ministério público do estado de mato grosso 2ª promotoria de justiça

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
2ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE BARRA DO GARÇAS
INQUÉRITO CIVIL Nº 002/2014
SIMP: 001265-004/2014
NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA Nº 001/2014
Lei Municipal. Contrariedade aos Dispositivos
Constitucionais. Permissão de serviço público. Mototáxi. Falta de licitação. Transferência. Impossibilidade. Inconstitucionalidade.
Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal,
1 – PREÂMBULO:
O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, pelo
Promotor de Justiça subscritor, no exercício das atribuições previstas nos artigos 127, 129, incs. II, III, IV e VI, da Constituição Federal, artigo 27 e 80 da
Lei nº 8.625/93 c/c art. 6º, inc. XX, da LC nº 75/93 e 61, inc. X, da LCE/MT nº
416/2010, após analisar os dispositivos da Lei Municipal nº 2.310/2001
(com as alterações dadas pelas Leis Municipais nºs 2.326/2001, 2.351/2001,
2.457/2002 e 2.693/2005), que trata do serviço de mototáxi no Município de
Barra do Garças, chegou a conclusão de que o artigo 2º e seus parágrafos, da
Lei 2.310/2001, atualmente vigentes, estão em contrariedade com o ordenamento jurídico pátrio, especialmente com o art. 37, caput, e 175, ambos da
Constituição Federal, Lei Federal nº 8.987/95, este última que dispõe sobre o
regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, bem
como art. 131, da Constituição do Estado de Mato Grosso, inclusive, conforme
amplamente explanado na Portaria de Instauração do Inquérito Civil nº
002/2014 e nos tópicos abaixo.
Assim, antes do Ministério Público tomar qualquer outra medida, v.g., remessa de cópia dos autos à Procuradoria Geral de Justiça
para as medidas pertinentes visando a declaração de inconstitucionalidade
da Lei Municipal nº 2.310/2001, e/ou propositura de Ação Civil Pública com
arguição incidental de inconstitucionalidade, objetivando seja declarada judicialmente a nulidade das delegações emitidas na espécie, cumulada com obrigação de fazer e não fazer, imposta ao Município de Barra do Garças, resolve
expedir a presente RECOMENDAÇÃO, objetivando, com isso, que o próprio
Poder idealizador da norma impugnada dê solução ao caso, exercendo seu
poder de autocontrole da constitucionalidade e dos atos administrativos,
tudo nos termos a seguir:
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2 – FUNDAMENTOS:
2.1
- DO TEXTO LEGAL QUESTIONADO:
Lei Municipal nº 2.310 de 06 de junho de 2.001.
“Art. 2º - O Número de moto-taxistas não ultrapassará
a 300 (trezentas) unidades, cujos nomes dos interessados serão cadastrados no Sindicato da classe e encaminhados à Prefeitura Municipal, na Seção competente,
para deliberação, facultando ao Poder Executivo a prerrogativa de credenciá-lo ou não, de acordo aos documentos e informações necessárias para a prática do serviço.
§ 1º - (Revogado pela Lei 2.326/2001);
§ 2º – A exploração do serviço de moto-táxi será feita
por iniciativa direta e pessoal do interessado observando que, ao ser preterido, como trata o art. 2º, deverá
ainda preencher requerimento dirigido ao Secretário
Municipal de Finanças, com informações da seção competente e histórico do interessado, que por sua vez deliberará sobre o pedido, anulando ou deferindo. Será expedido Alvará de Licença Mensal, após o recolhimento
da taxa de R$ 17,00 (dezessete reais) ao erário público
municipal, através da Secretaria Municipal de Finanças,
ficando isento do pagamento do Imposto Sobre Serviços
de Qualquer Natureza – ISSQN; (Redação dada pela Lei
2.457/2002).
§ 3º – Será permitida a transferência com um valor mínimo de R$ 3.000,00 (três mil reais), dos quais o vendedor ao efetivar a venda deverá recolher aos cofres públicos, a taxa de 3% (três por cento) do valor da venda da
vaga; (Redação dada pela Lei 2.457/2002).
§ 4º – As vagas dos moto-taxistas poderá ser alugadas a
qualquer época, em caso de acidente ou doença do titular, desde que seja comprovada a incapacidade para o
trabalho, sem a necessidade da Secretaria de Finanças
ter que que deferir ou indeferir, ficando tal incumbência
ao Sindicato da classe, obedecendo ao seu Regimento Interno e seus Estatutos; (Redação dada pela Lei
2.457/2002).
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§ 5º – Cada ano trabalhado, dará direito ao moto-taxista, de 30 (trinta) dias de descanso, período este que será
a critério do beneficiado, cumulável em no máximo 02
(dois) períodos, podendo ele alugar a vaga por todo o
período; .
§ 6º – Os condutores poderão alugar a vaga, por 30
(trinta) dias a cada ano, após requerimento à Secretaria
de Finanças, para descanso ou assuntos particulares, independentemente de ter ou não ocorrido aluguel por
motivo expresso no parágrafo 5º deste mesmo artigo,
cabendo-lhe o recolhimento normal dos impostos;
§ 7º – Em caso de falecimento, o Sindicato indicará outro profissional para ocupar a vaga deixada, com a
apresentação de documentos comprobatórios, sem a necessidade de recolhimento de taxa; (Redação dada pela
Lei 2.457/2002).
§ 8º – Das 300 (trezentas) unidades estabelecidas neste
artigo, o Poder Executivo Municipal poderá credenciar a
até 20 (vinte) motos na modalidade “Carretinha”, cuja
indicação do credenciamento será feita única e exclusivamente pelo Sindicato da categoria, podendo inclusive
o Sindicato destituir e transferir a qualquer outro mototaxista por simples requerimento; (Redação dada pela
Lei 2.457/2002).
§ 9º – O Requerimento que trata o parágrafo 1º deste
artigo, será subscrito pelo interessado que irá ocupar a
vaga, dispensando a obrigatoriedade de ser proprietário
do veículo, porém, com documento hábil expedido pelo
órgão competente, mais Título Eleitoral, expedido pela
Comarca de Barra do Garças, quites com a Justiça Eleitoral, ou documento provisório comprobatório de transferência/certidão do Cartório no período eleitoral, e
Atestado de Antecedentes Criminais. (...)”
Como se infere da transcrição dos dispositivos legais
questionados, é evidente, na espécie, que o art. 2º, caput, e seus §§ 2º, 3º, 4º,
5º, 6º, 7º, 8º e 9º, todos da Lei Municipal nº 2.310/2001, padecem do vício de
inconstitucionalidade, posto que contrários aos arts. 37, “caput” e 175 da
Constituição Federal e arts. 125, “caput” e 131 da Constituição do Estado de
Mato Grosso, além de contrariarem, no nível da legislação nacional, a Lei Federal nº 8.987/95, como se demonstrará na sequência.
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– DA INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL. PERMISSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. MOTOTÁXI. LICITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL:
2.2
A Constituição Federal prescreve, em seu art. 175, que
incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços
públicos, cuja norma paramétrica, no âmbito do ordenamento jurídico estadual mato-grossense, está inserta no art. 131 da Constituição Estadual, cujo
dispositivo é invocado na espécie.
Com efeito, como se verá, a Constituição Estadual de
Mato Grosso veicula prescrição normativa impregnada de parametricidade,
cujo teor permite qualificá-la como paradigma de confronto para fins de
instauração, perante o Egrégio TJMT, do concernente processo objetivo de
fiscalização concentrada de constitucionalidade, tal como o autoriza o § 2º do
art. 125 da Constituição da República.
