1 Verdade e linguagem: atualizações da filosofia de Walter

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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais
do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas
modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9)
Verdade e linguagem: atualizações da filosofia de Walter Benjamin
Josias José Freire Júnior
“As idéias são as estrelas em antítese ao sol da revelação. Elas não
brilham no dia da história; apenas atuam, invisíveis, nele. Apenas
aparecem na noite da natureza. As obras de arte são, então, definidas
como modelos de uma natureza que não espera nenhum dia e,
portanto, também nenhum dia de juízo final: modelos de uma natureza
que não é palco da história nem moradia dos homens. A noite
redimida”.
Walter Benjamin, em carta a F. C. Rang (09/12/1923). (KOTHE,
1978)
“O curso da história como se apresenta sob o conceito de catástrofe não
pode dar ao pensador mais ocupação que o caleidoscópio nas mãos de
uma criança, para a qual, a cada giro, toda ordenação sucumbe ante uma
nova ordem. [...] – O caleidoscópio deve ser destroçado”.
Walter Benjamin, Parque Central (BENJAMIN, 1989, 154)
Neste texto apresentarei algumas considerações sobre a filosofia de Walter Benjamin (1892-1940)
com o objetivo de aproximar estas idéias às reflexões da teoria da história. Para tanto apresentarei
algumas idéias expostas no prefácio epistêmico-crítico ao livro sobre o drama barroco alemão1. Em um
primeiro momento apresentarei um panorama das idéias expostas no texto em questão. Logo em seguida
elaborarei um trabalho de leitura crítica, comentário das idéias apresentadas. Por fim, farei algumas
considerações sobre as possibilidades de atualização da filosofia benjaminiana para a teoria da história.
As tentativas da filosofia sistemática de conhecer a verdade, para Benjamin, se mostram fracassadas
por não respeitarem a essência fugidia da verdade. Em sua leitura da Doutrina das Idéias de Platão,
Benjamin desenvolveu sua teoria do conhecimento de maneira à não violentar a natureza da verdade, sua
essência incomensurável. O prefácio epistêmico-crítico do livro sobre o drama alemão se tornou o mais
célebre texto teórico de Walter Benjamin, tanto pela história de seu aparecimento, quanto pela sua
repercussão teórica2.
Para abordar a teoria benjaminiana do conhecimento neste primeiro momento em que apresentarei
uma visão panorâmica – que visa tornar mais clara minha exposição – dividirei as idéias apresentadas
1
BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984. A
partir de agora citarei sempre o prefácio epistêmico-crítico como Origem, seguido do número da página da referida citação.
2
Sobre a história e repercussão do prefácio, ver a Apresentação de S. P. Rouanet (ROUANET, Sergio Paulo. Apresentação. In:
BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo : Brasiliense, 1984).
1
no livro sobre o Barroco alemão a partir de dois pontos3 . Este recorte sistemático é sem dúvida bem
esquemático frente à complexidade do pensamento em questão. Mas é minha alternativa de inserção em
um debate – a teoria da alegoria e sua vinculação à filosofia da história – da maneira mais breve
possível.
A teoria das idéias de Benjamin se organiza de maneira a romper com a idéia sistemática de
conhecimento, que o vinculava facilmente à verdade e tornava o inapreensível, o incognoscível algo
banal. O projeto benjaminiano é um projeto de expansão e potenciamento do saber e da razão,
reconhecendo suas impossibilidades, mas explorando também, e por isso mesmo, seus potenciais
negligenciados.
O conceito, na teoria do conhecimento de Benjamin, tem primeiramente duas funções: a salvação dos
fenômenos nas idéias e a apresentação (Darstellung) dessas. O fenômeno em sua forma empírica, nas
abordagens filosóficas sistemáticas, matemático-naturalistas, é visado como universal de forma
esquemática e superficial, por métodos unilaterais, como a busca de leis e regularidades, pela dedução
ou indução. Para Walter Benjamin, os fenômenos só podem ser compreendidos quando seus extremos
são primeiramente percebidos e isolados. Este é o primeiro momento da tarefa filosófica, seguindo os
desvios benjaminianos. A valorização dos extremos é a estratégia para, já de antemão, livrar o trabalho
da busca de homogeneidades das ‘deduções intermináveis’, tão caras à filosofia da Razão instrumental.
