a gênese de uma nova indeterminação do sujeito na

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Revista Educare ISEIB - Montes Claros - MG v. 1 2005
A GÊNESE DE UMA NOVA INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO NA
ORALIDADE
Althiere Frank Valadares Cabral*
RESUMO: Um dos termos constituintes da frase que mais recebe definições é o sujeito oracional. Aqui,
confrontamos algumas dessas definições a fim de compreender o fenômeno da indeterminação do sujeito segundo as
normas tradicionais e, sobretudo, como os falantes se valem da língua quando pretendem indeterminar o sujeito na
oralidade. Chegamos, pois, ao conceito de categoria vazia, ou seja, sujeito formado por meio da terceira pessoa do
singular sem o pronome “se” e sem um referente explícito. Apontamos aqui esse tipo de indeterminação como bem
estruturada e produtiva na língua portuguesa sincrônica oral na cidade de Montes Claros, MG.
Palavras-chave: indeterminação, sujeito, gramática, lingüística, sintaxe.
Introdução
É notória a disparidade que há entre a língua viva e os postulados gramaticais.
A força da tradição que nos é imposta desde os primeiros anos escolares nos faz fechar
os olhos e, muitas vezes, perceber apenas o que dita a norma-padrão da língua
portuguesa, desconsiderando toda riqueza de construções possíveis e, sobretudo,
produtivas para a língua.
Quando estudamos sintaxe, a partir da análise tradicional, nomeamos
construções por meio de modelos pré-estabelecidos e, a priori, podemos afirmar que
toda construção lingüística com verbo e sentido completo, ou seja, todo período, é
passível de análise. Contudo, isso pode até ser uma verdade, se consideramos a língua
padrão escrita, pois ao observarmos a oralidade, o leque se abre e tanto mais complexa
torna-se a análise. É fato que, normalmente, só analisamos sintaticamente textos
escritos, mas também é fato que textos escritos recebem forte influência da oralidade.
Portanto, não podemos desconsiderar novas construções orais, pois elas podem ser o
padrão da língua em futuro próximo, além de importantes ferramentas de argumentação
em textos formais e informais, também não podemos desconsiderar o fato de que
estamos lidando com palavra e como afirma CITELLI:
*
Graduado em Letras Português/ Inglês pela Unimontes
Pós-graduado em Leitura e Produção de Texto pelas faculdades Santo Agostinho
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... Operar com palavras é um gesto de rompimento com a rigidez hierárquica
imposta às áreas e disciplinas tradicionalmente dispostas nas grades
curriculares. As palavras, felizmente, penetram todos os domínios,
executando o paciente e determinando o mister do fazer multidisciplinar, do
invocar infindáveis relações intertextuais e interdiscursivas. Flagrar a
riqueza desse movimento, percorrer os seus circuitos, entender sua força e
seus limites, pode ser, já, uma enorme atividade a ser desenvolvida nas aulas
de português. (CITELLI, 1994:13)
Assim, quebrar com o paradigma vigente, quando falamos em linguagem, não
é ir além, mas apenas usar a própria linguagem de maneira adequada dentro de suas
possibilidades naturais. Por isso mesmo, uma aula viva é aquela que leva o aluno à
língua tal qual ela acontece, aquela que contrapõe o sincrônico e o diacrônico
enriquecendo o saber com o que é útil à vida. Ou nas palavras de OSAKABE (1994:
07): “a linguagem fulcra-se como evento; faz-se na linha do tempo e só tem consistência
enquanto real na singularidade do momento em que se enuncia”.
1 O Sujeito Indeterminado e Suas Definições Conceituais
Pensando essa língua viva, um dos termos sintáticos mais importantes de ser
compreendido é o sujeito da oração. Precisamos, ao construir um texto, ter bem
delimitada a idéia de que alguém ou algo exerce uma força sobre o verbo e quais são as
implicações disso. Também precisamos ter clara a idéia da indeterminação, ou seja,
quando desejamos “não” esclarecer quem pratica determinada ação. Quando queremos
atribuir a outrem a responsabilidade de algo, sem que isso implique, necessariamente,
ter um responsável definido.
Comecemos, então, nossa análise pela GT. Em CUNHA e CINTRA
(2001:122) encontramos o sujeito como “ser sobre o qual se faz uma declaração”.
Sabemos da fragilidade desse conceito, uma vez que podemos declarar algo sobre
termos que não são sujeitos, contudo, aqui, não nos aprofundaremos nessa observação.
Preferimos, nesse momento, registrar o que esses autores compreendem como sujeito
oculto. Termo que, segundo eles, trata-se do sujeito que “não está materialmente
expresso na oração, mas pode ser identificado”. Posteriormente, confrontaremos este
conceito com outros.
Agora, para começarmos a delinear a indeterminação do sujeito segundo a
tradição gramatical, tomamos como base CUNHA e CINTRA (2001) que trazem como
indeterminados dois tipos de construções, a saber:
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A) Na 3ª pessoa do plural:
(1) Impuseram-me, há muito tempo, estas regras gramaticais.
B) Na 3ª pessoa do singular, com o pronome se:
(2) Precisa-se de muitas mudanças no ensino de Língua Portuguesa.
