Explicando a ação numa perspectiva informacional João Antonio de Moraes1 FAPESP Resumo: Este trabalho tem por objetivo argumentar em defesa de uma concepção da ação a partir de um viés informacional, em contraposição à concepção causal. Para isso resumiremos algumas hipóteses do behaviorismo radical de Skinner (1975, 2009), com o intuito de, a partir da explicitação de suas características gerais, indicar limites da causalidade mecânica quando utilizados para explicar a ação. Argumentaremos que um limite central se refere à aparente fragilidade quando utilizadas para explicar ações complexas. Entendemos que uma abordagem informacional da ação possibilita extrapolar tal limite. Assim, fundamentaremos nossa argumentação a partir das propostas informacionais de explicação da ação de Dretske (1981, 1992) e Juarrero (1999). Tais propostas se pautam na relação informacional, que não se restringe a uma determinabilidade como a causalidade mecânica. Enfim, concebemos que a proposta informacional nos possibilita prover uma explicação da ação mais abrangente. Palavras-chave: Filosofia da Ação. Relação informacional. Relação causal. Filosofia da Mente. Teoria da Informação. Abstract: This paper aims at arguing in defense of a conception of action from an informational view, as opposed to causal conception. For this, we will summarize some hypothesis of the radical behaviorism of Skinner (1975, 2009), in order to, from the explanation of their general characteristics, indicating limits of mechanical causality when used to explain the action. We will argue that a central limit refers to the apparent weakness when it used to explain complex actions. We believe that an informational action allows extrapolating that limit. Accordingly, we will base our arguing from the informational proposals of explanation of action of Dretske (1981, 1992) and Juarrero (1999). Such proposals are based on informational relationship, which is not restricted to determinability as the mechanical causality. Finally, we conceive that the informational propose allow us to provide a more comprehensive explanation of action. Keywords: Philosophy of Action. Informational relationship. Causal relationship. Philosophy of Mind. Theory of Information. *** 1 Aluno de Graduação em Filosofia da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília. Orientador: Profª. Dra. Maria Eunice Quilici Gonzalez. Email: [email protected]. Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 22 “[...] a ciência avança rapidamente para uma análise mais precisa [...]” (SKINNER, 1975, p. 14) Introdução Os estudos desenvolvidos sobre a natureza da ação podem ser vistos desde a antiguidade, contudo, a partir da modernidade estes estudos ganharam força, dando lugar ao que contemporaneamente conhecemos como teoria da ação. Esta teoria visa estabelecer critérios como: a delimitação do que caracteriza a ação, do que permitiria diferenciar o comportamento proposital do espontâneo? Qual seria a natureza do comportamento proposital? Sua causa seria interna ou externa? Além destas questões, ainda podemos perguntar: qual a função que a razão exerce na constituição da ação? Na busca por esses critérios, tais questões podem ser situadas no plano ontológico, epistemológico ou metodológico. Com o intuito de alcançar o entendimento da natureza da ação, um de seus componentes que possui forte relevância para esta compreensão é o comportamento. Os estudos sobre o comportamento, ressalta Dretske (1992), permitem diferenciarmos “o que fazemos” do “que acontece a nós”. Neste contexto, pesquisadores desenvolveram teorias sobre diversos tipos de comportamentos (i.e., reflexo, condicionado, operante, proposital e aprendizado), que ampliam a compreensão de quais deles podem ser considerados como uma ação. Assim sendo, buscaremos, neste artigo, explicitar duas vertentes de explicação do comportamento: causal e informacional. Num primeiro momento, apresentamos um resumo das hipóteses do behaviorismo para salientar sua contraposição com a perspectiva informacional. Num segundo momento, apresentamos a abordagem informacional da ação a partir das críticas de Dretske (1981, 1992) e Juarrero (1999) sobre o behaviorismo. Com a explicação destas duas vertentes visamos ilustrar contribuições que a compreensão do comportamento por um viés informacional possibilita no que concerne ao entendimento da natureza da ação. 1. O behaviorismo e a explicação da ação: características gerais Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 23 O termo behaviorismo surgiu com um artigo de John Watson (1997 [1913]) que levava este título. Watson entendia que na análise