convivendo com o câncer: do diagnóstico ao tratamento

CONVIVENDO COM O CÂNCER: DO DIAGNÓSTICO AO TRATAMENTO
LIVING WITH CANCER: THE DIAGNOSIS TREATMENT
CONVIVIENDO CON EL CANCER: DEL DIAGNÓSTICO AL TRATAMIENTO
RESUMO: Objetivo: Este estudo tem por objetivo descrever e analisar as
dificuldades vivenciadas pelos pacientes oncológicos. Método: Consiste em uma
pesquisa de campo, de caráter qualitativo, composta por seis participantes
diagnosticados com algum tipo de neoplasia, de ambos os sexos, abordados a partir
de entrevista semi estruturada. Resultados: A análise de dados possibilitou
identificar as inúmeras dificuldades vivenciadas pelo paciente oncológico desde o
diagnóstico, perdurando por todo o tratamento. Destaca-se a demora no
diagnóstico, dificuldades no acesso a exames, os efeitos colaterais do tratamento e
as barreiras para realização do tratamento. Considerações finais: Conclui-se que,
o processo de adoecimento enfrentado pelos pacientes oncológicos são percebidos
e interpretados de diversas maneiras e intensidades, modificando de acordo com as
dificuldades encontradas perante o acesso e acessibilidade ao sistema público de
saúde.
Descritores: Neoplasia; Serviços de saúde; Pessoal de saúde.
ABSTRACT: Aim: This study aims to describe and analyze the difficulties
experienced by cancer patients. Method: It consists of a qualitative field research,
composed by six participants (male and female) who were diagnosed with some
type of cancer and answered asemi-structured interview. Results: The analysis of
data highlighted the many difficulties experienced by cancer patients from
diagnosis, lasting for the entire treatment. It shows the delay in diagnosis,
difficulties in access to tests, the side effects of treatment and barriers to
completion of treatment. Conclusions: It is concluded that the disease process
faced by cancer patients are perceived and interpreted in different ways and
intensities, changing according to the difficulties before the access and
accessibility to the public health system.
Descriptors: Neoplasia; Health services; Health personnel.
RESUMEN: Objetivo: Este estudio tiene como objetivo describir y analizar las
dificultades que experimentan los pacientes con cáncer. Método: Consiste en una
investigación de campo, de carácter cualitativa, que consta de seis participantes
diagnosticados con algún tipo de neoplasia, de ambos sexos, tratados apartir de
entrevista semiestructurada. Resultados: Con el análisis de los datos fue posible
identificar las imnúmeras dificultades que experimentan los pacientes con cáncer
desde el diagnóstico, permaneciendo en todo el tratamiento. Destacándose el
atraso en el diagnóstico, las dificultades en el acceso a los exámenes, los efectos
colaterales del tratamiento y las barreras para la realización del tratamiento.
Consideraciones finales: Se concluye que el proceso de la enfermedad que
enfrentan los pacientes de cáncer son percibidos e interpretados de diferentes
maneras e intensidades, cambiando de acuerdo a las dificultades encontradas ante
el acceso y la accesibilidad al sistema de salud público.
Descriptores: Neoplasia; Servicios de salud; El personal de salud.