Depois de reunidos, os extremos dos fenômenos devem ser desvinculados de seus contextos,
quebrados para, a partir desta fragmentação, o trabalho conceitual começar. Desarticulados de uma
ordem sistemática os fenômenos podem ser trabalhados à maneira do ensaísta da escolástica ou do sábio
dos talmudes. Da mesma forma os fenômenos devem ser recolhidos e justapostos como mosaico: “Tanto
o mosaico como a contemplação justapõe elementos isolados e heterogêneos, e nada manifesta com mais
força o impacto transcendente, quer da imagem sagrada, quer da verdade” 4.
Esta justaposição, agrupamento e a apresentação dos fenômenos são tarefas dos conceitos,
mediadores e ordenadores da relação fenômeno – idéias e conhecimento – verdade, a “força que
determina a essência [da] empiria”.
Subordinados aos conceitos, fenômenos são diluídos em seus “elementos constitutivos” 5. Após a
tarefa crítica destrutiva dos fenômenos pelos conceitos, aqueles devem ser reunidos – salvos – livres de
um falso télos, protegidas na forma, na fôrma da Idéia. A segunda tarefa dos conceitos é a apresentação
das idéias. É pelos conceitos, enquanto mediadores, que os fenômenos podem ser salvos para o Ser das
3
Neste primeiro momento da leitura panorâmica sigo a proposta de Francisco de Ambrosis P. Machado (MACHADO, Francisco
de Ambrosis Pinheiro. Imanência e História, A crítica do conhecimento em Walter Benjamin. Belo Horizonte/MG: Ed. UFMG,
2004. p. 59-66) por sua objetividade e concisão.
4
Origem, p. 51.
5
Origem, p. 56.
2
idéias. Apresentadas como mosaico, as idéias escapam da filosofia sistemática e protegem os fenômenos
enquanto heterogeneidade: os extremos. Os extremos aqui representam, na história, o que fora até então
excluído dos discursos oficiais e das grandes narrativas. Importante é também perceber que o
pensamento de Benjamin, de maneira visionária, também se insurge contra o discurso histórico que
omite os “escombros que crescem até o céu” 6.
Passarei agora a uma análise / apresentação / comentário das idéias sumamente indicadas acima.
Minha empreita seguirá o itinerário por três pontos que desdobrados se relacionarão: primeiro, o estatuto
da verdade – sua incomensurabilidade última, o movimento de contemplação do Ser da verdade –, a
verdade como ser e a apresentação das idéias como tarefa infinita. No segundo ponto farei algumas
relações entre o local da verdade na linguagem e por fim uma exposição do método que permite a autoexposição da verdade no esquema Idéia – conceito – coisas (método exposto acima de forma
panorâmica).
Para Walter Benjamin o ser da verdade é inefável como o absoluto é inatingível em sua totalidade. A
verdade coincide com o Ser velado, mas diferentemente da coisa-em-si kantiana ou do postulado
fichteano a verdade não é uma imposição inacessível e passiva. Tal concepção foi claramente
influenciada pela tradição teológica do estatuto não-conhecível de Deu e ao mesmo tempo da filosofia
romântica da linguagem. A verdade na linguagem é incomunicável, o todo que é, agora, fragmentado
deve ser buscado não mais pelo conhecimento, e sim pela contemplação: “[...] fôlego infatigável [...] a
mais autêntica forma de ser da contemplação” 7.
Enquanto o conhecimento é entendido por Walter Benjamin como apreensão do fenômeno pelo
conceito, o caráter incomensurável da verdade restringe sua cognição. Tal interdito do Ser é claramente
uma crítica às concepções filosóficas em que a verdade está garantida pela posse do saber.
A verdade só pode, então, ser tangenciada por sua representação como idéia: “A verdade, presente no
bailado das idéias representadas, esquiva-se a qualquer tipo de projeção no reino do saber” 8. Tal
concepção de verdade – pela tensão entre a possibilidade e a impossibilidade de restauração do que fora
perdido – está longe de ser mero obscurantismo: a partir do reconhecimento dessa impossibilidade
primeira da posse da verdade o filósofo se volta ao que resta, sua tarefa é marcada pelo signo da
impossibilidade última 9. Representada na filosofia da linguagem, essa concepção é um dos centros de
onde podemos desdobrar todo pensamento de Benjamin.
6
BENJAMIN, W. Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história da cultura. Vol. 01.
Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 224.
7
Origem, p. 50.
8
Origem, p. 51.
9
Aqui a importância da duplicidade do termo, em língua alemã, Aufgabe: tarefa / problema, presente ao longo de toda filosofia de
Walter Benjamin.