do comportamento os dados obtidos tinham valor em si mesmo e os problemas tradicionais da psicologia – imaginação, sensação, sentimento, associação de idéias – poderiam ser estudados por métodos comportamentais. Em seu artigo, Watson (1997, p. 11) busca caracterizar a psicologia enquanto ciência do comportamento, considerando que este poderia ser entendido objetivamente, o que possibilitaria precisar e controlar o comportamento de todos os animais, sem nenhuma preferência especial para os seres humanos. Nos estudos da previsão do comportamento dos organismos, Watson considera a presença de duas constantes, o estímulo e a resposta. Neste contexto, as investigações behavioristas poderiam se focar em duas direções: buscar saber qual a resposta encontrada a partir de um estímulo dado, ou inquirir sobre qual estímulo foi responsável por uma resposta já conhecida. Contudo, destaca Milleonson (1967, p. 32), o ponto de vista de Watson, de que a tarefa de uma ciência preditiva do comportamento fosse a compilação de todas as correlações estímulo-resposta hereditárias e adquiridas que um dado organismo exibisse, desviou a atenção da procura das leis gerais do comportamento. Neste vácuo o vocabulário mentalista continuou a sobreviver. Skinner percebe as fragilidades dos estudos de Watson e ressalta que as propostas que focavam apenas o modelo estímulo-resposta foram obrigadas a recorrer a um vocabulário internalista. Isto porque, por mais que se apoiassem em estímulos externos, explicar necessidades como a fome, por exemplo, extrapola este modelo explicativo, que está pautado explicitamente nas relações estímulo-resposta instantâneas, não relevando em suas explicações a história do organismo. Para evitar referências ao internalismo, Skinner propôs uma análise do comportamento que surgiu de observações feitas num único organismo respondendo em uma situação experimental artificial, cuidadosamente controlada e altamente padronizada. O autor percebeu a necessidade de encontrar uma variável dependente sensível e exata. Isto é, algum aspecto quantitativo do comportamento que pudesse variar numa ampla faixa de ocorrência e ter uma relação ordenada e regular com as variáveis ambientais passadas e presentes; relação esta que pudesse ser formulada em termos de uma lei. Sua descoberta de que a freqüência de ocorrência da resposta satisfazia essas condições, foi o principal avanço em direção à análise sofisticada do comportamento individual. Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 24 Por desconsiderar os estados internos dos organismos em suas explicações do comportamento, o behaviorismo de Skinner é chamado de radical, pois sua proposta explicativa postula que a abordagem cientifica deve estar estritamente pautada em observações externas2. Por essa razão, os comportamentos de um organismo são analisados externamente de acordo com sua relação com o meio. A proposta objetiva do autor surge seguindo o pensamento moderno e seu intuito de manipular e prever os fenômenos, neste caso, o comportamento. Guiados pelo interesse de prever e manipular o comportamento, Skinner o concebe como funcional, possibilitando que seus estudos poderiam se limitar à descoberta de correlações entre variáveis mensuráveis. Requer-se, assim, que as análises dos comportamentos sejam sistemáticas, no sentido de que as correlações obtidas possuam um ponto em comum, estabelecendo uma relação causal entre as variáveis relacionadas. Skinner (2009 [1953], p. 7, tradução nossa) considera dois tipos de variáveis: a resposta – “efeito para o qual nós procuramos uma causa”3; e o estímulo – “as causas do comportamento, que são condições externas das quais o comportamento é uma função”4. A relação entre as variáveis configura uma relação funcional de estímulo-resposta, constituindo, assim, a estrutura do comportamento. Tal entendimento possibilitou a Skinner desenvolver um estudo sobre a probabilidade da ocorrência de um comportamento, que auxilia na investigação das variáveis responsáveis por ele. Segundo Skinner, para analisar a probabilidade de ocorrência de um comportamento é preciso inserir a história do organismo em tal análise, isto é, seus comportamentos “prováveis” num determinado meio ambiente5. O meio ambiente é entendido como um campo repleto de estímulos que podem provocar determinadas respostas. Assim, o comportamento ocorre enquanto os estímulos apropriados estão agindo. Com a definição da relação causal entre estímulos e respostas se estabelece uma lei de ocorrência dos comportamentos. 2 Skinner não descarta a existência dos estados internos dos organismos, mas os considera como estímulos fracos observáveis, pois não podem ser entendidos como provas exeqüíveis. 