Vol 1 AS GRANDES DOUTRINAS - As Grandes Doutrinas da Graça

Propaganda
Um curso de teologia reformada
A BIBLIA E O SER DE DEUS
© Leandro Lima
Revisão
Adély Costa
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
L732g
Lima, Leandro Antônio de, 1975As grandes doutrinas da graça
– São Paulo: Agathos, 2013.
4v.
Inclui bibliografia.
isbn 978-85-99704-10-3
1. teologia dogmática. 2. doutrina bíblica. 3. bíblia – teologia – cursos.
4. bíblia – estudo e ensino. 5. dogmatismo. 6. bíblia – comentários. 7. fé.
8. filosofia e religião.
i. Título
cdu 23
per – bpe 07-0851
cdd 230
Sumário
Volume 1
A confiabilidade da Bíblia
1 introdução — a relevância do estudo da teologia 5
2 a relevância da reforma 9
3 revelação progressiva 14
4 o registro da revelação 18
5 a escritura completa 23
A existência de Deus e suas obras
6 a existência de deus 31
7 o conhecimento de deus 40
8 a trindade — aspectos históricos e bíblicos 48
9 a trindade — aspectos teológicos e práticos 55
10 a imutabilidade de deus 62
11 a bondade de deus 69
12 soberania de deus ou livre-arbítrio do homem? 78
13 a doutrina da predestinação 86
14 implicações da doutrina da predestinação 96
15 a santidade de deus 101
16 o enigma do mal 110
17 a doutrina da providência 117
18 milagres — definição e propósitos 124
19 ainda há milagres hoje 130
Bibliografia
136
A confiabilidade da Bíblia
1
INTRODUÇÃO — A RELEVÂNCIA DO ESTUDO DA TEOLOGIA
Considerações introdutórias sobre a
relevância do estudo das lições do
curso.
introdução
Costuma-se dizer: “Repetir sem entender é
coisa de papagaio”. Os donos de papagaios
domesticam os pássaros para que repitam
palavras decoradas. As vezes se pensa que
os papagaios estão sendo inteligentes por
repetirem aquilo que foram condicionados.
Mas a verdade é que as pobres aves literalmente “não sabem o que estão falando”.
Pensamos que muitas vezes uma cena semelhante ocorre na igreja. Os líderes eclesiásticos fazem as pessoas engolirem um tipo
de cristianismo sem lhes dar explicações
convincentes sobre o que estão ensinando,
e sem demonstrar que seus ensinos têm
base na Palavra de Deus. E estes “pobres
cristãos” saem por aí repetindo ensinos que
foram condicionados a repetir. Talvez nunca
pensaram sobre eles.
o papel do discernimento
Um cristão deveria ser alguém com discernimento. Não poderia engolir tudo que ouvisse
por aí sem considerar atentamente o que está
ouvindo. O caos da irracionalidade moderna
não deveria atingir a fé. Mas infelizmente,
hoje em dia, as grandes doutrinas da Palavra
de Deus estão quase esquecidas.
Em geral, as pessoas sabem muito pouco sobre os atributos de Deus, as naturezas de Cristo, ou sobre o verdadeiro significado do batismo com o Espírito Santo. E quando sabem,
parecem não ter muito interesse a respeito. Se
as questões escatológicas causam discussão,
por outro lado são apenas superficiais, em
assuntos selecionados e muito mais voltadas
para especulações sobre o milênio ou o arrebatamento do que para conteúdo substancial.
Uma das razões dessa falta de conteúdo tem
a ver com as obras teológicas publicadas.
Boas obras de teologia, muitas vezes, estão
em linguagem inacessível para os não iniciados. Enquanto isso as prateleiras das livrarias
cristãs estão cheias de livros de auto-ajuda,
que prometem soluções milagrosas em ape-
introdução — a relevância do estudo da teologia
5
nas “alguns passos”, mas que não trazem
verdadeiro crescimento na graça e no conhecimento de Deus (2Pe 3.18).
O fato é que ser cristão hoje está se tornando apenas questão de sentimentalismo. E
as vezes, até de gosto pessoal. No senso comum dos nossos dias, o cristão verdadeiro
não é aquele que “sabe” mais, e sim aquele
que “sente” mais (teve “experiências”). A ênfase no sentimentalismo é uma das marcas
do relativismo do mundo pós-moderno. Até
porque, sentimentos são coisas extremamente subjetivas e relativas.
preparados para responder
1 Ver Michael Horton,
As Doutrinas da
Maravilhosa Graça,
p. 19.
De acordo com a Bíblia, como cristãos, devemos estar “sempre preparados para responder
a todo aquele que nos pedir razão da esperança
que há em nós” (1Pd 3.15). Esperança é algo que
aponta para o futuro. Mas a certeza do futuro
se constrói a partir de um passado e de um presente sólidos. A fé deve ser bem fundamentada
e amplamente convincente não somente no
aspecto emocional, mas também no racional.
Todo cristão sincero deve chegar a um estágio em sua vida em que precisa perguntar a si
mesmo: “Será que minha religião é verdadeira?” É claro que respostas pré-fabricadas não
satisfazem e nem devem satisfazer a ninguém.