A Constituição Estadual de Mato Grosso prescreve a
necessidade de licitação para delegação de serviços públicos, como segue:
“Art. 131. A autorização, permissão ou concessão para a
prestação de serviços públicos, sempre mediante licitação, será regulada por lei, que disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias de serviços
públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua
prorrogação e as condições de caducidade, fiscalização,
rescisão e reversão de concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - tarifas que permitam cobrir o custo, a depreciação
dos equipamentos e os investimentos na melhoria e a expansão dos serviços;
IV - a obrigatoriedade de manter o serviço adequado;
V - a reversão dos bens vinculados ao serviço público objeto de concessão ou permissão.
§ 1º Os contratos de concessão e permissão de serviços
públicos serão firmados por prazo determinado.
§ 2º A cassação de concessão e permissão de serviço público inabilitará, em qualquer hipótese, a participação
do concessionário ou permissionário em nova concorrência pública para serviços da mesma natureza.”
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Cumpre destacar que o serviço de transporte remunerado de passageiros em veículo de aluguel, ou, simplesmente, serviço de “mototáxi”, tal como expressamente previsto na Lei Federal nº 12.009/2009,
constitui serviço de interesse público, prestado por delegados da Administração Pública, para satisfazer necessidade da coletividade, regidos pelas normas estatais e controlados pelo Poder Público.
Nesse comenos, compete ao Município organizar e
prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços
públicos de interesse público e/ou coletivo local, decorrendo que a delegação
na espécie está condicionada a prévio procedimento licitatório, conforme
prevê o art. 175 da Constituição da República, ao qual, por lógica jurídica e
por força do contido no art. 131 da Constituição Estadual de Mato Grosso,
está o Município submetido.
Ocorre que, no caso em debate, a Lei Municipal nº
2.310/2001 não faz previsão de licitação para a delegação do serviço de
transporte de passageiro, possibilitando, ademais, a “transferência” a
terceiros da delegação, por ato causa mortis, a critério de entidade sindical representativa da categoria dos profissionais mototaxistas, bem
como sua “transmissão”, por ato inter vivos, a título oneroso, assim
como o “aluguel” da delegação, por motivo de doença, acidente, férias
ou licença do titular para tratar de assuntos particulares, mostrando-se,
pois, neste aspecto, inconstitucional.
A Lei Municipal nº 2.310/2001, por ter sido criada sob
a égide da nova ordem constitucional inaugurada pela Carta de 1988, a ela se
submete, cujo conteúdo normativo de nível municipal, se contrariar o texto
constitucional, padecerá de vício de inconstitucionalidade.
In casu, conforme se verifica, a lei questionada viola princípios constitucionais que regem a atividade da Administração
Pública, previstos no art. 37, “caput”, da Constituição Federal e, de maneira mais particularmente explícita, no que se refere à exigência de licitação para a contratação de serviço de interesse público, o disposto no
art. 174 da mesma Carta Magna, cujos dispositivos encontram correspondência paramétrica na norma de referência no nível estadual, respectivamente, nos arts. 129, “caput” e 131 da Constituição do Estado de
Mato Grosso.
É que o art. 2º, §§ 2º a 9º, da mencionada Lei, ao possibilitar a outorgar, a transferência (por ato inter vivos e causa mortis) e o aluguel da delegação para prestação de serviço público de transporte remunerado de passageiro, sem prévio procedimento licitatório, fere de morte o quanto previsto no art. 175 da Constituição Federal.
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De fato, não há na Lei Municipal questionada menção à
realização de processo licitatório, nem tampouco há referência aos critérios
isonômicos de seleção dos candidatos à delegação da vaga, acabando por institui-se na espécie, por conseguinte, a prática de esquemas e ilegalidades,
rendendo ensanchas, por exemplo, à negociatas entre os detentores das delegações e particulares interessados na exploração do serviço, sem que, contudo, tais práticas estejam resguardadas pelo interesse público.
Em verdade, a compra e venda particular da outorga
afasta a indispensável realização de licitação, acabando com a possibilidade
de concorrência em condições de igualdade entre os postulantes à prestação
do serviço público. Nestes moldes, além de vulnerar o princípio da impessoalidade, manifestação do princípio da isonomia, ao qual a Administração Pública deve tributar obediência, a ausência de licitação impossibilita o controle
dos atos administrativos a cargo do Poder Público, a ferir o princípio republicano.
Não há, portanto, como permitir que a norma mencionada afaste a indispensabilidade de licitação e abra espaço para a negociação
particular da delegação para exploração do serviço de transporte individual
de passageiros.
Em verdade, prevê a legislação municipal de regência o
cadastramento dos interessados pelo Sindicato da classe e encaminhamento
à Prefeitura Municipal, para deliberação, facultando ao Poder Executivo Municipal a prerrogativa de credenciar ou não o interessado cadastrado para a
prestação do serviço, permitindo, ainda, o aluguel e alienação da delegação,
por conveniência do Sindicato da categoria, independente de nova avaliação
do Poder Executivo, cujo ato é realizado por conta e risco da aludida entidade
de classe, desvinculado de qualquer fiscalização ou acompanhamento pela
Administração Pública.
O mesmo ocorre em relação à previsão de que, em caso
de falecimento do mototaxista, a exploração do serviço de transporte de passageiros se dará por deliberação do Sindicado da categoria, ao qual se incumbe a tarefa de transferir a vaga do delegatário falecido. A mesma forma de
proceder se identifica na escolha dos interessados, mototaxistas, que deverão
prestar os serviços com “carretinha”, na modalidade “moto-frete” ou “motocarga”.
Com efeito, na espécie, é necessária a prévia licitação
para que o Poder Público delegue a permissão do serviço de transporte de
passageiros por mototáxi, não se mostrando legítimo possa o Poder Público
atribuir a um Sindicato, no caso, o Sindicato dos Mototaxistas de Barra do
Garças, a responsabilidade pela indicação e escolha daqueles que deverão
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prestar o serviço público de transporte, menos ainda por não submeterem-se
os prestadores credenciados a um processo seletivo realizado segundo o critério de impessoalidade, com foco, ainda, na eficiência e segurança dos serviços prestados à população.
A propósito, diversos doutrinadores afirmam que a delegação do serviço de transporte por meio de táxi, aqui aplicável em tudo aos
serviços por meio de mototáxi, pressupõe a realização de licitação desde a
Constituição Federal de 1988, senão vejamos:
“1. O serviço de táxi é serviço público delegado pelo
município, geralmente sob a modalidade de permissão, com as características de discricionariedade e
precariedade, podendo o ente estatal modificar os
seus termos, bem como cassá-la a qualquer tempo,
desde que respeitado o interesse público, evitandose abuso de poder e desvio de finalidade; 2. a delegação de serviço de táxi tem que ser precedida de prévia licitação, sendo ato intuitu personae, não admitindo transferência por atos onerosos ou gratuitos,
inter vivos ou causa mortis, entre particulares, nem
substituições na sua execução” (Jorge Romcy - Permissão de táxi – sistematização jurídica e questões práticas. In Revista Informativa - MPRO, n. 22, pp. 30-35,
jan./fev. 2009)
No mesmo sentido é a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que em diversos julgados tem se pronunciado no
sentido da obrigatoriedade da licitação:
“A delegação de serviço público de transporte por
meio do táxi pressupõe a realização de licitação desde a Constituição da República de 1988, em razão de
sempre haver limitação do número de delegatários e o
manifesto interesse na exploração daquela atividade pelos particulares, seja pela via da permissão, seja pela via
da autorização.” (1ª T., AgRg. no Resp. 1.115.508/MG,
Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 07/04/2011).