3 [...] the effect for which we are to find cause [...]. 4 [...] the causes of behavior – are the external conditions of which behavior is a function. 5 Aqui encontramos uma das principais contribuições do behaviorismo no que diz respeito ao entendimento da ação: o entendimento do meio ambiente como possuindo função ativa na formação da ação. Skinner (1975, p. 9) ressalta que até o sec. XVII o meio ambiente era entendido apenas como imprescindível para o comportamento, contudo não era admitido como seu influenciador, isto é, como determinante de sua ocorrência ou sua forma. Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 25 A partir da lei do comportamento - da alta probabilidade de um resultado ocorrer quando um estímulo é percebido - Skinner desenvolveu sua proposta de condicionamento operante6. Tal proposta visa manipular o comportamento de um organismo a partir do reajuste da resposta (comportamento) por meio da alteração e reforço do estímulo de modo a direcioná-lo para um fim pré-determinado (meta). Este reajuste seria possível, pois, para Skinner, a meta (ou propósito) de um comportamento é definida por sua conseqüência. A fórmula que pode descrever a relação funcional do comportamento é a seguinte: R2 = f(S2) Ou seja, o comportamento final (R2) está estritamente relacionado ao estímulo (S2) de modo que, ao passo que o estímulo se altera, o comportamento também se altera (por exemplo: f(S3) = R3). A relação presente na concepção de ação proposta por Skinner – estímuloresposta - é uma relação de causa-efeito restrita e determinada. Podemos considerar que a causalidade mecânica proporciona respostas mecânicas, não possibilitando a compreensão de ações complexas (desempenhadas por alguns animais e seres humanos), que engloba a intersecção de um feixe de comportamentos. Essa limitação das explicações behavioristas é aparentemente contornada pela proposta de uma teoria informacional da ação (Dretske [1992] e Juarrero [1999]). A compreensão da natureza da ação, segundo o viés informacional que apresentaremos, insere em suas explicações os estados internos dos organismos. Deste modo, o comportamento é entendido como ação somente quando apresenta uma relação entre a fonte cognitiva e o comportamento final. Dretske apresenta esta necessidade por conceber o comportamento como um processo, sendo a ação um produto. Juarrero segue tal concepção por considerar que um comportamento só pode ser classificado como ação quando apresenta tal relação. Seguindo esta concepção de ação, compartilhamos com Juarrero que a ação entendida no viés causal do behaviorismo pode apresentar uma 6 Visto que a proposta de Skinner tem como princípio causal a causalidade mecânica, as relações estímulo-resposta são determinantes, por isso sua alta probabilidade de ocorrência. A alteração desse comportamento requer um intenso processo de condicionamento, além do que se a causa for alterada o comportamento, no viés behaviorista, será diferente (permanecendo o determinismo – a causa b, caso o estímulo seja c, o efeito não será b, mas d). Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 26 “cadeia causal inconstante”. Ou seja, o viés behaviorista compreende que um comportamento é uma ação mesmo quando há um rompimento no fluxo comportamental, não apresentando uma relação de dependência entre o comportamento final e sua fonte cognitiva. Enfim, admitimos que as teorias que buscam explicar a ação a partir de uma análise causal do comportamento através de uma abordagem de terceira-pessoa, apresentam suas contribuições, quais sejam: incentivaram a percepção de regularidades no comportamento e a reconsideração acerca do poder causal que o contexto possui NE constituição da ação. No entanto, parecem ser eficazes na explicação de comportamentos e ações mecânicas, sendo insuficiente quando a questão é explicar comportamentos e ações complexas. Neste sentido, precisamos de uma teoria que amplie o repertório conceitual de modo a abranger também tais ações. Entendemos que através do viés informacional podemos ampliar esse repertório. Sendo assim, apresentaremos, a seguir, o princípio da relação informacional [Dretske (1981, 1992) e Juarrero (1999)] que subjaz a explicação da ação nesta perspectiva. 