Apinhamento terciário: causas e opções terapêuticas

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CASO CLÍNICO
Apinhamento terciário: causas e opções terapêuticas
Tertiary crowding: causes and treatment options
Danilo Furquim 3)15%)2Ø
Gabriela Rodrigues de /,)6%)2Ø
Fausto Silva "2Ø-Ø.4%
Luiz Renato 0Ø2Ø.(/3
Marco Antonio 3#Ø.Ø6).)
Abstract
Resumo
O apinhamento dentário pode ser
classificado, didaticamente, em
primário, secundário e terciário, e
se caracteriza pela sobreposição ou
rotação dos dentes. O apinhamento terciário se manifesta na idade
adulta, acomete mais a região anteroinferior, é de origem multifatorial
e pode necessitar de tratamento
ortodôntico. Em vista das dúvidas
remanescentes e controvérsias existentes sobre o assunto, o presente
trabalho tem como objetivos discutir as possíveis causas do apinhamento terciário e ilustrar algumas
opções terapêuticas.
The dental crowding may be didactically classified as primary, secondary
and tertiary. They are characterized
by the imbrications or rotation of
teeth. The tertiary crowding appears
in adulthood, mostly affecting the
antero-inferior segment. Its origin
is multifactorial and it may need
Palavras-chave:
Keywords:
Ortodontia. Apinhamento. Desgaste.
Orthodontic. Crowding. Stripping.
Ÿ
orthodontic treatment. Concerning
the remaining doubts and controversies on this matter, this study aims
at evidencing probable causes of the
tertiary crowding and demonstrating
some therapeutic options.
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CASO CLÍNICO
Apinhamento terciário: causas e opções terapêuticas
INTRODUÇÃO
O apinhamento dentário pode ser definido como a discrepância entre a massa dentária e o tamanho das bases ósseas, o que resulta em sobreposição e rotação dos dentes9,31.
O apinhamento não representa condição prevalente na
dentadura decídua e, quando presente, não merece tratamento nesse estágio. Um estudo epidemiológico na cidade
de Bauru (SP) encontrou apinhamento em apenas 11,1% das
crianças no estágio de dentadura decídua, sendo a incidência de 4,91% na arcada dentária superior e de 9,42% na inferior27. Outro levantamento também realizado com escolares
da cidade de Bauru no estágio da dentadura mista, entre 7
e 11 anos de idade, encontrou apinhamento em 52,73% do
total das más oclusões. A alta incidência do apinhamento na
dentadura mista é compreensível, pois a discrepância denteosso negativa manifesta-se logo no início da dentadura mista, durante a erupção dos incisivos permanentes28.
O apinhamento pode ser classificado, com finalidade didática, em primário, secundário e terciário31. O apinhamento
primário manifesta-se no início da dentadura mista, durante
a erupção dos incisivos permanentes. O apinhamento secundário manifesta-se no final da dentadura mista, durante
a erupção dos dentes do segmento posterior. E o apinhamento terciário, também chamado de apinhamento tardio,
caracteriza-se pela sobreposição dos incisivos inferiores na
dentadura permanente madura31 e tem caráter progressivo.
A etiologia do apinhamento terciário parece ser de natureza multifatorial16,17,19,22,23,24,31,32. Sendo assim, essa condição não deveria ser considerada apenas uma discrepância
ósseo-dentária, mas sim um desequilíbrio entre diversas variáveis23, as quais podem agir em combinações distintas, em
diferentes idades, com graus de influência variados16,19. Os
fatores possivelmente envolvidos na origem do apinhamento terciário são: crescimento mandibular tardio21,31, migração
mesial dos dentes posteriores9,19,24,32, ausência de desgastes
interproximais devido à dieta moderna6,8, padrão de crescimento21,31, direção de erupção18,19,23, redução nas dimensões
da arcada10,16,18,24,32, morfologia dentária2,10,23,24,31, maturação e
pressão dos tecidos moles peribucais17,24 e hábitos bucais1.
De acordo com a gravidade do apinhamento, existem diferentes modos de tratamento, e entre as opções terapêuticas
estão: a vestibularização, o desgaste interproximal e a extração
dentária. Em qualquer opção, é possível obter um alinhamento
dentário adequado, desde que seja realizado um planejamento
cuidadoso26. Segundo Jarjoura et al.11, apesar de ser bastante
difundida a aceitação do desgaste interproximal, ainda é um
pouco limitada devido ao suposto aumento no risco de cáries
da superfície de esmalte desgastada. Porém, verificaram que o
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risco de cárie não é influenciado pelo desgaste interproximal.