“A atividade de prestação de transporte por taxímetro é um serviço público e, como tal, necessita,
para ser delegado ao particular, licitação, nos moldes previstos na Lei n. 8.987/95.” (2ª T., RMS
19.091/DF, Rel. Min. Humberto Martins, DJ
17/10/2007, p. 268).
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Sendo de natureza pública e de interesse social, o serviço de mototáxi está condicionado ao regramento próprio das concessões e
permissões, e, nesta esteira, entre nós, em Mato Grosso, é disciplinado pelo
art. 131, da Constituição do Estado, bem como pelo art. 175, da Constituição
Federal de 1988 e pela Lei Federal nº 8.987/95.
O artigo 131 da Constituição do Estado de Mato Grosso,
determina que a autorização, permissão ou concessão para a prestação de
serviços públicos, sempre mediante licitação, será regulada por lei, que disporá sobre:
“I - o regime das empresas concessionárias de serviços
públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua
prorrogação e as condições de caducidade, fiscalização,
rescisão e reversão de concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - tarifas que permitam cobrir o custo, a depreciação
dos equipamentos e os investimentos na melhoria e a expansão dos serviços;
IV - a obrigatoriedade de manter o serviço adequado;
V - a reversão dos bens vinculados ao serviço público objeto de concessão ou permissão.
§ 1º Os contratos de concessão e permissão de serviços
públicos serão firmados por prazo determinado.
§ 2º A cassação de concessão e permissão de serviço público inabilitará, em qualquer hipótese, a participação
do concessionário ou permissionário em nova concorrência pública para serviços da mesma natureza.”
Já o art. 175 da Constituição Federal de 1988, reza que
incumbe ao Poder Público a prestação dos serviços públicos, podendo fazê-lo
diretamente ou mediante concessão ou permissão, devendo a lei dispor sobre as particularidades do contrato e seu regime de execução, verbis:
“Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu
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contrato e de sua prorrogação, bem como as condições
de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou
permissão.”
A Lei Federal nº 8.987/95 é a norma geral, de caráter
nacional, que regulamenta o citado dispositivo constitucional, prevendo a
permissão de serviço público e em seu art. 2º, inc. IV, conceituando o instituto da permissão como:
“Art. 2º. Para os fins do disposto nesta lei, considera-se:
I – (...);
(...)
IV – permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de
serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade
para seu desempenho, por sua conta e risco.”
E, em seu art. 40, a Lei Federal em comento disciplina
as permissões de serviço público, aplicando a elas todas as regras atinentes
às concessões de serviço público, vejamos:
“Art. 40. A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital
de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente.
Parágrafo único. Aplica-se às permissões o disposto
nesta lei.”
Percebe-se pelos artigos citados que a exigência de licitação quando da permissão de serviço público é imperativa, taxativa, tratando-se de uma imposição consentânea com toda a ordem constitucional vigente, que determina à Administração Pública a observância e o compromisso
com os princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e
eficiência.
Assim, a observância do procedimento licitatório,
quando das concessões e permissões de serviço público, é o único meio adequado para garantir a efetiva proteção do interesse público, salvo as exceções
legais previstas em lei.
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No caso da permissão de serviço de transporte de passageiros por mototáxi, é também, por óbvio, obrigatória a realização de licitação, não havendo exceções à regra a não ser aquelas próprias descritas na Lei
Federal nº 8.666/93, ou seja, se se estiver diante de alguma das hipóteses de
dispensa ou inexigibilidade de licitação.
Por outro lado, se o art. 175 da CF/88 e a Lei Federal nº
8.987/95 determinam a realização de licitação para prestação de serviços
públicos, o art. 37 da Constituição Federal impõe o dever de observância pela
Administração Pública ao princípio da Legalidade, in verbis:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.
Na mesma esteira, a Lei Geral das Concessões e Permissões, já citada alhures, prevê que:
“Art. 14. Toda concessão de serviço público, precedida
ou não da execução de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com observância dos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório”.
A par da legislação de regência, a jurisprudência entende ser o serviço de transporte de passageiro analisado na espécie um serviço
outorgado ao particular pela Administração Pública, através de contrato de
permissão de serviço público, tornando o procedimento licitatório imprescindível, a vista do disposto no art. 175 da CF/88 e na Lei Federal nº 8.987/95.
Nesse comenos, a 2ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça entendeu pela exigibilidade de licitação quando da permissão para
serviço de táxi, aplicável também aos serviços de mototáxi, dada a identidade
de situação jurídica a reger tais modalidades de transporte, vejamos:
“Administrativo – Mandado de Segurança – Licitação –
Permissão - Táxi – Ausência – Direito Líquido e Certo –
Inexistência. 1. Inexiste o alegado direito líquido e
certo, porquanto não comporta dúvida alguma sobre a necessidade de licitação para permissão da atividade de prestação de transporte por taxímetro. 2.
A atividade de prestação de transporte por taxímeMarcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 10
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tro é um serviço público e, como tal, necessita, para
ser delegado ao particular, licitação, nos moldes
previstos na Lei n. 8.987/95. 3. In casu, não se pode
delegar diretamente, sem licitação, a atividade de
exploração de transporte por taxímetro sem licitação ao particular, como fez in casu, sendo nula a transferência assim realizada. 4. Como bem pontuou o parecer do MPF: Com efeito, consoante o art. 175 da
Constituição Federal/88, ‘incumbe ao Poder Público,
na forma da lei, diretamente ou sob o regime de
concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços público’. Na mesma esteira, a Lei de Regência das Concessões e Permissões
(Lei nº 8.987/95) também impõe a realização de licitação para a ocorrência de permissão. Ora, a redação do art.175 da CF/88 não abre espaço para a almejada permissão do serviço de transporte para a
exploração de táxi sem o prévio procedimento licitatório; ao contrário, a convalidação de tais permissões sem observância das formalidades exigidas,
pela Administração Pública (...) vem justamente de
encontro à finalidade constitucional conferida ao
regime da licitação pública, que visa propiciar
igualdade de condições e oportunidades para todos
os que querem contratar obras e serviços com a Administração, além de atuar como fator de transparência e moralidade dos negócios públicos” (RMS
19091/DF – Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 2004/0143957-0 – Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 17/10/2007).
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais também possui jurisprudência no mesmo sentido:
“Permissão para Serviços de Táxi – Licitação – Necessidade. O Município, que detém competência para emitir permissão para o exercício dos serviços de táxi,
deve promover, previamente, a necessária licitação”
(Agravo de Instrumento nº 1.0713.04.033010-0 – Rel.
Des. José Domingues Ferreira Esteves – DJ de
29/10/2004).
“Permissão de Serviço Público – Táxi – Necessidade
de Processo Licitatório. A submissão a processo licitatório é imprescindível à concessão de permissão,
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na forma do art. 175 da CF/88, art. 2º da Lei
8.666/93 e art.2º, IV, da Lei 8.987/95. Por constituirse em ato precário, negocial, unilateral e discricionário,
é permitido à Administração, unilateralmente, modificálo ou revogá-lo. Recurso improvido. Sentença Mantida”
(Recurso de Apelação nº1.0024.03.985981-4/001 –
Relator Desemb. Cláudio Costa – DJ de 17/05/2005).
“Ação Civil Pública – Serviço Municipal de Táxi – Procedimento Licitatório - Imprescindibilidade- Sentença Mantida – Recursos Prejudicados. A partir de 1988, a
Carta da República sujeitou a permissão e a concessão,
no caput do art. 175, à seleção prévia dos interessados,
mediante processo licitatório, determinação esta ratificada pela Lei nº 8987/95.” (Recurso de Apelação nº
1.0713.04.033008-4/002 – Rel. Des. Fernando Bráulio DJ de 14/11/2007).
