O PAPEL DA PREPOSIÇÃO NA AULA DE ELE PARA LUSOFALANTES Cesário Alvim Pereira Filho (UESC)1 Maria Mirtis Caser (UFES)2 RESUMO O uso da preposição na aula de ELE a falantes de português é muitas vezes relegado a segundo plano, merecendo o seu tratamento pouca atenção. Sabe-se que, nos aspectos relacionados com a situação comunicativa e com o discurso, as falas apresentam marcas discursivas semântico-pragmáticas, entre as quais se encontram as preposições, cujo uso pressupõe a competência discursiva do aprendiz. Este artigo se apoia nas reflexões efetuadas por Hernando Cuadrado (2002) a partir das quais nos propomos a discutir acerca da importância das preposições no ensino-aprendizagem. Palavras chave: Competência discursiva. Ensino-aprendizagem de ELE. Uso da preposição. Começamos com uma observação, concordando com Concha Moreno (2011): embora as reflexões teóricas não ajudem ao estudante na aquisição do uso das preposições, é necessário que o professor parta de um conceito suficientemente sólido sobre a definição, forma e significação desses elementos para abordar o tema em sala de aula. Na retomada que fazemos aqui de estudos e investigações levadas a cabo por diversos autores, observamos que as preposições são elementos ou partículas cuja acepção não se define com facilidade. José Maria Rodrigues Rodrigues (2011), em citação de Trujillo, fala dessa dificuldade, opinando que é praticamente impossível ―decir qué son las preposiciones, ni aun determinar con exactitud cuántas hay, o si se trata de una clase homogénea o de varias‖ (TRUJILLO, 1993, p. 343). Caracteriza-se essa classe por meio de diversos critérios: é uma palavra invariável (critério formal), serve de nexo entre um elemento e seu complemento (critério funcional) e agrega um matiz (semântico) ao sintagma que relaciona. Como anota Gili Gaya (1989, p. 246) a preposição está sempre ligada ao seu 1 Cesário Alvim Pereira Filho é mestre em Letras Neolatinas ( Língua Espanhola e Literaturas Hispânicas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e possui graduação em Letras/Português pela Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente, professor assistente B da Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus- BA. Tem experiência na área de Lingüística Aplicada, atuando, principalmente, nos seguintes temas: aquisição de LE, língua estrangeira para fins específicos, semântica e pragmática. 2 Maria Mirtis Caser é doutora e mestre em Letras Neolatinas pela Ufrj e graduada em Letras Português Espanhol pela Ufes. Atualmente é Professor Associado 1 da Universidade Federal do Espírito Santo. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Letras, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura hispânica, narrativa, língua espanhola, ficção e ensino de língua. 1 complemento (término), formando com ele uma unidade sintática e fonética que não pode destruir-se sem que se perca o sentido. Não importa a ordem em que apareça, o elemento inicial será sempre inicial e o terminal será sempre terminal: tanto em ―pintaba la pared con cal‖ como em ―con cal pintaba la pared‖ ―pintaba‖ é elemento inicial e ―cal‖ o terminal. Em sua abordagem sobre as preposições, Hernando Cuadrado, enfatizando os aspectos sintático-semânticos, (2002) ressalta a natureza polissêmica dessas partículas: ―Teniendo en cuenta la contribución del contexto, se activan alternativamente los ejes L (Local) y 1 (Temporal), el vector 1 (Identificación) con sus diferentes posiciones o los cuantores P (Pluralidad) y D (Discriminación), originándose otros valores secundarios (…)‖ (CUADRADO, p.11). Ao utilizar-se esta taxonomia, apresentam-se os supostos valores secundários, isto é, as diferentes concepções que as preposições adquirem, segundo o ambiente em que se encontram. Sabemos que essas posições ou o ambiente em que estão localizadas apontam um determinado traço semântico, isto é, uma marca enunciativa, no discurso escrito ou falado. Não obstante isso, cabe ressaltar o que esse autor assinala a respeito das preposições ou transpositores: La preposición, en cuanto que constituye una categoría relacional primaria, observa un comportamiento similar al del verbo; pero, al estar orientada solamente hacia uno de sus polos, también comparte ciertos aspectos de la forma