Além disso, em pacientes com apinhamento moderado, esse
procedimento tem vantagem sobre a extração devido a uma
redução significativa no tempo de tratamento, à quantidade
de estrutura dentária removida correspondendo exatamente à
quantidade de apinhamento presente, à preservação da largura
intercaninos e à criação de superfícies de contato que aumentam a estabilidade da arcada dentária4.
A finalidade do presente trabalho foi discutir as possíveis
causas do apinhamento terciário e ilustrar as opções terapêuticas por meio da descrição de três casos clínicos.
RELATO DO CASO CLÍNICO 1
Ao exame clínico observou-se que a paciente, do sexo
feminino, leucoderma, com 45 anos e 4 meses de idade, possuía um padrão dolicofacial, perfil facial convexo, presença
de selamento labial passivo e simetria facial (Fig. 1). A queixa
principal era a falta de estética e a dificuldade na higienização da região anteroinferior. Além disso, a paciente relatou
que já havia sido tratada ortodonticamente com a extração
de dois pré-molares superiores e desejava um tratamento rápido e eficaz, localizado na região do problema.
Ao exame intrabucal e análise dos modelos de estudo, observou-se que a mesma apresentava má oclusão de Classe II de
molares e Classe I de caninos, mordida profunda e apinhamento
terciário inferior moderado de aproximadamente 6mm. Além disso, notou-se que devido ao apinhamento anteroinferior e, consequentemente, à dificuldade na manutenção da higiene bucal,
houve formação de cálculo supragengival na região (Fig. 2, 3).
Ao exame radiográfico, foi constatada ausência dos dentes 18, 14, 24, 38 e 48 e imagem radiolúcida na raiz do dente
36. O restante dos dentes não apresentava nenhum desvio
de normalidade (Fig. 4). Na telerradiografia em norma lateral
e no traçado cefalométrico, verificou-se uma compensação
dentoalveolar dos incisivos superiores em direção lingual e
dos inferiores para vestibular (Fig. 5).
Como tratamento, optou-se pelo desgaste interproximal
associado à vestibularização dos dentes anteroinferiores. Decidiu-se por um maior desgaste interproximal e uma menor
vestibularização, uma vez que a paciente já havia sido tratada ortodonticamente e apresentava os dentes anteriores
inferiores vestibularizados. De acordo com Mondelli et al.15
e Cuoghi et al.4, o desgaste interproximal é indicado para
pacientes com presença de discrepância de modelo negativa
(suave ou moderada), ou seja, nos casos onde existe a necessidade de espaço em regiões localizadas e a expansão ou a
extração não estão indicadas.
Siqueira DF, Oliveira GR, Bramante FS, Paranhos LR, Scanavini MA
A
B
C
B
C
Figura 1 Fotografias extrabucais iniciais.
A
Figura 2 Fotografias intrabucais iniciais.
Antes do início do tratamento, o modelo de estudo inferior foi duplicado com o intuito de simular o resultado do tratamento, procedimento conhecido como set-up ortodôntico
ou montagem de diagnóstico (Fig. 6). O set-up consiste em
uma montagem dos dentes no modelo de gesso, baseada em
um plano de tratamento ortodôntico, objetivando visualizar a
oclusão que será obtida com o tratamento antes mesmo do
seu início. Tem como vantagens a facilidade e a rapidez de
execução, além da visualização do resultado final por parte do
ortodontista e do paciente, o que poderá trazer mais tranquilidade para ambas as partes envolvidas no tratamento.
Como preconizado por Mondelli et al.15 e Cuoghi et al.4,
após aprovação do set-up com 4mm de desgaste, o tratamento foi iniciado com desgastes interproximais dos dentes
33 a 43 por meio de discos diamantados monoface e duplaface em baixa rotação. Em seguida, foi realizado o acabamento e o polimento dos desgastes dentários com discos
Sof-Lex (3M-Unitek), granulação fina a ultrafina. Com o intuito
de auxiliar no processo de remineralização das superfícies interproximais desgastadas, foi feita uma aplicação tópica de
flúor-fosfato acidulado e solicitado à paciente que realizasse
bochechos diários com solução de fluoreto de sódio 0,05%.
