na assistência que a enfermagem prestaria ao paciente, anseios, dúvidas e medos quanto às punições legais frente a limitação de tratamento, e indefinições de sua aplicabilidade frente ao doente terminal (COGO, 2008). Ao ingressar no doutorado, optou-se por uma proposta aderente aos anseios da pesquisadora, e coerente ao desenvolvido nas pesquisas realizadas pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem e Saúde (NEPES) da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Assim desenvolveu-se uma pesquisa relacionada à aplicabilidade das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), que se trata do direito do paciente exercer sua autonomia, expondo a quais tratamentos gostaria, ou não, de se submeter, se algum dia estiver incapaz de manifestar sua vontade, seja por estar inconsciente ou em um estado terminal (BOMTEMPO, 2012).O assunto é recente no Brasil e propõe um novo olhar acerca da morte e sua relação com a vida, coadunando-se à prática da ortotánasia, além de ser uma temática que traz preocupações acrescidas à prática da enfermagem, considerando o cumprimento das vontades manifestas, além das dúvidas relacionadas às questões legais e ao amparo profissional. Assim, a estrutura da tese apresenta-se da seguinte maneira: introdução, referencial teórico, revisão de literatura, percurso metodológico, resultados e discussão e considerações finais, além das referências, apêndices e anexos. 1 A ortotanásia consiste em deixar o paciente morrer naturalmente, sem o uso de aparelhos que prolonguem a vida artificialmente e propiciem vida puramente vegetativa. Trata-se de não empregar os meios artificiais de prolongamento inútil da vida humana (NOGUEIRA, 1995). 2 Resolução nº 1805/2006, do CFM que regulamenta e autoriza a prática da ortotanásia (BRASIL, 2006). 13 Na Introdução, primeiro capítulo, apresenta-se a temática das DAV, a problematização da sua aplicabilidade, justificando sua abordagem nessa tese, além da descrição da questão de pesquisa, da tese proposta e dos objetivos do estudo. No segundo capítulo, segue o Referencial teórico fundamentada em Beauchamp e Childress, a partir da teoria principialista, explorando os conceitos de autonomia, beneficência e não maleficência que auxiliam na defesa da presente tese. No terceiro capítulo, a Revisão de literatura abrange as questões conceituais das DAV e o testamento vital (TV), sua inserção no contexto mundial as legislações existentes sobre a temática; além do resgate da produção científica internacional e nacional. No quarto capítulo, Percurso metodológico, descreve-se o desenho e o cenário do estudo, os participantes da pesquisa, como se procedeu na coleta e análise dos dados, além das especificações relacionadas às considerações éticas. No quinto capítulo, Resultados e discussão, constam três artigos oriundos dos resultados obtidos da tese: o primeiro, denominado “Assistência ao doente terminal: vantagens na aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade no contexto hospitalar” objetivou conhecer vantagens relacionadas à aplicabilidade das DAV no contexto hospitalar, na perspectiva de enfermeiros, médicos residentes e cuidadores familiares. O segundo artigo intitulado “Dificuldades e limitações na implementação das diretivas antecipadas: desafios à prática hospitalar” teve como objetivo conhecer dificuldades e limitações relacionadas à implementação das DAV no contexto hospitalar. O último artigo objetivou conhecer o entendimento de enfermeiros, médicos e cuidadores familiares quando remetidos à possibilidade de se tornarem doentes terminais sobre a aplicabilidade das DAV, intitulado “Diretivas antecipadas de vontade: desejos dos profissionais da saúde e cuidadores familiares quando remetidos a doença terminal”. O sexto capítulo, Considerações finais, apresenta-se a síntese dos resultados oriundos da pesquisa, associada à confirmação da tese proposta, bem como a demonstração da necessidade de ampliar estudos sobre a temática, encerrando a apresentação dessa pesquisa. 14 1 INTRODUÇÃO Os recursos tecnológicos avançam com desmedida velocidade e repercutem em diferentes setores da sociedade. Na área da saúde, pode-se dizer que os tratamentos disponíveis capazes de curar as diversas enfermidades elevaram a expectativa de vida, incidindo com o prolongamento do tempo de vida saudável das pessoas. Entretanto, também aumentaram a busca pelos serviços de saúde, a fim de obter a cura, mesmo quando as tecnologias disponíveis são ineficazes e as possibilidades curativas já não são mais possíveis. Desse modo, com a tecnologia disponível, a sensação de que realmente se está fazendo algo pode ser confundida, assim como há o risco de perder o bom senso perante um doente terminal, prolongando, assim, seu processo de morrer, em vez de lhe proporcionar mais vida (NEVES, 2013). Sem dúvida, a união da medicina com a tecnologia trouxe novidades em nível de opções pela qualidade de vida, mas também implicações éticas, uma vez que a mesma tecnologia que prolonga a vida de uma pessoa pode simplesmente prolongar o processo de morrer da outra (PESSINI, BARCHIFONTAINE, 2012). Na visão de Nunes (2012), a utilização excessiva de tecnologia sofisticada contribuiu decisivamente para a desumanização da prestação de cuidados de saúde, em virtude da utilização desproporcional de meios de tratamento em doentes terminais, ou seja, aquilo que se designa por obstinação terapêutica ou distanásia, uma prática difícil de ser alterada em virtude da disponibilização abusiva de novas tecnologias biomédicas. Complementa-se, ainda, o fato de que a cultura medicalizadora da vida impõe que se continue a adiar seu momento final (BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013). Entretanto, neste contexto, tem-se percebido uma preocupação, tanto por parte de profissionais da área da saúde, dos operadores do direito, quanto dos cidadãos, com a questão do morrer (MOREIRA, 2013). Ademais, no futuro, o aumento da amplitude das intervenções técnico-científicas sobre a vida humana e a doença será uma realidade, mas, ao mesmo tempo, os doentes e os profissionais de saúde estarão mais conscientes das necessidades de determinar quando e como essas intervenções são benéficas para as pessoas, considerando o direito à morte digna, bem como o respeito pela autonomia dos pacientes (NEVES, 2013). É nessa perspectiva que surgem as DAV3 que, conforme Nunes (2012) permitem uma 3 Será adotado o termo Diretivas Antecipadas de Vontade, considerando a nomenclatura estabelecida pela Resolução do CFM. No entanto, existem diferentes proliferações vocabulares tratadas como sinônimos, como por exemplo: manifestação explícita da própria vontade, testamento vital, testamentos em vida, biotestamento, testamento biológico, diretivas avançadas, vontades antecipadas, declaração prévia da vontade, entre outras. Ressalta-se que o termo Testamento Vital será citado, pois existem referências que o tratam como sinônimos. 15 pessoa, devidamente esclarecida, recusar determinado tipo de tratamento que no seu quadro de valores é inaceitável, ou seja, reforçam a possibilidade do exercício da sua liberdade de autodeterminação, possibilidade que a sociedade vem concedendo progressivamente aos cidadãos. Além disso, de acordo comPautex, Herrmann e Zulian (2008), as DAV ajudam os profissionais da saúde a entender os valores e desejos dos pacientes, mas, além disso, atuam como veículos para discussões aprofundadas e permanentes entre profissionais de saúde, pacientes e familiares. Assim, as DAV propõem um desafio de reconhecimento da autonomia dos pacientesnos processos decisórios dos tratamentos querepercutem diretamente nas relações entre médico e paciente, médico e família dopaciente, e médico com a equipe assistencial (ALVES; FERNANDES; GOLDIM, 2012). Face ao exposto e diante de um cenário de ausência normativa jurisprudencial, no Brasil, o CFM promulgou a Resolução n°1.995/2012 que dispõe, em três artigos, a possibilidade de aplicação das DAV. É certo que tal Resolução está longe de encerrar as várias polêmicas que permeiam esse assunto, relacionadas à sua aplicabilidade; à expectativa que a vontade das pessoas corresponda à decisão final; à inserção do profissional de saúde no processo das DAV e se esse pode ou tem capacidade para alterar a decisão do paciente, além de outras dúvidas. Contudo, há que se destacar que essa prática está vigente no Brasil e a preocupação com os procedimentos médicos a serem realizados no fim da vida ou em situações de estado terminal fez crescer a procura por testamentos vitais. Partindo do exposto, o aumento da expectativa de vida no Brasil e, consequentemente, da ocorrência de doenças incapacitantes e neurodegenerativas, além do maior acesso à informação, constituem razões significativas para o aumento do interesse pelas DAV. Assim, Cambricoli (2015) destaca que, segundo levantamento realizado pelo Colégio Notarial do Brasil – Secção São Paulo (CNB- SP), entre 2009 e 2014, o número de documentos do tipo de testamento vital registrados em cartório cresceu 2000%. O balanço indicou que em 2009 foram registrados 26 testamentos vitais; em 2011, foram 68; em 2012, o número subiu para 167; em 2013, foram 477 e em 2014 o número passou para 542. O Estado de São Paulo é o que registrou o maior número de documentos em 2014: 374, seguido de Mato Grosso (MG) com 86 e Rio Grande do Sul (RS) com 53. No cenário internacional, onde a prática das DAV é vigente há décadas, constatandose que, embora a temática ainda suscite certas dificuldades de aplicação, ela é bem aceita pela população, pacientes e profissionais da saúde (BARNES et al., 2007; PAUTEX; HERRMANN; ZULIAN, 2008; HU et al., 2010; VAN et al., 2010; WILSON; SEYMOUR; PERKINS, 2010; FRANCO; SILVA; SATURNO, 2011; EVANS et al., 2013; KEAM et al., 16 2013; CUCALÓN-ARENAL et al., 2013). Entretanto, algumas reservas devem ser feitas ao generalizar os resultados de países que autorizam a prática das DAV, porque diferenças na legislação e sistemas de cuidados de saúde, assim como diferenças culturais, podem ter grande influência sobre os processos de tomada de decisão (RONDEAU; SCHMIDT, 2009). No cenário brasileiro, as contribuições sobre as DAV, em geral, envolvem análises teóricas de natureza filosófica e jurídica (RIBEIRO, 2006; PENALVA, 2009; ALVES; FERNANDES; GOLDIM, 2012; BOMTEMPO, 2012; ALVES, 2013; BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013; DADALTO, 2013a; DADALTO, 2013b; ROCHA et al., 2013), com apenas uma pequena percentagem de artigos relatando resultados de pesquisas empíricas realizadas com seres humanos (PICCINI et al., 2011; STOLZ et al., 2011; CAMPOS et al., 2012; DADALTO; TUPINAMBÁS; GRECO, 2013; CASSOL; QUINTANA; VELHO, 2015; CHEHUEN NETO, et al., 2015; SILVA, et al., 2015), destacando-se que diversas pessoas, mesmo do meio científico, ainda não a conhecem. Para Xavier (2013), abordar essa temática importa tangenciar as mais delicadas crenças e convicções, uma vez que possibilita que as próprias pessoas realizem escolhas importantes acerca do rumo de suas vidas, ampliando-as ou as abreviando. Desse modo, embora se saiba sobre a realidade internacional que, há décadas, realiza discussões sobre a temática, diferentemente do Brasil, considera-se que é preciso entender como as DAV são percebidas por uma parcela da população para quem o tema ainda é recente e gerador de dúvidas, destacando-se a importância de novas investigações para explorar seu processo de aplicabilidade e aceitabilidade de planejamento. Assim, a fim de implementar uma prática de diretivas antecipadas com sucesso, supõe-se que seja preciso entender de forma abrangente atitudes em relação as DAV, além de construir uma estratégia adequada com base nesses resultados. Há que se destacar a relevância de explorar pontos de vista dos enfermeiros e médicos que atuam no contexto hospitalar, além dos familiares de doentes considerados terminais com relação ao planejamento da assistência, podendo ajudar os profissionais da saúde que atuam com doentes terminais no planejamento de cuidados ao fim da vida, bem como aos seus familiares que, por vezes, são os protagonistas nos processos decisórios em fim de vida. A abordagem em relação à declaração das DAV requer que sejam empreendidas novas ações que visem à proposta fundamental da própria declaração: a garantia de respeito à vontade do doente terminal (ROCHA et al., 2013). Partindo do pressuposto que a autonomia do paciente é fator determinante na aplicabilidade das DAV, o referencial teórico que embasa essa tese está ancorada nas ideias 17 de Beauchamp e Childress (2002), considerando os conceitos utilizados na teoria principialista referentesà autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça. Para esses autores, a autonomia requer mais que a obrigação de não intervenção em assuntos pessoais, porque inclui a obrigação de manter a capacidade de escolha autônoma em pessoas que estejam com receios e outras condições que debilitam ou interrompam a ação autônoma. Nessa perspectiva, acredita-se que desvelar o entendimento atribuído pelos profissionais da saúde às DAV, prioritariamente enfermeiros e médicos, auxiliará na assistência aos pacientes. A enfermagem, por atuar diretamente com o paciente, e por diversos momentos ser por eles solicitada, deverá ser conhecedora dessa opção das DAV e, além disso, assumir o papel de informar, respeitar, acompanhar e cuidar o doente terminal, não podendo ser alheia ao processo de planeamento, concepção e cumprimento das DAV (NEVES, 2013). Assim, parte-se do pressuposto de que os benefícios das diretivas antecipadas não são exclusividade do paciente, que terá sua vontade assegurada, mas também oferecem respaldo aos profissionais da saúde que disporão de uma maior segurança para agir, uma vez que amparados na vontade expressa do paciente. Destaca-se, também, a tão almejada resolução de problemas éticos e morais, perante os quais os profissionais da saúde são submetidos, quando os pacientes perdem sua capacidade autônoma (RAJÃO, 2013). Diante dos apontamentos elencados, com a finalidade de sensibilizar os profissionais da saúde sobre essa temática e contribuir para a reflexão sobre as questões éticas do final de vida, contribuindo com estudos sobre as DAV com evidências científicas na área da prática dos cuidados em saúde, justamente por ainda não se possuir regulamentação legal no Brasil, e pela carência de especificações detalhadas sobre sua aplicabilidade pelos profissionais da saúde e familiares de doentes terminais, delineou-se como questão de pesquisa: Qual o entendimento da aplicação das diretivas antecipadas de vontade para os enfermeiros, médicos e familiares de doentes terminais? Desse modo, considerando-se que as DAV auxiliam na manutenção da dignidade humana, da autonomia do paciente, na redução de conflitos éticos dos profissionais da saúde e familiares diante das situações de terminalidade, buscou-se defender e sustentar a seguinte tese: a aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade no ambiente hospitalar requer seu conhecimento pelos enfermeiros, médicos e familiares de doentes terminais, demonstrando o respeito à autonomia dos pacientes e familiares. Nessa perspectiva, por ser um tema recente no mundo e principalmente no Brasil e, portanto, possivelmente ainda pouco debatido, a fim de defender a referida tese, definiu-se o seguinte objetivo geral para essa pesquisa: compreender como enfermeiros, médicos e 18 familiares de doentes terminais entendem a aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade para as situações de terminalidade. A fim de complementar, os objetivos específicos dessa pesquisa incluem: Conhecer o entendimento de enfermeiros, médicos e cuidadores familiares quando remetidos à possibilidade de se tornarem doentes terminais sobre a aplicabilidade das Diretivas Antecipadas de Vontade. Conhecer vantagens, dificuldades e limitações elencadas pelos enfermeiros, médicos e cuidadores familiares relacionadas a aplicabilidade dasDiretivas Antecipadas de Vontade no contexto hospitalar. 19 2 REFERENCIAL TEÓRICO O referencial teórico da presente tese, apresentada neste capítulo, debruça-se nas ideias compartilhadas por Beauchamp e Childress, a partir da teoria principialista que aborda os conceitos da beneficência, não-maleficência, autonomia e justiça. Nesta tese, serão exploradas e direcionadas as discussões aos três primeiros conceitos, considerando serem os que melhor ilustram a aplicabilidade das DAV. Assim, inicialmente, será apresentada a contextualização histórica do surgimento da bioética e, logo após, a teoria principialista com seus conceitos. 2.1O SURGIMENTO DA BIOÉTICA A ética médica foi desenvolvida a partir dos trabalhos de Hipócrates e seus seguidores. A atitude do médico perante o paciente, desde então, baseava-se no modelo da beneficência, ou seja, a decisão tanto diagnóstica quanto terapêutica era médica, cabendo, ao paciente, somente cumprir as decisões. Assim, a autoridade médica, reforçada e legitimada pela conquista do monopólio profissional, se incorporou aos códigos de ética dos séculos passados, que tinham em comum a defesa do privilégio e da responsabilidade profissional na arte de curar. O modelo paternalístico concebia o médico como o maior responsável e como aquele que, de fato e de direito, decidia pelos pacientes, sendo esses considerados incapazes de participar das decisões (ALMEIDA, 1999). O primeiro movimento no sentido de validar a representação moral do paciente na participação das decisões médicas veio dos tribunais norte-americanos que reconheceram o direito da pessoa à autodeterminação. No ano de 1957, surgiu o termo "consentimento livre e esclarecido" que, no ambiente clínico, significou a passagem do modelo da beneficência para o modelo da autonomia por meio da informação e do consentimento esclarecido. O deslocamento do modelo médico paternalístico para a representação moral do paciente pode ser considerado o primeiro passo para o desenvolvimento da bioética (ALMEIDA, 1999). No final da década de 60 e da de 70, escândalos ocorridos no âmbito da assistência e da pesquisa biomédica repercutiram nos meios científicos e na mobilização da opinião pública que assumiu uma forte dimensão moral, exigindo regulamentação ética.Um dos primeiros dilemas, que impulsionou para um realinhamento de valores no mundo da medicina em 1962, refere-se ao acontecimento em torno da diálise em Seattle, ou seja, a escolha de pacientes que participariam do programa de hemodiálise (CALLAHAN, 2012). Em 1966, outra situação 20 escandalosa referente às implicações éticas oriundas da realização de pesquisas biomédicas, que aconteciam, quase que exclusivamente, com indivíduos vulneráveis como prisioneiros, doentes mentais, soldados ou minorias étnicas (ALMEIDA, 1999). Em 1972, se expuseram, publicamente, casos paradigmáticos à necessidade de impor limites à prática científica. Dentre esses, três, particularmente, marcaram a consciência pública sobre abusos cometidos pela comunidade científica: considerado uma das maiores vergonhas da medicina norte-americana, o "Estudo Tuskegee de Sífilis Não-Tratada em Homens Negros"; o segundo caso tinha por objetivo desenvolver uma vacina para a hepatite B e os médicos infectaram, propositadamente, com o vírus da hepatite B, cerca de 700 a 800 crianças mentalmente retardadas; no terceiro caso, pesquisadores injetaram células hepáticas cancerígenas em vinte e dois pacientes idosos e senis (REICH, 2012). Nesse contexto, formado pelos abusos da ciência e da despersonalização da assistência médica, terreno sobre o qual a desconfiança nas relações médico-paciente cresceu, surge a bioética que, de acordo com a origem grega, significa bios (vida) e ética (costumes e valores), proveniente de dois lugares: em Madison, Wisconsin e em Washington. Quem cunhou o neologismo "bioética" foi o médico oncologista Van Rensslaer Potter, da Universidade de Wisconsin, no livro Bioethics: bridge to the future, publicado em 1971; Andre Hellegers, na Universidade de Georgetown, foi quem primeiro o usou num contexto institucional, para designar a área de pesquisa ou campo de aprendizagem que hoje se celebra (REICH, 2012). A proposta de Potter era a de estabelecer uma “ponte” entre as ciências biológicas e os valores morais, em vista de fundar uma nova ética baseada no escopo da sobrevivência humana num ambiente saudável. Entretanto, alguns meses após Potter haver introduzido o novo termo, alguns estudiosos da Georgetown University, tendo o médico obstetra, fisiologista fetal e demógrafo André Hellegers à frente, utilizaram o mesmo neologismo, mas com um sentido diferente (REICH, 2012). A bioética, segundo o "modelo Georgetown", seria um campo interdisciplinar da própria filosofia moral (e não entre ciência e filosofia como era para Potter), que deveria tratar de dilemas biomédicos concretos, restritos a três áreas: "a) os direitos e deveres dos pacientes e dos profissionais de saúde; b) os direitos e deveres na pesquisa envolvendo seres humanos; e c) a formulação de umguideline para a política pública, o cuidado médico e a pesquisa biomédica" (REICH, 2012). Na Universidade de Georgetown, foi criado, em 1971, o Kennedy Institute for Study of Human Reproduction and Bioethics com o objetivo específico de introduzir eticistas em laboratórios e em áreas clínicas, onde decisões de vida e de morte seriam realizadas (REICH, 21 2012). A bioética, portanto, nasce de duas concepções, aparentemente inconciliáveis. De um lado, a concepção de Potter vinculando a duas formas de conhecimento, distintas desde o final do século XIX por Wilhelm Dilthey, como Ciências Naturais e Ciências do Espírito, fundando duas tradições disciplinares diferentes e legítimas, cada uma no seu campo de pertinência e de aplicação específico (CALLAHAN, 2012). Por outro lado, a concepção do Instituto Kennedy a considerava uma disciplina pertinente ao campo da filosofia aplicada aos dilemas biomédicos. Com o desenvolvimento da bioética, foi ficando cada vez mais patente a distinção de abordagem metodológica dessas duas visões. Enquanto Potter defendia o desenvolvimento de uma ética geral e normativa para a saúde global, com base nos métodos das ciências naturais, o Instituto Kennedy buscava inscrever a nova disciplina no campo da filosofia moral, sem recorrer às ferramentas científicas, mas sim a certos princípios da ética normativa aplicados aos emergentes problemas da biomedicina (ALMEIDA, 1999). Vagarosamente, os pesquisadores começaram a perceber e o público começou a exigir que os estudos deveriam ser conduzidos de tal forma que não levassem em conta somente o avanço científico, mas protegessem os direitos e o bem estar das pessoas. O congresso americano criou uma comissão nacional para proteção de questões humanas de pesquisa biomédica e comportamental, a fim de recomendar regras que guiariam os pesquisadores no estabelecimento de uma pesquisa ética. Tal comissão, que atuou de 1974 a 1978, procurou ajuda de uma variedade de especialistas de várias disciplinas, consultando a opinião pública em muitas questões (CALLAHAN, 2012). Desse modo, foi publicado o Relatório Belmont (Belmont Report), no qual a comissão propôs três princípios éticos globais que causaram grande impacto na comunidade médico-científica: o respeito pelas pessoas (autonomia), a beneficência e a justiça. O relatório inaugurou um novo estilo ético de abordagem metodológica dos problemas envolvidos na pesquisa em seres humanos (PESSINI, 2002). No entanto, o Relatório Belmont referia-se somente às questões éticas levantadas pela pesquisa em seres humanos, sem preocupação com o campo da prática clínica e assistencial. Assim, muitas das controvérsias da ética biomédica surgiram em torno de doentes terminais e de pacientes gravemente doentes, emergindo a necessidade de uma estrutura que orientasse as decisões a respeito dos procedimentos de suporte de vida e da assistência na morte. Em consequência, conforme Almeida (1999), veio a lume o livro de Tom Beauchamp e James Childress, Principles of Biomedical Ethics, publicado pela primeira vez em 1977. Trata-se do documento em bioética mais divulgado no mundo e, ainda hoje, referência central no debate bioético, em queos autores expõem uma teoria, fundamentada em quatro princípios 22 básicos - não maleficência, beneficência, respeito à autonomia e justiça. Pessini (2002) refere que Beauchamp e Childress retrabalharam os três princípios do Relatório Belmont em quatro, distinguindo beneficência de não-maleficência, por entenderem a ética biomédica como uma ética aplicada aos problemas da prática médico-assistencial. No início dos anos 80, o movimento da bioética já estava ganhando terreno firme. A bioéticaera uma criação do tempo. Foi concebida como uma resposta às novas tecnologias em medicina, mas gestada numa cultura sensível a determinadas dimensões éticas, de modo especial ao direito dos indivíduos e ao abuso de instituições poderosas. A assistência da saúde tornou-se uma instituição poderosíssima, com tecnologias igualmente poderosas. As necessidades e preferências dos pacientes deveriam ser defendidas vigorosamente. A primeira década da bioética como movimento e disciplina fez justamente isso (CALLAHAN, 2012). 2.2A BIOÉTICA PRINCIPIALISTA A abordagem bioética dos quatro princípios ou simplesmente principialismo, de Beauchamp e Childress, partiram do pressuposto de que o caminho para uma ética aplicada às decisões clínicas não poderia vir, por dedução, de teorias éticas nem ser inferida de situações clínicas particulares; deveria ser construída desde umamiddle level theory, representada porum conjunto de princípios éticosprima facie e que funcionasse como modelo a se adaptar às situações concretas (PESSINI, 2002). Desse modo, conforme o autor supracitado, a origem da reflexão acerca da ética principialista norte-americana estava na preocupação pública com o controle social da pesquisa em seres humanos. Os primeiros bioeticistas encontraram, nos princípios, meios acessíveis para a resolução dos conflitos éticos, ajudando a clarear questões extremamente difíceis e polêmicas trazidas pela tecnociência. Assim, o principialismo foi o porto seguro para os médicos durante o período de profundas mudanças na compreensão ética dos cuidados clínicos assistenciais nos EUA, e, consequentemente, levando ao fortalecimento do chamado principialismo, que, sem dúvida, teve grandes méritos e alcançou muito sucesso. Em grande parte, o que é a bioética nestes poucos anos de existência é principalmente resultado do trabalho de bioeticistas na perspectiva principialista (PESSINI, 2002). Na bioética, o principialismo norte-americano é, globalmente, uma das correntes mais difundidas, considerando o sucesso da proposta no que se refere a sua função prática na tomada rápida de decisões, que acompanha o fazer médico (CORREA, 2013). Os quatro princípios procuram subsidiar um ponto de partida para orientar as discussões éticas de como 23 elas podem ser melhor respeitadas em cada caso. Os princípios facilitam e ordenam a análise dos casos concretos e, a partir de então, se pode necessitar de outros valores para aprofundar a análise ética. Nesse sentido, na Bioética contemporânea, o principialismo apresenta um conjunto de postulados básicos que não podem ser ignorados, mesmo que não tenham, reconhecidamente, um caráter incondicional de princípios (PESSINI, 2002). O conjunto dos quatro princípios, devido a sua intensa utilização e grande aceitação, passou a ser chamado de Mantra do Instituto Kennedy de Ética. Partindo do pressuposto que o principialismo se baseia no uso dos princípios como modelo explicativo para encontrar soluções aos dilemas e problemas bioéticos inerentes à prática médica, optou-se por esse referencial teórico a fim de nortear e subsidiar as discussões propostas na presente tese. Considera-se a sua pertinência na contextualização das DAV, pois essas se respaldam, principalmente, na possibilidade que o indivíduo tem de escolher como viver os seus últimos dias como um tributo à sua vida pretérita e um ato ligado ao direito ao corpo e ao livre desenvolvimento da personalidade, a todos assegurado (FURTADO, 2013). Importante destacar que os quatro princípios não possuem um caráter absoluto, nem têm prioridade um sobre o outro, servem como regras gerais para orientar a tomada de decisão frente aos problemas éticos e para ordenar os argumentos nas discussões de casos (BEACHAMPS; CHILDRESS, 2002). 2.2.1 Autonomia As DAV consideram como prioritário o direito do paciente ter os seus desejos, quantos aos possíveis tratamentos a que quer ou não ser submetido diante de uma situação de incapacidade, a garantia que sua autonomia seja respeitada, considerando o registro prévio de suas vontades. Desse modo, embora se reconheça a relevância do principialismo às DAV, uma das principais motivações dos pacientes para completá-las se refere ao fato de assegurar sua autonomia (PAUTEX; HERRMANN; ZULIAN, 2008). Assim, as DAV situam-se no âmbito da autonomia do paciente, considerada neste cenário prima facie4. A palavra autonomia significa, para Beauchamp e Childress (2002, p. 137), o “autogoverno, direitos de liberdade, privacidade, escolha individual, liberdade da vontade, ser o motor do próprio comportamento e pertencer a si mesmo”. Para esses autores, as manifestações das decisões autônomas que antecedem períodos de incapacidade, devem ser 4 É a obrigação que deve ser cumprida a menos que entre em conflito, numa ocasião particular, com uma obrigação de importância equivalente ou maior (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). 24 consideradas válidas e obrigatórias após se tornar incapaz. Respeitar o paciente autônomo é, no mínimo, reconhecer seu direito de ter suas opiniões, fazer suas escolhas e agir com base em seus valores e crenças pessoais. No cenário brasileiro, a legislação, a partir do Código Civil (BRASIL, 2002), contempla o respeito à autonomia do paciente, conforme o Art. 13, “salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”. Além disso, o Ministério da Saúde (MS) editou a Portaria n. 675/GM (Gabinete do Ministro) de 30 de março de 2006 (BRASIL, 2006), aprovando a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, onde consta o direito à recusa de procedimentos diagnósticos, preventivos ou terapêuticos, e também de revogar ou retratar, a qualquer momento, as recusas anteriores, além do direito da indicação de um representante legal a quem confiará, no futuro, a tomada de decisões para a eventualidade de tornar-se incapaz de exercer sua autonomia. A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, em seu Art. 5º, expõe que “a autonomia das pessoas deve ser respeitada, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos que não são capazes de exercer autonomia”. Desse modo,as DAV são exatamente o exercício do direito fundamental à liberdade, uma vez que é um espaço que o indivíduo tem para tomar decisões pessoais, imunes a interferências externas, sejam elas dos médicos, da família ou de qualquer pessoa e/ou instituição que pretenda impor sua própria vontade (DADALTO, 2013a). No entanto, Beauchamp e Childress (2002) destacam que a ação autônoma não exige o entendimento pleno ou ausência de influência, pois em geral as decisões são influenciadas pelos desejos pessoais, pressões familiares, obrigações legais e pressões institucionais. A autonomia está relacionada à capacidade de aceitar racionalmente, identificar-se com ou de repudiar um desejo ou preferência a partir do entendimento da informação transmitida que possibilita fazer um julgamento, visando um resultado e comunicando livremente seu desejo. Por isso, a necessidade de atentar para a maneira como a informação é apresentada, o que pode manipular a percepção e a reação do paciente, repercutindo em uma base insatisfatória para sua tomada de decisões. Entretanto, existem situações que os pacientes rejeitam receber informações, delegando a decisão, por terem confiança irrestrita, aos médicos. É oportuno estimular que processem a informação de modo diferente, minimizando compreensões equivocadas, mesmo que, por vezes, apresentem uma base de conhecimento limitada e não entendam a informação 25 para avaliar sua relevância de modo suficiente para tomar decisões sobre cuidados médicos (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). É nesse momento que podem surgir os problemas de autonomia no contexto médico. Em razão da condição dependente do paciente e da posição de autoridade do profissional, na medicina, pode haver a intenção de usar a autoridade médica a fim de fomentar a dependência dos pacientes, em vez de promover sua autonomia. O cumprimento da obrigação de respeitar a autonomia, entretanto, requer habilitá-lo para superar seu senso de dependência e obter o maior controle possível ou o controle que deseje (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Desse modo, os autores supracitados expõem que a escolha prévia do paciente deve ser honrada, pois, de outro modo, os médicos lhe causariam injúria, contrapondo seu pedido ou teriam de enganá-lo, não lhe dizendo a verdade. Consequentemente, realizar algo contra a vontade expressa do paciente é uma violação de sua autonomia, um desrespeito e um insulto à pessoa, ou seja, significa tratá-lo como um meio, de acordo com os objetivos dos outros, sem preocupar-se com o que esse indivíduo almeja. Neste sentido, as intervenções contra as diretivas antecipadas infringem o princípio do respeito à autonomia, embora possam, em alguns casos, ser justificadas, pois pode haver problemas de interpretação e de determinação se o agente era capaz, quando formulou as DAV. No contexto das DAV, as crenças, as escolhas e os consentimentos das pessoas podem se modificar com o tempo, emergindo problemas morais e interpretativos, pois seria incoerente a imposição de uma vontade sobre outra ação determinada por uma diretiva antecipada. Desse modo, é preciso atentar para o julgamento da capacidade 5 do paciente, distinguindo as decisões autônomas que devem ser respeitadas daquelas decisões que precisam ser checadas e, talvez, suplantadas por um substituto (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Os decisores substitutos tomam as decisões por pacientes incapazes, não autônomos, a partir de três modelos: o julgamento substituto é o modelo de autonomia fraco, pois se exige que o decisor substituto “se ponha nas vestes mentais do incapaz”, sendo utilizado para pacientes que já foram capazes, crendo que a decisão seria a escolhida pelo paciente; o da pura autonomia que se aplica a pacientes que já foram autônomos e que expressaram suas 5 A palavra capacidade relaciona-se à habilidade de realizar uma tarefa e os critérios das capacidades particulares variam de contexto para contexto, pois se referem a tarefas específicas, como por exemplo a capacidade para decidir sobre um tratamento. Quando, a princípio, se revela muito difícil determinar o grau de capacidade, é conveniente avaliar o entendimento do paciente, sua habilidade deliberativa e sua coerência ao longo do tempo, fornecendo, concomitantemente, aconselhamento, apoio e informação. Embora as propriedades mais cruciais para a determinação da capacidade sejam controversas, no contexto biomédico, uma pessoa geralmente é considerada capaz caso esteja apta a compreender uma terapia ou um procedimento, a deliberar acercade riscos e benefícios importantes e a tomar uma decisão à luz dessa deliberação (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). 26 decisões ou preferências pessoais para a tomada de decisões; e o dos melhores interesses do paciente em que o decisor deve determinar o maior benefício entre as opções possíveis, atribuindo diferentes pesos aos interesses que o paciente tem em cada opção e subtraindo os riscos e os custos inerentes a cada uma (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Nesse contexto, é importante que os substitutos respeitem os julgamentos autônomos prévios do paciente ou que ajam de forma responsável como decisores, pois é difícil encontrar pessoas apropriadas que desejem assumir a tarefa de tutelar para pessoas incapazes, e as famílias, algumas vezes, tomam decisões que entram em choque com os desejos do paciente. Nesse sentido, Beauchamp e Childress (2002) expõem que os pacientes anteriormente capazes, que tenham expressado autonomamente suas preferências na forma de uma DAV, devem ser tratados segundo o modelo da pura autonomia. O paciente conquistou o poder de tomar decisões sobre sua saúde e sua vida; de sujeito passivo passou a titular do direito. O profissional de saúde, de sujeito ativo, passou a titular de uma obrigação. Antes soberano para tomar decisões, passou a conselheiro, num diálogo franco com o paciente, titular do direito de tomá-las mediante esclarecimento que lhe é devido pelo profissional (RIBEIRO, 2006). O princípio de respeito à autonomia tornou-se, nestas últimas décadas, uma das principais ferramentas conceituais da ética aplicada, sendo utilizado em contraposição ao assim chamado paternalismo médico. No conjunto dos princípios bioéticosprima facie, (isto é, que admitem exceções de acordo com as circunstâncias específicas), o de respeito à autonomia tem relevância no campo biomédico. Em sociedades democráticas e pluralistas, ninguém teria o direito de impor aos outros seus estilos de vida e suas concepções sobre bem e mal. Aplicado à prática médica, o princípio de respeito à autonomia vem trazendo dilemas éticos à prática médica paternalista. Com efeito, os pacientes, amparados por normas e legislações que buscam garantir o direito à autodeterminação, aceitam cada vez menos passivamente ordens médicas relacionadas à sua saúde. Nesse sentido, os princípios de respeito à autonomia e do consentimento livre e esclarecido são os princípios centrais na análise das mudanças da prática médica contemporânea (ALMEIDA, 1999). 2.2.2 Não-maleficência No contexto do paradigma principialista, o princípio que respalda a prática das DAV é a não-maleficência que determina a obrigação de não prejudicar e de não impor riscos ou dano intencionalmente. Assim, são sancionados os julgamentos sobre a qualidade de vida, ou seja, que se permite, em determinadas condições, que os pacientes, os decisores e os 27 profissionais de saúde estabeleçam distinções entre a abstenção e a interrupção dos tratamentos, após ponderaem os custos e os benefícios (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Os profissionais e membros da família julgam que as decisões de interromper tratamentos são mais importantes e mais graves que as decisões de não iniciá-los. A ideia é que essas ações os tornam responsáveis e culpáveis pela morte do paciente, enquanto não são responsáveis se não derem início ao tratamento. Entretanto, os pacientes e os substitutos, muitas vezes, ficam menos estressados e sentem-se com mais controle se uma decisão pelo tratamento puder ser revertida ou modificada depois que houver sido iniciada (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). A distinção entre a abstenção e a interrupção de um tratamento é moralmente insustentável, pois as duas opções podem causar a morte de um paciente, e ambas podem ser exemplos da ação de deixar morrer; contudo, interromper um tratamento particular, incluindo o de suporte de vida, não envolve necessariamente o abandono do paciente. A interrupção pode seguir diretrizes do paciente e ser acompanhada e seguida por outras formas de cuidado (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). As decisões sobre os tratamentos devem se basear em considerações a respeito dos direitos e do bem-estar do paciente, e, portanto, dos custos e benefícios do tratamento, conforme julgados pelo paciente ou por um substituto. No contexto da não-maleficência, a limitação de um suporte de vida, especificamente a recusa à RCR, Beauchamp e Childress (2002) destacam que essa decisão é, muitas vezes, independente de outras políticas sobre tecnologias de suporte de vida, como respiradores, pois os profissionais consideram que não fornecer RCR significa abster-se de oferecer tratamento, e não de interrompê-lo, sendo considerada apropriada aos doentes terminais, de perda irreversível de consciência e de probabilidade de parada cardíaca ou respiratória que não possa ser tratada. As decisões acerca de fornecer ou não RCR são problemáticas quando realizadas sem consulta prévia aos pacientes ou a suas famílias. Nesse sentido, não é justificável considerar as decisões sobre RCR como diferentes das decisões sobre outras tecnologias de suporte de vida como, por exemplo, à nutrição e hidratação artificial. Para Beauchamp e Childress (2002), a nutrição e a hidratação artificiais podem ser repudiadas como outras tecnologias de suporte de vida, considerando que não se verifica uma razão para crer que sejam sempre uma parte essencial dos cuidados paliativos6 ou que sempre constituam, necessariamente, um tratamento médico benéfico. A nutrição e a hidratação 6 Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2002, p.03), os cuidados paliativos compreendem uma abordagem que aprimora a qualidade de vida, dos pacientes e famílias que enfrentam problemas associados com doenças ameaçadoras de vida, através da prevenção e alívio do sofrimento, por meio da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual. 28 remetem ao significado simbólico; ou seja, os profissionais da saúde geralmente consideram devastador deixar alguém sem alimentação, pois o fornecimento de alimentos e de água simboliza a essência do cuidado e da compaixão. Entretanto, evidências indicam que pacientes aos quais se permite morrer sem hidratação artificial morrem mais confortavelmente que pacientes que receberam hidratação artificial; as desvantagens superam as vantagens, e ninguém pode privá-los do direito de recusar esse tratamento. Desse modo, os tratamentos de suporte de vida podem ser benéficos ou maléficos para os pacientes, sendo preciso tratá-los individualmente. De acordo com Beauchamp e Childress (2002), os excessos devem ser determinados pela probabilidade dos benefícios em comparação com as prováveis desvantagens. Se não houver uma esperança razoável de benefício, então, todo custo, dor ou outra inconveniência serão excessivos, sendo, algumas vezes, obrigatório não tratar. Se houver uma esperança razoável de benefício, juntamente com desvantagens consideráveis, o tratamento é opcional. Pacientes capazes tem o direito de tomar decisões sobre os tratamentos, e, para pacientes incapazes, o tratamento não é obrigatório caso existam muitas desvantagens. A distinção se reduz ao balanço dos custos e benefícios, e se fornecem uma boa orientação moral para as decisões por tratamento ou pelo não-tratamento. Considerando o argumento dos tratamentos de suporte de vida, e os entraves que circundam essas delimitações, Beauchamp e Childress (2002) propõem uma distinção sobre os tratamentos obrigatórios e os opcionais, levando em conta as categorias: I. obrigatório tratar; II. Opcional tratar e III. Obrigatório não tratar. Nesse sentido, em determinadas circunstâncias, fornecer o tratamento é as vezes desumano e cruel, e, portanto, uma violação do princípio da não-maleficência. Várias condições justificam a omissão dos tratamentos, considerando que um tratamento não é obrigatório quando não oferece benefício ao paciente, por ser inútil ou despropositado. Nessa perspectiva, qualificar um tratamento como fútil implica determinar que sua eficácia é altamente improvável e praticamente certo que o resultado será insatisfatório; com o tratamento mais penoso que benéfico e quando se trata de um caso completamente especulativo, porque o tratamento nunca foi tentado. Na prática, é difícil se definir critérios para a determinação da futilidade; com frequência, há divergências na comunidade médica; além disso, podem surgir conflitos a partir da crença familiar de um milagre, da insistência de uma tradição religiosa em fazer de tudo o que é possível (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Há que se destacar que, por vezes, o fato de um tratamento ser fútil modifica o relacionamento moral do médico com o paciente ou com seus responsáveis. A conclusão é 29 que um tratamento despropositado ou fútil, no sentido que não tem chance de ser eficaz, pode ser moralmente opcional; porém, outros tratamentos supostamente fúteis muitas vezes não são opcionais. Para Beauchamp e Childress (2002), mesmo se o paciente não estiver em estado terminal, o tratamento de suporte de vida não é obrigatório, caso as desvantagens excedam os seus benefícios. O tratamento médico para pessoas que não são terminais é às vezes opcional, embora possa prolongar a vida por um período de tempo indefinido, ainda que o paciente seja incapaz e não tenha deixado nenhuma diretiva antecipada. Poucas decisões são mais importantes do que as de recusar ou de interromper um procedimento médico que sustenta a vida de um paciente. Em alguns casos, porém, é injustificado que os responsáveis ou os clínicos resolvam iniciar ou dar continuidade à terapia sabendo que ela irá produzir uma proporção maior de dor e de sofrimento para um paciente incapaz. Entretanto, é praticamente impossível determinar o que será benéfico para o paciente sem pressupor algum modelo de qualidade de vida e a noção da vida que irá viver após uma intervenção médica. Além disso, a qualidade de vida do paciente não pode ser confundida com os significados dos valores da vida para outros, e os responsáveis por pacientes incapazes não devem recusar um tratamento contra os interesses destes para poupar fardos às famílias ou custos à sociedade. Os melhores interesses médicos do paciente incapaz em geral devem ser o critério decisivo para a decisão de um tutor, mesmo que esses interesses entrem em choque com os interesses da família (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). No princípio de não-maleficência, embora as DAV estejam fundamentadas mais na autonomia, é difícil especificar decisões ou parâmetros que antecipem adequadamente toda a gama de situações médicas que possam ocorrer, o que enfatiza a tendência da designação de decisores substitutos (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). As DAV protegem os interesses de autonomia e podem reduzir o estresse das famílias e dos profissionais de saúde que temem tomar a decisão errada, mas também geram problemas práticos morais. Por exemplo, poucas pessoas redigem um documento ou deixam instruções explícitas, além de que o responsável designado pode não estar disponível quando necessário, ou pode ser ou estar incapaz de tomar boas decisões para o paciente ou pode ter um conflito de interesses, por exemplo, em virtude da perspectiva do recebimento de uma herança ou do ganho de uma posição melhor nos negócios da família. Ainda, os pacientes podem modificar suas preferências acerca de tratamentos, sem modificar a tempo suas instruções, e alguns, ao se tornarem legalmente incapazes, protestam contra as decisões do responsável designado (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). 30 Os responsáveis legais também tomam decisões das quais os médicos discordam radicalmente, e, em alguns casos, pedem aos médicos que ajam contra suas consciências. Alguns pacientes não possuem a compreensão adequada do conjunto de decisões que um profissional ou um responsável podem ter de tomar, e, mesmo com uma compreensão adequada, com frequência, é difícil antever situações clínicas e possíveis experiências futuras. Desse modo, as dificuldades quanto às DAV podem ser contornadas com documentos cuidadosamente redigidos, com um aconselhamento apropriado e com explicações especializadas sobre as possibilidades médicas e as opções de tratamento; no entanto, alguns problemas de interpretação permanecerão, a despeito do maior envolvimento dos médicos e das ferramentas de educação utilizadas. Com certeza, as DAV constituem uma forma promissora para que as pessoas capazes exerçam sua autonomia; os problemas são principalmente práticos, e alguns deles podem ser superados pelo emprego de métodos adequados de implementação (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Neste contexto, quando o paciente incapaz não deixou as DAV, Beauchamp e Childress (2002) referem que o papel da família deve ser presumido como o primário em razão da sua provável identificação com os interesses do paciente, do conhecimento de seus desejos, da preocupação com ele e do papel tradicional da família na sociedade. Entretanto, pode acontecer o contrário, ou seja, familiares com conflito de interesse - tanto no bem-estar como na morte do parente -, mal informados ou serem distantes pessoalmente. Por vezes, ainda, os familiares renunciam ao papel de responsáveis. Assim, a autoridade da família não é final ou máxima, e os médicos se sentem obrigados a rejeitar a decisão da família, a tomar a decisão ou a requerer que ela seja revisada por um comitê de ética. Partindo do exposto, de acordo com Beauchamp e Childress (2002), os profissionais de saúde podem auxiliar os familiares a se tornarem bons decisores, protegendo os interesses e as preferências do paciente, monitorando a qualidade das decisões dos responsáveis. Contudo, se a decisão dos responsáveis é contestada e as divergências não podem ser resolvidas, os comitês institucionais de ética podem atuar como um mecanismo que auxilia na tomada de decisão, possuindo a função de criar e recomendar políticas explícitas para o gerenciamento de ações como a omissão e a suspensão de tratamentos, além da atuação com funções educacionais. Contudo, há o argumento de que os comitês são desnecessários no processo de decisão, pois impõem uma outra etapa de atraso burocrático, caso não sejam convocados em tempo hábil, e, as vezes, são manipulados por grupos poderosos. 