2. AS PREPOSIÇÕES NAS GRAMÁTICAS ESCOLARES Reflexo dessa longa tradição, as gramáticas escolares da língua portuguesa são quase inteiramente concordes no tratamento das preposições. Qualquer uma que se abra, nela certamente se encontrará uma apresentação da preposição que obedecerá a um esquema como este: 1) é dada sua definição, dividindo e classificando-as de acordo com certos critérios (geralmente os mesmos - sintáticos e semânticos), aplicando nomenclaturas próprias; 2) são listados os tipos de preposições (seguindo os critérios usados na classificação); 3) é fornecido um quadro de usos das preposições (muitas vezes somente das principais). Na maioria dos casos, os exemplos são retirados da literatura. A definição de preposição encontrada nessas gramáticas pode ser resumida como "palavras invariáveis que ligam dois termos, chamados de antecedente e/ou regente e conseqüente e/ou regido, em uma relação em que o primeiro termo completa ou explica o sentido do segundo". Essas gramáticas diferenciam-se em seus critérios de divisão e, conseqüentemente, na nomenclatura dada. Pode-se tomar como exemplo a Moderna Gramática Portuguesa (1969) de EVANILDO BECHARA, para quem a preposição é a expressão que, posta entre duas outras, estabelece uma subordinação da segunda à primeira. Exs.: Casa de Pedro (marca uma relação de posse); mesa de mármore (marca uma relação de matéria de que uma coisa é feita); passou por aqui (marca uma relação de lugar por onde). Casa, mesa e passou são subordinantes ou antecedentes; Pedro, mármore e aqui são subordinados ou conseqüentes. O primeiro é representado por substantivo, adjetivo, pronome, verbo, advérbio ou interjeição. O outro é constituído por substantivo, adjetivo, verbo (no infinitivo) ou advérbio. Locução prepositiva é o grupo de palavras com valor e emprego de urna /preposição. E constituída, geralmente, de advérbio ou locução adverbial seguida da preposição de, a ou com: atrás do, por causa da, em frente a, de acordo com. Pode formar-se de duas preposições: Foi até ao colégio; Mostrava-se bom para com todos. BECHARA divide as preposições em essenciais (palavras que só ocorrem como preposições): a, de, com, por, para, sem, sob, entre, etc.; e acidentais (palavras que, em certos contextos, perdem seu valor e emprego primitivos, e funcionam como preposições): durante, como, conforme, feito, exceto, salvo, visto, segundo, mediante, tirante, fora, afora, etc. Traz apenas uma lista das principais preposições e locuções prepositivas e, em seguida, fornece um detalhado quadro de emprego das preposições a, até, com, contra, de, em, entre, para e por (per). Em outra seção, referente à regência, traz uma pequena lista de relação de regências de alguns verbos e nomes e suas conseqüentes preposições. A lista de preposições encontradas nas outras obras analisadas encerra basicamente os mesmos elementos, com pequenas divergências em razão de diferentes classificações. As preposições propriamente ditas (simples e essenciais) podem ser agrupadas em: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, por (per), sem, sob, sobre e trás. A gramática de ORTIZ e PARDAL (1879) inclui durante e mediante, e a de PEREIRA (1926) põe conforme, consoante, durante, exceto, mediante, salvo e segundo em suas listas, enquanto nas demais essas preposições figurem em outras listas (das compostas, acidentais, etc.). A obra de ORTIZ e PARDAL, junto com a de LIMA (1972), são as únicas que não trazem a preposição trás em seus inventários. LIMA ainda divide as preposições em fortes (que guardam certa significação em si mesmas - contra, entre, sobre) e fracas (que não têm sentido nenhum, expressando somente uma relação - a, com, para). Tais exemplos servem, sobretudo, para demonstrar como as preposições têm sido abordadas no decorrer dos anos por nossos gramáticos; de certa forma, uma sucessão e repetição de conceitos que pouco acrescentam ao quadro existente desde a Gramática de Port-Royal, ou seja, "o expoente de uma relação considerada de uma maneira abstrata e geral, e independente de todo termo antecedente e conseqüente"(LÓPEZ, 1970, p. 17). Mas CUNHA; CINTRA (1985), uma das gramáticas contemporâneas mais conhecidas e, apesar de manter-se dentro do tradicionalismo típico desses trabalhos, já mobiliza algumas conquistas da Lingüística moderna. Ensina que a relação estabelecida entre palavras ligadas por preposição pode implicar um movimento ou uma situação. Ambos os casos podem ser considerados em referência ao espaço, ao tempo e