2. Relação causal vs. Relação Informacional no estudo da ação A Teoria da Informação (TI) é inserida nos estudos da ação como uma alternativa para superar os limites que as explicações causais apresentam. Tal inserção proporciona uma ampliação da estrutura conceitual e, assim, torna possível elaborar uma teoria de ação que extrapola os limites das explicações de cunho causal. Assim, nesta parte do artigo, buscaremos destacar alguns pontos em que as relações causais e informacionais diferem na explicação da ação, além dos conceitos básicos da TI necessários para a compreensão desta diferença. Por meio de tal explicitação, será possível compreender alguns pontos que tornam a abordagem informacional mais apropriada para explicar a natureza da ação. Dretske (1981) analisa o conceito de informação a partir da Teoria Matemática da Comunicação (Mathematical Theory of Communication – MTC) de Shannon e Weaver (1998[1949]). A MTC está interessada na medida da quantidade da informação gerada em uma fonte e na transmissão perfeita desta informação para um receptor Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 27 possível7. É importante destacar que o interesse central de Dretske é explicar o significado. Para isso ele parte da idéia de informação destituída de significado de Shannon e Weaver, pois o filósofo não pode explicar no que consiste o significado a partir de uma concepção de informação significativa. A escolha da MTC por Dretske é uma posição metodológica para não cair numa explicação circular. Para compreendermos alguns pontos básicos da TI, consideremos o seguinte exemplo proposto por Dretske (1981, p. 4) sobre uma situação imaginária em que há um grupo de oito empregados e um deles terá que desempenhar uma tarefa indesejável. Para se chegar à escolha do empregado, o grupo adota um método binário de seleção, como o “cara e coroa”, por exemplo. Num primeiro momento, joga-se a moeda e o grupo de oito pessoas é dividido em dois sub-grupos de quatro. Joga-se a moeda novamente e o sub-grupo de quatro empregados é divido uma vez mais, em dois outros grupos de dois, deixando um dos grupos de lado. Segue-se, então, o processo jogando a moeda até que o sub-grupo de dois empregados possui apenas um membro, chamado Herman. Cada um dos três passos tomados no processo de seleção tem por intuito reduzir o número de possibilidades de escolha. Visto que a MTC mede a quantidade de informação (em bits) a partir das tomadas de decisão, podemos dizer que no processo de seleção de Herman, o número de bits de informação gerado nessa fonte é de três bits, uma que foram necessárias três etapas para se chegar à escolha do empregado, reduzindo-se a incerteza inicial sobre tal escolha de 8 para 1. Uma vez escolhido o realizador da tarefa indesejável, o resultado da escolha será transmitido (ao patrão) através de um fluxo de informação. De acordo com Dretske, quando podemos estabelecer uma relação nômica entre fonte f e um receptor r é possível estabelecer um fluxo informacional. Para a formação de um fluxo é necessário que o total da quantidade de informação presente em r seja referente à informação gerada em f. É preciso que se estabeleça uma relação de dependência nômica [regido por leis] entre o resultado e sua fonte informacional. Caso não ocorra essa dependência, isto é, caso a informação presente em r não esteja relacionada de forma nômica com aquela gerada em f, não há transmissão perfeita de 7 É importante ressaltar que a concepção shannoniana de informação é quantitativa, pois a MTC não considera em seus estudos o aspecto semântico da informação, uma vez que ele não possui relevância para os estudos da Engenharia. Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 28 informação. Por outro lado, se a dependência for parcial podemos notar a presença de ruído ou equívoco nesse processo de transmissão. Ruído, de acordo com Dretske, pode ser entendido como sinais presentes em r que não estão relacionados com a informação gerada em f – eles foram inseridos no decorrer da transmissão, mas não guardam uma relação de dependência nômica com f. Contudo, também pode ocorrer que durante a transmissão alguma informação gerada em f não chegue a r. Quando isso acontece, podemos dizer que ocorreu um equívoco8. Para ilustrar as influências que o ruído e o equívoco podem ocasionar na transmissão da mensagem, retomemos o exemplo mencionado por Dretske (1981, p. 15, tradução nossa) de seleção de um nome para a realização de uma tarefa: [...] Os empregados escrevem o nome “Herman” num bilhete e o entregam a um mensageiro. Em seu caminho o mensageiro perde o bilhete. Ele sabe que o bilhete continha o nome de um dos empregados, mas não lembra qual deles. Assim, ele pega um pedaço de papel e escreve [aleatoriamente] o nome “Herman” e o entrega [ao patrão]9. Na situação acima não há uma relação de dependência legiforme entre a informação presente em r e a informação gerada em f. Dretske considera que em tal situação não é possível