31 2.2.3 Beneficência De acordo com o princípio da beneficência, a moralidade requer que, além de tratar as pessoas como autônomas, abstendo-se de prejudicá-las, contribua no sentido de proporcionarlhes o bem-estar, o que potencialmente exige mais que o princípio da não-maleficência, pois os agentes tem de tomar atitudes positivas para ajudar os outros, e não meramente se abster de realizar atos nocivos. Nesse sentido, a palavra beneficência significa atos de compaixão, bondade e caridade, referindo-se a uma ação realizada em benefício de outros, ou seja, a possibilidade da promoção do bem-estar dos pacientes e não meramente evitar danos (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Para Beauchamp e Childress (2002), as obrigações de conceder benefícios, de prevenir e reparar danos e de pesar e ponderar os possíveis benefícios contra os custos e os danos causados por uma ação são centrais na ética biomédica. Entretanto, muitas regras de beneficência obrigatória constituem uma parte importante da moralidade, que incluem: proteger e defender os direitos dos outros; evitar que outros sofram danos; eliminar as condições que causarão danos a outros; ajudar pessoas inaptas; e socorrer pessoas em perigo. As regras de não-maleficência incluem as proibições negativas de ações, que devem ser obedecidas de modo imparcial e que servem de base a proibições legais de certas formas de conduta. Em contraposição, as regras da beneficência apresentam exigências positivas de ação, sendo que nem sempre precisam ser obedecidas de modo imparcial e raramente – ou nunca – servem de base a punições legais contra quem deixa de aderir a elas. Deixar de agir de modo não-maleficente para com alguém é (prima facie) imoral, mas deixar de agir de modo beneficente para com alguém com frequência não é imoral. Beauchamp e Childress (2002) adotam distinções entre a beneficência específica e a beneficência geral; na primeira, há a obrigação de ajudar, direcionando-se a indivíduos ou grupos específicos, tais como as crianças, os amigos e os pacientes, enquanto a beneficência geral ultrapassa os relacionamentos especiais, direcionando-se a todas as pessoas. Contudo, quando o paciente contrata um médico para a prestação de serviços, o profissional assume uma obrigação de fornecer um tratamento benéfico, referente a uma função ou um papel específico, que não estaria presente caso essa relação não houvesse sido estabelecida. No contexto das DAV, há que se destacar a possibilidade de que o paternalismo permeie as questões relacionadas a sua aplicabilidade. Conforme Beauchamp e Childress (2002), no paternalismo, há conflitos entre a beneficência e autonomia, considerando que a principal obrigação do médico é a de agir em benefício do paciente, e não a de promover a 32 decisão autônoma. Contudo, os direitos de autonomia tornaram-se tão influentes que é difícil encontrar defesas claras dos modelos tradicionais da beneficência médica. Se o conteúdo da obrigação do médico de ser beneficente é definido pelas preferências do paciente, então em vez da beneficência, triunfa o respeito à autonomia. Desse modo, essa posição traduz que a beneficência fornece a meta e o fundamento primordiais da medicina e da assistência, enquanto o respeito à autonomia estabelece os limites morais das ações dos profissionais. Para Beauchamp e Childress (2002), o paternalismo estabelece um limite à escolha autônoma, por meio da interferência ou da recusa em aceitar as preferências da pessoa acerca do seu próprio bem e geralmente envolvem coerção, por um lado, ou mentiras, manipulação ou ocultação de informações, por outro, com o propósito de evitar danos ou de beneficiá-la. Devido aos médicos acreditarem que revelar certos tipos de informação e dizer a verdade causariam danos aos pacientes que estão sob seus cuidados, é que a ética médica os obriga a não causar esse dano. Nesse sentido, para o bem do paciente, algumas informações devem ser omitidas ou devem ser reveladas apenas à família, pois podem comprometer o julgamento clínico e representar uma ameaça à saúde do paciente. Desse modo, conforme Beauchamp e Childress (2002), se uma intervenção paternalista não viola a autonomia por não haver uma autonomia substancial, é mais fácil justificar a intervenção do que no caso de uma preferência ou ação comparável que seja autônoma. Assim, certas ações autônomas, assim como as não-autônomas, são as vezes justificavelmente restringidas com base na beneficência. Partindo desse pressuposto, Beauchamp e Childress (2002) mencionam que há o paternalismo fraco e o paternalismo forte, ambos com objetivo de beneficência ou nãomaleficência. No primeiro, o agente intervém para prevenir uma conduta substancialmente não-voluntária e exige que as habilidades do indivíduo estejam de alguma forma comprometidas. O paternalismo forte, em contraposição, envolve intervenções a despeito do fato de que as escolhas arriscadas da pessoa sejam informadas, voluntárias e autônomas, ou seja, há recusa a aceitar os desejos, as escolhas e as ações autônomas de uma pessoa. Com base no exposto, o antipaternalismo acredita que uma intervenção do tipo paternalista forte não pode ser justificada, pois viola os direitos individuais e restringe indevidamente a livre escolha, revelando um desrespeito para com os agentes autônomos, por não tratá-los como moralmente aptos, mas como algo menos que determinadores independentes de seu próprio bem. Os antipaternalistas argumentam, também, que os padrões paternalistas são muito amplos; portanto, se usados como política básica autorizam e institucionalizam demasiadas intervenções. 33 Para Beauchamp e Childress (2002), na fundamentação do paternalismo, o melhor é não introduzir as explicaçõesbaseadas na autonomia. A beneficência justifica ações paternalistas, considerando que o benefício está numa escala com interesses de autonomia, na qual ambos devem ser ponderados: à medida que aumentarem os interesses na autonomia e diminuírem os benefícios para a pessoa, assim o paternalismo torna-se menos provável; inversamente, à medida que aumentam os benefícios para a pessoa e diminuem os interesses na autonomia, aumenta a plausibilidade de que se justifique um ato de paternalismo. Portanto, prevenir danos menores ou proporcionar benefícios menores e, ao mesmo tempo, desrespeitar seriamente a autonomia não possui justificação plausível; por outro lado, prevenir danos importantes e proporcionar benefícios importantes desrespeitando apenas um pouco a autonomia tem um embasamentopaternalista altamente plausível. As ações menores do tipo paternalista forte são comuns em hospitais. Se não houver uma alternativa razoável ou, por exemplo, se doentes terminais forem poupados de sofrimentos totalmente inúteis, tais ações são casos de paternalismo forte justificado; comumente, elas só são apropriadas e justificadas na assistência à saúde, caso as condições restritivas sejam satisfeitas, ou seja, se o paciente está exposto a um dano significativo e evitável; se a ação paternalista provavelmente for evitar o dano; se os benefícios esperados da ação paternalista suplantarem os riscos para o paciente; e se a alternativa adotada, que assegure os benefícios e reduza os riscos, for a que menos restrinja a autonomia (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Há que se destacar, contudo, que sua interpretação e seus limites necessitam de uma análise mais extensa; além disso, outra condição necessita ser considerada nesse contexto, ou seja, que a ação paternalista não se restrinja substancialmente à autonomia. Essa condição só poderia ser satisfeita se não estiverem em jogo interesses de autonomia vitais ou substanciais. Contudo, alguns raros casos de paternalismo forte justificado cruzam essa linha da violação mínima. Em geral, à medida que aumenta a ameaça ao bem-estar de um paciente ou a probabilidade de ocorrer um dano irreversível, aumenta também a probabilidade de se justificar uma ação paternalista. Uma intervenção paternalista exige pessoas com um bom julgamento, bem como pessoas com princípios bem desenvolvidos, capazes de enfrentar conflitos contingentes (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Os debates sobre o paternalismo enfocam, tipicamente, as intervenções paternalistas ativas em casos que os pacientes preferem a não-intervenção. Uma forma também negligenciada de paternalismo aparece na recusa, por parte do profissional, em cumprir as preferências do paciente por razões paternalistas – um paternalismo passivo. Essas ações 34 comumente são justificadas com mais facilidade que as ações de paternalismo ativo, pois os médicos em geral não tem a obrigação moral de satisfazer os desejos do paciente quando são incompatíveis com os padrões aceitos da prática médica ou quando contrários a sua consciência. O paternalismo passivo se insere nas discussões sobre a futilidade médica, ou seja, se o suporte vital é fútil, então é permitido negar as solicitações de tratamento. Desse modo, uma alegação justificada de que um procedimento médico é fútil retira-o do conjunto de atos benéficos que os pacientes ou seus responsáveis podem escolher. A alegação geralmente não é de que uma determinada intervenção irá causar dano ao paciente, mas apenas que não produzirá o benefício esperado. A obrigação de proporcionar um benefício é de fato cancelada por uma alegação justificada de futilidade (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Para Beauchamp e Childress (2002), é apropriado pedir a especificação dos objetivos em relação aos quais se diz que o procedimento é fútil. Uma inquirição pode revelar que o benefício que o médico duvida que seja obtido pode não ser o mesmo benefício visado pelo paciente. Com frequência, se assume, por exemplo, que o objetivo legítimo da RCR é que o sobrevivente seja liberado do hospital; a RCR é considerada fútil para pacientes nas categorias que estatisticamente não sobrevivem para receber alta. Contudo, uma sobrevivência curta pode ser o principal objetivo para o paciente ou para a família. Além disso, alguns atos como o fornecimento de nutrição e hidratação artificiais podem ter um significado simbólico ao expressar preocupações de cuidado, ainda que não tragam nenhum outro benefício médico para o paciente. O debate sobre futilidade é, em última análise, um debate sobre objetivos, e as discussões a respeito dos objetivos apropriados envolvem conflitos de valores. Assim, não fornecer um tratamento, sem o consentimento do paciente ou do seu responsável, é um ato justificável de paternalismo, pois fornecer informações sobre um procedimento inútil pode ser desorientador e diminuir a autonomia. É preciso, portanto, um julgamento moral que leve em consideração os diferentes fatores contextuais para decidir se é apropriado ou obrigatório informar o paciente e a família de que determinada intervenção não-benéfica não será realizada (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). 2.2.4 Justiça O último princípio, o da justiça, pode ser entendido como a distribuição justa, equitativa e apropriada na sociedade, de acordo com normas que estruturam os termos da cooperação social. Uma situação de justiça, de acordo com essa perspectiva, estará presente 35 sempre que uma pessoa receber benefícios ou encargos devidos às suas propriedades ou circunstâncias particulares. Oprincípio da justiçaestabelece, como condição fundamental, a equidade, ou seja, a obrigação ética de tratar cada indivíduo conforme o que é moralmente correto e adequado, de dar a cada um o que lhe é devido. Os profissionais da saúde devem atuar com imparcialidade, evitando, ao máximo, que aspectos sociais, culturais, religiosos, financeiros ou outros interfiram na relação com os pacientes e familiares. Além disso, os recursos devem ser equilibradamente distribuídos, com o objetivo de alcançar, com melhor eficácia, o maior número de pessoas assistidas (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002). Desse modo, considerando o contexto da aplicabilidade das DAV, de acordo com Beauchamp e Childress (2002), não há como considerar um princípio ou modelo como prioritário e resolvido de forma simplificada, na prática médica, defendendo-se um princípio contra o outro ou transformando um princípio em absoluto. Assim, é necessário avaliar as situações apresentadas no contexto prático a fim de subsidiar as ações de maneira a minimizar os conflitos que envolvem situações em final de vida. 36 3 REVISÃO DE LITERATURA A revisão de literatura realizada, para embasar este estudo, ocorreu a partir da busca pelos temas: As Diretivas Antecipadas de Vontade / Testamento Vital no contexto mundial7 (Anexo I); Conceituando Diretivas Antecipadas de Vontade; a Ortotanásia e as Diretivas Antecipadas de Vontade e Legislação do Conselho Federal de Medicina acerca das Diretivas Antecipadas de Vontade. Além disso, foi realizado o resgate da produção científica internacional e nacional das DAV que resultou na produção de um artigo de revisão integrativa8 (Anexo II). 3.1REVISANDO CONCEITOS 3.1.1 As Diretivas Antecipadas de Vontade / Testamento Vital no contexto mundial A menção sobre o direito dos pacientes adultos e capazes, em escolher sobre recusa de tratamentos que visassem apenas prolongar o processo de morte, quando o estado clínico fosse irreversível ou em estado vegetativo, foi proposto nos Estados Unidos da América (EUA), em 1969, por Luis Kutner que cunhou o termo living will (KUTNER, 1969), usualmente conhecido no Brasil como Testamento Vital (TV)9. Em 1976, a Califórnia foi o primeiro estado a apresentar um estatuto sobre o TV nos EUA, por meio do Califórnia Natural Death Acte e, em 1984, a legalizar a figura do procurador de cuidados de saúde por meio do California Durable Power of Attorney for Health Care Decisions Act (DPAHC) (NUNES, 2012). O TV foi contemplado, em outros estatutos, em vários estados dos EUA, com o objetivo de validar legalmente os testamentos. Considera-se oportuno reconhecer que as discussões referentes aos direitos dos pacientes, quanto ao seu exercício de autonomia, assumiram proporção significativa, em virtude de casos expostos na mídia, como o de Karen Ann Quinlan (1985), e Nancy Cruzan (1990) que permaneceram em estado vegetativo persistente. Seus representantes solicitaram a retirada dos suportes que prolongavam a vida, impondo um valor decisivo para a criação de uma lei acerca do tema nos EUA, despertando a necessidade de legislação em outros países. 7 Artigo aceito para publicação na Revista Texto & Contexto. COGO, S.B; LUNARDI, V. L. Diretivas antecipadas de vontade aos doentes terminais:revisão integrativa. REBEn, v.68, n. 03, p.464-74, 2015. 9 Há diferenciação conceitual entre as terminologias diretivas antecipadas de vontade e testamento vital, que serão esclarecidas no próximo capítulo neste estudo. 8 37 Na década de 1990, duas propostas de regulamentação de uma nova perspectiva surgiram, uma na Europa e outra nos EUA. As Diretivas Antecipadas, denominadas de Advances Directives, estão previstas pelo Patient Self-Determination Act (PSDA) ou Ato de Autodeterminação do Paciente, lei norte americana aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos em 1990 (EUA, 1990), vigente a partir de 1º de dezembro de 1991, constituindo-se na primeira legislação do mundo a tratar sobre as diretivas antecipadas (DADALTO, 2013a), a fim de promover o uso das DAV. As diretivas antecipadas, conforme a lei americana, visam garantir o direito à autonomia do paciente, quando ingressa nos centros de saúde, sendo registradas suas objeções e opções de tratamento em caso de sua incapacidade quando doente (EUA, 1990). Essas diretivas antecipadas podem ser realizadas de três maneiras: o living will (testamento em vida), documento no qual o paciente dispõe, em vida, seu desejo quanto aos tratamentos ou à sua recusa para quando se tornar incapaz em decorrência de uma doença terminal; o durable power ofattorney for health care (poder duradouro do representante para cuidados com a saúde), documento no qual, por meio de um mandato, se estabelece um procurador de saúde para decidir e tomar providências em relação ao paciente, no caso de sua incapacidade; e o advanced core medical directive (diretiva do centro médico avançado), que consiste em um documento mais completo, direcionado ao doente terminal, que reúne as disposições do seu testamento em vida e do mandato duradouro, ou seja, é a união dos outros dois documentos (BOMTEMPO, 2012; DADALTO, 2013a). Sob esse enfoque, as DAV podem ser contempladas em dois subgrupos: o da afirmação de valor, em que são descritas de maneira geral as preferências e os valores do paciente em relação aos tratamentos e cuidados médicos, ou seja, não se trata de maneira específica de tratamento ou enfermidade. Já a segunda modalidade refere-se àinstrução diretiva expressa, que é a preferência ou recusa por determinado tratamento médico no contexto de determinada doença (TOLLER; BUDGE, 2006). Na Europa, em 1997, foi proposta a Convenção de Oviedo sobre Direitos Humanos e Biomedicina, que já vinha sendo discutida desde 1990. Em ambos os documentos, PSDA e Oviedo, está previsto que o paciente poderia antecipar a sua decisão sobre procedimentos assistenciais. Essa manifestação antecipada de vontade, por meio de documentos, deveria ser considerada pelos médicos e demais profissionais de saúde, na impossibilidade do paciente poder manifestar sua autorização a procedimentos que lhe são prescritos (ALVES, FERNANDES, GOLDIM, 2012). O Conselho da Europa reiterou esta posição na Resolução 1859, de janeiro de 2012. 38 Para Wetle (1994), grande parte da defesa para aumentar o envolvimento do paciente nas decisões de cuidados de saúde, mediante uma aplicação ampla do consentimento e execução de testamentos e de outras diretivas antecipadas, decorreu da preocupação de que excessos estavam sendo feitos para os pacientes, principalmente no final da vida. Testamentos em vida foram desenvolvidos especialmente pela preocupação de que indivíduos poderiam ser mantidos indefinidamente em "tubos e máquinas"; nesse sentido, uma grande maioria é executada justamente para limitar ou recusar tratamentos, sob essas circunstâncias. Nos últimos anos, muitos países europeus aprovaram legislação específica sobre TV. Na Espanha, em 2002, ocorreu a regulação sobre os direitos e obrigações de pacientes, usuários e profissionais, bem como de escolas e serviços de saúde, públicos e privados, sobre a autonomia do paciente, informações clínicas e documentação (ESPANHA, 2002). Em 2002, na Bélgica, a Lei sobre os Direitos dos Pacientes Belgas (BÉLGICA, 2002). Na Inglaterra, em 2005, houve a aprovação da Lei da capacidade mental, contemplando a possibilidade das DAV (INGLATERRA, 2005). Já, em 2008, a Lei da vontade antecipada para o Distrito Federal legalizou, no México, a possibilidade de manifestação prévia (MÉXICO, 2008). Em 2009, no Uruguai, foi aprovada a Lei da Vontade Antecipada (URUGUAI, 2009). No mesmo ano, na Alemanha, foi contemplada em sua legislação a base jurídica para as diretivas antecipadas (ALEMANHA, 2009). Também, em 2009, na Argentina, legislação sobre o tema estabeleceu os direitos do paciente e sua relação com os profissionais e instituições de saúde (ARGENTINA, 2009). Em Portugal, a lei que regulamenta as DAV, designada sob a forma de TV, a nomeação de procurador de cuidados de saúde e a criação do Registro Nacional do Testamento Vital (Rentev) entraram em vigor em 21 de agosto de 2012 (PORTUGAL, 2012). Na Itália, a temática encontra-se em fase de forte discussão legislativa e bioética (DADALTO, 2013a). Além desses, em outros países, como Áustria, França, Holanda, Hungria, Porto Rico, e na União Européia, o tema também foi objeto de legislação. Em diferentes países, além da aprovação de legislações sobre a temática, vem sendo realizadas pesquisas sobre a aplicabilidade das DAV aos doentes terminais, destacando-se Alemanha (SAHM; WILL; HOMMEL, 2005; VAN; SIMON, 2006); Bélgica (BRYON; CASTERLE; GASTMANS, 2012; EVANS, et al., 2013); Canadá (HUGHES; SINGER, 1992);Colômbia (SARMIENTO-MEDINA et al., 2012); Coréia (KEAM et al., 2013); Espanha (FRANCO; SILVA; SATURNO, 2011; CUCALÓN-ARENAL et al., 2013; EVANS et al., 2013); Estados Unidos da América (EUA) (HARE; NELSON, 1991; SOLOMON et al., 1993; HOFMANN et al., 1997; SULMASY et al., 1998; PIERCE, 1999;HEFFNER; BARBIERI, 2000; HAPP et al., 2002; BUSS, et al., 2005; DITTO et al., 2006; LEVIN, et al., 39 2008; O'MAHONY et al.,2010; SCHENKER et al., 2012); Genebra (PAUTEX; HERRMANN; ZULIAN, 2008);Holanda e Itália (VAN et al., 2010; EVANS, et al., 2013),Inglaterra (WILSON; SEYMOUR;PERKINS, 2010); Reino Unido (SEYMOUR, et al., 2004; BARNES et al., 2007); Japão (MASUDA et al., 2003); Tailândia (SITTISOMBUT et al., 2008; SITTISOMBUT; INTHONG, 2009) e Taiwan (HU et al., 2010). No cenário brasileiro, a primeira menção sobre a temática foi realizada por Joaquim Clotet (1993), a partir da denominação “manifestação explícita da própria vontade”. Clotet destacava que o enfermo ou o futuro paciente, ante a possibilidade de vir a ser um doente terminal, teria o direito de manifestar antecipadamente sua vontade quanto ao tipo de tratamento por ele preferido, exercendo o princípio da autonomia relativo aos últimos cuidados ou ao tratamento final, embasando-se no conteúdo da lei norte-americana, expondo suas vantagens, desvantagens e possíveis usos questionáveis decorrentes dessa legislação. Apesar da ausência de legislação especifica, no Brasil, até o surgimento das Resoluções do CFM, 1.805/2006 e 1.995/12, que tratam respectivamente sobre a prática da ortotanásia e das DAV, a participação do paciente no processo de decisões sobre seu tratamento apoiava-se no estabelecido no Código Civil, em seu artigo 15, ao expor que: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica” (BRASIL, 2002). Da mesma forma, o novo Código de Ética Médica (CEM) do CFM, aprovado em 2009 (CFM, 2009), também, estabelece, em vários artigos (art. 22,24,28,31,34, 39), o reconhecimentoà autonomia do paciente. Esse processo acerca da participação do paciente nas tomadas de decisão sobre seu tratamento teve continuidade com a proposta de garantir a manifestação dos pacientes, por meio das DAV. Ainda, a suspensão de esforço terapêutico (SET), uma das questões que as DAV preveem, tem suporte na Constituição Federal (BRASIL, 1988), nos artigos 10 e 50, que reconhecem a dignidade da pessoa humana como fundamento do estado democrático brasileiro, estabelecendo expressamente que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; no Código Civil (BRASIL, 2002), que autoriza o paciente a recusar determinados procedimentos médicos; na Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080/90, art. 7.o, III), que reconhece o direito à autonomia do paciente; e no CEM (CFM, 2009) que repete esses mesmos princípios legais, além de proibir o médico de realizar procedimentos terapêuticos contra a vontade do paciente, fora de um quadro de emergência médica de salvação, o que não se constitui em caso de quadro irreversível, sem nenhuma resposta a qualquer tipo de tratamento. 40 Há, ainda, uma lei excepcional sobre esse tema: a Lei dos Direitos dos Usuários dos Serviços de Saúde do Estado de São Paulo (Lei n.10.241/99), conhecida como Lei Mário Covas, que assegura em seu art. 2º que: “são direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo, parágrafo XXIII – recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida”. No cenário brasileiro, o debate sobre o respeito à ortotanásia ganhou mais contornos após a publicação da Resolução n. 1.805/2006 do CFM. Para Alves (2013), a citada Resolução passou por questionamento judicial por meio de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal (DF), que foi julgada improcedente pela Justiça Federal do DF sob os argumentos de que: a) o CFM tem competência para editar a Resolução, que não versa sobre direito penal, mas, sim, sobre ética médica e consequências disciplinares; b) a ortotanásia não constitui crime de homicídio, interpretando-se o Código Penal à luz da Constituição Federal; c) a edição da Resolução não determinou modificação significativa no dia a dia dos médicos que lidam com doentes terminais, incentivando-os a descrever os procedimentos que adotam, ou não, permitindo maior transparência e possibilitando maior controle da atividade médica. 3.1.2 Conceituando Diretivas Antecipadas de Vontade No Brasil, a terminologia DAV é a denominação empregada, conforme prevê a Resolução do CFM 1955/2012 (CFM, 2012). Contudo, salienta-se que existem diversas maneiras de referenciar essa questão: manifestação explícita da própria vontade, testamento vital, biotestamento, testamento biológico, diretivas avançadas, vontades antecipadas, além do termo declaração prévia de vontade proposto por Luciana Dadalto – advogada e pesquisadora na área do direito, à implementação das diretivas antecipadas no Brasil (PENALVA, 2009). As diretivas antecipadas (advanced care documents), tradicionalmente, podem apresentar-se sob dois formatos: o testamento vital (living will) e o mandato duradouro (durable power attorney) (DADALTO, 2013a; MOREIRA, 2013). Nesse sentido, Dadalto (2013b) expõe que ambos os documentos poderão ser utilizados quando o paciente não puder se expressar, livre e conscientemente – ainda que por uma situação transitória –, ou seja, as diretivas antecipadas não se referem exclusivamente a situações de terminalidade. O TV constitui-se em um documento no qual uma pessoa capaz pode registrar instruções acerca de futuros cuidados médicos a que deseja ser submetida, ou não, ante um diagnóstico de doença terminal e em que esteja incapaz de expressar sua vontade. O TV visa, 41 portanto, assegurar o direito do paciente morrer com dignidade, de acordo com suas concepções pessoais (DADALTO, 2013c; MOREIRA, 2013). Para Nunes (2012), o TV é um instrumento ético/jurídico que permite reforçar a autonomia da pessoa, podendo ser complementado com a nomeação de um procurador de cuidados de saúde ou mesmo com um conjunto de instruções médicas definidas previamente com o consentimento do doente. Já o mandato duradouro, a outra espécie das diretivas antecipadas, refere-se à nomeação de um ou mais procuradores, para tomar decisões em nome do paciente quando estiver incapacitado – definitiva ou temporariamente – de manifestar sua vontade. Esse procurador, preferencialmente, deve ser uma pessoa com conhecimento profundo do paciente, com capacidade de identificar sua vontade (DADALTO, 2013; RAJÃO, 2013). Uma peculiaridade é que esse documento será válido inclusive em situações de incapacidade temporária, diferentemente do TV, que só terá eficácia em situações de terminalidade. Além disso, cabe salientar que poderá haver simultaneidade entre o TV e o mandato duradouro, apresentados como um único documento (RAJÃO, 2013). Embora exista uma adaptação conceitual clara das terminologias descritas, por vezes, critica-se o uso do termo testamento vital– nome pelo qual a diretiva antecipada é conhecida – devido ao seu sentido de testamento que, no Brasil, é um instrumento que corresponde a um ato unilateral de vontade, com eficácia apenas pós-morte, não se constituindo, dessa maneira, em uma nomenclatura correta (BOMTEMPO, 2012; DADALTO, 2013b). A terminologia TV provém da tradução literal para o português do termo norteamericano Living Will (BOMTEMPO, 2012), Biotestamento ou Testamento Biológico. A palavra “will” foi utilizada no sentido de vontade, de desejo, de escolha consciente. Nesse sentido, utilizar a palavra “testamento” pode gerar confusão, pois um testamento é uma manifestação antecipada, mas que tem a sua eficácia apenas com a morte de quem gerou o testamento. As DAV, diferentemente, são manifestações de vontades a serem seguidas quando essa pessoa ainda está viva (ALVES; FERNANDES; GOLDIM, 2012). No Brasil, a inserção de disposições sobre doação de órgãos, cremação, lugar do velório no TV desnaturam o instituto até porque a do doente terminal é, por essência, negócio jurídico, com efeito, inter vivos, cujo principal objeto é garantir a autonomia do sujeito quanto aos tratamentos a que será submetido em caso de terminalidade da vida (DADALTO, 2013a). Entretanto, conforme a autora, a doutrina estrangeira admite que as declarações prévias do doente terminal possam conter disposições acerca de doação de órgãos, considerando que cada país possui legislação própria sobre esse tema. Diferentemente da realidade brasileira, 42 nos países que já legislaram sobre diretivas antecipadas, a doação de órgãos é uma decisão personalíssima, que independe da vontade da família. As DAV tratam especificamente sobre o pedido ou a recusa dos tratamentos futuros, o qual se denomina Suspensão de Esforço Terapêutico (SET). Como o nome indica, trata-se de suspensão ou de não iniciar tratamentos – incluindo não RCR nos casos de parada cardiorrespiratória, não submeter o doente à ventilação mecânica, alimentação e hidratação artificial contra a sua vontade – que visam apenas adiar a morte, em vez de manter a vida. A finalidade da SET é afastar um obstáculo para que a morte, naturalmente, se instale; é suspender a obstinação terapêutica, a distanásia, a insistência tecnológica em vencer o fim, como se isso fosse possível e atendesse ao melhor interesse do doente (RIBEIRO, 2006). Face ao exposto, para Holland (2008), as DAV surgem em virtude do desenvolvimento na área da saúde, que possibilitam aos pacientes que sejam mantidos vivos além do ponto em que são capazes para consentir sobre as intervenções médicas. As diretivas asseguram que um paciente capaz conserve sua autonomia e seu direito ao consentimento na eventualidade de se tornar incapaz para exercê-lo e que essas sejam respeitadas. 3.1.3 Legislação do Conselho Federal de Medicina acerca das Diretivas Antecipadas de Vontade O CFM aprovou, em 31 de agosto de 2012, a primeira regulamentação que trata especificamente sobre as DAV, no Brasil, a Resolução 1.995 (CFM, 2012). Em seu art. 1º, define DAV como o conjunto de desejos, prévio e expressamente manifestado pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade (CFM, 2012). Há que se destacar que a Resolução não especifica que as diretivas antecipadas serão aplicadas, exclusivamente, ao paciente considerado terminal, mas quando o paciente estiver impossibilitado de manifestar sua vontade. Assim, trata-se de uma manifestação prévia, livre e autônoma da vontade do paciente referente ao seu desejo de receber, ou não, determinados tipos de tratamento, manifestação que deve orientar os profissionais à tomada de decisão no caso de incapacidade do paciente. Para Dadalto (2013c), a Resolução efetivamente reconhece o direito do paciente recusar tratamentos fúteis, também conhecidos como extraordinários, ou seja, aqueles tratamentos que visam apenas prolongar a vida biológica do paciente, sem garantir a qualidade de vida. 43 Embora a Resolução não explicite seu direcionamento especificamente ao doente terminal, na exposição de motivos, justifica que a possibilidade das DAV detém-se ao fato de que os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que prolongam o sofrimento do paciente em estado terminal, sem lhe trazer benefícios, e que essas medidas podem ter sido antecipadamente rejeitadas pelo mesmo (CFM, 2012). Nesse sentido, ao garantir que a autonomia do paciente deve ser respeitada, a Resolução desmistifica a cultura centrada no poder médico e no paternalismo, que reduz o indivíduo a um paciente que deve aguardar, resignada e submissamente, que deliberações acerca de sua vida sejam tomadas por outros, sem que ele possa se manifestar ou decidir autonomamente como quer ser tratado ou que tipo de práticas de intervenção está disposto a aceitar (BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013). A Resolução expõe que o médico levará em consideração as DAV nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes incapazes de comunicar-se, ou de expressar, de maneira livre e independente, suas vontades e, além disso, caso o paciente tenha designado um representante, que suas informações deverão ser consideradas (CFM, 2012). Entretanto, o profissional poderá desconsiderar as DAV que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo CEM (CFM, 2012). Essa ressalva garante a adequação do ato médico em si e tranquilidade para que o profissional se declare impedido de realizar procedimentos contrários aos pressupostos de adequação da prática médica corrente (ALVES; FERNANDES; GOLDIM, 2012). Assim, a manifestação de vontade do paciente encontra limites na objeção de consciência do médico, na proibição de disposições contrárias ao ordenamento jurídico e em disposições que já estejam superadas pela medicina (DADALTO, 2013b). A formação do conteúdo decisório pelo paciente requer o conhecimento da situação e do parecer do médico para que o paciente decida de maneira esclarecida e livre. O médico aparece, nesse novo contexto inaugurado pela Resolução, como um parceiro do paciente na formação da decisão sobre a própria morte. A afirmativa de que o médico está subordinado à decisão do paciente não quer em absoluto dizer que esse seja prescindível ao tratamento. Muito pelo contrário. O médico detém o conhecimento científico que o paciente não dispõe e, justamente por isso, é uma figura essencial para o tratamento. No entanto, a decisão acerca de até onde o tratamento deve seguir cabe ao paciente (BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013). O conjunto de circunstâncias presentes no momento da tomada de decisão deverá ser igualmente levado em consideração. Mesmo na incapacidade do paciente, a decisão permanece 44 compartilhada. Não é o predomínio de uma vontade sobre a outra, mas sim um balanço adequado de ambas (ALVES; FERNANDES; GOLDIM, 2012). A Resolução determina que as DAV prevaleçam sobre qualquer outro parecer não médico, incluindo os desejos dos familiares (CFM, 2012); ou seja, o ponto central e norteador da Resolução é a autonomia do paciente, sujeito de sua história e destino (BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013). Assim, se houver conflitos entre a vontade previamente manifestada do paciente, que se encontra incapaz de tomar decisões, e de seus familiares, prevalece a decisão antecipada pela própria pessoa. Essa situação pode ser difícil de ser manejada, por parte do médico, pois quando os membros de uma família não têm consenso sobre como conduzir o processo de tomada de decisões, o conflito de opiniões pode se estabelecer. Desse modo, além dos conflitos éticos que poderão fragilizar os efeitos da Resolução, os profissionais poderão enfrentar conflitos de opiniões, ampliando sua insegurança na tomada de decisões. Nessas situações, os médicos, diante de possíveis ameaças e riscos de sofrer ações judiciais, poderão ignorar as DAV do paciente, preferindo seguir as orientações dos familiares (BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013). Assim, a difusão prévia das preferências do paciente pode ser um importante elemento de argumentação (ALVES; FERNANDES; GOLDIM, 2012). Partindo desse pressuposto, o médico deverá registrar, no prontuário, as DAV que lhe forem diretamente comunicadas pelo paciente (CFM, 2012). Nesse sentido, um aspecto importante refere-se ao fato que o simples registro no prontuário do paciente, feito pelo médico que o assiste, deve ser considerado para efeitos legais, já que esse, em razão da natureza de sua profissão, possui fé pública, não lhe sendo exigida, inclusive, a presença ou assinatura de testemunhas. É necessário que se deixe claramente registrado que o indivíduo se encontra lúcido, orientado e plenamente consciente das decisões que toma e dos seus possíveis desdobramentos. Dessa maneira, não há, obrigatoriamente, a exigência de um documento escrito e registrado em cartório para que tenham validade as manifestações do paciente (BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013). Entretanto, não sendo conhecidas as diretivas antecipadas do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou na falta de consenso entre esses, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na sua falta, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender como necessária e conveniente uma determinada medida (CFM, 2012). Essa possibilidade não é uma delegação para que esses 45 órgãos colegiados deliberem sobre a decisão em si, mas, sim, que auxiliem o médico na busca de justificativas adequadas à sua conduta (ALVES; FERNANDES; GOLDIM, 2012). Sabe-se, no entanto, que tal documento, apesar de representar a manifestação de vontade do paciente, interfere sobremaneira na conduta médica e, na maioria das vezes, o outorgante é tecnicamente vulnerável para fazê-lo, necessitando de informações do médico (DADALTO; TUPINAMBÁS; GRECO, 2013). Face ao exposto, é importante que não somente os médicos, mas os outros profissionais da saúde, especialmente profissionais de enfermagem, orientem o paciente no sentido de que possam compartilhar suas posições sobre procedimentos e tratamentos com os seus familiares e amigos de confiança, pois essas informações podem ser úteis no sentido de orientar futuras decisões que tenham que ser tomadas. É interessante também que os profissionais envolvidos em seu atendimento reiterem suas restrições em suas evoluções, no sentido de demonstrar que havia voluntariedade presente quando dessa comunicação. Entretanto, embora possa se considerar que um passo importante tenha sido conquistado a fim de garantir a autonomia do paciente em situações de final de vida, a referida Resolução apresenta diversas lacunas. De acordo com Xavier (2013), destacam-se os pontos mais sensíveis que emergem da sucinta Resolução: a) falta de exigência de que as DAV sejam feitas por escrito; b) ausência de criação de um registro nacional para o controle de tais diretivas; c) falta de um glossário que torne inequívoco o alcance dos termos adotados na Resolução; d) impossibilidade de nomear mais de um procurador, bem como o que será feito se os procuradores nomeados apresentarem discordâncias sobre o rumo do tratamento clínico; e) real limite jurídico do conteúdo das diretivas, visto que a Resolução apenas estabelece que deva ser respeitado o CEM; f) impossibilidade de menores de idade emancipados firmarem tais diretivas; e g) indefinição acerca de sanções a que a equipe médica estaria submetida, em caso de desrespeito às diretivas. O problema, entretanto, não é simples de ser enfrentado. Enquanto o debate ético avança no interior da corporação médica, notadamente no CFM, o problema dos limites jurídicos das Resoluções profissionais parece impor uma preocupação com a legalidade da submissão à Resolução por parte dos médicos e com os riscos inerentes a possíveis questionamentos jurídicos relativos a condutas de não intervenção (BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013). Complementa-se, também, que, de acordo com Dadalto (2013b), a Resolução 1.995/12 (CFM, 2012) representa um avanço nas discussões acerca das diretivas antecipadas no Brasil. Contudo, ocorre em uma perspectiva localizada, ou seja, no âmbito médico e dos demais 46 profissionais de saúde estudiosos do tema. Assim, é preciso considerar que a Resolução não esgota o tema; diferentemente, demonstra a necessidade de legislação específica sobre as DAV, a fim de regulamentar questões, como, por exemplo, a exemplificação de cuidados e tratamentos que podem, ou não, ser recusados, critérios para sua aceitação e recusa, registro das diretivas antecipadas e a extensão da participação do médico na sua feitura. Frente a esses propósitos, é imperioso que se faça uma campanha de conscientização dos cidadãos brasileiros acerca da importância do respeito à vontade de seus familiares, objetivando evitar conflitos entre a vontade manifesta nas DAV e a vontade da família. É um esforço paulatino e para tentar amenizar o conflito de vontades de forma mais imediata, será necessário que os médicos conversem com as famílias ao informá-las da existência da DAV e que os hospitais mantenham psicólogos e assistentes sociais com essa habilidade. Em suma, de acordo com Dadalto, Tupinambás e Greco (2013) de nada adiantará, a utilização das DAV, se não houver um esforço coletivo em garantir que a vontade nelas manifesta seja cumprida. A verdade é que não basta garantir o direito de o indivíduo manifestar sua vontade, é preciso ainda garantir-lhe a certeza de que será cumprida. 3.1.4 Ortotanásia e as Diretivas Antecipadas de Vontade Anteriormente ao debate sobre as DAV, tem-se a discussão acerca da ortotanásia, que possui importante conexão com as DAV, na medida em que preconiza a aplicação de cuidados paliativos, a fim de garantir a qualidade de vida e conforto para o doente terminal, condenando, assim, o prolongamento da vida, a todo custo, como conduta atrelada à distanásia. Na ortotanásia, não se busca a manutenção da vida a qualquer custo, com a realização de medidas extraordinárias e imposição de sofrimento ao paciente no momento em que a morte se aproxima, mas, sim, que essa ocorra naturalmente, ao seu tempo, na sua hora (MOREIRA, 2013). Nesse sentido, a Resolução 1.805 de 9 de novembro de 2006, do CFM, que autoriza a prática da ortotanásia, já previa a defesa do direito às DAV de maneira implícita. A referida Resolução determina que, na fase terminal de enfermidades graves incuráveis, é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal (BRASIL, 2006). A Resolução determina, ainda, que o médico deva esclarecer ao doente ou ao seu representante legal os tipos de terapia apropriados a cada 47 situação. Se houver consentimento de todos, a decisão de limitar ou suspender os procedimentos e tratamentos deve ser registrada no prontuário do paciente. Há que se destacar que a ortotanásia não é considerada crime no Brasil, conforme entendimento judicial resultado da ação civil pública n.2.007.34.00.014809-9. Entretanto, não existe legislação específica sobre a sua prática, bem como inexiste legislação sobre as DAV. No entanto, existe um projeto de lei do Senado Brasileiro n. 524/2009, de autoria do senador Gerson Camata, que visa dispor sobre os direitos dos pacientes em fase terminal de doença (BRASIL, 2009) que abarca as duas perspectivas: a ortotanásia e as DAV. Essa proposta tem o objetivo de regulamentar a prática da ortotanásia, via processo legislativo, ampliando a participação do parlamento brasileiro no assunto (BOMTEMPO, 2012). O referido projeto basicamente possui os mesmos dispositivos da Resolução n. 1.805/2006 do CFM, porém de forma mais detalhada. No que tange às DAV, o projeto de lei dispõe sobre características semelhantes à Resolução 1.995/2012 do CFM quanto às questões relacionadas à manifestação favorável da pessoa em fase terminal de doença ou, na sua impossibilidade, à manifestação de sua família ou do seu representante legal, sendo permitida a limitação ou a suspensão, pelo médico assistente, de procedimentos desproporcionais ou extraordinários destinados a prolongar artificialmente a vida. Além disso, prevê que, na hipótese de impossibilidade de manifestação de vontade do paciente e caso esse tenha, anteriormente, quando lúcido, se pronunciado contrariamente à limitação e suspensão de procedimentos, deverá ser respeitada tal manifestação, sendo registrada no prontuário do paciente (BRASIL, 2009). Entretanto, a proliferação vocabular que designa a ortotanásia é permeada por dúvidas e indefinições de seu conceito e aplicabilidade, com a possibilidade de ser facilmente deturpada ou confundida com a eutanásia. A partir de uma pesquisa sobre as representações sociais de médicos e enfermeiros de uma UTI quanto à ortotanásia, foi constatado que a prática é latente nos discursos, e os profissionais não mencionam diretamente a sua ação em virtude do estigma impregnado no termo. As representações dos enfermeiros e médicos estão direcionadas à paliação do sofrimento, sendo sua operacionalização confirmada com os métodos de não RCR, nos doentes terminais. Contudo, os médicos direcionam sua atenção ao receio e às angústias que essa decisão provoca frente ao risco da punição jurídica (COGO, 2008). Como o CFM expressou em nota esclarecedora, a Resolução 1.995 respeita a vontade do paciente e não possui qualquer relação com a prática de eutanásia. Em verdade, esse esclarecimento apenas reafirmou o conceito basilar das DAV: não podem conter disposições 48 contrárias ao ordenamento jurídico do país em que são propostas. Nesse sentido, foi grande a repercussão da citada Resolução em âmbito nacional. Não se estaria autorizando práticas moralmente repugnantes e até mesmo juridicamente vedadas, como a eutanásia e o suicídio assistido? Surgiria, em face dessa nova Resolução, um direito à morte? Entende-se que a Resolução não versa sobre eutanásia nem mesmo sobre suicídio assistido, ou seja, defende-se a constitucionalidade da Resolução nº. 1.951, com base no direito à morte, o que, de forma alguma, quer dizer o direito de dispor da própria vida, ou seja, não se trata do direito ao suicídio (BUSSINGUER; BARCELLOS, 2013). Face ao exposto, Neves (2013) alega que o caminho a percorrer na temática das DAV é a ortotanásia, priorizando um fim de vida com um processo de morte humanizado, perante a singularidade do ser humano. Ajudar os doentes a morrer com dignidade é, pois, um princípio central em fim de vida. Morrer com dignidade é um direito individual, legitimado pelo direito à vida. A ortotanásia, conforme Cogo (2008), que se instala no ambiente hospitalar, é percebida como a possibilidade viável de tratar a morte como um processo irremediável e constante, contrapondo qualquer tipo de prolongamento do sofrimento humano. 3.2O RESGATE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA INTERNACIONAL E NACIONAL DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE 3.2.1 Estudantes e profissionais frente às Diretivas Antecipadas de Vontade Os profissionais da saúde podem exercer influência significativa na assistência aos pacientes de maneira a lhes propor a prática das DAV, como valioso instrumento e no contexto de uma relação clínica de confiança recíproca e mutuamente enriquecedora, um papel de relevo na efetivação do respeito pela dignidade da pessoa humana. Essa é uma das vertentes de interesse dos profissionais de saúde para que existam as DAV, como suporte na tomada de decisão (NEVES, 2013). Nesse sentido, no panorama internacional, há estudos realizados com médicos (HUGHES; SINGER, 1992; SOLOMON et al., 1993; PIERCE, 1999; MASUDA et al., 2003; SAHM; WILL; HOMMEL, 2005; BUSS, et al., 2005; VAN; SIMON, 2006; HU et al., 2010; FRANCO; SILVA; SATURNO, 2011; EVANS et al., 2013; KEAM et al., 2013) enfermeiros (SOLOMON et al., 1993; PIERCE, 1999; SAHM; WILL; HOMMEL, 2005; HU et al., 2010; O'MAHONY et al., 2010; FRANCO; SILVA; SATURNO, 2011; BRYON; CASTERLE; GASTMANS, 2012), profissionais da saúde (WILSON; SEYMOUR; PERKINS, 2010); 49 juízes (VAN; SIMON, 2006) e estudantes universitários (FRANCO; SILVA; SATURNO, 2011; CUCALÓN-ARENAL et al., 2013) que buscaram em suas pesquisas apresentar as percepções, opiniões e condutas referentes ao uso das diretivas antecipadas aplicadas ao doente terminal. Desse modo, face ao exposto e relacionado às percepções dos profissionais da saúde sobre as DAV, em pesquisa realizada, nos hospitais de Múrcia na Espanha, com 607 profissionais médicos, enfermeiros e graduandos, a maioria dos sujeitos (63,3%) destacou a importância das preferências do paciente sobre o tratamento e os procedimentos de suporte de vida em doentes terminais (FRANCO; SILVA; SATURNO, 2011). Em pesquisa realizada com 300 estudantes da área da saúde da Universidade de Zaragoza, na Espanha, acerca de seus desejos e opiniões sobre doença terminal e DAV, foi constatado que 77,6% possuem conhecimento de TV ou diretivas antecipadas; 55,9% desconhecem a diferença entre a limitação do esforço terapêutico e a eutanásia ativa; 92,6% desejam obter informações completas de sua doença e 82,9% dos estudantes gostariam de implementar a diretiva antecipada. Os estudantes gostariam de ser informados das condições de saúde pelo médico, além de terem possibilidade e disponibilidade para discutir sobre a doença e seus sentimentos. A pesquisa apontou que eles querem falar sobre a fase final, sobre seus desejos e acerca da aplicação dos cuidados paliativos no domicílio (CUCALÓNARENAL et al., 2013). Na Alemanha, os resultados dos inquéritos com médicos e juízes mostram um alto grau de valorização da diretiva antecipada (VAN; SIMON, 2006). Soma-se ainda, que no estudo realizado com 303 médicos oncologistas na Coréia do Sul, quanto às atitudes com relação às diretivas antecipadas, 96,7% dos oncologistas concordaram com a necessidade de preenchimento das DAV (KEAM et al., 2013). Com relação as atitudes de 643 médicos de família perante as diretivas antecipadas em Ontário, no Canadá, Hughes e Singer (1992) constataram na pesquisa que 86% mostraram-se favoráveis ao seu uso, entretanto somente 19% haviam discutido as diretivas antecipadas com mais de 10 pacientes. Dos médicos que responderam que experimentaram tal experiência, mais da metade disse que não seguiu sempre as indicações contidas nas diretivas antecipadas. Em contrapartida, outras pesquisas internacionais apontam que aproximadamente 90% dos médicos atenderiam às vontades antecipadas do paciente no momento em que este se encontre incapaz para participar da decisão (SIMÓN-LORDA; TAMAYO-VELÁZQUEZ; BARRIOCANTALEJO, 2008). 