E assim as define: “o verbo não se refere a uma pessoa determinada, ou por
se desconhecer quem executa a ação, ou por não haver interesse no seu conhecimento”
(CUNHA e CINTRA, 2001:128). Podemos, a princípio, observar que os autores
supracitados trazem um conceito pouco preciso. No início, trouxeram o sujeito como ser
sobre o qual declaramos algo, e, agora, o encontramos como ser que executa a ação.
Para nós, ambas as definições podem ser úteis e, por isso, não descartamos nenhuma
delas, mas ressaltamos a importância de compreendê-las como diferentes.
Além dessas definições, encontramos autores que preferem uma abordagem
formal. Como é o caso de INFANTE (2001:422), que classifica o sujeito como “termo
da oração que concorda em número e pessoa com o verbo”. Incluímos, então, o
elemento da concordância para a definição do sujeito e, à medida do possível, valer-nosemos tanto das definições sintáticas quanto das semânticas, uma vez acreditarmos que,
mesmo em estudos sintáticos, completa é somente a análise que transpõe as barreiras da
frase e, também, porque o corpus aqui pesquisado só pode ser compreendido como um
todo, uma vez que são entrevistas orais dotadas de sentido completo no contexto em que
se inserem.
BUENO (1963:228-229) traz o sujeito como “parte da oração da qual se
declara alguma cousa”. Definição quase idêntica à de CUNHA e CINTRA. (Contudo)
BUENO considera como indeterminado o sujeito cujo verbo é impessoal, ou seja, as
construções tradicionalmente consideradas como orações sem sujeito. Neste trabalho
não adotamos esta postura, é-nos importante, todavia, diferenciar e bem delimitar tais
construções para que sejam atingidos os objetivos da pesquisa.
Desta maneira, podemos afirmar que a tradição gramatical classifica o sujeito
como termo da oração sobre o qual declaramos algo.
(3) Os alunos não aprenderam análise sintática.
Em que “os alunos” é o sujeito, uma vez termos declarado que eles “não
aprenderam análise sintática”.
O sujeito, ainda segundo a GT, é o termo que pratica ou sofre ação verbal.
(4) Meus alunos raramente compreendem a sintaxe tradicional.
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(5) A sintaxe tradicional raramente é compreendida por meus alunos.
Em (4), encontramos “meus alunos” como termo que pratica a ação verbal,
portanto, sujeito. E em (5), o sujeito é “a sintaxe tradicional”, por ser termo que sofre a
ação verbal.
E por fim, encontramos o sujeito como termo responsável pela flexão verbal.
(6) Dom Casmurro é tão surpreendente quanto Grande Sertão e Veredas.
(7) Guimarães Rosa e Machado de Assis são gênios da literatura.
Temos “Dom Casmurro” como sujeito de (6), por isso o verbo “ser” no
singular (é). E em (7), “Guimarães Rosa Machado de Assis” como sujeito, e por isso a
forma plural para o verbo (são).
Todas essas definições são imperfeitas, mas não se excluem, ao contrário,
complementam-se. Embora se tivéssemos uma única definição fosse mais fácil
compreender o sujeito, a língua é mais complexa que isso e nos exige maior reflexão
para compreensão de alguns fatos. Nesse trabalho, não podemos adotar apenas o
elemento da concordância para definir o sujeito. Embora apresente menos problemas
que as definições anteriormente citadas, a concordância nos remete a um sujeito
puramente sintático, e, como já foi mencionado, precisamos nos valer da semântica para
a compreensão dos fenômenos aqui pesquisados.
Também não podemos nos ater à definição segundo a qual o sujeito é o termo
sobre o qual declaramos algo, haja vista, como já foi dito, podermos declarar algo sobre
outros termos, que não são necessariamente o sujeito da oração, como nos exemplos a
seguir:
(8) Há para o sujeito definições incompletas.
(9) O objeto direto, eu estudei incansavelmente na 8ª série.
Aqui encontramos “definições incompletas” e “objeto direto” como termos
sobre os quais declaramos algo, sem que eles sejam sujeitos de (8) e (9). Embora
incompleta, também não descartamos essa concepção, pois não podemos negar que, em
grande parte das construções de nossa língua, o sujeito ocupa a posição de “tema” da
oração.
Por fim, encontramos o sujeito como termo sintático ligado à ação verbal,
praticando-a ou sofrendo-a. Duas grandes incoerências podemos apontar nessa
definição; logo de início podemos observar que o conceito em si é antagônico, praticar e
sofrer sendo antônimos, nesse contexto, não podem, em princípio, serem parâmetros de
conceituação. Também não podemos atribuir a todo verbo a característica de “ação”.
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Além dessas incoerências, normalmente negligenciadas pela GT, não podemos afirmar
que “praticar ou sofrer” sejam comportamentos sintáticos; são, antes, semânticos.
Entretanto, essa é a concepção mais explorada nessa pesquisa, sobretudo no que diz
respeito à posição de agente ocupada pelo sujeito.
