Culturas juvenis 'a venda': O suplemento jornalístico Patrola visto como um veículo de comunicação publicitária Rossana Cassanta Rossi## Resumo: Na perspectiva dos Estudos Culturais, problematizo o suplemento jornalístico Patrola como uma prática cultural pedagógica pois ensina-se o que os sujeitos jovens 'precisam', 'devem' consumir. Nesse sentido, a mídia exerce uma significante função pedagógica como veiculadora e, principalmente, como produtora de saberes e formas especializadas de comunicar e de produzir sujeitos. Assim, ela não só representa, mas também fabrica identidades juvenis. A análise do suplemento Patrola, como um veículo de comunicação publicitária, é relevante para pensar de que modo e porque práticas culturais operaram nos processos de constituição dos sujeitos jovens como consumidores. Cabe ressaltar que as culturas juvenis foram descobertas como um mercado de consumo promissor. Além disso, as culturas juvenis parecem estar 'a venda', uma vez que a mídia vende a idéia de que quaisquer indivíduos podem ser jovens, contanto que consumam certas mercadorias ditas como 'pertencentes' a culturas juvenis. Portanto, é importante lembrar que os sujeitos do currículo são sujeitos produzidos também pelos discursos de uma cultura regida pelos apelos do mercado, na qual a mídia tem um importante papel na propagação dos valores dessa cultura de consumo. Palavras-chave: estudos culturais; culturas juvenis; consumo; suplemento jornalístico Patrola; comunicação publicitária Neste texto, tenho a intenção de realizar uma leitura, entre tantas possíveis, sobre o suplemento jornalístico Patrola, do jornal Zero Hora (ZH), presente semanalmente nas edições de sextas-feiras. Meu objetivo é mostrar o suplemento como um veículo de comunicação publicitária##. Na perspectiva dos Estudos Culturais, o suplemento é compreendido como prática cultural pedagógica que opera na constituição de visões de mundo e na constituição de sujeitos. Por isso, a escolha do Patrola é relevante para pensar como e porque práticas culturais## desempenham uma função significante nos processos de constituição dos sujeitos jovens como consumidores, ensinando-os também o que 'devem' e 'precisam' consumir. A mídia tem um importante papel nos processos identitários, pois, como acredita Fischer (2002), ela não é só veiculadora mas também produtora de saberes e formas especializadas de comunicar e de produzir sujeitos, assumindo, desse modo, uma função nitidamente pedagógica. Daí a necessidade de pensar as identidades sociais como construídas no interior da representação, através da cultura, não fora dela, como nos tem ensinado Hall (1997). Pois elas são o resultado de um processo de identificação que permite que nos posicionemos no interior das definições que os discursos culturais (exteriores) fornecem ou que nos subjetivemos (dentro deles), declara o autor. Contudo, cabe lembrar que a mídia privilegia um segmento juvenil e que os jovens alí apresentados são o resultado de um recorte, de um olhar, não podendo, assim, ser tomado como uma verdade única, pois ao mesmo segmento juvenil é possível lançar diferentes outros olhares. Além disso, a mídia não só representa, mas, principalmente, fabrica identidades, estilos juvenis. Costa (2000) argumenta que “quem tem o poder de narrar o outro, dizendo como está constituído, como funciona, que atributos possui, é quem dá as cartas na representação, é quem diz o que tem ou não tem estatuto de 'realidade', é quem cria as identidades, e, ao criá-las, também regula, coordena, governa” (idem, p. 77). Assim, é importante problematizar as 'verdades' como discursos produzidos segundo regimes de poder. O Patrola é uma marca não só de um suplemento jornalístico, mas também de um programa de TV, de um chat e de um blog. Desse modo, a marca Patrola circula em diferentes meios da mídia, no estado do Rio Grande do Sul, forma uma 'rede' e, assim, investe em cada recanto da mídia, invadindo os diferentes 'espaços' midiáticos nos quais o sujeito jovem se movimenta. Contudo, neste texto, realizo um recorte, analisando somente o suplemento. O jornal ZH endereça seu suplemento a um específico perfil de jovem, ou seja, um jovem leitor que compra o jornal ou o lêem em uma biblioteca na escola, por exemplo. Silva (1999), ao analisar o suplemento Folhateen (do jornal Folha de São Paulo), indaga-se sobre o motivo de existir um caderno dedicado aos jovens. Ela mesma responde dizendo que “é porque foram descobertos enquanto público forte, que deve ser explorado” (idem, p. 5). Ela