50 No Japão, um estudo que objetivou investigar as atitudes dos médicos acerca dos testamentos em vida e suas experiências com pacientes que tinham completado um testamento em vida, vindo a morrer mais tarde, 55% dos 301 médicos participantes da pesquisa aprovavam o uso das diretivas antecipadas. Desses, 34% tiveram a oportunidade de discutir obre o TV com os pacientes e/ou familiares, depois de receber o testamento do paciente, mas não o fizeram, e 69% dos médicos não receberam o TV dos pacientes (MASUDA et al., 2003). Asim, as diretivas antecipadas servirão de meio hábil para resguardar o médico de eventual responsabilidades ao fazer, ou não, uso dos tratamentos e cuidados pela escolha prévia do paciente, quando ainda capaz (BOMTEMPO, 2012). Uma pesquisa realizada com 282 médicos residentes da Pensilvânia revelou que tiveram uma média de 6,2 discussões por mês sobre as DAV. Ainda, os médicos se reconhecem como competentes para discutir sobre a temática com os pacientes, mas não conseguem se envolver suficientemente a fim de efetivar tais discussões (BUSS et al., 2005). Assim, as diretivas antecipadas estão baseadas na crença de que os pacientes que perdem a capacidade de decisão estariam mais propensos a receber os cuidados que escolheram. A ausência de diretivas pode levar a cuidados agressivos e indesejados, que tem sido associados a uma redução da qualidade de vida e do cuidado (KEAM et al., 2013). Entretanto, o estudo de Pierce (1999) realizado nos EUA a fim deverificar as opiniões de 11 enfermeiros e 10 médicos que cuidavam de pessoas no fim de sua vida revelou que os médicos nem sempre transmitem claramente aos pacientes suas chances de sobrevivência ou nem sempre entendem os desejos dos pacientes. Além disso, a incerteza ética dominou a tomada de decisão de médicos e enfermeiros, quando foram confrontados com a questão da possibilidade de auxiliar na morte dos pacientes, mesmo diante de diretivas antecipadas. Já em pesquisa realizada na Alemanha com 100 médicos,foi constatado que 39% deles nunca mencionaram aos pacientes a possibilidade de escrever suas diretivas antecipadas para cuidados médicos (SAHM; WILL; HOMMEL, 2005). Conforme Evans et al (2013), na pesquisa que estimou e comparou a prevalência de discussões de tratamento e nomeação de decisores substitutos aos pacientes em fim de vida, na Itália, Espanha, Bélgica e Holanda, foi constatado que as discussões dos médicos e paciente sobre as preferências de tratamento relacionado ao final da vida tinham ocorrido com 10% de italianos, 7% dos espanhois, 25% dos belgas e 47% dos pacientes holandeses. No estudo de Solomon et al (1993), que objetivou analisar como 687médicos e 759 enfermeiros, de cinco hospitais dos EUA, avaliavam o cuidado que prestaram aos pacientes próximo ao final da vida, foi evidenciado que 47% de todos os respondentes relataram ter 51 agido contra a sua consciência no fornecimento dos cuidados para os doentes terminais. O estudo revelou, ainda, que os médicos e enfermeiras foram perturbados pela influência de soluções tecnológicas no cuidado, durante os últimos dias de doentes terminais. Já em pesquisa, realizada no Canadá, que objetivou conhecer a opinião de 643 médicos de quando deveria ser oferecida a oportunidade de preencher as diretivas antecipadas, 96% dos médicos apontaram pacientes com doenças terminais, 95% para pacientes com doenças crônicas, 85% para as pessoas com infecção por vírus da imunodeficiência humana, 77 % para as pessoas com mais de 65 anos de idade, 43% para todos os adultos, 40% para as pessoas admitidas no hospital em cirurgias eletivas e 33% para as pessoas admitidas em caráter de emergência (HUGHES; SINGER, 1992). Em investigação realizada na Alemanha, com médicos e enfermeiros que objetivou conheceros desejos dos pacientes com câncer sobre tratamento no fim da vida, foi verificado que os médicos rejeitam a proposta de que deveriam iniciar de modo rotineiro a discussão sobre DAV com seus pacientes, estando preparados para fazê-lo somente se considerassem ser apropriado, como resultado de uma situação individual. Preferem delegar essa iniciativa para outras pessoas, geralmente aos familiares do paciente (SAHM; WILL; HOMMEL, 2005). Como contraponto, uma maior percepção dos 282 médicos residentes acerca da competência para conversar sobre DAV foi significativamente associada com mais anos de pós-graduação e também ao relato de que as discussões sobre a temática no trabalho foram úteis para aprender sobre cuidados em final de vida. Nessa direção, o propósito de aumentar a qualificação profissional pode ser o meio mais promissor de aumentar a capacidade dos médicos para discutir essas questões com os pacientes (BUSS et al., 2005). Uma pesquisa realizada por Heffner e Barbieri (2000), em onze estados americanos, examinou os interesses de 415 pacientes cardíacos sobre sua participação em planejamento prévio e sua vontade de participar na educação sobre a diretiva antecipada em programas de reabilitação cardiovascular, constatando quediscussões iniciadas pelo médico sobre diretivas antecipadas ou cuidados de suporte de vida ocorreram com apenas 5% dos pacientes. Entretanto, no estudo de Evans et al (2013), os médicos haviam discutido o diagnóstico com 49% dos italianos, 50 % dos espanhóis, 60% dos belgas e 78% dos pacientes holandeses. Uma minoria de pacientes de todos os países (10-31 %), com exceção dos Países Baixos (52%), ou tinham discutido preferências de tratamento ou nomeado um substituto (EVANS, et al., 2013). Nesse sentido, estudos (HARE; NELSON, 1991; SULMASY et al., 1998; SEYMOUR et al., 2004; BARNES et al., 2007; CUCALÓN-ARENAL et al., 2013) 52 têm demonstrado que a prática das diretivas antecipadas acontece de maneira efetiva quando existe adequada comunicação entre os profissionais da saúde e o paciente. No Brasil, poucas pesquisas abordam as DAV e as percepções dos profissionais da área da saúde diante dessa temática. As pesquisas realizadas com seres humanos que abordam esse tema no panaroma nacional foram realizadas nos Estados de Minas Gerais (DADALTO; TUPINAMBÁS; GRECO, 2013; CHEHUEN NETO et al., 2015), Santa Catarina (PICCINI et al., 2011; STOLZ et al., 2011; CAMPOS et al., 2012), Rio Grande do Sul (CASSOL; QUINTANA; VELHO, 2015) e no Estado do Pará (SILVA, et al, ., 2015) commédicos (STOLZ et al., 2011; PICCINI et al., 2011; CHEHUEN NETO et al., 2015), oncologistas, intensivistas e geriatras (DADALTO; TUPINAMBÁS; GRECO, 2013), auxiliares e técnicos em enfermagem (CASSOL; QUINTANA; VELHO, 2015), enfermeiros (CHEHUEN NETO, et al., 2015; CASSOL; QUINTANA; VELHO, 2015), psicólogos, nutricionista e fisioterapeutas (CHEHUEN NETO, et al., 2015), estudantes de medicina (SILVA, et al., 2015; PICCINI et al., 2011), advogados e estudantes do direito (PICCINI et al., 2011). Esses estudos contribuíram para a compreensão de algumas questões profissionais ligadas à aplicação das DAV, como o entendimento e compreensão dos sujeitos da área de enfermagem (CASSOL; QUINTANA; VELHO, 2015; CHEHUEN NETO, et al., 2015), psicologia, nutrição, fisioterapia (CHEHUEN NETO, et al., 2015), médica (CHEHUEN NETO, et al., 2015; SILVA, et al., 2015; PICCINI ET et al., 2011) e do direito em relação às DAV (PICCINI et al., 2011); o respeito às vontades antecipadas do paciente pelos médicos no momento em que os pacientes estivessem incapacitados de se comunicar e se essa manifestação constituiu um instrumento válido de inibição da distanásia (STOLZ et al., 2011); e, por fim, a possibilidade da proposição de um modelo de DAV para o Brasil (DADALTO; TUPINAMBÁS; GRECO, 2013). O estudo de Piccini et al (2011) destaca que, dentre um grupo de médicos, advogados, estudantes de medicina e de Direito, totalizando 209 sujeitos, cerca de 29,2% dos entrevistados denotaram conhecimento pleno do significado do TV. Já 87,6% dos entrevistados optariam pela ortotanásia diante de um paciente em fase terminal de vida, ao não considerar a possibilidade de implementação do TV. Entretanto, diante da possibilidade de implementação do TV, a opção pela ortotanásia decresceria para 35,9%, enquanto que a opção pelo estabelecido no TV foi referida por 60,8% dos entrevistados. Já no estudo de Silva et al (2015), realizado com 238 estudantes de medicina, apenas 8% demonstraram ter uma noção clara sobre o significado do termo testamento vital. Apesar disso, após ouvirem a 53 definição das diretivas antecipadas de vontade fornecida pelos pesquisadores, 92% deles declararam que respeitariam o previsto no testamento vital. Do mesmo modo, outra pesquisa realizada por Stolz et al (2011) com 100 médicos da atenção básica, unidade de terapia intensiva, emergência e outras especialidades, constatou a conveniência do registro dos desejos do paciente por meio das DAV e que os médicos a respeitariam, com pontuação de 7,68 a 8,26 em uma escala de 0 a 10. Ainda, reconhecem essa declaração como um instrumento útil para a tomada de decisões, com avaliação de 7,57. Tais resultados, embora limitados do ponto de vista da amostra, sinalizam para uma aceitação das vontades antecipadas do paciente por parte dos médicos. Do mesmo modo, para Cassol, Quintana e Velho (2015) em pesquisa realizada com vinte e três profissionais de enfermagem, há evidências que as diretivas antecipadas se apresentam como algo novo para os profissionais, dentro do contexto do cuidado. Em pesquisa recente realizada com enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas, totalizando 351 profissionais, Chehuen Neto et al. (2015), constataram que, entre os entrevistados, 7,98% declararam saber redigir o testamento vital, 73,79% se sentiriam mais seguros com sua regulamentação e 61,82% o fariam para si próprios. Assim, a maioria amostral declarou-se favorável ao documento e à sua regulamentação, apesar de desconhecêlo previamente, o que sugere a necessidade de maior discussão e divulgação sobre o tema na área de saúde. Dadalto, Tupinambás e Greco (2013), em investigação realizada com médicos, perceberam que a Resolução do CFM 1.995/12 não regulamentou de forma satisfatória o papel do médico na realização das DAV. Além disso, ficou evidenciada a necessidade de o paciente ser informado pelo médico, de contar com sua ajuda quando fizer o documento, considerando ser esse profissional o detentor da informação, capaz de legitimar a autonomia do paciente. Por essa razão, o médico não pode ser passivo nesse processo, não pode apenas receber as DAV pronta e registrá-la no prontuário. É preciso que ajude-os a fazê-las, apresentando as informações necessárias de acordo com o que o paciente deseja. É recomendado, inclusive, que o médico autorize o paciente a mencioná-lo nas DAV, para que a equipe médica que implementará o previsto no documento, se necessário, possa contatá-lo; essa menção, no entanto, só pode ser realizada com expressa autorização do médico. Para Dadalto (2013a), em verdade, a relação médico-paciente, diante de situações de terminalidade, requer maior proteção. É necessário garantir ao paciente que seus desejos, expressão máxima do direito à liberdade, serão seguidos em um momento em que ele não mais puder exprimi-los com discernimento, sendo relevante garantir ao médico que ele não 54 sofrerá qualquer retaliação, seja no âmbito de sua entidade de classe, ou jurídico, ao seguir expressamente a vontade do paciente. Para tanto, torna-se imperioso que as discussões acerca das DAV do doente terminal ocorram de forma efetiva, criteriosa e científica. 3.2.2 A enfermagem e as diretivas antecipadas de vontade As decisões que envolvem o final da vida relacionada a limitar determinados tratamentos e cuidados não devem ser adotadas sem que ocorra uma decisão multidisciplinar. A decisão de cada profissional deve considerar o conhecimento científico que sustenta o seu exercício profissional e a intervenção que vai prestar (DEODATO, 2010); ou seja, o médico e o enfermeiro decidem as intervenções baseadas, respectivamente, no conhecimento da medicina e no conhecimento científico da enfermagem amparados por lei de regulamentação profissional. Partindo do exposto, a importância da enfermagem participar dessas discussões devese ao fato de que muitas ações não podem ser realizadas somente por um profissional. Os enfermeiros desempenham ação fundamental no exercício do direito à autodeterminação e para facilitar a tomada de decisão dos doentes. São profissionais presentes não apenas no momento da morte, mas em todo o processo em que o doente e seus familiares tomam decisões de fim de vida (PRZENYCZKA et al., 2012). A presença do enfermeiro, que permanece várias horas a cada plantão e durante quase todo o tempo de internação do paciente lhe permite um pensamento contínuo e evolutivo (COGO, 2008). Nesse sentido, os profissionais de enfermagem devem ser inseridos nas discussão sobre as DAV, bem como conhecedores dessa opção, pois atuam com o papel de informar, respeitar, acompanhar e cuidar o doente terminal, não podendo se esquivar em um processo de planejamento, concepção e cumprimento das DAV (NEVES, 2013). Além disso, de acordo com oCódigo de Ética dos Profissionais de Enfermagem (COFEN, 2007), os profissionais devem respeitar, reconhecer e realizar ações que garantam o direito da pessoa ou de seu representante legal, de tomar decisões sobre sua saúde, tratamento, conforto e bem estar. A enfermagem é uma profissão comprometida com a saúde e a qualidade de vida da coletividade, atuando em consonância com preceitos éticos, bioéticos e legais. O profissional de enfermagem participa dos cuidados em saúde, como integrante da equipe de saúde, e suas ações necessitam visar a preservação da autonomia das pessoas; ou seja, respeitar a vida, a dignidade e os direitos humanos, em todas as suas dimensões (COFEN, 2007). 55 Para Deodato (2012), a relevância da enfermagem, frente às questões relacionadas às DAV, deve-se também a um problema frequente, ou seja, a decisão de não fazer determinado procedimento, de não prestar um cuidado ou uma intervenção. Essas são sempre as decisões mais difíceis. Outra questão prende-se à necessária articulação com outros profissionais de saúde, designadamente, com os médicos. Às vezes, há um conflito face à decisão de cuidado; entretanto, as decisões de fim de vida devem constituir-se, predominantemente, em uma decisão de equipe. No entanto, mesmo que a decisão não seja construída em equipe, sua implementação requer, necessariamente, a intervenção do médico e do enfermeiro, podendo acontecer que um decida num determinado sentido e outro em sentido inverso. A partir da pesquisa realizada por Cogo (2008) acerca das representações sociais dos enfermeiros e médicos sobre a ortotanásia, constatou-se que os enfermeiros se sentem incomodados por não participarem dos processos decisórios que repercutem diretamente na assistência ao paciente em final de vida. Soma-se, ainda, que, em algumas situações, os profissionais enfermeiros não concordavam com as decisões médicas, optando por atuar, isoladamente e de forma contrária ao solicitado, porém de acordo com suas convicções. O enfermeiro assume deveres para proteger e salvaguardar os direitos do cidadão a quem presta cuidados. O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem prevê que a enfermagem deve respeitar o pudor, a privacidade e a intimidade do ser humano, em todo seu ciclo vital, inclusive nas situações de morte e pós-morte, sendo proibida de promover a eutanásia ou participar em prática destinada a antecipar a morte do paciente (COFEN, 2007). Ao ser confrontado com uma vontade expressa pelo doente, por vezes, o profissional de saúde ou cuidador debate-se com situações complexas e questiona-se sobre a forma como deve agir perante o princípio da autonomia do doente. É necessário um profundo conhecimento das competências, deveres e obrigações profissionais, de forma a respeitar e proteger a vida como um direito fundamental das pessoas (NEVES, 2013). Ademais, em pesquisa realizada no RS com vinte e três profissionais da enfermagem, embora as DAV sejam reconhecidas como direito do paciente ou de seu familiar, estas podem entrar em conflito quando são diferentes das práticas da instituição, podendo não serem cumpridas, mas no sentido de proteger, por não estar de acordo com as práticas habituais dos serviços de saúde, no intuito de preservar a vida ou de proporcionar conforto ao paciente (CASSOL; QUINTANA; VELHO, 2015). O fato de um enfermeiro respeitar ou não a vontade do doente, como nas situações relacionadas às DAV, depende de uma escolha pessoal. Existem vários fatores, associados à cultura, história pessoal, experiência, valores, dentre outros, que contribuem para uma tomada 56 de decisão, mas que não excluem seu caráter de liberdade porque o enfermeiro está consciente das suas possibilidades, destacando-se, aqui, o conhecimento que possui acerca da sua profissão e da organização do seu trabalho. As suas possibilidades de escolha são diretamente proporcionais ao conhecimento que detém sobre elas. Se o enfermeiro conhece e reflete sobre as causas ou determinantes que interferem na sua profissão, poderá exercer influência sobre elas e mudar o curso de ação (PRZENYCZKA et al., 2012). Em pesquisa realizada com 139 enfermeiros, em Portugal, para conhecer sua percepção sobre as DAV, Neves (2013) constatou que cerca de 95% dos enfermeiros não tem experiência de situações em que o doente pode decidir apoiando-se em suas DAV, nem vivenciou situações em que o doente tenha sido informado sobre esse direito. Ainda, 72,7% dos enfermeiros manifestaram-se disponíveis para refletir com o doente a elaboração do documento de DAV; contudo, 45,3% só o fariam se o doente ou os familiares o solicitassem, o que, para Neves (2013), faz todo o sentido, quando se pensa na enfermagem, cuja essência é cuidar do outro com respeito pelos seus valores e crenças, defendendo os seus direitos. Porém, se os pacientes desconhecessem seu direito às DAV, eles não deveriam informá-los sobre esse direito? Deveriam ficar aguardando que eles fizessem solicitações? Nesse caso, estariam defendendo os direitos dos pacientes? Salienta-se, ainda, que conforme pesquisa realizada por Cassol, Quintana e Velho (2015), as repercussões relacionadas às DAVdecorrem da desconsideração do seu uso, ao intenso impacto que causaria na cultura da instituição a sua implantação, além da compreensão de que o familiar ainda permanece com poder decisório, sobrepondo-se em relação a possibilidade da DAV manifestada pelo paciente. 3.2.3 Receptividade dos pacientes às diretivas antecipadas de vontade As DAV são um documento inacabado que, a qualquer momento, pode ser ajustado à vontade da pessoa. As circunstâncias podem ser modificadas, os valores e opiniões de cada um também são passíveis de se alterar, o que reforça a importância de rever a organização das DAV, para que continuem a refletir com precisão a vontade do doente (NEVES, 2013). Conforme Holland (2008), elaborar as DAV pensando no estado terminal é ser refém do acaso, em virtude da dificuldade em definir o que é estar em estado terminal. No entanto, o que se pretende é evitar que os pacientes sejam mantidos vivos num estado atenuado e incapacitado, sem nenhuma semelhança com sua vida anterior. 57 Já a abordagem de pesquisas internacionais realizadas com pacientes (HARE; NELSON, 1991; HOFMANN et al., 1997; SULMASY et al., 1998; HEFFNER; BARBIERI, 2000; HAPP et al., 2002; SAHM; WILL; HOMMEL, 2005; BARNES et al., 2007; LEVIN et al., 2008; PAUTEX; HERRMANN; ZULIAN, 2008; SITTISOMBUT et al., 2008; SITTISOMBUT; INTHONG, 2009; O'MAHONY et al., 2010; SARMIENTO-MEDINA et al., 2012; KEAM et al., 2013) e com o público em geral (SEYMOUR, et al., 2004; VAN et al., 2010; KEAM et al., 2013), direcionando questionamentos à prática da DAV aplicada aos doentes terminais, revelam respostas que indicaram a viabilidade e aceitabilidade das DAV, apesar de manifestações de desconforto dos pacientes em aderir a essa prática. Na Coréia do Sul, os resultados de uma pesquisa realizada com 1242 pacientes com câncer e 1006 membros do público em geral apontaram que 93% e 94,9%, respectivamente, concordam com a necessidade de preenchimento das DAV (KEAM et al., 2013). No Reino Unido, uma pesquisa com 18 pacientes oncológicos que objetivou explorar a aceitabilidade de um roteiro de entrevista, projetado para incentivar conversas e discussões sobre cuidados futuros, informar-se sobre a possibilidade de um planejamento antecipado de cuidado e de completar uma DAV, constatou que a experiência do paciente com câncer provocou mudanças na maneira como via a vida, de modo que queria viver mais no presente e não se alongar muito sobre o futuro (BARNES et al., 2007); ou seja, os doentes terminais são muito mais propensos a renunciar a procedimentos invasivos do que a procedimentos menos invasivos (SULMAZY, 1998), o que reforça a necessidade do registro das DAV, para que suas vontades possam ser cumpridas e respeitadas, considerando o que foi expresso. Nos EUA, a maioria dos 415 pacientes cardíacos que participaram de uma pesquisa tinham conhecimento do TV (93%) e da competência do procurador de saúde para os cuidados de saúde (52%). Desses, 41% realizaram um testamento em vida, e 27% nomearam um procurador responsável por informar suas decisões quando incapazes. A maioria dos pacientes (86%) respondeu que desejava obter mais informações sobre as diretivas antecipadas (HEFFNER; BARBIERI, 2000). Entretanto, sob outro prisma, uma pesquisa em cinco hospitais nos EUA, que explorou as preferências de 1823 pacientes, com relação à comunicação dos médicos sobre as decisões de fim de vida, indicou que 23% dos pacientes gravemente doentes tinham discutido suas preferências sobre RCR com seus médicos. Dos pacientes que não tinham discutido, 58% não estavam interessados em fazê-lo e, desses, 25% não queria RCR. A propósito, a ausência de discussões acerca das preferências dos pacientes sobre suas vontades relacionadas à limitação dos esforços terapêuticos pode resultar em intervenções indesejadas (HOFMANN et al., 58 1997). Todavia, para Kuhl, Stanbrook e Hébert (2010), os pacientes desejam que a família, amigos e médicos sejam honestos consigo em todos os aspectos; ou seja, querem a verdade, além de, efetivamente, discutir o processo da doença e as opções de tratamento. Na Tailândia, os pacientes e seus substitutos geralmente hesitam em assinar um documento, preferindo ter suas diretivas comunicadas oralmente uns aos outros. Nessa direção, uma pesquisa que teve como objetivo identificar as preferências de 152 pacientes com doenças terminais sobre as decisões dos cuidados de fim de vida e RCR revelou que houve acordo entre os pacientes e seus substitutos, ou seja, 73,5% concordaram em relação à decisão sobre o uso de diretivas (SITTISOMBUT et al., 2008). Já na Colômbia, em pesquisa que descreveu as preferências dos pacientes relacionadas ao final da vida, apenas 14% dos pacientes, de um total de 513, havia formalizado suas diretivas antecipadas sobre fim da vida e, ainda, a escolha da morte digna estava relacionada com a rejeição de medidas fúteis e obstinação terapêutica (SARMIENTO-MEDINA et al., 2012). Na Espanha, considerando dados coletados com médicos, enfermeiros e estudantes evidenciou que, nos hospitais nacionais de serviços de saúde da Região de Múrcia, pacientes podem estar vivenciando sofrimento desnecessário, pois é comum atuarem contra sua vontade, além de ocorrer aumento dos custos de cuidados de saúde nas medidas de suporte de vida, inaceitáveis e desnecessárias em muitos casos. Essa condição está relacionada ao fato que, diante das perguntas efetuadas pelos médicos aos seus pacientes, a respeito de suas preferências e cuidados em final de vida, 24,5 % disseram que perguntou "quase sempre" e 12% que "sempre" (FRANCO; SILVA; SATURNO, 2011). Com relação ao respeito às decisões dos pacientes sobre seus desejos em final de vida, destacam-se os achados de Pautex, Herrmann e Zulian (2008), em pesquisa realizada em Genebra, cujo objetivo foi caracterizar os pacientes com doença oncológica avançada que decidiram completar suas diretivas antecipadas e medir o efeito da sua conclusão sobre o nível de satisfação com os cuidados de fim de vida, tanto dos pacientes como de seus familiares. A pesquisa realizada com 53 pacientes com câncer avançado demonstrou que as preferências de fim de vida dos pacientes que formularam suas diretivas antecipadas foram respeitadas pelos cuidadores. Alia-se a isso o fato de que a maioria dos pacientes morreu na mesma unidade onde estavam descritas suas manifestações de vontade, e suas intenções não foram demasiado vagas, resultando de uma discussão aprofundada com os cuidadores. Na Alemanha, pesquisa realizada com 100 pacientes com câncer que objetivou investigar seus desejos sobre tratamento no fim da vida, comparando-os com os desejos dos enfermeiros e médicos, evidenciou que os pacientes preferiam tratamento com antibióticos e, 59 também, infringir tratamentos, como de quimioterapia e diálise, significativamente de modo mais frequente do que a equipe de enfermagem e médicos. Foram determinantes associados a esse desejo dos pacientes, a precariedade do seu estado de saúde e a idade avançada (SAHM; WILL; HOMMEL, 2005). Na Alemanha, com relação à escolha de quem deveria introduzir o diálogo sobre as DAV, foi identificado que aproximadamente 75% dos pacientes queriam que seus médicos iniciassem essa discussão, no momento em que o curso da doença exigisse (SAHM; WILL; HOMMEL, 2005). Entretanto, em sua maioria, houve menção sobre a incapacidade de prever com antecedência o que eles iriam querer em uma situação futura (SAHM; WILL; HOMMEL, 2005; BARNES et al., 2007). Para Barnes et al (2007), o momento em que ocorre a discussão sobre as DAV é susceptível de influenciar sua aceitabilidade e efeito. Assim, a discussão pode ser melhor iniciada após a recorrência da doença ou quando o tratamento falhou e o prognóstico é pobre. As pessoas que iniciam discussões sobre as DAV devem ser ágeis em resposta e aos sinais de desconforto do paciente, devendo essas discussões, preferentemente, transcorrer ao longo de um certo número de encontros, conduzidas por um profissional treinado, com tempo para falar sobre as questões levantadas, e com conhecimento e habilidade para responder às perguntas, adaptando-as ao indivíduo, e evitando destruir sua esperança. As decisões de recusar o tratamento não devem ser o foco da discussão, mas um componente de uma conversa mais ampla sobre questões de fim de vida. Se o paciente tomar uma decisão antecipada de recusar certos tratamentos, lhe deve ser dada a oportunidade de mudar sua opinião no futuro. Sob outro enfoque, nos EUA, pesquisa realizada por Heffner e Barbieri (2000) com pacientes apresentando comprometimento cardiológico avançado, constatou que eles queriam realizar suas decisões de fim de vida, considerando suas próprias vontades ou levando em conta as opiniões dos familiares, em vez de deixar as decisões para médicos e enfermeiros. Diante de uma doença grave, 72% dos pacientes realizaram suas próprias decisões, 15% preferiram que suas famílias decidissem, e apenas 8% transfeririam a decisão para os médicos. Na simulação de uma situação em que o paciente tivesse perdido a capacidade de decisão, 47% dos pacientes preferiram suas DAV escritas para orientar as decisões, 27% preferiram ter um substituto nomeado em sua diretiva antecipada para tomar decisões, 22% preferiram suas famílias para tomar decisões, e 4 % deixariam as decisões aos médicos. No entanto, uma das principais barreiras percebidas para a conclusão das diretivas antecipadas, em pesquisa implementada no Reino Unido com 18 pacientes oncológicos e quatro familiares, foi a de que médicos não introduzem o assunto e a discussão sobre as DAV. 60 Isso destaca a necessidade de os profissionais de saúde serem informados sobre as DAV e sensibilizarem-se aos sinais do paciente. Desse modo, vários participantes sugeriram que os enfermeiros seriam os mais apropriados para conduzir essas discussões, em parte, porque detêm conhecimento suficiente para responder perguntas e fornecer informações, e em parte por causa do vínculo de confiança que se desenvolve ao longo do tempo nas relações enfermeiro- paciente. No que se refere às preocupações expressas sobre o direito de uma pessoa modificar seu pensamento sobre o que está escrito em uma diretiva antecipada, os pacientes disseram que as opiniões podem mudar à medida que a doença progride ou novos tratamentos se tornarem disponíveis e, por conseguinte, devem ser oferecidas oportunidades regulares aos pacientes para atualizarem suas preferências (BARNES et al., 2007). Nos EUA, uma pesquisa desenvolvida com 415 pacientes cardíacos inscritos em centros de reabilitação ambulatorial, indicou que apenas 15% dos pacientes havia se envolvido em discussões com seus médicos sobre diretivas antecipadas e 9% tinham concluído as discussões sobre as intervenções de sustentação da vida. As discussões sobre as diretivas antecipadas foram iniciadas mais frequentemente por pacientes (66%), seguidas por membros da família (29%) e médicos (5%). As discussões sobre os cuidados de suporte de vida foram mais frequentemente iniciadas por membros da família (51%), seguidos pelos pacientes (43%) e médicos (6%) (HEFFNER; BARBIERI, 2000). Na Tailândia, em estudo realizado com 152 sujeitos, quanto as preferências dos pacientes com doenças terminais sobre as decisões em relação aos cuidados de fim de vida e a RCR, foi constatado que 57,2% dos pacientes tinha um grande respeito pela autoridade de seus médicos na tomada de decisões sobre os cuidados de fim de vida, 28,3% transfeririam suas decisões a familiares e apenas 14,5% optaram pela tomada de decisão compartilhada entre familiares e os médicos. No entanto, diante da situação de necessidade de uma decisão para RCR cujos participantes fossem incapazes de tomar essa decisão, 44,1% dos indivíduos expressaram o desejo de que a família tomasse as decisões em conjunto com os médicos, 33,6% atribuiriam a decisão para a família e apenas 22,4% transfeririam suas decisões aos médicos (SITTISOMBUT; INTHONG, 2009). No estudo de Evans et al (2008), feito com 4396 pacientes, 6% dos pacientes italianos, 5% dos espanhóis, 16% dos belgas e 29% dos pacientes holandeses realmente nomearam (verbalmente ou por escrito) um substituto decisor (EVANS et al., 2013).A partir do estudo de Sittisombut et al (2008), que procurou verificar a eficácia das diretivas antecipadas, foi constatado que pacientes e seus substitutos estavam dispostos apenas a expressar suas preferências, mediante discussão verbal, não através da assinatura de um documento. 61 Com relação às (des) vantagens e motivações à utilização das DAV, de acordo com Pautex, Herrmann e Zulian (2008), os pacientes que completaram as diretivas apresentaram menor índice de depressão e ansiedade. As diretivas antecipadas fundamentam-se nos princípios da autonomia, do respeito às pessoas e à lealdade, trazendo, como benefícios, a melhoria da relação médico-paciente, e da autoestima do paciente (DADALTO, 2013a). As principais motivações dos pacientes para completar suas manifestações e desejos estariam relacionadas à ampliação de sua autonomia; melhora da comunicação com os cuidadores; medo do tratamento; não ser considerado um fardo; melhora da comunicação com seus substitutos; certificar-se que suas preferências seriam respeitadas; não ser reanimado; utilizar altas doses de analgésicos em caso de dor intratável; introduzir a nutrição artificial; hidratação; antiobióticos; além da transfusão de sangue; desejo de ser transferido para outro hospital; desejar nova hospitalização (PAUTEX; HERRMANN; ZULIAN, 2008). Entretanto, os autores supracitados apresentam os motivos para não completar as DAV, que se referem às dificuldades de antecipar suas vontades, não ter que escrever desejos e o aparecimento rápido de um delírio ou a piora da condição de saúde. Complementa-se, também, as dificuldades em organizar uma DAV, tendo que especificar as preferências e/ou limitações para o tratamento de suporte de vida, além da linguagem que pode se apresentar vaga e inconsistente para sua implementação (HAPP et al., 2002). Já para Shan, Will e Hommel (2005). Uma das principais advertências contra o uso de diretivas na tomada de decisão no fim da vida é que as pessoas podem não ser capazes de compreender o que se entende por qualquer opção de tratamento sem ser devidamente informadas. Merece destaque a importância do processo educativo, bem como as instruções realizadas por profissionais que repercutem em maiores índices de preenchimento das DAV (HARE; NELSON, 1991). No estudo de O'Mahony et al (2010), realizado com 157 pacientes atendidos por uma equipe de cuidados paliativos no Centro Médico Montefiore, no Bronx, Nova York, foi constatado que 33% dos pacientes tinha ordens de não-ressuscitar; no entanto, após as orientações elucidativas e educativas, esse número ampliou para 83,4%. Nos EUA, logo após o surgimento da Patient Self-Determination Act (PSDA), foi realizado um estudo com dois grupos de um total de 167 pacientes adultos de um hospital em Minesota, em que o primeiro grupo recebeu a demonstração de um folheto com a descrição de informações sobre as DAV e as intervenções médicas que poderiam ser consideradas extraordinárias se fossem utilizadas por um doente terminal; o segundo grupo recebeu um livreto juntamente com discussões realizadas com o médico sobre as DAV. Antes da realização do estudo, nenhum dos pacientes havia completado um TV. Após as intervenções, 62 dos 83 pacientes que tiveram acesso ao livreto, 84% indicaram que o tinham lido, e desses, 61% haviam discutido com a família sobre os cuidados de saúde que desejariam, ou não, receber se estivessem em estado terminal. Entretanto, antes do primeiro período de intervenção, apenas 44% do grupo de participantes tinha indicado que tinham falado aos familiares sobre tais questões de tratamento. Na intervenção da utilização do livreto e de discussões com o médico, 70% apresentaram-se interessados para discutir sobre o TV, 23% mostraram desinteresse e um pouco de resistência e 7% se mostraram totalmente resistentes à discussão. Nesse sentido, a utilização do livreto e as discussões com o médico se mostraram eficazes (HARE; NELSON, 1991). No Brasil, há falta de estudos que pesquisem as perspectivas dos pacientes diante da prática das DAV. Destaca-se a investigação de Campos et al (2012), desenvolvida com 110 pacientes e 142 acompanhantes, a qual constatou que o conhecimento sobre o termo TV, numa escala de 0 a 10 pontos, alcançou a média de 0,13 pontos, entre os pacientes. Após apresentados o significado do termo, a intenção de elaboração das DAV obteve média de 9,56. Além disso, foi identificado que existe uma menor tendência de elaboração do TV em pacientes de 21 a 30 anos, quando comparada a de outras faixas etárias. Já com relação a implantação do TV no Brasil, a média de aceitação, entre os pacientes, foi de 9,56. Em relação ao tempo de adoecimento e a preferência pela decisão, foi observado que pacientes com mais tempo de doença apresentaram maior vontade de decidir sobre sua saúde (CAMPOS et al., 2012). Na verdade, conforme Holland (2008), o que as DAV trazem à tona é que a enfermidade e mesmo o morrer não devem ficar nas mãos, somente, dos profissionais da saúde, reduzindo o paciente a um incapaz, alheio às decisões tomadas a seu respeito: o protagonismo do homem sobre sua vida se estende agora ao momento de sua enfermidade e sua morte. 3.2.4 Questões familiares diante das diretivas antecipadas de vontade Em se tratando das DAV, de modo que as vontades do paciente e sua dignidade sejam mantidas, conforme seus ideais, a dependência das decisões dos seus representantes parece inevitável. Desse modo, internacionalmente, realizando uma associação das DAV com o doente terminal, as pesquisas indicam que os cuidadores familiares e substitutos desempenham papel indispensável diante de decisões que envolvem o fim da vida 63 (SULMASY et al., 1998; O'MAHONY et al.,2010; SARMIENTO-MEDINA et al., 2012; SCHENKER et al., 2012; KEAM et al., 2013). Os estudos apontam que as diretivas contribuem no sentido de amenizar aflições dos familiares quanto à responsabilidade de decidir sobre as condutas nas questões relacionadas ao fim da vida. Assim, Seymour et al (2004), a partir da pesquisa realizada no Reino Unido com 32 idosos ou acompanhantes, constataram que as declarações antecipadas foram entendidas, principalmente, em termos de seu potencial para ajudar a integridade pessoal e as pessoas mais velhas e familiares, reduzindo o percebido 'fardo' de sua tomada de decisão. Além disso, outro dado corresponde ao fato de que familiares enlutados relataram que a conclusão de uma diretiva antecipada resultou em menos preocupações dos familiares, com relação às condutas a serem realizadas, sobre a comunicação com os pacientes, aumentando a utilização de cuidados paliativos (RONDEAU; SCHMIDT, 2009). A família desempenha um papel fundamental na tomada de decisão, sob este aspecto, destaca-se a pesquisa de Keam et al (2013), realizada, na Coréia do Sul, com 1289 cuidadores familiares, identificando que 92,9 % aprovaram a necessidade de implementação das DAV. Frequentemente, as decisões no final da vida que envolvem os familiares são motivadas pela percepção da falta de dignidade, devido à deterioração progressiva, dor mal controlada, abandono do paciente crônico, crueldade terapêutica e uso desnecessário de medidas que adiam a morte (SARMIENTO-MEDINA et al., 2012). Entretanto, uma pesquisa realizada nos EUA, com 30 decisores substitutos, demonstrou que os familiares, ativamente envolvidos nas decisões de tratamento de suporte de vida de doentes terminais, experimentam significativo conflito emocional entre o desejo de agir de acordo com os valores de seu ente querido, não querendo se sentir responsável pela sua morte, o desejo de perseguir qualquer chance de recuperação e a necessidade de preservar o bem-estar da família (SCHENKER et al., 2012). Complementa-se, ainda, que, muitas vezes, há evidências de que substitutos frequentemente não sabem as preferências do paciente. No entanto, em pesquisa, realizada também nos EUA, com 50 pacientes e os seus substitutos e 50 pacientes de clínica geral e seus substitutos, a fim de avaliar a precisão das decisões tomadas pelos decisores substitutos e as preferências dos pacientes para tratamentos de sustentação da vida, foi constatado que os substitutos fazem previsões corretas em aproximadamente 66% dos casos, sendo fatores relevantes, associados, o paciente ter falado com o familiar sobre questões de fim de vida, o paciente ter seguro privado, o nível de educação do substituto e do paciente. Contudo, a precisão das decisões foi negativamente associada à crença do paciente de que ele ou ela iria viver mais de 10 anos, experiência com o 64 tratamento de suporte de vida, participação em serviços religiosos e a um diagnóstico de insuficiência cardíaca (SULMASY et al., 1998). Esseestudo indicou as estratégias de intervenção que auxiliam nos julgamentos mais precisos dos substituídos. Por exemplo, os profissionais de saúde podem incitar os pacientes a conversar com seus entes queridos sobre seus desejos para os cuidados de fim de vida. Ainda, os julgamentos dos substituídos podem ser melhorados se os médicos têm discussões mais francas com doentes terminais sobre seus prognósticos (SULMASY et al., 1998). Além disso, pode ocorrer dos pacientes expressarem suas ordens, mas os familiares não aceitarem, desconsiderando sua vontade. Sob esse enfoque, ressalta-se que a coexistência do mandato duradouro e do TV em um único documento, ou em outras palavras, a feitura de uma DAV aumenta a certeza de que a vontade do paciente será atendida, uma vez que o substituto poderá decidir pelo paciente quando o TV for omisso e, mais, poderá auxiliar a equipe médica quando a família se colocar contra a vontade manifesta no TV. Não obstante, o aspecto vinculante do TV evidenciou, em pesquisa realizada, no Brasil, com médicos, suas dificuldades em respeitar a vontade do paciente, ainda que escrita, quando a família é contrária a essa vontade (DADALTO; TUPINAMBÁS; GRECO, 2013). Nos EUA, as estratégias de enfrentamento incluiram a possibilidade de recordar discussões anteriores com um ente querido, as decisões de partilha sobre os bens com os familiares, de atrasar ou adiar uma tomada de decisão, práticas espirituais/religiosas e o relato de histórias. Os resultados da pesquisa com 30 substitutos, realizada nos EUA, demonstraram que há uma luta para conciliar as necessidades emocionais individuais e familiares com seus entes queridos. O estudo sugere estratégias para os médicos melhorarem a tomada de decisão, incluindo o atendimento às emoções dos substitutos, facilitando as decisões em família. O aumento da atenção para a experiência negativa de substitutos levou à ampliação de pedidos para melhorar o apoio generalizado para famílias na UTI (SCHENKER et al., 2012). Nesse contexto, é primordial, quando o desejo for de registrar as vontades de cuidados em fim de vida, que essas sejam realizadas. O registro escrito contribui para evitar conflitos dos interesses pessoais e das vontades dos pacientes, especialmente quando os familiares divergem sobre as condutas a serem tomadas, repercutindo em dúvidas aos profissionais que podem vir a atuar conforme o interesse dos familiares e não dos pacientes que, ao registrarem suas vontades, esperavam que seu direito de autonomia pudesse ser garantido. A prática de implementação do TV é incipiente no Brasil, praticamente ainda não utilizada, acrescendo-se que suas disposições específicas ainda exigem interpretação. Nesse contexto, destaca-se que se os profissionais da saúde continuarem comprometidos com a 65 crença de que a autonomia do paciente não está completamente revogada quando perde sua capacidade de decisão, resta pouca escolha além de continuar a perguntar a quem conhece o paciente melhor – o familiar - o que eles acham que o paciente deseja. A família desempenha papel indispensável na contextualização dos cuidados em final de vida do doente terminal, principalmente pelo fato que, por vezes, são eles que assumem responsabilidades quanto a decisões que envolvem limitações dos esforços terapêuticos, quando seu ente está incapacitado de decidir. Assim, é importante procurar manter o paciente, se possível, e sua família, informados sobre a situação do doente e a evolução da doença, considerando que somente com a interação da equipe multiprofissional, paciente e familiar, será possível estabelecer uma ação diante da situação do paciente, isentando-se de qualquer tipo de ressentimento ou mágoa por ter sido realizada, ou não, alguma ação (COGO, 2008). A inclusão das DAV, com a nomeação de um representante apto a responder pelo doente terminal, constitui-se em uma alternativa a fim de permitir que as vontades dos pacientes sejam respeitadas pelos seus familiares. Ademais, o TV consiste em uma possibilidade de evitar ou, mesmo, dirimir problemas éticos e bioéticos entre médicopaciente-familiares em situações extremas como o final da vida (PICCINI et al., 2011). Ha que se destacar que, no Brasil, não existem estudos sobre como os familiares dos doentes terminais tratam as questões relacionadas às DAV, exceto a investigação de Campos et al (2012) que avaliou, mediante métodos quantitativos, a percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes sobre o conhecimento e aceitação do TV. A pesquisa indicou que o conhecimento do termo “testamento vital” pelos familiares/acompanhantes, foi de 0,41 pontos (de 0 a 10). Posteriormente à explicação dos significados, a intenção de elaboração do TV obteve média de 9,39 entre os acompanhantes (CAMPOS et al., 2012). Une-se, a isso, o fato que, com relação a implantação do TV no Brasil, a média de aceitação foi de 9,75 entre os acompanhantes. Os familiares indicaram, também, considerar como mais apropriado que as decisões fossem tomadas pelos médicos (8,92) ou pelos médicos juntamente com pacientes (8,87); ou seja, excluindo sua participação (CAMPOS et al., 2012). Para Neves (2013), as necessidades de um doente terminal, muitas vezes isolado pela sociedade, aumentam as exigências quanto a cuidados de conforto que promovam a qualidade de vida física, intelectual e emocional, sem descurar a vertente familiar e social. As situações de fim de vida envolvem vários personagens: doentes, familiares, equipe de saúde e instituição hospitalar, devendo cada uma das partes ser envolvida na tomada de decisão, sempre tendo em conta os prós e os contras de cada uma das opções. 66 4 PERCURSO METODOLÓGICO 4.1 DESENHO DO ESTUDO Tratou-se de uma pesquisa pautada na abordagem qualitativa do tipo descritiva e exploratória. De acordo com Moraes (2003), a pesquisa qualitativa possibilitou que fossem compreendidos os fenômenos averiguados por meio da análise rigorosa e criteriosa de materiais textuais, sem a intenção de testar hipóteses para comprová-las ou refutá-las ao seu final, mas procurando a compreensão. Neste sentido, de acordo com Polit e Beck (2011), o caráter descritivo permitiu observar, descrever e documentar as características do fenômeno pesquisado. Já o caráter exploratório visou proporcionar maior familiaridade com o problema estudado, a fim de torná-lo explícito, tendo, como objetivo principal, o aprimoramento de ideias e descobertas. 4.2 CENÁRIO DO ESTUDO O cenário que compreendeu essa pesquisa foi um hospital universitário e público de grande porte criado em 1970, de uma cidade localizada no centro geográfico do Estado do Rio Grande do Sul (RS), com aproximadamente 1780Km2e 263.403 habitantes (IBGE, 2010). O hospital serve de referência secundária e terciária para a região centro-oeste, abrangendo 46 municípios, atendendo, exclusivamente, o Sistema Único de Saúde (SUS) e atua como hospital-escola, como forma de aprimorar o desenvolvimento e qualificação da assistência à população, permitindo que as atividades curriculares sejam realizadas em consonância entre a teoria e a prática (HUSM, 2014). A estrutura hospitalar é dividida por unidades de clínicas médica, cirúrgica, pediátrica, obstétrica e ginecológica, intensivismo adulto, pediátrico e neonatal, atendimento ambulatorial, serviço de Hospital-Dia para portadores do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), hemato-oncologia e nefrologia, atendimento domiciliar, pronto-atendimento e outras especialidades, perfazendo um total de 291 leitos em unidade da internação, 37 leitos em unidade de terapia intensiva, além das 53 salas de ambulatório, 11 salas para atendimento de emergência, seis salas do centro cirúrgico e duas salas do centro obstétrico (HUSM, 2014). Os recursos humanos para atender a demanda compõem-se de funcionários em nível médio e superior, funcionários terceirizados, docentes das áreas de enfermagem, farmácia, 67 fisioterapia, medicina e odonto-estomatologia e alunos de graduação, estagiários, residentes, mestrandos e doutorandos (HUSM, 2014). Desse modo, as unidades do hospital escolhidas para o recrutamento dos participantes da pesquisa foram a clínica médica II e o serviço de internação domiciliar. Naclínica médica, constam 24 leitos destinados a diferentes especialidades, a citar: neurologia, pneumologia, gastrenterologia, cardiologia, gerontologia, infectologia, entre outras. O quadro de profissionais é composto por sete enfermeiros, 17 técnicos de enfermagem e quatro auxiliares de enfermagem; além de aproximadamente 20 médicos residentes. O serviço de internação domiciliar, criado em maio de 2005, assiste pacientes portadores de enfermidades crônicas, clinicamente estáveis após internação hospitalare que têm um familiar cuidador que se responsabiliza pelos cuidados no domicílio. O serviço possui um limite de 30 pacientes, e objetiva manter a continuidade do tratamento dentro do ambiente familiar; reduzir a média de permanência hospitalar, auxiliando na otimização da ocupação dos leitos hospitalares; diminuir o risco de complicações como infecções hospitalares e o desgaste emocional da família e do paciente (HUSM, 2014). Neste contexto, a fim de proporcionar condições de assistência qualificada aos pacientes e familiares que participam do serviço, existe uma equipe multidisciplinar composta por dois enfermeiros, um auxiliar de enfermagem, um fisioterapeuta, um assistente social, um médico assistente, um médico residente e um nutricionista. Inclui, ainda, um auxiliar administrativo, que atua secretariando, além de um motorista que complementa as necessidades para o atendimento. (HUSM, 2014). Inserem-se, também, nesse programa, acadêmicos dos cursos de Enfermagem, Fisioterapia e Fonoaudiologia, e profissionais da residência multiprofissional, os quais exercem ações durante as aulas práticas e estágios, sob a supervisão dos docentes e dos profissionais do serviço (BRONDANI, 2008). Partindo do exposto, a escolha pelas referidas unidades justificou-se por entender que se constituíram em locais adequados para essa pesquisa, pois caracterizam-se por atender e assistir doentes terminais e, consequentemente, ambientes repletos de vivências de situações conflituosas e de dilemas éticos suscitados pelo processo de terminalidade, relacionados às questões de suspensão ou não dos tratamentos, bem como situações relacionadas ao cumprimento das vontades do paciente, ou seja, a manutenção da sua autonomia. 