“Táxi – Permissionário – Transferência para Terceiro –
Necessidade de Anuência do Poder Público e Prévia Licitação – Direito Líquido e Certo não Demonstrado Denegação da Segurança – Manutenção – Inteligência do Art.
175 da Constituição Federal. A fim de não se permitir
a transferência de permissão para exploração de
serviço de táxi, mister se faz necessária a anuência
do Poder Público, com prévia licitação, acarretando,
em consequência, a ausência do direito líquido e certo a amparar a pretensão do Impetrante” (Mandado
de Segurança nº 1.0079.05.185395-4/001 – Rel. Des.
Dorival Guimarães Pereira – DJ de 16/12/2005).
“Alvará Judicial. Serviço Público. Transferência de Permissão de Táxi. Caráter Personalíssimo e Intransferível.
Lei Federal 8.987/95. Licitação. Necessidade. Recurso a que se Nega Provimento. 1. A licitação é condição
imprescindível para conferir direito à permissão,
sendo impossível se admitir a cessão da permissão
de serviço público (táxi) sem o prévio procedimento
licitatório, uma vez que esse procedimento violaria
não só o princípio que assegura igual oportunidade
aos que desejam contratar com o Poder Público, assim como a finalidade da seleção. 3. Nega-se provimento
ao
recurso.”
(Apelação
Cível
nº
1.0024.00.117507-4/001 –Rel. Des. Célio César Paduani –DJ de 03/04/2008).
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Nesse compasso, no ano de 2013, o Tribunal de Justiça
de Santa Catarina, em sede de controle abstrado, reconheceu a inconstitucionalidade de Lei Municipal que também delegava serviços de táxi sem licitação, como segue:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. LEI MUNICIPAL QUE PERMITE A EXPLORAÇÃO DO SERVIÇO DE TÁXI SEM O
DEVIDO PROCESSO LICITATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE.
VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA IMPESSOALIDADE E
MORALIDADE. EXEGESE DAS DISPOSIÇÕES DOS ARTS.
175 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 137, § 1º, DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. PEDIDO
PROCEDENTE. Afronta a exigência constitucional de
prévia licitação a lei que permite a manutenção e
prorrogação de autorizações e permissões para exploração do serviço de táxi sem que se realize o devido certame licitatório.” (TJSC, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2010.025686-6, da Capital, Relator Des. Fernando Carioni).
Nesse mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, em sede de controle de constitucionalidade de
Lei Municipal:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI QUE
DISPÕE SOBRE A CONCESSÃO DO SERVIÇO DE TÁXI.
MUNICÍPIO DE SÃO LEOPOLDO. Tanto a Constituição
Federal, como a Constituição Estadual exigem prévia licitação para a outorga de serviço público ao particular.
O serviço de transporte de passageiros em veículos de
aluguel, táxi, é serviço público, sujeito ao princípio da
prévia licitação. Precedente do STJ. Viola o princípio da
legalidade e da moralidade, normas da lei municipal que autorizam a outorga do serviço de táxi,
transferência e sucessão por morte, sem o prévio
procedimento licitatório (art. 175 da CF e 163 CE).
Precedentes do STF e deste Tribunal. Ação Julgada Procedente. Unânime. (TJ/RS; ÓRGÃO ESPECIAL; ADI nº
70053834925 (nº CNJ: 0108119-94.2013.8.21.7000);
Comarca de Porto Alegre; Proponente: Procuradoria
Geral de Justiça; Requeridos: Prefeito Municipal de São
Leopoldo e Câmara Municipal dos Vereadores de São
Leopoldo).
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É o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“Tanto a Constituição Federal quanto à lei de concessões e permissões exigem a licitação como condição para a concessão e permissão do serviço de
táxi” (AgRg no RMS n. 16.279-0 – RJ, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, DJ 09/12/2003).”
In casu, vê-se que as normas objurgadas se afastam do
direcionamento constitucional de regência, no momento em que prescindem
do processo licitatório para a delegação de serviços de mototáxi, malferindo
o princípio da obrigatoriedade da licitação, bem como os princípios da constitucionais da legalidade, moralidade e impessoalidade.
No âmbito do direito público, se uma atividade configura serviço público, como na espécie, qual seja, transporte urbano de passageiros, está ela retirada do âmbito da livre disponibilidade dos particulares,
sendo regrada, então, pelo Poder Público, de modo que os particulares não
podem prestá-la sem a observância da lei.
A propósito, na espécie, nem se cogite da possibilidade
de o permissionário substabelecer para terceiro os serviços de transporte
de passageiro sem a prévia anuência do Poder Público e necessário certame
licitatório, conforme se depreende da legislação federal.
Dispõe o art. 26 da Lei 8.987/1995, verbis:
“Art. 26. É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente
autorizada pelo poder concedente.
§ 1º - A outorga de subconcessão será sempre precedida
de concorrência.
§ 2º - O subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e obrigações da subconcedente dentro dos limites da
subconcessão.”
Mister se faz aduzir que o § 1º do art. 26 da referida lei federal atende ao mandamento constitucional previsto no art.
175 da Constituição Federal.
Caso ocorra subconcessão sem licitação, como no caso
de “aluguel” da vaga de mototaxista, estariam sendo burlados princípios básicos do certame licitatório, além da ofensa ao dispositivo constitucional exMarcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 14
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presso (art. 175), evitando-se, com a licitação, a perpetuação de contratos e
contratados, ou seja, as chamadas delegações hereditárias.
Ao analisar o teor das normas impugnadas, verifica-se,
sem padecimento de dúvida, que os prestadores de serviços de transporte de
passageiros por mototáxi, no âmbito do Município, não participam de qualquer procedimento licitatório prévio, ao revés, na medida em que para além
de não haver processo licitatório, não se identifica sejam nem mesmo selecionados pelo Poder Público, na medida em que são escolhidos e indicados pelo
Sindicato da categoria, limitando-se a autoridade administrativa em chancelar a delegação, que uma vez perfectibilizada, torna-se patrimônio do prestador de serviços, permitido-lhe a legislação municipal “vendê-la” ou “alugá-la”
a terceiros, bem como “transmiti-la”, por decisão exclusiva do Sindicato, por
ato causa mortis, cujas previsões afrontam o regramento dos arts. 129, “caput” e 131 da CEe dos arts. 37, “caput” e 175 da CF, tornando tais atos nulos
de pleno direito e a legislação municipal de base inconstitucional.
Assim, toda e qualquer delegação para exploração do
serviço de transporte individual de passageiros, serviço público de interesse
social que é, deve ser precedida de regular licitação, sob pena de malferir-se
os princípios que norteiam a Administração Pública. "A licitação é um instrumento jurídico para a realização dos valores fundamentais e a realização concreta de fins impostos à Administração ", diz Marçal Justen Filho ( in:Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos . 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 43), razão pela qual, sendo ela uma garantia dos administrados,
jamais pode ser olvidada como passo indispensável à perfectibilização da delegação. Sem a licitação, diga-se, o ato administrativo é nulo, tornando-se passível de anulação inclusive pela via administrativa.
Portanto, considerando que a Lei Municipal nº
2.310/2001 viola preceitos da CF/88, da Constituição Estadual e Princípios
basilares do ordenamento jurídico, como o Princípio Republicano, o da Segurança Jurídica, além dos Princípios da Legalidade, Moralidade e Impessoalidade, e dá azo ao clientelismo, ante a nítida ofensa ao Princípio da Impessoalidade que ocorre quando não há licitação para escolha objetiva dos prestadores de serviços de mototáxi, acaso não acolhida a presente recomendação,
haverá de ser ajuizada ação pleiteando a tutela jurisdicional para se proteger
a própria sociedade e o interesse público olvidado, perseguindo-se a nulidade
de todos os atos administrativos de delegação da prestação de serviços de
transporte remunerado de passageiros levados e efeito sem licitação, ante a
incompatibilidade da Lei Municipal aqui questionada em seus dispositivos
com a Constituição Federal, passando esta a ser objeto de verificação anterior
a questão principal, garantindo-se, acaso reconhecida a eiva, o direito afetado, após a declaração incidental de inconstitucionalidade material do ato normativo (a própria Lei Municipal nº 2.310/2001).