Como diz Michael Horton, todo cristão deveria ser indisposto a aceitar com o coração uma
fé que falha em convencer sua mente1. Mas a
verdade é que, muitas vezes, a igreja se torna
o local onde as mentes são menos exigidas. O
fato é que quando os rituais substituem a vida,
“verdades”, que podem ou não ser verdadeiras,
são decoradas e repetidas quase que com desinteresse pela maioria dos “fiéis”. Infelizmente, os cristãos são acostumados a não pensar a
respeito de sua fé. São como papagaios, ensinados a repetir coisas que não entendem, apenas
para causar admiração nos outros.
Nestes tempos quando a autojustificação ou a
auto-ajuda têm dominado a pregação, as publicações e os programas televisionados, precisamos desesperadamente de um retorno para
6
as grandes doutrinas da graça i
a mensagem da graça, para a mensagem do
comprometimento bíblico-teológico. Nosso
sentido e propósito, como indivíduos e como
igreja, dependem largamente de quão claramente compreendermos as verdades sobre
quem Deus é, quem nós somos, e o que o plano de Deus para a história envolve. Só assim
poderemos dizer por que nossa esperança tem
razão (é racional), e qual é essa razão.
Mesmo sabendo da complexidade de muitos
dos assuntos aqui considerados, objetivamos
dialogar sobre questões que fazem parte do
dia-a-dia dos crentes (aqueles que têm fé) e
mesmo dos não-crentes. Não queremos tratar
de assuntos teológicos como se nada tivessem
a ver com a vida prática das pessoas. O que
se pretende é uma análise sincera, de uma
perspectiva bíblica, sobre assuntos selecionados que são vitais para um verdadeiro conhecimento de Deus, e uma vida cristã frutífera.
Não importa se nossas fraquezas tenham
que ser postas a lume, desde que a verdade
de Deus brilhe ainda mais forte diante de
nossos olhos. É certo que quando confrontamos nossas crenças pessoais com a Escritura
percebemos que muitas vezes essas crenças
se demonstram infundadas. A razão é que,
talvez, jamais tenhamos estudado seriamente
o assunto de uma perspectiva bíblica. De qualquer forma, nosso apego pela Escritura deverá
ser maior do que qualquer coisa, até mesmo
do que nossos gostos pessoais.
sobre a metodologia
Para o estudante uma palavra cabe com relação à metodologia adotada. Aqui não se
lançam questionamentos sobre a Bíblia,
mas a partir da Bíblia.
Nossa concepção é que muitos questionamentos e “releituras” da Bíblia já foram feitos e pouco ou nenhum proveito tem havido para o povo
de Deus, especialmente para os mais simples.
Este trabalho assume a inerrância e suficiência das Escrituras para a fé cristã e anela
por colocar a teologia na linguagem de to-
dos os crentes. Não entende também que
haja uma teologia para a Europa, outra para
a África e outra para a América Latina. Teologia é teologia em qualquer lugar do mundo, é a busca pelo conhecimento de Deus, e
Deus é o mesmo em qualquer lugar.
Por outro lado, o estudante de teologia nunca pode se esquecer de um princípio fundamental: Sua teologia precisa servir para alguma coisa. Podemos perceber um excesso
de abstrações teológicas em muitas obras,
profundo conhecimento histórico e pesquisa
séria, porém, pouca aplicação. Enquanto os
“intelectuais” cristãos se deliciam com manjares, é possível que o povo simples esteja
sem o alimento de que tanto precisa2. Precisamos mais do que nunca traduzir a teologia
para a linguagem do povo, uma teologia com
aplicação prática. O objetivo desse estudo é
conhecer melhor o Deus das Escrituras para
desenvolver um relacionamento melhor com
ele, ou seja, teologia para a vida.
Ainda é importante que, por outro lado, se
tenha em mente que vivemos dias em que o
estudo das doutrinas bíblicas tem sido deixado
em segundo plano. Doutrina tem sido associada com frieza espiritual. Chavões como: “A
letra mata”, “quem estuda esfria” usados indiscriminadamente ou fora de contexto, têm impedido muitos crentes de crescer em conhecimento espiritual. É claro que, se você está lendo este livro é porque não compactua com esse
pensamento, mas de qualquer forma, importa
relembrar que o conhecimento das doutrinas
sempre foi uma das maiores preocupações de
Jesus e da Igreja Primitiva. Conhecer as doutrinas bíblicas sempre foi uma das primeiras
marcas da verdadeira espiritualidade na Igreja
Primitiva (At 2.42)3. Quanto mais conhecemos
Deus e suas obras, conforme ele se revela em
sua Palavra, melhor poderá ser o nosso relacionamento com ele. Se a vida espiritual é a
que importa, é interessante lembrar que Jesus
disse que o Espírito viria para nos guiar a toda
a verdade (Jo 16.13). Segundo o entendimento
do próprio Jesus, a Palavra de Deus é a verdade
(Jo 17.17). Dessa forma, entendemos que o Es-
pírito Santo nos guia no estudo dessa Palavra.