Ainda há pontos a serem esclarecidos quanto ao sujeito para que possamos
delimitá-lo nos parâmetros aqui necessários. Antes, porém, queremos ressaltar o
resultado de uma pesquisa realizada em São Paulo, na qual foram analisados dados
consistentes e cujos resultados reforçam a necessidade de um trabalho sistemático que
assegure ao professor um posicionamento mais firme quanto à sua própria conceituação,
quer em nível de ensino, quer de aprendizado. Segundo essa pesquisa da professora
MARIA HELENA DE MOURA NEVES, os professores apresentaram algumas
definições relativas à gramática normativa que são aceitas como adequadas pelos alunos
e, muitas das vezes, são mesmo as ensinadas em sala de aula. E é da seguinte maneira
que os professores pesquisados definem o termo “sujeito”.
“A definição de sujeito não apresenta, como entidade genérica, uma entidade
sintática (por exemplo, termo de oração); chega a confundir a função
sintática como referente (ser) da classe nocional que normalmente ocupa a
posição do sujeito (o substantivo); na verdade, a definição de sujeito é,
predominantemente, a de tema e a definição de predicado é,
predominantemente, a de rema: ‘o sujeito é o ser que se diz / se declara
alguma coisa’; ‘sujeito é o assunto da oração’, ‘predicado é o que se diz do
sujeito’; as outras definições de sujeito e de predicado são puramente
semânticas: ‘ o sujeito é o que pratica a ação’ (definição de papel
semântico); ‘ predicado é o que indica ação ou estado do sujeito”. (NEVES,
1994:16).
Assim, podemos observar que, além de serem trazidas às salas de aula
definições incompletas, não há delimitações precisas entre sintaxe e semântica.
Ainda na mesma pesquisa, em que também foram investigados os alunos
desses professores, vemos o quão confuso é o termo sujeito aos alunos. Verificou-se,
segundo NEVES (1994:19), “que a maioria (cerca de 80%) dos professores leva seus
alunos à conceituação por meio de definição, enquanto uma maioria operacionaliza o
conceito”, cerca de 70% dos alunos perguntam ao verbo “quem” ou “o que” para
chegarem ao sujeito. Sabemos que, embora essas perguntas revelem um dos
comportamentos sintáticos do sujeito, também o objeto direto possui esse
comportamento,
o
que
pode,
muitas
vezes,
levá-los
a
confusões.
Mas,
independentemente de toda essa má conceituação, o que nos parece de maior relevância
aqui, é que boa parte dos alunos, nada menos que 80%, define o sujeito como
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AGENTE. Assim, não podemos desconsiderar tal característica, uma vez que é assim
que boa parte dos falantes constrói e compreende os “sujeitos” que perpassam os muitos
textos de suas vidas e, conseqüentemente, é dessa maneira que constroem sua gramática
internalizada. E como nos ensina TRAVAGLIA (1992:30), “a gramática internalizada é
a que constitui não só a competência gramatical do usuário, mas também sua
competência textual e sua competência discursiva e, portanto, a que possibilita sua
competência comunicativa”.
Diante disso, retomamos a idéia de sujeito como agente ou paciente da ação
verbal para melhor compreendê-lo, e fazemos isso tentando deixar claro que, embora
haja outros termos que também assumem o comportamento semântico de agente e
paciente, há diferenças entre eles e o sujeito. Tomemos o sujeito, primeiramente como
agente. Como é sabido, também o agente da passiva assume, na voz passiva analítica,
esse comportamento. Assim:
(10) Regras gramaticais são, diariamente, transgredidas por falantes cultos.
Temos “por falantes cultos” como termo que pratica a ação verbal sem ser o
sujeito; sendo na verdade, o agente da passiva. Apesar da semelhança, podemos apontar
pelo menos uma característica que difere o agente da passiva do sujeito: o sujeito jamais
é preposicionado e o agente da passiva o é (normalmente pela preposição “por” e suas
derivadas).
Em contrapartida, também a posição de termo que sofre a ação verbal não é
exclusiva do sujeito. Por exemplo:
(11) Nós não compreendemos as incoerências desta gramática.
“As incoerências desta gramática” é, em (11), o objeto direto e como tal sofre
a ação verbal, o que, aliás, é comum a todo OD. E essa não é a única coincidência entre
esses dois termos, contudo, nos interessa mais o que os difere, e isso acontece
necessariamente no elemento da concordância. Somente o sujeito concorda em número
e pessoa com o verbo. Sendo assim, “por falantes cultos” também não pode ser o sujeito
de 10 porque não concorda com “são transgredidas”.
Agora que diferenciamos sujeito de agente da passiva e de objeto direto,
abordaremos o sujeito da voz passiva sintética, como é o caso de:
(12) Na escola, faz-se análise de frases descontextualizadas.
(13) Na escola, fazem-se análises de frases descontextualizadas.
(14) * Na escola, faz-se análises de frases descontextualizadas.
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A tradição gramatical aponta como sujeitos de (12) e (13), respectivamente,
“análise de frases descontextualizadas” e “análises de frases descontextualizadas”.