INTRODUÇÃO
O câncer é uma neoplasia que vem se alastrando entre a população mundial,
não sendo considerada uma afecção nova, pois já se manifestava desde os tempos
remotos. Essa definição é dada a um grupo de mais de 100 doenças caracterizadas
pelo crescimento desordenado de células que possuem a capacidade de disseminarse entre os tecidos e órgãos adjacentes à estrutura afetada inicialmente. 1
A incidência do câncer no Brasil e no mundo, vem aumentando
gradativamente, ocasionando em uma transformação no perfil epidemiológico da
população, seja pelo aumento da exposição aos fatores cancerígenos, pelo
envelhecimento populacional, aprimoramento das tecnologias para diagnóstico do
câncer, como também a elevação dos óbitos ocasionados por essa malignidade.1
Um fator importante para um bom prognóstico dessa patologia consiste no
diagnóstico adequado e o mais precoce possível, pois, a identificação do câncer em
seu estágio inicial possibilita uma maior chance de cura. 2
Nesse sentido, o câncer consiste em uma patologia que ocasiona sofrimento
e modificações no contexto de vida do indivíduo, em decorrência da estigmatização
da doença, alterações físicas, psíquicas e sociais, sendo mais comuns a partir do
diagnóstico, podendo se prolongar por todo o tratamento, visto que este é marcado
por efeitos colaterais intensos, acarretando em dificuldades na adesão a
terapêutica recomendada.3
A assistência aos pacientes oncológicos perpassa por toda a rede de atenção
com funções variadas e específicas. Dentre esta, vale ressaltar a atenção básica, a
atenção especializada de média complexidade e a de alta complexidade,
considerando o acesso e a resolutividade no amparo a esse grupo específico. 1
No Brasil, o Ministério da Saúde (MS) objetivando uma assistência integral ao
paciente oncológico, publicou a Portaria nº 2.439/GM que instituiu a Política
Nacional de Atenção Oncológica visando promoção a saúde, prevenção de doenças,
diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos, devendo esta ser
composta por serviços de todas as unidades federadas, de acordo com as aptidões
de cada esfera de gestão.4
Ante o exposto, a partir de experiências na atenção básica, foi possível
perceber diversos obstáculos enfrentados por pacientes portadores de câncer,
perpassando pela descoberta da doença, tratamento e apoio familiar. Assim, é
essencial aprofundar os conhecimentos que abarcam o adoecimento oncológico, a
fim de identificar as dificuldades vivenciadas pelos pacientes e familiares nesse
processo. Para tanto, cabe questionar, quais as principais dificuldades encontradas
pelo paciente oncológico no decorrer do processo diagnóstico e terapêutico?
Nesse sentido, o presente trabalho tem por objetivo analisar as dificuldades
enfrentadas pelo paciente oncológico, do diagnóstico ao tratamento.
METODOLOGIA
Este trabalho se configura em um estudo de natureza qualitativa, do tipo
exploratória e descritiva, consistindo ainda em uma pesquisa de campo, sendo que
o delineamento da presente pesquisa se deu em doze Unidades de Saúde da Família
(USF) da zona urbana de um município do interior do estado de Mato Grosso, no
período de fevereiro a julho de 2014.
Constitui-se em um recorte da pesquisa “Dificuldades na adesão ao
tratamento oncológico” aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa de uma
instituição pública por meio da Plataforma Brasil, em 12/02/2014 sob Certificado
de Apresentação para Apreciação Ética de número 26427814.6.0000.5541,
considerando os aspectos éticos e legais em pesquisas com seres humanos.
Os sujeitos do estudo foram seis pacientes, de ambos os sexos e com
diagnóstico confirmado de câncer que estavam em tratamento oncológico. Utilizou-
se como critérios de inclusão: idade igual ou superior a dezoito anos e menor ou
igual a setenta anos, de ambos os sexos, residentes na área de abrangência das
USFs selecionadas com diagnóstico de algum tipo de neoplasia maligna que estavam
em tratamento oncológico e que aceitaram participar da pesquisa, mediante a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os participantes desse
estudo foram identificados pelas iniciais do nome, garantido o anonimato que lhes
é de direito.