Na mesma sessão, foram colados braquetes cerâmicos estéticos nos dentes 33 a 43 e braquetes metálicos nos dentes 35,
34, 44 e 45. Os braquetes dos elementos 35, 34 e 33 foram
colados um pouco abaixo do centro da coroa, em decorrência da sobremordida. A sequência de fios utilizada foi: 0,014”
nitinol, 0,016” nitinol, 0,018” nitinol, retangular nitinol 0,019”
x 0,025” e retangular aço 0,019” x 0,025” (Fig. 7). A colagem
do aparelho fixo inferior se limitou aos dentes anteriores e
aos pré-molares, uma vez que a paciente apresentava uma
relação oclusal posterior satisfatória e problemas localizados
na região anteroinferior.
Após 9 meses de tratamento, ocorreu o alinhamento dos
dentes anteroinferiores e instalou-se uma contenção fixa 3x3
inferior (Fig. 8), que foi utilizada por 7 meses e substituída pela
contenção removível para ser usada no período noturno.
Os objetivos iniciais propostos foram atingidos, ou seja,
houve a correção do apinhamento terciário em um curto espaço de tempo de tratamento, conseguindo-se uma oclusão
ideal, uma estética satisfatória, uma condição periodontal
adequada e uma melhor higiene bucal (Fig. 9).
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CASO CLÍNICO
Apinhamento terciário: causas e opções terapêuticas
Para a verificação dos resultados alcançados a longo prazo, realizou-se nova avaliação e documentação ortodôntica
completa após 5 anos do término do tratamento (Fig. 10 a
13). Pela análise das fotografias intra e extrabucais, concluise que o tratamento localizado na arcada inferior mostrou-se
A
Figura 3 Modelos de estudo iniciais.
B
C
D
E
F
G
Figura 4 Radiografia panorâmica inicial.
60
estável. Por meio da telerradiografia em norma lateral, traçado cefalométrico e das medidas obtidas nessa fase (Fig. 13 e
Tab. 1), pode-se observar que ocorreu apenas uma pequena
vestibularização dos incisivos inferiores, porém, sem nenhuma repercussão periodontal.
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Figura 5 Telerradiografia em norma lateral inicial.
Siqueira DF, Oliveira GR, Bramante FS, Paranhos LR, Scanavini MA
A
B
C
D
E
Figura 6 Set-up ortodôntico.
A
B
C
D
Figura 7 Colagem de braquetes cerâmicos estéticos e braquetes metálicos.
A
B
C
D
E
Figura 8 Fotografias intrabucais finais e colocação de contenção 3x3 inferior.
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CASO CLÍNICO
Apinhamento terciário: causas e opções terapêuticas
Figura 9 Comparações entre o antes e o depois
do tratamento ortodôntico.
A
B
C
D
A
B
Figura 10 Fotografias extrabucais após 5 anos de controle.
62
A
B
C
Figura 11 Fotografias intrabucais após 5 anos
de controle.
D
E
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Siqueira DF, Oliveira GR, Bramante FS, Paranhos LR, Scanavini MA
Figura 12 Radiografia panorâmica após 5 anos de controle.
Figura 13 Telerradiografia em norma lateral após
5 anos de controle.
Tabela 1 Medidas cefalométricas iniciais e pós-contenção.
RELATO DO CASO CLÍNICO 2
Medidas Cefalométricas
Norma
Inicial
Pós-contenção
NAP
0°
16°
16°
SNA
82°
85,5°
85,5°
SNB
80°
75°
75°
ANB
2°
10,5°
10,5°
SND
76°
73,5°
73,5°
SN.ocl
14°
16,5°
16,5°
SN.GoGn
32°
35°
35°
SN.Gn
67°
68°
68°
1.NA
22°
15°
15°
1-NA
4mm
0mm
0mm
1.NB
25°
32°
36º
1-NB
4mm
7,5mm
8mm
A
B
Ao exame clínico, observou-se que a paciente, do
sexo feminino, leucoderma, com 65 anos de idade apresentava prótese total superior, prótese removível no
segmento posteroinferior e um apinhamento terciário
de 4,5mm (Fig. 14). A principal queixa da paciente era a
estética, que estava prejudicada em decorrência desse
apinhamento.