construir um fluxo informacional entre f e r, uma vez que a dependência nômica entre os elementos na fonte foi ignorada. Em tal situação, a quantidade de informação presente em r é de 0 bits. O que Dretske quer enfatizar com o exemplo do mensageiro é que não há uma relação de dependência nômica entre a mensagem entregue ao mensageiro e àquela que chegou ao patrão – escrita pelo mensageiro. A perda do bilhete rompe o fluxo informacional. De acordo com o filósofo, a “informação” que chegou ao patrão pode ser considerada como um ruído, já que ela não reflete o que ocorreu em f, mas resultou da inserção aleatória de ruído durante a transmissão da mensagem, mesmo que por acaso 8 As noções de ruído e equívoco são importantes para compreendermos a relação de dependência entre uma fonte e um receptor. Quando não há essa dependência, ou seja, quando o receptor não registra corretamente a informação presente na fonte, podemos dizer que a o processo de transmissão de informação apresenta ruído ou equívoco e que ele precisa de correção. É nesse processo de ajuste e correção que, segundo Dretske, emerge o significado. 9 The employees scrawl the name ‘Herman’ on the memo and give it to a new, careless messenger. On his way to the employer’s office the messenger loses the memo. He knows the message contained the name of one of the employee, but he does not remember which one. Rather than return for a new note, he writes the name ‘Herman’ on a sheet of paper and delivers it. Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 29 os nomes sejam idênticos. Isto é, o mensageiro poderia ter escrito qualquer outro nome no bilhete; ele ter escrito Herman foi apenas uma coincidência. Se na constituição do fluxo informacional está implícita uma relação de dependência entre a quantidade de informação presente em r e a gerada em s, então em que essa relação se diferiria de uma relação causal? Para ilustrar a distinção entre relação causal e relação informacional, Dretske (1981, p. 27, tradução nossa) sugere a seguinte situação: [...] Há uma variável s que pode assumir qualquer um dos quatro valores diferentes: s1, s2, s3 e s4. Também há uma variável em r que pode assumir quatro valores diferentes10. Para representar esta situação Dretske (1981, p. 28) apresenta dois quadros: Resumidamente, a relação causal (figura 1) é representada por uma flecha sólida entre s e r, sendo esta sua história causal. Já a relação informacional (figura 2) requer a distinção do que ocorre entre os dois pontos – fonte e resultado – uma vez que é necessário destacar as possíveis variáveis das quais a fonte foi resultante. Segundo Dretske, é o levantamento das possíveis variáveis que possibilita verificar a ocorrência de um ruído ou de um equívoco na transmissão de informação. Dretske ressalta que a relação causal não nos diz sobre a quantidade de informação que foi transmitida, assim, dois eventos podem ser tidos como iguais, mesmo transportando quantidades diferentes de informação. A história da relação causal falha em nos dizer se a seqüência causal está incorporada em uma rede de 10 [...] There is a variable s that can assume any one of four different values: s1, s2, s3 or s4. There is also a variable at r that can assume four different values. Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 30 possibilidades, ela explicita somente a causa-conseqüência. Por outro lado, uma análise informacional dessa relação nos apresenta tal diferença. A relação informacional, apresentada na figura 2, transporta informação de forma não determinista. Este não-determinismo se faz presente na possibilidade de uma origem, nesse caso de s4, poder gerar três resultados: r1, r2 ou r3. Ou seja, embora s4 não determine o que acontece em r, ela pode causar r1, r3 ou r4. A ocorrência de r, por sua vez, também não é determinada por s4, isto é, não há uma sucessão restrita de eventos entre s4 e r1. Assim, diferentemente da relação causal, é possível que em uma mesma circunstância s4, r1 não ocorra, mas r3 ou r4. A relação informacional, portanto, envolve a possibilidade de escolha a partir de uma rede de resultados prováveis e, quando adotada para se explicar a ação, nos permite a compreensão do porque um agente x escolheu fazer y e não z. Podemos dizer que a relação informacional lida com possibilidades de escolha na fonte, ainda que o seu resultado final possa se assemelhar a de uma relação causal. O que importa na relação informacional é o processo de escolha subjacente. Assim sendo, na relação informacional, dada as possibilidades presentes na fonte, saber o que causou um evento não é o bastante, é preciso conhecer seus possíveis