de significar de las categorías nominales. Por eso, cada unidad exhibe diversos valores relativos a los distintos ejes y cuantores del espacio perceptivo, pero nunca al mismo tiempo, sino separadamente (CUADRADO, p.11). No momento de considerar a aplicação didática desses transpositores, o autor pondera a pertinência de o sujeito/professor considerar o seu tratamento, levando em conta a tripla categorização: formal, funcional e semântica. Por sua vez, Rodrigues (2011) anota: ―Indudablemente, tenemos que aceptar que hay al menos tres tipos de preposiciones: las transparentes (DE y A), las semitransparentes (POR, PARA, CON, etc.) y las opacas (ANTE, SIN, HASTA, etc.).‖ Esse autor aponta para a classificação semântica dos tipos de preposições, por entender ser esta uma abordagem adequada à questão da polissemia. A esse respeito esclarece: 2 Se suelen representar los casos de polisemia con la figura de una cebolla –categorías radiales-, donde las pieles representan los múltiples significados o expansiones semánticas que se encuentran alejados del significado central o prototípico, representado por el valor más inmediato y más directamente ligado al significante. Esta metáfora nos ayuda a visualizar lo que creemos ocurre con las preposiciones españolas (RODRIGUES, 2011). Defendendo o tratamento semântico, Rodrigues reitera que a taxonomia desses transpositores deve pautar-se sempre por ―(…) su grado de riqueza semántica valores sémicos- y/o nivel de especificación, mayor o menor valor significativo (…)‖ Tamba-Mecz (2006, p.10-11) registra três concepções de natureza comum, entre os lingüistas, sobre a semântica: 1) ―A semântica é o estudo do sentido‖ (Lyons); 2) A semântica é o estudo do sentido das palavras‖ (Guiraud); 3) ―A semântica é o estudo do sentido das palavras, das frases e dos enunciados‖ (Lerat). Além dessas definições primeiras e mais comuns, a autora registra as de cunho filosófico e psicológico; no entanto, informa que essas três definições, grosso modo, concentram-se nas características lingüísticas das significações. Considerando o apontado por Rodrigues e por Tamba-Mecz sobre as preposições — uma classificação que se pauta pelo sentido — acreditamos ser este um tratamento pertinente para uma abordagem das preposições na aula de LE, o que é corroborado por Matte Bon na apresentação do tema em sua Gramática comunicativa. Entendemos que no processo ensino-aprendizagem de uma LE/L2, se o aprendiz não atribui sentido a um termo, dificulta-se a entrada de informação nova (input) o que, consequentemente, afeta o output , que se realizaria de forma insatisfatória. Esse quadro dificultaria ao aprendiz desenvolver estratégias de aprendizagem e, por sua vez, sua interação discursiva. García (2005, p.219) em sua Gramática Cognitiva foca o tratamento sobre a preposição especificamente no ensino-aprendizagem de ELE. O autor inclui as preposições na categoria conectores e, assim as define: ―Se suelen llamar conectores a unas palabras muy breves que enlazan dos elementos entre sí y parecen no tener vida independiente. Cuando estos elementos son dos frases nominales o un verbo o un adjetivo y una frase nominal, el conector se llama preposición (…)‖. O autor enfatiza os sentidos expressados pela 3 preposição: ao dizermos em espanhol ―café sin azúcar‖, a idéia expressada pelo conector ‗sin‘ é: ―el azúcar está fuera del café‖. Além disso, aborda a preposição, valendo-se do uso de ―esquemas visuais‖ para explicá-las; esse uso é tratado no início do seu livro, quando apresenta e discute linguagem e visão e trata da retenção de informação, sob o seguinte tema: ―Aprendemos expresiones lingüísticas relativas a un mundo que estamos viendo‖ (p.19). Sua proposta se aproxima da de Littlewood (1996), que, em sua obra sobre o ensino comunicativo de idiomas, aborda no segundo capítulo o tema ―relacionar las formas con los significados‖ e no subitem ―la relación de la lengua con significados concretos‖. A esse respeito, Littlewood ensina: ―Nos adentramos en este campo al hacer que el estudiante adapte su lengua para que refleje algún aspecto de la realidad no lingüística, como puede ser una situación concreta, una imagen gráfica o conocimientos personales.