Como no caso descrito anteriormente, optou-se pelo
desgaste interproximal associado à vestibularização dos
dentes anteroinferiores, após a colagem dos braquetes
em apenas alguns dentes (Fig. 15). O tratamento ortodôntico durou seis meses e, após a finalização do mesmo, a paciente realizou restaurações estéticas nos dentes
anteriores (incisivos e canino inferior direito) e também
novas próteses fixas no 33 e 44. Para a finalização mais
adequada, programou-se a troca das próteses total superior e removível inferior.
C
Figura 14 Fotografias intrabucais iniciais.
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CASO CLÍNICO
Apinhamento terciário: causas e opções terapêuticas
A
B
Figura 15 Fotografias intrabucais durante o alinhamento e nivelamento.
C
D
A
B
C
Figura 16 Fotografias intrabucais finais.
D
E
RELATO DO CASO CLÍNICO 3
Paciente do sexo feminino, leucoderma, com 18 anos e 3
meses de idade, possuía um bom padrão facial, estética bastante agradável, porém, tinha como queixa principal o apinhamento (Fig. 17). Ao exame intrabucal, observou-se que a relação
dentária posterior era de Classe I, com problemas localizados
apenas nas regiões anterossuperior e anteroinferior (Fig. 18).
Analisando detalhadamente seus modelos, verificou-se
que a paciente apresentava uma discrepância de modelo,
negativa na região inferior de -8,5mm, o que já pode ser considerado um apinhamento severo.
No exame radiográfico (radiografia panorâmica), observaram-se boas condições periodontais e presença de
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normalidade das estruturas de suporte. Em um exame
mais detalhado na região dos incisivos inferiores, feito
por meio de uma radiografia periapical, pode-se notar a
presença de uma imagem radiolúcida na região periapical no dente 31 (Fig. 21).
Devido ao padrão facial muito favorável, a relação dentária anteroposterior bastante satisfatória e provável necessidade de tratamento endodôntico do dente 31, optou-se, em
comum acordo com a paciente, pela exodontia desse dente,
montagem do aparelho fixo convencional e desgastes no dentes anterossuperiores para dissolver o apinhamento suave.
Após a montagem do aparelho fixo, foi solicitada a exodontia do dente em questão, assim como uma boa curetagem na região periapical, para remoção de todo tecido de
Siqueira DF, Oliveira GR, Bramante FS, Paranhos LR, Scanavini MA
granulação (Fig. 21). Prosseguiu-se a mecânica ortodôntica
de forma convencional, com o alinhamento e nivelamento
dos dentes, até a fase de finalização (Fig. 22).
Ao final do tratamento, a paciente se mostrou bastante
satisfeita com o resultado, visto que, além da melhora na
estética dentária, o tempo de tratamento foi reduzido significativamente (Fig. 23, 24). Clinicamente, foi mantida a relação
anteroposterior de Classe I e, radiograficamente, pode-se
notar um restabelecimento das condições periapicais de normalidade com ausência da lesão (Fig. 24, 25).
A
B
Figura 17 Fotografias extrabucais iniciais.
A
B
C
D
E
Figura 18 Fotografias intrabucais iniciais.
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Apinhamento terciário: causas e opções terapêuticas
Figura 19 Modelo inferior inicial evidenciando a
grande falta de espaço.
Figura 22 Extração do incisivo inferior.
66
Figura 20 Radiografia inicial.
Figura 21 Extração do incisivo inferior.
A
B
C
D
E
F
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Siqueira DF, Oliveira GR, Bramante FS, Paranhos LR, Scanavini MA
A
B
C
A
B
C
D
E
Figura 24 Fotografias intrabucais finais.
A
B
Figura 25 Radiografias periapicais: inicial e final.
Figura 23 Fotografias extrabucais finais.
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CASO CLÍNICO
Apinhamento terciário: causas e opções terapêuticas
DISCUSSÃO
Na Ortodontia, a estética é fundamental e concorre com
outros aspectos que também aguçam o interesse terapêutico, como a melhor condição periodontal, decorrente em
grande parte da facilidade de controle da placa bacteriana26.
Em relação à etiologia do apinhamento terciário, encontrouse na literatura que grande parte dos autores concorda com
a sua natureza multifatorial16,17,19,22,23,24,31,32.
