DENSIDADES DE BACTÉRIAS HETEROTRÓFICAS, CIANOBACTÉRIAS E NANOFLAGELADOS HETERÓTROFOS EM ESTUÁRIOS DO LITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. DETERMINATIONS OF HETEROTROPHIC BACTERIA, CYANOBACTERIA AND HETEROTROPHIC NANOFLAGELLATES IN ESTUARIES FROM THE COAST OF SÃO PAULO STATE. Cristina Rocha Pereira, Ana Julia Fernandes Cardoso de Oliveira, Diego Igawa Martinez Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus Experimental do Litoral Paulista – Unidade São Vicente – Ciências Biológicas – [email protected] – PIBIC/CNPq. RESUMO A poluição por esgotos ainda é um sério problema ambiental em áreas estuarinas brasileiras, podendo afetar comunidades microbianas e ter seus efeitos propagados por toda a teia trófica pelágica, afetando ciclos biogeoquímicos. O objetivo deste estudo foi comparar dinâmicas microbianas em estuários que apresentam diferentes níveis de poluição e concentração de nutrientes. A abordagem envolveu a quantificação das eficiências de crescimento e relações tróficas entre bactérias heterotróficas, cianobactérias e nanoflagelados heterótrofos, na tentativa de identificar os efeitos da poluição por esgoto sobre a teia trófica microbiana. Conclui-se que apesar das dinâmicas microbianas em sistemas estuarinos aparentarem ser muito resilientes, esgotos não tratados podem ser responsáveis por reduzir a eficiência de crescimento bacteriano e desestabilizar dinâmicas populacionais. Palavras-chave: alça microbiana; estuários; poluição por esgoto. Keywords: microbial food web; estuaries; sewage pollution. 1. INTRODUÇÃO Os estuários são especialmente importantes devido à sua complexa estruturação física (MIRANDA et al., 2002) e dinâmicas tróficas muito intrincadas, onde microorganismos são considerados muito importantes no processamento da matéria orgânica e fluxos de energia (HOWARTH et al., 1982). Estuários também provêm uma série de bens e serviços ambientais que são muito importantes para o bem estar humano e manutenção dos ecossistemas. Entretanto, estes ecossistemas apresentam elevada ocupação humana, o que pode ocasionar impactos negativos ao ambiente como o despejo de esgoto não tratado, podendo causar mudanças significativas nas comunidades microbianas as quais podem se propagar por toda a teia trófica, afetando seus fluxos de energia. Este estudo teve como objetivo avaliar a dinâmica de parte da cadeia trófica microbiana em estuários com diferentes níveis de degradação ambiental. Esta avaliação será estimada extrapolando-se os parâmetros de predação por nanoflagelados heterótrofos obtidos nos estuários de São Vicente e Itanhaém, em relação aos dados de abundância microbiana obtidos in situ nos Estuários de Cananéia e Bertioga. A relação entre os quatro estuários permitirá inferir os efeitos de fatores como a poluição e a elevada concentração de nutrientes (natural ou antropogenicamente introduzidos), sobre o funcionamento da alça microbiana. 2. MATERIAIS E MÉTODOS O estudo foi conduzido em quatro regiões estuarinas. O estuário de Cananéia (CA) é naturalmente eutrófico, enquanto que o de São Vicente (SV) é antropogenicamente eutrófico. Já os estuários do Rio Itanhaém (IT) e de Bertioga (BE) são classificados como meso-oligotróficos. Para a avaliação da densidade de microrganismos foram coletadas amostras de água nos quatro estuários, acondicionadas em frascos estéreis contendo formaldeído 5% (concentração final) e mantidas sob refrigeração (4º C). As amostras de água destinadas aos parâmetros de predação foram coletadas em SV e IT e acondicionadas em galões plásticos lavados com Extran® e MilliQ®. Todas as amostras foram levadas até o laboratório de microbiologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus do Litoral Paulista para o