68 4.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA Os participantes da pesquisa compõem uma amostragem intencional, ou seja, foram escolhidos propositalmente pela pesquisadora, considerando-os adequados a responder as questões exploradas na pesquisa (POLIT; BECK, 2011). Assim, os critérios de inclusão foram: enfermeiros e médicos residentes atuantes na unidade de clínica médica e no serviço de internação domiciliar por pelo menos seis meses, que aceitassem e apresentassem disponibilidade em participar da pesquisa. No que se refere aos cuidadores familiares, os critérios foram: maiores de 18 anos que realizassem o cuidado ao paciente considerado doente terminal em sua residência, familiares designados como responsáveis pelo paciente que aceitassem participar e responder aos questionamentos da pesquisa. Os critérios de exclusão dos participantes limitaram-se à ausência dos enfermeiros e médicos no período destinado à coleta dos dados, em virtude de afastamentos, atestados médicos e outros. Não foram considerados participantes da pesquisa, os familiares que não efetuassem o cuidado direto ao paciente; os cuidadores familiares de pacientes que não possuíssem o diagnóstico de doença terminal e os familiares menores de 18 anos. Os principais motivos que nortearam a opção pela pesquisa com enfermeiros e médicos que atuam rotineiramente com pacientes considerados doentes terminais decorreu da iminência da morte ser precedida, na maioria das vezes, de discussões sobre a recusa ou suspensão dos tratamentos, o que impõe, à equipe multidisciplinar, decisões que envolvam problemas éticos, religiosos, culturais e legais (SOARES; TERZI; PIVA, 2007). Além disso, Costa e Diniz (2004) consideraram que os enfermeiros e médicos são continuamente confrontados com diferentes escolhas sobre quando, como e onde morrer, preferências relacionadas aos padrões de vida das pessoas e não apenas a questões de ordem técnica. Ainda, em algumas situações críticas e terminais, dada a inevitabilidade da morte e o esgotamento das alternativas curativas ou paliativas, a possibilidade de decidir sobre a própria morte assume um papel de conforto moral. Um número crescente de pessoas procura auxílio de médicos e enfermeiras não apenas para tratar doenças, mas para garantir que a experiência da morte seja também resultado de escolhas individuais (COSTA; DINIZ, 2004). Os familiares responsáveis e que cuidam dos pacientes foram escolhidos, pois influenciam diretamente nas decisões; muitas vezes, esse poder lhes é delegado pelo paciente e pelo fato dos profissionais da saúde recorrerem aos familiares responsáveis para auxílio nas tomadas de decisões diante do paciente incapacitado. De acordo com Hofmann et al (1997), 69 entretanto, por vezes, os familiares desconhecem as preferências do paciente para os cuidados de fim de vida, o que sugere que a comunicação sobre essas questões pode ser inadequada. Assim, participaram do estudo dois enfermeiros e um médico que compõem o quadro funcional do serviço de internação domiciliar; seis enfermeiros e seis médicos residentes da unidade de clínica médica II da instituição hospitalar.Dos oito enfermeiros, sete são do sexo feminino e um masculino, com média de idade de 44 anos; seu tempo de formação em enfermagem variou de nove a 30 anos, e com tempo médio de atuação profissional nas unidades pesquisadas de sete anos. Os níveis de aperfeiçoamento mais evidentes foram a especialização, contudo, apresentaram-se duas enfermeiras com mestrado em andamento, duas enfermeiras mestres e uma doutora em enfermagem.Já os médicos entrevistados, três do sexo feminino e quatro masculino, caracterizavam-se por idades entre 25 e 42 anos de idade com uma média de 29 anos; com tempo de atuação profissional da quase totalidade dos entrevistados, nas unidades pesquisadas, de um ano. Os familiares recrutados a participar das entrevistas foram escolhidos conforme diagnóstico de doente terminal determinado pelo médico do serviço de internação domiciliar, levando em conta que, nos meses de outubro a dezembro de 2014, obteve-se uma variação de 28 a 30 pacientes submetidos ao serviço e desses, de oito a 10 pacientes considerados terminais, tendo sido entrevistados sete familiares de pacientes. Dentre os principais acometimentos dos pacientes considerado terminais, estava o câncer de amígdala, mama, canal retal com metástases, melanoma metastático, complicações oriundas de acidentes vasculares recorrentes e esclerose lateral amiotrófica. A caracterização dos sete familiares entrevistados variou de idades entre 41 e 57 anos, com uma média de 50 anos, e o tempo de cuidado de dois a três anos. A relação de parentesco dos cuidadores foi de três maridos e duas esposas, uma filha e uma sobrinha. Quanto à escolaridade dos entrevistados, dois referiram ter ensino médio incompleto, dois cursaram ensino fundamental incompleto, um com ensino médio completo, um com formação técnica e uma entrevistada com curso superior em formação. Ressalta-se que todos os familiares entrevistados não trabalham, exercendo suas atividades de cuidados aos pacientes em tempo integral; exceto um dos esposos que atua profissionalmente de forma esporádica. Desta forma, perfizeram a amostra da pesquisa 22 participantes, sendo que esse número não foi definido aprioristicamente. Ressalta-se que uma das enfermeiras da clínica médica se recusou a participar da entrevista, alegando dificuldades pessoais de enfrentamento da temática. Com os médicos residentes, houve dificuldades referente à coleta de dados em virtude da reduzida disponibilidade de tempo para participarem das entrevistas, por estarem 70 em horário de trabalho, necessitando em média três (re) agendamentos com cada médico entrevistado. Já com os cuidadores familiares, foi possível realizar a entrevista com todos os elencados. 4.4 COLETA DOS DADOS A coleta dos dados foi realizada, pela autora desta pesquisa, nos meses de outubro a dezembro de 2014, por meio de entrevistas semiestruturadas (APÊNDICE I) realizadas em um único encontro com uma duração média de 50 minutos. As entrevistas foram conduzidas em uma estrutura flexível, com questões abertas que definiam a área a ser explorada, pelos menos inicialmente, e a partir da qual foi possibilitado ao entrevistador e a pessoa entrevistada interagir a fim de prosseguir com uma ideia ou resposta em maiores detalhes (POPE; MAYS, 2006). Houve a inclusão de questões fechadas, a fim de obter a caracterização dos participantes. Foi possível captar as visões aprofundadas de como os enfermeiros, médicos e cuidadores familiaresdos doentes terminais entendem a aplicabilidade das DAV nas situações de terminalidade. Contudo, partindo do pressuposto que o entendimento sobre a terminologia DAV seria limitado, foi exposto, para aqueles que não apresentaram esse conhecimento, o conceito determinado pelo CFM, que se refere a um documento organizado pelo paciente com o médico, ou isoladamente, onde constam os desejos, prévia e expressamente manifestados, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade (CFM, 2012). Os participantes da pesquisa - médicos e enfermeiros – primeiramente foram consultados sobre o interesse em participar da pesquisa e, após, foi realizado o agendamento das entrevistas. O encontro para a coleta dos dados ocorreu nos seus locais de trabalho em salas privativas, considerando a manutenção da privacidade e o sigilo, sem prejudicar o andamento das atividades assistenciais. No entanto, com um dos médicos residentes, a entrevista ocorreu no domicílio, conforme solicitação do participante. Ressalta-se, ainda, que aproximadamente dez médicos residentes não apresentaram interessem em participar da pesquisa, principalmente pelo fato de desconhecimento da temática e em virtude das ocupações profissionais que impossibilitariam dispender de tempo para participar. O agendamento da coleta dos dados com os familiares dos pacientes considerados doentes terminais ocorreu após a realização da aproximação inicial por meio de, no mínimo, duas visitas realizadas com a equipe de assistência domiciliar da instituição, até que houvesse 71 uma familiarização da pesquisadora com os participantes. Passada essa etapa, foram realizadas as entrevistas no domicílio, conforme marcação prévia. Os participantes da pesquisa foram orientados quanto aos objetivos da pesquisa, bem como a metodologia que seria empregada, além dos riscos e benefícios esperados. Assim, a fim de captar os dados com melhor fidedignidade, foi utilizado o gravador digital para as entrevistas, a partir da autorização e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos enfermeiros e médicos (APÊNDICE II) e familiares (APÊNDICE III), em duas vias, ressaltando que seria assegurada a liberdade de participar do estudo, bem como a possibilidade de se recusar e retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem penalização ou prejuízo para si. 4.5 ANÁLISE DOS DADOS Os dados coletados por meio das entrevistas foram submetidos à análise textual discursiva que, de acordo com Moraes e Galiazzi (2013), se fundamenta na desconstrução e reconstrução aprofundada da compreensão de novos entendimentos, a partir de um processo auto-organizado, que emergem dos fenômenos investigados, considerando o cumprimento de uma sequência de três etapas: a desconstrução dos textos do corpus, a unitarização; o estabelecimento de relações entre os elementos unitários, a categorização; e a captação do novo emergente em que a nova compreensão é comunicada e validada. A unitarização do corpus da pesquisa constituiu a primeira etapa exigindo a participação ativa da pesquisadora, examinando detalhadamente as transcrições das entrevistas realizadas, a fim de fragmentá-las no sentido de atingir unidades de sentido referentes ao fenômeno; ou seja, um exercício de desconstrução das informações coletadas (MORAES; GALIAZZI, 2013). A escolha das unidades de sentido é relevante, pois os resultados da pesquisa são muito sensíveis aos tipos de unidades trabalhadas. A unitarização propiciou um esforço constante de interpretação e construção de significados em relação aos significantes do corpus. Essa etapa foi permeada por um trabalho de reconstrução de significados, considerando que os sentidos não se desprendem do material analisado e precisam ser reconstruídos. As reconstruções necessariamente sofrem interferências das concepções teóricas do pesquisador, por sua teoria e visão de mundo (MORAES; GALIAZZI, 2013). Assim, nessa pesquisa, o referencial teórico de Beauchamp e Childress, a partir dos conceitos de autonomia, beneficência e não-maleficência, norteou as discussões e construções dos significados. 72 A prática de unitarização, para ser concretizada, seguiu três etapas distintas, que incluíram: a fragmentação dos textos e codificação de cada unidade; a reescrita de cada unidade de modo que assumissem um significado o mais completo possível; e, por último, a atribuição de um nome a cada unidade produzida (MORAES; GALIAZZI, 2013). Essas etapas exigiu um intenso contato e impregnação com o material de análise, envolvimento essencial para a emergência de novas compreensões e para a continuidade do processo analítico (MORAES, 2003). Na unitarização, os recortes dos textos realizados repercutiram diretamente na estruturação das categorias, levando em conta que o inventário das unidades de base constituiu ferramenta indispensável para a categorização, que originou a segunda etapa da análise textual discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2013). Na etapa da categorização, a construção das categorias aconteceu a partir da organização, ordenamento e agrupamento de conjuntos de unidades de análise, objetivando expressar as novas compreensões dos fenômenos investigados que correspondem à síntese dos elementos que mais se destacaram na investigação (MORAES; GALIAZZI, 2013). Assim, durante a categorização, ocorreu a identificação das unidades de significado, que conforme os sentidos, foram agrupadas em categorias iniciais; após, as intermediárias, que progressivamente foram organizadas e denominadas com maior precisão à medida que estavam sendo construídas, originando as categorias finais (QUADRO 1). As categorias constituem os elementos de organização do metatexto, ou seja, é a partir delas que surgem os textos descritivos e interpretações das novas compreensões sobre a temática investigada possibilitadas pela análise (MORAES; GALIAZZI, 2013). Há que se destacar que, na construção das categorias na análise textual discursiva, essas foram produzidas pelo método indutivo, implicando em construir gradativamente as categorias com base nas informações contidas no corpus (MORAES; GALIAZZI, 2013). A terceira etapa relacionada à captação do novo emergente aconteceu por meio da intensa impregnação dos materiais analisados, desencadeada pelas etapas precedentes, possibilitando a emergência de uma compreensão renovada sobre a aplicabilidade das DAV (MORAES; GALIAZZI, 2013), a partir da produção de metatextos oriundos do corpus.Assim, o ciclo de análise descrito, ainda que composto de elementos racionalizados e em certa medida planejados, em seu todo, constituiu um processo auto-organizado do qual emergiram novas compreensões desde o processo de desconstrução do corpus, até a comunicação dos resultados finais, criativos e originais, ou seja, as novas compreensões, originando a concretização do emergente (MORAES, 2003). 73 UNIDADES DE SENTIDO Diferentes condutas Desrespeito as vontades Dúvida nas condutas Deficiência de registros Deficiência e adaptação na comunicação Dúvida no diagnóstico Ciência do diagnóstico Ocultação do diagnóstico Cumprimento das vontades do paciente Reduzir distanásia Autonomia limitada Desrespeito às vontades Segurança Tranquilidade Auxilia nas decisões Amparo legal Redução do estresse Redução dos conflitos Consentimento dos familiares Ortotanásia Contestação judicial Mudança de opinião Desrespeitos às vontades do paciente Contestação familiar Ansiedade Cultura e escolaridade Falta de tempo Rotatividade de profissionais Difícil implementação Erros de diagnóstico Desmotivação profissional Treinamentos Protocolo Capacitação profissional Diálogo Registros Abordagem multiprofissional Dignidade Nutrição e hidratação Respeito Qualidade de vida Privacidade Conhecimento do diagnóstico e prognóstico Sinceridade Investimento total Crenças e cultura Desresponsabilização da família Mudança de opinião Medo das DAV Entubação Não dar trabalho para os familiares Situação inviável Mudança de opinião Sofrimento familiares Cansaço Sofrimento CATEGORIAS INTERMEDIÁRIAS CATEGORIAS FINAIS Conflito de ideias Interação profissional Esclarecimentos do diagnóstico e prognóstico Conflitos na assistência ao doente terminal: implicações à prática das DAV Respeito a autonomia Respaldo profissional O respaldo dos familiares e dos profissionais mediando o respeito a autonomia do paciente: vantagens à aplicabilidade das DAV Respaldo aos familiares Amparo legal Desrespeito a autonomia Limitações no entendimento das DAV Barreiras profissionais Dificuldades e limitações na implementação das DAV: desafios à prática hospitalar Divulgação na sociedade Comprometimento profissional Medidas de conforto Respeito a autonomia O medo das DAV e respeito à autonomia: desejos pessoais de cuidado dos profissionais remetidos a doença terminal Aplicação das DAV Desejos pessoais Sobrecarga no cuidado Desejos dos cuidadores familiares diante da situação de terminalidade 74 Dedicação exclusiva Desânimo Culpa Falta de autocuidado Doença do cuidador Angústia Satisfação Obrigação Compromisso Investimento total Esperança de melhora Informação médica do diagnóstico Confusão de informação Insegurança quanto ao diagnóstico (des) conhecimento do diagnóstico Desejos manifestados Suposições sobre as vontades do paciente Tratamentos Respeito às vontades Dúvida Orientação e estimulação médica Mudança de opinião Respaldo familiar Dúvida no diagnóstico Autoestima Medo da verdade Esperança Crença Proteção Depressão Medo Abdicação do autocuidado para o cuidar do outro Responsabilidade de cuidar Responsabilidade da família no cuidado ao doente terminal Esperança de reversão da doença Comunicação (in)suficiente do diagnóstico e prognóstico Cumprimento das vontades do paciente Aplicação das DAV O respeito à autonomia do doente terminal pelos familiares: o medo da verdade Ocultação do diagnóstico ao paciente Quadro 1 – Construção das categorias. Rio Grande, RS, Brasil, 2016. 4.6 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS A realização de pesquisas com seres humanos deve atender aos fundamentos éticos e científicos desde a sua idealização; assim, depois de concedidas as autorizações institucionais e o parecer favorável (n. 168/2014) do Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde (CEPAS) da FURG (ANEXO III), conforme o previsto pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que normatiza a realização de pesquisa com seres humanos (BRASIL, 2012), ocorreu o início da coleta dos dados. Após procedido aos trâmites éticos e institucionais, e cumprindo o compromisso do rigor científico e respeitando os preceitos éticos em todas as etapas na realização de pesquisa com seres humanos, bem como a defesa da tese, o relatório final estará disponível para a comunidade, inclusive a apresentação em encontros científicos e publicação em revistas especializadas, podendo conter citações literais da entrevista, mas sempre de modo anônimo e evitando a identificação do informante; assim, foram adotados códigos identificados por letras 75 (enfermeiros: ENF; médicos: MED; familiares: FAM) seguidos de algarismos numéricos para identificação das falas dos participantes. Ressalta-se que as falas dos entrevistados foram adaptadas, passando por alterações gramaticais e retirando termos da linguagem coloquial, a fim de facilitar o entendimento das citações dos entrevistados.Importante ressaltar que foram respeitados os compromissos éticos firmados, à realização da pesquisa, no que tange: à obtenção do TCLE; à ponderação entre riscos e benefícios; à previsão de procedimentos que assegurassem a confidencialidade, privacidade e proteção do (a) participante; ao respeito aos valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos; o respeito aos hábitos e costumes dos participantes; à garantia do retorno dos dados e benefícios obtidos com a pesquisa para as pessoas envolvidas.Conforme previsto na Resolução 466/12, os dados coletados estão mantidos em arquivo digital, sob a guarda da pesquisadora, por um período de cinco anos, após o término da pesquisa. Nesse sentido, há o compromisso por parte da pesquisadora acerca da confidencialidade dos dados coletados, bem como, do anonimato dos participantes. 76 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados e as discussões oriundas da coleta dos dados apresentam-se dispostos em três artigos científicos, que serão descritos a seguir. O primeiro artigo, intitulado “Assistência ao doente terminal: vantagens na aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade no contexto hospitalar” objetivouconhecer vantagens relacionadas à aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade no contexto hospitalar, na perspectiva de enfermeiros, médicos residentes e cuidadores familiares. A organização e elaboração do artigo respeitaram as normas do periódico científico Revista da Escola de Enfermagem da USP. O segundo artigo intitulado “Dificuldades e limitações na implementação das diretivas antecipadas: desafios à prática hospitalar” teve como objetivo conhecer dificuldades e limitações relacionadas à implementação das diretivas antecipadas de vontade no contexto hospitalar. Este artigo foi elaborado conforme as normas do periódico científico Revista Brasileira de Enfermagem. O terceiro artigo objetivou conhecer o entendimento de enfermeiros, médicos e cuidadores familiares quando remetidos à possibilidade de se tornarem doentes terminais sobre a aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade, intitulado “Diretivas antecipadas de vontade: desejos dos profissionais da saúde e cuidadores familiares quando remetidos a doença terminal” e foi organizado conforme as normas do periódico científico Revista Latino-Americana de Enfermagem. 77 5.1 ARTIGO 1 Assistência ao doente terminal: vantagens na aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade no contexto hospitalar10 Assistance to the terminally ill: advantages in the applicability of the advance directives of will in hospitals La asistencia a los enfermos terminales: ventajas en la aplicación de las directivas anticipadas de voluntad en hospitales 1 Silvana Bastos Cogo1; Valéria Lerch Lunardi2 Silvana Bastos Cogo - Doutoranda em Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Rio Grande (FURG). Professora Assistente da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) do curso de Enfermagem Campus Palmeira das Missões. Endereço: R.Serafim Valandro, 118, Santa Maria (RS). [email protected] 2 Valéria Lerch Lunardi - Doutora em Enfermagem. Docente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Rio Grande (FURG). [email protected] 10 Submissão do artigo para a Revista da Escola de Enfermagem da USP. Normas disponíveis em: http://www.scielo.br/revistas/reeusp/pinstruc.htm 78 RESUMO Objetivo:conhecer vantagens relacionadas à aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade no contexto hospitalar, na perspectiva de enfermeiros, médicos residentes e cuidadores familiares. Método: estudo qualitativo, descritivo e exploratório. Realizadas entrevistas semiestruturadas com enfermeiros, médicos residentes e cuidadores familiares de doentes terminais; após, procedeu-se a análise textual discursiva. Resultados: Emergiram quatro categorias: Respeito à autonomia do paciente, Respaldo no enfrentamento de conflitos com e dos familiares, Redução de conflitos na equipe em decisões sobre tratamentos e condutas, Divulgação e instrumentalização para aplicação das DAV.Conclusão: O respeito a autonomia do doente terminal permeia as vantagens ao se relacionar as condutas de tratamentos em final de vida. Com a efetivação das DAV no contexto hospitalar, discordâncias que envolvem os processos em final de vida estariam amparados pelo desejo do paciente, além de implicar em redução dos medos dos profissionais em sofrer processos legais e em respaldo aos familiares. Descritores: Diretivas antecipadas; Doente terminal; Enfermagem; Autonomia pessoal. ABSTRACT Objective: to know advantages related to the applicability of the advance directives of will in the hospital, from the perspective of nurses, medical residents and family caregivers. Method: qualitative, descriptive study. Conducted semi-structured interviews with nurses, medical residents and family caregivers of terminally ill; after, we proceeded to the discursive textual analysis. Results: Four categories emerged: Respect for patient autonomy, Respaldo in coping with conflicts and family, reduction of conflicts in team decisions about treatments and conducts, Disclosure and instrumentation for application of the DAV. Conclusion: Respect the patient's terminal autonomy pervades the advantages relate to the conduct of treatments at the end of life. With the conclusion of the DAV in the hospital, disagreements involving the end of life processes would be supported by the patient's desire, and making in reducing fears of professional experience in legal process and support to family members. Key words: Advance Directives; Terminally ill; Nursing; Personal autonomy. RESUMEN Objetivo: conocer las ventajas relacionadas con la aplicación de las directivas anticipadas de voluntad en el hospital, desde la perspectiva de las enfermeras, los médicos residentes y los cuidadores familiares. Método: Estudio cualitativo, descriptivo. Llevó a cabo entrevistas semi-estructuradas con enfermeras, médicos residentes y los cuidadores familiares de enfermos terminales; después, se procedió al análisis textual discursiva. Resultados: Cuatro categorías emergieron: El respeto a la autonomía del paciente, Respaldo para hacer frente a los conflictos y la familia, la reducción de los conflictos en las decisiones del equipo acerca de los tratamientos y conductas, Divulgación e instrumentación para la aplicación de la DAV. Conclusión: Respetar la autonomía del terminal del paciente impregna las ventajas se relacionan con la conducta de los tratamientos al final de la vida. Con la conclusión de la DAV en el hospital, los desacuerdos relacionados con el final de los procesos vitales serían apoyados por el deseo del paciente, y haciendo en la reducción de los temores de experiencia profesional en proceso legal y apoyo a miembros de la familia. Palabras clave: Las directivas anticipadas; Enfermos terminales; Enfermería; La autonomía personal. 79 Introdução A possibilidade de prolongar a vida humana artificialmente, em virtude dos avanços científicos e tecnológicos, impondo às pessoas, por vezes, processos de morte lenta e sofrida, requer reflexões sobre a limitação das intervenções clínicas, de forma a respeitar o cumprimento da vontade do doente em fase terminal(1). Em vista disso, a garantia e o avanço do respeito à autonomia pessoal, bem como a oposição à obstinação terapêutica, destituindo as pessoas de uma morte digna, por viver-se em uma sociedade que ainda nega a morte(2), propulsionaram o surgimento das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), também conhecidas, no Brasil, como testamento vital. As DAV surgem da necessidade de humanizar o fim de vida(1) e tratam do direito do paciente exercer sua autonomia, expondo suas vontades quanto aos tratamentos que gostaria, ou não, de se submeter, se estiver incapaz de manifestar sua vontade, seja por estar inconsciente ou em um estado terminal(3), permitindo-lhe preparar-se para a incapacidade de decidir perante a morte(1). O direito de escolher sobre a recusa, ou não, de tratamentos foi proposto nos Estados Unidos da América (EUA), em 1969, por Luis Kutner que cunhou o termo living will. Na década de 1990, as DAV, denominadas de Advances Directives, foram previstas pelo Patient Self-Determination Act, lei norte americana aprovada pelo Congresso, constituindo-se na primeira legislação do mundo a tratar sobre as diretivas(4). Há essencialmente dois tipos de DAV: a primeira, na qual o paciente especifica os tratamentos médicos que devem, ou não, lhe ser fornecidos em certas situações, também denominadas de testamento vital; e a segunda, Durable Power of Attorney, traduzida como mandato duradouro, que consiste na autorização, pelo paciente, de um representante legal, para decidir em seu nome, quando em situação de incapacidade(5). Nos países como EUA, Espanha, Inglaterra e México, onde as práticas das DAV são sustentadas por legislações, apesar de ainda suscitarem dificuldades de aplicação, elas são bem aceitas pela população, pacientes, cuidadores familiares, representantes legais e profissionais da saúde(6-12) promovendo a melhoria da relação médico-paciente e da autoestima do paciente(4). No Brasil, diferentemente, inexiste uma normativa jurisprudencial. Entretanto, a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 1.995/12 dispõe sobre as DAV, como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade(13). Ainda, diante da designação de um representante legal pelo paciente, suas informações devem ser consideradas e as DAV do paciente prevalecerão sobre o parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares(13). 80 O ponto central e norteador da Resolução é a autonomia do paciente, sujeito de sua história e de seu destino(14), fundamentando-se no respeito às pessoas e à lealdade(4). Frente a tais considerações, há que se destacar que essa prática já está vigente no Brasil, tendo sido constatado que, entre 2009 e 2014, o número de documentos do tipo de testamento vital registrados em cartório cresceu 2000%(15). No cenário internacional, pesquisas indicam que os cuidadores familiares e representantes legais desempenham papel indispensável diante da tomada de decisões que envolvem o fim da vida(10,16-17). Em pesquisa na Coréia do Sul, 92,9% de 1289 cuidadores familiares aprovaram a necessidade de implementação das DAV(10). Frequentemente, as decisões no final da vida que envolvem os familiares são motivadas pela percepção da falta de dignidade, devido à deterioração progressiva, dor mal controlada, abandono do paciente crônico, crueldade terapêutica e uso desnecessário de medidas que adiam a morte(16). As manifestações das decisões autônomas, que antecedem períodos de incapacidade, devem ser consideradas válidas e obrigatórias após a pessoa se tornar incapaz(5). Assim, a medida em que uma das principais motivações dos pacientes para completar as DAV relaciona-se à preservação de sua autonomia(12), esta pesquisa apoia-se na teoria principialista(5), primordialmente, no conceito de autonomia, referente aodireito do autogoverno, privacidade, escolha individual, liberdade da vontade, de ser o motor do próprio comportamento(5). Ante a tais fatos, considera-se que os benefícios das DAV não são exclusividade do paciente, mas oferecem importante respaldo aos cuidadores familiares e aos profissionais da saúde que disporão de maior segurança para agir, amparados na vontade expressa do paciente, além da tão almejada resolução de problemas éticos e morais, perante os quais os profissionais da saúde são submetidos, quando os pacientes perdem sua capacidade autônoma(18). Com a finalidade de sensibilizar os profissionais da saúde, contribuindo para a reflexão dos estudos sobre as DAV, e pela incipiência de pesquisas empíricas, especialmente que indiquem, sob o olhar dos profissionais da saúde e cuidadores familiares, as vantagens da sua aplicabilidade à prática assistencial, delineou-se como objetivo: conhecer as vantagens relacionadas à aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade no contexto hospitalar, na perspectiva de enfermeiros, médicos e cuidadores familiares de doentes terminais. Método 81 Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa do tipo descritivo e exploratório, realizado em um hospital universitário, público, de grande porte, localizado no centro geográfico do Estado do Rio Grande do Sul, com sujeitos selecionados intencionalmente. Utilizou-se como critérios de inclusão: ser enfermeiros e médicos residentes atuantes na prática assistencial da clínica médica e do serviço de assistência domiciliar, por um período mínimo de seis meses e cuidadores familiares, maiores de 18 anos, designados como responsáveis pelo doente terminal do serviço de internação domiciliar, que aceitassem participar e responder aos questionamentos da pesquisa. Participaram, dois enfermeiros e um médico do serviço de internação domiciliar; seis enfermeiros e seis médicos residentes da unidade de clínica médica e sete cuidadores familiares, perfazendo uma amostra de 22 participantes, definida pela saturação dos dados(19). Realizaram-se entrevistas semiestruturadas com uma duração média de 50 minutos, os quais foram gravadas digitalmente, no período de outubro a dezembro de 2014. Os dados foram coletados na instituição hospitalar, com os profissionais da saúde e, no domicílio, com os cuidadores familiares, após, no mínimo, duas visitas prévias para uma aproximação com o ambiente de cuidado, possibilitando, também, ao entrevistado conhecer a pesquisadora. Formularam-se questões fechadas para caracterização dos participantes e questões abertas abordando a autonomia do paciente e as DAV, enfocando sua aplicabilidade no contexto hospitalar. Em virtude da possibilidade de desconhecimento do termo DAV, a pesquisadora disponibilizou o conceito do CFM, expresso anteriormente. Os dados foram submetidos a análise textual discursiva(19). A unitarização, primeira etapa da análise, exigiu examinar detalhadamente as transcrições das entrevistas, fragmentando-as, para atingir as unidades constituintes referentes ao fenômeno, desconstruindo as informações(19). Na etapa da categorização, as unidades de significado foram agrupadas e progressivamente organizadas e denominadas com maior precisão, originando as categorias finais. Por fim, a etapa de captação do novo emergente aconteceu por meio da intensa impregnação dos materiais analisados, possibilitando a emergência de uma compreensão renovada sobre a aplicabilidade das DAV(19), a partir da produção de metatextos. Obteve-se a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde da Universidade Federal de Rio Grande sob o parecer n. 168/2014. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e com o intuito de garantir o anonimato dos participantes, foram adotados códigos para sua identificação (enfermeiros: ENF; médicos: MED; cuidadores familiares: FAM) seguidos de algarismos numéricos. 82 Resultados Dentre os oito enfermeiros entrevistados, sete são do sexo feminino e um masculino, com idades variando de 33 a 60 anos de idade, com a média de 44 anos. Apresentavam tempo de formação em enfermagem de nove a 30 anos e uma média de 18 anos de formados. O seu tempo de atuação profissional na instituição variou de um a 14 anos e média de sete anos. Os sete médicos entrevistados, três do sexo feminino e quatro masculino, caracterizavam-se por idades entre 25 e 42 anos com uma média de 29 anos; com tempo de atuação profissional na instituição de um a nove anos. Dos médicos entrevistados, seis atuam na residência em medicina interna e um dos profissionais no serviço de internação domiciliar. Os cuidadores familiares entrevistados tinham uma média de 50 anos e o período, como cuidadores do doente terminal, de dois a três anos. A relação de parentesco dos cuidadores foi de três maridos e duas esposas, além de uma filha e uma sobrinha. Ressalta-se que todos os familiares não tem vínculo empregatício, exercendo suas atividades de cuidados aos pacientes em tempo integral, exceto um dos esposos que, esporadicamente, atua profissionalmente. O processo de análise textual discursiva das falas possibilitou a construção das categorias: Respeito à autonomia do paciente, Respaldo no enfrentamento de conflitos com e dos familiares, Redução de conflitos na equipe em decisões sobre tratamentos e condutas, Divulgação e instrumentalização para aplicação das DAV. Respeito à autonomia do paciente O respeito a autonomia, norteador de todas as ações relacionadas às DAV, constitui-se na principal vantagem da sua aplicabilidade, especialmente no contexto de terminalidade da doença, para enfermeiros, médicos e cuidadores familiares. As DAV parecem ser a garantia para que o cumprimento da vontade do paciente esteja assegurado. Os pacientes inconscientes ou que não conseguem falar sua vontade, a decisão fica para os familiares e equipe. Com as DAV a gente vai fazer a vontade do paciente que estava consciente quando decidiu (ENF.5). As DAV deixam explícito a autonomia do paciente, por que em algum momento ela se perde e assim vai se respeitar até o final da vida de fato, a vontade do paciente (MED.3). Se ele tivesse deixado eu acho que eu iria fazer o que ele disse, porque sempre respeitamos as vontades um do outro, a gente se deu muito bem (FAM.3). Respaldo no enfrentamento de conflitos com e dos familiares 83 Sob a perspectiva dos enfermeiros e médicos residentes, as DAV minimizariam desconfortos e conflitos profissionais, oriundos das discordâncias dos familiares, nas decisões sobre as condutas de tratamento em situações de final de vida. Quando a família não tem uma relação harmoniosa, aparecem com um certo remorso e querem que faça tudo. Por isso é bom, o paciente decidir sobre si (ENF.5). Nos auxiliaria quando o paciente é inconsciente e os familiares ficam dando opiniões contrárias a opinião do paciente e nos auxiliaria no caso se é paciente terminal (MED.2). Os enfermeiros e médicos manifestaram que, em situações angustiantes, em que optariam por restringir tratamentos pelo reconhecimento da incurabilidade, as DAV auxiliariam a equipe, especialmente, para não iludir os pacientes e demais envolvidos numa suposta intervenção. Os profissionais ficariam mais tranquilos e mais seguros em relação às condutas, porque é angustiante. (...) tu vais reanimar só por que a família está ali e o familiar que está não entende e se acaba fazendo (ENF.7). Tu não vais com medo, obviamente que não é só o paciente pedir, mas que esteja em concordância com a situação, que tu não vai precisar fazer uma medida só de teatro, por exemplo, que reanimou (MED.5). Ainda, as DAV reduziriam problemas relacionados aos medos de enfermeiros e médicos quanto às implicações legais por condutas que, quando não realizadas, poderiam ocasionar punições, como a não realização da intubação ou da reanimação cardiorrespiratória (RCR). Os riscos de processos contra a enfermagem seriam menores, porque muitas vezes por deficiências de registros e comunicação, ficamos fragilizados legalmente (ENF.2). As DAV nos dariam amparo e evitariam muita dor de cabeça e ajudariam com relação a processos médicos, dando base legal. Estaremos respeitando a vontade do paciente (MED.2). Para os enfermeiros, médicos e cuidadores familiares, a aplicação das DAV, também, representa um respaldo aos familiares, que frequentemente não sabem como agir diante das situações que envolvem a terminalidade, podendo, ainda, reduzir conflitos existentes entre os familiares e desses com os profissionais sobre as condutas a serem realizadas. Eu acho uma questão prática e objetiva para família, é um descanso, que a família se desobriga por um lado de ter que tomar uma decisão dolorosa e difícil (ENF.6). É importante ter um familiar que tenha esse documento e que vai defender a tua vontade, é um amparo para esse familiar. (...) se for colocado verbalmente, pode não ser 84 respeitado, mas se existe um documento, ele como responsável se torna mais factível que realmente a vontade seja respeitada (MED.4). Eu não sei o que fazer, eu não conversei com ela sobre o que ela gostaria numa situação dessas. Se tivesse falado ou escrito, eu ficaria mais tranquilo, porque é muito doloroso decidir se vive ou morre (FAM.3). Ainda, a partir do respaldo dos cuidadores familiares, os profissionais mencionam que o consentimento do familiar favorece a assistência dos profissionais em prol do paciente. Eu me sinto mais tranquilo para conversar sobre as restrições de tratamentos quando o familiar entende e acata as decisões, porque ele sabe o que está acontecendo e da chance de morte iminente. Acho que o serviço flui de maneira mais natural e sincera (MED.7). Redução de conflitos na equipe em decisões sobre tratamentos e condutas As DAV auxiliariam, também, na redução dos conflitos dos profissionais da saúde relacionados a indecisões de tratamentos e condutas diferenciadas, muitas vezes, associadas à alta rotatividade de profissionais. Eu me sentiria amparada com as DAV (...) trabalhamos com equipes grandes e isso ajudaria a diminuir o conflito do profissional e consequentemente ajudaria a instituição (ENF.8). Quando um decide pelo final da vida e o outro decide por investir, a gente deve agrupar uma decisão. (...) enquanto estiver alguém querendo investir, eu não tomo como postura desistir do paciente (MED.2). As DAV são vistas pelos profissionais como estratégia para propiciar tranquilidade aos pacientes, considerando que seus desejos serão cumpridos, desobrigando os profissionais de atuarem obstinadamente no prolongamento de suas vidas, quando reconhecidamente terminais. As diretivas beneficiariam os pacientes e seria uma tranquilidade nesse momento que gera muito estresse. Eles não passariam os últimos momentos da vida na emergência fazendo procedimentos fúteis (ENF.7). Com certeza, iria melhorar muito, reduzindo a distanásia (MED.5). Para a enfermagem, o respaldo profissional incutido na prática das DAV, constitui-se em possibilidade de maior tranquilidade e garantia de que suas possíveis condutas relacionadas a limitações de tratamentos não serão questionadas, especialmente diante de uma comunicação inadequada das decisões médicas à enfermagem, o que dificulta sua tomada de decisão especialmente na assistência em situações emergenciais. 85 As DAV facilitariam na decisão das condutas, pois as vezes a gente corre atrás do médico para saber o que era ou não para fazer e a gente tá reanimando e talvez essa não fosse a vontade do paciente (ENF.1). É algo para respaldar e tranquilizar a equipe a se sentir mais segura ao tratar o paciente (ENF.3). As DAV facilitariam o nosso funcionamento da equipe (MED.5). Divulgação e instrumentalização para aplicação das DAV As vantagens elencadas pelos enfermeiros e médicos residentes demonstram que a aplicabilidade das DAV é importante e coerente à assistência aos doentes, contudo requer uma prévia instrumentalização para amparar sua introdução no ambiente hospitalar. Demanda instrumentalização e capacitação sobre o que realmente significa (ENF.4). Precisamos aprender a usar e fazer o documento; poderia ser implementado, a partir de um treinamento com os profissionais. Hoje não, porque muitas universidades não tem o devido preparo (MED.2). Embora os participantes dessa pesquisa, em quase sua totalidade, não tivessem conhecimento prévio sobre as DAV, foi possível perceber seu interesse em aderir à prática no contexto hospitalar, obviamente com a necessidade de treinamentos a fim de capacitá-los. As DAV vêm no caminho a aumentar a possibilidade de trabalhar essas questões. Eu não vejo que sejam sempre necessárias, mas a existência da legislação vai aumentar o fórum de debate. É um caminhar longo, mas que tem que ser trilhado (MED.4). Para os familiares, faz-se necessário o entendimento das DAV pelos profissionais da saúde, que devem estar bem informados sobre o tema, de modo a dialogarem e contribuírem com os demais envolvidos nesse processo, ou seja, com os cuidadores familiares e os pacientes. A gente precisa de mais esclarecimentos sobre como pode ser feito e acredito que os profissionais possam nos ajudar, porque é preciso esclarecimentos específicos da área que a gente não domina (FAM.7). Para os cuidadores familiares, a realização da pesquisa alertou para a necessidade de conversar com os pacientes sobre seus desejos, a fim de que, mesmo que não realizem suas DAV, possam expressar suas vontades e, se possível, tê-las respeitadas. Eu nunca me liguei em falar sobre qualquer assunto relacionado a morte com ela, talvez se eu tivesse falado sobre morte com ela, poderia estar pensando e vivendo esse momento de outra maneira (FAM.1). 86 Tu me alertou para, de repente, numa conversa, eu vou perguntar para ela saber o que ela pensa. É algo que a gente nunca pensa em perguntar e que é super importante (FAM.5). Discussão A introdução das DAV no contexto hospitalar, para enfermeiros, médicos e cuidadores familiares entrevistados possibilita enfrentar situações de terminalidade, respaldados e amparados no respeito do cumprimento das vontades expressas do doente. As DAV se estabelecem como o exercício do direito à liberdade, uma vez que é um espaço que o indivíduo tem para tomar decisões pessoais, imunes a interferências externas, sejam elas dos médicos, da família ou de qualquer pessoa e/ou instituição que pretenda impor sua própria vontade(4). Os direitos de autonomia tornaram-se tão influentes que é difícil encontrar defesas claras dos modelos tradicionais da beneficência médica, ou seja, se o conteúdo da obrigação do médico de ser beneficente é definido pelas preferências do paciente, então em vez da beneficência, triunfa o respeito à autonomia. A beneficência fornece a meta e o fundamento primordiais da medicina e da assistência à saúde, enquanto o respeito à autonomia estabelece os limites morais das ações dos profissionais, ao buscar essa meta(5). Desse modo, os dados apresentados indicam que a aplicação das DAV proporcionaria tranquilidade a garantira do respeito à autonomia dos pacientes, isentando os profissionais da saúde e familiares da responsabilidade das decisões em fim de vida. É uma possibilidade de evitar ou, mesmo, de reduzir problemas éticos e bioéticos entre os profissionais da saúde, pacientes e familiares em situações extremas como o final da vida(20). No panorama internacional, estudos realizados com médicos(6,8-10), enfermeiros(6,21); e universitários da saúde(8,11) evidenciaram aceitabilidade e efetividade na aplicação das DAV na assistência aos doentes terminais. Na Coréia do Sul, pesquisa com 303 médicos oncologistas evidenciou que 96,7% concordaram com a necessidade de preenchimento das DAV(10). Outra pesquisa, realizada nos hospitais de Múrcia na Espanha, com 607 médicos, enfermeiros e graduandos, evidenciou que 63,3% dos sujeitos destacaram a importância das preferências do paciente sobre o tratamento e os procedimentos de suporte de vida em situações terminais(8). Resultados de pesquisa com 30 familiares, nos EUA, demonstraram que há uma luta para conciliar as necessidades emocionais individuais e familiares com seus entes queridos, o que fez com que a experiência negativa dos familiares responsáveis pelos pacientes, levasse à ampliação de pedidos para melhorar o apoio generalizado para famílias pelos profissionais (17). 87 No Brasil, familiares de doentes terminais consideram como mais apropriado que as decisões fossem tomadas primeiramente pelos médicos ou pelos médicos juntamente com pacientes; ou seja, excluindo sua participação(22). Do mesmo modo, a partir dos dados dessa pesquisa, os profissionais destacam as DAV como possibilidade de isentar os familiares de responsabilidade, bem como de minimizar conflitos entre profissionais da saúde e familiares, nos processos decisórios que envolvem o fim de vida. Assim, as DAV, além de protegerem interesses de autonomia, podem reduzir o estresse das famílias e profissionais de saúde que temem tomar uma decisão errada(5), evitando dificuldades da equipe de saúde diante do conflito entre as vontades dos familiares e do paciente(23). Propiciar ao indivíduo a possibilidade de deixar claro nas DAV quais são os valores e desejos que devem orientar a tomada de decisões é importante para evitar/ajudar a dirimir esses conflitos(23). Além disso, indicam uma maneira de opor-se à distanásia, garantindo a dignidade do doente, tratando-o como pessoa, e não como instrumento de uma terapêutica inútil e que cause mais dores e sofrimentos(3). A ausência de diretivas pode levar a cuidados agressivos e indesejados, que tem sido associados a uma redução da qualidade de vida e do cuidado(10). Aos profissionais, as DAV forneceriam amparo aos médicos, já que na prática são realizadas condutas que obrigam o médico a registrar determinados ações restritivas de tratamento ao doente terminal, no prontuário, com consentimento e assinatura dos familiares. Assim, seriam uma maneira de respaldá-los e serviriam de meio hábil a resguarda-los de eventual responsabilização ao fazer ou não fazer uso dos tratamentos e cuidados dispensados pela escolha prévia do paciente ainda capaz(3). Ademais, os enfermeiros, também, seriam respaldados, pois inseridos nas discussões e conhecedores das DAV, atuariam de modo a informar, respeitar, acompanhar e cuidar o doente, não podendo se esquivar do processo de planejamento, concepção e cumprimento das DAV(1). A relevância da enfermagem, frente às questões relacionadas às DAV, deve-se a um problema muito frequente, ou seja, a decisão de não fazer determinado procedimento, de não prestar um cuidado ou uma intervenção. Outra questão refere-se à necessária articulação com outros profissionais de saúde, designadamente, com os médicos. Às vezes, há um conflito face à decisão de cuidado; entretanto, as decisões de fim de vida devem constituir-se em uma decisão de equipe. No entanto, mesmo que a decisão não seja construída em equipe, sua implementação requer, necessariamente, a intervenção do médico e do enfermeiro, podendo acontecer que um decida num determinado sentido e outro em sentido inverso(24). 