antecedentes e qual deles é o responsável pelo evento. Para ilustrar a diferença entre a explicação causal e a informacional de uma ação suponhamos a situação em que Joana D’Arc foi queimada na fogueira. Uma explicação causal dessa ação seria a de que Joana D’Arc foi queimada porque o corpo humano é inflamável e uma vez na fogueira ele queima. Outra explicação causal seria a de que ela foi queimada por possuir uma opinião religiosa divergente da que vigorava na época, que mandava este tipo de pessoa para fogueira como punição. Enfim, podemos elencar diversas explicações causais desta ação, sendo essa sua histórica causal. Contudo, tais explicações são limitadas, pois não podem estar relacionadas, dado seu caráter de distinção e unidirecionalidade. Uma explicação desta ação pelo viés informacional, por sua vez, possibilita a intersecção de vários feixes causais referente a fonte informacional da ação, ampliando seu poder explanatório e retomando o contexto em que a ação ocorreu. Em outras palavras, a explicação informacional do porque Joana D’Arc foi queimada na fogueira envolveria diversos fatores, e não apenas um. Seguindo as análises de Dretske, Juarrero (1999) destaca que as diferenças entre a relação causal e a relação informacional explicitam o motivo pelo qual as explicações Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 31 causais da ação complexa não obtêm sucesso. Tais teorias proporcionam apenas explicações unidirecionais e não permitem a identificação de contingências durante o fluxo do comportamento. Em outras palavras, não é possível detectar a partir das análises causais a presença de ruídos ou equívocos que podem ocasionar uma ruptura neste fluxo. Tal impossibilidade, segundo a filósofa, faz com que as abordagens causais possam considerar comportamentos que apresentam “cadeias causais inconstantes” como ações. Apresentados os conceitos básicos da TI (ruído, equivoco e relação informacional) que possibilitam o estabelecimento do fluxo informacional, e aspectos distinguem a relação informacional e a relação causal, iremos, na próxima seção, explicitar a abordagem informacional da ação a partir das críticas de Dretske (1992) e de Juarrero (1999) ao viés causal, mais especificamente, via crítica ao behaviorismo. 3. Por um viés informacional da ação Dretske (1992) e Juarrero (1999) consideram que se concebermos que todo comportamento está relacionado ao movimento do organismo – como faz o behaviorismo - recaímos em questões do tipo: como devemos identificar esse movimento? Como identificar a causa deste movimento? Como algum movimento do organismo, ou outra coisa? Eles entendem que, apesar de possuir alguns pontos positivos, há, nesta vertente explicativa, um obstáculo na compreensão da ação. Para entendermos esta crítica vejamos um exemplo dado por Juarrero (1999, p. 57, tradução nossa): Suponhamos um jogador de xadrez que, por causa de um espasmo muscular, inadvertidamente bate seu braço contra uma peça em particular movendo-a para outro espaço. Suponhamos, além disso, que esse movimento [...] é o movimento apropriado a ser feito para o progresso do jogo11. A partir deste exemplo, concebamos dois tipos de situação: 11 Suppose a chess player, because of a muscle spasm, inadvertently, bump his arm against a particular piece, thereby moving it to another square. Suppose, furthermore, that this move was […] the appropriate move to make. Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 32 (1) Movimento voluntário do braço objetivando um lance apropriado do xadrez; e (2) Movimento do braço devido ao espasmo muscular, movendo inadvertidamente a peça. Dretske ressalta que a partir do modelo explicativo behaviorista, as situações 1 e 2 não poderiam ser diferenciadas. Uma vez que os teóricos que adotam tal modelo concebem a diferença dos comportamentos a partir de causas externas, ambas as situações seriam admitidas como iguais. De modo a não recair neste problema, o filósofo concebe o comportamento como um processo. Um processo se constitui a partir da relação entre seu início e seu término. Para Dretske a causa inicial do comportamento proposital é interna (é uma razão, propósito ou intenção), sendo que o término é o movimento corpóreo. O filósofo (1992, p. 35) faz a analogia de que um processo é como um casamento, só existe enquanto há uma relação entre as partes; ou seja, ele não é apenas uma seqüência causal entre os links, mas só se estabelece quando há uma relação entre eles. Admitido o comportamento como um processo, é possível identificar a diferença entre as situações 1 (possui uma causa interna) e 2 (possui uma causa externa), entre o