Para a coleta de dados, foram realizadas visitas domiciliárias aos pacientes
previamente identificados pelas equipes de saúde convidando-os a integrarem o
presente estudo. A partir da aceitação em participar da pesquisa, foram
desenvolvidas entrevistas individuais e semi estruturadas, sendo as mesmas
gravadas e transcritas na íntegra. O encerramento da pesquisa se deu a partir da
saturação dos dados coletados. Para a organização e análise dos dados deste estudo
foram utilizados os pressupostos da análise de conteúdo. 5 Com base no assunto em
estudo, resultou em duas categorias de análise, a saber: a descoberta da doença e
o tratamento do câncer.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados identificaram as características dos participantes do estudo,
cuja idade variou entre quarenta e três e setenta anos, desses, um era do sexo
masculino e cinco do sexo feminino. Quanto ao estado civil, um viúvo, um em união
estável, dois casados e dois solteiros. Esses dados se tornam relevantes, visto que a
principal rede de apoio ao paciente oncológico é de origem familiar.6 A
religiosidade também se apresenta com papel extremamente importante na vida
desses sujeitos, apresentando-se de forma acentuada na fala de todos
participantes, sendo dois católicos e quatro evangélicos.
No que concerne ao foco inicial da neoplasia dos participantes, três
consistiram em câncer de útero e os demais em câncer de mama, próstata e
intestino, sendo que independente do tumor primário, todos os pacientes
encontravam-se em um quadro de metástase.
A descoberta da doença
A desconfiança de que algo não estava bem com a saúde dos participantes
desse estudo é o início de uma longa jornada, o câncer.
Eu descobri em 2004, aliás, antes eu senti um caroço no peito,
no começo eu achava que não era nada, aí foi crescendo e eu
comecei a me preocupar, mas tinha um porém, meu menino
naquela época tava fazendo um tratamento de reumatismo,
[...]. Quando eu vi que tava crescendo mesmo, e pensei, eu
vou procurar o médico, que eu tava achando meio estranho,
porque tava só aumentando [...]. (GGC)
[...] faziam 16 anos que eu não menstruava, ai de repente
comecei menstruar [...] não liguei com aquilo não, aquilo pra
mim era normal, e ai depois o tempo foi passando [...]. (ICS)
A descoberta 16 de agosto de 2012, na madrugada eu acordei
com uma dor do lado, porque eu já tive prisão de ventre e ai
já pensei: nossa já vai atacar esse negócio. (JRM)
Os primeiros sinais e sintomas de neoplasias podem variar de acordo com a
região afetada, a pressão que o tumor provoca sobre estruturas adjacentes, a
atividade funcional do organismo mediante a patologia e a presença de
sangramentos e infecções secundárias a doença.7
No caso de pessoas do sexo feminino, o descaso para com os variados sinais e
sintomas que possam indicar uma patologia maligna como o câncer podem se
associar a valores culturais de responsabilidade e obrigação para com o outro.
As mulheres atuam na sociedade como geradoras do cuidado, sendo
delegadas as mesmas o ato de cuidar, devendo para tal se organizar, fazer arranjos
internos, abandonar atividades referentes ao autocuidado, solicitar ajuda, tudo isso
visando o bem estar do próximo, que em sua maioria se refere aos familiares.8
Historicamente as mulheres refletem a imagem de cuidadora como eixo da
sua existência, contudo, tal atitude faz com que a mesma se coloque em segundo
plano, ainda que nas questões referentes à saúde. 8 Isso pode ser constatado nas
falas acima, pois, mesmo apresentando sinais e sintomas de anormalidade, estas
ainda tendem a ter como principal preocupação o cuidado familiar.
Enquanto para a mulher o cuidado com o outro é o que a leva ao
negligenciamento do autocuidado, para o homem são os aspectos culturais que
mais influenciam na detecção de alterações precoces e que talvez pudessem evitar
o câncer.