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2.3 - DO SERVIÇO DE MOTOTÁXI COMO SERVIÇO
PÚBLICO:
O conceito de “serviço público” varia muito entre os estudiosos da matéria, nacionais e estrangeiros. Dentre as várias definições,
destaca-se a de José dos Santos Carvalho Filho (in Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 309), para quem serviço
público é “toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados,
basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de
necessidades essenciais e secundárias da coletividade”.
O serviço de transporte de passageiros em veículos de
aluguel sujeitos a política tarifária (mototáxi) subsume-se ao referido conceito, apresentando os três requisitos que consubstanciam o serviço público à
luz da doutrina citada: a) satisfação de necessidades essenciais e secundárias
da coletividade; b) submissão a regime de direito público; e c) prestação pelo
Estado ou seus delegados.
In casu, em relação aos serviços de mototáxi, não há dúvida que se trata de serviço de transporte de passageiro que satisfaz necessidades essenciais da coletividade. Como bem salienta José Tarcízio de Almeida
Melo (in Do transporte público de passageiros em táxi. Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM, n. 44, pp. 45-72, abr./jun. 2012, pp. 53/54), tratando
do serviço de táxi, deixa ele de ser seletivo ou elitista para se tornar necessidade de grande parte da população, servindo de opção ao transporte para
atender emergências e situações em que os veículos de grande porte tornamse inacessíveis ou impróprios, despontando, ainda, como alternativa para a
escassez dos estacionamentos e deficiências do sistema de transporte convencional de passageiros.
Cumpre salientar que, para Eros Roberto Grau (in A Ordem Econômica na Constituição. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 130),
bastaria essa característica para que o serviço em questão (mototáxi) fosse
considerado um serviço público. Com efeito, de acordo com referido jurista,
serviço público “é atividade indispensável à consecução da coesão social.
Mais: o que determina a caracterização de determinada parcela da atividade
econômica em sentido amplo como serviço público é a sua vinculação ao interesse social”.
Nesta senda, o serviço de transporte de passageiros,
compreendido aqueles efetuados através de ônibus, vans, micro-ônibus, táxi
e mototáxis - este último recentemente admitido pela Lei Federal nº
12.009/2009, inserindo-se na forma de transporte alternativo -, por sua natureza, é caracterizado como serviço público, vinculado ao interesse social,
posto que destinado a satisfazer necessidades essenciais da coletividade.
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Sobre o tema, é oportuno destacar inicialmente os incisos I e V do art. 30 da Constituição Federal, in verbis:
“Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
(…)
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse
local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter
essencial.”
Como se vê, a organização e competência prevista no
art. 30 da Constituição Federal constitui função fundamental do Município,
podendo a prestação de tais serviços ser realizada sob o regime de concessão
ou permissão, como também ser executada diretamente pela Administração
Pública local, desde que dentro dos limites territoriais do município.
Nessa senda, conforme observa Hely Lopes Meirelles
(in Direito Municipal Brasileiro, 4.ª Ed., p. 300):
"A regulamentação e controle do serviço público e
de utilidade pública caberão sempre ao Poder Público, qualquer que seja a modalidade de sua prestação aos usuários. O fato de tais serviços serem delegados a terceiros, estranhos à Administração Pública, não lhe retira o poder indeclinável de regulamentá-los e controlá-los exigindo sempre a sua atualização e eficiência, de par com o exato cumprimento das condições impostas para o seu fornecimento ao público. Qualquer deficiência do serviço,
que revela inaptidão de quem os presta ou descumprimento de obrigações impostas pela Administração, ensejará a intervenção imediata do Poder Público delegante para regularizar o seu funcionamento ou retirar-lhe a prestação."
Pois bem. O serviço de “mototáxi”, a par de ser uma realidade nacional, configura atividade de irrecusável interesse local, posto que
somente ao Município, através de órgão constituído para tal finalidade, será
possível detectar os seus contornos, as necessidades da população e a forma
cabível de prestação do serviço, o qual é exercido mediante o regime de permissão administrativa.
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Sendo assim, as permissões de táxi são delegações de
serviço público, regidas pela Constituição Federal, pela Lei de Concessões
(Lei nº 8.987/95), pela Lei Orgânica do Município e Regulamento específico,
outorgadas por licitação pública.
Esse serviço de transporte urbano é regido por normas
de Direito Público, elaboradas pelo Município com espeque no art. 30, incisos
I e V, da Constituição Federal.
Nesse comenos, o serviço de mototáxi é um serviço público que o Município delega a particulares, geralmente sob a modalidade de
permissão, o que materializa o terceiro elemento do conceito de “serviço público”.
Diversos doutrinadores que trataram especificamente
desse tema sustentam que o transporte individual de passageiros em veículos
de aluguel sujeitos a política tarifária é, de fato, um serviço público.
Jorge Romcy (in Permissão de táxi – sistematização jurídica e questões práticas. Revista Informativa - MPRO, n. 22, pp. 30-35,
jan./fev. 2009, p. 30), por exemplo, afirma que “o serviço de táxi é indiscutivelmente serviço público, pois regulado pelo ente estatal pertinente, embora
executado por particulares, sob regime de delegação”. No mesmo sentido,
José Tarcízio de Almeida Melo assevera que “o serviço de táxi é serviço público e objeto de permissão do Poder Público” (in Do transporte público de
passageiros em táxi. In Revista Brasileira de Direito Municipal – RBDM, n. 44,
pp. 45-72, abr./jun. 2012, p. 69)
Esse entendimento não se restringe à doutrina, já que
diversos julgados adotam-no. Por exemplo, na Apelação nº 990.10.056562-1,
TJSP, de 25/08/2010), sustentou-se que “o exercício da atividade de transporte por táxi corresponde a permissão de serviço público”. A mesma
tese foi confirmada pela 2ª Turma do STJ, no julgamento do RMS 19.091/DF:
“A atividade de prestação de transporte por taxímetro é um serviço público e, como tal, necessita, para ser delegado ao particular, licitação,
nos moldes previstos na Lei n. 8.987/95” (Rel. Min. Humberto Martins, DJ
17/10/2007, p. 268).
O fato de o serviço de mototáxi consistir em um serviço
público delegado pelo Município por meio de permissão implica uma série de
consequências jurídicas. A primeira delas consiste na imprescindibilidade de
licitação prévia, como determina o caput do art. 175 da Constituição Federal:
incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos, sob pena de nulidade.
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Além disso, a natureza intuitu personae da prestação
do serviço público sob a forma de permissão acarreta a impossibilidade de
transferência da permissão pelo permissionário a outro particular, seja mediante negócio jurídico (venda ou aluguel), seja mediante ato inter vivos ou
mesmo causa mortis.
Outra consequência consiste na faculdade que o Poder
Público tem de, a qualquer momento, de forma unilateral, modificar as condições prescritas inicialmente no termo de permissão e até mesmo revogar
a permissão outorgada, sempre tendo em vista o interesse público, sem
possibilidade de oposição do permissionário (ROMCY, Jorge. Permissão de
táxi – sistematização jurídica e questões práticas. In Revista Informativa MPRO, n. 22, pp. 30-35, jan./fev. 2009, pp. 31-32)
A propósito, num primeiro exame, poder-se-ia entender que o art. 175 da CF não teria explicitado quais serviços estariam submetidos ao regime de permissão e concessão e que, por isso, os serviços de mototáxi não estariam submetidos a tais instrumentos de delegação.
