MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS INQUÉRITO CIVIL Nº 002/2014 SIMP: 001265-004/2014 NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA Nº 001/2014 Lei Municipal. Contrariedade aos Dispositivos Constitucionais. Permissão de serviço público. Mototáxi. Falta de licitação. Transferência. Impossibilidade. Inconstitucionalidade. Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal, 1 – PREÂMBULO: O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, pelo Promotor de Justiça subscritor, no exercício das atribuições previstas nos artigos 127, 129, incs. II, III, IV e VI, da Constituição Federal, artigo 27 e 80 da Lei nº 8.625/93 c/c art. 6º, inc. XX, da LC nº 75/93 e 61, inc. X, da LCE/MT nº 416/2010, após analisar os dispositivos da Lei Municipal nº 2.310/2001 (com as alterações dadas pelas Leis Municipais nºs 2.326/2001, 2.351/2001, 2.457/2002 e 2.693/2005), que trata do serviço de mototáxi no Município de Barra do Garças, chegou a conclusão de que o artigo 2º e seus parágrafos, da Lei 2.310/2001, atualmente vigentes, estão em contrariedade com o ordenamento jurídico pátrio, especialmente com o art. 37, caput, e 175, ambos da Constituição Federal, Lei Federal nº 8.987/95, este última que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, bem como art. 131, da Constituição do Estado de Mato Grosso, inclusive, conforme amplamente explanado na Portaria de Instauração do Inquérito Civil nº 002/2014 e nos tópicos abaixo. Assim, antes do Ministério Público tomar qualquer outra medida, v.g., remessa de cópia dos autos à Procuradoria Geral de Justiça para as medidas pertinentes visando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.310/2001, e/ou propositura de Ação Civil Pública com arguição incidental de inconstitucionalidade, objetivando seja declarada judicialmente a nulidade das delegações emitidas na espécie, cumulada com obrigação de fazer e não fazer, imposta ao Município de Barra do Garças, resolve expedir a presente RECOMENDAÇÃO, objetivando, com isso, que o próprio Poder idealizador da norma impugnada dê solução ao caso, exercendo seu poder de autocontrole da constitucionalidade e dos atos administrativos, tudo nos termos a seguir: Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 1 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS 2 – FUNDAMENTOS: 2.1 - DO TEXTO LEGAL QUESTIONADO: Lei Municipal nº 2.310 de 06 de junho de 2.001. “Art. 2º - O Número de moto-taxistas não ultrapassará a 300 (trezentas) unidades, cujos nomes dos interessados serão cadastrados no Sindicato da classe e encaminhados à Prefeitura Municipal, na Seção competente, para deliberação, facultando ao Poder Executivo a prerrogativa de credenciá-lo ou não, de acordo aos documentos e informações necessárias para a prática do serviço. § 1º - (Revogado pela Lei 2.326/2001); § 2º – A exploração do serviço de moto-táxi será feita por iniciativa direta e pessoal do interessado observando que, ao ser preterido, como trata o art. 2º, deverá ainda preencher requerimento dirigido ao Secretário Municipal de Finanças, com informações da seção competente e histórico do interessado, que por sua vez deliberará sobre o pedido, anulando ou deferindo. Será expedido Alvará de Licença Mensal, após o recolhimento da taxa de R$ 17,00 (dezessete reais) ao erário público municipal, através da Secretaria Municipal de Finanças, ficando isento do pagamento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN; (Redação dada pela Lei 2.457/2002). § 3º – Será permitida a transferência com um valor mínimo de R$ 3.000,00 (três mil reais), dos quais o vendedor ao efetivar a venda deverá recolher aos cofres públicos, a taxa de 3% (três por cento) do valor da venda da vaga; (Redação dada pela Lei 2.457/2002). § 4º – As vagas dos moto-taxistas poderá ser alugadas a qualquer época, em caso de acidente ou doença do titular, desde que seja comprovada a incapacidade para o trabalho, sem a necessidade da Secretaria de Finanças ter que que deferir ou indeferir, ficando tal incumbência ao Sindicato da classe, obedecendo ao seu Regimento Interno e seus Estatutos; (Redação dada pela Lei 2.457/2002). Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 2 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS § 5º – Cada ano trabalhado, dará direito ao moto-taxista, de 30 (trinta) dias de descanso, período este que será a critério do beneficiado, cumulável em no máximo 02 (dois) períodos, podendo ele alugar a vaga por todo o período; . § 6º – Os condutores poderão alugar a vaga, por 30 (trinta) dias a cada ano, após requerimento à Secretaria de Finanças, para descanso ou assuntos particulares, independentemente de ter ou não ocorrido aluguel por motivo expresso no parágrafo 5º deste mesmo artigo, cabendo-lhe o recolhimento normal dos impostos; § 7º – Em caso de falecimento, o Sindicato indicará outro profissional para ocupar a vaga deixada, com a apresentação de documentos comprobatórios, sem a necessidade de recolhimento de taxa; (Redação dada pela Lei 2.457/2002). § 8º – Das 300 (trezentas) unidades estabelecidas neste artigo, o Poder Executivo Municipal poderá credenciar a até 20 (vinte) motos na modalidade “Carretinha”, cuja indicação do credenciamento será feita única e exclusivamente pelo Sindicato da categoria, podendo inclusive o Sindicato destituir e transferir a qualquer outro mototaxista por simples requerimento; (Redação dada pela Lei 2.457/2002). § 9º – O Requerimento que trata o parágrafo 1º deste artigo, será subscrito pelo interessado que irá ocupar a vaga, dispensando a obrigatoriedade de ser proprietário do veículo, porém, com documento hábil expedido pelo órgão competente, mais Título Eleitoral, expedido pela Comarca de Barra do Garças, quites com a Justiça Eleitoral, ou documento provisório comprobatório de transferência/certidão do Cartório no período eleitoral, e Atestado de Antecedentes Criminais. (...)” Como se infere da transcrição dos dispositivos legais questionados, é evidente, na espécie, que o art. 2º, caput, e seus §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º, todos da Lei Municipal nº 2.310/2001, padecem do vício de inconstitucionalidade, posto que contrários aos arts. 37, “caput” e 175 da Constituição Federal e arts. 125, “caput” e 131 da Constituição do Estado de Mato Grosso, além de contrariarem, no nível da legislação nacional, a Lei Federal nº 8.987/95, como se demonstrará na sequência. Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 3 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS – DA INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL. PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. MOTOTÁXI. LICITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL: 2.2 A Constituição Federal prescreve, em seu art. 175, que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos, cuja norma paramétrica, no âmbito do ordenamento jurídico estadual mato-grossense, está inserta no art. 131 da Constituição Estadual, cujo dispositivo é invocado na espécie. Com efeito, como se verá, a Constituição Estadual de Mato Grosso veicula prescrição normativa impregnada de parametricidade, cujo teor permite qualificá-la como paradigma de confronto para fins de instauração, perante o Egrégio TJMT, do concernente processo objetivo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, tal como o autoriza o § 2º do art. 125 da Constituição da República. A Constituição Estadual de Mato Grosso prescreve a necessidade de licitação para delegação de serviços públicos, como segue: “Art. 131. A autorização, permissão ou concessão para a prestação de serviços públicos, sempre mediante licitação, será regulada por lei, que disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação e as condições de caducidade, fiscalização, rescisão e reversão de concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - tarifas que permitam cobrir o custo, a depreciação dos equipamentos e os investimentos na melhoria e a expansão dos serviços; IV - a obrigatoriedade de manter o serviço adequado; V - a reversão dos bens vinculados ao serviço público objeto de concessão ou permissão. § 1º Os contratos de concessão e permissão de serviços públicos serão firmados por prazo determinado. § 2º A cassação de concessão e permissão de serviço público inabilitará, em qualquer hipótese, a participação do concessionário ou permissionário em nova concorrência pública para serviços da mesma natureza.” Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 4 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS Cumpre destacar que o serviço de transporte remunerado de passageiros em veículo de aluguel, ou, simplesmente, serviço de “mototáxi”, tal como expressamente previsto na Lei Federal nº 12.009/2009, constitui serviço de interesse público, prestado por delegados da Administração Pública, para satisfazer necessidade da coletividade, regidos pelas normas estatais e controlados pelo Poder Público. Nesse comenos, compete ao Município organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse público e/ou coletivo local, decorrendo que a delegação na espécie está condicionada a prévio procedimento licitatório, conforme prevê o art. 175 da Constituição da República, ao qual, por lógica jurídica e por força do contido no art. 131 da Constituição Estadual de Mato Grosso, está o Município submetido. Ocorre que, no caso em debate, a Lei Municipal nº 2.310/2001 não faz previsão de licitação para a delegação do serviço de transporte de passageiro, possibilitando, ademais, a “transferência” a terceiros da delegação, por ato causa mortis, a critério de entidade sindical representativa da categoria dos profissionais mototaxistas, bem como sua “transmissão”, por ato inter vivos, a título oneroso, assim como o “aluguel” da delegação, por motivo de doença, acidente, férias ou licença do titular para tratar de assuntos particulares, mostrando-se, pois, neste aspecto, inconstitucional. A Lei Municipal nº 2.310/2001, por ter sido criada sob a égide da nova ordem constitucional inaugurada pela Carta de 1988, a ela se submete, cujo conteúdo normativo de nível municipal, se contrariar o texto constitucional, padecerá de vício de inconstitucionalidade. In casu, conforme se verifica, a lei questionada viola princípios constitucionais que regem a atividade da Administração Pública, previstos no art. 37, “caput”, da Constituição Federal e, de maneira mais particularmente explícita, no que se refere à exigência de licitação para a contratação de serviço de interesse público, o disposto no art. 174 da mesma Carta Magna, cujos dispositivos encontram correspondência paramétrica na norma de referência no nível estadual, respectivamente, nos arts. 129, “caput” e 131 da Constituição do Estado de Mato Grosso. É que o art. 2º, §§ 2º a 9º, da mencionada Lei, ao possibilitar a outorgar, a transferência (por ato inter vivos e causa mortis) e o aluguel da delegação para prestação de serviço público de transporte remunerado de passageiro, sem prévio procedimento licitatório, fere de morte o quanto previsto no art. 175 da Constituição Federal. Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 5 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS De fato, não há na Lei Municipal questionada menção à realização de processo licitatório, nem tampouco há referência aos critérios isonômicos de seleção dos candidatos à delegação da vaga, acabando por institui-se na espécie, por conseguinte, a prática de esquemas e ilegalidades, rendendo ensanchas, por exemplo, à negociatas entre os detentores das delegações e particulares interessados na exploração do serviço, sem que, contudo, tais práticas estejam resguardadas pelo interesse público. Em verdade, a compra e venda particular da outorga afasta a indispensável realização de licitação, acabando com a possibilidade de concorrência em condições de igualdade entre os postulantes à prestação do serviço público. Nestes moldes, além de vulnerar o princípio da impessoalidade, manifestação do princípio da isonomia, ao qual a Administração Pública deve tributar obediência, a ausência de licitação impossibilita o controle dos atos administrativos a cargo do Poder Público, a ferir o princípio republicano. Não há, portanto, como permitir que a norma mencionada afaste a indispensabilidade de licitação e abra espaço para a negociação particular da delegação para exploração do serviço de transporte individual de passageiros. Em verdade, prevê a legislação municipal de regência o cadastramento dos interessados pelo Sindicato da classe e encaminhamento à Prefeitura Municipal, para deliberação, facultando ao Poder Executivo Municipal a prerrogativa de credenciar ou não o interessado cadastrado para a prestação do serviço, permitindo, ainda, o aluguel e alienação da delegação, por conveniência do Sindicato da categoria, independente de nova avaliação do Poder Executivo, cujo ato é realizado por conta e risco da aludida entidade de classe, desvinculado de qualquer fiscalização ou acompanhamento pela Administração Pública. O mesmo ocorre em relação à previsão de que, em caso de falecimento do mototaxista, a exploração do serviço de transporte de passageiros se dará por deliberação do Sindicado da categoria, ao qual se incumbe a tarefa de transferir a vaga do delegatário falecido. A mesma forma de proceder se identifica na escolha dos interessados, mototaxistas, que deverão prestar os serviços com “carretinha”, na modalidade “moto-frete” ou “motocarga”. Com efeito, na espécie, é necessária a prévia licitação para que o Poder Público delegue a permissão do serviço de transporte de passageiros por mototáxi, não se mostrando legítimo possa o Poder Público atribuir a um Sindicato, no caso, o Sindicato dos Mototaxistas de Barra do Garças, a responsabilidade pela indicação e escolha daqueles que deverão Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 6 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS prestar o serviço público de transporte, menos ainda por não submeterem-se os prestadores credenciados a um processo seletivo realizado segundo o critério de impessoalidade, com foco, ainda, na eficiência e segurança dos serviços prestados à população. A propósito, diversos doutrinadores afirmam que a delegação do serviço de transporte por meio de táxi, aqui aplicável em tudo aos serviços por meio de mototáxi, pressupõe a realização de licitação desde a Constituição Federal de 1988, senão vejamos: “1. O serviço de táxi é serviço público delegado pelo município, geralmente sob a modalidade de permissão, com as características de discricionariedade e precariedade, podendo o ente estatal modificar os seus termos, bem como cassá-la a qualquer tempo, desde que respeitado o interesse público, evitandose abuso de poder e desvio de finalidade; 2. a delegação de serviço de táxi tem que ser precedida de prévia licitação, sendo ato intuitu personae, não admitindo transferência por atos onerosos ou gratuitos, inter vivos ou causa mortis, entre particulares, nem substituições na sua execução” (Jorge Romcy - Permissão de táxi – sistematização jurídica e questões práticas. In Revista Informativa - MPRO, n. 22, pp. 30-35, jan./fev. 2009) No mesmo sentido é a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que em diversos julgados tem se pronunciado no sentido da obrigatoriedade da licitação: “A delegação de serviço público de transporte por meio do táxi pressupõe a realização de licitação desde a Constituição da República de 1988, em razão de sempre haver limitação do número de delegatários e o manifesto interesse na exploração daquela atividade pelos particulares, seja pela via da permissão, seja pela via da autorização.” (1ª T., AgRg. no Resp. 1.115.508/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 07/04/2011). “A atividade de prestação de transporte por taxímetro é um serviço público e, como tal, necessita, para ser delegado ao particular, licitação, nos moldes previstos na Lei n. 8.987/95.” (2ª T., RMS 19.091/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 17/10/2007, p. 268). Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 7 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS Sendo de natureza pública e de interesse social, o serviço de mototáxi está condicionado ao regramento próprio das concessões e permissões, e, nesta esteira, entre nós, em Mato Grosso, é disciplinado pelo art. 131, da Constituição do Estado, bem como pelo art. 175, da Constituição Federal de 1988 e pela Lei Federal nº 8.987/95. O artigo 131 da Constituição do Estado de Mato Grosso, determina que a autorização, permissão ou concessão para a prestação de serviços públicos, sempre mediante licitação, será regulada por lei, que disporá sobre: “I - o regime das empresas concessionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação e as condições de caducidade, fiscalização, rescisão e reversão de concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - tarifas que permitam cobrir o custo, a depreciação dos equipamentos e os investimentos na melhoria e a expansão dos serviços; IV - a obrigatoriedade de manter o serviço adequado; V - a reversão dos bens vinculados ao serviço público objeto de concessão ou permissão. § 1º Os contratos de concessão e permissão de serviços públicos serão firmados por prazo determinado. § 2º A cassação de concessão e permissão de serviço público inabilitará, em qualquer hipótese, a participação do concessionário ou permissionário em nova concorrência pública para serviços da mesma natureza.” Já o art. 175 da Constituição Federal de 1988, reza que incumbe ao Poder Público a prestação dos serviços públicos, podendo fazê-lo diretamente ou mediante concessão ou permissão, devendo a lei dispor sobre as particularidades do contrato e seu regime de execução, verbis: “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 8 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão.” A Lei Federal nº 8.987/95 é a norma geral, de caráter nacional, que regulamenta o citado dispositivo constitucional, prevendo a permissão de serviço público e em seu art. 2º, inc. IV, conceituando o instituto da permissão como: “Art. 2º. Para os fins do disposto nesta lei, considera-se: I – (...); (...) IV – permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.” E, em seu art. 40, a Lei Federal em comento disciplina as permissões de serviço público, aplicando a elas todas as regras atinentes às concessões de serviço público, vejamos: “Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente. Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto nesta lei.” Percebe-se pelos artigos citados que a exigência de licitação quando da permissão de serviço público é imperativa, taxativa, tratando-se de uma imposição consentânea com toda a ordem constitucional vigente, que determina à Administração Pública a observância e o compromisso com os princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência. Assim, a observância do procedimento licitatório, quando das concessões e permissões de serviço público, é o único meio adequado para garantir a efetiva proteção do interesse público, salvo as exceções legais previstas em lei. Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 9 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS No caso da permissão de serviço de transporte de passageiros por mototáxi, é também, por óbvio, obrigatória a realização de licitação, não havendo exceções à regra a não ser aquelas próprias descritas na Lei Federal nº 8.666/93, ou seja, se se estiver diante de alguma das hipóteses de dispensa ou inexigibilidade de licitação. Por outro lado, se o art. 175 da CF/88 e a Lei Federal nº 8.987/95 determinam a realização de licitação para prestação de serviços públicos, o art. 37 da Constituição Federal impõe o dever de observância pela Administração Pública ao princípio da Legalidade, in verbis: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”. Na mesma esteira, a Lei Geral das Concessões e Permissões, já citada alhures, prevê que: “Art. 14. Toda concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com observância dos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório”. A par da legislação de regência, a jurisprudência entende ser o serviço de transporte de passageiro analisado na espécie um serviço outorgado ao particular pela Administração Pública, através de contrato de permissão de serviço público, tornando o procedimento licitatório imprescindível, a vista do disposto no art. 175 da CF/88 e na Lei Federal nº 8.987/95. Nesse comenos, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu pela exigibilidade de licitação quando da permissão para serviço de táxi, aplicável também aos serviços de mototáxi, dada a identidade de situação jurídica a reger tais modalidades de transporte, vejamos: “Administrativo – Mandado de Segurança – Licitação – Permissão - Táxi – Ausência – Direito Líquido e Certo – Inexistência. 1. Inexiste o alegado direito líquido e certo, porquanto não comporta dúvida alguma sobre a necessidade de licitação para permissão da atividade de prestação de transporte por taxímetro. 2. A atividade de prestação de transporte por taxímeMarcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 10 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS tro é um serviço público e, como tal, necessita, para ser delegado ao particular, licitação, nos moldes previstos na Lei n. 8.987/95. 3. In casu, não se pode delegar diretamente, sem licitação, a atividade de exploração de transporte por taxímetro sem licitação ao particular, como fez in casu, sendo nula a transferência assim realizada. 4. Como bem pontuou o parecer do MPF: Com efeito, consoante o art. 175 da Constituição Federal/88, ‘incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços público’. Na mesma esteira, a Lei de Regência das Concessões e Permissões (Lei nº 8.987/95) também impõe a realização de licitação para a ocorrência de permissão. Ora, a redação do art.175 da CF/88 não abre espaço para a almejada permissão do serviço de transporte para a exploração de táxi sem o prévio procedimento licitatório; ao contrário, a convalidação de tais permissões sem observância das formalidades exigidas, pela Administração Pública (...) vem justamente de encontro à finalidade constitucional conferida ao regime da licitação pública, que visa propiciar igualdade de condições e oportunidades para todos os que querem contratar obras e serviços com a Administração, além de atuar como fator de transparência e moralidade dos negócios públicos” (RMS 19091/DF – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 2004/0143957-0 – Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 17/10/2007). O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais também possui jurisprudência no mesmo sentido: “Permissão para Serviços de Táxi – Licitação – Necessidade. O Município, que detém competência para emitir permissão para o exercício dos serviços de táxi, deve promover, previamente, a necessária licitação” (Agravo de Instrumento nº 1.0713.04.033010-0 – Rel. Des. José Domingues Ferreira Esteves – DJ de 29/10/2004). “Permissão de Serviço Público – Táxi – Necessidade de Processo Licitatório. A submissão a processo licitatório é imprescindível à concessão de permissão, Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 11 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS na forma do art. 175 da CF/88, art. 2º da Lei 8.666/93 e art.2º, IV, da Lei 8.987/95. Por constituirse em ato precário, negocial, unilateral e discricionário, é permitido à Administração, unilateralmente, modificálo ou revogá-lo. Recurso improvido. Sentença Mantida” (Recurso de Apelação nº1.0024.03.985981-4/001 – Relator Desemb. Cláudio Costa – DJ de 17/05/2005). “Ação Civil Pública – Serviço Municipal de Táxi – Procedimento Licitatório - Imprescindibilidade- Sentença Mantida – Recursos Prejudicados. A partir de 1988, a Carta da República sujeitou a permissão e a concessão, no caput do art. 175, à seleção prévia dos interessados, mediante processo licitatório, determinação esta ratificada pela Lei nº 8987/95.” (Recurso de Apelação nº 1.0713.04.033008-4/002 – Rel. Des. Fernando Bráulio DJ de 14/11/2007). “Táxi – Permissionário – Transferência para Terceiro – Necessidade de Anuência do Poder Público e Prévia Licitação – Direito Líquido e Certo não Demonstrado Denegação da Segurança – Manutenção – Inteligência do Art. 175 da Constituição Federal. A fim de não se permitir a transferência de permissão para exploração de serviço de táxi, mister se faz necessária a anuência do Poder Público, com prévia licitação, acarretando, em consequência, a ausência do direito líquido e certo a amparar a pretensão do Impetrante” (Mandado de Segurança nº 1.0079.05.185395-4/001 – Rel. Des. Dorival Guimarães Pereira – DJ de 16/12/2005). “Alvará Judicial. Serviço Público. Transferência de Permissão de Táxi. Caráter Personalíssimo e Intransferível. Lei Federal 8.987/95. Licitação. Necessidade. Recurso a que se Nega Provimento. 