E isso é a verdadeira espiritualidade
A história da igreja tem demonstrado, através dos séculos, que a coisa que mais destrói
a vida e a comunhão autêntica da igreja é a
falsa doutrina. Especialmente os falsos ensinos sobre o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
O Senhor Jesus, e especialmente seus Apóstolos demonstraram profunda preocupação
com essa matéria, e apontavam para o futuro como um tempo muito conturbado nesse
sentido (Mt 24.11; 2Tm 4.3-4). Percebe-se que
eles estavam rigorosamente certos, à luz do
que temos visto hoje. Entendimentos errôneos acerca de Deus têm minado a verdadeira
religião nos quatro cantos do mundo, introduzindo erros e heresias destruidoras na
vida individual do povo de Deus e também
em denominações inteiras. Conhecer doutrina não é coisa sem importância, é assunto
fundamental para os dias em que vivemos.
sobre o propósito
O propósito desse trabalho é colocar numa linguagem simples e acessível os principais ensinamentos da teologia. Abordamos de forma
breve todas as oito disciplinas da Teologia Sistemática (Introdução, Tentologia, Antropologia, Cristologia, Soteriologia, Pneumatologia,
Eclesiologia e Escatologia4), concentrando-nos
nos principais temas da teologia que tenham
interesse para os teólogos e também para as
pessoas em geral. São capítulos avulsos que
podem ser estudados em seqüência, ou aleatoriamente, conforme o interesse ou a necessidade de alguém. Nosso interesse não é apenas
o conhecimento intelectual sobre essas matérias, mas também a aplicação prática delas.
Nossa busca é pelo conhecimento que pode
e deve influenciar o nosso dia-a-dia, dandonos maior firmeza na fé, um relacionamento mais estreito com Deus, e uma condição
sempre pronta para dar, a todo aquele que
nos pedir, razão da esperança que há em nós,
porém, fazendo isso com temor, mansidão e
boa consciência.
introdução — a relevância do estudo da teologia
7
2 Alister McGrath
entende que a elitização
da teologia tem sido
uma das coisas mais
prejudiciais nesses dias
modernos. ele diz: “O
distanciamento da
academia das realidades
da vida diária está
estritamente ligado, ao
menos na percepção
popular, com o elitismo
da academia” (Alister
E. McGrath. “Theology
and The Futures of
Evangelicalism”.
In The Futures of
Evangelicalism. Ed.
Craig Barholomew,
Robin Parry e Andrew
West, p. 27).
3 Ver John Stott. A
Mensagem de Atos,
p. 87.
4 Introdução,
também chamada de
Prolegômena, trata dos
assuntos introdutórios
à teologia. Teontologia
estuda o ser e as obras
de Deus. Antropologia é
o estudo do ser humano,
criação e queda à luz
da Escritura. Cristologia
estuda a pessoa e a obra
de Cristo. Soteriologia
é estudo da salvação
conquistada e aplicada.
Pneumatologia estuda
a pessoa e a obra
do Espírito Santo.
Eclesiologia estuda a
Igreja e os meios de
graça. Escatologia diz
respeito ao estudo das
últimas coisas.
2
A RELEVÂNCIA DA REFORMA
A título de introdução ao estudo da
teologia sistemática, entender as
perspectivas básicas da reforma, sua
necessidade e sua relevância para
o estudo da teologia e para a vida
cristã.
introdução
Mais do que nunca a religião está transbordante de legalismo, superficialismo, sensacionalismo, comércio, etc. O mesmo clamor
que originou a Reforma Protestante do século xvi se faz presente em nossos dias.
Em 1517 um monge que também era professor
de Bíblia colou uma série de proposições na
porta de uma igreja com o fim de iniciar um debate acadêmico. Não imaginava ele que aquilo
daria início a grande Reforma Protestante. Seu
nome, evidentemente, era Martinho Lutero.
A luta de Lutero era contra a venda de indulgências por parte da Igreja Católica que pretendia com isso construir a grande catedral
de São Pedro em Roma. O Papa oferecia
perdão dos pecados para quem contribuísse
financeiramente com o empreendimento.
Alguns vendedores de indulgências diziam
que no exato instante em que se ouvia o tilintar da moeda caindo no cofre, uma alma
era livre do purgatório.
Certamente isso parece algo grosseiro e até
mesmo humorístico hoje e logo pensamos
que é coisa do passado, que não acontece mais
hoje em dia. Mas, basta olhar para o método
de trabalho de muitas denominações, principalmente em seus programas televisionados
para ver que isso acontece hoje com mais freqüência do que gostaríamos de admitir.
Os homens continuam vendendo a salvação
tanto quanto no passado. E o motivo é simples: é difícil crer na mensagem radical de que
Deus fez todas as coisas para nossa salvação e
nada deixou para o homem. Os homens estão
sempre querendo dar sua contribuição, seja
com dinheiro, vida santa ou regulamentos
eclesiásticos. Estamos sempre querendo pagar a salvação que nos é dada gratuitamente.