processamento. As bactérias heterotróficas (BH) e os nanoflagelados heterotróficos (NANH) foram corados com 4’-6-diamidino-2-fenilindol (DAPI) e contados sobre luz ultravioleta (PORTER et al., 1980) em microscópio de epifluorescência. As cianobactérias (CB) foram observadas pela fluorescência de seus pigmentos fotossintéticos quando excitados pela luz verde (WATERBURY et al., 1987). Foram realizadas duas incubações, na ausência e na presença depredadores. Durante o período de incubação foram determinados os valores de oxigênio dissolvido em intervalos de tempo pré-determinados através do método de Winkler pela titulação de microvolumes. As variações nas densidades microbianas durante o período de incubação foram utilizadas para a construção de curvas populacionais, determinando-se as taxas de ingestão e de clearance pelos NANH (ANDERSEN et al., 1985). As taxas de crescimento e de respiração foram utilizadas no cálculo da eficiência de crescimento bacteriano (BGE) (DEL GIORGIO et al., 2000). Variações do conteúdo de matéria orgânica dissolvida (CDOM) foram monitoradas através de determinações fluorimétricas da sua fração colorida (SMART et al., 1976) utilizando um fluorímetro Turner 10 AU e cubetas de quartzo. Os dados relativos aos parâmetros de predação, obtidos nos experimentos realizados a partir de amostras coletadas em SV e IT serão utilizados para estimar quanto da biomassa bacteriana e de cianobactérias é removida da coluna de água por nanoheterótrofos (ANDERSEN et al., 1985). 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES A densidade média de CB foi maior em IT (1,77 x 104 células ml-1) do que em SV (1,23 x 104 células ml-1). As densidades de BH em SV (1,16 x 107 células ml-1) foram maiores do que em IT (4,96 x 106 células ml-1). As densidades médias de NANH foram maiores em SV (1,6 x 10³ células ml-1) do que em IT (9,2 x 10² células ml-1). Somente as médias de NANH mostraram diferenças estatisticamente significativas entre si (p = 0.03, teste t para amostras independentes). Na incubação livre de predadores, as bactérias de IT mostraram uma curva de crescimento típica (Figura 1), alcançando a fase estacionária após 24 horas. No entanto na incubação do SV as bactérias cresceram durante as primeiras 12 horas e entraram rapidamente em declínio. Fig. 1:Crescimento bacteriano (círculos abertos) e respiração (quadrados fechados) das amostras do IT (à esquerda)e do SV (à direita) incubadas em ambiente livre de predadores. As barras verticais representam o desvio padrão para o crescimento e respiração calculado entre as réplicas. Fonte; artigo submetido ao periódico Aquatic Microbial Ecology. Os cálculos da BGE mostraram que, para as bactérias do IT, aproximadamente 26% do carbono incorporado deve ser utilizado em vias catabólicas e, assim, seria disponibilizado para o consumo pelos níveis tróficos superiores. No caso das bactérias do SV, a BGE foi de aproximadamente 12%. Fig. 2: Variações na densidade de bactérias heterotróficas (linha azul), cianobactérias (linha verde) e nanoflagelados heterotróficos (linha vermelha) na incubação com presença de predadores do SV (à esquerda) e do IT(à direita). A área sombreada representa a variação na fluorescência do CDOM nos frascos incubados, a linha preta pontilhada é a variação da fluorescência do CDOM nos frascos controle. Fonte: artigo submetido ao periódico Aquatic Microbial Ecology. Na incubação com a presença de predadores, tanto para SV como para IT as presas (BH e CB) cresceram durante as primeiras 24 horas. Enquanto que os predadores (NANH) cresceram mais expressivamente após 24 horas, atingindo a densidade máxima após 120 horas para SV, e 48 horas para IT. Ambos estuários mostraram que o crescimento dos predadores foi concomitante