também constata que as segundas-feiras, dia de circulação do Folhateen, a tiragem da Folha de São Paulo cresce muito. Mas, considerando que a imagem tem uma forte presença em nossa cultura, o que faz com que jovens se interessem a ler? Questões como essas também têm sido observadas em estudos como o de Saraí (2004). Ao analisar a revista MTV, ela expõe que considera importante discutir o espaço destes artefatos da mídia impressa no universo jovem, pois, em plena era do virtual, do apelo estético da produção incessante de imagens em movimento, das múltiplas sonoridades, do tempo fragmentado, do zapping, das tecnologias sofisticadas de informação e comunicação, merece destaque o incremento do número de revistas dirigidas especificamente para o público jovem (idem, p. 8) A análise de suplementos (ou cadernos) jornalísticos só recentemente ganhou uma visibilidade nos estudos acadêmicos, como o trabalho de Silva (1999), Costa (2004), Mazzeto e Gawryszewski (2004), Lorenzotti (2002). Costa constata que não há nenhum estudo registrando sobre a história dos suplementos culturais. Disso resulta o seu interesse em fazer uma breve história desses. Ela afirma que o Gazeta de Notícias foi o primeiro jornal a criar um suplemento em 1909. Entre 1930 e 1950 eles começaram a se proliferar. O que pautava esses cadernos eram os folhetins, poesias, críticas literárias. “O suplemento era o ponto de encontro entre intelectuais e escritores de renome com os que os jovens que sonhavam usar o espaço como vitrine e projetar seu nome no mundo das letras” (COSTA, 2004, p. 2). Ela afirma que hoje poucos jornais mantêm suplementos literários, mas a maioria, inclusive os de médio porte, “sentem-se na obrigação de apresentar um suplemento cultural” (idem, p. 3). Nesse sentido, Rodrigues (2005) explica que o repórter dos suplementos e cadernos se tornou mais clássico, mais transparente, que aspira uma objetividade. Uma característica que seria mais de hard news está contaminando a área cultural, por conta dessa ênfase no pragmático, em fazer do jornalismo cultural um guia de consumo para o leitor. O suplemento cultural, com certeza, está dando uma atenção preferencial ao que tem mais público. Tratando, portanto, o seu objeto como entretenimento, como um espetáculo, como um produto. Ele acrescenta que os suplementos estão dando mais ênfase na prestação de serviços e, por isso, se tornaram um instrumento da indústria cultural, fazendo com que os suplementos sejam pautados segundo a agenda dos produtores culturais. “Algo feito para se vender um espetáculo ou para se vender um produto cultural, menos do que para refletir sobre ele”, enfatiza o autor. Indo ao encontro da afirmação de Rodrigues, o estudo de Barbosa & Casaqui (2000) mostra há relação entre o jornalismo e a comunicação publicitária em algumas situações. Conforme os autores, esta é um espaço de auto-referenciação no qual as empresas jornalísticas utilizam para edificar a sua imagem, como as campanhas da Zero Hora, da Folha de São Paulo, das revistas Istoé e Veja. De modo inverso, as peças de comunicação publicitárias utilizam garotos-propagandas travestidos da imagem de um repórter na composição de sua retórica. Além disso, o jornalismo dá suporte para veiculação das campanhas ao criar espaços para elas no próprio jornal. No caso dos suplementos, uma das formas de comunicação publicitária se dá através de dicas de consumo, nas quais se veicula a mensagem do anunciante. O espaço que oferece dicas de consumo sugere que livros comprar, que lugares ir, onde comer, que filmes ver. A seção “Três troços tri”, do Patrola, recomenda, a cada semana como diz o nome três produtos para comprar, que podem ser livros, CDs, DVDs e outros. Juntamente com uma imagem do produto, é apresentado um pequeno texto descrevendo o objeto e, algumas vezes, o preço também é informado. Próxima a essa seção, aparece outra, a seção “Vai ter”, que dá sugestões de eventos, as festas da semana, informando sobre que banda ou o que Dj irá se apresentar, a hora, o dia, o local e os preços dos ingressos. Assim, Silva (1999), no seu estudo, afirma que há mensagens que são veladas e embutidas em uma sugestão de comportamento, “como no caso de matérias que tratam dos vestibulandos, onde são freqüentes as citações de cursinhos, que são os principais anunciantes do Folhateen” (idem, p. 90). Além disso, o suplemento Patrola exibe promoções em várias edições, as quais, por sua vez, exibem comunicação publicitária de um produto, como a que 'convida' o jovem a responder no site uma