1. A licitação é condição imprescindível para conferir direito à permissão, sendo impossível se admitir a cessão da permissão de serviço público (táxi) sem o prévio procedimento licitatório, uma vez que esse procedimento violaria não só o princípio que assegura igual oportunidade aos que desejam contratar com o Poder Público, assim como a finalidade da seleção. 3. Nega-se provimento ao recurso.” (Apelação Cível nº 1.0024.00.117507-4/001 –Rel. Des. Célio César Paduani –DJ de 03/04/2008). Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 12 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS Nesse compasso, no ano de 2013, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em sede de controle abstrado, reconheceu a inconstitucionalidade de Lei Municipal que também delegava serviços de táxi sem licitação, como segue: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. LEI MUNICIPAL QUE PERMITE A EXPLORAÇÃO DO SERVIÇO DE TÁXI SEM O DEVIDO PROCESSO LICITATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE E MORALIDADE. EXEGESE DAS DISPOSIÇÕES DOS ARTS. 175 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 137, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. PEDIDO PROCEDENTE. Afronta a exigência constitucional de prévia licitação a lei que permite a manutenção e prorrogação de autorizações e permissões para exploração do serviço de táxi sem que se realize o devido certame licitatório.” (TJSC, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2010.025686-6, da Capital, Relator Des. Fernando Carioni). Nesse mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em sede de controle de constitucionalidade de Lei Municipal: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI QUE DISPÕE SOBRE A CONCESSÃO DO SERVIÇO DE TÁXI. MUNICÍPIO DE SÃO LEOPOLDO. Tanto a Constituição Federal, como a Constituição Estadual exigem prévia licitação para a outorga de serviço público ao particular. O serviço de transporte de passageiros em veículos de aluguel, táxi, é serviço público, sujeito ao princípio da prévia licitação. Precedente do STJ. Viola o princípio da legalidade e da moralidade, normas da lei municipal que autorizam a outorga do serviço de táxi, transferência e sucessão por morte, sem o prévio procedimento licitatório (art. 175 da CF e 163 CE). Precedentes do STF e deste Tribunal. Ação Julgada Procedente. Unânime. (TJ/RS; ÓRGÃO ESPECIAL; ADI nº 70053834925 (nº CNJ: 0108119-94.2013.8.21.7000); Comarca de Porto Alegre; Proponente: Procuradoria Geral de Justiça; Requeridos: Prefeito Municipal de São Leopoldo e Câmara Municipal dos Vereadores de São Leopoldo). Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 13 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS É o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “Tanto a Constituição Federal quanto à lei de concessões e permissões exigem a licitação como condição para a concessão e permissão do serviço de táxi” (AgRg no RMS n. 16.279-0 – RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, DJ 09/12/2003).” In casu, vê-se que as normas objurgadas se afastam do direcionamento constitucional de regência, no momento em que prescindem do processo licitatório para a delegação de serviços de mototáxi, malferindo o princípio da obrigatoriedade da licitação, bem como os princípios da constitucionais da legalidade, moralidade e impessoalidade. No âmbito do direito público, se uma atividade configura serviço público, como na espécie, qual seja, transporte urbano de passageiros, está ela retirada do âmbito da livre disponibilidade dos particulares, sendo regrada, então, pelo Poder Público, de modo que os particulares não podem prestá-la sem a observância da lei. A propósito, na espécie, nem se cogite da possibilidade de o permissionário substabelecer para terceiro os serviços de transporte de passageiro sem a prévia anuência do Poder Público e necessário certame licitatório, conforme se depreende da legislação federal. Dispõe o art. 26 da Lei 8.987/1995, verbis: “Art. 26. É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente. § 1º - A outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência. § 2º - O subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e obrigações da subconcedente dentro dos limites da subconcessão.” Mister se faz aduzir que o § 1º do art. 26 da referida lei federal atende ao mandamento constitucional previsto no art. 175 da Constituição Federal. Caso ocorra subconcessão sem licitação, como no caso de “aluguel” da vaga de mototaxista, estariam sendo burlados princípios básicos do certame licitatório, além da ofensa ao dispositivo constitucional exMarcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 14 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS presso (art. 175), evitando-se, com a licitação, a perpetuação de contratos e contratados, ou seja, as chamadas delegações hereditárias. Ao analisar o teor das normas impugnadas, verifica-se, sem padecimento de dúvida, que os prestadores de serviços de transporte de passageiros por mototáxi, no âmbito do Município, não participam de qualquer procedimento licitatório prévio, ao revés, na medida em que para além de não haver processo licitatório, não se identifica sejam nem mesmo selecionados pelo Poder Público, na medida em que são escolhidos e indicados pelo Sindicato da categoria, limitando-se a autoridade administrativa em chancelar a delegação, que uma vez perfectibilizada, torna-se patrimônio do prestador de serviços, permitido-lhe a legislação municipal “vendê-la” ou “alugá-la” a terceiros, bem como “transmiti-la”, por decisão exclusiva do Sindicato, por ato causa mortis, cujas previsões afrontam o regramento dos arts. 129, “caput” e 131 da CEe dos arts. 37, “caput” e 175 da CF, tornando tais atos nulos de pleno direito e a legislação municipal de base inconstitucional. Assim, toda e qualquer delegação para exploração do serviço de transporte individual de passageiros, serviço público de interesse social que é, deve ser precedida de regular licitação, sob pena de malferir-se os princípios que norteiam a Administração Pública. "A licitação é um instrumento jurídico para a realização dos valores fundamentais e a realização concreta de fins impostos à Administração ", diz Marçal Justen Filho ( in:Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos . 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 43), razão pela qual, sendo ela uma garantia dos administrados, jamais pode ser olvidada como passo indispensável à perfectibilização da delegação. Sem a licitação, diga-se, o ato administrativo é nulo, tornando-se passível de anulação inclusive pela via administrativa. Portanto, considerando que a Lei Municipal nº 2.310/2001 viola preceitos da CF/88, da Constituição Estadual e Princípios basilares do ordenamento jurídico, como o Princípio Republicano, o da Segurança Jurídica, além dos Princípios da Legalidade, Moralidade e Impessoalidade, e dá azo ao clientelismo, ante a nítida ofensa ao Princípio da Impessoalidade que ocorre quando não há licitação para escolha objetiva dos prestadores de serviços de mototáxi, acaso não acolhida a presente recomendação, haverá de ser ajuizada ação pleiteando a tutela jurisdicional para se proteger a própria sociedade e o interesse público olvidado, perseguindo-se a nulidade de todos os atos administrativos de delegação da prestação de serviços de transporte remunerado de passageiros levados e efeito sem licitação, ante a incompatibilidade da Lei Municipal aqui questionada em seus dispositivos com a Constituição Federal, passando esta a ser objeto de verificação anterior a questão principal, garantindo-se, acaso reconhecida a eiva, o direito afetado, após a declaração incidental de inconstitucionalidade material do ato normativo (a própria Lei Municipal nº 2.310/2001). Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 15 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS 2.3 - DO SERVIÇO DE MOTOTÁXI COMO SERVIÇO PÚBLICO: O conceito de “serviço público” varia muito entre os estudiosos da matéria, nacionais e estrangeiros. Dentre as várias definições, destaca-se a de José dos Santos Carvalho Filho (in Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 309), para quem serviço público é “toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade”. O serviço de transporte de passageiros em veículos de aluguel sujeitos a política tarifária (mototáxi) subsume-se ao referido conceito, apresentando os três requisitos que consubstanciam o serviço público à luz da doutrina citada: a) satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade; b) submissão a regime de direito público; e c) prestação pelo Estado ou seus delegados. In casu, em relação aos serviços de mototáxi, não há dúvida que se trata de serviço de transporte de passageiro que satisfaz necessidades essenciais da coletividade. Como bem salienta José Tarcízio de Almeida Melo (in Do transporte público de passageiros em táxi. Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM, n. 44, pp. 45-72, abr./jun. 2012, pp. 53/54), tratando do serviço de táxi, deixa ele de ser seletivo ou elitista para se tornar necessidade de grande parte da população, servindo de opção ao transporte para atender emergências e situações em que os veículos de grande porte tornamse inacessíveis ou impróprios, despontando, ainda, como alternativa para a escassez dos estacionamentos e deficiências do sistema de transporte convencional de passageiros. Cumpre salientar que, para Eros Roberto Grau (in A Ordem Econômica na Constituição. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 130), bastaria essa característica para que o serviço em questão (mototáxi) fosse considerado um serviço público. Com efeito, de acordo com referido jurista, serviço público “é atividade indispensável à consecução da coesão social. Mais: o que determina a caracterização de determinada parcela da atividade econômica em sentido amplo como serviço público é a sua vinculação ao interesse social”. Nesta senda, o serviço de transporte de passageiros, compreendido aqueles efetuados através de ônibus, vans, micro-ônibus, táxi e mototáxis - este último recentemente admitido pela Lei Federal nº 12.009/2009, inserindo-se na forma de transporte alternativo -, por sua natureza, é caracterizado como serviço público, vinculado ao interesse social, posto que destinado a satisfazer necessidades essenciais da coletividade. Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 16 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS Sobre o tema, é oportuno destacar inicialmente os incisos I e V do art. 30 da Constituição Federal, in verbis: “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; (…) V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial.” Como se vê, a organização e competência prevista no art. 30 da Constituição Federal constitui função fundamental do Município, podendo a prestação de tais serviços ser realizada sob o regime de concessão ou permissão, como também ser executada diretamente pela Administração Pública local, desde que dentro dos limites territoriais do município. Nessa senda, conforme observa Hely Lopes Meirelles (in Direito Municipal Brasileiro, 4.ª Ed., p. 300): "A regulamentação e controle do serviço público e de utilidade pública caberão sempre ao Poder Público, qualquer que seja a modalidade de sua prestação aos usuários. O fato de tais serviços serem delegados a terceiros, estranhos à Administração Pública, não lhe retira o poder indeclinável de regulamentá-los e controlá-los exigindo sempre a sua atualização e eficiência, de par com o exato cumprimento das condições impostas para o seu fornecimento ao público. Qualquer deficiência do serviço, que revela inaptidão de quem os presta ou descumprimento de obrigações impostas pela Administração, ensejará a intervenção imediata do Poder Público delegante para regularizar o seu funcionamento ou retirar-lhe a prestação." Pois bem. O serviço de “mototáxi”, a par de ser uma realidade nacional, configura atividade de irrecusável interesse local, posto que somente ao Município, através de órgão constituído para tal finalidade, será possível detectar os seus contornos, as necessidades da população e a forma cabível de prestação do serviço, o qual é exercido mediante o regime de permissão administrativa. Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 17 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS Sendo assim, as permissões de táxi são delegações de serviço público, regidas pela Constituição Federal, pela Lei de Concessões (Lei nº 8.987/95), pela Lei Orgânica do Município e Regulamento específico, outorgadas por licitação pública. Esse serviço de transporte urbano é regido por normas de Direito Público, elaboradas pelo Município com espeque no art. 30, incisos I e V, da Constituição Federal. Nesse comenos, o serviço de mototáxi é um serviço público que o Município delega a particulares, geralmente sob a modalidade de permissão, o que materializa o terceiro elemento do conceito de “serviço público”. Diversos doutrinadores que trataram especificamente desse tema sustentam que o transporte individual de passageiros em veículos de aluguel sujeitos a política tarifária é, de fato, um serviço público. Jorge Romcy (in Permissão de táxi – sistematização jurídica e questões práticas. Revista Informativa - MPRO, n. 22, pp. 30-35, jan./fev. 2009, p. 30), por exemplo, afirma que “o serviço de táxi é indiscutivelmente serviço público, pois regulado pelo ente estatal pertinente, embora executado por particulares, sob regime de delegação”. No mesmo sentido, José Tarcízio de Almeida Melo assevera que “o serviço de táxi é serviço público e objeto de permissão do Poder Público” (in Do transporte público de passageiros em táxi. In Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM, n. 44, pp. 45-72, abr./jun. 2012, p. 69) Esse entendimento não se restringe à doutrina, já que diversos julgados adotam-no. Por exemplo, na Apelação nº 990.10.056562-1, TJSP, de 25/08/2010), sustentou-se que “o exercício da atividade de transporte por táxi corresponde a permissão de serviço público”. A mesma tese foi confirmada pela 2ª Turma do STJ, no julgamento do RMS 19.091/DF: “A atividade de prestação de transporte por taxímetro é um serviço público e, como tal, necessita, para ser delegado ao particular, licitação, nos moldes previstos na Lei n. 8.987/95” (Rel. Min. Humberto Martins, DJ 17/10/2007, p. 268). O fato de o serviço de mototáxi consistir em um serviço público delegado pelo Município por meio de permissão implica uma série de consequências jurídicas. A primeira delas consiste na imprescindibilidade de licitação prévia, como determina o caput do art. 175 da Constituição Federal: incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos, sob pena de nulidade. Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 18 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS Além disso, a natureza intuitu personae da prestação do serviço público sob a forma de permissão acarreta a impossibilidade de transferência da permissão pelo permissionário a outro particular, seja mediante negócio jurídico (venda ou aluguel), seja mediante ato inter vivos ou mesmo causa mortis. Outra consequência consiste na faculdade que o Poder Público tem de, a qualquer momento, de forma unilateral, modificar as condições prescritas inicialmente no termo de permissão e até mesmo revogar a permissão outorgada, sempre tendo em vista o interesse público, sem possibilidade de oposição do permissionário (ROMCY, Jorge. Permissão de táxi – sistematização jurídica e questões práticas. In Revista Informativa MPRO, n. 22, pp. 30-35, jan./fev. 2009, pp. 31-32) A propósito, num primeiro exame, poder-se-ia entender que o art. 175 da CF não teria explicitado quais serviços estariam submetidos ao regime de permissão e concessão e que, por isso, os serviços de mototáxi não estariam submetidos a tais instrumentos de delegação. Entretanto, uma leitura sistemática do referido dispositivo e seus incisos revela entendimento diverso. Isso porque, conforme o inciso III do parágrafo único do artigo 175 da CF, estabeleceu-se expressa necessidade de uma "política tarifária", em clara alusão aos serviços públicos concedidos ou permitidos do “caput” do mesmo artigo. Segundo a lição doutrinara de Kiyoshi Harada, verbis: "preço público é sinônimo de tarifa ou simplesmente preço que, no dizer de Alberto Deodato, "nada mais é do que a contraprestação paga pelos serviços pedidos ao Estado ou pelos bens por ele vendidos e que constitui a sua receita ori ginária."..." (In Direito Financeiro e Tributário, Atlas, 2002, fls. 55). Note-se, desta forma, que o Legislador Constituinte fez expressa menção à imposição de "política tarifária" relativamente aos serviços públicos permitidos ou concedidos, decorrendo que, numa leitura contextual e integradora dos citados dispositivos, restou claramente fixado que os serviços objeto de "políticas tarifárias", como o transporte de passageiro por mototáxi, são exatamente os serviços públicos permitidos ou concedidos do "caput" do artigo 175 da Constituição Federal de 88 e, por consequência, adstritos ao regime de direito público a que se refere a doutrina. 2.4 - DO CARÁTER INTUITO PERSONAE: Conforme ensina a melhor doutrina, os contratos de concessão e permissão, por exigirem a prévia licitação, possuem caráter personalíssimo, ou seja, intuito personae, sendo, portanto, intransferível. Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 19 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS Nessa senda, invocamos o magistério de Celso Antonio Bandeira de Melo (in Curso de Direito Administrativo, 12ª ed., Malheiros, p. 618), em lição lapidar: “Tendo sido visto que a concessão depende de licitação até mesmo por imposição constitucional - e como o que está em causa, ademais, é um serviço público, não se compreenderia que o concessionário pudesse repassá-la a outrem, com ou sem a concordância da Administração. Com efeito, quem venceu o certame foi o concessionário, e não um terceiro - sujeito, este, pois, que, de direito, não se credenciou, ao cabo de disputa aberta com quaisquer interessados, ao exercício da atividade em pauta. Logo, admitir a transferência da concessão seria uma burla ao principio licitatório, enfaticamente consagrado na Lei Magna em tema de concessão, e feriria o princípio da isonomia, igualmente encarecido na Constituição.” Ademais, é sabido que os contratos de permissão são dotados de precariedade, uma vez que a Administração Pública – em havendo interesse público devidamente justificado - pode a qualquer momento desfazer o contrato. Portanto, não há como permitir que o contrato de permissão seja transferido a terceiro, nem mesmo em caso de falecimento do permissionário. Logo, também é inadmissível o seu arrendamento ou qualquer outro meio de transferência, pois isso configuraria flagrante ilegalidade. Com efeito, a transferência não pode ser tolerada, pois ela configura verdadeira transformação do contrato de direito público, firmado entre Poder Público e particular, em contrato privado, deixando o Poder Público à margem da negociação, cujo objeto é o próprio serviço público, violando-se, também, os princípios da impessoalidade e moralidade. Referida prática, outrossim, configura verdadeira burla à licitação, pois transfere indevidamente o serviço público firmado com o permissionário para terceiro particular e estranho ao contrato de permissão, sem a participação da Administração Pública, eliminando dessa forma a possibilidade de concorrência. Oportuno destacar que sobre o tema da ilegalidade de transferência do contrato de permissão pelo permissionário para terceiro particular, a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do ES, que é uníssona, conforme se pode inferir dos julgados abaixo colacionados: Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 20 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS “ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PERMISSÃO PARA EXPLORAÇÃO DE SERVIÇO DE TÁXI. PROCESSO DE LICITAÇÃO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA PREJUDICADA. 1 - A permissão para exploração de serviço de táxi está subordinada à prévia licitação, a teor do art. 175, da CF, ao estipular que "incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos", de sorte que o não cumprimento deste preceito constitucional acabaria por ferir o princípio da legalidade que norteia toda Administração Pública. 2 - Prevendo a Lei nº 3.783⁄92, dentre outros requisitos, a necessidade de seleção em procedimento licitatório para outorga da permissão para exploração de serviço de táxi, mostra-se revestido de legalidade o ato negativo da municipalidade que indeferiu a outorga da referida permissão, vez que a Administração Pública somente poderá realizar suas ações permitidas pela lei. 3 - A discricionariedade não está sob o manto da amplitude ilimitada, uma vez que o agente público deve agir adstrito à regra legal, não sendo permitido sua atuação segundo seus critérios subjetivos e próprios, sob pena de revestir-se o ato de arbitrariedade e ilegalidade. 4 Recurso conhecido e provido. Sentença reformada. Remessa prejudicada.” (TJES - REMESSA NECESSÁRIA Nº 24050078849 - Rel. Des. Arnaldo Santos Souza - DJ 30/11/2007). AGRAVO DE INSTRUMENTO. O SERVIÇO DE TÁXI MUNICIPAL, COMO SERVIÇO PÚBLICO, OBSERVA O REGIME DE PERMISSÃO, QUE SE DÁ, OBRIGATORIAMENTE, ATRAVÉS DE LICITAÇÃO. PERMISSÃO É REALIZADA À TÍTULO PRECÁRIO, PODENDO A ADMINISTRAÇÃO RESCINDIR UNILATERALMENTE O CONTRATO, AINDA QUE TENHA SIDO REALIZADO COM PRAZO CERTO. I. Os serviços de táxi são prestados, singularmente, aos administrados, ou seja, ao público em geral, segundo a sua necessidade, e são regidos pelo regime jurídico de Direito Público, por expressa disposição do artigo 175, da Constituição Federal, que determina que a prestação de serviços públicos está sujeita ao regime de permissão e de concessão. II. O serviço de táxi é um serviço público, e, como tal, está sujeito à permissão, que deve ser realizada mediante procedimento licitatório, motivo pelo qual é impossível se admitir a cessão da permissão de serviço público de táxi sem a prévia licitação, como pretendem os Recorrentes. III. Ainda que os Recorrentes exercessem os serviços de táxi nos termos estritos da Constituição Federal, seria possível à Administração Pública Municipal rescindir os contratos de permisMarcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 21 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS são, já que, de acordo com os artigos 2º, inciso IV e 40 da Lei 8.987⁄1995, o ato que delega a permissão tem natureza precária, inexistindo, nessa hipótese, sequer direito à reparação no caso de rescisão unilateral pelo Poder Público. Tal direito à reparação somente seria possível se, além da existência de licitação prévia, fosse fixado, pela Administração Pública, prazo de vigência do Contrato de Permissão. IV. O fato alegado de que todos os demais taxistas do Município de Guarapari exercem os serviços de taxi de forma inconstitucional (sem procedimento licitatório) não permite aos Recorrentes que também o façam, porquanto uma ilegalidade⁄inconstitucionalidade não pode justificar uma outra. IV. Recurso conhecido e improvido, à unanimidade.” (Ag.In. 021099000826 - Rel. Des. NAMYR CARLOS DE SOUZA FILHO - Data do Julgamento 12/01/2010). “EMENTA: AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - PEDIDO DE LIMINAR - LEI MUNICIPAL - EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS DE TAXI DEPENDE DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO - PRESENÇA DOS REQUISITOS CONCESSÃO DA MEDIDA - SUSPENSÃO DA LEI MUNICIPAL N.