3
No texto em questão, Walter Benjamin chama a atenção para a presença da idéia de verdade como
Ser no Symposion, de Platão – isso claramente prepara sua re-leitura da doutrina das idéias de Platão,
que comentarei em breve. Segundo Benjamin, para Platão, a verdade é bela e a essência do belo 10.
O que é possível à verdade – sua representação em contraposição à sua ‘colonização’ pelo saber - é a
essência do belo
11
. O belo é a fulguração da verdade – e não a verdade em si, já que essa em si falta,
posta que é inefável – “simples fulguração”
12
. Em contraposição ao saber “a verdade não é
desnudamento que aniquila o segredo, mas revelação que lhe faz justiça”
13
. A idéia de “revelação”
mostra que o ser da beleza tem sua essência na representação da verdade, o mistério que não se aniquila
pelo saber não perde sua fulguração. A idéia de “revelação” reforça também a concepção da essência
“não-intencional da verdade”
14
. Tais concepções são claras críticas às filosofias clássicas e seu
postulado do caráter ‘inescapável’ e apreensível da verdade última em si, que leva também à noção de
progresso irreversível do conhecimento e da história.
Não há intuição da verdade – “nem mesmo intelectual”
15
–, pois esta é diferente do saber dos
objetos, atingidos pela “aquisição” do sujeito conhecedor. Não há sujeito do conhecimento para a
verdade, visto que esta “resiste a qualquer interrogação”
16
. A filosofia do conhecimento, do ponto de
vista do sujeito, é assim abalada quanto a possibilidade de conhecer a verdade; o sujeito não produz nem
encontra a verdade, mas a tem como mantenedora da unidade originária, o fundamento inatingível da
realidade. A verdade pré-existe e se auto-representa em sua forma. Contra a intuição / visão, do sujeito
do conhecimento / saber é contraposta à obscuridade última frente à qual o filósofo apenas contempla o
que lhe pode ser revelado. O limiar da verdade é o limiar da relação horizontal / linear entre sujeito e
objeto. Frente à fulguração da verdade o sujeito cessa, absorvido, pelo inatingível; o sujeito não pode
mais avançar: “A verdade é morte da intenção” 17.
Ainda é preciso enfatizar: a verdade não é tangenciável ‘em si’ – ela não existe em si – ela só pode
ser contemplada a partir das idéias. Assim como a verdade, as idéias são inefáveis em sua
“intratemporalidade”
18
, essas não se representam sozinhas mais são autônomas e inatingíveis em si. O
ser da verdade apresenta-se – como “fulguração” – apenas através da representação das idéias, que
acontecem mediante a ação intermediária dos conceitos.
10
Origem, p. 52.
Origem, p. 52.
12
Origem, p. 53.
13
Origem, p. 53.
14
Origem, p. 58.
15
Origem, p. 58.
16
Origem, p. 52.
17
Origem, p. 58.
18
Origem, p. 57.
11
4
As idéias são as constelações onde a verdade se apresenta como algo de superior e inatingível. A
representação, confronto recorrente no que se refere aos textos filosóficos, é “semelhante à escrita” 19. A
forma da representação é uma forma de prosa. Aqui se volta à tensão representada pelo conceito de
tarefa: (Aufgabe: tarefa / problema): na escrita é preciso “parar e recomeçar”, “deter-se periodicamente
para consagrar-se à reflexão”. O ritmo é a intermitência da leitura exegética – jamais a linha reta do
sujeito seguro de si e de seu progresso enquanto conhecedor –, no eterno voltar-se: “Incansável, o
pensamento começa sempre de novo, e sempre volta minuciosamente, às próprias coisas. Esse fôlego
infatigável é a mais autêntica forma de ser da contemplação”
20
. A idéia de retorno às coisas será
fundamental para a concepção de história de Walter Benjamin e para toda sua filosofia da história. Tal
idéia, como faz se perceber, está sedimentada nos estratos mais profundos da própria concepção de
conhecimento do filósofo alemão: contra o sujeito certo do caráter inescapável do conhecimento,
conhecedor da verdade em direção inevitável ao progresso, o sujeito do conhecimento da filosofia de
Walter Benjamin está imerso nas coisas, sempre retorna, sem garantias, pode conhecer o que é tangível,
mas só pode contemplar o que escapa a esse domínio.