Por isso, precisamos mais do que nunca voltar
à Reforma. A Reforma continua.
sola scriptura
A Reforma Protestante procurou desenvolver alguns slogans que pudessem ajudar
as pessoas a identificar com facilidade seus
principais pontos de vista. O primeiro dos
slogans que identificaram a Reforma foi o
a relevância da reforma
9
1 Para uma abordagem
semelhante de alguns
“solas” da Reforma
veja Michael Horton,
Putting Amazing Back
Into Grace. p. 11-20.
2 R. K. Mc Gregor
Wright, A Soberania
Banida, p.14.
3 Michael Horton, Os
Solas da Reforma, in
Reforma Hoje, p. 111.
sola scriptura (somente a Escritura)1. É claro que esta concepção foi tirada da própria
Escritura.
O Apóstolo Paulo foi um homem tremendamente preocupado com a Escritura. Ele
argumenta com os Efésios “jamais deixei
de vos anunciar todo o desígnio de Deus”
(At 20.27). Paulo estava partindo para Jerusalém, onde sabia, enfrentaria muitas perseguições. Mas, o que Paulo mais temia era
o fato de que sabia que após sua partida se
infiltrariam no meio do rebanho dos Efésios
“lobos vorazes que não pouparão o rebanho”
(At 20.30), por isso numa atitude de fé ele
diz “agora, pois, encomendo-vos ao Senhor
e a palavra da sua graça, que tem poder para
vos edificar e dar herança entre todos os que
são santificados” (At 20.32). Paulo “ensinou
que o poder do evangelho está localizado na
pregação da Palavra de Deus”2. Nada pode
substituir a Palavra de Deus.
Talvez, este tenha sido o maior triunfo da Reforma Protestante: o triunfo pela Bíblia. Numa
época em que praticamente ninguém do povo
comum tinha acesso a Palavra de Deus, a Reforma conseguiu colocar a Bíblia na língua comum das pessoas e possibilitou que o acesso
a ela fosse bem mais simples.
Entretanto, a Reforma não somente possibilitou que as pessoas tivessem acesso
à Palavra, mas também que ela, a Palavra
de Deus tivesse o lugar de honra que lhe é
devido e que todos pudessem interpretá-la
corretamente. Pode a igreja legislar doutrinas ou leis morais que não são encontrados
na Escritura? A Reforma respondeu: “não,
somente a Escritura”. Pode a Igreja manter
uma interpretação infalível da Bíblia? Não, a
Reforma respondeu, absolutamente não! A
Reforma tirou o privilégio do clero de interpretar a Bíblia, mas não jogou este privilégio
totalmente nas mãos dos leigos, de forma
que cada pessoa pudesse dar a interpretação
que quisesse. A Igreja como um todo, como
o Corpo de Cristo deve interpretar a Bíblia.
Esse foi o grande lema da Reforma.
10 as grandes doutrinas da graça i
A diferença básica entre a Reforma e Roma
com relação à Escritura estava na discussão
se a Bíblia produziu a Igreja, ou se a Igreja
produziu a Bíblia. A Reforma cria que Deus
revelou-se a si mesmo para um povo e chamou este povo para si e lhe deu sua Palavra.
Entretanto, a Igreja é sempre falível e sempre passível de correção quanto à interpretação da infalível revelação de Deus.
Em resumo, a Reforma apregoou que a
Palavra de Deus é infalível e absolutamente suficiente para nos ensinar tudo o que
precisamos saber sobre a Salvação e sobre
o próprio Deus. Além disso ela é a única
fonte suprema desse conhecimento. Ela
é o único lugar aonde devemos ir para ter
conhecimento pleno a respeito dos fatos
da salvação. Nenhuma outra fonte deve ser
aceita ou tentada.
solus christus
Como conseqüência lógica do primeiro
“sola” da Reforma vem o segundo, pois “só
quando se defende a Escritura somente é que
estaremos certos de que a igreja se apegará a
Cristo somente”3 Cristo é o centro da Escritura. Ele próprio disse para alguns religiosos
de sua época: “examinais as Escrituras porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas
mesmas que testificam de mim” (Jo 5.39). As
Escrituras testificam de Cristo.
No tempo da Reforma, à semelhança dos dias
atuais, a teologia estava completamente centrada no homem. Tudo dependia do homem.
Em última instância é o homem que decide se
vai a Deus, bem como a maneira que lhe convém. Na idade média, a Igreja era a opção, nos
dias atuais, as opções são praticamente inumeráveis. O pensamento comum é que todos
vão a Deus de várias formas. É como se Deus
fosse uma grande Home Page da Internet. Todos podem acessá-lo de diferentes provedores.
Mas, a Reforma disse não a todas as tentativas
humanas de chegar até Deus. Solus Christus,
ou seja, somente Cristo pode nos conduzir a
Deus e nos dar a salvação.
Percebemos claramente que nos dias atuais,
a crença geral enfatiza que a fé em Cristo
não é absolutamente necessária para a salvação, pois Deus certamente salvará todas as
pessoas boas, quer tenham crido em Cristo,
quer não. Entretanto, o ensino da Escritura enfatizado pela Reforma é que Cristo é
absolutamente necessário para a salvação.