Minha doença foi o orgulho que falou mais alto, eu paguei
caro por esse orgulho. O doutor falava que eu tinha que fazer
exame de toque, quando ele falava exame de toque eu pulava
dessa altura. Falava: tocar em mim não, é fria. Só fazia o
exame de sangue. Quando foi um dia fiz exame de sangue e
deu alto, quando fui fazer exame de toque doutor disse pode
ir pra Cuiabá que aqui não tem mais recurso, aqui não posso
fazer mais nada. Aí fui lá, descobri que tava com câncer
avançado, fiz a biopsia e tudo. (FGC)
Culturalmente o papel masculino na sociedade encontra-se ligado ao
significado de invulnerabilidade, força, coragem e virilidade. Desta maneira, sua
masculinidade seria comprometida pelo simples fato de buscar ajuda para
assistência a sua saúde, associando tal comportamento a atitudes femininas. 9
O processo de adoecer possui significados distintos para os diferentes
gêneros, sendo que para o sexo masculino pensar, discutir ou ser acometido por
uma doença afeta diretamente o simbolismo de masculinidade associado ao
mesmo, evitando assim tal assunto.9 Isso se torna ainda mais acentuado, quando se
refere a procedimentos invasivos que arranham culturalmente sua virilidade.
Como exemplo, pode-se citar o exame de toque retal, indispensável para o
diagnóstico de câncer de próstata, tornando-se necessário trabalhar o simbolismo
da masculinidade, visto que, tal preconceito pode impedir essa medida diagnóstica
essencial na detecção precoce e terapêutica adequada desta patologia. 10
Assim, o diagnóstico precoce do câncer ainda é uma difícil barreira a ser
superada pela população devido às questões culturais, necessidade de priorizar a
família e também pelos entraves do próprio sistema de saúde pública.
[...] fez a coleta do material e mando pra biópsia, mais ai
veio negativo [...] ele falo [médico], olha aqui deu negativo,
mas só que eu aconselho ela fazê a cirurgia pra retirada do
útero, porque isso vai complicar [...]. (ICS)
[...] eles descobriram que meu útero tava com um mioma, ai
essa luta foi dois ano eles me dando hormônio, remédio
errado pra destruí ele, só que não destruiu, ai fez foi cresce,
ai foi quando eles descobriram o eu que tinha. [...] eu já tava
com câncer. (MAP)
Os relatos acima confirmaram as dificuldades de acesso e acessibilidade aos
serviços de saúde, consequentemente levando a um diagnóstico tardio do câncer.
Demonstraram também que, embora os participantes tenham conseguido o acesso
às consultas, exames e procedimentos cirúrgicos, também foram alvos de
diagnósticos errados e/ou tardios.
Apesar do foco no diagnóstico precoce do câncer ser incentivado pelos
órgãos governamentais de saúde, na prática, essa ação esbarra muitas vezes em
burocracias do sistema, bem como em profissionais das diversas áreas da saúde
despreparados para tal assistência.
Discutir acesso aos serviços de saúde pode restringir o debate ao mero ato
de ingressar a este serviço, seria a porta de entrada para esta assistência, podendo
também abranger os caminhos percorridos dentro do sistema de saúde.11 A
Constituição Federal de 1988 traz em seu artigo 196 que: “A saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.12
Deste modo, observa-se que apesar do acesso à saúde ser um direito
constitucional do cidadão brasileiro, a qualidade da assistência ofertada vem sendo
constantemente questionada. Nesse sentido, cabe analisar a acessibilidade a esse
serviço, que consiste na abordagem a qualidade deste ou mesmo nos ajustes com
relação à oferta e demanda.13
De tal modo, constata-se nas falas dos participantes, que esses, em sua
maioria tiveram acesso aos serviços de saúde, no entanto, a qualidade de tais
serviços é questionada. Em outras situações, o acesso aos serviços de saúde é
demorado e quando ocorre acarreta em pouca resolutividade na assistência.
No que concerne ao câncer, o diagnóstico precoce bem como a iniciação do
tratamento está diretamente relacionado à maior taxa de cura da doença.2,14
Sendo assim, é imprescindível que a rede de atenção à saúde conte com
especialidades clínica, cirúrgica, laboratoriais e também profissionais capacitados
para os demais métodos de apoio e diagnóstico às pessoas que necessitam de
assistência à saúde.1
Dessa forma, a demora no diagnóstico acarreta em um atraso na iniciação
terapêutica, estando associado ao crescimento tumoral, com consequente redução
das chances de cura. Deste modo, o início do tratamento o mais precocemente
possível, consiste em um dos fatores mais importantes no prognóstico do paciente. 2
No entanto, ter acesso aos exames de média e alta complexidade no menor tempo
de espera possível foi outra dificuldade encontrada pelos pacientes.