A metáfora da prosa (e da leitura), na qual deve sempre se retornar, em busca dos mais profundos
“estratos da significação”, “infatigável” e “incansavelmente”, nos remete mais uma vez às questões da
filosofia da linguagem de Walter Benjamin.
As palavras, tal como as conhecemos, correspondem apenas a uma parte do que Benjamin entende
pela linguagem. Aqui é necessário enfatizar a importância das questões relativas à linguagem na obra
sobre o drama alemão. Na epígrafe ao trabalho sobre o drama alemão, junto à dedicatória a sua então
esposa, Benjamin refere à data da “concepção” daquele trabalho: o ano de 1916. O ano corresponde à
época da produção de seu importante ensaio sobre a linguagem. A concepção de linguagem pensada na
época do ensaio sobre a linguagem permeia o livro sobre o drama barroco alemão, de seu prefácio
epistêmico-crítico – alvo de meus comentários aqui – até as últimas palavras do livro (a “ponderação
misteriosa”).
A filosofia da linguagem de Benjamin aparece, em seus textos, marcadas pelas concepções
teológicas da linguagem. A língua pura e original, diretamente conectada ao verbo criador, fora perdida
após a queda. O que resta aos homens è a linguagem “fraturada”, os cacos da originalidade perdida. A
esta idéia é muito pertinente à metáfora do jarro que, depois de quebrado, só pode ser recomposto
incompletamente. Os cacos, mesmo que reunidos, conservarão a marca da fragmentação, as cicatrizes,
em sua incompletude última.
19
20
Origem, p. 51.
Origem, p. 50.
5
Tal conceito de linguagem é uma crítica tanto à concepção tradicional da língua como meio entre a
coisa e o sujeito quanto à possibilidade de um conhecimento do absoluto e da totalidade desse absoluto,
via linguagem, que seria nestas concepções, meio translúcido e garantido.
A linguagem traz em si a marca do irrecuperavelmente perdido. A língua possui, em tais marcas,
também resquícios da unidade perdida: “[as palavras] possuem ao lado de sua dimensão simbólica mais
ou menos oculta, uma significação profana evidente” 21 . Frente à realidade, na qual estão espalhados os
cacos da língua original, o filósofo, na “dimensão oculta”, deve reconhecer o caráter irrecuperável da
totalidade perdida, mas ao mesmo tempo, frente às palavras prenhes de significações, contemplar o que
pode lhe ser dado.
É na linguagem, e somente nela – e jamais através dela – que a verdade pode ser reconhecida como
possível para a contemplação como idéia. O sujeito recua na intenção de conhecer / ver, para “preservar
o segredo”, a “fulguração”, “[...] na contemplação filosófica a idéia se libera, enquanto palavra, do
âmago da realidade, reivindicando de novo o direito de nomeação” 22.
O que “resiste a qualquer interrogação”
23
, a essência “não intencional” – posto que é alvo de
contemplação, e não intuição – do ser da verdade, onde o que há de fenomênico é “depurado de sua falsa
unidade” ao configurar uma idéia que possibilita aquela contemplação, perde seu caráter de fenômeno,
salvo das significações nas idéias. A palavra, que tem em sua essência a ligação ao originário, expressa
tal unidade essencial no Nome. A “dignidade nomeadora” das palavras só é restaurada frente ao
reconhecimento da “força oculta” do ser da linguagem expresso na idéia. Não há intenção, não há
sujeito. No Nome a “percepção original da palavra é restaurada” 24. O incognoscível da linguagem deve
ser reconhecido em seu lugar no ser da linguagem, oculto nas frestas entre significado e significante.
Reconhecido e respeitado enquanto incognoscível para que o mundo não perca sua dimensão
inapreensível.
A descontinuidade da linguagem deve ser trazida de volta ao conhecimento, a incompletude do
mundo deve ser reconhecida como a incompletude última da linguagem e de toda experiência dela
constituída. Tal incompletude se refere ao caráter inefável da verdade, a teoria da linguagem e do
conhecimento se encontram neste ponto cego, de onde devem partir, sem jamais negarem esta
originalidade, esta obscuridade fundante. Só desta maneira, contrapondo ao método um antimétodo –
desvio / Unweg -, pode ser contraposto à tradição uma antitradição. “A descontinuidade do método
científico [suas “lacunas”] [poderia] estimular o progresso da teoria do conhecimento, se não fosse a
21
Origem, p. 58-59.
Origem, p. 59.
23
Origem, p. 52.
24
Origem, p. 59.
22
6
ambição de capturar a verdade, unitária e indivisível por natureza, através de uma compilação
enciclopédica do conhecimento” 25.