Dentre as causas apontadas está a força posterior direcionada mesialmente9,19,24,32, que leva à migração dentária e, consequentemente, ao apinhamento na região anterior. De acordo
com o estudo de Vego32, essa força pode ser exercida pelos
terceiros molares. Porém, para a maioria dos autores, os terceiros molares possuem pouca ou até mesmo nenhuma influência
sobre o apinhamento dos incisivos inferiores3,7,9,13,29-32. Lindauer
et al.12 realizaram uma pesquisa de campo, com ortodontistas e cirurgiões bucomaxilofaciais, e verificaram que uma alta
porcentagem de ortodontistas não acredita que os terceiros
molares produzam forças anteriores durante a erupção e, portanto, raramente indicam a sua remoção profilática com intuito
de prevenir o apinhamento. Já os cirurgiões bucomaxilofaciais,
normalmente, indicam a extração desses dentes, pois acreditam que os mesmos podem causar apinhamento. Apesar de
opiniões contrárias3,13,31, muitos trabalhos concluíram que não
está justificada e nem indicada a remoção profilática dos terceiros molares a fim de aliviar pressões interdentárias e prevenir o
apinhamento terciário, até mesmo porque o apinhamento também pode ocorrer na ausência desses dentes e em uma época
que os mesmos não exercem mais qualquer influência9,13,29,30.
Além das causas citadas anteriormente, outras também
são apontadas na literatura, como a retroinclinação dos incisivos inferiores18,19,23; a morfologia e o tamanho dentário no
sentido mesiodistal2,10,23,24,31; o crescimento mandibular tardio
(deslocamento da mandíbula para frente e para baixo)21,31; a
discrepância dente-osso5,10; a maturação dos tecidos moles17,24;
o uso prolongado de chupeta ou sucção digital, que ao reduzir
as distâncias intermolares e intercaninos favorecem o apinhamento1. Porém, segundo Richardson20, não há uma relação
bem estabelecida entre a redução da largura intercaninos e o
apinhamento. Os fatores genético, racial e cultural8,14; a redução da profundidade, da largura e do comprimento da arcada
dentária com o decorrer dos anos10,16,18,24,32; e a falta de atrição/
desgaste interproximal natural/funcional6,8 também são considerados fatores etiológicos do apinhamento terciário. Como
descrito por Richardson16, assim como existe uma tendência
normal e inevitável do processo de amadurecimento de redução das arcadas dentárias, parece lógico que o tamanho
mesiodistal dos dentes deveria adaptar-se a essa condição.
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Porém, isso não ocorre devido à falta de atrição natural dos
dentes no homem moderno e deve-se, em parte, à modificação na dieta, que diminui o tempo de mastigação e a potência muscular, tendo como resultado natural o apinhamento
progressivo dos dentes. Entretanto, os resultados apresentados por Harper8 e Mockers et al.14 divergiram dos presentes
na literatura, pois houve alta prevalência de apinhamento na
dentadura da população medieval e pré-histórica, respectivamente. Sendo assim, esses autores associaram o apinhamento
terciário a fatores genéticos8,14, raciais e culturais8.
Na escolha do tratamento, além de saber os fatores causais do apinhamento, é importante avaliar o grau de severidade25. As análises cefalométricas convencionais, a análise
facial e a análise dos modelos de gesso revelam informações
imprescindíveis para o correto tratamento ortodôntico. Nesta linha de raciocínio, o set-up prevê o resultado final do tratamento, auxiliando no plano de tratamento.
A redução da massa dentária, por meio da extração de
dentes, constitui um recurso terapêutico amplamente utilizado na Ortodontia com o fim de compatibilizar a massa dentária com o osso alveolar disponível. Quando bem indicada,
contribui para promover o alinhamento dentário e favorecer
a relação interarcadas, devolvendo a desejada relação cúspide/ameia por vestibular e cúspide/fossa por lingual. A seleção
e a quantidade de dentes a serem extraídos dependem da
quantidade de apinhamento; da magnitude da discrepância
cefalométrica; da relação sagital entre as arcadas dentárias; do
perfil facial; das condições de saúde bucal (dentárias e periodontais), e da expectativa do paciente. Normalmente, o dente
mais indicado para extração é o primeiro pré-molar, por causa
da sua localização anatomicamente estratégica e das suas dimensões suficientes para anular a discrepância encontrada na
má oclusão, sem comprometer a estética do sorriso26.