º 4.949/10. 1. De acordo com os dispositivos constitucionais a permissão de exploração de serviço de taxi, depende de procedimento licitatório para escolha de seu permissionário, não sendo possível a transmissão através herança, até porque, trata-se de contrato intuitu personae. 2. Nota-se ainda que o perigo da demora poderá acarretar prejuízos futuros à sociedade, haja vista que a licitação busca justamente dar oportunidade a todos os cidadãos, que preencham os requisitos, a oportunidade de obter a permissão para exploração de serviços de táxi. Além disso, a lei concede isenção do pagamento da taxa de transferência aos herdeiros e sucessores, causando prejuízo ao erário. 3. Ante a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora defere-se a liminar pleiteada.” (TJES, Classe: Ação de Inconstitucionalidade, 100120001159, Relator: WILLIAN SILVA, Órgão julgador: Tribunal Pleno, 12/04/2012). 2.5 - PRAZOS DOS ENTES INTEGRANTES DA FEDERAÇÃO PARA A REGULARIZAÇÃO, REVISÃO E ADAPTAR SUAS LEGISLAÇÕES: O legislador federal estipulou prazo para que a União, os Estados, o Distrito Federal, e os Municípios promovessem a revisão e as adaptações necessárias de sua legislação às prescrições ditadas pela Lei 8.987/95, impondo um comando cogente, de âmbito nacional, no sentido da obrigatoriedade de todos os entes integrantes da federação a revisar e adaptar suas legislações. Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 22 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS Assim, os dispositivos das legislações preexistentes que confrontassem com o sistema federal por ela inaugurado perderam vigência, restando ainda vedada a inovação legislativa por parte de todos os entes federados que contrariassem com os preceitos normativos ditados pela lei que regulamentou o artigo 175 da Constituição Federal. Ainda, a Lei Federal nº 8.987/95 também trouxe regramento com fins explicitamente sociais, colocando fim aos contratos de concessão/permissão precárias de serviços públicos, efetivados antes da CR/88, sem licitação. A medida transitória esculpida no § 3º do artigo 42 (com redação dada pela Lei Federal nº 11.445/07) da referida lei teve por fim garantir segurança econômica aos concessionários/permissionários sem afrontar as regras da licitação. Logo, sua aplicação foi medida intermediária entre a vigência das regras atuais de contratação com a Administração e a segurança jurídica daqueles contratos celebrados sob a guarida de leis muito deferentes das atuais e que de certa forma integravam o patrimônio jurídico dos concessionários/permissionários. De conformidade com o art. 42 da Lei nº. 8.987/95, as concessões e permissões legitimamente outorgadas de acordo com a lei vigente à época de seu nascedouro foram validadas e foram respeitados os contratos então vigentes. Assim, as concessões/permissões de serviços públicos outorgadas anteriormente à entrada em vigor da mencionada lei foram consideradas válidas pelo prazo fixado no contrato ou no ato de outorga. De acordo com o mesmo artigo, as concessões/permissões em caráter precário, as que estivessem com prazo vencido e as que estivessem em vigor por prazo indeterminado, mesmo que por força de legislação anterior, inclusive as que não possuíam instrumento que as formalizasse ou que possuísse cláusula que previsse prorrogação, tiveram sua validade prorrogada até o dia 31 de dezembro de 2010. Vale dizer: com o decurso do prazo estipulado pelo legislador, as permissões de serviços públicos outorgadas sem licitação anteriormente à Constituição de 1988, bem como as permissões de serviços públicos outorgadas sem licitação na vigência da Constituição de 1988, tiveram sua validade máxima estendida até o dia 31 de dezembro de 2010 . Logo, a partir de tal data as concessões e permissões em desacordo com o novo regramento se extinguiram, passando a ser ilegais, ou seja, são nulas de Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 23 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS pleno direito, podendo ser revista pela Administração, como não deixa dúvida a Súmula 473 do STF . Portanto, decorridos mais de dezesseis anos da edição da Lei nº 8.987/95 e mais de cinco anos da entrada em vigência da Lei nº 11.445/07, não é razoável que os Municípios, por meio de suas respectivas administrações, não tenham promovido a revisão e as adaptações necessárias de sua legislação regente da outorga de permissões do serviço de mototáxi local, bem como tenham deixado de proceder a prática de atos necessários à realização de certame licitatório para a outorga de permissões de exploração de serviço de táxi e a decorrente regularização da prestação deste serviço no âmbito do município. A omissão dos administradores em tal matéria configura patente afronta ao princípio da legalidade, podendo acarretar responsabilização por parte do agente público responsável. Com efeito, o artigo 42, da Lei nº 8987/95, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.445/07, configura verdadeiro comando, que impôs ao Administrador Municipal o dever jurídico de promover, de ofício, os atos necessários à realização do certame licitatório para a outorga de novas permissões do serviço de mototáxi, uma vez, como demonstrado, as permissões de serviços públicos outorgadas anteriormente à Constituição de 1988, bem como as permissões de serviços públicos outorgadas sem licitação na vigência da Constituição de 1988, foram extintas, pelo advento de seu termo, em data de 31 de dezembro de 2010. Deflui do art. 175 da CF/88 que não há espaço para a prorrogação da permissão do serviço de transporte para a exploração de mototáxi sem o prévio procedimento licitatório. Pensar em sentido contrário, ou seja, permitir a convalidação de tais permissões sem observância das formalidades exigidas, configura patente afronta aos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência. Ademais, a exigência de regular licitação está em consonância com a finalidade constitucional conferida ao regime da licitação pública, que visa propiciar igualdade de condições e oportunidades para todos os que querem contratar obras e serviços com a Administração, além de atuar como fator de transparência e moralidade dos negócios públicos. 2.6 – DA AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À EXPLORAÇÃO DOS SERVIÇOS DE MOTOTÁXI: Por constituir-se em ato precário, negocial, unilateral e discricionário, é permitido à Administração Pública, unilateralmente, modifiMarcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 24 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS car ou revogar, a qualquer tempo, a delegação para a exploração dos serviços de transporte individual de passageiro, por meio de mototáxi, não advindo, daí, direito adquirido ao delegatário. Nesse sentido, colhe-se recente julgado: “PERMISSÃO PRECÁRIA. SERVIÇO DE MOTO-TÁXI. INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO. A permissão de serviço público é ato precário passível de revogação unilateral a qualquer momento, precedido de processo administrativo. O permissionário, não tem direito a ser indenizado pela extinção antecipada, porque desempenha a delegação por sua conta e risco. Inteligência dos artigos 2º, V e 40 da Lei 8987/95. O fato de a revogação ter como causa a declaração de inconstitucionalidade da lei que criou o serviço não altera o quadro normativo aplicável. Caso em que ademais, não há prova de dano ressarcível. EXERCÍCIO DEFICIENTE DE FISCALIZAÇÃO DO SERVIÇO PRESTADO POR MOTOS NÃO PERMISSIONÁRIAS. INDENIZAÇÃO POR ALEGADO PREJUÍZO EM RAZÃO DE CONCORRÊNCIA DESLEAL. DESCABIMENTO. Falha na fiscalização de motoristas que prestavam o mesmo serviço sem serem permissionários determina direito ao usuário e não dever indenizatório ao permissionário. APELO DO MUNICÍPIO PROVIDO, PREJUDICADO O APELO DA PARTE AUTORA. UNÂNIME (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul- AC: 70055440127 RS , Relator Des. Denise Oliveira Cezar, 22ª Câmara Cível, Publicado no Diário da Justiça 20/11/2013). No mesmo sentido, versa a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “ADMINISTRATIVO — RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA — LICITAÇÃO — PERMISSÃO DE TÁXI — AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO — INEXISTÊNCIA. 