88 Para a efetividade na implementação das DAV, evidenciou-se, nessa pesquisa, a necessidade de interação da equipe multiprofissional, especialmente entre os enfermeiros e médicos que atuam diretamente com os pacientes, assim como com os familiares. Estudos têm demonstrado que a prática das diretivas antecipadas acontece de maneira efetiva quando existe adequada comunicação entre os profissionais da saúde, familiares e o paciente(6,11-12). As DAV se inserem na relação dos profissionais com o paciente como meio para que a autonomia do paciente, seus desejos de tratamento e cuidados, antes de um possível estado de incapacidade, possam ser exercidos, assegurando sua dignidade e autodeterminação(3). Assim, as DAV propõem um desafio de reconhecimento da autonomia dos pacientesnos processos de tomada de decisão dos tratamentos querepercutem diretamente nas relações entre médico e paciente, médico e família dopaciente, e médico com a equipe assistencial(25). As DAV ajudam os profissionais da saúde a entender valores e desejos dos pacientes, atuando como veículos para discussões aprofundadas e permanentes entre profissionais de saúde, pacientes e familiares(12), podendo auxiliar a equipe médica quando a família se colocar contra a vontade manifestada pelo doente(23). De acordo com o princípio da beneficência, a moralidade requer que, além de tratar as pessoas como autônomas, contribua para proporcionar-lhes bem-estar; potencialmente, exige mais que o princípio da não-maleficência, pois requer que atitudes positivas para ajudar os outros sejam implementadas, não meramente abstendo-se de realizar atos nocivos(5). As DAV não constituem tarefa fácil a ser implementada, pois suscitam dúvidas de ordem bioética. Nessa pesquisa, há o enfoque, pelos entrevistados, da necessidade de capacitações a fim de obter a instrumentalização e futuramente a aplicabilidade prática das DAV. Nesse sentido, uma campanha de conscientização dos cidadãos brasileiros acerca da importância do respeito à vontade de seus familiares, objetivando evitar conflito entre sua vontade manifesta nas DAV e a vontade da família(23), é o principal desafio para auxiliar na aplicabilidades das DAV. A utilização das DAV, no Brasil, será efetivamente respeitada, se houver um esforço coletivo em garantir o direito de o indivíduo manifestar sua vontade, além de que os desejos previamente manifestados sejam efetivamente cumpridos. Esse é o desafio imposto(23). Considerações finais É evidente que o reconhecimento da possibilidade de respeito à autonomia pessoal do doente terminal permeia as vantagens elencadas pelos enfermeiros, médicos residentes e cuidadores familiares ao se relacionar às condutas de tratamentos em final de vida. Entretanto, é necessário frisar que as DAV, por se tratarem de um tema polêmico e com características 89 multifacetadas, e em virtude de no Brasil ainda ser incipiente sua aplicação, requer pesquisas referentes a sua efetividade no contexto prático. É preciso reconhecer que são necessários estudos nessa direção, pois sua utilização tem-se mostrado cada vez maior. O reconhecimento da possibilidade de efetividades das DAV foi destacado pelos profissionais da saúde, de modo a intermediar os respaldos aos pacientes, familiares e profissionais. Nesse processo, é importante reconhecer que as vantagens atribuídas possam contribuir para a qualidade do cuidado a se prestar em situações de final da vida, e que sejam de fato usadas a serviço da autonomia pessoal em seu processo de morte. O desejo de respeitar as vontades dos doentes terminais garante, além de tranquilidade ao paciente, em virtude do cumprimento dos seus desejos, a redução de conflitos éticos e morais entre profissionais, familiares e paciente, o respaldo das atuações dos profissionais da saúde e o amparo aos cuidadores familiares que se desresponsabilizarão em interferir em decisões de tratamento, que não correspondam aos desejos dos pacientes. Há que se destacar que, com a efetivação das DAV no contexto hospitalar, discordâncias que envolvem os processos em final de vida, estariam amparados pelo desejo do paciente, além de implicar em redução dos medos dos profissionais em sofrer processos legais. A relação e a interação dos profissionais da saúde, familiares e paciente estaria sendo estabelecida de maneira mais tranquila. Identificadas as vantagens da aplicabilidade das DAV, apesar da limitação dos resultados, do ponto de vista da amostra, constatou-se a sinalização para sua aceitação no contexto hospitalar, pelos enfermeiros, médicos e cuidadores familiares. Referências 1. Neves MEO. Percepção dos Enfermeiros sobre Diretivas Antecipadas de Vontade [dissertação de mestrado]. Viseu: Escola Superior de Saúde de Viseu; 2013. 135p. 2. Nunes MI, Anjos MF. Diretivas antecipadas de vontade: benefícios, obstáculos e limites. Rev Bioét. 2014; 22 (2): 241-51. 3. Bomtempo VT. 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Diretivas antecipadas de vontade: um novo desafio para a relação médico-paciente. Rev. HCPA. 2012; 32(3): 358-62 92 5.2 ARTIGO 2 Dificuldades e limitações na implementação das diretivas antecipadas: desafios à prática hospitalar11 Difficulties and limitations in the implementation of advance directives of will: challenges to hospital practice Dificultades y limitaciones en la aplicación de las directivas anticipadas de voluntad: desafíos a la práctica hospitalaria Silvana Bastos Cogo1; Valéria Lerch Lunardi2 1 Silvana Bastos Cogo - Doutoranda em Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Rio Grande (FURG). Professora Assistente da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) do curso de Enfermagem Campus Palmeira das Missões. Endereço: R.Serafim Valandro, 118, Santa Maria (RS). [email protected] 2 Valéria Lerch Lunardi - Doutora em Enfermagem. Docente do Programa de PósGraduação em Enfermagem da Universidade Federal de Rio Grande (FURG). [email protected] 11 Submissão do artigo para a Revista Brasileira de Enfermagem. Normas disponíveis em: http://www.scielo.br/revistas/reben/pinstruc.htm 93 Resumo Objetivo:Conhecer dificuldades e limitações relacionadas à implementação das diretivas antecipadas de vontade no contexto hospitalar. Método: estudo qualitativo, do tipo descritivo e exploratório, mediante entrevista semiestruturada com enfermeiros, médicos residentes e cuidadores familiares. Os dados foram analisados por meio da técnica de análise textual discursiva e ancorada no referencial dos princípios da bioética. Resultados: Emergiram as categorias: A terminalidade como expressão de derrota e a cura como opção para o cuidado? Receios das implicações legais; Diretivas antecipadas de vontade requer autonomia do paciente e adequada comunicação. Conclusão: As limitações e dificuldades atribuídas à prática das DAV, na perspectiva dos participantes, indicam, além dos inúmeros conflitos e dilemas relacionados às questões em final de vida, que vivências da iminência da morte não tem possibilitado que os desejos dos pacientes sejam respeitados. Descritores: Diretivas antecipadas; Doente terminal; Enfermagem; Autonomia pessoal; Cuidadores. Abstract Objective: To know the difficulties and limitations related to the implementation of advance directives of will in the hospital setting. Method: qualitative study of descriptive and exploratory, through semi-structured interviews with nurses, medical residents and family caregivers. Data were analyzed by means of discursive textual analysis technique and anchored in the framework of the principles of bioethics. Results: The following categories emerged: Terminality as defeat of expression and healing as an option for the care? Fears of legal implications; Advance directives of will requires patient autonomy and adequate communication. Conclusion: The limitations and difficulties attributed to the practice of DAV, from the perspective of the participants, indicate, in addition to numerous conflicts and dilemmas related to the questions at the end of life, that death imminence of experiences have not enabled that patients' wishes are respected. Descriptors: Advance Directives; Terminally Ill; Nursing; Personal Autonomy; Caregivers. Resumen Objetivo: Conocer las dificultades y limitaciones relacionadas con la aplicación de las directivas anticipadas de voluntad en el ámbito hospitalario. Método: Estudio cualitativo de descriptivo y exploratorio, a través de entrevistas semi-estructuradas con enfermeras, médicos residentes y los cuidadores familiares. Los datos fueron analizados por medio de la técnica de análisis textual y discursiva anclados en el marco de los principios de la bioética. Resultados: Las siguientes categorías emergieron: terminalidad como la derrota de expresión y la curación como una opción para el cuidado? Los temores de consecuencias legales; Las directivas anticipadas de voluntad requiere la autonomía del paciente y la comunicación adecuada. Conclusión: Las limitaciones y dificultades atribuidas a la práctica de la DAV, desde la perspectiva de los participantes, indican, además de numerosos conflictos y dilemas relacionados con las preguntas al final de la vida, que la inminencia de la muerte de las experiencias no han permitido que se respeten los deseos de los pacientes. Descriptores: Directivas Anticipadas; Enfermo Terminal; Enfermería; Autonomía Personal; Cuidadores. 94 Introdução Prolongar a vida e adiar o momento da morte tem sido o grande desafio da humanidade. Com o desenvolvimento da ciência na área da medicina e tecnologia, é possível, modificar o curso natural da doença, o que conduz a um novo paradigma no campo da saúde, ou seja, à necessidade de acompanhar e cuidar de doentes em situações prolongadas, ou não, de doença, vivência, por vezes, acompanhadas de muito sofrimento(1). A utilização excessiva de tecnologia sofisticada tem contribuído para a desumanização na prestação de cuidados de saúde, pelo uso desproporcional de meios de tratamento em doentes terminais, caracterizada como obstinação terapêutica, uma prática difícil de ser alterada pela disponibilização abusiva das novas tecnologias biomédicas(2). Paralelamente à obsessão da medicina moderna em prolongar a existência, restringindo a liberdade das pessoas em sua última fase da vida(3), percebe-se o avanço da autonomia pessoal, nas últimas décadas, conferindo, ao paciente, o direito a ser informado, a escolher o tratamento, dentre os disponíveis, e a consentir ou a recusar um procedimento ou terapêutica. Assim, as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), usualmente conhecidas no Brasil como Testamento Vital, que tratam sobre os direitos dos pacientes manifestarem suas vontades, enquanto capazes, emergiram como uma das discussões de vanguarda da bioética mundial(4). As DAV possibilitam a uma pessoa, devidamente esclarecida, recusar um tratamento que considere inaceitável, reforçando o exercício da sua liberdade de autodeterminação(2). Diante de um cenário de ausência normativa jurisprudencial, no Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) promulgou a Resolução n°1.995/2012 que dispõe sobre a possibilidade de aplicação das DAV(5), entendidas como o conjunto de desejos, prévio e expressamente manifestado pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade(5). Trata-se de uma manifestação prévia do paciente que auxiliará nas orientações aos profissionais, familiares e responsáveis pelos pacientes à tomada de decisão, no caso de sua incapacidade. Tal Resolução, entretanto, não encerra várias polêmicas que permeiam esse assunto, relacionadas à sua aplicabilidade, à expectativa que a vontade das pessoas corresponda à decisão final, à inserção do profissional de saúde no processo das DAV e se esse pode ou tem capacidade para alterar a decisão do paciente, além de outras 95 dúvidas(6).Em pesquisa no Brasil, foram apontadas dificuldades dos médicos em respeitar a vontade do paciente, ainda que escrita, quando a família é contrária a essa vontade(7). Contudo, após a aprovação da Resolução, essa prática já está vigente no Brasil, mesmo que permeada por incertezas. Entre 2009 e 2014, o número de documentos do tipo de Testamento Vital registrados em cartórios cresceu 2000%, tendo sido registrados 314 em São Paulo, seguido de 86 em Mato Grosso e 53 no Rio Grande do Sul(8). No cenário internacional, dificuldades de antecipar suas vontades, não desejar escrever desejos e o aparecimento rápido de um delírio ou a piora da condição de saúde foram os motivos identificados para não completar as DAV(9) Ressaltam-se, também, dificuldades em organizar uma DAV, tendo que especificar preferências e/ou limitações para o tratamento de suporte de vida, além da linguagem que pode se apresentar vaga e inconsistente para sua implementação(10). Ainda, uma das principais advertências contra o uso de diretivas na tomada de decisão no fim da vida é que as pessoas podem não ser capazes de compreender diferentes opções de tratamento, sem ser devidamente informadas(11). Entretanto, apesar das dificuldades na aplicabilidade das DAV, tudo indica que sua utilização será cada vez maior, deslocando-se o foco do debate para seu uso de maneira efetiva. Assim, é importante que esses documentos devam integrar um processo que propicie um diálogo aberto entre familiares, profissionais da saúde e paciente, de modo a refletir as reais necessidades, crenças, valores, metas de cuidado e preferências do paciente(12). Desse modo, esta pesquisa ancora-se na teoria principialista(13), prioritariamente, no conceito de autonomia, referente aodireito do autogoverno, privacidade, escolha individual, liberdade da vontade, de ser o motor do próprio comportamento(13). Ante a tais fatos e diante da possibilidade de conhecer as percepções dos profissionais da saúde, bem como dos cuidadores familiares de doentes terminais diante das decisões que envolvem as situações em final de vida, relacionadas às dificuldades na possibilidade de aplicação das DAV, delineou-se como objetivo: conhecer as dificuldades e limitações relacionadas à implementação das DAV no contexto hospitalar. Método Estudo descritivo e exploratório, de natureza qualitativa, realizado com enfermeiros, médicos residentes e cuidadores familiares de doentes terminais, 96 escolhidos intencionalmente, vinculados a um hospital universitário da região central do Rio Grande do Sul, Brasil. Os critérios de inclusão foram: enfermeiros e médicos residentes atuantes na assistência da clínica médica e do serviço de assistência domiciliar por, no mínimo, seis meses e cuidadores familiares dos doentes terminais, maiores de 18 anos, que realizassem o cuidado ao paciente considerado terminal em sua residência, designados como responsáveis pelo paciente. A coleta dos dados foi realizada de outubro a dezembro de 2014, por meio de entrevista semiestruturada, gravada digitalmente, com duração média de 50 min, enfocando questões relacionadas à autonomia do doente, implicações do cuidado, responsabilidades de cuidar e aplicação das DAV. As entrevistas com os profissionais da saúde foram realizadas na instituição hospitalar e com os cuidadores, no domicílio, após terem sido realizadas, no mínimo, duas visitas prévias, a fim de familiarizar-se com o ambiente e possibilitar ao entrevistado, conhecer a pesquisadora. Após a transcrição, os dados foram submetidos à análise textual discursiva(14) considerando três etapas: unitarização, quando as transcrições foram analisadas e fragmentadas em unidades de sentido(14); categorização, quando se reuniram unidades de significado semelhantes, gerando as categorias de análise; captação do novo emergente, mediante intensa impregnação dos materiais analisados, possibilitando uma compreensão renovada sobre a aplicabilidade das DAV(14), a partir da produção de metatextos oriundos do corpus examinado. O estudo obteve parecer favorável, sob o n. 168/2014, do Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde da Universidade Federal de Rio Grande. A fim de manter o anonimato dos entrevistados, foram adotados códigos (ENF: enfermeiros; MED: médicos; FAM: cuidadores familiares) seguidos de algarismos numéricos para identificação das falas dos participantes. Resultados Os oito enfermeiros entrevistados, sete do sexo feminino e um masculino, com idades variando de 33 a 60 anos com uma média de 44 anos; com tempo de formação em enfermagem de nove a 30 anos e média de 18, atuavam na instituição de um a 14 anos, com média de sete anos. Os níveis de aperfeiçoamento mais evidentes foram a especialização, dois com mestrado em andamento, dois mestres e um doutor em enfermagem.Os sete médicos entrevistados, três do sexo feminino e quatro masculino, 97 caracterizavam-se por idades entre 25 e 42 anos com uma média de 29 anos; com tempo de atuação na instituição de um a nove anos. No período da coleta dos dados, 28 a 30 pacientes faziam parte do serviço de internação domiciliar, com uma média de oito a dez doentes considerados terminais. Participaram sete cuidadores familiares, quatro mulheres e três homens, com idades entre 41 e 57 anos e o tempo como cuidadores de dois a três anos. A relação de parentesco foi de três maridos, duas esposas, uma filha e uma sobrinha. Da análise, emergiram as categorias: A terminalidade como expressão de derrota e a cura como opção para o cuidado? Receios das implicações legais; Diretivas antecipadas de vontade requer autonomia do paciente e adequada comunicação. A terminalidade como expressão de derrota e a cura como opção para o cuidado? Dificuldades e desconfortos vivenciados pelos profissionais ao abordar a terminalidade parecem justificar sua opção de prosseguir investindo em tratamentos a pacientes terminais, ao invés de discorrer e dialogar sobre possibilidades de procedimentos em final de vida. Nem sempre a gente consegue lidar com a situação de final de vida e de tomar a decisão de medidas de conforto e de restrições de investimento. A situação mais difícil é a questão da aceitação da condição terminal, e de conseguir dizer que o paciente não vai melhorar, aliado à falta de compreensão da família (MED5). O reconhecimento e aceitação da terminalidade pelos profissionais e, consequentemente, a comunicação dessa situação aos pacientes e familiares, constituem-se grandes desafios. Não parece suficiente desejar respeitar as vontades de pacientes em final de vida se o profissional não aceitar a morte. A sensação de impotência dos profissionais, especialmente dos médicos, diante da morte, parece constituir-se em fator limitante à implementação das DAV, além de, também, favorecer a obstinação terapêutica. A gente tem certa dificuldade de lidar com pacientes terminais, porque mesmo que tu saiba que não vai curar, a sensação de impotência é o maior sentimento e fico triste (MED1). Nesse sentido, mesmo que os profissionais de saúde não se sintam encorajados a estimular pacientes a realizar suas DAV, entretanto, estar ciente da situação do paciente e oportunizar sua realização, informando sua possibilidade e apresentando todos esclarecimentos necessários para a elaboração desse documento, parece relevante. Além 98 de pacientes e familiares manifestarem interesse em realizar as DAV, mostra-se necessário o entendimento dos profissionais acerca da implementação desse documento. Ela quer fazer as DAV, mas a gente vai protelando até não sei que ponto. Os médicos não falam sobre o testamento e sobre as vontades dela, não manifestam opinião, não comunicam o que acham melhor (FAM6). Pode estar sendo criado um problema para o paciente, porque eu dizer claramente da possibilidade das DAV, o paciente e o familiar ficam assustados, ansiosos (MED1). A dificuldade nas DAV é decidir e encarar a situação de morte real (MED5). A permanente esperança de recuperação do paciente e a busca de recursos de tratamento, pelos familiares, especialmente, pelo receio de vivenciar sentimentos de culpa por não terem investido suficientemente na cura do familiar doente, parecem constituir fatores limitantes a prática das DAV, percebidos pelos profissionais da saúde e confirmados pelos cuidadores familiares. Eu vejo que o familiar acha que não fez nada e pensam como irão deixar morrer sem fazer nada, sem utilizar até o último recurso, o que, as vezes, só vai prolongar o sofrimento. Uma questão cultural (ENF7). Soma-se, ainda, que a esperança de cura parece sustentar e motivar o familiar para o cuidado ao doente, implicando em uma limitação da aplicação das DAV. Eu acredito na possibilidade dele se recuperar, a gente tem que acreditar, se me tirar essa esperança vai ficar difícil ter força para lutar. Se não tem mais jeito, eu vou poder acabar perdendo a vontade de cuidar (FAM2). Nesse sentido, para os profissionais da saúde, também, a existência das DAV com manifestações prévias dos pacientes, de desejos de não investimento, poderia desmotivar a equipe na assistência e no cuidado prestados ao doente. Me preocupa ele ter pedido que não fosse feito nada e a gente não vai mudar de decúbito, por que ele pediu que não fosse reanimado, intubado, que não fosse para UTI. A gente já percebe isso na assistência. Há um descaso pelos profissionais no cuidado e ele pode ser visto com um olhar diferente (ENF4). Receios das implicações legais Receios ligados às implicações legais aparecem como fator determinante e limitante à prática das DAV pelos enfermeiros, médicos e cuidadores familiares no contexto hospitalar. Como ainda inexiste legislação específica, o respaldo às DAV cabe 99 à Resolução do CFM, o que, no entendimento dos entrevistados, ainda suscita dúvidas na sua aplicabilidade. Eu faria tudo que está dentro da questão legal, eu não iria me expor e responder um processo. Muitas vezes, eu entendo que as pessoas fazem algo não por convicção, mas para não se incomodar mesmo (ENF8). A resolução das DAV, ela é muito vaga, dá margem para interpretações diferentes. Eu teria medo e na realidade o medo de todo o médico é de um processo (MED3). Não tem uma lei, eu tenho medo de chegar com a manifestação e os profissionais não quererem cumprir, por conta da legislação que não existe (FAM7). Diferentemente, o cumprimento das DAV pelos profissionais pode ocorrer por respeito a uma decisão administrativa, eximindo-se de possíveis responsabilidades. Não vejo como adequado se for tratado administrativamente, como um documento que não se sabe o motivo e sem ter um corpo de discussão. Se ele assinou, se ele entendeu o que significa não importa, mas se algo acontecer, eu tenho o meu respaldo (MED4). Apesar dos receios legais quanto ao cumprimento das DAV, destaca-se que, na visão de médicos, as manifestações prévias não podem ser seguidas rigorosa e prioritariamente, principalmente nos casos onde há dúvidas. O paciente escreveu que não quer reanimação, mas a reanimação vai ajudar porque ele não é terminal e isso pode nos limitar. O papel, ele deve ficar em segundo plano (MED2). Diretivas antecipadas de vontade requer autonomia do paciente e adequada comunicação As DAV fundamentam-se no respeito à autonomia dos pacientes e familiares cuidadores, requerendo adequada comunicação entre profissionais de saúde, pacientes e familiares. Assim, uma outra dificuldade identificada pelos cuidadores familiares referese à ocultação do diagnóstico ao doente terminal, pelo receio de que essa informação lhe seria maléfica, sem lhe trazer benefícios, o que inviabiliza sua adesão à prática das DAV. Ela não sabe da situação e a gente acha pior falar, porque não vai adiantar. Ela tem muita esperança de cura e de vida, tem que viver sem que ela saiba, porque se ela souber, a esperança dela vai diminuir, vai perder a fé, o ânimo, vai perder tudo (FAM5). 100 Ainda, para enfermeiros e médicos, o entendimento limitado dos pacientes e familiares constitui outro fator limitante das DAV. Possíveis limitações quanto à escolaridade, crenças ou diferenças culturais exigiriam maior disponibilidade de tempo para a explanação do que consistem as DAV, dentre outras, especialmente pelo risco de distorções por um entendimento insuficiente ou inadequado, quando comunicada sua possibilidade. O povo é muito ignorante e os familiares não tem consciência do que acontece e distorcem muito o que a gente fala (ENF2). É complicado de explicar e entenderem, por mais simplório que tu seja e de confundir com eutanásia, pela questão de escolaridade, cultural e crenças (MED2). Frente ao receio dos profissionais de saúde de uma comunicação inadequada sobre as DAV e sua implementação e, consequentemente, do desrespeito à possibilidade de exercício de autonomia dos pacientes, parece ocorrer o investimento em tratamentos que ocasionam a obstinação terapêutica, impondo-lhes sofrimento, assim como aos seus familiares. Nas divergências dos familiares com relação a decisão das DAV do paciente, vai ficar complicado se o paciente não pode falar; o profissional vai acabar fazendo tudo (ENF7). Eu vejo a postura dos profissionais mais de auto proteção por não conhecer bem a situação atendida, e acredito que nisso ocasione a obstinação terapêutica (MED4). Para enfermeiros e médicos, a implementação das DAV no hospital requereria maior disponibilidade de tempo do profissional, em virtude da demanda dos serviços assistenciais, bem como da rotatividade profissional, podendo optar pelo investimento total no paciente. Vai ser difícil do pessoal compreender as DAV, vai ter uma resistência e vai ser difícil por que falta tempo para examinar direito os pacientes, é muita demanda (MED6). Não fazer a intubação, tu vai ter mais trabalho com o paciente. Se intubar, ele fica ali e tu resolve o teu problema; se não, ele fica em maior sofrimento respiratório e o profissional vai ter que ter maneiras de dar conforto, dando mais envolvimento e as pessoas não estão preparadas e alguns não querem isso (ENF7). É menos trabalho tu entubar o paciente do que explicar por que é inadequado, naquele contexto, proceder com o procedimento. Dependendo do respaldo que tu tens, é 101 complicado fazer valer a vontade de um ou outro numa situação de emergência e como te portar (MED4). Nesse ínterim, seria necessário e urgente priorizar o tempo para dialogar sobre as DAV e focar em maneiras que facilitem seu entendimento, pelos pacientes e familiares, esclarecendo dúvidas e incertezas referentes a indicações e restrições de tratamentos, contribuindo na aplicabilidade das DAV. Eu acredito que a falta de entendimento é a falta de capacidade de tu explicares e não a falta de capacidade da pessoa entender. Não tem como a pessoa não entender, tu tens que saber explicar e acho que os profissionais acabam subestimando a capacidade de entendimento da família e do paciente, por que se comunicar dá trabalho, então tu tens que te esforçar (MED4). Discussão Encarar a morte como uma situação de fracasso da medicina tem conduzido a práticas de obstinação terapêutica, parecendo ser necessário inverter esse paradigma, assumindo a morte como um processo natural, no qual o ser humano precisa de apoio. Ante a tal fato, é que a intenção de prolongar a vida dos doentes terminais ficou evidente na perspectiva de enfermeiros, médicos e cuidadores familiares dessa pesquisa, repercutindo em limitações à aplicação das DAV. Sob esse aspecto, é que se confirma a questão que a cultura medicalizadora da vida impõe que se continue a adiar seu momento final(15). Nesta perspectiva e enfatizando os achados da pesquisa, é que surge a questão de que os médicos parecem ter mais medo de investir pouco do que fazer muito pelos pacientes e, pacientes, parecem sentir do mesmo modo, sendo susceptíveis de ser gratos para a realização de testes e exames adicionais. Ainda, médicos encontram-se em situação de poder em relação a pacientes e cuidadores familiares, que tendem a seguir suas recomendações(3). Face aos dilemas éticos presentes no tratamento ao doente terminal, é premente a necessidade de refletir quanto aos limites no prolongamento da vida, sobre a quem cabe essa decisão e a opção das DAV(1). Nessa direção, é que, na prática, os estudos indicam que é difícil definir critérios para a determinação da futilidade; com frequência, há divergências na comunidade médica, podendo surgir conflitos a partir da crença familiar de um milagre, da insistência de uma tradição religiosa em fazer de tudo o que é possível(13). A despeito disso, os pacientes, frequentemente, desejam que a família, amigos e médicos sejam 102 honestos consigo em todos os aspectos; ou seja, querem a verdade, além de, efetivamente, discutir o processo da doença e as opções de tratamento(16). Salienta-se, ainda, que, por vezes, o paternalismo médico estabelece um limite à escolha autônoma, por meio da interferência ou da recusa em aceitar preferências da pessoa acerca do seu próprio bem, geralmente, envolvendo coerção, por um lado, ou mentiras, manipulação ou ocultação de informações, por outro, com o propósito de evitar danos ou de beneficiá-la. Nessa perspectiva, revelar certos tipos de informação e dizer a verdade poderia causar danos aos pacientes sob seus cuidados e a ética médica os obriga a não causar esse dano. Assim, para o bem do paciente, algumas informações devem ser omitidas ou reveladas apenas à família, pois podem comprometer o julgamento clínico e representar uma ameaça à saúde do paciente(13). Neste sentido, a pesquisa trouxe a questão do ocultamento do diagnóstico como prática comum, dentre os envolvidos, considerando que a verdade não traria benefícios ao doente, em virtude das condições da doença. Todavia, a sinceridade, nessas situações, oportunizaria que os pacientes manifestassem não somente suas vontades, mas suas dúvidas, angústias e desejos, auxiliando cuidadores familiares e profissionais da saúde. Ante tais fatos, a dificuldade na comunicação parece limitar a aplicação das DAV, sob a perspectiva dos entrevistados. Além de tempo limitado, excesso de trabalho e alta rotatividade, as alegações dos profissionais parecem tratar-se de receio em conversar sobre assuntos referentes à morte; abordar as DAV, consequentemente, traria à tona a possibilidade da terminalidade. Por isso, a necessidade de atentar para a maneira como a informação é apresentada, o que pode manipular a percepção e a reação do paciente, repercutindo em uma base insatisfatória para tomar suas decisões(13). Quando os pacientes não apresentam as DAV, os decisores substitutos, frequentemente, fazem previsões imprecisas dos desejos dos pacientes ou tomam decisões que não são consentidas pelos médicos por não estarem em concordância com os melhores interesses do paciente(17). Ainda, as decisões a serem tomadas sobre situações de vida mostram que, apesar do planejamento prévio dos desejos de tratamento, os doentes crônicos, frequentemente, mudam de ideia sobre seu tratamento médico ao longo do tempo e com o evoluir do seu estado de saúde. Neste sentido, essa instabilidade acrescenta aos substitutos o desafio de respeitar a autonomia dos pacientes(17). Entretanto, quanto ao receio da mudança de opinião decorrente do preenchimento prévio das DAV, em pesquisa realizada na Holanda em pacientes com 103 bom, moderado e pobre estado de saúde, todos com prévia realização das DAV, foi constatado que suas percepções sobre a dignidade e seus desejos permaneceram estáveis durante a trajetória da doença, sugerindo que a compreensão da dignidade não modificou substancialmente com as alterações do estado de saúde(18). Partindo do exposto, no contexto das DAV, crenças, escolhas e consentimentos das pessoas podem se modificar com o tempo, emergindo problemas morais e interpretativos, pois seria incoerente a imposição de uma vontade sobre outra ação determinada por uma diretiva antecipada. Desse modo, é preciso atentar para o julgamento da capacidade do paciente, distinguindo as decisões autônomas que devem ser respeitadas daquelas decisões que precisam ser checadas e, talvez, suplantadas por um substituto(13). Em decisões que envolvem familiares e doentes terminais, tem sido defendido que decisões dos substitutos devem ser baseadas no conhecimento prévio dos desejos dos pacientes ou no melhor interesse do paciente(17). Tomar decisões considerando o que é melhor para o paciente quando esse não consegue comunicar seus desejos é ocorrência diária e difícil para os médicos. A importância da tomada de decisão informada e compartilhada pelo profissional de saúde que atende o paciente é essencial para a qualidade do cuidado e seus resultados. A participação do paciente no tratamento conduz a melhores resultados, o que vai ao encontro da antiga crença de que, para a manutenção da sua saúde, a base do cuidado é uma relação boa e confortável entre o médico e o paciente(12). Poucas pessoas redigem um documento ou deixam instruções explícitas, além do que o responsável designado pode não estar disponível quando necessário, ou pode ser ou estar incapaz de tomar boas decisões para o paciente ou pode ter um conflito de interesses, por exemplo, em virtude da perspectiva do recebimento de uma herança ou do ganho de uma posição melhor nos negócios da família. Ainda, os pacientes podem modificar suas preferências acerca de tratamentos, sem modificar a tempo suas instruções, e alguns, ao se tornarem legalmente incapazes, protestam contra as decisões do responsável designado(13). Pesquisa realizada nos EUA, com 30 decisores substitutos, demonstrou que os familiares, ativamente envolvidos nas decisões de tratamento de suporte de vida de doentes terminais, experimentam significativo conflito emocional entre o desejo de agir de acordo com os valores de seu ente querido, não querendo se sentir responsável pela sua morte, o desejo de perseguir qualquer chance de recuperação e a necessidade de 104 preservar o bem-estar da família. Complementa-se, ainda, que os substitutos, frequentemente, não sabem as preferências do paciente(19). Neste sentindo, algumas das estratégias de enfrentamento dos cuidadores familiares referiram-se a recordar discussões anteriores sobre os prováveis desejos diante da situação de terminalidade, atrasar ou adiar a tomada de decisão, além das práticas espirituais e religiosas, ou seja, a esperança de recuperação considerando as crenças religiosas(19). Há necessidade dos médicos e profissionais da saúde identificarem estratégias para melhorar a tomada de decisão, incluindo atendimento às emoções dos familiares, facilitando a sua tomada de decisões, atentando as suas necessidades emocionais e espirituais e potenciais conflitos(19). Os responsáveis legais podem tomar decisões das quais os médicos discordam radicalmente e, em alguns casos, pedem aos médicos que ajam contra suas consciências. Alguns pacientes não possuem a compreensão adequada do conjunto de decisões que um profissional de saúde ou um responsável podem ter de tomar e, mesmo com uma compreensão adequada, com frequência, é difícil antever situações clínicas e possíveis experiências futuras(13). Estudo enfocando a tomada de decisão por substitutos constatou que, além de dependerem fortemente dos desejos dos pacientes e seus melhores interesses, substitutos consideram outros fatores como seus próprios desejos, interesses, necessidades emocionais, crenças religiosas e experiências passadas com os cuidados de saúde. Tomada de decisão dos substitutos é, portanto, mais complexa que a decisão do próprio doente; assim, destaca-se a necessidade dos substitutos obterem mais informações sobre as preferências do paciente para o planejamento da assistência(17). O consenso da família no processo decisório é importante, porque distribui a responsabilidade da decisão entre vários indivíduos, implicando na diminuição da culpa sentida por familiares na tomada de decisão, ajudando a manter a coesão familiar através do sofrimento. Ainda, faz os substitutos sentirem-se mais confortáveis em seu papel, podendo alinhar-se com os desejos do paciente na tomada de decisão(17). Quando as preferências dos pacientes não são conhecidas, os responsáveis podem utilizar os seus próprios desejos como um guia de tomada de decisão, mas podem também considerar suas próprias crenças e interesses(17). As necessidades emocionais dos cuidadores familiares, em particular, a possibilidade de evitar a culpa, influenciam suas decisões. Nesse sentido, os substitutos direcionam suas decisões ao paciente a todas as chances possíveis de recuperação, em 105 um esforço para evitar sentimentos de culpa por não tentar todo o possível, ou para cumprir suas obrigações em relação ao paciente. Isso destaca a necessidade das DAV para que as decisões de recusar a terapia de suporte de vida não signifique que o substituto tenha desistido ou que seja pessoalmente responsável por resultados negativos ou pela morte do paciente(17). No que se refere aos temores relacionados a punições legais em virtude da ausência de legislação específica no Brasil, considera-se que as DAV devem ser constantemente discutidas a fim de propor que o paciente manifeste o que realmente deseja diante das supostas condições de incapacidade. Desse modo, além dos conflitos éticos que poderão fragilizar os efeitos da Resolução, os profissionais poderão enfrentar conflitos de opiniões, ampliando sua insegurança na tomada de decisões. Nessas situações, os médicos, diante de possíveis ameaças e riscos de sofrer ações judiciais, poderão ignorar as DAV do paciente, preferindo seguir as orientações dos familiares(15). Assim, a difusão prévia das preferências do paciente pode ser um importante elemento de argumentação(20). O problema, entretanto, não é simples de ser enfrentado. Enquanto o debate ético avança no interior da corporação médica, notadamente no CFM, o problema dos limites jurídicos das resoluções profissionais parece impor uma preocupação com a legalidade da submissão à Resolução por parte dos médicos e com os riscos inerentes a possíveis questionamentos jurídicos relativos a condutas de não intervenção(15). Em vista disso, é que recentemente em pesquisa realizada no Brasil, foi constatado que as implicações legais são as que mais interferem nas ações médicas diante das questões de fim de vida, fazendo com que deixem de realizar o que acreditam ser o melhor para seus pacientes(21). Desse modo, as dificuldades quanto às DAV podem ser contornadas com documentos cuidadosamente redigidos, com um aconselhamento apropriado e com explicações especializadas sobre possibilidades médicas e opções de tratamento; no entanto, alguns problemas de interpretação permanecerão, a despeito do maior envolvimento dos profissionais da saúde, especialmente médicos e enfermeiros, bem como das ferramentas de educação utilizadas. Com certeza, as DAV constituem uma forma promissora para que as pessoas capazes exerçam sua autonomia. Os problemas são principalmente práticos, e alguns deles podem ser superados pelo emprego de métodos adequados de implementação(13). Considerações finais 106 As questões relacionadas ao fim da vida justificam e requerem reflexões e discussões por parte dos profissionais da saúde e de toda a sociedade. Com a introdução das DAV, o que se procura é o respeito à autonomia pessoal e à dignidade do ser humano não somente em vida, mas também no momento da morte, devendo-se valorizar as necessidades, o sofrimento de cada um e questões relacionadas com o fim da vida. As limitações e dificuldades atribuídas à prática das DAV no contexto hospitalar, a partir da perspectiva dos enfermeiros, médicos e cuidadores familiares dos doentes terminais, indicam e reforçam a necessidade de trabalhar essa temática no intuito de destituir conhecimentos errôneos e para que, efetivamente, uma diretiva seja realizada de maneira voluntária, isenta de interferências externas ao paciente, refletindo o desejo de ter sua autonomia respeitada em situações de incapacidade e em final de vida. A inserção da possibilidade das DAV no contexto da assistência ao paciente, considerando os inúmeros conflitos e dilemas relacionados às questões em final de vida, fazem com que a morte seja encarada de maneira diferente e com o intuito de destituir práticas obstinadas de cura, quando essa já não é mais possível, e como alternativa de propiciar o cumprimento do respeito às vontades manifestadas pelo indivíduo enquanto capaz. Entretanto, na realidade brasileira, por vezes, a vivência da iminência da morte não tem possibilitado que os desejos dos pacientes sejam respeitados, persistindo o paternalismo médico. Há que se destacar que é preciso um novo olhar acerca da morte e da sua relação com a vida. Não basta apenas os doentes serem atendidos por ótimos profissionais da saúde, é preciso que esses saibam atender as expectativas do doente, o maior interessado nesse processo. Obviamente, muitas vezes, o paciente encontra-se incapacitado, sendo importante dar vozes aos familiares que, frequentemente, atuam como cuidadores e são reconhecidos como os responsáveis. É preciso atender essa parcela da população que, por diversos momentos, se sente desatendida e com grande responsabilidade de decidir, literalmente, sobre a vida e a morte. Pensar sobre a inserção dos profissionais, bem como dos familiares e pacientes em assuntos referentes à terminalidade, é ganhar tempo a fim de garantir a dignidade e o cumprimento das vontades previamente manifestadas pelos pacientes, além de tranquilizar os familiares numa situação estressante; para os profissionais da saúde, é a possibilidade que as ações que envolvam a assistência em final de vida não sejam 107 desgastantes ao ponto de realizarem condutas obstinadas como modo de evitar conversas sinceras. É importante que as dificuldades e limitações atribuídas pelos enfermeiros e médicos residentes, bem como pelos cuidadores familiares dos doentes terminais, para a aplicação das DAV, sejam compartilhadas e entendidas, para que esforços sejam direcionados para saná-las, contribuindo para sua efetivação, e para o respeito à autonomia pessoal e a qualidade da assistência no final da vida. Ante tais considerações, destaca-se a necessidade de estudos brasileiros que instiguem essa prática com o intuito de que as vontades do paciente e o respeito a sua autonomia, que corresponde ao cerne das DAV, sejam efetivamente cumpridas. Os resultados desse estudo devem ser interpretados à luz de várias limitações. Essa pesquisa foi realizada em apenas duas unidades de um hospital na região central do Rio Grande do Sul, cujas experiências de enfermeiros, médicos e cuidadores familiares podem diferir, em outros locais e ambientes hospitalares. Entretanto, considera-se que esses resultados conferem profundidade ao entendimento que as DAV constituem uma alternativa para proporcionar a autonomia do doente, a partir do cumprimento das suas vontades, apesar das barreiras que dificultam sua efetivação no contexto hospitalar. Referências 1. Neves MEO. Percepção dos Enfermeiros sobre Diretivas Antecipadas de Vontade [dissertação]. Viseu: Escola Superior de Saúde de Viseu; 2013. 135p. 2. Nunes R. Testamento vital. Revista de pediatria do centro hospitalar do porto. 2012; 21(4). 3. Gawande A. Na avalanche of unnecessary medical care is harming patients physically and financially. What can we do about it? The New Yorker. Annals of Health Care. 2015. 4. Campos MO, Bonamigo EL, Steffani JA, Piccini CF, Caron R. Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes. Bioethikos. 2012; 6(3): 253-59. 5. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.995, de 9 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. [acesso em 05 set 2013]. Disponível: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf 6. Dadalto L.Distorções acerca do testamento vital no Brasil (ou o porquê é necessário falar sobre uma declaração prévia de vontade do paciente terminal). Revista de bioética y derecho. 2013; 28: 61-71. 108 7. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB.Diretivas antecipadas de vontade: um modelobrasileiro. Rev Bioét. 2013; 21(3): 463-76. 8. Cambricoli F. Procura por testamentos vitais cresce 2.000% no país. O Estado de São Paulo 24 jan 2015. [Acesso em 31 jan 2015]. Disponível em: http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,procura-por-testamentos-vitais,1624408 9. Pautex S, Herrmann FR, Zulian GB. Role of advance directives in palliative care units: a prospective study. J Palliat Med. 2008; 22(7): 835-41. 10. Evans N,Pasman HR,Vega Alonso T,Van den Block L,Miccinesi G,Van Casteren V, et al. 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Realizadas entrevistas semiestruturadas com enfermeiros, médicos residentes e cuidadores familiares de doentes terminais, procedendo-se, após, a análise textual discursiva. Resultados: Emergiram três categorias:Diretivas antecipadas de vontade e desejos de profissionais e familiares; Diretivas antecipadas de vontade e temores de profissionais e familiares; Cuidadores familiares e seus desejos de cuidado. Conclusão:Apesar de aceitarem a realização das DAV e de manifestarem desejo de realizá-las, os participantes expressam temores e receios referentes à sua aplicabilidade, de que suas vontades não sejam posteriormente respeitadas, de que suas vontades possam se modificar ao se defrontarem com a situação terminal, do seu abandono pelos profissionais e a sua insegurança quanto aos diagnósticos e prognósticos. Descritores: Doente terminal; Diretivas antecipadas; Enfermagem; Autonomia pessoal; Cuidadores. Descriptors: Advance Directives; Terminally Ill; Nursing;Personal Autonomy; Caregivers. Descriptores: Directivas Anticipadas; Enfermo Terminal; Enfermería; Autonomía PersonalCuidadores. 12 Submissão do artigo para a Revista Latino-americana de Enfermagem. Normas disponíveis em:http://www.scielo.br/revistas/rlae/pinstruc.htm 111 Introdução Apesar do avanço da medicina, é impossível afastar a morte, considerando sua invencibilidade; aceitá-la como um limite, imposto pela vida, auxilia a percorrer, ao lado dos profissionais da saúde, pacientes e familiares, o caminho da dignidade, evitando o prolongamento de um sofrimento(1). Assim, a relação com os limites da vida tem imposto novos instrumentos na delimitação do processo de tomada de decisão aos doentes terminais, requerendo um olhar diferenciado na vivência do processo de fim de vida(2). Nessa direção, é que o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou a Resolução 1.995/2012, dispondo sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), que trata sobre os desejos previamente manifestado pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber quando estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade(3). Poderá ser expresso se deseja, ou não, ser submetido a ventilação mecânica, tratamento medicamentoso, cirúrgico, reanimação cardiorrespiratória, entre outros(1). No entanto, em torno da resolução, há diversas polêmicas, como as relacionadas a sua aplicabilidade, suscitando amplo debate, pois os limites da vida humana não possuem um rígido contorno, considerando um contexto de avanços que modificam e ampliam esses mesmos limites(2). A resolução retrata o rápido desenvolvimento da tecnologia biomédica, que, ao trazer benefícios à longevidade humana, estimula a reflexão sobre a não mecanização do morrer e a naturalidade do fim da vida(2). É sobre essa perspectiva que as DAV surgem com o propósito de que as vontades expressas possam ser respeitadas, considerando a autonomia pessoal e a dignidade da pessoa humana. A abordagem em relação à declaração das DAV requer que sejam empreendidas novas ações que visem a proposta fundamental da própria 112 declaração: a garantia de respeito à vontade do doente terminal(4). Mediante o exposto, esta pesquisa ampara-se na teoria principialista(5), prioritariamente, no conceito de autonomia, referente aodireito do autogoverno, privacidade, escolha individual, liberdade da vontade, do sujeito ser o motor do próprio comportamento(5). Na realidade, como poucos conhecem a possibilidade de realizar suas DAV, frequentemente, os médicos pedem para os familiares decidirem em nome de seus entes queridos em situação de terminalidade, esperando que conheçam os desejos de seus doentes(6), ocorrendo, comumente, o desconhecimento das suas vontades(7). Além disso, mesmo quando a morte segue uma doença prolongada, as famílias muitas vezes não estão preparadas e os médicos nem sempre realizam discussões sobre fim de vida com seus pacientes, quando eles ainda são capazes de decidir(6). Há que se destacar que há dificuldade dos profissionais da saúde e familiares em conduzir os cuidados aos doentes terminais. Para os profissionais que, no seu cotidiano, lidam com situações de sofrimento e dor, tendo a morte como elemento constante e presente, o sentimento gerado por estas situações, comumente, se traduz em impotência, frustração e revolta(8). Já aos cuidadores familiares, realizar o cuidado ao doente terminal demanda tempo, dedicação, abdicação e um sofrimento constante por não conseguirem atuar na tentativa de reverter a situação apresentada, além de muitas vezes lhes serem delegadas responsabilidades quanto a decisões de tratamentos que lhes impõem angústia por não saberem como atuar(7). Partindo dessas considerações, é que a preocupação em conhecer como os envolvidos no cuidado de doentes terminais, especificamente enfermeiros, médicos e cuidadores familiares, atuariam diante da possibilidade de se tornarem terminais, implica a possibilidade de refletirem no sentido do desempenho de suas ações como profissionais e cuidadores, confrontando com o cuidado prestado. Nesse sentido, os 113 profissionais de saúde deveriam ser os primeiros a estar bem preparados para os cuidados do final de vida, além de trabalharem com a hipótese de algum dia vivenciar situações de incapacidade similares aos seus doentes terminais(9). Em vista disso, e partindo da hipótese que vir a vivenciar essas situações poderia modificar a maneira de encarar os cuidados na terminalidade da vida e que os profissionais da saúde, bem como os cuidadores familiares de doentes terminais, podem não realizar cuidados que correspondam aos desejos dos pacientes e entes queridos, objetivou-se conhecer o entendimento de enfermeiros, médicos e cuidadores familiares, quando remetidos à possibilidade de se tornarem doentes terminais, sobre a aplicabilidade das DAV. Método Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa descritiva e exploratória, realizada em um hospital universitário de uma cidade do centro geográfico do Estado do Rio Grande do Sul. Os critérios de seleção dos participantes foram: enfermeiros e médicos residentes atuantes na unidade de clínica médica e no serviço de internação domiciliar por pelo menos meio ano. No que se refere aos cuidadores, os critérios foram: familiares maiores de 18 anos, designados como responsáveis, que realizassem o cuidado ao paciente considerado doente terminal em sua residência. Participaram da pesquisa oito enfermeiros, sete médicos residentes e sete cuidadores familiares, perfazendo um total de 22 participantes definido pela saturação dos dados(10). A coleta dos dados ocorreu de outubro a dezembro de 2014, por meio de entrevistas semiestruturadas, enfocando questões relacionadas à aplicabilidade das DAV, o respeito à autonomia, os desejos pessoais de cuidado quando remetidos à possibilidade de se tornarem doentes terminais. 