à mortalidade das presas entre 24 e 48 horas e que as cianobactérias foram consumidas primeiramente. As diferenças marcantes aconteceram após 48 horas (Fig.2). Em SV, logo após o declínio na densidade de presas, a fluorescência do CDOM apresentou dois picos seguidos por uma estabilização, enquanto que no IT após 100 horas de incubação variações na fluorescência do CDOM ainda foram registradas, mostrando mais dois picos após o primeiro que sucedeu o evento de mortalidade das presas. Para ambas as amostras as taxas de crescimento das presas foram menores do que as calculadas para a incubação livre de predadores, entretanto, a diferença entre estas taxas foram maiores para IT (crescimento, ingestão e clearance). As eficiências brutas de crescimento dos NANH foram bem similares. Os dois estuários são diferentes quanto as suas características físicas e hidrológicas (GIANESELLA, 2008; SERIANI et al.,2008) sendo possível inferir que as diferenças nas variáveis microbiológicas não são influenciadas somente pela poluição orgânica. Porém houve claras diferenças nos valores da BGE entre os dois estuários. Os fatores que afetam a regulação da BGE ainda não são totalmente entendidos, mas o baixo valor encontrado no SV pode estar relacionado com a qualidade do substrato (DEL GIORGIO et al., 2000), pois a carga orgânica originada do esgoto é alta, deixando as águas da região freqüentemente impróprias para o contato primário (CETESB, 2008). 4. CONCLUSÕES Os resultados preliminares mostram que pode haver uma relação entre esgotos não tratados e diminuição da eficiência de crescimento bacteriano, assim como a desestabilização das dinâmicas populacionais bacterianas. Os resultados futuros referentes aos estuários de Cananéia e Bertioga permitirão inferir se a poluição e/ou elevada concentração de nutrientes interferem na dinâmica da alça microbiana. 5. REFERÊNCIAS ANDERSEN, P.; FENCHEL, T. 1985. Bacterivory by microhetrotrophic flagellates in seawater samples. Limnology and Oceanography, n. 30, p. 198-202. CETESB. 2008. Relatório de qualidade das águas interiores no Estado de São Paulo. DEL GIORGIO, P. A.; COLE, J. J. 2000. Bacterial energetic and growth efficiency. In: KIRCHAMN, D. L. (Ed.) Microbial ecology of the oceans. New York: Ed. Wiley-Liss, p. 289-325. GIANESELLA, S. M. F.; SALDANHA-CORRÊA, F. M. P.; SOUSA, E. C. P. M.; GASPARRO, M. R. 2008. Ecological status of the Santos estuary water column. In: Neves, R.; Baretta, J.; Mateus, M. (eds) Perspectives on integrated coastal zone management in south America. IST Press. HOWARTH, R. W.; HOBBIE, J. E. 1982. The regulation of decomposition and heterotrophic microbial activity in salt marsh soils: A review. In: KENNEDY, V. (Ed.) Estuarine comparisons. New York: Ed. Academic. p. 183-207. MIRANDA, L. B. ; CASTRO FILHO, B.M. ; KJERFVE, B. 2002 Princípios de Oceanografia Física de Estuários. 1. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. v. 1. 414 pp. PORTER, K. G.; FEIG, Y. S. The use of DAPI for identifying and counting aquatic microflora. Limnology and Oceanography, 1980. n. 17, p. 943-948. SERIANI, R.; ABESSA, D. M. S.; ROMANO, P.; PINNA, F. V.; MAGINI, C.; SILVEIRA, F. L. , 2008. Using bioassays and benthic community to evaluate the sediment quality at the estuary of Itanhaém river, sp, brazil. O Mundo da Saúde São Paulo, 32, 294-301. SMART, P. L.; FINLAYSON, B. L.; RYLANDS, W. D.; BALL, C. M., 1976. The relation of fluorescence to dissolved organic carbon in surface waters. Water Research, 10, 805-811. WATERBURY, J. B.; WATSON, S. W.; VALOIS, F. W.; FRANKS, D. G., 1987. Biological and ecological characterization of the marine unicellular cyanobacterium Synechococcus. Canadian Journal of Fisheries and Aquatic Sciences, 214, 71-120.