Entretanto, uma leitura sistemática do referido dispositivo e seus incisos revela entendimento diverso. Isso porque, conforme o inciso III do parágrafo único do artigo 175 da CF, estabeleceu-se expressa necessidade de uma "política tarifária", em clara alusão aos serviços públicos
concedidos ou permitidos do “caput” do mesmo artigo.
Segundo a lição doutrinara de Kiyoshi Harada, verbis:
"preço público é sinônimo de tarifa ou simplesmente preço que, no dizer de Alberto Deodato, "nada mais é do que a contraprestação paga pelos serviços pedidos ao Estado ou pelos bens por ele vendidos e que constitui a sua receita ori ginária."..." (In Direito Financeiro e Tributário, Atlas, 2002, fls. 55).
Note-se, desta forma, que o Legislador Constituinte fez
expressa menção à imposição de "política tarifária" relativamente aos serviços públicos permitidos ou concedidos, decorrendo que, numa leitura contextual e integradora dos citados dispositivos, restou claramente fixado que os
serviços objeto de "políticas tarifárias", como o transporte de passageiro por
mototáxi, são exatamente os serviços públicos permitidos ou concedidos do
"caput" do artigo 175 da Constituição Federal de 88 e, por consequência, adstritos ao regime de direito público a que se refere a doutrina.
2.4 - DO CARÁTER INTUITO PERSONAE:
Conforme ensina a melhor doutrina, os contratos de
concessão e permissão, por exigirem a prévia licitação, possuem caráter personalíssimo, ou seja, intuito personae, sendo, portanto, intransferível.
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Nessa senda, invocamos o magistério de Celso Antonio
Bandeira de Melo (in Curso de Direito Administrativo, 12ª ed., Malheiros, p.
618), em lição lapidar:
“Tendo sido visto que a concessão depende de licitação até mesmo por imposição constitucional - e como o que
está em causa, ademais, é um serviço público, não se
compreenderia que o concessionário pudesse repassá-la
a outrem, com ou sem a concordância da Administração.
Com efeito, quem venceu o certame foi o concessionário,
e não um terceiro - sujeito, este, pois, que, de direito, não
se credenciou, ao cabo de disputa aberta com quaisquer
interessados, ao exercício da atividade em pauta. Logo,
admitir a transferência da concessão seria uma burla ao
principio licitatório, enfaticamente consagrado na Lei
Magna em tema de concessão, e feriria o princípio da
isonomia, igualmente encarecido na Constituição.”
Ademais, é sabido que os contratos de permissão são
dotados de precariedade, uma vez que a Administração Pública – em havendo
interesse público devidamente justificado - pode a qualquer momento desfazer o contrato.
Portanto, não há como permitir que o contrato de
permissão seja transferido a terceiro, nem mesmo em caso de falecimento do permissionário. Logo, também é inadmissível o seu arrendamento ou qualquer outro meio de transferência, pois isso configuraria
flagrante ilegalidade.
Com efeito, a transferência não pode ser tolerada, pois
ela configura verdadeira transformação do contrato de direito público, firmado entre Poder Público e particular, em contrato privado, deixando o Poder
Público à margem da negociação, cujo objeto é o próprio serviço público, violando-se, também, os princípios da impessoalidade e moralidade.
Referida prática, outrossim, configura verdadeira burla
à licitação, pois transfere indevidamente o serviço público firmado com o
permissionário para terceiro particular e estranho ao contrato de permissão,
sem a participação da Administração Pública, eliminando dessa forma a possibilidade de concorrência.
Oportuno destacar que sobre o tema da ilegalidade de
transferência do contrato de permissão pelo permissionário para terceiro
particular, a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do ES, que é uníssona, conforme se pode inferir dos julgados abaixo colacionados:
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“ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PERMISSÃO PARA EXPLORAÇÃO DE SERVIÇO DE TÁXI. PROCESSO DE LICITAÇÃO. PRINCÍPIO
DA LEGALIDADE. PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA
PREJUDICADA. 1 - A permissão para exploração de serviço de
táxi está subordinada à prévia licitação, a teor do art. 175, da
CF, ao estipular que "incumbe ao Poder Público, na forma da
lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos",
de sorte que o não cumprimento deste preceito constitucional
acabaria por ferir o princípio da legalidade que norteia toda
Administração Pública. 2 - Prevendo a Lei nº 3.783⁄92, dentre
outros requisitos, a necessidade de seleção em procedimento
licitatório para outorga da permissão para exploração de serviço de táxi, mostra-se revestido de legalidade o ato negativo
da municipalidade que indeferiu a outorga da referida permissão, vez que a Administração Pública somente poderá realizar
suas ações permitidas pela lei. 3 - A discricionariedade não
está sob o manto da amplitude ilimitada, uma vez que o agente
público deve agir adstrito à regra legal, não sendo permitido
sua atuação segundo seus critérios subjetivos e próprios, sob
pena de revestir-se o ato de arbitrariedade e ilegalidade. 4 Recurso conhecido e provido. Sentença reformada. Remessa prejudicada.” (TJES - REMESSA NECESSÁRIA Nº 24050078849 - Rel. Des.
Arnaldo Santos Souza - DJ 30/11/2007).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. O SERVIÇO DE TÁXI MUNICIPAL,
COMO SERVIÇO PÚBLICO, OBSERVA O REGIME DE PERMISSÃO,
QUE SE DÁ, OBRIGATORIAMENTE, ATRAVÉS DE LICITAÇÃO. PERMISSÃO É REALIZADA À TÍTULO PRECÁRIO, PODENDO A ADMINISTRAÇÃO RESCINDIR UNILATERALMENTE O CONTRATO, AINDA
QUE TENHA SIDO REALIZADO COM PRAZO CERTO. I. Os serviços
de táxi são prestados, singularmente, aos administrados, ou
seja, ao público em geral, segundo a sua necessidade, e são regidos pelo regime jurídico de Direito Público, por expressa disposição do artigo 175, da Constituição Federal, que determina
que a prestação de serviços públicos está sujeita ao regime de
permissão e de concessão. II. O serviço de táxi é um serviço público, e, como tal, está sujeito à permissão, que deve ser realizada mediante procedimento licitatório, motivo pelo qual é impossível se admitir a cessão da permissão de serviço público de
táxi sem a prévia licitação, como pretendem os Recorrentes. III.
Ainda que os Recorrentes exercessem os serviços de táxi nos
termos estritos da Constituição Federal, seria possível à Administração Pública Municipal rescindir os contratos de permisMarcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 21
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são, já que, de acordo com os artigos 2º, inciso IV e 40 da Lei
8.987⁄1995, o ato que delega a permissão tem natureza precária, inexistindo, nessa hipótese, sequer direito à reparação no
caso de rescisão unilateral pelo Poder Público. Tal direito à reparação somente seria possível se, além da existência de licitação prévia, fosse fixado, pela Administração Pública, prazo de
vigência do Contrato de Permissão. IV. O fato alegado de que
todos os demais taxistas do Município de Guarapari exercem
os serviços de taxi de forma inconstitucional (sem procedimento licitatório) não permite aos Recorrentes que também o façam, porquanto uma ilegalidade⁄inconstitucionalidade não
pode justificar uma outra. IV. Recurso conhecido e improvido, à
unanimidade.” (Ag.In. 021099000826 - Rel. Des. NAMYR CARLOS
DE SOUZA FILHO - Data do Julgamento 12/01/2010).