Paulo disse que jamais havia deixado de
“anunciar coisa alguma proveitosa, e de vola ensinar publicamente e também de casa
em casa, testificando tanto a judeus como a
gregos o arrependimento para com Deus e
a fé em nosso Senhor Jesus” (At 20.20-21).
Sem Cristo não há salvação. Se alguém não
confiar na obra salvadora de Cristo em hipótese alguma poderá ser salvo.
sola gratia
Na idade média, as pessoas acreditavam que
a única forma possível de poder agradar a
Deus era vivendo em completa santidade.
Pensavam que seu relacionamento com Deus
dependia inteiramente delas. Lutero foi um
homem agoniado por estas idéias. Ele pensava na justiça e na santidade de Deus e se via
tão pecador, de modo que se sentia perdido
e completamente sem chances de alcançar
a Deus. Foi somente quando entendeu pela
Escritura que “o justo viverá pela fé” (Rm 1.17),
que toda sua vida de fato se transformou.
Lutero e a Reforma entenderam que o homem não precisa se tornar justo para poder
alcançar a vida eterna, pois isto, ele jamais
conseguiria, uma vez que ninguém jamais
cumpriu a lei de Deus (Rm 3.10, 20, Gl 3.11),
mas que baseado na justiça de Cristo, Deus
pode e efetivamente declara o homem como
justo quando ele crê. Este ato de declarar
é algo completamente gratuito, pois o homem nada fez para merecer isso, uma vez
que tudo provém da obra e dos méritos do
Senhor Jesus Cristo, dessa forma a justiça
de Cristo é colocada sobre nós como se fosse nossa. Era isso que Paulo chamava de o
“Evangelho da Graça de Deus” sobre o qual
ele queria testemunhar, mesmo que lhe
custasse a própria vida (At 20.24). O Evangelho da Graça de Deus era a boa notícia de
que os pecadores podiam ser salvos através
da obra salvadora de Cristo.
Na verdade, a Igreja sempre afirmou que a
salvação era pela graça, mesmo antes dos Reformadores. O ensino oficial da igreja dizia
que a graça era infusa ou derramada como
um auxílio para nos ajudar a viver uma vida
santa, o que eventualmente nos daria o direito de entrar no paraíso. Entretanto, ao
longo do caminho todos correm o risco de
perder a graça. Por isso, eram necessários os
rituais, os exercícios espirituais, as fórmulas
piedosas que poderiam ajudar a reconquistar
a graça. Então, a visão era que nós somos salvos pela graça, porque ela nos transforma em
pessoas santas. Contra isso se levantaram os
Reformadores, dizendo que, na salvação,
Deus nos declara justos, no exato instante
da conversão. A salvação não é um processo,
mas um ato de Deus em nossas vidas. Para a
igreja medieval, salvação e santificação eram
uma mesma coisa, mas para a Reforma, a
salvação era um ato instantâneo de Deus que
nos declarava justos, dando assim, origem ao
processo de santificação. A santificação não
era para que alguém fosse salvo, e sim, porque já era salvo.
sola fide
Lutero não somente entendia que a salvação
era apenas pela graça, mas que a forma ou
método de recebe-la era através da fé unicamente. Por isso surgiu mais um slogan na
Reforma, o sola fide, ou Somente a Fé.
A igreja, naquele tempo, não negava que a fé
era necessária para a salvação. Mas, era uma
fé no poder da Igreja, dizendo respeito muito
mais a uma questão de conhecimento e consentimento. A Reforma, entretanto, apregoou
que a fé era uma questão de confiança e não
confiança na eficácia ou no ensino da Igreja,
mas no poder de Deus que pode salvar plenamente os que se aproximam dele, confiando
nos méritos de Cristo.
a relevância da reforma 11
Uma grande distinção que a Reforma fez e
,que é muito importante para nós hoje, é que
quem salva é Cristo e não a fé. A fé não pode
ser considerada uma pequena obra que em
última instância tem poder de nos salvar. A fé
é apenas o instrumento pelo qual nos apropriamos da salvação, conquistada plenamente
por Cristo. Porém, ainda assim, poderia ficar
a impressão de que a fé é uma pequena obra
necessária para a salvação, não fosse o ensino
inequívoco da Escritura de que, mesmo a fé, é
um dom de Deus (Cf Ef 2.8-9; Rm 12.3; Jd 3).