1. Inexiste o alegado direito líquido e certo; porquanto, não comporta dúvida alguma sobre a necessidade de licitação para permissão da atividade de prestação de transporte por taxímetro. 2. A atividade de prestação de transporte por taxímetro é um serviço público e, como tal, necessita, para ser delegado ao particular, licitação, nos moldes previstos na Lei n. 8.987/1995. (...).” (Superior Tribunal de Justiça, Revisão Mandado de SeguMarcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 25 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS rança nº 19.132/DF, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, Publicação no DJ 15.5.2006, p. 158) Mais a mais, a par de que as delegações aqui questionada estão fincadas em lei municipal flagrantemente inconstitucional, com maior razão não há se falar em direito adquirido, chegando-se à conclusão de que os atuais detentores de delegações para a exploração do transporte de passageiros em mototáxi em Barra do Garças, os quais não se submeteram a procedimento licitatório, não têm direito adquirido a permanecerem nas vagas e nem lhes são devidas quaisquer indenizações em razão de revogação da permissão. Isso porque, além da delegação para a prestação de serviços públicos na espécie ser uma forma precária, unilateral e personalíssima de delegação, estas foram levadas a efeito com base em lei inconstitucional. 2.7 - DA NULIDADE DAS DELEGAÇÕES: Conforme exaustivamente exposto, nenhuma das atuais delegações para exploração do serviço público de mototáxi de Barra do Garças foi precedida de processo licitatório, ao contrário, foram concedidas ao arrepio da Carta Maior e suas regulamentações. Mesmo em sendo concedidas as delegações dentro dos ditames da legislação pátria, não haveria para o permissionário qualquer direito adquirido em face da precariedade do título a ele conferido e da discricionariedade da Administração Pública. É que nos atos discricionários, ao contrário dos atos vinculados, a Administração Pública deve analisar a conveniência e a oportunidade na manutenção da permissão outrora concedida, podendo concluir por revogá-la. Essa não é a situação do ato eivado de vícios de legalidade. O ato praticado ao arrepio da lei deve ser anulado, não gerando qualquer direito adquirido à parte beneficiada quando tratar-se de delegação de títulos precários para exploração de determinada atividade ou espaço. Esse é o caso das delegações de exploração do serviço público de mototáxi no Município de Barra do Garças. Nenhuma delegação foi precedida de licitação e, portanto, devem ser anuladas para nova seleção de permissionários, vencedores do certame licitatório, em obediência à Constituição Federal e as competentes regulamentações. Tal atitude fere os princípios da Administração Pública da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, de modo que é completamente ilegal, beneficiar os atuais permissionáriMarcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 26 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS os, fere o conceito de moralidade administrativa, não oferece oportunidade a delegatários que, em tese, poderiam prestar um melhor serviço não ofertando também aos usuários e o serviço de maior qualidade. 3 – CONCLUSÃO: Ante o exposto, considerando: a) a inconstitucionalidade do art. 2º, caput, e seus §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º, da Lei Municipal nº 2.310/2001; b) que ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, sendo que para tanto é seu dever constitucional o combate às leis e atos normativos inconstitucionais, consoante se extrai do art. 129, IV, da Constituição da República/88; c) a possibilidade da autocontrole da constitucionalidade pelo próprio Poder idealizador da norma, na sua condição de canal legítimo para a adequação do sistema infraconstitucional aos ditames constitucionais; que a recomendação é um dos mais úteis instrumentos de atuação do Ministério Público, nos termos do art. 27, I, parágrafo único, e IV da Lei Federal n.º 8.625/93; d) O Ministério Público expede a presente RECOMENDAÇÃO, nos termos abaixo fixados, objetivando: a) a adoção das medidas tendentes à adequada normatização da permissão para a prestação de serviços públicos de mototáxi, respeitando-se os ditames constitucionais e a competência concorrente, observando-se, nessa linha, a Constituição Federal, as normas gerais editadas pela União (Lei Federal nºs 8.666/93 e 8.987/95), a Constituição do Estado de Mato Grosso na parte que trata da matéria, visto que os atos administrativos atuais não têm amparo legal e constitucional, pois fundados em lei inconstitucional, podendo dar ensejo ao ajuizamento de Ação Direita de Inconstitucionalidade de lei municipal perante a Constituição Estadual e de Ação Civil Pública visando questionar autorizações de serviços de mototáxi atualmente em vigor, com pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade da lei municipal aqui vastamente questionada; b) seja revogada ou derrogada a Lei nº 2.310/2001, especialmente revogando-se os §§ 2º a 9º, e caput, ambos do art. 2º, com as alterações dadas pelas Leis Municipais nºs. 2.457/2002 e 2.693/2005; Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 27 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS c) sejam vedadas, por lei, quaisquer formas de “aluguel” ou “transferência” de delegação pelos próprios mototaxistas ou qualquer entidade que os represente, salvo por permissão do Poder Público, mediante prévio procedimento licitatório, que garanta ampla concorrência; d) seja contemplado pela legislação local dispositivo prescrevendo que a delegação do serviço de mototaxista se dará em caráter personalíssimo, e que somente poderá ser prestado se houver prévia delegação do serviço, mediante ato do poder público, precedido de procedimento licitatório, sob a forma de permissão, garantida a isonomia entre os eventuais interessados na prestação dos serviços; e) que, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias após o recebimento desta, seja finalizado o procedimento licitatório para escolha das pessoas prestadoras de serviços de mototáxi no âmbito do Município, dando ampla divulgação ao procedimento; f) que, em relação aos profissionais mototaxistas que estejam atualmente prestando serviços e operando de acordo com as normas previstas na Lei Federal nº 12.009/2009 e Resoluções do Contran sob os nºs 350/2010 e 410/2012, que seja autorizada provisoriamente a continuidade da prestação dos serviços, mediante recadastramento, até realização de licitação e chamamento dos habilitados, cuja licitação deverá ser iniciada e finalizada no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias do recebimento da presente recomendação, da qual poderão participar todos os interessados que satisfaçam os requisitos previstos na legislação de regência. Na ocasião, também nos termos do disposto no inciso IV do parágrafo único do artigo 27 da Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, requisita-se: – se abstenha o Município de Barra do Garças de deferir novas delegações levadas a efeito com base na legislação local atualmente em vigor, sob pena de responsabilização pessoal do gestor por ato de improbidade administrativa; – preste informações por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, contados a partir do recebimento desta, sobre o posicionamento jurídico do Poder Público Municipal acerca da presente, sendo que, expirado o referido prazo, sem resposta, será entendido que não houve o acolhimento do quanto recomendado, o que ensejará na adoção das providências jurídicas cabíveis na espécie. Barra do Garças, 18 de março de 2014. Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 28 MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO 2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS MARCOS BRANT GAMBIER COSTA PROMOTOR DE JUSTIÇA Marcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 29