[...] aí começou a fazê os exame, aquela muage lá de exame
para cirurgia e isso aí demoro um pouco, isso foi no finalzinho
de dezembro eu fui consegui fazê a cirurgia em fevereiro
[...]. (ICS)
[...] que nem eu tô fazendo uns exames super caro, é 1.500,
2.000 de exame, então não é suficiente [o salário]. Se eu não
tivesse os filhos pra ajudar eu não faria. (AAS)
As pessoas em processo de adoecimento e diante da necessidade de
conseguir acesso a exames, principalmente de alta complexidade, acabam
comprometendo o orçamento familiar em detrimento dos exames.
Diante disso, é válido ressaltar que a Política Nacional de Atenção Oncológia
pontua a necessidade de melhoria do acesso ao diagnóstico precoce através da
organização da rede de atenção a saúde, descentralizando assim a assistência
oncológica apenas dos serviços de alta complexidade. Essa política traz ainda,
como um de seus principais objetivos a organização de uma linha de cuidado que
envolva todos os níveis de atenção e de atendimento à saúde. 4
Os relatos revelaram ainda, que além de todas as dificuldades de
acessibilidade aos exames e a conduta de alguns profissionais acaba contribuindo
para aumentar essas dificuldades.
[...] eu fiz um exame aqui, o exame não tá bem batendo com
o resultado que o médico pediu não [...]. Porque ele mandou
fazer o exame, tirar radiografia, mas ele mandou que fizesse,
tirasse com o braço aberto, porque eu tô com um tumor
embaixo do braço também. Aí a moça fez com o braço
fechado aqui, aí não saiu. [...]. (FGC)
Diante do exposto, vale ressaltar que a Politica Nacional de Atenção
Oncológica aponta como componentes fundamentais a educação permanente e
capacitação dos profissionais atuantes nessa área, sendo perceptível diante do
relato, um despreparo dos recursos humanos junto a essa patologia. Deste modo,
torna-se necessário uma formação dos profissionais perante essa área de saúde,
tornando-os
conscientes
de
sua
atividade
profissional
e
visando
um
comprometimento destes para com a execução de um trabalho com qualidade. 4,15
Após acessar o serviço de saúde, perante as muitas dificuldades como a
demora em conseguir agendamento de consultas e exames, falhas e retardo no
diagnóstico, eis que surgiu outro desafio a ser enfrentado, encarar a confirmação
de um diagnóstico de câncer.
Quando eu descobri que eu tava com câncer, o médico abriu o
envelope e trouxe pra mim, entregou, foi difícil, o baque foi
grande. Eu demorei pra me recuperar, parece que eu caí que
nem... fiquei quebrado que nem arroz de quinta. Jogou um
balde de água gelada em mim assim, que me destruiu
todinho. (FGC)
[...] quando eu cheguei lá, o doutor falo pra mim assim que
quando eu mostrei o exame ele falo nossa se ta com um
tumor do tamanho de um mamão papaia, que já ta passando
da hora, e ai eu peguei fiquei desesperada e ele me
encaminhou pra Cuiabá urgente pra fazê uma tomografia pra
ter certeza [...] eu já tava arrasada ainda com uma notícia
dessa, só que já não ligava mais também, falei ah vou morrer
mesmo [...]. (MAP)
A descoberta do câncer ocasiona um grande impacto na vida do paciente,
isso porque historicamente os índices de mortalidade relacionados a essa patologia
são
consideravelmente
elevados, apesar de
todos os avanços científicos
relacionados ao diagnóstico e tratamento das neoplasias. Deste modo, os aspectos
psicológicos quando relacionados a essa doença são altamente afetados, resultando
em sentimentos variados e de diferentes intensidades, como: medo, dúvidas,
angústia, ansiedade, raiva, entre outros.16
O tratamento do câncer
Receber a confirmação de um diagnóstico de câncer é algo que muda a vida
de pessoas e familiares, o que dizer então, da necessidade de realizar o tratamento
oncológico e enfrentar as dificuldades, algumas próprias do tratamento, outras
decorrentes das deficiências do sistema público de saúde. Nos relatos, são
expressos os principais efeitos colaterais que o tratamento oncológico causou aos
pacientes.