Também nos aponta essa mesma tradição como gramaticalmente inadequada a
construção (14). Pois, segundo a norma padrão, não há, em (14), o elemento da
concordância entre o sujeito e o verbo. Autores há que consideram (14) como uma
formação de sujeito indeterminado. Pensando assim, o plural do verbo é desnecessário,
e, por isso mesmo, encontramos atualmente uma forte tendência a essa não
concordância. Apesar de plausíveis os argumentos nesse sentido, pensamos que o fato
de essas construções normalmente aparecem em ordem inversa é que acarretam essa não
concordância, uma vez que o sujeito é entendido como objeto direto. Além do mais,
temos de nos lembrar de que construções desse tipo trazem em si a idéia de
indeterminação, não do sujeito, mas do agente da passiva. A GT ainda diz serem
equivalentes as construções:
(15) Exercícios de sintaxe são feitos incansavelmente.
(16) Fazem-se exercícios de sintaxe incansavelmente.
É fato que a maioria dos falantes não vêem tal equivalência, mas vêem, por
certo, que lhes falta um agente. Em (15) encontramos uma voz passiva analítica e a essa
construção poderíamos, facultativamente, acrescentar um agente; por exemplo: “por
mim”. Assim, teríamos uma ação exercida sobre o sujeito paciente “exercícios de
sintaxe”, ação essa praticada pelo agente “por mim”. A mesma possibilidade não é
facultada à construção (16), haja vista a voz passiva sintética não admitir agente da
passiva. Assim, nessas construções encontramos um sujeito que sofre ação, e talvez por
isso tão comumente confundido com o objeto direto, e encontramos também uma ação
sem agente claro. Isso pode implicar uma falsa idéia de indeterminação do sujeito, uma
vez ser a definição de agente; como vimos anteriormente, uma das definições de sujeito
mais difundidas, e por que não dizer, arraigadas entre os falantes.
Aqui encontramos ainda um outro problema quanto à definição do sujeito
provocado pela má colocação do termo feita pelos próprios professores em sala de aula.
Os professores ensinam que podemos encontrar o sujeito por meio das perguntas
“Quem” ou “o que” feitas ao verbo. Ora, se em (16) perguntássemos “Quem” faz
exercícios de sintaxe não teríamos a resposta, pois a sentença não nos esclarece isso; e
se pudéssemos responder, a resposta a essa pergunta também não seria o sujeito, mas o
agente da voz passiva. Assim, reafirmamos a necessidade, nessa pesquisa, da
delimitação clara entre agente e sujeito; termos próximos, contudo distintos.
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Para elucidarmos melhor essa discussão em torno de sujeito e agente,
tomaremos como base a definição (sintática) trazida por PERINI (2001:76) para o
sujeito, segundo a qual “existe, na maioria das orações, um constituinte que harmoniza
com o número do predicado. Quando PERINI faz essa afirmação, ele nos chama a
atenção ao fato de haver construções, não raras, sem o sujeito, contestando a
classificação tradicional de termo essencial da oração. Cabe ainda observar a concretude
desse termo para o autor. “O constituinte que harmoniza” com o núcleo do sujeito
precisa, para PERINI, estar materialmente expresso. Dessa forma, construções
classificadas tradicionalmente como orações com sujeito oculto, como definem
CUNHA e CINTRA já mencionados aqui, serão consideradas orações sem sujeito para
PERINI. Ainda para ele, contrapondo-se à GT, frases como:
(17) Eu quero compreender os fenômenos da língua
e
(18) Quero compreender os fenômenos da língua.
Não podem ser consideradas, sintaticamente, iguais.
Embora sinônimas, essas construções não podem, conforme PERINI (2001:
368-369) receber mesma análise. Afinal, em (17), temos o vocábulo “eu” em harmonia
com o núcleo do predicado. Essa harmonia é confirmada ao modificarmos esse
vocábulo para “nós”, em que teremos:
(19) Nós queremos compreender os fenômenos da língua.
Contudo, fica a pergunta: qual é o elemento (expresso) que estabelece essa
harmonia em (18)? A tradição gramatical encontra esse sujeito na desinência verbal,
classificando-o como sujeito oculto. PERINI discorda de tal definição preferindo
chamá-la de oração sem sujeito e argumenta dizendo que se tivéssemos um sujeito na
desinência verbal, como postula a GT, a informação ficaria redundante quando
tivéssemos um sujeito explícito. Ou seja, o substantivo (ou equivalente) é o sujeito e a
desinência será tão somente para indicar o agente do processo verbal. Assim, se o
sujeito não está materialmente presente na oração, o que temos é apenas uma desinência
que nos remete ao agente. É claro que em (18) conseguimos perceber que há um agente
para a ação expressa pelo verbo por meio do sufixo verbal, no caso em questão, trata-se
do emissor da sentença. Com tal argumentação, passamos, doravante, a desvincular,
quando necessário, o sujeito do agente; ainda que em outras análises cheguemos à
conclusão de que são um só termo. Note-se que aqui estamos percebendo o sujeito,
predominantemente, como agente, logo, uma visão semântica.