“EMENTA: AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - PEDIDO DE LIMINAR - LEI MUNICIPAL - EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS DE TAXI DEPENDE DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO - PRESENÇA DOS REQUISITOS CONCESSÃO DA MEDIDA - SUSPENSÃO DA LEI MUNICIPAL
N.º 4.949/10. 1. De acordo com os dispositivos constitucionais a
permissão de exploração de serviço de taxi, depende de procedimento licitatório para escolha de seu permissionário, não
sendo possível a transmissão através herança, até porque, trata-se de contrato intuitu personae. 2. Nota-se ainda que o perigo da demora poderá acarretar prejuízos futuros à sociedade,
haja vista que a licitação busca justamente dar oportunidade
a todos os cidadãos, que preencham os requisitos, a oportunidade de obter a permissão para exploração de serviços de táxi.
Além disso, a lei concede isenção do pagamento da taxa de
transferência aos herdeiros e sucessores, causando prejuízo ao
erário. 3. Ante a presença do fumus boni iuris e do periculum in
mora defere-se a liminar pleiteada.” (TJES, Classe: Ação de Inconstitucionalidade, 100120001159, Relator: WILLIAN SILVA, Órgão
julgador: Tribunal Pleno, 12/04/2012).
2.5 - PRAZOS DOS ENTES INTEGRANTES DA FEDERAÇÃO PARA A REGULARIZAÇÃO, REVISÃO E ADAPTAR SUAS LEGISLAÇÕES:
O legislador federal estipulou prazo para que a União,
os Estados, o Distrito Federal, e os Municípios promovessem a revisão e as
adaptações necessárias de sua legislação às prescrições ditadas pela Lei
8.987/95, impondo um comando cogente, de âmbito nacional, no sentido da
obrigatoriedade de todos os entes integrantes da federação a revisar e adaptar suas legislações.
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Assim, os dispositivos das legislações preexistentes que
confrontassem com o sistema federal por ela inaugurado perderam vigência,
restando ainda vedada a inovação legislativa por parte de todos os entes federados que contrariassem com os preceitos normativos ditados pela lei que
regulamentou o artigo 175 da Constituição Federal.
Ainda, a Lei Federal nº 8.987/95 também trouxe regramento com fins explicitamente sociais, colocando fim aos contratos de concessão/permissão precárias de serviços públicos, efetivados antes da CR/88,
sem licitação.
A medida transitória esculpida no § 3º do artigo 42
(com redação dada pela Lei Federal nº 11.445/07) da referida lei teve por fim
garantir segurança econômica aos concessionários/permissionários sem
afrontar as regras da licitação.
Logo, sua aplicação foi medida intermediária entre a vigência das regras atuais de contratação com a Administração e a segurança
jurídica daqueles contratos celebrados sob a guarida de leis muito deferentes
das atuais e que de certa forma integravam o patrimônio jurídico dos concessionários/permissionários.
De conformidade com o art. 42 da Lei nº. 8.987/95, as
concessões e permissões legitimamente outorgadas de acordo com a lei vigente à época de seu nascedouro foram validadas e foram respeitados os contratos então vigentes. Assim, as concessões/permissões de serviços públicos
outorgadas anteriormente à entrada em vigor da mencionada lei foram consideradas válidas pelo prazo fixado no contrato ou no ato de outorga.
De acordo com o mesmo artigo, as concessões/permissões em caráter precário, as que estivessem com prazo vencido e as que
estivessem em vigor por prazo indeterminado, mesmo que por força de legislação anterior, inclusive as que não possuíam instrumento que as formalizasse ou que possuísse cláusula que previsse prorrogação, tiveram sua validade
prorrogada até o dia 31 de dezembro de 2010.
Vale dizer: com o decurso do prazo estipulado pelo legislador, as permissões de serviços públicos outorgadas sem licitação anteriormente à Constituição de 1988, bem como as permissões de serviços públicos outorgadas sem licitação na vigência da Constituição de 1988, tiveram
sua validade máxima estendida até o dia 31 de dezembro de 2010 .
Logo, a partir de tal data as concessões e permissões em desacordo com o
novo regramento se extinguiram, passando a ser ilegais, ou seja, são nulas de
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pleno direito, podendo ser revista pela Administração, como não deixa dúvida a Súmula 473 do STF .
Portanto, decorridos mais de dezesseis anos da edição
da Lei nº 8.987/95 e mais de cinco anos da entrada em vigência da Lei nº
11.445/07, não é razoável que os Municípios, por meio de suas respectivas
administrações, não tenham promovido a revisão e as adaptações necessárias
de sua legislação regente da outorga de permissões do serviço de mototáxi
local, bem como tenham deixado de proceder a prática de atos necessários à
realização de certame licitatório para a outorga de permissões de exploração
de serviço de táxi e a decorrente regularização da prestação deste serviço no
âmbito do município.
A omissão dos administradores em tal matéria configura patente afronta ao princípio da legalidade, podendo acarretar responsabilização por parte do agente público responsável.
Com efeito, o artigo 42, da Lei nº 8987/95, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.445/07, configura verdadeiro comando,
que impôs ao Administrador Municipal o dever jurídico de promover, de ofício, os atos necessários à realização do certame licitatório para a outorga de
novas permissões do serviço de mototáxi, uma vez, como demonstrado, as
permissões de serviços públicos outorgadas anteriormente à Constituição de
1988, bem como as permissões de serviços públicos outorgadas sem licitação
na vigência da Constituição de 1988, foram extintas, pelo advento de seu termo, em data de 31 de dezembro de 2010.
Deflui do art. 175 da CF/88 que não há espaço para a
prorrogação da permissão do serviço de transporte para a exploração de mototáxi sem o prévio procedimento licitatório. Pensar em sentido contrário, ou
seja, permitir a convalidação de tais permissões sem observância das formalidades exigidas, configura patente afronta aos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência.
Ademais, a exigência de regular licitação está em consonância com a finalidade constitucional conferida ao regime da licitação pública, que visa propiciar igualdade de condições e oportunidades para todos
os que querem contratar obras e serviços com a Administração, além de atuar como fator de transparência e moralidade dos negócios públicos.
2.6 – DA AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À EXPLORAÇÃO DOS SERVIÇOS DE MOTOTÁXI:
Por constituir-se em ato precário, negocial, unilateral e
discricionário, é permitido à Administração Pública, unilateralmente, modifiMarcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 24
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car ou revogar, a qualquer tempo, a delegação para a exploração dos serviços
de transporte individual de passageiro, por meio de mototáxi, não advindo,
daí, direito adquirido ao delegatário.
Nesse sentido, colhe-se recente julgado:
“PERMISSÃO PRECÁRIA. SERVIÇO DE MOTO-TÁXI. INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO. A permissão de serviço
público é ato precário passível de revogação unilateral a qualquer momento, precedido de processo
administrativo. O permissionário, não tem direito a
ser indenizado pela extinção antecipada, porque desempenha a delegação por sua conta e risco. Inteligência dos artigos 2º, V e 40 da Lei 8987/95. O fato
de a revogação ter como causa a declaração de inconstitucionalidade da lei que criou o serviço não altera o
quadro normativo aplicável. Caso em que ademais, não
há prova de dano ressarcível. EXERCÍCIO DEFICIENTE
DE FISCALIZAÇÃO DO SERVIÇO PRESTADO POR MOTOS NÃO PERMISSIONÁRIAS. INDENIZAÇÃO POR ALEGADO PREJUÍZO EM RAZÃO DE CONCORRÊNCIA DESLEAL. DESCABIMENTO. Falha na fiscalização de motoristas que prestavam o mesmo serviço sem serem permissionários determina direito ao usuário e não dever indenizatório ao permissionário. APELO DO MUNICÍPIO PROVIDO, PREJUDICADO O APELO DA PARTE AUTORA. UNÂNIME (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul- AC: 70055440127 RS , Relator Des. Denise Oliveira
Cezar, 22ª Câmara Cível, Publicado no Diário da Justiça
20/11/2013).