comportamento proposital e o espontâneo. Para deixar mais precisa essa diferenciação, Dretske (1992, p. 15, tradução nossa), considera que a equação correta a se fazer para explicar este tipo de comportamento seria entre (1) e (3) “um movimento [o braço, nesse caso] produzido por alguma causa12 interna (adequada)”.13 A partir da relação entre 1 e 3 podemos esboçar um panorama da estrutura da ação, que passa a ser entendida não apenas como constituída por um comportamento único, mas por vários comportamentos possíveis, que propiciam seu grau de complexidade. O comportamento, segundo Dretske, assim como os eventos, são datáveis. Desse modo, faz sentido perguntar quando alguém fez algo, do mesmo modo que faz sentido 12 É importante destacar que utilizamos o termo causa na relação informacional por não haver como expressar esta noção com outra palavra. No entanto, não estamos nos referindo a causa mecânica, mas a relação informacional. Quando falamos de causa, então, falamos de uma relação entre duas partes que, por ser informacional, não é determinista. 13 A (paw) movement produced by some (appropriate) internal cause. Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 33 perguntar quando algo aconteceu. Contudo, enfatiza o filósofo, a obviedade dos eventos não está em consonância com o comportamento. Podemos perceber, então, uma razão para recusarmos a concepção de ação apenas a partir da identificação do comportamento com os movimentos corpóreos, o que implica em uma razão para recusarmos as abordagens behavioristas. Juarrero, por sua vez, considera que outro limite presente nas explicações behavioristas é a de que comportamentos que apresentam “cadeias causais inconstantes” são admitidos como ações. Uma “cadeia causal inconstante” pode ser entendida como fluxos comportamentais em que não há uma relação de dependência entre o comportamento final e sua fonte cognitiva. Retomando o exemplo do jogador de xadrez, Juarrero (1999, p. 57) considera que uma explicação behaviorista do comportamento do jogador não seria capaz diferenciar o movimento espontâneo do braço de um comportamento proposital. Para Skinner, por exemplo, o comportamento do jogador de xadrez poderia ser descrito como uma resposta – o movimento do braço – a um estímulo do meio – a necessidade de mover a peça. Isso ocorre nas explicações behavioristas, pois o ambiente interno dos organismos é descartado, não sendo capaz de identificar a ocorrência de um espasmo muscular. Para os behavioristas ocorreu apenas o movimento do braço. No entanto, o que ocorreu foi um desvio no fluxo do comportamento causado pelo espasmo muscular. Por essa razão, a explicação behaviorista desta situação pode ser considerada como uma “cadeia causal inconstante”. Desse modo, para que seja possível considerar um comportamento como uma ação é necessário mais do que um padrão externo identificável. Uma explicação da ação do jogador de xadrez segundo o viés informacional, por sua vez, permitiria que identificássemos a ocorrência de um espasmo muscular devido ao principio relacional subjacente a essa explicação. Como ressaltamos, uma relação informacional engloba diversas possibilidades na fonte, podendo ser uma delas a de que o jogador, devido seu histórico em outros jogos, não possuía um repertório de jogadas que apresentasse a que ele fez, que era a mais adequada naquele momento do jogo. Além disso, uma possível reação de surpresa do próprio jogador soaria como um ruído no final da transmissão que indicaria que a transmissão foi corrompida e que a intenção Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 34 do jogador não era aquela. Enfim, uma análise informacional do comportamento nos provém uma compreensão mais ampla da ação. Em contraste com as explicações de cunho behaviorista, Juarrero compartilha da concepção relacional dretskeana e propõe que concebamos a ação como um fluxo inequívoco no qual a intenção (causa interna) flui da fonte cognitiva ao comportamento final. Tal concepção pressupõe uma relação de dependência entre a fonte cognitiva e o comportamento final, o que evita a classificação de um comportamento como ação quando há a ocorrência de um rompimento, ou desvio, no fluxo do comportamento (como no exemplo do jogador de xadrez). Além disso, caso ocorra um desvio ou rompimento no fluxo comportamental, por meio de uma análise informacional ele é perceptível – o que não é possível nas explicações behavioristas, uma vez que desconsideram os estados internos dos organismos como constituinte da ação. As diferenças entre as relações causal e informacional destacam outra vantagem da explicação da ação numa perspectiva