[...] quando é a quimio é uma reação desgramada, um enjoo
forte demais e dói a cabeça, o estômago, e o estômago
embrulha demais [...]. (ICS)
[...] o primeiro dia é difícil demais, é brabo mesmo, ele é um
tratamento muito agressivo que passa mal, eu passo mal, na
primeira eu não passei, foi de boa, mas nessa segunda vez,
segundo ciclo, moço o trem foi muito doido, o primeiro dia é
terrível, foi muita ânsia, é muita fome e não come sabe,
porque não desce, principalmente lá no hospital [...]. (JRM)
A partir dos entraves enfrentados e a confirmação do diagnóstico começou
outra fase na vida dos pacientes oncológicos, a convivência com os efeitos durante
o tratamento quimioterápico.
Assim, os pacientes submetidos a tratamento oncológico quimioterápico,
podem ser acometidos por diversos efeitos colaterais, dentre eles os mais comuns
são: dor, náuseas e vômitos, queda de cabelo, alterações de peso, fadiga e
ansiedade. Dessa forma, alguns sintomas exercem grande influência sobre a
qualidade de vida dos pacientes oncológicos, como a dor, por exemplo, que
interfere no humor, mobilidade, sono, alimentação e atividades diárias de forma
geral. Além disso, outros efeitos colaterais do tratamento oncológico como a
anorexia, depressão, ansiedade, constipação, disfagia, dispneia, astenia acabam
por afetaras relações sociais, familiares e de trabalho deste indivíduo. 17-19
Vale ressaltar, que deve-se levar em consideração as particularidades de
cada indivíduo, visto que cada um, de acordo com seu meio familiar enfrenta de
forma distinta tais efeitos adversos, levando inclusive à desistência do tratamento,
como se observa nos dizeres:
[...] se eu for insistir nessa quimio eu vou morre antes da
hora, ai não quis mais fazer [...]. (ICS)
Além da convivência com os efeitos colaterais da quimioterapia, outro
problema importante enfrentado pelos sujeitos entrevistados no decorrer do
tratamento consiste nas dificuldades com relação ao deslocamento para realização
de exames e terapêuticas prescritas. Tal obstáculo pode está relacionado ao fato
de o município no qual residem não dispor de todo suporte tecnológico necessário
ao tratamento oncológico. Este dado é evidenciando quando os participantes da
pesquisa discorrem sobre tal tema.
A locomoção. No começo era difícil pra mim, eu achava difícil
de sair daqui pra Cuiabá. Então eu acho assim, pelo que eu
passei, é um pouco sofrimento, cansativo, muito cansativo.
(GGC)
É a locomoção pra ir pra Cuiabá. Toda vez quando eu ia, eu ia
de van, e toda vez quando chegava lá eu era internado. Aí
com muita briga aí com o pessoal conseguia me levar, mandar
eu de ambulância, porque eu não aguento ficar muito sentado
muito tempo. (FGC)
De acordo com a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, é direito de o
paciente oncológico ter transporte (aéreo, terrestre e fluvial), diárias para
alimentação e pernoite para o mesmo e acompanhantes financiados pelo SUS,
desde que este tratamento ocorra fora do domicílio e quando esgotados todos os
meios de tratamento no próprio município.20
A necessidade de locomoção para realizar exames em outras cidades é muito
comum no estado de Mato Grosso, pois os exames de alta tecnologia pelo SUS se
concentram na capital. O que se observa, no entanto, é que este deslocamento
acarreta grande desgaste físico e psicológico a estes pacientes que já se encontram
debilitados devido a sua patologia.