No mesmo sentido, versa a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO — RECURSO ORDINÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA — LICITAÇÃO — PERMISSÃO DE TÁXI — AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E
CERTO — INEXISTÊNCIA. 1. Inexiste o alegado direito líquido e certo; porquanto, não comporta dúvida
alguma sobre a necessidade de licitação para permissão da atividade de prestação de transporte por
taxímetro. 2. A atividade de prestação de transporte
por taxímetro é um serviço público e, como tal, necessita, para ser delegado ao particular, licitação,
nos moldes previstos na Lei n. 8.987/1995. (...).” (Superior Tribunal de Justiça, Revisão Mandado de SeguMarcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 25
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rança nº 19.132/DF, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, Publicação no DJ 15.5.2006, p.
158)
Mais a mais, a par de que as delegações aqui questionada estão fincadas em lei municipal flagrantemente inconstitucional, com
maior razão não há se falar em direito adquirido, chegando-se à conclusão de
que os atuais detentores de delegações para a exploração do transporte de
passageiros em mototáxi em Barra do Garças, os quais não se submeteram a
procedimento licitatório, não têm direito adquirido a permanecerem nas vagas e nem lhes são devidas quaisquer indenizações em razão de revogação da
permissão. Isso porque, além da delegação para a prestação de serviços públicos na espécie ser uma forma precária, unilateral e personalíssima de delegação, estas foram levadas a efeito com base em lei inconstitucional.
2.7 - DA NULIDADE DAS DELEGAÇÕES:
Conforme exaustivamente exposto, nenhuma das atuais delegações para exploração do serviço público de mototáxi de Barra do
Garças foi precedida de processo licitatório, ao contrário, foram concedidas
ao arrepio da Carta Maior e suas regulamentações.
Mesmo em sendo concedidas as delegações dentro dos
ditames da legislação pátria, não haveria para o permissionário qualquer direito adquirido em face da precariedade do título a ele conferido e da discricionariedade da Administração Pública.
É que nos atos discricionários, ao contrário dos atos
vinculados, a Administração Pública deve analisar a conveniência e a oportunidade na manutenção da permissão outrora concedida, podendo concluir
por revogá-la.
Essa não é a situação do ato eivado de vícios de legalidade. O ato praticado ao arrepio da lei deve ser anulado, não gerando qualquer direito adquirido à parte beneficiada quando tratar-se de delegação de
títulos precários para exploração de determinada atividade ou espaço.
Esse é o caso das delegações de exploração do serviço
público de mototáxi no Município de Barra do Garças. Nenhuma delegação foi
precedida de licitação e, portanto, devem ser anuladas para nova seleção de
permissionários, vencedores do certame licitatório, em obediência à Constituição Federal e as competentes regulamentações.
Tal atitude fere os princípios da Administração Pública
da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, de modo que é completamente ilegal, beneficiar os atuais permissionáriMarcos Brant Gambier Costa - Promotor de Justiça – [email protected] - (66) 34011252 – Barra do Garças 26
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os, fere o conceito de moralidade administrativa, não oferece oportunidade a
delegatários que, em tese, poderiam prestar um melhor serviço não ofertando também aos usuários e o serviço de maior qualidade.
3 – CONCLUSÃO:
Ante o exposto, considerando:
a) a inconstitucionalidade do art. 2º, caput, e seus §§
2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º, da Lei Municipal nº 2.310/2001;
b) que ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica e do regime democrático, sendo que para tanto é seu dever
constitucional o combate às leis e atos normativos inconstitucionais, consoante se extrai do art. 129, IV, da Constituição da República/88;
c) a possibilidade da autocontrole da constitucionalidade pelo próprio Poder idealizador da norma, na sua condição de canal legítimo para a adequação do sistema infraconstitucional aos ditames constitucionais;
que a recomendação é um dos mais úteis instrumentos de atuação do Ministério Público, nos termos do art. 27, I, parágrafo
único, e IV da Lei Federal n.º 8.625/93;
d)
O Ministério Público expede a presente RECOMENDAÇÃO, nos termos abaixo fixados, objetivando:
a) a adoção das medidas tendentes à adequada normatização da permissão para a prestação de serviços públicos de mototáxi, respeitando-se os ditames constitucionais e a competência concorrente, observando-se, nessa linha, a Constituição Federal, as normas gerais editadas pela
União (Lei Federal nºs 8.666/93 e 8.987/95), a Constituição do Estado de
Mato Grosso na parte que trata da matéria, visto que os atos administrativos
atuais não têm amparo legal e constitucional, pois fundados em lei inconstitucional, podendo dar ensejo ao ajuizamento de Ação Direita de Inconstitucionalidade de lei municipal perante a Constituição Estadual e de Ação Civil Pública visando questionar autorizações de serviços de mototáxi atualmente em
vigor, com pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade da lei
municipal aqui vastamente questionada;
b) seja revogada ou derrogada a Lei nº 2.310/2001, especialmente revogando-se os §§ 2º a 9º, e caput, ambos do art. 2º, com as alterações dadas pelas Leis Municipais nºs. 2.457/2002 e 2.693/2005;
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c) sejam vedadas, por lei, quaisquer formas de “aluguel” ou “transferência” de delegação pelos próprios mototaxistas ou qualquer entidade que os represente, salvo por permissão do Poder Público, mediante prévio procedimento licitatório, que garanta ampla concorrência;
d) seja contemplado pela legislação local dispositivo
prescrevendo que a delegação do serviço de mototaxista se dará em caráter
personalíssimo, e que somente poderá ser prestado se houver prévia delegação do serviço, mediante ato do poder público, precedido de procedimento licitatório, sob a forma de permissão, garantida a isonomia entre os eventuais
interessados na prestação dos serviços;
e) que, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias
após o recebimento desta, seja finalizado o procedimento licitatório para escolha das pessoas prestadoras de serviços de mototáxi no âmbito do Município, dando ampla divulgação ao procedimento;
f) que, em relação aos profissionais mototaxistas que
estejam atualmente prestando serviços e operando de acordo com as normas
previstas na Lei Federal nº 12.009/2009 e Resoluções do Contran sob os nºs
350/2010 e 410/2012, que seja autorizada provisoriamente a continuidade
da prestação dos serviços, mediante recadastramento, até realização de licitação e chamamento dos habilitados, cuja licitação deverá ser iniciada e finalizada no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias do recebimento da presente recomendação, da qual poderão participar todos os interessados que
satisfaçam os requisitos previstos na legislação de regência.
Na ocasião, também nos termos do disposto no inciso
IV do parágrafo único do artigo 27 da Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro
de 1993, requisita-se:
–
se abstenha o Município de Barra do Garças de
deferir novas delegações levadas a efeito com base na legislação local atualmente em vigor, sob pena de responsabilização pessoal do gestor por ato de
improbidade administrativa;
–
preste informações por escrito, no prazo de 10
(dez) dias, contados a partir do recebimento desta, sobre o posicionamento
jurídico do Poder Público Municipal acerca da presente, sendo que, expirado
o referido prazo, sem resposta, será entendido que não houve o acolhimento
do quanto recomendado, o que ensejará na adoção das providências jurídicas
cabíveis na espécie.
Barra do Garças, 18 de março de 2014.
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