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Outro argumento trazido por PERINI que merece nossa apreciação, é o fato de
que há, ainda que pouco comuns, casos em que a explicitação do sujeito pode implicar
inaceitabilidade de algumas construções. Como nas seguintes:
(20) O aluno parece que aprendeu a lição de sintaxe.
(21) * O aluno parece que ele aprendeu a lição de sintaxe
Encontramos má formação em (21) que, em princípio, é totalmente
correspondente de (20).
Embora não use os mesmos termos que PERINI, também BECHARA (2001)
parece concordar com a desvinculação entre o sujeito e agente, ou pelo menos com o
fato de o sujeito precisar vir expresso. Observamos sua definição de sujeito:
“Chama-se sujeito à unidade ou sintagma normal que estabelece uma
relação predicativa com o núcleo verbal para constituir uma oração. É, na
realidade, uma explicitação léxica no sujeito gramatical que o núcleo verbal
normalmente inclui como morfema número-pessoal”. (BECHARA, 2001:409)
Assim, o autor mostra que o sujeito gramatical pode estar presente na
desinência verbal, contudo o sujeito, tal qual define a sintaxe tradicional, é formal e
explícito; não podendo, a rigor, existir o sujeito implícito, mas na realidade o que
BECHARA chama de sujeito gramatical, correspondente ao “agente” indeterminado
demonstrado por PERINI.
Mediante os conceitos e contradições até aqui explicitados, pensamos que o
sujeito é mais que o termo que estabelece relação de concordância com o verbo, ou
termo a respeito do qual se declara algo, ou ainda, o elemento encontrado pelas
perguntas “quem” e “que” feitas ao verbo. Na verdade, as muitas definições tornam o
sujeito um termo complexo, mas que para o usuário da língua se resume ao agente ou
paciente da ação verbal. E há razões para acreditarmos em que para o falante, a noção
de agente é a que predomina. Assim, quando são formados os sujeitos nas construções
coloquiais quotidianas, é a noção de agente que prevalece.
2 A Definição de Indeterminação do Sujeito Segundo a Lingüística e a Gramática
Normativa
Agora que delimitamos o sujeito tal qual o compreendemos e conforme
necessitamos para os propósitos dessa pesquisa, partiremos para a noção de
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indeterminação. Já citamos aqui a definição de sujeito indeterminado de CUNHA e
CINTRA, que afirmam que será indeterminado o sujeito quando não se souber quem é
responsável por determinada ação, ou quando não for interessante explicitar essa
informação. Perceba-se, segundo esses autores, como também muitos outros, a
indeterminação é também intencional. Indeterminamos então, conscientemente, quando
queremos fazê-lo. E essa internacionalidade é de suma importância na construção do
discurso. Nem sempre queremos expor claramente o sujeito responsável por algo, mas
queremos que fique subentendido que algo, ou alguém, o é; quando isso acontece,
utilizamos os recursos de que dispomos.
Em CEGALLA (1998:296) deparamos com o seguinte conceito: “o sujeito é
indeterminado quando não se indica o agente da ação verbal”. Mais uma vez
encontramos o termo sujeito ligado à noção de agente.
Tanto em CUNHA e CINTRA como em CEGALLA (e também em diversos
outros autores tradicionais), encontramos definições semelhantes e, basicamente, duas
construções “autorizadas” como indeterminadas. Ou seja, para a tradição gramatical,
somente sentenças como:
(1) Impuseram-me, há muito tempo, estas regras gramaticais.
(2) Precisa-se de muitas mudanças no ensino de Língua Portuguesa,
são gramaticalmente indeterminadas. Assim,
precisamos encontrar o
verbo,
independente de sua transitividade, na terceira pessoa do plural, sem seu referente
explícito e de forma que não o retomemos no contexto. Ou, um verbo transitivo
indireto, intransitivo ou de ligação na terceira pessoa do singular com o pronome “se”
que aparece nesse contexto como indeterminador do sujeito. Com os verbos transitivos
diretos nessa mesma formação não indeterminam o sujeito, pois, como vimos, temos,
nesse último caso, voz passiva. Assim encontramos:
(22) Compreenderam a importância do domínio da linguagem.
(23) Acreditava-se no domínio da linguagem como meio de libertação.
(24) Ainda se vive absorto em poesia.
(25) Sempre se é feliz quando se é livre.
Como exemplos gramaticais de indeterminação e:
(26) Vêem-se, em sala de aula muita gramática e pouca coerência.
Como exemplo de voz passiva sintética, portanto sem agente responsável pela
ação verbal, apenas com o sujeito paciente.
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Chegamos, então, ao propósito dessa investigação a que nos propusemos fazer.
Pensando que há outras maneiras de indeterminarmos o sujeito e tais construções,
embora negligenciadas pela gramática, são utilizadas na oralidade e começam a tomar
forma em textos escritos, e, ainda, conhecendo tais formas de indeterminação, que,
aliás, serão mais bem exemplificadas em quadro abaixo reproduzido, queremos nos
aprofundar na indeterminação que acontece quanto se constrói a sentença com o verbo,
independentemente de sua transitividade, na terceira pessoa do singular sem o pronome
“se”. Como exemplo dessa interdeterminação, trouxemos algumas construções colhidas,
“informalmente”, da fala de algumas pessoas.