114 Houve uma aproximação inicial com os profissionais, a fim de conhecê-los e indagar sobre seu interesse em participar da pesquisa; após, foram agendados dia e hora para a realização da entrevista. Já com os familiares, ocorreu a realização de visitas prévias à entrevista, com o intuito de aproximar-se da família. As entrevistas, com duração média de 50 minutos, foram realizadas em um único encontro no ambiente hospitalar, em salas privativas, com os profissionais, e nas residências dos cuidadores familiares. Os participantes do estudo foram esclarecidos sobre os objetivos e a estratégia de coleta de dados. Após realizada a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, as entrevistas foram gravadas digitalmente; feitasua transcrição, as falas passaram por correções gramaticais. Os dados foram examinados conforme a análise textual discursiva(10) a unitarização, fragmentando as informações coletadas para atingir unidades constituintes referentes ao fenômeno(10) a categorização, mediante a organização, ordenamento e agrupamento dos conjuntos de unidades de análise(10); a captação do novo emergente por meio da impregnação dos materiais analisados, que possibilitaram a emergência de uma compreensão renovada sobre a aplicabilidade das DAV(10), a partir da produção de metatextos oriundos do corpus. O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde da Universidade Federal de Rio Grande sob o Parecer de nº168/2014; o anonimato dos participantes da pesquisa foi preservado, sendo as falas transcritas identificadas por códigos (ENF: enfermeiro; MED: médico; FAM: cuidadores familiares), seguidos de número ordinal. Resultados Os oito enfermeiros entrevistados, sete do sexo feminino e um masculino, com uma média de idade de 44 anos, apresentavam um tempo de formação em enfermagem 115 de nove a 30 anos e uma média de atuação profissional de sete anos. Já os sete médicos entrevistados, três do sexo feminino e quatro masculinos, com uma média de idade de 29 anos, apresentavam um tempo de atuação profissional de aproximadamente um ano, e um profissional de nove anos. Os sete cuidadores familiares tinham idade entre 41 e 57 anos e a relação de parentesco era de três maridos, duas esposas, uma filha e uma sobrinha. O tempo de cuidado dos familiares aos doentes terminais era de dois a três anos; além disso, os familiares entrevistados não trabalhavam, exercendo suas atividades de cuidados aos pacientes em tempo integral; exceto um dos esposos que, esporadicamente, atuava profissionalmente. À análise dos dados, emergiram três categorias:Diretivas antecipadas de vontade e desejos de profissionais e familiares; Diretivas antecipadas de vontade e temores de profissionais e familiares; Cuidadores familiares e seus desejos de cuidado. Diretivas antecipadas de vontade e desejos de profissionais e familiares Os desejos pessoais dos enfermeiros e médicos, quando remetidos à doença terminal, embasam-se, predominantemente, no respeito a sua autonomia acompanhados da vontade de realizar as DAV, apesar de seus sentimentos de medo e das dúvidas quanto a sua aplicabilidade. Gostaria que os meus desejos fossem respeitados, tratada com respeito, privacidade e se eu disser que eu estou com dor, é por que estou. Iria brigar muito pelo respeito da minha autonomia (ENF4). Respeitar as dores, as crenças e a cultura. Se é para salvar ou para dar o conforto ou, independente disso, eu acho que a parte humana tem que ser soberana (MED3). Além de desejar o respeito as suas vontades prévias manifestadas, os profissionais expõem que desejariam estar permanentemente cientes sobre seu diagnóstico e prognóstico. Quando doentes, a sinceridade deveria permear sua 116 comunicação com os profissionais que os atendessem, possibilitando o entendimento da situação, bem como sua efetiva atuação nos processos decisórios de seu tratamento. Eu gostaria que me explicassem a situação, eu não gostaria que ficassem falando à parte de mim; isso é muito ruim e a gente faz, chama o familiar e fala no cantinho (MED5). É evidente que gostaria de fazer a DAV; definindo o meu diagnóstico e prognóstico, eu quero manifestar o que seja feito ou não, seria algo interessante e bom (MED6). Os cuidadores familiares que reconhecem, por diversos momentos, omitir os diagnósticos de doenças terminais aos entes submetidos aos seus cuidados, referem o desejo de estarem cientes do seu diagnóstico, a fim de participarem das decisões. Eu acho errado não falar a verdade, mas eu gostaria de saber tudo sobre o que está acontecendo, para poder dizer o que fazer ou não em mim. Porque tem coisas que não adianta fazer, acaba só judiando (FAM6). Os familiares, comumente, são chamados a decidir pelos doentes. Os profissionais entrevistados, no entanto, identificam dificuldades em vir a autorizar que seus familiares decidam sobre a condução do seu cuidado, seja pelo usual despreparo da família, seja pelo sofrimento que esse processo de decisão acomete a quem deve decidir. Eu considero importante decidir o que eu quero que seja feito. Eu falaria para a família, mas, às vezes, dependendo da situação, a família não está preparada (ENF7). Para a família é ótimo, desresponsabiliza da decisão difícil; é uma saia justa (ENF6). Nessa direção, a realização das DAV auxiliaria em desresponsabilizar os familiares de decisões consideradas tão difíceis diante das situações de incapacidade e fim de vida. A gente não consegue conversar com nossos familiares sobre isso, mas evitaria sofrimento em decidir os tratamentos que devem ou não ser feitos ou retirados (MED7). A intenção em realizar as DAV, por enfermeiros e médicos, relaciona-se em garantir sua qualidade de vida e dignidade. No entanto, seu interesse está na 117 dependência de, primeiramente, haver investimentos enquanto ainda houver possibilidades de recuperação. Faria o documento, mas se existisse uma luz no fim do túnel, eu iria querer que fizessem tudo (ENF5). Eu gostaria de fazer (DAV). O limite seria a possibilidade de viver com qualidade de vida e relaciono com a dignidade; se não tem dignidade, eu faria sem dúvida (ENF8). Eu deixaria (DAV) considerando a questão de prognóstico e qualidade de vida; numa situação extrema de cuidados paliativos, de estado terminal, eu não gostaria que prolongassem o sofrimento (MED1). Os enfermeiros e médicos, atendendo a possibilidade de realizar as DAV, expõem seus desejos de tratamentos e cuidados diante de uma suposta situação terminal e de incapacidade. Eu colocaria nas DAV, o que eles vão respeitar que seria: não intubar, reanimar e hemodiálise(ENF6). Não gostaria de diálise, traqueostomia, gastrostomia, sonda nasogástrica e ficar num respirador(ENF8). Não iria querer intubação, é uma coisa muito invasiva (MED1). Os profissionais da saúde enfatizaram a importância da manutenção das medidas de conforto, como garantia da dignidade. Não sentir dor, ambiente arejado, perceber o dia e noite e ser tratada com respeito e dignidade (ENF7). Gostaria de tudo no sentido de conforto e ser cuidado por um familiar (MED1). Manter a oxigenação, repouso no leito, ausência de dor, de barulho e higiene (MED2). Os cuidadores familiares expuseram a possibilidade de virem a manifestar, por meio das DAV, seus desejos diante de uma suposta condição de incapacidade. Se tivesse chance de deixar registrada asvontades, eu não iria querer nada, porque já aproveitei a vida e colocar um objeto ali sendo que outras pessoas tem mais tempo de viver do que eu e precisam mais (FAM4). 118 O interesse dos cuidadores familiares em realizar as manifestações por meio das DAV mostra-se bastante associado a não transferir, para seus familiares, a decisão sobre seus tratamentos, seja pela angústia ora sentida por necessitarem decidir sobre tratamentos para seus familiares doentes, seja para evitar sofrimento aos seus familiares, no futuro, seja pelo receio de tomarem decisões diferentes do que seria sua vontade. Gostaria de manifestar minhas vontades, para não deixar os outros decidirem e não haver constrangimento e evitar o sofrimento dos outros. E não decidirem uma coisa que eu não gostaria(FAM6). Os enfermeiros e médicos referem dificuldades em tratar assuntos que remetam ao fim da vida, o que, muitas vezes, contribui para que conversas sobre essa temática não sejam realizadas no ambiente familiar. Por uma questão de pensar positivo, a gente não fala sobre doença, o que, de certa forma, é bom e ruim. Bom para não pensar negativo, ruim, pois seria necessária ser discutida, com as pessoas conscientes (ENF5). Já tentei falar com minha família sobre as minhas vontades numa situação de incapacidade, mas minha mãe não quis nem pensar e ficou revoltada. É difícil lidar (MED5). Diretivas antecipadas de vontade e temores de profissionais e familiares Os enfermeiros e médicos mencionam seus receios à realização das DAV, quanto às incertezas dos esclarecimentos dos diagnósticos, considerando que, por vezes, os pacientes desconhecem por completo sua real condição e prognóstico da doença. Eu temeria o diagnóstico de terminal por que já vi pacientes que não era para investir e saíram bem. Se me provassem que é sem volta talvez fizesse as DAV, se não, não (ENF3). Eu não decidiria (sobre as DAV) se eu não pudesse investigar sobre a doença. Eu ia querer investimento total. Se fosse uma situação bem informada, eu tenho mais interesse. Mas como é uma situação limitada de informação, que eu desconheço, eu desinteresso (ENF4). O esclarecimento do diagnóstico permite que os pacientes decidam diante das situações de tratamento. Entretanto, embora desejem conhecer seus diagnósticos e 119 prognósticos, reconhecem que a possibilidade de que todos os investimentos sejam realizados, ou não, dependerá da situação apresentada. Quero que invistam tudo até o último, não desistam de mim, mesmo sabendo da situação, a não ser que ficasse uns meses sofrendo sem volta (...) se modifica as DAV, se estiver em condições de responder (ENF1). Em termos de decisão de investimento, depende da situação. Talvez eu fosse querer que investisse, talvez não. Claro, eu só ia saber disso se me explicassem (MED5). Não gostaria que investissem tudo em caso terminal e sem qualidade de vida (MED1). As DAV devem ser realizadas enquanto o paciente está lúcido e capaz; contudo, os profissionais manifestam seu interesse em realizá-las apenas quando estiverem cientes da irreversibilidade de sua condição de doença. Entretanto, nesse momento, por vezes, poderão estar impossibilitados de decidir sobre as condutas de cuidados e tratamentos. O meu interesse em realizar as DAV seria quando soubesse que não teria retorno. Primeiro, eu quero que seja feito tudo, depois passado alguns dias na UTI, minha DAV vai ter que ser muito especificada (ENF4). No momento não seria necessário por que sou hígida, mas se eu desenvolvesse um câncer que eu não tivesse mais perspectiva, com certeza, eu faria (MED3). Em contrapartida, permanece a dúvidasobre o cumprimento das vontades manifestadas diante de uma situação terminal pelos familiares designados a fazer cumprir os desejos. Ao mesmo tempo que eu disse que eu deixaria (DAV), tem a questão de crença, filosofia, espiritualidade, que não sei se tenho direito de pedir e se vai ser respeitado (ENF6). Os profissionais enfermeiros e médicos, bem como os cuidadores familiares, sobre a aplicabilidade das DAV a ser por eles utilizadas, referem receio de possíveis mudanças de ideia frente ao vivenciado e à impossibilidade de reverter sua escolha, seja de investir, ou não, em virtude de incapacidade. 120 Eu fico com receio e medo; supondo que eu faça (DAV) e precise usar, e o que eu escrever é o que vai ser considerado; se acontecer pode ser uma situação diferente e querer mudar a ideia e não poder (ENF1). Minha vontade está escrita, hoje tenho uma opinião, mas no hospital, pode ser que eu mude (MED7). Posso estar falando alguma coisa hoje e amanhã acontecer e eu mudar de ideia (FAM5). Medo de mudar de ideia diante da situação acontecer. Eu não quero sofrer como ela, mas tenho medo de deixar uma coisa escrita e deixarem de cuidar de mim, por que eu pedi para não fazerem tal coisa (FAM7). O sofrimento vivenciado pelo familiar no cuidado prestado ao doente terminal, no entanto, parece garantir que, diante da suposta situação de incapacidade, não ocorreria mudança de ideia, quanto ao manifestado previamente. Eu acho que não ia mudar de ideia nunca, sabendo da situação que eu iria passar. Eles (médicos) procuraram todos os recursos de salvar uma vida, mas quando chega num ponto desses em que a vida já não vai ser salva, não vai ser reestabelecida, na minha opinião, eu acho que eu não mudaria as DAV (FAM6). Entretanto, também surge o receio que cuidados e tratamentos sejam abandonados diante dos desejos de não investimentos presentes nas DAV. Se eu tivesse um registro para não me reanimar, eu não sei se numa questão em que eu deveria ser reanimado, as pessoas imperativamente não reanimariam só por uma coisa que está escrito (MED2). Cuidadores familiares e seus desejos de cuidado Os cuidadores familiares de doentes terminais, frequentemente, referem seus desejos, quando remetidos à possibilidade de se tornarem terminais, similares à maneira como prestam o cuidado aos seus familiares. Se eu estivesse numa situação parecida com a dele, gostaria de ser cuidado como ele é cuidado, mas não sei se me cuidariam, acho muito difícil, por que não é fácil (FAM3). Eu cuido dele como eu gostaria que cuidassem de mim, tomara que eu tenha a chance de ser cuidada como eu cuido dele, porque é difícil alguém se dedicar por completo (FAM7). 121 Os cuidadores dos doentes terminais, geralmente, referem desejar, para si, que não sejam realizados todos investimentos de tratamento que repercutiriam no prolongamento da sua vida, porém sem qualidade e sem perspectivas de cura, como acontece com os cuidados prestados aos seus familiares. Se eu estivesse numa situação semelhante a dela, eu não iria querer que me entubassem ou ficassem fazendo coisas que não fossem resolver em nada (FAM1). O dia que eu ficar como ela está, eu vou dar um jeito na minha vida, nem que eu tenha que tomar um remédio, por que a pessoa fica totalmente inútil. A pessoa fica passando trabalho, na verdade (FAM4). O desejo de conhecer seu diagnóstico mostra-se, também, relacionado ao poder da fé para a recuperação da doença, mesmo que considerada incurável. Eu gostaria de saber do meu diagnóstico e eu iria lutar muito com Deus; eu aprendi a usar muito a fé. Eu vejo muito testemunho de pessoas que conseguem se curar através da fé. Então, eu iria querer saber (FAM5). Os cuidadores familiares, apesar de cuidarem de seus familiares com dedicação, abnegação, modificando sua rotina familiar, não desejam que, em situação de dependência semelhante, também precisassem ser cuidados por outros. A gente sempre pensa que não quer dar trabalho para os outros. Eu iria fazer o possível para não criar um ambiente chato. Eu até tinha pensado de me internar num asilo, para não incomodar os outros (FAM1). Eu não iria querer que alguém ficasse todo tempo se dedicando a mim, porque acaba não tendo vida, é só doença e ninguém mais cuida. Eu não iria querer algo só para aumentar o meu sofrimento (FAM6). Discussão Evidentemente, pensar sobre a morte suscita medo, angústia e dúvida, ainda mais quando pensada para si. Sob esse aspecto,as impressões sobre a morte são contextuais, sendo impossível serem vistas como fato iminente, pois as manifestações 122 relacionam-se ao que ainda não é concreto; em virtude disso, é difícil prever sobre os desejos quando estiver morrendo, se tiver tempo e consciência para tal discernimento(9). Entretanto, embora seja uma proposta difícil de ser explorada, foi possível constatar o que os profissionais da saúde e os cuidadores familiares pensam sobre os cuidados e tratamentos a que gostariam de ser submetidos diante de uma situação similar às encontradas na assistência aos seus doentes terminais, além de pensarem sobre a intenção de aplicação das DAV. A garantia que seus desejos e autonomia sejam respeitados, em caso de incapacidade, mantendo sua dignidade, além de medidas de conforto, constituem fatores preponderantes aos profissionais da saúde e cuidadores familiares entrevistados, quando remetidos à possibilidade da presença de uma doença terminal. Nesse sentido, a autonomia, tão importante em todas as fases da vida, deve ser considerada válida e obrigatória diante do doente incapaz(8). Respeitar o paciente autônomo é reconhecer o direito de ter opiniões, fazer escolhas e agir com base em valores e crenças pessoais(5). Entretanto, embora verbalizem interesse nas DAV, os participantes desse estudo expressam preocupação referente ao cumprimento dos desejos manifestados, além de medo ao seguimento de restrições de tratamentos e cuidados, sem sua contextualização com o comprometimento de doença apresentado. Nesse sentido, os profissionais da saúde, por serem da área, parecem mostrar-se mais receosos ao pensarem em deixar registradas as DAV, em virtude de conhecerem a assistência comumente prestada em final de vida. Sob esse aspecto, desejam que todos os investimentos sejam realizados em si até a comprovação da inexistência de reversibilidade de cura, repudiando, contudo, oprolongamento da vida sem dignidade e autonomia. Nesse sentido, os médicos entrevistados mostram-se bastante serenos quanto aos tratamentos, quando confrontados com a possibilidade da sua morte, pois sabem o que lhes pode acontecer; além disso, 123 geralmente, querem ter certeza de suas situações, e de que quando chegar a hora de sua morte, de que não haja medidas heroicas para seu prolongamento artificial(11). Enfatiza-se que os participantes da pesquisa referenciaram temores frente à possibilidade de terem suas vidas prolongadas indevidamente, ou seja, acarretando maior sofrimento sem reversibilidade da doença. Sob este aspecto, o temor de que haja algo considerado como um super tratamento, acompanhado de dor e sofrimento, está também presente na população em geral(8), considerando que a ampla disponibilidade de novas tecnologias e o uso de intervenções clínicas são eventos adversos indesejáveis que podem gerar sofrimento desnecessário quando a situação é progressiva e irreversível(12). Em pesquisa realizada em quatro hospitais no Estado de São Paulo, no Brasil, com médicos e enfermeiros sobre a possibilidade de aplicação em si das DAV, em caso de doença terminal, dos 81 participantes, 88,9% gostariam de ter sua vontade respeitada e sem o prolongamento artificial de vida(1) e nenhum dos questionados referiu preferir ser submetido a todas as opções de terapêutica para prolongar sua existência. Entretanto, 9% referiram não se sentir preparados para decidir como desejam morrer, em caso de uma doença terminal; e 72% preferem ter suas vontades respeitadas com base nas condições que estabeleceram para si mesmos, sem o prolongamento artificial de sua vida(1). Soma-se, ainda, o fato que, para oscuidadores familiares do doente terminal que se deparam com a possibilidade da confirmação e certeza da sua própria terminalidade, da sua própria morte(13), a tarefa de pensar sobre os desejos constitui tarefa difícil, pois essa possibilidade parece estar distante de acontecer com si. Desse modo, a pesquisa demonstrou queo enfrentamento de tornar-se terminal parece ser encarado de modo a não desejar vivenciar todo sofrimento enfrentado pelos familiares terminais submetidos 124 aos seus cuidados. Sob esse enfoque, a perspectiva e o desejo que o prolongamento da vida não seja realizado parecem mais evidentes nos cuidadores familiares do que nos profissionais da saúde, os quais, muitas vezes, apresentam medos relacionados à possibilidade de reversibilidade da doença, pelo fato de apresentarem conhecimento por sua atuação na área da saúde. Há que se destacar, ainda, que as manifestações dos entrevistados, relacionadas ao desejo de saberem sobre seus diagnósticos e prognósticos, considerando a possibilidade de vivência de uma doença terminal, constituem fator importante na intenção em realizar o registro das DAV, diferentemente da omissão e negação, que comumente adotam com seus pacientes. Sob essa perspectiva, estar ciente do diagnóstico, das opções de tratamento e prognóstico, é imprescindível para preservar a dignidade, apropriando-se do direito de realizar decisões em conjunto com a família e a equipe de saúde, seja quanto a tratamentos, assim como em relação ao local de permanência até o fim da vida(8). Em pesquisa realizada no Brasil com 202 médicos, 150 pacientes ambulatoriais e 150 membros da família, cerca de 92% dos pacientes acreditam que devem saber sobre seu estado terminal em comparação com 79,2% dos médicos e 74,7% das famílias. Os pacientes eram mais propensos a apoiar a divulgação de diagnóstico e terminalidade; além disso, consideravam que esse conhecimento melhoraria sua qualidade de vida, e sua divulgação não era entendida como estressante. Assim, os pacientes terminais preferem saber a verdade sobre seu mau prognóstico mais do que seus médicos e famílias pensam(14). Desse modo, e confrontando com os dados encontrados na pesquisa, salienta-se que é preciso atentar para que pacientes, familiares e envolvidos no cuidado estejam cientes dos diagnósticos e prognósticos, a fim de auxiliarem nas decisões que envolvem a possibilidade de realizar o registro das DAV. 125 Complementa-se, ainda, que, para os cuidadores familiares dessa pesquisa, o conhecimento sobre a suposta irreversibilidade da doença deve ser conhecido, acreditando que a fé possa atuar positivamente no enfrentamento da doença com vistas a sua reversão, mesmo que cientes da sua irreversibilidade. Neste sentido, constata-se uma ambivalência entre a esperança, com a crença de que um milagre pode acontecer, ocorrendo a cura da enfermidade, e a descrença de que nada mais pode ser feito, exceto medidas de conforto, proporcionando uma melhor qualidade de vida na morte(13). Ainda, foi possível constatar que os entrevistados não desejam delegar as responsabilidades de decisão aos seus familiares, possivelmente pelas dificuldades, por eles ora vivenciadas, de ter que decidir, muitas vezes, sem saber ao certo os desejos dos seus pacientes. Sob esse enfoque, geralmente, as preferências dos pacientes sobre os cuidados que desejam receber, no momento final de sua vida, são desconhecidas da equipe assistencial, bem como dos familiares, comumente ainda designados como os responsáveis pelas decisões de tratamento e cuidados em fim de vida(12). Além disso, por vezes, as famílias tomam decisões que colidem com os desejos do paciente, que, anteriormente capazes, manifestaram na forma de uma DAV(5). Os cuidadores familiares expressaram preferir não precisar de cuidados, em decorrência de sua incapacidade, contudo, caso necessário, desejariam ser cuidados da mesma maneira que cuidam de seus familiares doentes. Além disso, os dados da pesquisa possibilitaram perceber a preocupação dos entrevistados de que sejam cuidados, tendo sua dignidade e autonomia respeitadas. Pacientes em estágio avançado da doença buscam alívio e controle da dor e de outros sintomas, desejando assumir o controle sobre a própria vida, sem ter o sofrimento prolongado, ser sobrecarga para a família, podendo estreitar laços com pessoas significativas e ter dignidade no fim da vida, esperando, também, que seus médicos não os abandonem(8). 126 O fato dos entrevistados referirem medo e receio em realizar as DAV, em virtude das possíveis mudanças de vontades, que podem ocorrer com o passar do tempo e a vivência de uma doença terminal, é que torna indispensável rever constantemente as DAV para que não ocorram equívocos, ou que suas vontades não correspondam mais aos seus anseios atuais. Os pacientes podem modificar suas preferências, sem modificar a tempo suas instruções(5). Assim, em estudo mediante entrevistas realizadas com médicos sobre o que pensavam sobre sua própria morte, uma médica geriatra expôs que, por terregistrado suas DAV, constantemente revê esse documento, pois sempre algo pode ser modificado, em decorrência de sua experiência profissional, além da mudança de opiniões aparentemente imutáveis, pelo passar do tempo(9). Soma-se, ainda, que os enfermeiros e médicos manifestaram resistência em abordar, com seus familiares, situações de fim de vida, apesar de atuantes na área e familiarizados com essas vivências. Neste sentido, dialogar precocemente com os entes queridos, durante o período de isenção de doenças incapacitantes, pode ajudar a preparar todos para a possibilidade de vivenciar situações terminais e como vivenciálas, assim como incluir um responsável que responda sobre suas vontades(6). Conclusão A reflexão sobre a possibilidade de apresentar-se em uma situação terminal não constitui tarefa fácil a ser pensada pelos profissionais e cuidadores familiares, e supostamente pela população em geral. Ainda, remeter-se à possibilidade de apresentarse em tal situação não reflete por completo as decisões que seriam tomadas ao vivenciála. Possivelmente, por isso, a aplicabilidade das DAV imponha maiores dificuldades a sua implementação. O desejo de realizar as DAV, permeado pelo medo que suas vontades realmente sejam respeitadas, o receio de que ocorram mudanças de ideia ao se defrontar com a 127 situação terminal, o medo do abandono dos profissionais, a insegurança quanto aos diagnósticos e prognósticos, constituíram situações que impõem limitações, e possivelmente resistência, quanto a aplicabilidades das DAV. Contudo, se já é difícil respeitar ou considerar as DAV, sua ausência incute mais dificuldades, pois o paciente incapaz estará sendo cuidado desconhecendo-se de fato o que desejaria para si. O ideal seria que todos pacientes com uma doença grave e incapacitante pudessem conversar com sua família, amigos e profissionais da saúde, sobre seus valores e como gostariam de ser considerados, quanto a cuidados e tratamentos, diante de uma situação de incapacidade. Além disso, a família, que desempenha um papel fundamental na tomada de decisão, estaria respaldada, reduzindo o seu sofrimento, possibilitando com antecedência o planejamento da assistência, e, consequentemente, melhorando a qualidade da sua morte. Referências 1. Rossini RCCC, Oliveira VI, Fumis RRL. Testamento vital: sua importância é desconhecida entre os profissionais da saúde. RBM; 70(2): 4-8, 2013 Jul. 2. Alves CA. Diretivas antecipadas de vontade e testamento vital: uma interface nacional e internacional. 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Trata-se de assunto velado, interdito e evitado pelas pessoas, acreditando-se que seja pelo medo de vivenciar o processo da morte. Contudo, as dificuldades inerentes ao assunto, instigam e conduzem a provocações constantes a fim de desvendar, desvelar e se aproximar do assunto dito tão polêmico pensando em auxiliar na assistência prestada as pessoas envolvidas nessa situação inevitável na vida de todos. Assim, realizar essa pesquisa permitiu constatar que é necessário muito empenho dos profissionais da saúde, cuidadores familiares e demais envolvidos para que a iminência da morte seja encarada com um novo olhar, como forma de estabelecer uma nova relação com a vida. Desse modo, a partir do objetivo proposto de “compreender como os profissionais da saúde e familiares entendem a aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade para as situações de terminalidade”, ocorreu a apresentação dos três artigos oriundos dos resultados das sete categorias que elucidam as questões relacionadas a aplicabilidade das DAV: conflitos na assistência ao doente terminal: implicações à prática das DAV; o respaldo dos familiares e dos profissionais mediando o respeito a autonomia do paciente: vantagens à aplicabilidade das DAV; dificuldades e limitações na implementação das DAV: desafios à prática hospitalar; o medo das DAV e o respeito a autonomia: desejos pessoais de cuidado dos profissionais remetidos a doença terminal; desejos dos cuidadores familiares diante da situação de terminalidade; responsabilidade da família no cuidado ao doente terminal; e o respeito a autonomia do doente terminal pelos familiares: o medo da verdade. Os achados permitiram constatar que a aplicabilidade das DAV está intimamente relacionada ao direito que o indivíduo possui para que sua autonomia seja respeitada. O reconhecimento desse direito foi enfatizado constantemente, entretanto muitas nuances circulam em torno da possibilidade de que as DAV possam garantir esse direito, além da persistência de medos e receios de que efetivamente as manifestações sobre os tratamentos a serem utilizados numa situação de incapacidade possam ser registrados e implementados. Neste contexto, os achados relacionados a aplicação das DAV suscitam a necessidade de serem frequentemente discutidas no ambiente de assistência à saúde, 131 enfocando o ser humano que se encontra em processo de morte, a fim de garantir o respeito a sua autonomia pessoal edignidade humana. À aplicabilidade das DAV, é necessário que sua construção seja conduzida pela sinceridade na relação dos profissionais da saúde, pacientes e familiares, contribuindo para que a realização dos registros antecipados sobre as vontades em fim de vida, correspondam efetivamente ao desejado, aliado ao fato que não permaneçam dúvidas posteriores quanto ao cumprimento das manifestações. Sob esse enfoque, na pesquisa, foi possível constatar que os conflitos de ideias entre os profissionais da saúde, especialmente, de enfermeiros e médicos com os pacientes e seus cuidadores familiares, a interação multiprofissional e o esclarecimento do diagnóstico e prognóstico entre os envolvidos, repercutem diretamente na possibilidade de realizar ou não as DAV. Os profissionais da saúde reconhecem que pacientes conscientes de seu diagnóstico e prognóstico, apresentam maior facilidade na participação nos seus processos decisórios de tratamentos de investimento ou não. Neste sentido, as DAV se fazem tão relevantes e indispensáveis a fim de respaldar as condutas profissionais, decisões dos familiares e, mais importante, que o paciente terá suas vontades respeitadas. Ademais, as decisões devem ser compartilhadas, não sendo exclusividade do médico; desta forma, deve haver diálogo entre os profissionais da saúde, familiares e pacientes para que ocorram as decisões, pois discordâncias de condutas, muitas vezes, acarretam em investimento total no paciente, até que ocorra um consenso dos profissionais para uma ação unânime. Assim, o respeito à autonomia pessoal, considerado a base incentivadora à aplicação das DAV, prevê o cumprimento das vontades prévias manifestadas sem desrespeitá-las, minimizando o risco de ocorrer a distanásia, ou seja, a realização de investimentos heróicos que demandam sofrimento, mesmo sabendo que o paciente não apresenta mais perspectivas de cura. Ademais, há o respaldo profissional amparado na ideia da segurança e tranquilidade em atuar, seja em restringir ou não algum tratamento; o auxílio nas decisões que impõem dilemas éticos de atuação, bem como, servem para garantir que efetivamente as vontades manifestas pelos pacientes sejam cumpridas pelos profissionais. Ao enumerar que o respaldo aos familiares, intermediado pelo seu consentimento diante das ações realizadas pelos profissionais, constituem uma das vantagens à aplicabilidade das DAV, incluindo a redução do estresse vivenciado nos momentos decisórios de restrição ou não de tratamentos aos seus familiares doentes 132 terminais, bem como a redução dos conflitos entre os cuidadores, profissionais e paciente; a elucidação das dificuldades enfrentadas pelos cuidadores familiares referente à sobrecarga no cuidado, a abdicação do autocuidado para cuidar do outro, a responsabilidade de cuidar inteiramente, a esperança de reversão do quadroda doença além, da comunicação insuficiente dos diagnósticos e prognósticos,são dificuldades que podem serem amenizadas, ao considerar a contextualização da aplicação das DAV. Entretanto, há que se considerar que, para a aplicação das DAV no contexto hospitalar, circulam muitas dúvidas, angústias, anseios e medos relacionados a sua efetivação, seja pelo fato de tratar de temáticas relacionadas à terminalidade, seja por se tratar de um documento cuja implementação pode comprometer o exercício profissional. Neste sentido, é que surgiram questões relacionadas ao amparo legal da resolução do CFM e à inexistência de legislação especifica sobre o assunto, a fim de amparar não somente o médico, mas o enfermeiro, que não é legalmente amparado profissionalmente sobre o cumprimento das DAV. Soma-se, ainda, que o cumprimento das DAV pode não corresponder exatamente aos desejos do doente, em virtude das mudanças de opiniões que podem ocorrer no transcorrer da doença, além de poderem ocorrer contestações familiares sobre o cumprimento ou não dos desejos prévios manifestados. Os assuntos relacionados ao fim de vida, frequentemente, despertam anseios diversos e falar sobre a morte suscitadificuldades. Nesse sentido, a possibilidade de entendimento das DAV é um atrativo, no sentido de contribuir com os profissionais da saúde quando se encontrarem em situações que necessitem explicar, aos pacientes e familiares, a possibilidade de realizar um testamento vital. Além disso, é importante que considerem e valorizem cultura e escolaridade dos envolvidos para que efetivamente ocorra a comunicação sobre a temática e a falta de entendimento não seja um fator dificultador ao pensar em DAV. Desde a aprovação da resolução das DAV se passaram quase quatro anos; obviamente, progressos ocorreram no sentido de familiarização com o tema, maior inserção do assunto nos espaços de saúde e na sociedade, realização de pesquisas a fim de aprimorar a ideia da sua implantação, a procura em ascendência de registros de testamentos vitais em cartórios brasileiros. Entretanto, algumas barreiras profissionais, como a falta de tempo ou a não disponibilidade em introduzir o assunto, a rotatividade de profissionais que atendem os doentes, especialmente nos hospitais universitários, a ideia da difícil implementação das DAV no contexto hospitalar, erros de diagnóstico 133 somados à desmotivação profissional parecem dificultar o processo de aplicabilidade das DAV. Nesse contexto, a ideia do diálogo entre os profissionais, paciente e familiares, uma abordagem multidisciplinar associada aos registros adequados em prontuários e documentos específicos devem permear a prática das DAV. Efetivamente em termos práticos, caso os pacientes em condições de capacidade, previamente, não tenham manifestado as suas vontades, e para que seja possível aos doentes manifestarem seus desejos, é imprescindível que saibam de maneira sincera seu diagnóstico e prognóstico, ancorados em uma relação franca entre os envolvidos e interessados. Neste sentido, a ocultação das condições de saúde e doença, tão evidente na pesquisa, faz com que a realização de uma DAV seja impedida. Na maioria das vezes, essa ocultação, tanto dos profissionais, quanto dos cuidadores familiares, referenciada como uma maneira de proteção aos pacientes, deve-se ao receio de vir a interferir na auto-estima do doente, provocando depressão, descrença, destruição de esperança. Frente às considerações efetuadas, ao tratar assuntos sobre fim de vida, a partir das vivências encaradas pelos profissionais e pelos cuidadores familiares, a ideia de pensar sobre a possibilidade de que situações semelhantes aconteçam em si, faz com que repensem suas ideias e condutas diante das situações de terminalidade. Nesse sentido, medidas de conforto, oferecimento de hidratação e nutrição adequadas, consideradas neste contexto como indispensáveis, a manutenção da privacidade, o respeito à dignidade e a necessidade de manter a qualidade de vida constituem situações indispensáveis para os profissionais da saúde, quando remetidos à possibilidade de se tornarem pacientes terminais. Soma-se, ainda, que o respeito à autonomia é o que ampara a ideia dos profissionais da saúde manifestarem interesse em realizar as DAV, muito embora desejam realizá-la quando reconhecidamente terminais. Entretanto, a aplicação das manifestações prévias é envolta por anseios e dúvidas quanto pensadas para si, considerando a possibilidade de mudança de opinião e o medo inerente à terminalidade. Porém, a realização das DAV contribui para a desresponsabilização dos familiares em decidir por si. Enfim, para os profissionais da saúde, a aceitabilidade de aplicabilidade das DAV está ancorada no medo de realizá-la, apesar de enfatizarem sua necessidade, de modo a garantir o respeito a sua autonomia pessoal. Já, para os cuidadores familiares, os desejos pessoais quando estimulados a pensar sobre a possibilidade de se tornarem terminais apresentam-se mais evidentes que 134 para os profissionais, ou seja, os cuidadores parecem desejar mais intensamente realizar as DAV. Tal manifestação parece basear-se no desejo de que seus cuidadores não sofram o mesmo que eles ao cuidar do seu familiar, em virtude da demanda de dedicação; entretanto, permanece de maneira discreta certo receio, também, quanto à possibilidade de mudança de ideia diante da situação terminal. Frente ao exposto, foi possível confirmar a tese que: a aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade no ambiente hospitalar requer o seu conhecimento e capacitação pelos enfermeiros, médicos e cuidadores familiares de doentes terminais, demonstrando o respeito à autonomia pessoal dos pacientes e familiares. Sob essa perspectiva, as DAV devem ser um tema compartilhado, contextualizado e objeto de diálogo, demandando tempo e dedicação dos profissionais e envolvidos, a fim de garantir, ao paciente, o respeito as suas vontades; ao familiar, maior tranquilidade e, aos profissionais, o respaldo e a certeza do dever cumprido. Assim, é possível constatar que há necessidades e prioridades que devem permear a prática dos profissionais da saúde, especialmente dos enfermeiros e médicos, para que efetivamente ocorram avanços no sentido de que as DAV possam ser implementadas no contexto da assistência aos doentes terminais. Com isso, uma das grandes questões refere-se ao fato que deve haver uma interação multiprofissional, ou seja, a comunicação deve permear as condutas relacionadas ao fim de vida, a fim de evitar discordâncias de condutas diante de uma situação de limitação ou não de tratamentos. A aplicação das DAV deve ser amparada pelo diálogo entre os envolvidos, ou seja, entre os profissionais, familiares e pacientes. Nessas situações, a comunicação com os familiares e pacientes deve ser o mais acessível possível, a fim de que desentendimentos não sejam o alvo da falta de interesse na realização das DAV. Com isso, a preparação, a capacitação sobre as DAV constituem fatores indispensáveis para que ocorra a implementação, principalmente pelo fato de que, embora se reconheça que esteja havendo progressos, o desconhecimento sobre a temática ainda é grande. A disseminação da ideia e de conhecimentos relativos aos cuidados paliativos, por sua vez, facilitariam a implementação das DAV em virtude da filosofia adotada à sua prática. Também, a necessidade de legislação específica sobre a aplicação das DAV no contexto dos profissionais, especialmente dos enfermeiros, que ainda não possuem amparo em nenhuma resolução, minimizaria possíveis desconfortos relacionados a sua aplicação por parte destes profissionais. Além disso, os cuidadores familiares e os 135 pacientes estariam ainda mais amparados, pois, na presença de uma legislação específica, a fidedignidade do cumprimento das vontades, supostamente, seria mais efetiva. Frente ao exposto, proporcionar alternativas que garantam espaços à discussão e reflexão da aplicação prática das DAV, seja na formação de profissionais da saúde, bem como na informação à população sobre essa possibilidade, contribuiriam no crescimento e procura da realização das DAV, conduzindo a um novo olhar diante do processo da morte, além de auxiliar na garantia da autonomia pessoal. Neste sentido, é importante estimular a inserção dessa temática nos currículos dos cursos da área da saúde, a exploração de meios para que os serviços de saúde e os profissionais possam estar cientes dessa possibilidade que se apresenta, bem como o desenvolvimento de pesquisas relacionadas à aplicação prática das DAV. Os profissionais de saúde veem a morte do paciente como um fracasso, o que pode estar associado a deficiências na sua formação profissional, bem como por questões culturais. Presume-se que os profissionais da saúde, especialmente médicos e enfermeiros, estejam habituados a lidar com a morte, o que não significa que estão devidamente preparados para lidar com o que cerca essa situação. Enfim, considerando a inserção da temática aos profissionais de saúde e a sociedade, é necessário tratar a situação da iminência da morte com muita compreensão, empatia e solidariedade, a fim de auxiliar na ideia que não é preciso, que os pacientesvivenciemo processo de morte de modo solitário. Indubitavelmente, os dados apresentados nesse estudo não configuram a realidade do Brasil, tampouco do Rio Grande do Sul, em virtude da parcela de entrevistados e dos diferentes contextos e situações de assistência à saúde. Entretanto, constituem mais um passo para que o assunto sobre a terminalidade, dito velado e interdito, seja aos poucos inserido nos espaços da área da saúde e para que a população esteja mais ciente dos seus direitos de que suas vontades possam vir a ser cumpridas em uma situação de incapacidade. Diante de todas as considerações efetuadas nessa pesquisa, surgem os seguintes questionamentos: você respeita a autonomia dos doentes terminais? Na assistência aos pacientes, você cumpre com os desejos prévios manifestados? Qual o valor remetido ao respeito a autonomia pessoal diante de um doente terminal? É importante cumprir os desejos manifestados, considerando que o doente está em processo de morte? Você já pensou em como quer ser cuidado diante de uma situação de doença terminal? Deseja 136 que sua autonomia seja garantida? Tais indagações surgem a fim de que possam instigar reflexões no sentido que constantemente seja (re) pensada a ideia que o ser humano é único com suas ideias, vontades, anseios, inquietações, sendo importante que suas vontades sejam sobrepostas às vontades de quem os assiste, ou seja, os desejos pessoais dos profissionais não devem ser superiores ao que o paciente pensa e deseja. 137 REFERÊNCIAS ALMEIDA, J. L. T. de. Respeito à autonomia do paciente e consentimento livre e esclarecido: uma abordagem principialista da relação médico-paciente. [Doutorado] Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 1999. 129 p ALVES, C. A. Linguagem, Diretivas Antecipadas de Vontade e Testamento Vital: uma interface nacional e internacional. Revista Bioethikos - Centro Universitário São Camilo, v.7, n. 3, p. 259-270, 2013. ALVES, C. A.; FERNANDES, M. S.; GOLDIM, J. R. Diretivas antecipadas de vontade: um novo desafio para a relação médico-paciente. Rev. HCPA & Fac. Med. Univ. Fed. 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Decisores substitutos:( ) familiar: _____________( ) outros: _________________ 7.Tempo de cuidado ao paciente: ________________________________________ Questões norteadoras Diretivas antecipadas de vontade é um documento organizado com o médico, ou isoladamente, onde consta o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade (CFM, 2012). 1. Profissionais da saúde (médicos e enfermeiros) Questões relacionadas na assistência ao paciente Esclarecimentos aos pacientes e/ou familiares sobre a doença do paciente (diagnóstico, prognóstico, tratamentos, vantagens e desvantagens); Respeito à autonomia do paciente (decisões compartilhadas entre os profissionais da saúde, pacientes e/ou familiares sobre implementação ou não de tratamentos e cuidados e as decisões delegadas aos responsáveis); Conhecimento e vivências profissionais sobre a aplicabilidade das DAV (vantagens, desvantagens, dificuldades e facilidades, situações adotadas); Orientações e comunicação aos pacientes sobre a possibilidade de preenchimento das DAV (instruções e recomendações para a organização do documento e a modalidade de pacientes inclusos nesse processo; os mais indicados para conversar com os pacientes e/ou familiares responsáveis sobre as DAV); 146 Cumprimento pelos profissionais da saúde das decisões dos pacientes e/ou decisores substitutos (conflitos para o cumprimento ou não das vontades manifestadas). Questões relacionadas aos desejos pessoais sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade Desejos sobre quem e como gostaria de ser cuidado diante da situação de incapacidade /terminalidade (preferências de comunicação); Desejo sobre completar a DAV (razões sobre o interesse ou desinteresse e impedimentos); O respeito à autonomia diante da incapacidade. 2. Familiares dos pacientes Questões relacionadas no cuidado ao paciente Compreensão do diagnóstico e prognóstico do paciente (comunicação dos profissionais da saúde; decisões compartilhadas com os profissionais sobre os possíveis tratamentos); Desejos previamente manifestados pelo paciente sobre condutas a serem aplicadas diante da situação ora vivenciada e das preferências sobre quem o cuidaria (cuidados e tratamentos a serem ou não prestados, cumprimento dos desejos, facilidades e dificuldades); Responsabilidades atribuídas aos familiares responsáveis sobre as decisões em final de vida (dificuldades e vantagens). Questões relacionadas aos desejos pessoais sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade Desejos sobre quem e como gostaria de ser cuidado diante da situação de incapacidade /terminalidade (preferências de comunicação sobre as vontades); Desejo sobre realização das DAV (razões sobre o interesse ou desinteresse e impedimentos); O respeito à autonomia diante da incapacidade. 