O que a filosofia produziu até então, para Walter Benjamin, quando não as mesmas inquietações em
relação à profunda ligação entre a filosofia e a linguagem, foram “monumentos de uma estrutura
descontínua do mundo das idéias” 26. A linguagem deve ser compreendida pela tensão entre “restauração
e reprodução” e, ao mesmo tempo, o seu caráter incompleto e inacabado
27
imanente. O conteúdo
material, a empiria, sem uma forma que a atualize na configuração da idéia não pode ser absorvida na
completude, na configuração da idéia: “O universal é a idéia”
28
. O universal para ser reconhecido,
necessita da renúncia ao universal intrínseco ao reconhecimento da fragmentação da linguagem, ao
caráter inefável da linguagem e ao estatuto da tarefa / problema da filosofia.
A representação da verdade, “presente no bailado das idéias”
29
, não pode ser realizada nunca no
mundo fenomênico, do saber e da intenção: “as idéias não são dadas no mundo dos fenômenos”
30
. As
idéias que conferem unidade a este mundo fenomênico. Ao mesmo tempo, as idéias não podem aparecer
sem a empiria. O método, pois, “caminho indireto, desvio”
31
da representação das idéias tem a
vinculação necessária com a empiria através dos conceitos. As idéias “[...] não se representam em si
mesmas, mas unicamente através de um ordenamento de elementos materiais no conceito [...]” 32.
A tarefa dos conceitos é extrair elementos dos fenômenos. Tais elementos do mundo dos fenômenos
– emergido da espontaneidade do entendimento
33
– “se tornam especialmente visíveis nos extremos. A
idéia pode ser descrita como a configuração em que o extremo se encontra com o outro extremo” 34. Esta
idéia é fundamental para a compreensão da teoria do conhecimento de Walter Benjamin. A idéia só é
atualizável nos elementos extremos que o conceito faz a intermediação com a empiria. O interesse pelo
pormenor, pelo fragmentário, pelo antimétodo, frente ao método, interesse pelo mosaico e pelo aparente
excesso, evidencia essa concepção de configuração das idéias nos conceitos de extremos – e
posteriormente, como intento mostrar ao fim deste trabalho, na oposição do pequeno, do rejeitado e do
aparentemente superficial na apresentação da totalidade da história.
O particular incluído sob a idéia é, pelo conceito, a dissolução da “falsa unidade” da verdade. Os
fenômenos, então, sob os conceitos, “são depurados de sua falsa unidade” e entram, “divididos”, na
25
Origem, p. 55.
Origem, p. 55.
27
Origem, p. 64-68.
28
Origem, p. 57.
29
Origem, p. 51.
30
Origem, p. 57.
31
Origem, p. 50.
32
Origem, p. 56.
33
Origem, p. 52.
34
Origem, p. 57.
26
7
“unidade autêntica da verdade” 35; dessa forma as idéias podem se relacionar com o mundo fenomênico,
“com as coisas como a constelação com as estrelas” 36. As configurações são “interpretações objetivas”
dos fenômenos – de seus elementos extremos extraídos das coisas – em uma nova significação. Dessa
maneira se estabelece o esquema benjaminiano idéias (constelações) – fenômenos (estrelas) pela
mediação idéia – conceito – fenômeno. “As idéias são constelações intemporais, e na medida em que os
elementos são apreendidos como pontos nessas constelações, os fenômenos são ao mesmo tempo
divididos e salvos” 37.
Faz-se ainda necessário, nessa leitura mais detalhada do prefácio epistêmico-crítico ao livro sobre o
drama barroco alemão, a apresentação do conceito de origem. A origem – tema de Walter Benjamin no
estudo sobre o barroco – é um conceito altamente complexo, originalidade benjaminiana onde se
mesclam elementos teológicos, filosóficos e da ciência do século XVII – notadamente da doutrina da
cores de Goethe, apresentado por Benjamin como epílogo ao livro sobre o conceito de crítica de arte.
O conceito de origem é a aparição efetiva das intenções epistemológicas de Benjamin. A origem
“não se encontra nunca no mundo dos fatos brutos” 38, mas é histórica, pois arrasta em seu conceito as
configurações da historicidade das coisas. O conteúdo histórico da idéia de origem é o que deve ser
“percorrido”, enquanto “ciclo de extremos” na representação da idéia em busca da totalidade oferecida
por essa no mundo histórico, factual. A origem é o desvio – Unweg – entre empiria e idéia. A origem é a
tangente da idéia que toca o mundo dos fatos, entre o que é atualizado / salvo na história, e o que tende à
idéia e ao absoluto, à verdade, com suas características comentadas acima. “[...] o conceito de ser da
ciência filosófica não se satisfaz com o fenômeno, mas somente com a absorção total de sua história” 39.