Contexto 1: engraxate explica à pessoa de quem limpa os sapatos.
Frase formulada: “Diz que graxa conserva o couro”.
Provavelmente o engraxate ouviu isso de alguém, mas não fica claro quem o
fez. Pela gramática normativa teríamos como possibilidades as construções “dizem ou
diz-se”, mas não é o que se verificou no contexto acima descrito.
Contexto 2: comentário de um homem ao perceber que os ônibus de uma
determinada empresa estavam circulando sem a indicação, no letreiro, do itinerário
desse ônibus.
Frase formulada: “Tira os itinerários da frente tudo”.
A pergunta é: quem é o agente dessa ação de tirar? Provavelmente os
funcionários da empresas, que são, para o emissor da sentença, pessoas desconhecidas,
agentes indeterminados.
Contexto 3: Uma pessoa assistindo a uma cena de novela cujas personagens,
em um casamento, usavam chapéus.
Frase formulada: “Hoje em dia, não usa mais chapéu em cerimônia de
casamento”.
Quem não “usa mais chapéu”?
Contexto 4: Fala de uma aluna de graduação do curso de letras ao sintetizar,
oralmente, um dado texto.
Frase formulada: “Aqui fala que a escrita e a fala são adquiridas em momentos
distintos”.
Quem fala? Provavelmente o autor do texto, ou o próprio texto. O fato é, isso
não está claro na fala da referida aluna.
Para não ficarmos limitados a esses exemplos informais, queremos ressaltar
que mesmo autores consagrados utilizam tal recurso de indeterminação em suas
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construções literárias. Como é o caso de GUIMARÃES ROSA e VINÍCIUS DE
MORAIS. Em Grande Sertão: Veredas, encontramos a seguinte construção:
(27) “Diz que lá em baixo tem... – foi o que o menino Guirigó me deu
resposta” (ROSA 2001:601).
De Vinícius extraímos os seguintes versos:
(28) “Diz que o mesmo sucedeu / (...) Diz que também é muito raro / (...)
Diz que ninguém esqueceu / (...) Diz que até hoje se escuta”.
(MORAIS 1998: 179-184)
Nos dois autores, encontramos o verbo dizer na terceira pessoa do singular
sem o pronome “se” e em todas as incidências não está claro quem “disse” em tais
contextos.
Em BECHARA (2003:34), encontramos essa construção, também com o
verbo “dizer” e o autor classifica seu sujeito como indeterminado. O gramático, no
entanto, diz ser pouco comum o fenômeno e não tece maiores comentários a respeito.
Em PERINI (2001) encontramos a seguinte construção:
(29) Comprou uma espora nova.
O autor classifica (29) como pouco aceitável, ou só aceitável se inserida em
um contexto. O que PERINI classifica como inaceitabilidade pode, a nosso ver, ser tão
somente a baixa incidência do fenômeno de que nos fala BECHARA e que também é
comprovada no quadro da pesquisa abaixo disposto. Entretanto, antes, queremos
endossar nossa hipótese com as palavras do próprio PERINI a respeito do (29). Segundo
ele não conseguimos especificar o agente de (29) porque “a informação fornecida pelo
sufixo da pessoa-número é menos especificada do que a fornecida por um sujeito
explícito – especialmente no caso de terceira pessoa do singular” (PERINI, 2001:289).
Quanto à baixa incidência do fenômeno, comentaremos a partir do seguinte
quadro extraído de (VITRAL: s.d). Pesquisa feita em torno do fenômeno da
indeterminação em textos orais.
2.1 Tipos de indeterminação do sujeito no PB
Formas indeterminadoras
1 – “se” impessoal
2 – cv
Freqüência
%
Com infinitivo
04
1.4
Com forma finita
11
3.8
Verbo 3ª do plural
02
0,7
12
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Com infinitivo
17
5,9
3 – você, ocê e cê
131
45,6
A gente
73
25,4
As pessoas
19
6,6
A pessoa
11
3,9
Cv
07
2,5
O pessoal
07
2,5
Eles
02
0,7
Nós
02
0,7
Ele
01
0,3
Totais
287
100
Como observamos, a forma de indeterminação aqui investigada aparece na
pesquisa em 2,5% dos casos de indeterminação. O autor atribui a ela o nome de
categoria vazia (cv) e a partir de agora assim também a chamaremos.
Outro fato que podemos constatar é que, se 2,5% é uma baixa incidência, não é
tão menor que as formas reconhecidas pela GT, que somam 11,8 do total. Desta forma,
o fenômeno precisa ser melhor compreendido e merece maior atenção. A pesquisa
supramencionada refere-se ao que o autor chama de “novas formas de indeterminação
do sujeito no PB, que, conforme podemos verificar, são, em seu corpus, 09 formas
diferentes. Sabemos da relevância de todas essas formas e, por isso, também as
consideraremos neste trabalho, além de acrescentarmos outras que também nos parecem
indeterminadas a partir dos pressupostos de indeterminação já expostos. Por fim,
acreditamos em que a CV seja um fenômeno bem menos raro na cidade de Montes
Claros do que no corpus acima analisado.