147 APÊNDICE II TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM DOUTORADO EM ENFERMAGEM APLICABILIDADE DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE: NOVO OLHAR ACERCA DA MORTE E DA RELAÇÃO COM A VIDA Pesquisadora:- Silvana B. Cogo (Doutoranda em Enfermagem/FURG) Orientadora:- Prof. Drª. Valéria Lerch Lunardi Eu,________________________________ciente com o presente Consentimento Livre e Esclarecido e de posse de uma das vias do termo, declaro estar devidamente informado(a) sobre a intenção da pesquisa intitulada:Aplicabilidade das Diretivas Antecipadas de Vontade: novo olhar acerca da morte e da relação com a vida, que tem o objetivo de “Compreender como os profissionais da saúde e familiares entendem a aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade para as situações de terminalidade”. Desse modo, a fim de alcançar os objetivos propostos, serão realizadas entrevistas semiestrutrudas com a utilização de gravador, na Instituição Hospitalar do estudo e no domicílio dos familiares dos pacientes atendidos no serviço de internação domiciliar da Instituição. É assegurado que as entrevistas transcritas serão disponibilizadas aos entrevistados antes de serem analisadas, para certificaram-se do que realmente será considerado a fala do entrevistado. Considero preservada minha participação como voluntário (a), sem coerção pessoal ou institucional, dando minha permissão para ser entrevistado e para estas entrevistas serem gravadas em áudio e, após a transcrição, serão identificadas por códigos. Estou ciente que sou livre para recusar a dar respostas a determinadas questões durante as entrevistas, retirar meu consentimento e terminar minha participação a qualquer tempo, bem como terei a oportunidade para perguntar sobre qualquer questão que eu desejar, e que todas deverão ser respondidas pelo pesquisador a meu contento. Estou ciente que essa pesquisa poderá beneficiar a assistência prestada pelos profissionais da saúde aos pacientes e familiares, considerando que as Diretivas Antecipadas de Vontade constituem um artificio garantidor da preservação da autonomia pessoal do paciente, bem como, auxiliam na redução dos conflitos e dilemas éticos vivenciados por profissionais e familiares dos pacientes diante de situações de terminalidade. Entretanto, também tenho a compreensão que poderá não haver benefícios diretos ou imediatos para mim como participante deste estudo, além disso, a princípio, não existem riscos prejudiciais à minha integridade, como participante dessa pesquisa; entretanto, poderei ter ganhos emocionais de poder falar sobre o assunto em pauta. Dessa forma, caso seja necessário, se eu me sentir alterado(a) emocionalmente, serei conduzido ao serviço de psicologia do hospital. Estou ciente de que também poderá não haver benefícios diretos e imediatos para minhas atividades profissionais ou para a instituição onde trabalho, ou para o cuidado prestado ao paciente no domicilio, 148 mas sei que poderá haver alguma abordagem positiva após outros profissionais e outras instituições tomarem conhecimento das conclusões desta pesquisa. A princípio, não existem riscos prejudiciais à integridade aos participantes dessa pesquisa. Em qualquer etapa do estudo, você terá acesso aos profissionais responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de eventuais dúvidas. O principal investigador é a Doutoranda Silvana Bastos Cogo, que pode ser encontrada pelo e-mail [email protected] e pelo telefone (55) 9686 - 3552. Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a pesquisa entrar em contato via telefone e/ou por e-mail. No tocante as despesas e compensações: não há despesas pessoais para o participante em qualquer fase do estudo. Também não há compensação financeira relacionada a sua participação. Se existir qualquer despesa adicional, ela será absorvida pelo orçamento da pesquisa. Existe o compromisso do pesquisador de utilizar os dados e o material coletado somente para esta pesquisa e trabalhos científicos a serem elaborados. Estou ciente de que estarão garantidas a não invasão de minha privacidade. Sei que, além do pesquisador, o material coletado na entrevista será de conhecimento da Professora Orientadora, sendo o meu nome omitido e esta pessoa estará submetida às normas do sigilo profissional. O relatório final estará disponível para todos quando estiver concluído o estudo, inclusive para apresentação em encontros científicos e publicação em revistas especializadas, podendo conter citações literais da entrevista, mas sempre de modo anônimo e evitando a identificação do participante. Estou ciente de que serei respeitado (a) quanto a não ter tocados aspectos de foro íntimo, a não ser quando for de minha concordância em abordá-los. Estou ciente que serão sustentados os preceitos Éticos e Legais conforme a Resolução 466/12 da CONEP/MS (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/Ministério da Saúde) sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. ____________________________ Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ____________________________ Nome do pesquisador __________________________ Assinatura do pesquisador Este formulário foi lido para ________________________________________em ___/___/___pelo (a) pesquisador (a)___________________________________. Nota: O presente Termo terá duas vias rubricadas em todas as páginas, uma ficará com a pesquisadora e a outra via com a participante da pesquisa. Silvana Bastos Cogo - Doutoranda em Enfermagem FURG Fone: (55) 96863552. E-mail: [email protected] Drª Valéria Lerch Lunardi - Professora Orientadora Fone: (53) 3233-0315. E-mail: [email protected] 149 APÊNDICE III TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM DOUTORADO EM ENFERMAGEM APLICABILIDADE DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE: NOVO OLHAR ACERCA DA MORTE E DA RELAÇÃO COM A VIDA Pesquisadora:- Silvana B. Cogo (Doutoranda em Enfermagem/FURG) Orientadora:- Prof. Drª. Valéria LerchLunardi O (a) Senhor (a) está sendo convidado (a) a participar de uma pesquisa. Por favor, leia este documento com bastante atenção antes de assiná-lo. Caso haja alguma palavra ou frase que o (a) senhor (a) não consiga entender, o pesquisador responsável pelo estudo estará disponível para esclarecê-los. A proposta deste termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) é explicar tudo sobre o estudo e solicitar a sua permissão para participar do mesmo. A pesquisa intitulada: Aplicabilidade das Diretivas Antecipadas de Vontade: novo olhar acerca da morte e da relação com a vida tem o objetivo de “Compreender como os profissionais da saúde e familiares entendem a aplicabilidade das diretivas antecipadas de vontade para as situações de terminalidade”. O (a) Senhor (a) foi escolhido (a) a participar do estudo, pois é importante para a pesquisa; além disso, o (a) Senhor (a) poderá não participar do estudo, caso seja sua vontade. Após entender e concordar em participar, será realizada uma entrevista com a utilização de gravador e está garantido que as falas serão transcritas e poderão ser lidas pelos entrevistados antes de serem utilizadas na pesquisa. Eu,_______________________________________ estou ciente com as informações deste termo de consentimento livre e esclarecido e de posse de uma das vias do termo, declaro estar informado (a) sobre a intenção da pesquisa. Considero que a minha participação é voluntário (a), dando minha permissão para ser entrevistado e para estas entrevistas serem gravadas em áudio e, após a transcrição, serem identificadas por códigos. Estou ciente que sou livre para recusar a dar respostas a determinadas perguntas durante as entrevistas, retirar meu consentimento e terminar minha participação a qualquer tempo, bem como terei a oportunidade para perguntar sobre qualquer questão que eu desejar, e que todas questões deverão ser respondidas pelo pesquisador a meu contento. Estou ciente que essa pesquisa poderá beneficiar a assistência prestada pelos profissionais da saúde aos pacientes e familiares, considerando que as Diretivas Antecipadas de Vontade contribuem para a preservação da autonomia do paciente, bem como, auxiliam na redução dos conflitos e dilemas éticos vivenciados por profissionais e familiares dos pacientes diante de situações de terminalidade. Entretanto, também tenho a compreensão que poderá não haver benefícios diretos ou imediatos, para mim, como participante deste estudo. A princípio, não existem riscos prejudiciais à minha integridade, como participante dessa pesquisa; entretanto, poderei ter ganhos emocionais de poder falar sobre o assunto em pauta. Dessa forma, caso seja necessário, se eu me sentir alterado(a) emocionalmente, serei conduzidos ao serviço de psicologia do hospital. Em qualquer etapa do estudo, eu terei acesso aos profissionais responsáveis pela pesquisa para 150 esclarecimento de eventuais dúvidas. O principal investigador é a Doutoranda Silvana B. Cogo, que pode ser encontrada pelo e-mail [email protected] e pelo telefone (55)96863552. Se eu tiver alguma consideração ou dúvida sobre a pesquisa, posso entrar em contato via telefone e/ou por e-mail. Quanto as despesas e compensações: não há despesas pessoais para o (a) participante em qualquer fase do estudo. Também não há compensação financeira relacionada a minha participação. Se existir qualquer despesa adicional, ela será absorvida pelo orçamento da pesquisa. Existe o compromisso do pesquisador de utilizar os dados e o material coletado somente para essa pesquisa e trabalhos científicos a serem elaborados. Estou ciente de que estará garantida a não invasão de minha privacidade. Sei que, além do pesquisador, o material coletado na entrevista será de conhecimento da Professora Orientadora, sendo o meu nome omitido e essa pessoa estará submetida às normas do sigilo profissional. O relatório final estará disponível para todos, quando estiver concluído o estudo, inclusive para apresentação em encontros científicos e publicação em revistas especializadas, podendo conter citações literais da entrevista, mas sempre de modo anônimo e evitando a identificação do participante. Estou ciente de que serei respeitado (a) quanto a não ter tocados aspectos de foro íntimo, a não ser quando for de minha concordância em abordá-los. Estou ciente que serão sustentados os preceitos Éticos e Legais conforme a Resolução 466/12 da CONEP/MS (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa/Ministério da Saúde) sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. ____________________________ Nome do entrevistado __________________________ Assinatura do entrevistado ____________________________ Nome do pesquisador __________________________ Assinatura do pesquisador Este formulário foi lido para _________________________________________________em ___/___/___pelo (a) pesquisador (a)______________________________________________. Nota: O presente Termo terá duas vias rubricadas em todas as páginas, uma ficará com a pesquisadora e a outra via com a participante da pesquisa. Silvana Bastos Cogo - Doutoranda em Enfermagem FURG Fone: (55) 96863552. E-mail: [email protected] Drª Valéria LerchLunardi - Professora Orientadora Fone: (53) 3233-0315. E-mail: [email protected] 151 ANEXO I DIRETIVAS ANTECIPADAS: UMA ANÁLISE DOCUMENTAL NO CONTEXTO MUNDIAL ADVANCE DIRECTIVES: A DOCUMENTARY ANALYSIS IN GLOBAL CONTEXT DIRECTIVAS ANTICIPADAS: UN ANÁLISIS DOCUMENTAL EN CONTEXTO GLOBAL RESUMO: As diretivas antecipadas da vontade ou o testamento vital, nomenclatura adotada no Brasil, atua na preservação da autonomia do paciente. Com o objetivo de conhecer as legislações referentes ao testamento vital em diferentes países, estabelecendo um paralelo com a instituída no Brasil, realizou-se análise documental de legislações governamentais nacionais e estrangeiros, adotando a análise de conteúdo da Bardin. Aproximadamente quinze países possuem legislações regulamentadoras do testamento vital, enquanto que, no Brasil, há apenas uma resolução do Conselho Federal de Medicina. Conhecer as legislações em diferentes países contribui, no sentido de subsidiar discussões e avanços legais, no Brasil, para que os profissionais da saúde, que atuam com pacientes, possam considerar os desejos dos assistidos. Palavras-chave: Diretivas antecipadas. Testamentos quanto à vida. Legislação como assunto. Doente terminal. ABSTRACT:Advance directives will or living will, nomenclature adopted in Brazil, operates in the preservation of patient autonomy. In order to know the laws regarding living wills in different countries, establishing a parallel with established in Brazil, there was documentary analysis of domestic and foreign governmental laws, adopting the content analysis of Bardin. Approximately fifteen countries have regulatory laws of the living will, whereas in Brazil there is only one resolution of the Federal Council of Medicine. Know the laws in different countries contributes, to support discussions and legal developments in Brazil, so that health professionals who work with patients, may consider the wishes of the beneficiaries. Key words:Advance directives.Living will. Legislation as topic. Terminally ill. RESUMEN: Las directivas anticipadas serán o testamento vital, nomenclatura adoptada en Brasil, opera en la preservación de la autonomía del paciente. Con el fin de conocer las leyes relativas a los testamentos vitales en diferentes países, estableciendo un paralelismo con lo establecido en Brasil, no fue el análisis documental de las leyes gubernamentales nacionales y extranjeras, adoptando el análisis de contenido de Bardin. Aproximadamente quince países tienen leyes reguladoras del testamento en vida, mientras que en Brasil sólo hay una resolución del Consejo Federal de Medicina. Conozca las leyes de los distintos países contribuye, para apoyar los debates y desarrollos legales en Brasil, por lo que los profesionales de la salud que trabajan con los pacientes, pueden considerar los deseos de los beneficiarios. Palabras-clave: Directivas antecipadas. Volunta em vida. Legislación como assunto. Enfermo terminal. 152 INTRODUÇÃO O desenvolvimento das ciências tecnologias biomédicas temprovocado mudanças significativas na atenção prestada ao paciente, considerando os recursos disponíveis para o tratamento de doenças antes consideradas incuráveis. No entanto, em determinados momentos, o aparato tecnológico não é o suficiente para manter a vida em se tratando dos doentes terminais. A tentativa de curar pode acarretar o prolongamento artificialda vida, a perda da autonomia pessoal e da dignidade humana, suscitando discussõesacerca de supostos direitos do paciente em manifestar a sua vontade em situações de incapacidade. Nessa direção, diante da possibilidade da construção de um instrumento para a manifestação dos interesses1 é que surgem as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), habitualmente conhecidas no Brasil, como Testamento Vital (TV), que se vinculam à possibilidade do paciente manifestar previamente sua vontade acerca de quais tratamentos médicos (diálise, respiradores artificiais, ressuscitação cardiorrespiratória – RCR, tubo de alimentação), quer ou não, submeter- se caso futuramente esteja em estado de incapacidade.2 As DAV emergiram nas últimas décadas como uma das principais discussões da bioética mundial e garantidoras da preservação da autonomia pessoal. Países como Alemanha, Argentina, Áustria, Bélgica, Estados Unidos da América (EUA), França, Holanda, Hungria, Inglaterra, México, Porto Rico, Portugal, União Européia e Uruguai já possuem legislação específica sobre o tema. No Brasil inexiste uma legislação jurisprudencial sobre o tema, contudo foi editada, recentemente, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) a Resolução 1.995/12 que trata e autoriza a prática das DAV.3 Partindo desse pressuposto, a DAV está ancorada na ideia de que é um processo que inclui a noção de paciente ativo que participa na tomada de decisões relativas à sua saúde4. Em pesquisa realizada no Brasil, com o propósito de identificar a percepção de pacientes oncológicos e de seus acompanhantes em relação ao TV, foi identificado que ambos os grupos desconhecem o significado desse termo. A partir da apresentação de seu significado, constatou-se que pacientes que se encontram em tratamento há mais tempo apresentam maior desejo de decidir sobre seu processo de morrer; e pacientes mais jovens são menos propensos à sua preparação. No entanto, as decisões dos familiares, médicos, pacientes e de pacientes juntamente com seus médicos, são bem aceitas por ambos os grupos pesquisados. Desse modo, a partir dessa pesquisa, a 153 implantação do TV, no Brasil, parece ser bem acolhida, tanto por pacientes oncológicos como pelos seus acompanhantes.5 Assim, partindo desse estudo e da crença de que muitos são os entraves e dilemas relacionados ao exercício da autonomia pelo paciente, existe a necessidade de fomentar a discussão acerca do TV no Brasil, de modo a contribuir para que os pacientes tenham respeitadas suas vontades, e para que os profissionais que trabalham com pacientes terminais tenham respaldadas suas atuações, já que as ações em situações de terminalidade são, por diversos momentos, permeadas por conflitos éticos. As DAV são uma via de determinar não apenas o tipo, mas também a intensidade do tratamento médico que a pessoa pensa querer.6 Considerando a relevância do tema na atualidade, e a possibilidade de o paciente previamente decidir e registrar como deseja ser cuidado no fim de vida, auxiliando os profissionais de saúde, bem como os familiares a tomarem decisões, além da necessidade de empenhar esforços para que se tenham orientações melhor definidas sobre o TV, delineou-se como questão de pesquisa: Quais as orientações apresentadas nas legislações de diferentes países sobre o TV e DAV? Assim, objetiva-se neste estudo conhecer as legislações referentes às DAV e TV em diferentes países, estabelecendo um paralelo com a vigente no Brasil. METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa que adota procedimentos da análise documental, como um delineamento que permite explanar e esclarecer a questão/problema em concordância com o objetivo do pesquisador. Um documento é um importante meio de acesso para a compreensão do contexto social, dos conceitos e para o favorecimento de uma observação de um passado recente, além de favorecer a observação do processo de maturação ou de evolução dos indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades e práticas.7 Na análise documental, primeiramente, é necessário localizar os documentos pertinentes e avaliar sua credibilidade; desse modo, essa etapa consistiu na localização das legislações referentes ao TV de diferentes países.7 Recorreu-se ao site especializado em divulgar o TV no Brasil que disponibiliza as legislações. Após a primeira seleção realizada no período de setembro a outubro de 2013 e de posse das legislações, optou-se pela confirmação dos documentos nos endereços referenciados no site dos seguintes países: EUA, Espanha, Portugal, Argentina, Uruguai, Bélgica, Holanda, Inglaterra, México, União Européia e Brasil.8 154 Os documentos estrangeiros foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: pertinência do conteúdo ao objetivo do estudo; confiabilidade, por se tratarem de documentos oficiais elaborados pelos governos; documentos nos idiomas: inglês, espanhol e português. Os arquivos públicos onde constam os documentos governamentais, os do estado civil, bem como documentos de natureza notarial ou jurídica, constituem documentos públicos passíveis de serem pesquisados mediante análise documental.7 Desse modo, foram desconsiderados, em virtude do idioma, as legislações da Áustria, França, Alemanha e Hungria, bem como as legislações da Holanda, Porto Rico e União Européia que não foram localizadas. No Brasil, em virtude da ausência de legislação sobre TV, recorreu-se, a fim de subsidiar justificativas à sustentação da prática das DAV, à Constituição Federal9, ao Código Civil10, ao Código de Ética Médica (CEM)11 e à Resolução 1.995/12.3 Assim, a partir destes documentos foi realizada a análise documental preliminar de acordo com as cinco dimensões: análise do contexto, autores, autenticidade e confiabilidade do texto, natureza do texto, conceitos-chave e lógica interna do texto.7 Com relação ao contexto do TV ocorreu, incipientemente nos EUA, em 1967, pela Sociedade Americana para a Eutanásia, como um documento de cuidados antecipados, em que o indivíduo poderia deixar registrados seus interesses referentes a interrupções de tratamento médicos que mantivessem sua vida em situações de terminalidade, além de contribuir sobre a possibilidade de amenizar conflitos entre profissionais, pacientes terminais e familiares relacionados às decisões dos tratamentos a que o paciente em estado de terminalidade deveria ser submetido.12 Partindo do exposto, casos como de Karen Ann Quinlan, Terri Schiavo e Nancy Cruzan, que permaneceram em estado vegetativo persistente, cujos representantes solicitaram a retirada dos suportes que prolongavam suas vidas, impuseram valor decisivo para a criação de lei acerca do tema nos EUA, em 1990, despertando a necessidade de legislação em outros países.1 No Brasil, após longos anos de discussão, em 2012, foi aprovada Resolução sobre as DAV pelo CFM.3 No que se refere à autenticidade e confiabilidade do material analisado, os documentos constituem-se em legislações, ou seja, são documentos jurídicos autênticos e confiáveis, analisados na íntegra, apresentando instruções referentes à implementação das DAV e TV nos países. Os documentos analisados ilustram exclusivamente o direito dos pacientes exercerem sua autonomia diante de uma situação de terminalidade, a partir das exposições referentes aos procedimentos adotados para organizar um TV. As 155 legislações, e a única resolução analisada, retratam de maneiras bastante similares as ações diante do TV, não se perdendo no sentido amplo de garantir a dignidade e autonomia pessoal para o paciente incapaz. Em seguida, na última etapa, procedeu-se à análise dos documentos quanto a sua lógica interna, recorrendo-se á análise de conteúdo13 pertinente à analise documental.7 A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações verbal e não-verbal que visa, por meio de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores, qualitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas mensagens. 13 Assim, procedeu-se a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados.13A pré-análise constituiu a fase de organização dos dados e compreendeu: a leitura na íntegra respeitando as normas de validade que se referem a: exaustividade; representatividade; homogeneidade e pertinência. A fim de organizar o material à análise e a realização da leitura flutuante, foram extraídos dos textos informações referentes ao país, ano, o que estabelece a legislação, direitos dos pacientes e a dinâmica de aplicabilidade das DAV. Na exploração do material que consistiu na operação de codificação utilizou-se do recorte do texto, o tema, como unidade de registro que originaram as categorias reunindo um grupo de elementos, sob um título genérico, em razão dos caracteres comuns.13 E por fim, a última etapa da análise de conteúdo se propôs à inferência nas interpretações previstas em torno de dimensões teóricas sugeridas pela leitura do material e foi utilizado referencial da bioética, e a legislação brasileira, o que possibilitou refletir sobre as legislações. Complementa-se, ainda, que esta pesquisa se isenta do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por seu caráter documental. Como os documentos analisados nesta pesquisa foram extraídos de sites governamentais e departamentais de domínio público, os aspectos éticos foram respeitados, considerando que as informações expostas traduzem o que tratam as legislações encontradas. RESULTADOS E DISCUSSÃO Na atualidade, as discussões referentes ao TV e DAV tornam-se relevantes em virtude de possibilitar aos pacientes o exercício da autonomia, e aos profissionais da saúde e familiares informações sobre os desejos em situações difíceis, isentando-os da responsabilidade em decidir sobre condutas que, talvez, fossem repudiadas pelos 156 pacientes. Assim, o quadro 1 ilustra os países, legislações, ano de sua criação e o que tratam as leis que foram consideradas nessa pesquisa, a fim de propiciar uma discussão paralelamente ao instituído no Brasil. Quadro 1. Legislações sobre diretivas antecipadas e testamento vital em diferentes países País Ano Legislação Sobre o que estabelece 14 EUA 1991 Patient Self Direito do paciente à autodeterminação e a Determination Act fazer uma diretiva antecipada, em suas duas of 1990 modalidades: testamento vital e mandato duradouro 15 Espanha 2002 Lei 41/2002 de 14 Direitos e obrigações de pacientes, usuários e de novembro profissionais, bem como de escolas e serviços de saúde, públicos e privados, sobre a autonomia do paciente, informações clínicas e documentação. 16 Bélgica 2002 Lei de 22 de Lei sobre os Direitos dos Pacientes Belga Agosto de 2002 1 Inglaterra 2005 Lei da Capacidade LEI DA CAPACIDADE MENTAL 7 Mental de 2005 México18 2008 Lei 247/2008 de 7 Lei da Vontade antecipada para o Distrito de Janeiro Federal 19 Uruguai 2009 Lei 18.473/09 de Vontade antecipada 03 de abril 2 Argentina 2009 Lei 26.742/12 de Estabelece os Direitos do paciente e sua relação 0 2012 24 de maio com os profissionais e instituições de saúde modificação da Lei 26.529/2009 de 21 de outubro Portugal21 2012 Lei 25/2012 de 16 Regula as DAV, designadamente sob a forma de junho de TV, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde, criando o Registro Nacional do Testamento Vital (Rentev) Brasil3 2012 Resolução 1995/12 Dispõe sobre as DAV dos pacientes CFM de 31 de agosto Há de se destacar que existe uma proliferação vocabular dos termos referentes as DAV e o TV, distinta nos diferentes países pesquisados. A declaração antecipada de vontade é designada nos EUA por “living testament” ou “advance directive”; na Bélgica16, por “testament biologique”; na Espanha15, “Instrucciones previas”; no Uruguai19 e México18, “Voluntad anticipada”; em Portugal21 e no Brasil3, “Diretivas antecipadas de vontade” e, na Argentina20, “Directivas anticipadas”. Ao realizar a leitura e análise dos conteúdos das legislações dos diferentes países, foi possível perceber similaridades de orientações das condutas na aplicação das 157 diretivas antecipada, emergindo e constituindo-se duas categorias: diretivas antecipadas; e o direito ao respeito da autonomia do paciente. Diretivas antecipadas As DAV, encontradas no cenário mundial há anos, foram introduzidas recentemente no cenário nacional. A Resolução 1.995/2012 norteia a conduta médica em situações de terminalidade, garantindo a autonomia do paciente e a manutenção da dignidade humana.3 De acordo com a resolução, as DAV constituem-se em um conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, que serão considerados, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. Além disso, a resolução no Brasil cogita, a possibilidade do paciente designar um procurador para que as vontades do paciente sejam respeitadas quando esse não puder mais manifestá-la.3 Nos EUA, primeiro país a apresentar uma legislação sobre a temática, a diretiva antecipada é uma instrução escrita, como um testamento em vida ou mandato duradouro do advogado para a saúde, reconhecida pela legislação do Estado e relativo à prestação de tais cuidados quando o indivíduo está incapacitadoe devem ser documentadas no prontuário do indivíduo; além disso, os funcionários e a comunidade devem ser esclarecidos sobre questões relacionadas com as diretivas antecipadas.14 A Espanha, primeiro país europeu a legislar sobre as diretivas antecipadas, trata, em linhas gerais, que devem conter orientações à equipe médica sobre o desejo de que não se prolongue artificialmente a vida, a não utilização dos tratamentos extraordinários, a suspensão do esforço terapêutico e a utilização de medicamentos para diminuir a dor, entre outras15. Complementa-se, ainda, que as diretivas antecipadas podem ser revogadas a qualquer momento independentemente do paciente deixar um registro escrito. Com efeito, a fim de garantir a eficácia das instruções manifestadas pelos pacientes, na Espanha, foi criado no Ministério da Saúde um Registro Nacional de instruções a fim de que os pacientes sejam atendidos, de acordo com regras estabelecidas por acordo regulamentado pelo Conselho Interterritorial de Saúde.15 Na Argentina, em 2009, foi promulgada uma lei que reconhecia o direito de o paciente dispor sobre suas vontades por meio de diretivas antecipadas; todavia, a lei não mencionava detalhes sobre o tema. Dessa maneira, em 2012, essa legislação foi alterada, abordando a temática de maneira direcionada. A legislação na Argentina determinando que as diretivas antecipadas podem ser realizadas por qualquer pessoa adulta capaz, podendo consentir ou recusar determinados tratamentos médicos, 158 preventivos ou paliativos, bem como as decisões que envolvem sua saúde. As diretivas devem ser aceitas pelo médico assistente, exceto as que envolvem o desenvolvimento de práticas de eutanásia, que serão consideradas como não-existentes. A declaração será feita, por escrito, podendo ser revogada a qualquer momento.20 No Brasil, a resolução das diretivas prevê que o médico registrará, no prontuário, as DAV que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente. Não sendo conhecidas as orientações prévias, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou consenso entre esses, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na sua falta, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender essa medida necessária e conveniente.3 Em Portugal, a discussão começou em 2006, com a apresentação do projeto de lei de autoria da Associação Portuguesa de Bioética. Entretanto, apenas em julho de 2012 foi promulgada a lei que regulamenta as DAV, designadamente sob a forma de TV, com a nomeação de procurador de cuidados de saúde. Ainda, foi criado o Registro Nacional do Testamento Vital (RENTEV) que tem por finalidade registrar, organizar e manter atualizada, quanto aos cidadãos nacionais, estrangeiros e apátridas residentes em Portugal, a informação e documentação relativas ao documento de DAV e à procuração de cuidados de saúde.21 Em Portugal as diretivas antecipadas são eficazes por cinco anos e representam um documento unilateral e livremente revogável e modificável a qualquer momento, no qual uma pessoa maior de idade e capaz, que não se encontre interdita ou inabilitada por anomalia psíquica, manifesta antecipadamente a sua vontade consciente, livre e esclarecida, no que concerne aos cuidados de saúde que deseja receber, ou não deseja receber, no caso de, por qualquer razão, se encontrar incapaz de expressar a sua vontade pessoal e autonomamente.21 Já no Brasil, não consta a delimitação de tempo, entendendo-se que uma vez realizada, se não for suspensa pelo indivíduo, ela valerá por tempo indeterminado.3 No Uruguai, a legislação prevê o direito de expressar as suas vontades no sentido de se opor à futura aplicação de tratamentos e procedimentos médicos para prolongar a vida em detrimento da sua qualidade, caso se encontre em situação de doença terminal, incurável e irreversível. O diagnóstico de estado terminal de uma doença incurável e irreversível deverá ser certificado pelo médico assistente e confirmado por um segundo médico no histórico médico do paciente.19 Além disso, a 159 diretiva antecipada pode ser revogada oralmente ou por escrito, a qualquer momento e, em todos os casos, o médico deverá registrar essa manifestação no prontuário médico. O documento deve sempre incluir a nomeação de uma pessoa como representante, maior de idade, para assegurar o cumprimento dessa vontade, no caso em que o titular se torne incapaz de tomar decisões por si mesmo.19 Caso o paciente em fase terminal de uma doença incurável e irreversível não tenha expressado sua vontade e se encontre incapaz de expressá-la, a suspensão dos tratamentos ou procedimentos será uma decisão do cônjuge ou companheiro de direito comum ou, na sua falta, de familiar em seu primeiro grau de consanguinidade.19 Assim, os serviços de saúde públicos e privados devem garantir o cumprimento da diretiva antecipada do paciente, incorporando-a em seu histórico médico; fornecer programas educacionais para funcionários e usuários sobre os direitos dos pacientes prescritos na presente lei, cabendo ao Ministério da Saúde implementar uma ampla distribuição do processo educacional.19 Na Inglaterra, a Lei da capacidade mental inclui, em um dos seus capítulos, as decisões relativas às diretivas antecipadas que devem ser realizadas por uma pessoa com capacidade de consentir com a realização ou continuação do tratamento, podendo retirar ou alterar a decisão a qualquer momento, enquanto capaz de fazê-lo.17 No México, a lei das diretivas antecipadas é de ordem pública e interesse social. Possibilita a recusa de submeter-se a meios, tratamentos e / ou procedimentos médicos que pretendam prolongar desnecessariamente a vida, protegendo a dignidade humana quando for impossível manter a vida naturalmente. A aplicação das disposições da presente lei é relativa à ortotanásia, não permitindo abreviar a vida intencionalmente.18 Nessa perspectiva, no Brasil, as diretivas antecipadas, na prática, significam a realização da ortotanásia que é reconhecida como lícita no Brasil pelo CFM 22 e pela sentença do processo judicial de número 2007.34.00.014.809-3, ou seja, permite que o paciente morra naturalmente, pois não existem mais artifícios oriundos da medicina que possam reverter o quadro; em síntese, nada pode ser feito com o intuito de curá-lo.23 É conveniente destacar que as legislações pesquisadas apresentam nas suas estruturas menções sobre: o direito à objeção de consciência pelos profissionais da saúde; a isenção de discriminação no acesso a cuidados de saúde em virtude de ter ou não um documento de DAV. Ainda, todas as legislações mencionam a possibilidade de nomear um representante para agir diante das decisões quando os indivíduos tornam-se incapazes. 160 Direcionando o olhar para o previsto no Brasil, nota-se que a Resolução do CFM3 também menciona que o médico, caso a declaração prévia de vontade do paciente terminal vá de encontro aos ditames de sua consciência, poderá recusar-se a implementá-la, desde que haja outro médico de prontidão, apto e disposto a assumir seu lugar. Contudo, de maneira alguma, o médico poderá agir de acordo, unicamente, com sua consciência, prevalecendo a vontade manifestada pelo paciente sobre a do médico. Direito ao respeito da autonomia do paciente O direito do paciente em decidir sobre as pretensões futuras dos tratamentos que deseja ou não ser submetido em situações de incapacidades, é assegurado em todas as legislações pesquisadas. As diretivas antecipadas tornou-se lei federal em 1991 nos EUA com a publicação do PatientSelf-Determination Act (PSDA) e prevê o direito do paciente de participar das decisões que envolvem os cuidados relacionados à sua saúde e, determina que os prestadores de serviços mantenham políticas e procedimentos para prestar informações por escrito a cada um dos indivíduos sobre: seus direitos de decidir sobre a assistência médica, incluindo o direito de aceitar ou recusar tratamento médico ou cirúrgico e de formular diretivas antecipadas.14 Desse modo, às DAV situam-se no âmbito da autonomia do paciente, além de ser considerada como uma das principais motivações dos pacientes para completá-las se refere ao fato de assegurar sua autonomiae afirmá-la, sobretudo, à eventual obstinação terapêutica.24 A palavra autonomia significa o “autogoverno, direitos de liberdade, privacidade, escolha individual, liberdade da vontade, ser o motor do próprio comportamento e pertencer a si mesmo”.25:137 Respeitar o paciente autônomo é, no mínimo, reconhecer seu direito de ter suas opiniões, fazer suas escolhas e agir com base em seus valores e crenças pessoais. Neste sentido, o avanço da autonomia humana, nas últimas décadas, conferiu ao paciente o direito a ser informado, fazer a escolha do tratamento, dentre os disponíveis, e consentir ou recusar um procedimento ou terapêutica proposta.5 Assim, o respeito à autonomia do paciente leva em consideração a maneira própria de o paciente apreender o mundo, de fazer suas escolhas fundamentadas em valores próprios, agindo de acordo com seus princípios, suas crenças e sua visão do mundo. Desse modo, os profissionais da saúde devem caminhar lado a lado com o paciente, ajudando-o em suas decisões, nunca julgando ou decidindo por ele.27 No Brasil, a vontade do paciente é soberana, pois o CEM11 estabelece que é vedado ao profissional deixar de garantir ao paciente o exercício do seu direito 161 dedecidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como de exercer sua autoridade para limitá-lo. Além do direito do paciente ou de seu representantelegal de decidir sobre a execução de práticas diagnósticasou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Dessa maneira, de acordo com a Resolução 1.995/12, o médico responsável pelo tratamento, ciente da vontade declarada do paciente, deverá registrá-la no prontuário, para que se possa valer da vontade manifestada previamente.3 Com efeito, os profissionais médicos deverão cumprir as normativas das resoluções, conforme estabelece o CEM, determinando que é vedado desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los, ficando assim sujeitos às penalidades previstas em lei.11 Na Bélgica, o paciente não tem apenas direito, mas também a responsabilidade de cooperar com o profissional de saúde, que a partir dessa relação entre o paciente e os profissionais da saúde seja propiciada a melhora da qualidade de saúde, resumindo os direitos básicos e as ressalvas para manter os registros de saúde e o acesso a esses registros. É também possível determinar a pessoa (as pessoas) que pode (m) representar os pacientes incapazes de exercer seus próprios direitos. Os serviços são prestados respeitando a dignidade da pessoa humana e da autonomia do paciente, além que o paciente tem o direito de dar seu consentimento informado, prévio e voluntário, para qualquer intervenção do profissional de saúde. Se o paciente não quiser receber a informação, o profissional de saúde deve respeitar o seu desejo, notificando nos registros de saúde.16 Na Espanha, a dignidade da pessoa humana, o respeito pela autonomia da sua vontade e sua privacidade servem como orientador de todas as atividades. O paciente decide livremente depois de receber a informação adequada, em uma linguagem compreensível e acessível às suas necessidades e a ser ajudado a tomar decisões de acordo com sua própria vontade, entre as opções clínicas disponíveis. Qualquer profissional envolvido na atividade de cuidado necessita não só realizar a prestação adequada de procedimentos, mas a execução dos deveres de informação e de documentação clínica, além de respeitar as decisões livres e voluntárias do paciente.15 Entretanto, há também o direito ao respeito de não serem informados. Ou seja, o direito à informação sobre a saúde dos pacientes pode ser limitado pela existência de um estado de necessidade terapêutica, ou seja, quando o conhecimento da sua situação o possa prejudicar a sua saúde. Nesse caso, o médico irá gravar as circunstâncias e comunicará a sua decisão às pessoas relacionadas com o paciente, familiares ou de fato.15 No Uruguai, 162 qualquer pessoa maior de idade e mentalmente capaz, numa base voluntária, consciente e livre, tem o direito de se opor à aplicação de tratamentos e procedimentos médicos, a menos que isso afete ou possa afetar a saúde de outros.19 Na Argentina, deve ser assegurado que o paciente, na medida de suas possibilidades, participe na tomada de decisões ao longo do seu processo de saúde e a legislação enfatiza o direito à liberdade de escolha, ou seja, o paciente tem o direito de aceitar ou rejeitar determinadas terapias ou processos médicos ou biológicos, com ou sem justa causa, bem como revogar posteriormente a sua manifestação de vontade. A atuação profissional deve respeitar a decisão do paciente e deve proceder os registros.20 O paciente terminal seguramente informado tem o direito de expressar sua vontade quanto à rejeição de procedimentos cirúrgicos, reanimação artificial ou retirada de suporte de vida, quando são extraordinários ou desproporcionais em relação à perspectiva de melhoria, ou quando produzem sofrimento excessivo. Pode também recusar procedimentos alimentares e hidratação quando ocorrem como o único efeito do prolongamento do tempo da fase final.20 No que se refere às restrições de hidratação e alimentação artificiais, muitos caracterizam essa decisão como eutanásia, prática proibida pelo ordenamento jurídico brasileiro.1 Nesse sentido, a suspensão tem um significado predominantemente simbólico, ou seja, familiares e profissionais, muitas vezes, diante da suspensão desses recursos vitais sofre por achar que e o paciente morreu de fome e sede. Embora estudos comprovem que, em determinados quadros clínicos, o paciente não absorve de forma satisfatória a hidratação e a nutrição.26 Embora não se disponha legislação brasileira explícita sobre TV no Brasil, existem além do amparo da Resolução 1.995/123, menções na Constituição Brasileira9 sobre os princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1, III), da Autonomia Privada (princípio implícito no art. 5o) e a proibição constitucional de tratamento desumano (art. 5o, III) que implicam na afirmação de que se reconhece a manutenção da dignidade humana, da autonomia do ser humano, além do direito a não ser submetido a um tratamento que não deseja que seja realizado. Assim, as decisões profissionais médicas, respeitando seus ditames de consciência e as previsões legais, aceitarão as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.11 163 Partindo do exposto, confirma-se a necessidade de respeitar a autonomia do paciente, quando na Resolução 1.995/12 está exposto que as DAV do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. Entretanto, o médico deixará de considerar as DAV do paciente ou de seu representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo CEM.3 Além disso, é vedado ao médico deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal, após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, exceto em caso de risco iminente de morte. Entretanto, corroborando com o previsto na legislação da Espanha, o CEM, no Brasil, prevê que é permitido deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, ser realizada a comunicação a seu representante legal.11 Com base na ideia que as diretivas antecipadas no Brasil possibilitam ao indivíduo dispor sobre sua aceitação ou recusa de tratamentos extraordinários, em caso de terminalidade da vida, o direito fundamental à liberdade previsto na Constituição Federal confirma o direito de autonomia do paciente.9 Dessa maneira, a declaração prévia de vontade do paciente terminal corresponderia à possibilidade do exercício do direito fundamental à liberdade de forma genuína, uma vez que esse documento nada mais é do que um espaço que o indivíduo tem para tomar decisões pessoais que são – e devem continuar a ser – imunes a interferências externas, sejam elas dos médicos, das famílias, ou de qualquer pessoa e/ou instituição que pretenda impor sua própria vontade.1 Complementa-se, ainda, que, além da Constituição Federal, o Código Civil prescreve que ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica.10 Assim, a DAV do paciente terminal é instrumento garantidor desse dispositivo legal, uma vez que evita o constrangimento do paciente ser submetido a tratamentos médicos fúteis, que apenas potencializam o risco de vida, já que os procedimentos médico-hospitalares sempre representam risco. CONSIDERAÇÕES FINAIS A aceitação da morte não é uma tarefa fácil; falar sobre a própria morte estando saudável é diferente da situação de receber o diagnóstico de que possui apenas alguns meses de vida. Nesse sentido, se a morte é inevitável, tratá-la como um processo irreversível auxiliaria a inclusão do morrer bem, já que muitas vezes a morte acontece 164 em situações desumanas. Os novos recursos tecnológicos permitem a adoção de medidas desproporcionais que podem prolongar o sofrimento do doente terminal, sem lhe trazer benefícios; e essas medidas podem ter sido antecipadamente por ele rejeitadas. Assim, os casos de recusa ou rejeição dos procedimentos significam a interrupção de medidas e ações para o adequado controle e alívio do sofrimento do paciente. Conhecer as legislações vigentes em diferentes países corrobora com a discussão que é imprescindível aderir a essa ferramenta, no sentido de evitar que pessoas que podem atualmente nem pensar sobre o assunto, futuramente, poderão vir a sofrer desnecessariamente por não terem deixado decididas suas vontades. Contribui, ainda, para subsidiar discussões, no Brasil, para que não somente os médicos, que detêm a prerrogativa do diagnóstico, mas, também, os profissionais da saúde que atuam direta e intensivamente com os pacientes considerados terminais, possam atuar considerando os desejos dos pacientes assistidos. As recomendações propostas na Resolução sobre as diretivas, no Brasil, parecem generalizáveis sem deter-se em detalhes operacionais de conduta como ocorre nas legislações dos outros países. Daí fala-se sobre a necessidade da legalização da prática, a fim de desvincular de ações que poderão se tornar ilegal, em virtude do deficiente amparo que a Resolução brasileira prevê. Indubitavelmente que é um grande avanço, e além da resolução atual, é possível considerar que já existem outras determinações, como a constitucional, a civil, entre outras; no entanto, é preciso deter-se na sua operacionalização, a fim de proteger os profissionais, familiares e, principalmente, o paciente para que tenha sua vontade atendida quando não for mais capaz de participar ativamente das decisões que envolvem sua vida. REFERÊNCIAS 1. Dadalto L. Distorções acerca do testamento vital no Brasil (ou o porquê é necessário falar sobre uma declaração prévia de vontade do paciente terminal). Revista de Bioética y Derecho. 2013; 28: 61-71. 2. Bomtempo VT. Diretivas antecipadas: instrumento que assegura a vontade de morrer dignamente. Revista de Bioética y Derecho. 2012 set; 26:22-30. 3. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.995, de 9 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. [acesso 2013 Set 05]. Disponível: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2012/1995_2012.pdf 165 4. Piccini, CF, Steffani JA, BonamigoEL, Bortoluzzi MC, Schlemper Jr BR. Testamento Vital na perspectiva de médicos, advogados e estudantes. Rev Bioethikos. 2011; 5(4): 384-391. 5. Campos, MO, Bonamigo EL, Steffani JA, Piccini CF, Caron R. Testamento vital: percepção de pacientes oncológicos e acompanhantes. Revista Bioethikos. 2012; 6(3): 253-259. 6. Loureiro JC. Saúde no fim de Vida: entre o amor, o Saber e o Direito. Revista Portuguesa de Bioética. 2008; 4: 38-83. 7. Cellard A. A análise documental. In: Poupar TJ. et al. A pesquisa qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis (RJ): Vozes; 2008. p. 295-316. 8. Testamento Vital [página na Internet]. Legislação; 2013. [atualizado 2013; acesso 2013 Set 02]. Disponível em: www.testamentovital.com.br 9. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 05 out 1988. 10. Brasil. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 12 de jan 2002. 11. Conselho Federal de Medicina. Resolução n. 1.931/2009. [acesso 2013 Out 07] Disponível em: www.cremego.cfm.org.br. 12. Urionabarrenetxea KM. Reflexiones sobre el testamento vital (I). Aten Primaria. 2003; 319 (1):52-54. 13. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011. 14. Estados Unidos da América. Patient Self Determination Act of 1990 de 18 jul de 1990. [acesso 2013 Set 06]. Disponível em: http://thomas.loc.gov/cgi- bin/query/z?c101:H.R.5067.IHInglaterra. Mental Capazity Act 2005. [acesso 2013 Nov 07]. Disponível em: http://www.legislation.gov.uk/ukpga/2005/9/contents. 15. Espanha. Ley n. 41/2002, de 14 de noviembre. Básica reguladora de la autonomía del paciente y de derechos y obligaciones en materia de información y documentación clínica. 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Modifícase da Ley n. 26.529 que estableció los derechos del paciente em relación con los profesionales e instituciones de la salud. [acesso 2013 Nov 06]. Disponível em: http://www.infoleg.gov.ar/infolegInternet/anexos/195000-199999/197859/norma.htm 21. Portugal. Lei n. 25/2012, de 16 de junho. Regula as diretivas antecipadas de vontade, designadamente sob a forma de testamento vital, e a nomeação de procurador de cuidados de saúde e cria o Registro Nacional do Testamento Vital. Diário da República. 16 jul 2012; (136): 3728,1a série. [acesso 2013 Nov 06]. Disponível em: http://dre.pt/pdf1sdip/2012/07/13600/0372803730.pdf 22. Conselho Federal de Medicina. Resolução n° 1.805, de 9 de novembro de 2006.