pergunta como o que te faz ser louco pelo som do Slipknot? As cinco melhores respostas ganham o CD duplo da banda. Do mesmo modo, também as formas usuais de comunicação publicitária aparecem no Patrola, misturando-se aos textos. Ainda, há textos informativos que apresentam, junto a matérias, comunicação publicitária de produtos relacionados ao assunto, como, por exemplo, o texto “Se meu celular falasse...” (Patrola, 11/02/2005), e também há matérias que informam sobre um produto, como “Ela vem pro meio de nós” (Patrola, 20/05/2005). A matéria “Se meu celular falasse...”, matéria de capa do suplemento, cujo título faz uma referência ao filme “Se meu fusca falasse”, descreve situações nas quais os jovens usam o telefone celular, como mandar torpedo ou dar apenas um toque que significa que a pessoa que deu o toque acabou de lembrar dela. O telefoninho portátil virou uma coisa tão básica que nem parece que alguém pode viver sem. É como se fosse parte da gente!, relata o texto. Uma característica do texto é que o gênero feminino parece ser o maior alvo da reportagem não só por ser ilustrado pela foto de duas jovens, mas também pela diagramação, cujo pano de fundo é cor de rosa, e por reproduzir fala de garotas na maior parte do texto possivelmente fazendo, assim, uma referência ao discurso que associa o gênero feminino à tagarelice e fofoca. Mas essa matéria não só informa; ela 'convida' ao consumo, mostrando dois modelos de celular nas mãos das jovens e apresentando, no canto superior direito, a comunicação publicitária de uma operadora de telefone celular, que vende os modelos que aparecem na foto, sendo essa operadora um dos maiores anunciantes do suplemento. Outro aspecto que favorece o consumo (ou a troca) de aparelho de telefone celular é o fato de as empresas oferecerem meios de 'personalizar' o aparelho usando adesivos, frentes coloridas, toques musicais. Essa tentativa de 'personalizar' o celular é usada por sujeitos jovens, sendo visível nessa matéria, a qual expõe que Mexendo, mexendo, o celular da guria [uma jovem entrevista] ficou com a cara dela: tem capa colorida com adesivos e toques musicas de hip hop. A matéria de capa “Ela vem pro meio de nós”, anuncia a turnê de Avril Lavigne no Brasil, uma cantora canadense de rock, e sobre seu show no Gigantinho, em Porto Alegre, no 21 de setembro. Além disso, através da fala de uma jovem, 'ensina-se' uma estratégia para jovem leitor poder comprar o ingresso. Como diz o texto, a jovem, quando ficou sabendo do show, na hora pensou num jeito de ir: vai deixar de cantinho uma grana que ganhou de aniversário da tia na semana passada. Do mesmo modo, são expostos os motivos para ir ao show. Essa jovem diz: Estou muito curiosa, porque a Avril influenciou a gente de verdade. Ela tem atitude, mas não deixa de ser bonita. E tem muito estilo. Também o namorado da jovem, embora nem curta tanto a música, diz que irá ao show porque A Avril é muito gata. Essa análise indica uma relação entre a matéria publicada e a campanha publicitária sobre o show da cantora. Muitos outros exemplos podem ser dados pois quase todas (ou talvez todas) as matérias das edições analisadas do Patrola apresentam, de alguma forma, uma comunicação publicitária, o que sugere que essas matérias são patrocinadas. Há, ainda, outras relações possíveis entre jornalismo e comunicação publicitária. De acordo com Barbosa e Casaqui (2000), “O jornalismo se vale da memória discursiva de slogans e chavões publicitários consagrados para causar impacto e atribuir significados a chamadas de matérias, bem como faz uso de alguns recursos gráficos e de design” (idem, p. 72). Aludindo a peças publicitárias, a ditos populares, a letras de músicas, frases como “Quem pode, iPod”, “Tenha noção! Eu ganho mesada”, “B5 em 5 tempos”, “Alala-ô-ô-ô-ô ô-ô-ô/O Carnaval mudou” são os títulos das matérias de capa analisadas do Patrola. Ao mesmo tempo, os autores acrescentam que “o jornalismo tem proporcionado à publicidade [ . . . ] oportunidades para a criação de anúncios de ocasião” (idem, p. 73). Algumas peças de comunicação publicitária fazem referências explícitas a textos jornalísticos, declaram os autores. Em 2005, uma operadora de telefonia celular criou uma propaganda na qual a garota-porpaganda era a modelo Caroline Bittencourt que tinha sido expulsa do casamento, entre o jogador de futebol Ronaldinho e a modelo Daniella Cicarelli, pela própria noiva. Fazendo uso da memória, uma peça publicitária exibia Caroline dizendo que ninguém pode ficar de fora desta 'festa', numa