à noção. A maior ou menor intensidade significativa da preposição esses autores dizem depender do tipo de relação sintática por ela estabelecida. Dividem então essa relação em fixa, necessária ou livre. As relações fixas são aquelas em que o uso das preposições a determinadas palavras (ou grupo de palavras) já se associou de tal forma que esses elementos não mais se desvinculam: passam a constituir um todo significativo, uma verdadeira palavra composta - Conseqüentemente hão de vencer eles. As relações necessárias são aquelas em que as preposições relacionam ao termo principal um conseqüente sintaticamente necessário, intensificando assim sua função relacional com prejuízo do seu conteúdo significativo, reduzido, então, aos traços característicos mínimos - Eu já não me lembro de nada. As relações livres são aquelas em que a preposição é empregada como recurso de alto valor estilístico, por assumir ela na construção sintática a plenitude de seu conteúdo significativo - Encontrar com um amigo. Ainda no campo das gramáticas tradicionais, cabe destacar uma proposta feita por ROCHA LIMA, em sua Gramática Normativa da Língua Portuguesa (1972), de identificar, isoladamente, o uso e o significado de cada preposição3: a: 1. introduz o objeto indireto; 2. introduz o objeto direto preposicional; 3. rege o complemento de muitos adjetivos; 4. Enceta o complemento de alguns substantivos verbais; 5. Encabeça complementos circunstanciais, exprimindo relações de: termo de um movimento, proximidade, posição, direção, distância, tempo, concomitância, motivo, fim, modo, conformidade, meio, causa, instrumento, quantidade e referência; 6. junto a verbo no infinitivo, forma orações reduzidas; 7. forma locuções adverbiais. ante: 1. Indica especialmente posição: diante, em presença de. até: 1. indica a idéia de termo, desejando acentuar bem a noção de limite, com: 1. estabelece relações de: companhia, instrumento, simultaneidade, causa e oposição; 2. emprega-se: ao falar do que se tem, do que se traz e do que se contém, e com verbos e locuções que exprimem a qualidade das relações entre os seres; 3. em construções de certos verbos como: concordar com, combina com, concorrer com, etc. contra: 1. denota oposição, direção contrária, de: 1. Introduz o complemento relativo de verbos como: precisar de, gostar de, depender de, etc.; 2. inicia o objeto direto preposicional; 3. pode preceder uma oração subordinada substantiva, reduzida de infinitivo; 4. expressa relações de: lugar donde (ponto de partida), origem, causa, efeito, assunto, meio, instrumento, modo, lugar onde, agente da voz passiva e tempo; 5. liga um substantivo (ou equivalente) a outro para caracterizar, definir ou descrever uma pessoa ou coisa; 6. junta-se à inteijeição ai ou guai e, por analogia, a palavras como: coitado, feliz, infeliz, pobre, empregadas em exclamações4; 7. rege infinitivos que formam conjugações perifrásticas; 8. forma locuções adverbiais. desde: 1. Designa o ponto de partida de um movimento ou extensão (no espaço, no tempo, ou numa série), para assinalar especialmente a distância, em: 1. indica: lugar onde (interior e exterior), tempo, estado, mudança de estado, preço e modo; 2. em vestígios do Latim como: em memória de, em lembrança de, etc.; 3. precede o gerundio; 4. em construções como: crer em, pensar em, etc.; 5. em construções como: em comparação de, em puridade, em meu juízo, etc. entre: 1. Designa posição no meio (no espaço e no tempo); 2. precede adjetivos para denotar perplexidade ou vacilação. para: 1. introduz o objeto indireto; 2. Estabelece relações de: lugar para onde, direção, fim e conseqüência; 3. em contrações como: 3 está para 6, alguém não é para tal trabalho, jornada para 15 dias, mantimentos para um mês, bondoso para (com) os amigos; 4. introduz uma oração de forma subordinada, porém de sentido fortemente independente da principal, por. 1. anuncia o agente da voz passiva; 2. Rege o anexo predicativo do objeto direto de certos verbos; 3. em relações como: lugar por onde, lugar (com idéia de dispersão), tempo, meio, causa, fim, conformidade, substituição e favor, sem: 1. indica negação, ausência, desacompanhamento. sob: 1. exprime posição inferior: em baixo de. sobre: 1. denota: posição superior (em cima de); tempo aproximado; assunto; excesso (além de); direção. (LIMA, 1972, p.322-52) não lista os empregos das preposições após e perante. ai, ai deste último homem, está morrendo e ainda sonha com a vida" - Machado de Assis (LIMA, 1972, p.341) 3 LIMA 4 "Ai,