Queremos, ainda, registrar que a CV, segundo MICHELETTI
&
FRANCHETTI (1996), é “uma tendência bastante ativa, detectada nos grupos menos
escolarizados”. Assim, a variante escolaridade é importante, mas não será observada
neste trabalho.
Somente as construções cujos sujeitos não puderem ser recuperados
anaforicamente, serão analisadas sob a definição de sujeito indeterminado.
3 Categoria Vazia: Uma Indeterminação Real e Freqüente
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3.1 Incidência da CV na oralidade entre falantes de Montes Claros.
O quadro abaixo exposto traz, em termos quantitativos, os sujeitos
indeterminados encontrados em nossa pesquisa. Vale ressaltar que são indeterminados
aqui, conforme definimos anteriormente, os sujeitos de verbos cujos responsáveis por
suas ações não podem ser recuperados no contexto a que pertencem.
3.2 Sujeitos indeterminados encontrados na oralidade de falantes da cidade de
Montes Claros
FORMAS DE
FREQÜÊNCIA.
%
3ª pessoa do plural
07
10,6
3ª pessoa do singular + se
01
1,5
Categoria vazia (CV)
20
30,3
A gente
15
22,7
Você e ce
10
15,1
Eles
06
9,1
O povo
04
6,1
Todo mundo
02
3,0
As pessoas
01
1,5
O pessoal
01
1,5
Total
66
100
INDETERMINAÇÃO.
Conforme mostra o quadro, encontramos em nosso corpus lingüístico 66 itens,
ou mais claramente, 66 sujeitos, que consideramos indeterminados, ainda que a
Nomenclatura Gramatical Brasileira não os veja assim, ou ainda, sujeitos que a NGB
sequer menciona a existência, mas que acontecem freqüentemente entre falantes de
nossa Língua.
Diferente da realidade encontrada na pesquisa de VITRAL, em nosso corpus,
encontramos a CV como a realidade mais comum para o fenômeno da indeterminação
na oralidade.
A diferença entre os números apresentados nesta e naquela pesquisa, ou seja, o
fato de no presente corpus encontrarmos uma incidência consideravelmente superior da
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CV como forma de indeterminação; pode ser, talvez, explicada pela diferença entre as
datas das pesquisas, o que comprovaria uma tendência crescente em se indeterminarem
sujeitos por meio da CV no Português Brasileiro. Também poderíamos atribuir a causa
de o fenômeno ser mais comum neste trabalho ao local da pesquisa, comprovando ser
essa uma marca regional. Embora relevantes, não investigaremos tais diferenças, pois
não é nossa pretensão traçar comparações, mas tão somente compreender o fenômeno
lingüístico tal qual ele acontece na cidade de Montes Claros no ano de 2004.
Conforme podemos perceber claramente, a CV não só aparece na amostragem
lingüística, como ainda é a forma com maior incidência entre os falantes entrevistados.
As formas “a gente” e “você, cê” aparecem também em grande parte das construções.
Aqui não pretendemos analisar essas indeterminações, por isso elas ficarão apenas
registradas. Vale, contudo, ressaltar mais uma vez a grande incidência do fenômeno da
categoria vazia. Parece que a informalidade do discurso é bastante relevante para que a
CV aconteça. Os exemplos encontrados no corpus apareceram em contextos em que os
falantes estavam aparentemente à vontade frente ao entrevistador. Na verdade, no início
das entrevistas, quando os entrevistados geralmente ainda estão preocupados com o fato
de a entrevista estar sendo gravada, eles não utilizam a CV. No entanto, no decorrer da
conversa, a utilização de tal recurso torna-se comum. Assim poderíamos atribuir à
despreocupação com a fala um dos motivos que levariam o falante ao uso da CV.
Também é interessante lembrar que na escrita é pouco comum encontrarmos a
CV como forma indeterminadora do sujeito. Não podemos, neste trabalho, discorrer
sobre o fenômeno na língua escrita, haja vista termos investigado apenas a língua oral.
Todavia, a própria experiência em sala de aula nos habilita a afirmar que, na escrita,
perecem prevalecer as formas gramaticais postuladas pela tradição normativa. Se por
um lado, fica claro que quanto mais informal o contexto, maior a probabilidade de
acontecerem tais formas, por outro, nos mostra que essas formas são produtivas na
língua e que, por isso, merecem mais atenção do que normalmente recebem.
Perceba-se quão disparatados são os números apresentados no quadro acima.
O sujeito indeterminado pela terceira pessoa do plural aparece em 10,6% das
construções, ao passo que a CV é responsável por 30,3% das indeterminações. Note-se
ainda que só encontramos terceira pessoa do singular com partícula “se” em uma
construção, ou seja, 1,5% das formas indeterminadas. Assim, parece que são estas
últimas formações (terceira pessoa do singular + se) que estão se transformando em CV
e não a forma plural da terceira pessoa.
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3.3 Possíveis causas da gênese da CV no português contemporâneo.
Nem sempre são claros os motivos que levam usuários de uma língua optar
por dadas formas lingüísticas, no entanto, seguimos algumas pistas a fim de chegarmos
a algumas conclusões.