Pregar sobre salvação pela fé dentro dos
moldes bíblicos pode ser muito impopular
nos dias atuais. Dizer que o homem não tem
poder algum para se salvar pode ser considerada uma frase praticamente extinta. E
o motivo não é difícil de se identificar. As
pessoas argumentam: mas ser salvo do quê
e por quê? O fato é que elas não se sentem
perdidas. Foi o tempo quando a pregação
da Lei desesperava as pessoas de modo que
elas se refugiavam em Cristo. O problema
não é que a Lei não tem mais esse poder, e
sim, o fato de que a Lei não está mais sendo
ouvida. As pessoas não querem ouvir sobre
seus pecados, querem apenas mensagens
de auto-ajuda, de “soluções”, não se preocupam com a Ira de Deus, não vêem a maldade
e a ofensa de seus pecados, por isso, ainda
confiam em si mesmas. Elas precisam ouvir
a respeito do fogo do Inferno e da depravação humana, pois somente assim, deixarão
de confiar em si mesmas e se entregarão a
Cristo pela fé, somente.
soli deo gloria
Se a Escritura é a única regra de fé e prática
e ela nos foi dada por Deus, se Cristo é único
meio de Salvação, se a graça é responsável
por tudo o que temos e somos, e, se a fé que
é um dom de Deus é o único instrumento
para nos apropriarmos de tudo isso, então,
Soli Deo Gloria, ou seja “A Deus somente a
glória”. Na estrutura da Reforma não sobra
espaço para glorificar o homem, toda a glória deve ser rendida a Deus.
12
as grandes doutrinas da graça i
A Reforma pôde proclamar Soli Deo Gloria
porque mais do que ninguém, entendeu o ser
humano. Quando temos uma visão melhor de
nós mesmos e de Deus, diminuímos a nossa
importância e aumentamos a dele. É interessante que a Reforma tenha produzido uma era
de grandes pensadores e artistas, mas nunca
exaltou o ser humano, antes prostrou o orgulho humano diante da majestade de Deus.
Mas, hoje as coisas estão muito mudadas. O
homem é exaltado e Deus diminuído. Nossos
cultos e serviços são freqüentemente celebrações de nós mesmos mais do que de Deus, há
mais entretenimento neles do que adoração.
Nunca antes, nem mesmo na era medieval,
os cristãos tinham sido tão obsessivos consigo
mesmos. Nunca antes, Deus foi tão esquecido.
Auto-estima, auto-imagem, auto-confiança,
auto-isso, auto-aquilo, isto tem sido a ênfase
do cristianismo moderno. Gastamos a maior
parte do tempo, como Narciso, contemplando
nossa própria imagem distorcida no espelho,
e não a autêntica imagem de Deus.
Mas, tudo isso pode mudar. Já aconteceu
uma vez, na Reforma e pode acontecer de
novo. A Reforma Protestante do século xvi
trouxe liberdade à consciência cristã porque
restaurou o foco do Evangelho, tirando-o de
ser centrado no homem para ser centrado
em Deus. Precisamos disso hoje.
Tanto quanto no tempo de Lutero, precisamos de Reforma. Precisamos deixar de lado
todas as supostas revelações extras, todas
as outras formas de salvação, todo senso
de pagamento, de obras e de orgulho que
possa haver em nossas igrejas, em nossos
sermões, em nossos livros, e clamar com
grande brado sola scriptura, solus Christus,
sola gratia, sola fide, soli Deo gloria. Chega de
aceitarmos de boca fechada todos os ataques
que o Evangelho tem sofrido por supostos
pregadores e evangelistas. Chega de engolirmos tudo o que nos é passado com um ar
piedoso, mesmo que seja abertamente contrário ao ensino das Escrituras e aos princípios da Reforma. Que a Reforma continue
hoje, este deve ser o nosso maior objetivo.
3
1 Os teólogos chamam
a primeira das
oito disciplinas da
teologia sistemática
de Introdução ou
Prolegômena. É a
parte que trata das
questões introdutórias
à teologia, como a
questão da Revelação
(Geral e Especial), os
pressupostos filosóficos,
a função e o método
da teologia, etc. Nesse
trabalho, simplificamos
bastante essa parte,
tratando apenas da
questão da Revelação, e
mais especificamente da
Revelação Especial.
REVELAÇÃO PROGRESSIVA1
Entender a perspectiva conservadora
a respeito da revelação bem como
seu aspecto progressivo.
introdução
2 Aqui já deixamos
de lado todo tipo
de especulações ou
naturalismo.
3 Anselmo falou sobre a
necessidade de entender
a fé, e que isso é uma
espécie de “desejo” da fé
(Ver Karl Barth. Fé em
Busca de Compreensão,
p. 28).
4 A perspectiva adotada
aqui é de que a fé pode
ser compreendida,
porém, não no sentido
iluminista de que se crê
apenas naquilo que se
pode compreender (Ver
Stanley J. Grenz & Roger
E. Olson. Teologia
do Século xx, p. 16).
Muitas coisas da fé
permanecem além da
compreensão humana,
mas jamais recebemos
a permissão para cruzar
os braços
Há duas formas de se fazer teologia. Depende de como se aborda a Escritura. Teologia,
necessariamente precisa ser Teologia da Bíblia2, porém, há duas formas de se aproximar
da Escritura: 1) Com pressuposto da fé. 2)
Com pressuposto da dúvida. As duas formas
têm sido adotadas ao longo da história.
Quem se aproxima com o pressuposto da fé
entende que a Escritura é inspirada, infalível e inerrante em tudo o que ensina. Este
estudioso não se preocupará primariamente
em encontrar questões como fontes, desenvolvimento de tradições, questionamento de
datas ou autorias. Ele procurará entender o
ensino da Bíblia e se submeterá a ele, porque
acredita ser verdadeiro e normativo. Além
disso, entende que, ao longo dos séculos, a
Escritura já deu suficientes provas de sua autenticidade. Essa posição não significa estar
fechado para discussões, mas significa que
não se está disposto a abandonar a fé como
pressuposto fundamental da teologia.