clara alusão ao episódio de expulsão dela pela noiva. A pérola terminava com a garantia 'fique tranqüilo: lá ninguém é barrado' (Zero Hora, Economia, 05/06/2005). Os autores argumentam que “O discurso jornalístico, assim como qualquer outro discurso, está em permanente diálogo com os outros discursos que fazem parte da sua esfera de circulação, do cenário social no qual se insere e com os quais interage na produção de sentido” (idem, p. 75). Eles acrescentam que esse diálogo é favorecido pela circulação conjunta de enunciados dessas duas formações discursivas no texto maior que é o conjunto do jornal “pois tanto um como outro discurso são suscetíveis de serem apreendidos pelo mesmo leitor, no mesmo ato de leitura” (idem, p. 78). Os autores lembram que A publicidade precisa do jornal enquanto veículo de sua produção e enquanto aglutinador de potenciais consumidores com perfil econômico definido; a empresa jornalística, por sua vez, sustenta seus produtos, em grande parte, pelos anunciantes que ocupam suas páginas [ . . . ] assim como há fatos e matérias publicitárias que são recuperadas pelo discurso jornalístico em reportagens, chamadas de matérias etc. Dessa forma, os sentidos dos dois enunciados, ao se entrecruzarem em um texto publicitário, apontam para uma concordância, uma complementação semântica (ibidem). Indo ao encontro disso, Silva (1999) argumenta no seu estudo que “O teen é um grande consumista e esta é uma das principais justificativas de tamanho investimento da Folha de S. Paulo nesse público” (idem, p. 92). E o mesmo ocorre com o leitor do suplemento Patrola e o próprio suplemento. A autora explica que O jornal é, hoje, antes de tudo, uma empresa que vende seu produto, as notícias, e vende também os produtos de seus anunciantes, principal fonte de renda da empresa jornalística. Assim, busca-se o público consumidor, cujo poder de compra, de ação e reação, estão em relação direta com o poder do jornal que o seduz, que cria necessidades para satisfazê-las (p. 92). Fato é que a indústria cultural descobriu um promissor mercado: as culturas juvenis. Conforme Reguillo (2003), juventude “não é mais que uma palavra, uma categoria construída, mas as categorias são produtivas, fazem coisas, são simultaneamente produtos do acordo social e produtoras do mundo” (idem, p. 106). A autora acrescenta que juventude é um 'estado' e não uma etapa de transição. Por isso, não apenas os 'jovens legítimos' são os sujeitos dessas culturas. Pois, como constata Coelho (1998), a mídia vende a idéia de que quaisquer indivíduos podem ser jovens, contanto que consumam certas mercadorias ditas como 'pertencentes' a culturas juvenis. “Um componente fundamental da cultura de consumo é a crença de que as pessoas podem escolher os seus estilos de vida livremente, pois o mercado garantiria a liberdade individual” (idem, p.28). Conforme Reguillo (2003), as indústrias culturais tem tido um crescente e notável papel na construção e reconfigurações dos sujeitos juvenis, uma vez que “O vestuário, a música e certos objetos emblemáticos constituem hoje uma das mais importantes mediações para a construção identitária dos jovens” (idem, p. 106). Tais elementos não são apenas marcas visíveis de certas agregações mas também compõe o que os publicitários chamam de um conceito, um estilo. “Um modo de entender o mundo e um mundo para cada necessidade, na tensão-identificação-diferenciação” (ibidem). Segundo Sarlo (1997), os objetos se tornaram importantes para a construção de uma identidade, uma vez que eles “nos significam: eles têm o poder de outorgar-nos alguns sentidos, os quais estamos dispostos a aceitá-los” (idem, p. 28). Os objetos carregam mensagens que nos seduzem, nos interpelam. Essas mensagens, por sua vez, atribuem valores, significados aos objetos. As culturas juvenis parecem estar 'a venda', uma vez que aquilo que se 'possui', que se 'consome' contribui marcadamente na constituição identitária de sujeitos. Corroborando desse argumento, Kellner (1995), ao analisar questões sobre a publicidade, afirma que ela “está tão preocupada em vender estilos de vida e em vender posições de sujeitos desejáveis, características que são associadas com seus produtos, quanto em vender os próprios produtos” (idem, p. 126). O autor acrescenta que “o estilo e o visual se tornaram parâmetros cada vez mais importantes de identidades e de apresentação do indivíduo na sua vida cotidiana” (idem, p. 09). A matéria “Desuniforme” (Patrola, edição 65) mostra que até o uniforme da escola precisa estar de acordo