[acesso 2013 Nov 05]. Disponível em: www.portalmedico.org.br. 23. Justiça Federal do Distrito Federal. Processo n. 2.007.34.00.014809-3. [acesso 2013 Set 05]. Disponível em: www.jfdf. jus.br/destaques/14%20VARA_01%2012%202010.pdf 24. Pautex S, Herrmann FR, Zulian GB. Role of advance directives in palliative care units: a prospective study. Palliative medicine. 2008; 22(7): 835-41. 25. Beuchamp TL, Childress JF. Princípios de ética biomédica. São Paulo (SP): Loyola; 2002. 26. Pessini L. A filosofia dos cuidados paliativos: uma resposta diante da obstinação terapêutica. In: Bertachini, L.; Pessini, L. Humanização e cuidados paliativos. 3ª ed. São Paulo (SP): Loyola; 2004. p. 181-208. 27. Vargas MAO, Vivan J, Vieira RW, Mancia JR, Ramos FRS, Ferrazzo S et al. Ressignificando o cuidado em uma unidade especializada em cuidados paliativos: uma realidade possível?. Texto contexto – enferm. [periódico na Internet]. 2013 Set [citado 2014 Jun 27]; 22(3):637-645. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010407072013000300009&lng=pt. 167 ANEXO II DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE AOS DOENTES TERMINAIS: REVISÃO INTEGRATIVA ANTICIPATED DIRECTIVES WILL TO THE TERMINAL PATIENTS: INTEGRATIVE REVIEW DIRECTIVAS PREVIAS A LOS PACIENTES TERMINALES: REVISIÓN INTEGRADORA RESUMO: Objetivo: Caracterizar a produção científica nacional e internacional sobre as diretivas antecipadas de vontade aplicadas ao doente terminal. Método: A revisão integrativa foi o método utilizado, considerando os artigos publicados no Portal Capes, SCIELO, LILACS, MEDLINE, Revista de Bioética e Bioethikos, a partir dos descritores: Diretivas antecipadas, Testamentos quanto à vida, Advance Directives, Living Will e Terminally Ill totalizando 44 artigos submetidos à análise de conteúdo. Resultados: Emergiram três categorias: Estudantes e profissionais frente às diretivas antecipadas de vontade: percepções, opiniões e condutas; Receptividade dos pacientes às diretivas antecipadas de vontade; A família diante das diretivas antecipadas de vontade. Considerações finais: Evidenciou-se a relevância do tema como garantidor do respeito à dignidade e à autonomia do doente, bem como para a redução dos conflitos éticos enfrentados pelos familiares e profissionais da saúde frente aos cuidados em final de vida. Descritores: Diretivas Antecipadas; Doente Terminal; Testamentos quanto à vida; Autonomia Pessoal. ABSTRACT: Objective: characterizing the national and international scientific literature about the antecipated directives will applied to the terminally ill patient. Method: the integrative review was the method used, considering the articles published in Portal Capes, SciELO, LILACS, MEDLINE, Journal of Bioethics and Bioethikos, with the descriptors: Advanced directives, Wills regarding life and Advance Directives, Living Will and Terminally Ill, totaling 44 articles submitted to content analysis. Results: three categories emerged: Students and professionals facing the advance directives of will: perceptions, opinions and practices; Receptivity of patients to advanced directives of will; The family facing the advance directives of will. Final Thoughts: it became evident the relevance of the topic as guarantor of respect for the dignity and autonomy of the patient, as well as to reduce ethical conflicts faced by 168 families and health professionals facing care at the end of life. Descriptors: Advance Directives; Terminally Ill; Living Wills; Personal Autonomy. RESUMEN: Objetivo: caracterizar la literatura científica nacional e internacional acerca de las directivas anticipadas de voluntad aplicadas a los enfermos terminales. Método: la revisión integradora fue el método utilizado, teniendo en cuenta los artículos publicados en el Portal Capes, SciELO, LILACS, MEDLINE, Revista de Bioética y Bioethikos, con los descriptores: Directivas anticipadas, Testamentos en cuanto a la vida y Advance Directives, Living Will e Terminally Ill con 44 artículos sometidos al análisis de contenido. Resultados: surgieron tres categorías: Estudiantes y profesionales frente a las directivas anticipadas de voluntad: percepciones, opiniones y conductas; La receptividad de los pacientes a las directivas anticipadas de voluntad; La familia frente a las directivas anticipadas de voluntad. Consideraciones finales: era evidente la importancia del tema como garante del respeto de la dignidad y la autonomía del paciente, así como para reducir los conflictos éticos que enfrentan las familias y los profesionales de la salud frente a la atención al final de la vida.Descriptores: Directivas Anticipadas; Enfermo Terminal; Voluntad em Vida; Autonomía Personal. INTRODUÇÃO A capacidade de curar as mais diversas enfermidades elevou a expectativa de vida da população, em virtude da disponibilidade de recursos que permitem a reversibilidade de doenças antes consideradas incuráveis, como o câncer, incidindo com o prolongamento do tempo de vida. Entretanto, aumentou a busca pelos serviços de saúde a fim de obter a cura, mesmo quando os recursos disponíveis são ineficazes e as possibilidades curativas já não são mais possíveis(1), repercutindo no prolongamento do sofrimento humano, no desrespeito à dignidade humana e à autonomia do paciente em tomada de decisões sobre a vida, especialmente na fase terminal. O respeito à autonomia(2) implica em conhecer o direito de ter opiniões, fazer as escolhas e agir com base em valores e crenças pessoais. Já desrespeitar a autonomia de um indivíduo significa tratá-lo como um meio, de acordo com os objetivos dos outros; essa atitude constitui-se em uma violação moral, pois os indivíduos autônomos são fins em si mesmos, capazes de determinar o próprio destino. Ao considerar esses aspectos, surgem as Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV),que têm recebido diferenciadas denominações, entre elas: testamento biológico, testamento vital, diretrizes antecipadas de tratamento, declaração antecipada de vontade, declaração antecipada de tratamento, declaração prévia de vontade do paciente terminal. 169 Algumas dessas expressões são transpostas ou traduzem termos já utilizados em legislações ou contextos estrangeiros, como é o caso de living wille advance directives nos Estados Unidos da América (EUA), testamento biológico, na Itália, vontades antecipadas, na Espanha(3). Em termos conceituais, as DAV possuem duas espécies: o testamento vital (também denominado declaração prévia de vontade do paciente terminal) e o mandato duradouro. O testamento vital é um documento pelo qual uma pessoa capaz pode registrar, de acordo com sua vontade, a quais tratamentos deseja, ou não, ser submetido em caso de enfermidade incurável, visando a assegurar o seu direito de morrer com dignidade, de acordo com suas concepções pessoais(4). O mandato duradouro refere-se à nomeação de um ou mais procuradores, com conhecimento profundo do paciente, com capacidade de identificar sua vontade(4,5) quando esse estiver incapacitado de manifestar sua vontade. Esse documento será válido inclusive em situações de incapacidade temporária, diferentemente do testamento vital, que só terá validade em situações de terminalidade. Além disso, cabe salientar que poderá haver simultaneidade entre o testamento vital e o mandato duradouro, apresentados como um único documento(4). Partindo do exposto, embora exista uma adaptação conceitual clara das terminologias descritas, por vezes, critica-se o uso do termo testamento vital – comumente utilizado no Brasil – devido ao seu sentido de testamento como instrumento, correspondendo a um ato unilateral de vontade, com eficácia apenas pósmorte(5,6).No Brasil, o termo utilizado aprovado recentemente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), a partir da Resolução 1.995/12(7), é o das DAV entendidas como o conjunto de desejos, manifestados previamente pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que deseja, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. A Resolução efetivamente reconhece o direito do paciente em recusar tratamentos fúteis, também conhecidos como extraordinários, ou seja, aqueles tratamentos que visam apenas a prolongar sua vida biológica, sem garantir sua qualidade(8). Nesse sentido, ao garantir que a autonomia do paciente deve ser respeitada, a Resolução desmistifica a cultura centrada no poder médico e no paternalismo do profissional que reduz o indivíduo a um paciente que deve aguardar, resignada e submissamente, que deliberações acerca de sua vida sejam tomadas por outros, sem que ele possa se manifestar como quer ser tratado ou que tipo de práticas de intervenção está disposto a aceitar(9). Desse modo,as DAV representam o exercício do direito à 170 liberdade, uma vez que é um espaço que o indivíduo tem para tomar decisões pessoais, isentas de interferências, seja dos médicos, família ou de qualquer pessoa e/ou instituição que pretenda impor sua própria vontade(10). Assim, ao considerar a relevância do tema na assistência aos doentes terminais, familiares e profissionais da saúde, especialmente da enfermagem, que auxiliarão na resolução dos dilemas éticos oriundos das decisões que envolvem a assistência prestada àqueles que não possuem perspectivas de cura, no cenário brasileiro, há uma inegável contribuição de estudos internacionais que buscam disseminar publicações, em particular na área da Saúde, Bioética e Direito, para entender essa temática. Com base no exposto, a questão norteadora dessa revisão foi: Qual conhecimento está sendo produzido no Brasil sobre as DAV e qual conhecimento está sendo aplicado aos doentes terminais no âmbito internacional? Para tanto, teve-se como objetivo analisar a produção científica sobre as diretivas antecipadas no Brasil e no âmbito internacional aplicada ao doente terminal. METODOLOGIA Para o alcance dos objetivos desse estudo, optou-se pela revisão integrativa da literatura, que possibilita reunir e sintetizar resultados de múltiplos estudos publicados sobre delimitada temática de maneira sistemática e ordenada, contribuindo no aprofundamento do tema investigado, orientada por seis etapas: estabelecimento do tema e questão de pesquisa; definição dos critérios de inclusão e exclusão para a seleção da amostra; categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos; interpretação dos resultados e apresentação da revisão(11). A fim de identificar as publicações que comporiam a revisão integrativa deste estudo, realizou-se uma pesquisa on-line, e as fontes bibliográficas foram a BibliotecaVirtual em Saúde (BVS), utilizando as bases de dados: Literatura LatinoAmericana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific ElectronicLibrary Online (SciELO), Literature Analysis and RetrievalSystem on-line (MEDLINE)e IBECS – Espanha; e no Portal de Periódicos da Capes. Na busca das produções no Brasil sobre o tema, utilizou-se, também revistas específicas sobre bioética; incluindo as Revistas de Bioética e Bioethikus, pois foram as que apresentaram artigos sobre a temática das DAV e do testamento vital. O levantamento dos dados foi realizado em novembro de 2014 de maneiras distintas; primeiramente, utilizaram-se os descritores “testamentos quanto à vida” e “diretivas antecipadas” contemplados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e o 171 termo “testamento vital”, a fim de recrutar artigos produzidos no Brasil. Em um segundo momento, utilizou-se a combinação dos descritores advance directives (diretivas antecipadas) andterminally ill (doente terminal) e living will (testamento vital) and terminally ill , a fim de realizar a seleção de produções científicas em âmbito internacional. Após a busca das produções científicas, realizou-se uma primeira análise dos artigos para verificar sua aproximação com os objetivos propostos. Assim, a fim de realizar o seu refinamento, foram definidos os seguintes critérios de inclusão: artigos científicos que explicitassem a trajetória metodológica adotada; redigidos em português, inglês ou espanhol sem restrição ao ano de publicação e relacionar-se a doentes terminais/fases finais de vida.Foram excluídos os artigos que contemplassem revisões de literatura, editoriais e resumos de anais. A obtenção dos estudos selecionados ocorreu mediante leitura criteriosa do título e resumo pela primeira autora, constatando sua adequação à questão norteadora e aos critérios de inclusão. Assim, para responder à questão norteadora, organizou-se um instrumento para a coleta dos dados: ano de publicação, título do artigo, objetivo da pesquisa, considerações metodológicas, principais resultados e conclusões. Por fim, os artigos foram analisados na íntegra, e a produção dos resultados ocorreu de maneira descritiva, mediante análise de conteúdo fundamentada no modelo de análise temática(12). A partir de leituras flutuantes e, a seguir, aprofundadas, realizadas por um pesquisador, identificaram-se as unidades de registro, permitindo a visualização dos temas mais significativos em cada texto(12). Assim, as informações foram agrupadas por semelhanças ou estranhamentos e organizadas em categorias temáticas. RESULTADOS Na busca dos artigos internacionais, utilizando a combinação dos descritores advance directives e terminally ill, foram encontrados 226 artigos; desses, foram excluídos 179 por não apresentarem concordância com os critérios estabelecidos e 21 por apresentarem-se repetidos nas diferentes bases utilizadas; de modo que foram selecionados 26 artigos. Utilizando os descritores living wills e terminal ill, foram encontrados 72 artigos; desses, 11 foram excluídos em virtude da repetição nas bases de dados e 56 desconsiderados, o que resultou na análise de cinco artigos. Assim, nessa busca de artigos internacionais, foram analisados 31 artigos. Considerando os descritores “diretivas antecipadas”, “testamentos quanto à vida” e o termo “testamento vital”, foram encontrados 85 artigos; desses, 58 foram 172 excluídos e 14 estavam repetidos. A busca combinada dos descritores com a utilização do “doente terminal” foi realizada, contudo não foram encontradas produções nesse sentido, possivelmente, em virtude da incipiência de estudos sobre a temática no país. Assim, no cenário brasileiro, foram considerados 13 artigos à análise. Desse modo, a amostra desta pesquisa está constituída por 44 artigos. No panorama internacional, foram selecionados 31 artigos(13-43), identificando a publicação de 06 artigos na década de 1990(13-18), 14 artigos na década de 2000(19-32) e 11 artigos na década de 2010(33-43). As pesquisas foram realizadas na Europa(22,2526,28,30,33-34,37,39,41-42) , América do Sul(40), América do Norte(13-20,24,26,31,36;38) e Ásia(21,32,35,43). O público alvo das pesquisas incluiu médicos(14-15,18,21,24-25,27,35,37,41,43), enfermeiros(15,18,25,35-37,39), profissionais da saúde(33); estudantes universitários(37,42), pacientes(13,16-17,19-20,25,28,30-32,36,40,43), familiares e responsáveis pelos doentes terminais(17,36,38,40,43) e o público em geral(22,34,43). No cenário nacional, dos 13 artigos analisados, quatro tratam de pesquisas envolvendo seres humanos(44-47), realizadas com médicos(44-45), oncologistas, intensivistas e geriatras(47), estudantes de medicina, advogados e estudantes do direito(44). Destaca-se que um desses estudos apresenta como propósito a organização de um modelo brasileiro de diretivas antecipadas no Brasil, a partir de uma pesquisa realizada em Minas Gerais (MG)(47). Os outros três estudos, realizados em Santa Catarina (SC), visaram a discutir questões sobre o conhecimento e adesão das DAV no Brasil(44-46). Os nove artigos nacionais restantes tratam questões da área do direito, em termos de legalidade e praticidade, além da constitucionalidade e aplicabilidade no cenário brasileiro(3,5-6,9-10,48-51 ). Com relação ao ano de publicação das produções científicas no Brasil, um foi publicado em 2006(51) e o outro em 2009(50), duas pesquisas em 2011(44-45), três em 2012(6,46,49) e seis em 2013(3,5,9-10,47,48). A partir do resgate e análise da produção científica das DAV, emergiram três categorias temáticas: Estudantes e profissionais frente às DAV: Percepções, opiniões e condutas; Receptividade dos pacientes às DAV; A família diante das DAV, apresentadas a seguir. Estudantes e profissionais frente às Diretivas Antecipadas de Vontade: Percepções, opiniões e condutas No panorama internacional, as pesquisas realizadas commédicos, enfermeiros, outros profissionais da saúde e universitários buscaram apresentar as percepções, opiniões e condutas referentes ao uso das DAV aplicadas ao doente terminal. Nos 173 hospitais de Múrcia, na Espanha, em pesquisa com 607 profissionais médicos, enfermeiros e graduandos, 63,3% destacaram a importância das preferências do paciente sobre o tratamento e os procedimentos de suporte de vida em doentes terminais(37). Na Coréia do Sul, a pesquisa com 303 médicos oncologistas demonstrou que 96,7% concordaram com a necessidade de preenchimento das DAV(43). No Canadá, 86% de 643 médicos mostraram-se favoráveis ao seu uso, entretanto apenas 19% haviam discutido as DAV com mais de 10 pacientes e mais da metade disse que não seguiu sempre as indicações contidas nas DAV(14). Em contrapartida, outras pesquisas apontam que aproximadamente 90% dos médicos atenderiam às vontades antecipadas do paciente no momento em que esse se encontre incapaz para participar da decisão(52). No Japão, 55% dos 301 médicos aprovam o uso das DAV; no entanto, 34% tiveram a oportunidade de discutir sobre o testamento vital com os pacientes e/ou familiares, após receber esse testamento, mas não o fizeram, e 69% dos médicos não o receberam(21). Na Pensilvânia, 282 médicos revelaram uma média de 6,2 discussões por mês sobre as DAV, reconhecendo-se como competentes para discutir com os pacientes, mas não conseguiam se envolver suficientemente a fim de efetivar tais discussões(24). Em 1999, nos EUA, estudo para verificar opiniões de 11 enfermeiros e 10 médicos que cuidavam de pessoas no fim de sua vida revelou que os médicos nem sempre transmitem claramente aos pacientes suas chances de sobrevivência ou nem sempre entendem seus desejos. Além disso, a incerteza ética dominou a tomada de decisão de médicos e enfermeiros, quando confrontados com a questão da possibilidade de auxiliar na morte dos pacientes, mesmo diante de diretivas antecipadas(18). Já em pesquisa na Alemanha com 100 médicos,39% deles nunca mencionaram aos pacientes a possibilidade de escrever suas DAV para cuidados médicos(25). No estudo que estimou e comparou a prevalência de discussões de tratamento e nomeação de decisores substitutos aos pacientes em fim de vida, na Itália, Espanha, Bélgica e Holanda, as discussões dos médicos e pacientes sobre as preferências de tratamento relacionado ao final da vida tinham ocorrido com 10% de italianos, 7% dos espanhois, 25% dos belgas e 47% dos pacientes holandeses(41). No Canadá, em pesquisa para conhecer a opinião de 643 médicos de quando deveria ser oferecida a oportunidade de preencher as diretivas antecipadas, 96% dos médicos apontaram pacientes com doenças terminais, 95% para pacientes com doenças crônicas, 85% para pessoas com infecção por vírus da imunodeficiência humana, 77 % para pessoas com mais de 65 anos de idade, 43% para todos adultos, 40% para pessoas 174 admitidas no hospital em cirurgias eletivas e 33% para pessoas admitidas em caráter de emergência(14). Na Alemanha, em investigação com médicos e enfermeiros acerca dos desejos dos pacientes com câncer sobre tratamento no fim da vida, os médicos rejeitam a proposta deiniciar de modo rotineiro a discussão sobre diretivas antecipadas com seus pacientes, estando preparados para fazê-lo somente se considerassem ser apropriado, como resultado de uma situação individual, além de preferirem delegar essa iniciativa para outras pessoas, geralmente aos familiares do paciente(25). Como contraponto, conversar sobre DAV está significativamente associado a mais anos de pós-graduação e também a que discussões sobre a temática no trabalho são úteis para aprender sobre cuidados em final de vida. Nessa direção, o propósito da qualificação profissional pode ser o meio de aumentar a capacidade dos médicos para conversar com os pacientes(24). Uma pesquisa realizada em onze estados americanos examinou os interesses de 415 pacientes cardíacos ambulatoriais sobre sua participação em planejamento prévio e sua vontade de participar na educação sobre a diretiva antecipada, constatando quediscussões iniciadas pelo médico ocorreram com 5% dos pacientes(19). Entretanto, em outro estudo, os médicos haviam discutido o diagnóstico primário com 49% dos italianos, 50% dos espanhóis, 60% dos belgas e 78% dos pacientes holandeses. Uma minoria de pacientes de todos os países (10-31%), com exceção dos Países Baixos (52%), ou tinham discutido preferências de tratamento ou nomeado um substituto (41) . Neste sentido, estudos(13,17,22,28,42) têm demonstrado que a prática das DAV acontece de maneira efetiva quando existe adequada comunicação entre os profissionais da saúde e o paciente. No Brasil, existem poucas pesquisas que abordam as DAV e percepções dos profissionais da área da saúde diante dessa temática. Os estudos encontrados contribuíram para o entendimento de questões profissionais ligadas à aplicação das DAV, como o conhecimento dos sujeitos da área médica e do direito em relação às DAV(44); o respeito às vontades antecipadas de um paciente pelos médicos quando os pacientes estivessem incapacitados de se comunicar e se essa manifestação constituiu um instrumento válido de inibição da distanásia(45); e, por fim, a possibilidade da proposição de um modelo de DAV para o Brasil(47). Em estudo realizado com um grupo de médicos, advogados, estudantes de medicina e do Direito, totalizando 209 sujeitos, cerca de 29,2% dos entrevistados denotaram conhecimento pleno do significado do testamento vital. Já 87,6% dos 175 entrevistados optariam pela ortotanásia diante de um paciente em fase terminal de vida, ao não considerar a possibilidade de implementação do testamento vital. Entretanto, diante da possibilidade de implementação, a opção pela ortotanásia decresceria para 35,9%, enquanto que a opção pelo estabelecido no testamento vital foi apontada por 60,8% dos entrevistados(44). Do mesmo modo, outra pesquisa recente realizada com 100 médicos da atenção básica, Unidade de Terapia Intensiva (UTI), emergência e outras especialidades, constatou a conveniência do registro dos desejos do paciente por meio da declaração de vontade antecipada e que os médicos a respeitariam, com pontuação de 7,68 a 8,26 em uma escala de 0 a 10. Ainda, reconhecem essa declaração como um instrumento útil para a tomada de decisões, com avaliação de 7,57. De fato, tais resultados, embora bastante limitados do ponto de vista da amostra, sinalizam para uma aceitação das vontades antecipadas do paciente por parte dos médicos da referida pesquisa(45). Em investigação realizada com médicos, esses perceberam que a Resolução do CFM 1.995/12 não regulamentou satisfatoriamente seu papel na elaboração das DAV, evidenciando a necessidade de não serem passivos nesse processo, disponibilizando sua ajuda e oferecendo informações ao paciente na elaboração do documento, de modo a legitimar sua autonomia. É recomendado, inclusive, que o médico autorize o paciente a mencioná-lo nas DAV, para que a equipe médica, se necessário, possa contatá-lo; essa menção, no entanto, só pode ser realizada com expressa autorização do médico(47). Receptividade dos pacientes às Diretivas Antecipadas de Vontade As DAV podem ser ajustadas a qualquer momento, considerando que circunstâncias, valores e opiniões podem ser modificados, devendo ser oferecidas oportunidades regulares aos pacientes para atualizarem suas preferências(28,53). Elaborar as DAV pensando no estado terminal é ser refém do acaso, em virtude da dificuldade em definir o que é estar nessa situação. No entanto, o que se pretende é evitar que os pacientes sejam mantidos vivos num estado atenuado e incapacitado(54). Na Coréia do Sul, de 1242 pacientes com câncer e 1006 membros do público em geral, 93% e 94,9%, respectivamente, concordam com a necessidade de preenchimento das DAV(43). No Reino Unido, pesquisa realizada com 18 pacientes oncológicos constatou que a experiência do paciente com câncer provocou mudanças na maneira como via a vida, de modo que queriam viver mais no presente e não se alongar muito sobre o futuro(28); ou seja, os doentes terminais são mais propensos a renunciar a procedimentos invasivos do que a procedimentos menos invasivos(17), o que reforça a 176 necessidade do registro das DAV, para que suas vontades possam ser cumpridas e respeitadas. Na Alemanha, em relação aos desejos de 100 pacientes com câncer, foi evidenciada sua preferência por tratamento com antibióticos e analgésicos, desejando infringir tratamentos, como de quimioterapia e diálise, significativamente de modo mais frequente do que a equipe de enfermagem e médicos(25). Em Genebra, 53 pacientes com câncer avançado que formularam suas DAV tiveram as preferências de fim de vida respeitadas pelos cuidadores, aliando-se a que a maioria dos pacientes morreu na mesma unidade onde estavam descritas suas manifestações de vontade, e suas intenções não foram demasiado vagas, resultado de discussão aprofundada com os cuidadores(30). Já na Colômbia, 14% dos pacientes, de um total de 513, havia formalizado suas DAV sobre fim da vida e suas escolhas estavam relacionadas à rejeição de medidas fúteis e obstinação terapêutica(40). Os pacientes desejam que a família, amigos e médicos sejam honestos e, efetivamente, discutam o processo da doença e as opções de tratamento(55); neste sentido, cerca de 75% dos pacientes desejam que seus médicos iniciem essa discussão(25), apesar do anseio sobre a incapacidade de prever, com antecedência, o que eles iriam querer em uma situação futura(25,28).Sob outro enfoque, nos EUA, pacientes com comprometimento cardiológico queriam realizar suas decisões de fim de vida, levando em conta, ou não, as opiniões dos familiares, em vez de deixar as decisões para médicos e enfermeiros. Diante de uma doença grave e de incapacidade de tomada de decisão, 47% dos pacientes preferiram suas DAV para orientar as decisões, 27% preferiram ter um substituto nomeado em sua diretiva antecipada para as decisões, 22% preferiram suas famílias para tomar decisões, e 4 % deixariam as decisões aos médicos(19). No entanto, uma das principais barreiras percebidas para a conclusão das DAV, em pesquisa com 18 pacientes oncológicos e quatro familiares, no Reino Unido, foi a constatação de que médicos não introduzem o assunto e a discussão sobre as DAV(28), o que pode resultar em intervenções indesejadas(16). Isso destaca a necessidade de os profissionais de saúde serem informados sobre as diretivas antecipadas, sensibilizandose aos sinais do paciente. Vários participantes sugeriram os enfermeiros como os profissionais mais apropriados para conduzir essas discussões, seja pelo seu conhecimento para responder perguntas e fornecer informações, seja pelo vínculo de confiança que se desenvolve ao longo do tempo nas relações enfermeiro- paciente(28). 177 Nos EUA, uma pesquisa desenvolvida com 415 pacientes cardíacos inscritos em centros de reabilitação ambulatorial, indicou que apenas 15% dos pacientes havia se envolvido em discussões com seus médicos sobre diretivas antecipadas e 9% tinham concluído as discussões sobre as intervenções de sustentação da vida. As discussões sobre as diretivas antecipadas foram iniciadas mais frequentemente por pacientes (66%), seguidas por membros da família (29%) e médicos (5%). As discussões sobre os cuidados de suporte de vida foram mais frequentemente iniciadas por membros da família (51%), seguidas pelos pacientes (43%) e médicos (6%)(19). Na Tailândia, em estudo com 152 sujeitos quanto às preferências dos pacientes com doenças terminais sobre as decisões em relação aos cuidados de fim de vida e a reanimação cardiorespiratória (RCP), foi constatado que 57,2% dos pacientes respeitavam a autoridade dos seus médicos na tomada de decisões sobre os cuidados de fim de vida, 28,3% transfeririam suas decisões a familiares e apenas 14,5% optaram pela tomada de decisão compartilhada entre familiares e os médicos. No entanto, diante da situação de necessidade de uma decisão para RCP, cujos participantes fossem incapazes de tomar essa decisão, 44,1% dos indivíduos expressaram o desejo de que a família tomasse as decisões em conjunto com os médicos, 33,6% atribuiriam a decisão para a família e apenas 22,4% transfeririam suas decisões aos médicos(32). No estudo realizado com 4396 pacientes, 6% dos pacientes italianos, 5% dos espanhóis, 16% dos belgas e 29% dos pacientes holandeses nomeariam um substituto decisor(41).A partir de outro estudo, que procurou verificar a eficácia das diretivas antecipadas, foi constatado que pacientes e seus substitutos estavam dispostos apenas a expressar suas preferências, mediante discussão verbal, não por meio da assinatura de um documento(29). Com relação às (des) vantagens e motivações à utilização das DAV, os pacientes que completaram as DAV apresentaram menor índice de depressão e ansiedade(30). As motivações dos pacientes para completar as DAV estariam relacionadas à ampliação de sua autonomia; melhora da comunicação com os cuidadores; medo do tratamento; não ser considerado um fardo; certificar-se que suas preferências serão respeitadas; não ser ressuscitado; utilizar altas doses de analgésicos em caso de dor intratável; introduzir nutrição artificial, hidratação, antiobióticos, além da transfusão de sangue; desejo de ser transferido para outro hospital e de nova hospitalização(30). Os principais motivos para não completar as DAV relacionam-se às dificuldades de antecipar suas vontades, e ao aparecimento rápido de um delírio ou à piora da 178 condição de saúde(30). Complementa-se, também, as dificuldades em organizar uma DAV, especificando preferências e/ou limitações para o tratamento de suporte de vida, além da linguagem que pode se apresentar vaga e inconsistente para sua implementação(20). Uma das principais advertências contra o uso de diretivas antecipadas nas decisões no fim da vida é que as pessoas podem não ser capazes de compreender o que se entende por qualquer opção de tratamento sem ser devidamente informadas(25). O estudo realizado com 157 pacientes atendidos por uma equipe de Cuidados Paliativos no Bronx, Nova York, constatou que 33% dos pacientes tinham ordens de não-ressuscitar; no entanto, após as orientações elucidativas e educativas, esse número ampliou para 83,4%(36). Nos EUA, logo após o surgimento da Patient Self-Determination Act (PSDA), foi realizado estudo com dois grupos de um total de 167 pacientes adultos, em que o primeiro grupo recebeu um folheto com a descrição de informações sobre as DAV e as intervenções médicas consideradas extraordinárias, se fossem utilizadas por um doente terminal; o segundo grupo recebeu um livreto juntamente com discussões realizadas com o médico. Antes da realização do estudo, nenhum dos pacientes havia completado um testamento vital, mas 44% referiu que tinham falado aos membros da família sobre questões de tratamento. Após as intervenções, dos 83 pacientes que tiveram acesso ao livreto, 61% discutiram com a família sobre os cuidados de saúde que desejariam, ou não, receber se estivessem em estado terminal. Na intervenção da utilização do livreto e de discussões com o médico, 70% apresentaram-se interessados para discutir sobre o testamento vital, 23% mostraram desinteresse e um pouco de resistência e 7% mostraram-se totalmente resistentes. Nesse sentido, a utilização do livreto e as discussões com o médico se mostraram eficazes(13). No Brasil, são deficientes as pesquisas sobre perspectivas dos pacientes diante da prática das DAV. No entanto, em investigação com 110 pacientes, foi constatado que o conhecimento sobre o termo testamento vital alcançou 0,13 pontos (referência de 0 a 10 pontos)entre os pacientes, aumentando para 9,56 a intenção da elaboração das DAV, após apresentado seu significado, com menor tendência de elaboração do testamento vital em pacientes de 21 a 30 anos, quando comparados a de outras faixas etárias(46). Com relação à implantação do testamento vital no Brasil, a média de aceitação, entre os pacientes, foi de 9,56. Na verdade, o que as DAV trazem à tona é que a enfermidade e mesmo o morrer não devem ficar nas mãos, somente, dos profissionais da saúde, reduzindo o paciente a um incapaz, alheio às decisões tomadas a seu respeito: o 179 protagonismo do homem sobre sua vida estende-se agora ao momento de sua enfermidade e sua morte (54). A família diante das Diretivas Antecipadas de Vontade Frequentemente, as decisões no final da vida que envolvem os familiares são motivadas pela percepção da falta de dignidade, devido à deterioração progressiva, dor mal controlada, abandono do paciente, crueldade terapêutica e uso desnecessário de medidas que adiam a morte(40). Na Coréia do Sul, pesquisa com 1289 cuidadores familiares, foi identificado que 92,9 % aprovaram a necessidade de implementação das DAV(43). Nos EUA, pesquisa com 100 pacientes e seus substitutos, constatou que os substitutos fazem previsões corretas em aproximadamente 66% dos casos, sendo fatores relevantes, associados, o paciente ter falado com o familiar sobre questões de fim de vida, ter seguro privado, e o nível de educação do substituto e do paciente(17). Em contrapartida, há evidências de que substitutos frequentemente desconhecem as preferências do paciente(17), além de que os familiares de doentes terminais experimentam conflito emocional entre o desejo de agir conforme os valores de seu ente querido, não querendo se sentir responsáveis pela sua morte, o desejo de perseguir qualquer chance de recuperação e a necessidade de preservar o bem-estar da família(38). Assim, propõem-se estratégias de intervenção que auxiliem a fazer julgamentos mais precisos dos substituídos, considerando que os profissionais de saúde podem incitar ativamente os pacientes a conversar com seus entes queridos sobre seus desejos, além de que os médicos devem ter discussões mais francas com os familiares e doentes terminais sobre o prognóstico da doença(17). Além disso, os pacientes podem expressar suas ordens, mas os familiares desconsiderarem sua vontade. Assim, ressalta-se que a coexistência do mandato duradouro e do testamento vital em um único documento, ou seja, a realização de uma DAV aumenta a certeza de que a vontade do paciente será atendida, pois o substituto poderá decidir pelo paciente quando o testamento vital for omisso, auxiliando a equipe médica quando a família recusar a vontade manifesta. Não obstante, o aspecto vinculante do testamento vital evidenciou, em pesquisa com médicos no Brasil, suas dificuldades em respeitar a vontade do paciente, ainda que escrita, quando a família é contrária a essa vontade(47). Nos EUA, estratégias de enfrentamento incluiram a possibilidade de recordar discussões prévias com um ente querido, decisões de partilha sobre bens com membros da família, atrasar ou adiar uma tomada de decisão, práticas espirituais/religiosas e 180 relato de histórias. Pesquisa com 30 responsáveis pelos pacientes demonstrou conflitos para conciliar necessidades emocionais individuais e familiares com seus entes queridos. Sugeriu, também, estratégias para os médicos melhorarem tomadas de decisão, incluindo atendimento às emoções dos substitutos, facilitando a tomada de decisão da família. O aumento da atenção para a experiência negativa dos responsáveis pelos pacientes intensificou pedidos para melhorar o apoio generalizado para famílias na UTI(38). Nesse contexto, é primordial e necessário que as vontades de cuidados em fim de vida sejam registradas por escrito, para prevenir e enfrentar conflitos, especialmente quando familiares divergem sobre condutas a serem tomadas, repercutindo em dúvidas aos profissionais que podem vir a atuar, conforme o interesse dos familiares e não dos pacientes. A família desempenha papel indispensável na contextualização dos cuidados em final de vida, principalmente pelo fato que, por vezes, é ela que assume responsabilidades em decisões de limitações dos esforços terapêuticos. Assim, é importante procurar manter o paciente, se possível, e sua família, informados sobre a situação e evolução da doença, considerando que somente com a interação da equipe multiprofissional, paciente e familiar, será possível estabelecer uma ação diante da situação do paciente, isentando-se de qualquer tipo de ressentimento ou mágoa por ter sido realizada, ou não, alguma ação(57). Desse modo, a inclusão das DAV, com a nomeação de um representante apto a responder pelo doente terminal, constitui-se em uma alternativa a fim de permitir que as vontades dos pacientes sejam respeitadas pelos seus familiares. Ademais, o testamento vital consiste em uma possibilidade de evitar ou, mesmo, dirimir problemas éticos e bioéticos entre médico-paciente-familiares em situações extremas como o final da vida(44). Há que se destacar que, no Brasil, a pesquisa indicou que o conhecimento do termo testamento vital pelos familiares/acompanhantes, foi de 0,41 pontos (de 0 a 10). Posteriormente à explicação dos significados, a intenção de elaboração do testamento vital obteve média de 9,39 entre os acompanhantes e a média de aceitação de implantação do testamento vital no Brasil foi de 9,75 entre os acompanhantes. Os familiares indicaram, também, considerar como mais apropriado que as decisões fossem tomadas pelos médicos (8,92) ou pelos médicos juntamente com pacientes (8,87); ou seja, excluindo sua participação(46). 181 Assim, as necessidades de um doente terminal, muitas vezes isolado pela sociedade, aumentam as exigências quanto a cuidados de conforto que promovam a qualidade de vida física, intelectual e emocional, sem descurar a vertente familiar e social(53). As situações de fim de vida dizem respeito a vários personagens: doentes, familiares, equipe de saúde e instituição hospitalar, devendo cada uma das partes ser envolvida na tomada de qualquer decisão, sempre tendo em conta os prós e os contras de cada uma das opções. DISCUSSÃO As DAV foram projetadas para conservar a autonomia pessoal baseadas na crença de que os pacientes que perdem a capacidade de decisão estariam propensos a receber os cuidados que escolheram e sua ausência pode levar a cuidados agressivos e indesejados, associados a uma redução da qualidade de vida e do cuidado(43). Além disso, resguardam o médico e profissionais da saúde da responsabilização, seja no âmbito de sua entidade de classe, seja no jurídico(10) ao fazer, ou não, uso dos tratamentos e cuidados escolhidos previamente pelo paciente considerado capaz(6). Assim, a preservação da autonomia e a relação médico-paciente constituem fatores decisivos para a aplicabilidade das DAV(10,30), representando um avanço na assistência ao doente terminal, garantindo que nada será realizado contra sua vontade(28,53). Tornase imperioso que as discussões acerca das DAV ocorram de forma efetiva, criteriosa e científica(10). Em âmbito internacional, o crescente desenvolvimento de pesquisas vem constatando maior viabilidade e aceitabilidade(24-25,36-37,43) das diretivas antecipadas, apesar de ainda ocorrerem manifestações de desconforto dos pacientes em aderir a essa prática, pelo seu desconhecimento; há uma tendência de que os doentes terminais prefiram viver com qualidade a ter seu sofrimento prolongado com técnicas heroicas que não repercutem na cura das doenças(17,25). A produção científica mais evidente é nos EUA, em virtude das discussões sobre a temática terem iniciado a partir da PSDA, lei vigente desde 1991 que apresentou três formas de efetivar as diretivas antecipadas: living will,durable power of attorney forhealth care e advance care medical directive(3), o que incentivou e contribui nas discussões e legalização da prática em outros países. Já a produção científica sobre as DAV, no Brasil, é incipiente, com uma deficiência de pesquisas empíricas sobre a temática em termos de avaliação e prática, a fim de sustentar e contribuir com discussões e implementação das DAV. 182 Diferentemente do cenário internacional, onde constam pesquisas com informações, referentes à efetividade da aplicação das DAV, no cenário nacional, carecem pesquisas enfocando sua aplicabilidade nos diferentes contextos de saúde e na população. Contudo, o que se percebeu é que, embora deficientes, houve um aumento em 2013 das publicações, possivelmente associado ao fato da aprovação da Resolução do CFM sobre as DAV, em 2012(7). Estudos, no Brasil, apontam para uma tendência de aceitabilidade, aplicabilidade e implantaçao das DAV(46), apesar das dúvidas que permeiam essa prática, evidenciando-se profissionais da saúde ausentes desse processo, pela falta de esclarecimentos da resolução que ampara essa prática, bem como da ausência de legislação brasileira sobre o tema. Nas DAV, é necessária a assimilação da situação do diagnóstico e prognóstico por parte dos familiares e pacientes, pois as pesquisas apontaram dificuldades em aderir à prática de manifestação da vontade, resultado de uma má comunicação do profissional com os interessados, dificuldade em prever o que poderá acontecer ou, ainda, pelos familiares e ou substitutos não saberem como atuar, principalmente, pela inexistência de comunicação com os pacientes sobre seus desejos, acarretando conflitos(17,38,57); por isso, a necessidade de conversa prévia para esclarecimentos, aliada a um processo educativo(13,20,25,28,30). Familiares que conversaram, de modo esclarecedor e sincero com os pacientes sobre seu prognóstico e opções de tratamento, cumpriram posteriormente as DAV(30,46,55). Nesse sentido, merece destaque a importância do processo educativo, bem como as instruções realizadas por profissionais que repercutem em maiores índices de preenchimento das DAV(13). A dependência das decisões de limitações de tratamentos pelos representantes e familiares do doente terminal parece inegável nas DAV. Desse modo, no panorama internacional, as pesquisas indicam que familiares e substitutos desempenham papel indispensável diante de decisões que envolvem o fim da vida(17,36,38,40,43) no sentido de amenizar aflições de familiares quanto à responsabilidade sobre condutas de tratamentos nos doentes terminais, reduzindo o fardo de sua tomada de decisão(22). Além disso, familiares enlutados indicam que a conclusão de uma diretiva antecipada lhes resultou em menos preocupações quanto às condutas a serem realizadas, aumentando a utilização de cuidados paliativos(56). Os profissionais da saúde desempenham influência significativa na assistência aos pacientes, podendo propor a prática das DAV, de maneira contextualizada, mediante sua interação com familiares e paciente. Destaca-se que estudantes e profissionais da 183 área da saúde (enfermeiros e médicos) valorizam a prática do preenchimento das DAV(14,21,24,37,43,52). Contudo, por vezes, apresentam resistência à discussão sobre sua implementação com pacientes e familiares; e em muitos momentos, as vontades manifestadas não são cumpridas pelos profissionais em virtude dos conflitos éticos existentes quanto à responsabilização das ações(18). Partindo deste pressuposto, o momento de discutir sobre as DAV é suscetível de influenciar sua aceitabilidade e efeito. A discussão pode ser iniciada após a recorrência da doença ou quando o tratamento falhou e o prognóstico é pobre. Assim, as pessoas que iniciam discussões sobre as DAV devem ser ágeis em resposta e aos sinais de desconforto do paciente, devendo essas discussões, preferentemente, transcorrer ao longo de um certo número de encontros, conduzidas por um profissional treinado, com tempo suficiente para falar e com conhecimento e habilidades para responder às perguntas, adaptando-as ao indivíduo, e evitando destruir sua esperança(28). Há um grande interesse dos profissionais da saúde diante da aplicabilidade da DAV; entretanto, sua ação parece mascarada pela deficiência de comunicação presente na relação dos médicos com o paciente e/ou familiar sobre a situação do doente terminal, inviabilizando o preenchimento das DAV, pela inexistência de entendimento da situação. Ainda, a inserção obrigatória, rotineira e automática do assunto aos pacientes não é uma alternativa viável, pois deve ser contextualizada, dialogada, argumentada, oportunizando-se as condições para que manifestem sua vontade, pois trata-se de uma decisão pessoal, livre de interferências. Desse modo, os enfermeiros foram recomendados como os profissionais mais apropriados para encaminhar as discussões sobre as DAV, pela sua proximidade e relação de confiança estabelecida com os pacientes e pelos seus conhecimentos para proceder as informações que se fizerem necessárias(28). Além disso, pacientes preferem que os médicos iniciem a conversa sobre as DAV(25,28,32); entretanto, pesquisas também apontam que os pacientes desejam realizar suas decisões, isentos de interferências externas, ou delegando ao familiar ou médico(19), o que pode ser dificultado pela inexistência de registro escrito. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da análise da produção científica nacional e internacional sobre as DAV aplicada ao doente terminal, constatou-se que, diante dessa prática, tem-se possibilitado que pacientes tenham atendidos seus desejos em final de vida; que os responsáveis pelas decisões que envolvem limitações de tratamento, possam garantir o atendimento das 184 vontades do paciente, reduzindo possíveis conflitos oriundos das indecisões de como atuar diante de determinada situação. Além disso, assegura, aos profissionais da saúde, a minimização dos dilemas enfrentados nas situações que envolvem os doentes terminais e questões relacionadas ao final da vida. A análise dos artigos recrutados para essa revisão permitiu visualizar a importância das DAV no contexto da assistência ao doente terminal, bem como sua viabilidade de execução quando contextualizada na relação paciente-familiarprofissional, considerando o respeito à autonomia pessoal e a manutenção da dignidade humano do paciente. Nesta perspectiva, no Brasil, além da necessidade de maiores esclarecimentos quanto às disposições previstas na Resolução do CFM, que exigem interpretações isentas de dúvidas para sua implementação, emerge a necessidade de investigações sobre a temática, enfocando, mais especificamente, aplicabilidade das DAV, em virtude da sua prática ser extremamente incipiente. Alia-se, também, ao fato que, em âmbito internacional, essa prática mostra-se efetiva, principalmente, quando com abordagem multidisciplinar, participação da família e quando as vontades dos pacientes são respeitadas. Nesse contexto, os profissionais da saúde devem estar continuamente comprometidos com a ideia de que a autonomia pessoal do paciente não está ausente diante da situação de perda da sua capacidade de decisão. É preciso respeitar suas escolhas manifestas enquanto capaz, ou abdicar as decisões aos familiares e/ou responsáveis com conhecimento do paciente, de modo a auxiliar nas condutas, considerando as vontades do paciente, sua autonomia e dignidade. A aplicação das DAV, ainda, traria maior respaldo à enfermagem, diante de situações que lhe impõem dilemas éticos, especialmente, quando as condutas médicas não estão explicitadas, como, por exemplo, nas ordens de não-reanimação. Assim, assuntos referentes à terminalidade devem ser inseridos em todos os contextos de ensino e assistência à saúde, a fim de propor a familiarização com a temática, por vezes, tratada de maneira velada pelos profissionais da saúde. É preciso atentar para assuntos referentes às DAV como alternativa de mudança de paradigmas, considerando uma abordagem diferenciada pelos profissionais à população, com o intuito de provocar a transformação da vivência da morte em algo a ser vivido e aceito. Nessa direção, esse estudo destaca, como ponto forte, a demonstração de um panorama geral das repercussões da aplicação das DAV, em diferentes continentes e com diferentes populações, no intuito de contribuir com as reflexões no cenário 185 brasileiro. Entretanto, dentre as limitações dessa revisão, além da falta de avaliação da qualidade dos estudos mediante instrumentos próprios e da limitação de idiomas, ressalta-se que sua busca não ocorreu em revistas da área do Direito, pela ênfase na associação das DAV ao doente terminal, como preconizado no Brasil, a partir da Resolução do CFM. Espera-se, no entanto, que esse estudo contribua em outras investigações sobre a temática, considerando-se a deficiência de revisões anteriores sobre a aplicação das DAV. REFERÊNCIAS 1. Moreira MS. Diretivas antecipadas de vontade: um estudo sobre a declaração prévia para o fim da vida. In: Dadalto L. Diretivas antecipadas de vontade: ensaios sobre o direito à autoderteminação. 1 ed. 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