Nessa perspectiva, locomover-se para outra cidade implicam na dependência
de ajuda de familiares e/ou amigos para acompanha-los diante das fragilidades
físicas e psíquicas decorrentes da doença e do próprio tratamento.
[...] Sempre quem vai comigo é minha filha ou minha irmã,
então, minha filha trabalha, tem que trabalhar pra manter a
vida. E minha irmã também é viúva, às vezes ela vai mais
comigo, mas é um pouco cansativo [...]. (AAS)
[...] uma colega minha que cuida de mim, é que vai comigo às
vezes. Ela que vai sempre quando tem de ir [...]. (FGC)
Conforme a doença vai evoluindo e diante do tratamento oncológico,
como consequência os pacientes se veem mais dependentes dos familiares e
amigos. O apoio familiar constituiu-se então em uma sensação de segurança e força
ao paciente no decorrer do tratamento, o que pode levar a uma consolidação dos
laços familiares e de amizade, minimizando o estado de sofrimento do paciente
oncológico.8
Nessa perspectiva torna-se imprescindível uma assistência específica e
adequada de apoio as necessidades do paciente oncológico e de seus familiares. 21
Para tanto, perceber a organização familiar diante da patologia contribui para que
os profissionais de saúde possam ofertar uma assistência de qualidade de acordo
com as necessidades destas.
Outras dificuldades relatadas pelos pacientes consistem na demora da
liberação de medicamentos através do SUS, levando os pacientes oncológicos a
dificuldades financeiras fim de suprirem as necessidades no decorrer do tratamento
ou mesmo enfrentamento de processos judiciais para terem seus direitos
garantidos.
Os remédios eu cheguei a fazer empréstimo, eu fiz dois ou foi
três empréstimo pra compra remédio. Não tinha condições
[...]. (FGC)
[...] entrei na justiça por causa da injeção e consegui [...].
(MAP)
A partir dos relatos supracitados é perceptível que o suporte no decorrer do
tratamento oncológico está sendo deficiente, apesar de este ser considerado um
direito ao paciente portador dessa patologia.
Nesse
sentido,
os pacientes oncológicos devem possuir
tratamento
privilegiado e gratuito, desde prescrições ao acesso a analgésicos opiáceos ou
correlatos.22 Ainda, compete aos gestores municipais e estaduais de saúde
identificar as necessidades voltadas à oncologia e planejar sua rede de atenção,
favorecendo a realização de exames, o fornecimento de medicamentos, dentre
outras ações relevantes à eficiência do tratamento dessa patologia. Por sua vez, a
deficiência nesse planejamento acarreta na necessidade de muitos pacientes
portadores do câncer enfrentar processos judiciais ou mesmo realizarem
financiamentos para suprirem suas necessidades.23
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do objetivo proposto, conclui-se que o processo de descoberta do
câncer, bem como o seu tratamento, levou os pacientes a vivenciarem diversas
dificuldades, as quais são percebidas e interpretadas de diversas maneiras e
intensidades variadas, modificando de acordo com a significância da patologia para
o usuário, apoio familiar e condições financeiras do mesmo.
Vale ressaltar, o despreparo dos profissionais para com a atuação junto aos
pacientes oncológicos, acarretando assim, em uma ampliação das dificuldades
enfrentadas pelos mesmos, tornando-se essencial a capacitação desses, visando
uma melhor qualidade na assistência ofertada.
Outros fatores que requerem discussões relacionam-se ao sistema público de
saúde como a demora de acesso a exames e medicamentos, dificuldades de
deslocamento para a realização de procedimentos não ofertados no município de
residência. Nessa perspectiva, há necessidade da efetivação da Política Nacional de
Atenção Oncológica, visto que, é de direito a todo cidadão em processo de
adoecimento ter acesso a toda rede de atenção à saúde.
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