com o visual, o estilo do jovem, tendo que ter uma nova composição. Afinal, uniforme é pra deixar todo mundo igual. Por isso, o Patrola convocou quatro estilistas para fazer o uniforme dos sonhos de quatro colégios. E você? Toparia ser diferente? Para Kellner, a mídia exerce um significante papel na construção de estilo ao mostrar e dizer as às pessoas como devem se apresentar e se comportar. Interessante notar que os ídolos, as celebridades como os/as cantores/as nacionais e internacionais, os atores e as atrizes das novelas, da Malhação que aparecem no suplemento Patrola também aparecem como garotos-propaganda de publicidades dirigidas aos jovens. A cantora de rock Pitty, que aparece em diversas edições analisadas do Patrola e de revistas para garotas (em outubro de 2005 ela foi matéria de capa da revista Atrevida), é garota-propaganda de uma operadora de celular, comercial que tem passado diariamente na TV desde dezembro de 2005. Kellner (2001) explica que as celebridades se tornam marcas para vender sues produtos. No espetáculo da mídia, acrescenta o autor, há “um culto à celebridade, que proporciona os principais padrões e ícones da moda, do visual, da personalidade” (idem, p. 07). Vender estilos de vida e/ou posições de sujeitos desejáveis significa 'vender' sonhos. Segundo Sarlo “somos sonhados por ícones da cultura. Somos livremente sonhados pelas capas de revista, os cartazes, a publicidade, a moda: cada um de nós encontra um fio que promete conduzir a algo profundamente pessoal, nessa trama tecida com desejos absolutamente comuns” (SARLO, 1997, p. 25). No suplemento Patrola há muitos sonhos: o sonho de ser popular, de ser famoso, de ter amigos; o sonho de ser estar 'por dentro' do estilo juvenil 'da moda'. Desse modo, na cultura de consumo, os sonhos podem parecer que se tornaram 'reais' ao consumirmos os objetos adequados, como mostra a matéria “Tenha Noção! Eu ganho mesada” (Patrola, 6/05/2005). Essa matéria trata a respeito do modo como os jovens lidam com a questão do consumo, uma vez que a maioria de seus leitores, jovens de classe média, não trabalham e por isso dependem do dinheiro dos pais para poder consumir. Itens que são necessários consumir pelo menos uma vez por mês segundo os próprios jovens entrevistados: dois ingressos de cinema no findi, mais pipoca, mais refri, um DVD, um Cd lançamento, 10 passagens de ônibus, dois ingressos ou consumação em uma balada, um livro, um cartão celular, duas revistas, uma camiseta bacaninha, 10 horas num lan house. Três jovens entrevistadas pensam que, embora a mesada não seja suficiente para comprar tudo o que desejam, não dá para pedir mais dinheiro para não levarem os pais a falência. As táticas dos jovens para poderem comprar suas coisas são diferenciadas: uma das gurias diz que pede dinheiro aos pais de acordo com as suas necessidades. Já aos guris está associada à idéia de que sabem se divertir sem gastar muito, jogando truco e fazendo churrascos de turma, por exemplo. Portanto, ensina-se ao jovem como lidar com o dinheiro, como se divertir, o que ele 'precisa' comprar. Logo, ensina-se também a consumir de acordo com o gênero (feminino ou masculino) de cada sujeito: enquanto as gurias se preocupam em comprar coisas para si, de uso pessoal, os guris pensam em usar o dinheiro para se divertirem com os amigos. As gurias são, pois, representadas como sujeitos que pertencem e se movimentam num espaço íntimo (como a cultura do quarto, o Bedroom culture) e os guris, num espaço público. Em suma, essa análise sobre o suplemento jornalístico Patrola aponta para a necessidade de os sujeitos jovens de adquirir um alfabetismo crítico em relação à mídia, como argumenta Kellner (1995) no seu estudo sobre as imagens publicitárias. Além disso, Costa (2005) afirma que “inúmeros artefatos da cultura contemporânea, especialmente da cultura popular midiática, moldada, como sabemos, por forças políticas, econômicas, sociais e culturais, têm não só invadido a escola como disputado com ela o espaço pedagógico” (idem, p. 04). Por isso, segundo a autora, não podemos esquecer que os sujeitos do currículo são sujeitos produzidos também pelos discursos de uma cultura regida pelos apelos do mercado, na qual a mídia tem um importante papel na propagação dos valores dessa cultura de consumo. Referências bibliográficas BARBOSA, Ivan Santo; CASAQUI, Vander. Linguagem publicitária e jornalística: uma aproximação dialógica. Líbero, ano III, vol. 3, nº. 6, 2000. COSTA, Cristiane. 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