Conforme já expusemos logo acima, a terceira pessoa do plural parece manter
sua forma no Português atual. Pode ser que pessoas entendam a CV como um plural que
se tornou singular por um problema de concordância comum ao Português Brasileiro.
Essa hipótese, embora plausível, a descartamos. Como é sabido, mesmo na linguagem
oral, quando há problemas em relação à concordância verbal, não se apagam todas as
marcas de plural. Ou seja, em construções como:
(30) Os menino saiu correndo das vaca brava.
(31) Nós sempre confiou no senhor.
Temos, sempre, pelo menos uma marca de plural para cada sintagma.
Assim:
(32) O menino saiu correndo da vaca brava,
vemos o apagamento do morfema “s” dos artigos imediatamente anteriores às palavras
menino e vaca. Esse apagamento não só torna adequada a frase à norma-padrão, como
leva o enunciado ao singular.
(33) * Sempre confiou no senhor.
Já em (33), percebemos que o enunciado, se descontextualizado, apresentaria
inaceitabilidade. E, mais importante, provavelmente nenhum falante o entenderia como
plural. Ou seja, no Português pode ocorrer o apagamento de algumas marcas de plural,
mas não de todas. Em nosso corpus encontramos frases como estas aqui transcritas
segundo as normas do NURC:
(34) “Canta numa casa, canta ni otra, nas dus colega deles, canta gaião,
joga versu.”
(35) “Naturalmente pur isso ( pelo fato de o bairro se chamar Santos Reis),
colocô (o nome da festa) fulia de reis.”
(36) “Diz qui a fé removi montanhas, mas eu num acridito não.”
(37) “Engóli treis sementi (de romã), joga treis pra trás e as otra guarda
num lugá pra não achá.”
Como podemos notar, nenhuma das construções traz marcas de plural para que
pudéssemos justificar o fenômeno pela “má” concordância verbal. Assim, doravante
passaremos a procurar os motivos que levam os falantes a apagarem da língua oral o
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“se” como indeterminador do sujeito, uma vez acreditarmos ser a terceira pessoa do
singular que perde o “se” para a formação da CV.
Também Pontes (1986-29) questiona construções como:
(38) Deixou o feijão queimar.
Segundo a autora, (36) não apresenta sujeito. Para ela, feijão só pode ser objeto por
ocupar uma posição pós-verbal. O fato de a posição do sujeito ser pré-verbal, faz com
que tal construção seja uma oração sem sujeito para a autora. Contudo, essa construção
nos parece mais uma oração de sujeito indeterminado. Ou seja, alguém teria queimado o
feijão, não podemos afirmar quem o fez.
Pontes ainda traz a seguinte construção:
(39) Construiu-se a ponte.
A respeito de (39), a autora questiona o porquê de não falarmos:
(40) *Construiu a ponte.
Ao fazer este questionamento ela ainda alude ao fato de estar acontecendo em
nossa língua atual o apagamento do “se” em contextos informais. Claro que para
podermos afirmar ao certo precisaríamos de dados mais consistentes, mas parece que o
fenômeno da CV não se aplicaria a qualquer verbo, o que explicaria a má formação de
(40).
É provável que o contexto informal, como nos apontou Pontes, seja um dos
principais motivos para que ocorra o apagamento do “se” como índice de
indeterminação do sujeito na oralidade. É pouco crível que um falante, naturalmente,
em vez de dizer (37) dissesse:
(41) Engolem-se três sementes, jogam-se três pra trás e as outras se
guardam num lugar para não se achar.
É interessante como (41), embora adequada à norma padrão, seja um tanto
quanto anti-eufônica. Como a eufonia, ainda que em nível inconsciente, seja fator
determinante na produtividade lingüística, a perda do “se” aparece como fator que torna
o enunciado mais produtivo, melhorando, pois, o ato comunicativo.
Considerações Finais
Assim, pensamos que o sujeito indeterminado na oralidade e, por vezes, na
própria escrita, já não acontece tal qual postula a Gramática Prescritiva da Língua
Portuguesa no Brasil, sobretudo, no que diz respeito aos usuários dessa Língua na
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cidade de Montes Claros. Parece que fatores como informalidade, bem como
comunicabilidade, são de suma importância para a escolha de tais formas lingüísticas.
A categoria vazia (CV), tipo de indeterminação investigada neste trabalho,
apareceu como a forma preferida pelos falantes entrevistados na pesquisa. Também
compreendemos que tal forma lingüística se dá pela transformação de uma forma
acolhida pela GT. Ou seja, a CV seria, conforme argumentos já apontados
anteriormente, a terceira pessoa do singular sem o “se” que, segundo a NGB, deveria
aparecer como indeterminador do sujeito. Os motivos, porém, que levariam ao
apagamento deste “se”, merecem melhores esclarecimentos que fogem, aliás, aos
limites e propósitos do presente estudo.
Por fim, cabe lembrar o quão completo é o discurso com a CV. Ou seja,
embora não privilegiada, essa forma traz em si a principal finalidade da língua:
comunicar.
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no PB. Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, cópia, 10/01/2002.
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