A extração no segmento de incisivos inferiores é viável
dos pontos de vista mecânico, morfológico e periodontal,
porém, é incomum devido à dificuldade no seu planejamento. Está indicada na maturidade oclusal, quando o apinhamento anteroinferior é significativo, diante de uma boa
intercuspidação dos dentes posteriores, com excesso ou
deficiência de massa dentária na região anteroinferior ou
anterossuperior, respectivamente26.
Os desgastes interproximais tornaram-se comuns na prática ortodôntica por meio do estabelecimento de uma alteração
da anatomia dos contatos proximais4. Esse procedimento está
baseado em princípios fisiológicos evidenciados em achados
fósseis, onde foram observados grandes desgastes nas regiões
oclusais e proximais dos dentes humanos, devido à mastigação.
As modificações alimentares da civilização moderna reduziram
significativamente esses desgastes, levando, muitas vezes, a
Siqueira DF, Oliveira GR, Bramante FS, Paranhos LR, Scanavini MA
uma instabilidade no posicionamento dentário. Sabe-se que,
com o passar do tempo, pela ação mastigatória, o ponto de
contato se transforma em faceta de contato, devido ao movimento sofrido pelo dente no alvéolo. Essa transformação está
diretamente ligada ao tipo de alimento mastigado, bem como
ao vigor da ação muscular. Assim sendo, ao indicar o desgaste
interproximal está realizando-se um procedimento que a própria natureza se incumbiria de fazer caso o sistema mastigatório fosse usado vigorosamente, ou seja, se a alimentação fosse
mais natural, exigindo redobrado esforço mastigatório6.
O desgaste interproximal está indicado em substituição à extração dentária; nos arcos com discrepância de
Bolton; e após o término do tratamento, com o intuito de
estabilizar o contato entre os dentes6. No entanto, constituem fatores primordiais para sua indicação, a presença
de discrepância de modelo negativa (suave ou moderada),
isto é, nos casos onde existe a necessidade de espaço em
regiões localizadas e que a expansão ou extração não estão indicadas4,15; a baixa suscetibilidade a cáries e a higiene bucal adequada4. É de extrema importância salientar
que está contraindicado para correção de apinhamento
severo4. O desgaste das faces dentárias proximais é vantajoso por evitar, em casos específicos, as extrações dentárias; estabilizar a arcada dentária, transformando pontos
de contato em faces de contato; não alterar a oclusão dos
dentes posteriores, nos casos em que ela está correta;
ajustar a guia incisal; e ser realizado sem dano ao esmalte,
quando em dentes com restaurações interproximais e se
respeitado o limite biológico de desgaste6. E, principalmente, por reduzir o tempo de tratamento4.
Para alcançar o sucesso é necessário diagnosticar e planejar corretamente o desgaste; seguir rigorosamente os passos
da técnica operatória; obter o melhor polimento possível,
para diminuir as ranhuras, independentemente do material
utilizado; e acompanhamento do caso com aplicações tópicas de flúor, pelo menos durante os 6 meses seguintes à sua
realização4,6,15. A saúde dentária e periodontal é preservada
por meio desse procedimento desde que os limites biológicos sejam respeitados4,15. Desta forma, o desgaste deve manter uma espessura de esmalte aceitável biologicamente e
resguardar a proporção mínima entre coroa e raiz no sentido
mesiodistal4. No estudo de Jarjoura et al.11 foram comparados o grau de suscetibilidade das superfícies de esmalte submetidas ao desgaste interproximal e das superfícies intactas.
Os pacientes foram avaliados, clínica e radiograficamente,
em relação ao risco de cárie, 1 a 6 anos após a redução de esmalte interproximal. O número de lesões interproximais detectadas foi baixo, com nenhuma diferença estatisticamente
significativa entre os grupos. Concluíram, portanto, que o
desgaste interproximal não promove um maior risco à cárie,
de forma estatisticamente significativa.
CONCLUSÕES
Com base na revisão de literatura realizada, pode-se
concluir que o apinhamento terciário tem origem multifatorial, incluindo o crescimento tardio da mandíbula, a falta
de desgaste dentário atricional e a migração dentária mesial
resultante das forças mastigatórias, e não devido à força de
erupção dos terceiros molares. Em relação às opções terapêuticas, pode-se destacar o desgaste interproximal, para
graus de apinhamento suave a moderado, e as extrações
dentárias, para o apinhamento severo.
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