A origem é o salto (Ur-srprung), passagem, entre o fato – enquanto “conteúdo” e não mais “acontecer”,
posto que história, passado – liga-se à totalidade na “absorção total de sua história” 40.
A origem – “vir- a- ser” e “extinção”
41
, possui então uma “dialética imanente” entre “pré e pós-
história”, na configuração da idéia. A “ciência da origem [...] é a forma que permite a emergência, a
partir dos extremos mais distantes e dos aparentes excessos do processo de desenvolvimento, da
configuração da idéia, enquanto todo caracterizado pela possibilidade de uma coexistência significativa
desses contrastes” 42. A história, da “ciência da origem”, é uma história das essências finitas das coisas.
Por ser história das essências é finita. Walter Benjamin deixa aqui bem demarcado o que o separa da
teoria do conhecimento do primeiro romantismo: “Não raro, a ignorância quanto a essa finitude
35
Origem, p. 56.
Origem, p. 56.
37
Origem, p. 57.
38
Origem, p. 67-68.
39
Origem, p. 69.
40
Origem, p. 69.
41
Origem, p. 67.
42
Origem, p. 69.
36
8
descontínua frustrou certas tentativas enérgicas de renovar a doutrina das idéias, como a dos primeiros
românticos. Em suas especulações, a verdade assumia o caráter de uma consciência reflexiva, e não de
uma realidade lingüística” 43. O ser da verdade repousa na linguagem que, em sua essência é nos dada de
forma finita e fragmentária. Não à consciência que produza o mundo, tangenciar a verdade é imersão nas
coisas, “morte da intenção”: nem uma relação vertical entre sujeito e objeto de conhecimento nem tornar
sua relação uma reflexão absoluta produtora do mundo. A verdade é a morte da intenção.
Temos aqui um dos núcleos – ponto em uma constelação – da filosofia do conhecimento de Walter
Benjamin que aparecerá – re-configurado em cada um dos muitos contextos pensados nesses termos – ao
longo de sua obra: “O aprofundamento das perspectivas históricas em investigações desse tipo [...]
fornece à idéia a visão de totalidade. [...] A estrutura dessa idéia, resultante entre seu isolamento
inalienável e a totalidade é monadológica. A idéia é mônada” 44. A idéia de totalidade, que tem em sua
estrutura a origem que arrasta (absorve) os fenômenos e os liga ao todo, como mônada só é entendida
entre o isolamento e o todo configurado na idéia. O que permite este procedimento é o método da
“ciência da origem”, chamado por Benjamin de “história filosófica”
45
, que poderia ser entendido, em
letra, como filosofia da história. Pode-se falar aqui em filosofia da histórica pela afirmação de um télos e
de uma totalidade na filosofia de Benjamin. Elementos que ao mesmo tempo, só podem ser expostos –
se se quer fazer justiça à letra de Benjamin – por meio do reconhecimento de seus pressupostos teóricofilosóficos.
Abrir mão do todo dado é o desvio / método em direção ao todo tenso e inabarcável: “Somente uma
perspectiva distanciada [...] disposta, inicialmente, a abrir mão da visão de totalidade, pode ensinar o
espírito, num processo de aprendizagem ascética [...]”, sem garantias, que sempre volta, daquele que
contempla, “[...] a adquirir força necessária para ver o panorama, sem perder o domínio de si mesmo” 46.
A origem é um fenômeno lingüístico que, para Walter Benjamin,
permitiria ao sujeito do
conhecimento tangenciar a totalidade, sem abrir mão da humildade frente ao todo.
A atualização crítica destes conceitos da filosofia benjaminiana para a teoria da história já pode
indicar alguns caminhos. Primeiro a relação entre sujeito e objeto do conhecimento deve deixar de ser
uma relação vertical. Tal idéia é muito importante na história, pois passa pelo reconhecimento que tantos
os sujeitos quanto os objetos do conhecimento histórico estão carregados de sentidos, têm o mesmo
estatuto.
43
Origem, p. 60.
Origem, p. 69.
45
Origem, p. 69.
46
Origem, p. 79.
44
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