14 as grandes doutrinas da graça i
Anselmo, que foi Arcebispo da Cantuária
(1033-1109), dizia que teologia é a fé em
busca de compreensão3. E de fato, não se estuda teologia necessariamente para questionar a fé, embora algumas vezes ela precise
de questionamento, mas para se desenvolver e se fundamentar4. Geralmente aqueles
que adotam esta perspectiva são chamados
de “conservadores” e, às vezes até, de “fundamentalistas”, o que nem sempre é um
rótulo adequado. É possível identificar uma
linha histórica de estudiosos assim, desde
os dias atuais até o tempo dos apóstolos.
Recentemente tem surgido uma nova forma
de se abordar a Escritura. É o que se intitula aqui de pressuposto da dúvida. Especialmente a partir do iluminismo (Séc xvii) e,
com as descobertas científicas dos séculos
seguintes, muitos estudiosos começaram a
abordar a Bíblia como um livro meramente histórico que precisava ser analisado de
uma perspectiva científica. Já não se acei-
tava mais o pressuposto da fé. A partir daí
começou-se a questionar as narrativas bíblicas, principalmente aquelas que narram
eventos sobrenaturais. Um grande esforço
foi feito para recuperar o Jesus histórico que
teria sido distorcido pelos Evangelhos. A autoria mosaica do Pentateuco foi rejeitada e,
em seu lugar, foi desenvolvida uma complexa teoria de fontes. Assim, o Pentateuco
foi dividido em diversas ramificações que
seguiriam fontes anteriores e que teriam
sido compiladas por alguém depois do Exílio. Esta abordagem ficou conhecida como
Crítica das Fontes. Posteriormente falou-se
em crítica das formas, crítica das tradições,
crítica da redação, etc. O que todas essas
abordagens têm em comum é a perspectiva
de crítica da Escritura sem respeito ao seu
caráter inspirado. Este pressuposto de abordagem não rejeita o cristianismo, mas não
está disposto a aceitar que tudo o que está
registrado na Bíblia é verdadeiro. Após tantos estudos e especulações, no entendimento de tais estudiosos, pouca coisa na Escritura permanece como verdadeira e acima de
qualquer suspeita. Os adeptos desta abordagem são geralmente rotulados de “liberais”.
Como já foi dito, o início desta abordagem
se deu no iluminismo, e ela permanece até
hoje como a forma mais predominante nos
meios acadêmicos teológicos do mundo
todo, embora com muitas variações.
Não é o propósito dessa obra discutir profundamente esta questão e o estudante mais
interessado deverá se preocupar em pesquisar outras fontes. Justifica-se a opção pela
primeira forma de abordagem por ser a forma histórica mais praticada, por ser a que
não violenta os escritos bíblicos, e por ser a
que mantém as verdades essenciais do cristianismo. O pressuposto da dúvida, embora
tenha dado alguma colaboração para o aprofundamento acadêmico, tem causado esfacelamento no cristianismo mundial, retirando
sua base de fé, comprometendo o ensino bíblico sobre a Redenção e, assim demolindo a
própria estrutura do cristianismo. Além disso, é necessário que se esclareça que todas
as teorias racionalistas permanecem apenas
como teorias, carecendo de provas documentais. Amplo trabalho apologético (defesa da fé) tem sido feito pelos conservadores
no sentido de rebater as teorias racionalistas.
De fato, até hoje, não há razões suficientes
para se abandonar o pressuposto de fé na integridade das Escrituras.
propósito e progressividade
Uma vez que a integridade da Escritura é
assumida, é necessário entender a maneira como ela surgiu e chegou até nós. Neste
capítulo, que talvez seja o mais “técnico” do
livro, veremos bastante brevemente como
isso se deu.
A revelação especial é o ato divino pelo qual
Deus se torna conhecido de forma redentora,
ao homem decaído. Sem a revelação, Deus
seria eternamente o absconditus (escondido),
pois a natureza de Deus é tão diferente da
dos homens, que os homens jamais conseguiriam descobrir qualquer coisa de Deus
por si mesmos. Talvez, por essa razão, Paulo faça eco às palavras do Salmo 14 ao dizer:
“Não há quem entenda, não há quem busque
a Deus” (Rm 3.11; Sl 14.2). Isso parece contraditório diante do que se vê no mundo, onde
as pessoas, quase que freneticamente, procuram Deus para resolver seus problemas. Mas
esse é justamente o problema, pois no fundo
as pessoas não estão buscando a Deus, estão
simplesmente buscando algo dele. A rotina comum do ser humano é fugir de Deus,
como Adão e Eva, escondendo-se por entre
as árvores do jardim. E naquela mesma cena,
vemos Deus procurando o casal e chamando-o para restaurar o relacionamento. Isso é
revelação, pois é um movimento de Deus em
direção ao homem, dando-se a conhecer, revelando seu plano redentor, com o objetivo de
restaurar este homem. A revelação especial,
que deve ser distinguida da revelação geral,5
concentra-se na revelação do plano redentor
de Deus. Adão antes da queda, recebeu revelação especial não redentora, mas, após a
queda, pode-se dizer que a revelação especial
revelação progressiva
15
5 Revelação Geral, que
também é chamada de
revelação natural, diz
respeito à revelação que
Deus faz de si mesmo
e que pode ser vista na
natureza, na maneira
como Deus conduz a
história e na própria
constituição do ser
humano. O propósito
desta revelação não
é redentivo, mas
demonstrar a glória de
Deus como criador (Ver
Sl 19.1-6; Rm 1.18-32).