informacional em relação à behaviorista. Os behavioristas entendem que explicar a ação é identificar os estímulos e respostas que compõem uma relação causal constituinte do comportamento que subjaz a ação. Como exposto, a relação causal possui suas limitações, principalmente quando utilizada para se explicar a ação. Isso porque a ação, como no caso da humana, extrapola as relações causais que não dão conta de explicar a intersecção de comportamentos formadores da ação complexa. A relação informacional, por sua vez, nos provém tal explicação. A compreensão da ação num viés informacional possibilita a explicação de comportamentos propositais que lidam com liberdade de escolha. Nas ações complexas, os organismos (livres) podem escolher seus comportamentos. Tal possibilidade de escolha não pode ser explicada pelo viés causal. Por fim, através de uma análise informacional da ação podemos perceber algumas fragilidades nas das explicações behavioristas. Tais fragilidades resultam da relação causal subjacente as suas explicações. Por essa razão, recorremos a outro tipo de relação: a relação informacional. A partir desse tipo de relação nos é possível ampliar as análises do comportamento e precisar a definição de qual deles constitui uma ação. Considerações Finais Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 35 O que quisemos ressaltar nesse artigo é que as teorias pautadas na explicação causal possuem limitações quando utilizadas para explicar a ação. A partir da exposição das diferenças entre relação causal e relação informacional fica destacado que as relações causais são determinadas e só são efetivas para explicar eventos determinados, como, por exemplo, eventos estritamente físicos como a gravidade ou comportamento num plano ideal. Contudo, quanto às explicações das ações complexas dos organismos, mais especificamente a dos seres humanos, o repertório conceitual causal não é suficiente. Isso acontece porque tais ações apresentam possibilidades de escolha que extrapolam os limites do determinismo. De modo a ampliar o repertório conceitual das teorias causais, adotamos a abordagem informacional – com Dretske (1981, 1992) e Juarrero (1999) - para compreender a ação. A inserção dos conceitos da TI e a relação informacional nos possibilitam explicar as ações complexas. A ação, na perspectiva informacional, é entendida como resultado de um processo que se constitui pelo comportamento desempenhado. A estruturação deste processo pressupõe a existência de uma relação nômica entre a causa interna e o comportamento final. Em tal processo se constituiria um fluxo informacional ininterrupto. Enfim, consideramos ser de grande importância uma investigação filosófica sobre “o que é informação”, e sobre “sua relação com a ação”. Isto porque o aprofundamento do conceito de informação amplia nosso modo de compreender os fenômenos. As tentativas de explicação da ação anteriores a abordagem informacional possuem sua importância na compreensão deste evento. Contudo, consideramos que a proposta informacional de Dretske e Juarrero apresenta maior abrangência devido a ampliação do repertorio conceitual e da possibilidade de compreensão de comportamentos complexos do que o behaviorismo. Além disso, segundo o próprio Skinner, a ciência avança para exatidão, e, nesse momento, consideramos que o viés informacional possui uma estrutura conceitual mais exata para explicação da ação. Referências DRETSKE, F. Knowledge and the flow of information. Oxford: Basil Blackwell Publisher, 1981. ______. Explaining behavior: reasons in a world of causes. Cambridge: MIT Press, 1992. Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 36 JUARRERO, A. Dynamics in action: intentional behavior as a complex system. Cambridge: MIT Press, 1999. MILLEONSON, J. R. Princípios da análise do comportamento. Brasília: Editora de Brasília, 1967. SHANNON, C.; WEAVER, W. A mathematical theory of communication. Urbana: University of Illinois Press, 1998. (primeira edição: 1949). SKINNER, B. F. Contingências do reforço. São Paulo: Ed. Abril Cultural. 1975. (Os Pensadores). ______. Behaviorism. Disponível em: <http://www.iupui.edu/~philosop/skinnerbehaviorism.pdf>. Acessado em: 28 Jul. 2009. (versão original em 1953). WATSON, J. B. Behaviorism. Chicago: Transaction Publisher, 1997. (primeira edição em 1913). Agradecimentos O autor agradece à Maria Eunice Quilici Gonzalez pelo apoio técnico e filosófico, e a sua família e a Débora Barbam Mendonça pela fonte de inspiração e apoio. Finalmente, agradece à FAPESP pelo financiamento da pesquisa que possibilitou este trabalho. Vol. 2, nº 1, 2009. www.marilia.unesp.br/filogenese 37