A Escritura diz que
os “céus proclamam
a glória de Deus”
(Sl 19.1), e que Deus
revelou sua divindade
e atributos através das
coisas que foram criadas
(Rm 1.20). Portanto, a
criação é a uma forma
de Deus manifestar
sua existência e sua
glória para as pessoas.
No entanto, devemos
observar que a
Revelação Natural é
sempre Sobrenatural
no sentido que parte
sempre deliberadamente
de Deus.
de Deus é uma revelação com propósitos redentores. Portanto, é possível identificar a
revelação especial com a Bíblia.
Um aspecto importante da revelação especial é que ela é progressiva. O que se quer
dizer com isto é que, tudo o que está escrito na Bíblia não foi revelado e registrado
em um único momento, mas, foi revelado
e registrado progressivamente. Deus usou
diversas pessoas em diversas épocas para
registrar o que está na Bíblia, pois ele não
revelou tudo de si de uma única vez. De certa forma, Gênesis 1.1 é o resumo de toda a
Bíblia, pois contém embrionariamente tudo
o que foi explanado depois, mas Deus não
revelou tudo de uma única vez. Ao longo da
história, Deus foi oferecendo, cada vez mais,
conhecimento de si mesmo aos homens.
Disto decorre que é preciso entender o significado como um todo, em toda a Escritura, entendendo que, muitas coisas que não
estão claras a princípio, serão esclarecidas
depois. Isso pode ser visto nas várias ministrações da Aliança divina que, embora seja
uma só, foi renovada em momentos subseqüentes e elementos novos foram acrescentados, revelando mais do caráter divino e do
plano redentor.
formas de revelação
O autor aos Hebreus diz: “Havendo Deus,
outrora, falado, muitas vezes e de muitas
maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes
últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem
constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo
qual também fez o universo” (Hb 1.1-2).
Mesmo antes de a Bíblia ter sido escrita,
Deus já se revelava de forma especial para
o seu povo. Dois modos bastante usados
por Deus na antiguidade foram: teofania e
profecia.
Revelação por Teofania
Teofania, que literalmente significa “manifestação de Deus”, refere-se às aparições de
Deus, bem como às demonstrações fantásti-
16
as grandes doutrinas da graça i
cas de seu poder. A teofania foi predominante
até o período mosaico. Deus se manifestou a
homens como Adão (Gn 2.15-17, 22-23; 3.8),
Abraão (Gn 12.2; 28.13) e, especialmente, a
Moisés. A Bíblia afirma que, após Moisés,
esta não seria mais a forma “oficial” de Revelação (Dt 34.10), embora alguns homens do
Antigo Testamento continuaram recebendo
Teofanias, como Elias, por exemplo. A característica principal da teofania é o apelo ao
físico, ao sensitivo. Deus tomava a forma de
um anjo, ou de um homem e podia ser visto, ouvido, e até tocado. Evidentemente que
aquelas eram formas temporárias, assumidas por Deus para se comunicar com o ser
humano.
Revelação por Profecia
A partir de Moisés, Deus passou a usar mais
amplamente uma nova forma de revelação.
Ele começou a se revelar através de Profecia
(Nm 12.6-8). A revelação por profecia é uma
forma mais indireta de revelação. O profeta recebia algo de Deus, porém em forma
de sonho ou visão. Era responsabilidade do
profeta transmitir ao povo aquilo que viu no
sonho ou na visão. Como sempre havia risco de falsificação, Deus estabeleceu testes
para confirmar o profeta e a profecia. Eram
basicamente dois testes, o da veracidade do
fato profetizado (Dt 18.20-22) e o da conformidade com a Palavra Escrita (Dt 13.1-5). O
tempo predominante dos profetas se estende desde a morte de Moisés até João Batista
(Mt 11.13).
A função básica do Profeta era ser um portavoz de Deus. Por isso, usualmente o profeta
começava sua mensagem com a seguinte
sentença: “Assim diz o Senhor...”. Isso indica que o próprio Deus colocava suas palavras na boca dos profetas (Jr 1.7; Is 51.14;
Ex 4.10-12; Dt 18.18). Um detalhe que não
pode ser olvidado é o caráter orgânico da
recepção e da entrega da mensagem profética. Os profetas não falavam em transe, mas
usavam seus recursos, qualidades e talentos
para transmitir a mensagem de Deus. A
Download