‖ Quando trata a questão espacial das preposições, em uma abordagem de espanhol como L2/LE, García (2005) se vale dos apoios visuais no tratamento, por exemplo, das preposições que Cuadrado classifica como espaciais: por, de, en, sin, con, a. Esse tipo de abordagem propicia ao aprendiz a compreensão dos traços semânticos de aspectos gramaticais e abstratos. Trata-se de abordar um tema, otimizando o significado expressado por determinada preposição na unidade frasal, na elaboração de enunciado, que irá compor sua interação dialógica com os falantes da língua meta. Isto posto, consideramos o tratamento indicado por Rodrigues e por Garcia adequados à abordagem da preposição na aula de ELE, compreendido esse espaço como o lócus e o cenário de abordagens pedagógicas, cujo processo envolve os sujeitos (professores e aprendizes), tendo por objeto de estudo a língua. Sabe-se que, dada a similaridade entre as línguas espanhola e portuguesa, relega-se a lugar desprestigiado a discussão sobre as preposições, desconsiderando-se a riqueza polissêmica dessas partículas e suas nuanças semântico-discursivas. Grosso modo, podemos falar de uma das preposições com a qual o aprendiz lusofalante de língua espanhola, com alguma frequência, se equivoca ou da qual não faz uso adequado – a preposição ―a‖. Isso ocorre, especialmente nos casos perifrásticos com valor de futuro, como ―voy a (prep.1) ir a (prep.2) tu casa la próxima semana‖, em que o mais observado, entre os nossos estudantes, é o uso, por transposição da língua portuguesa falada, cujas construções comumente apresentam, ora a omissão da preposição 1 ora a substituição da preposição 2 (‗a‘ por em), da seguinte construção em espanhol: ―voy ir en tu casa‖, ou quando não há o uso perifrástico de futuro e simplesmente ocorre este uso: ―voy en tu casa en el próximo sábado‖. Neste caso, há, por parte de lusofalantes, aprendizes de espanhol, a inclusão da preposição ―em‖ antes de ‗dia 4 da semana‘ por transferência de uso da sua língua materna, em cuja construção se usa a preposição ‗em‘, ao contrario do espanhol, que dispensa o uso de preposição ‗en‘ diante de dias da semana, mantendo somente o artigo. Casos como esse, por nós observados, em nosso cotidiano de sala de aula, nos fazem refletir sobre o tratamento adequado a ser dado à preposição. Fazê-lo em uma abordagem comunicativa ou em uma ótica da gramática normativa, prescriptiva. Parece-nos mais adequada a sua abordagem sob o prisma semântico, por entender que o ensino de uma LE visa propiciar ao aprendiz uma interação discursiva na língua meta. Para isso, busca-se uma abordagem comunicativa, no intuito de dotar o aprendiz de competência lingüística. Isso requer do professor considerar tanto o aspecto gramatical da preposição, como seus traços semânticos, visando a interação discursiva do aprendiz com o menor ruído possível. O objetivo é propiciar input significativo, otimizando o desempenho do aprendiz, o que por sua vez irá refletir na sua competência comunicativa, de modo satisfatório. Parece ser produtivo adotar-se a proposta dos três eixos: tratamento formal, funcional e semântico. Apontamos, ainda segundo a percepção de Silverio (2011), alguns fatores que parecem originar/acentuar o uso inadequado das preposições pelos estudantes de ELE. A ―fossilização do erro‖ dos níveis iniciais, a resistência a elementos considerados problemáticos, como é o caso do regime das preposições, que, por tratar-se, às vezes, de questões léxicas, que a gramática não explica, acabam sendo abandonadas pelo aprendiz e pelo professor. As ―falsas equivalências‖, em se tratando de línguas próximas, conduzem à aproximação do sentido, até mesmo nos casos de transferência negativa o que leva falantes de línguas como o italiano, o francês e o português a conclusões falsas sobre o uso desses elementos, pois, como aponta García Santos (in SILVERIO, 2011), ―se a comparação pode funcionar no princípio, na etapa de aperfeiçoamento pode transformar-se em fonte de conflito‖. Destarte, observa-se que o significado e o uso da preposição nas línguas citadas nem sempre se equivalem e/ou possuem matizes equivalentes. Dito de outro modo, em algumas ocasiões o uso da preposição em espanhol não corresponde ao uso que se faz em outras línguas. Se, por exemplo, as preposições são ensinadas/aprendidas em uma lista de palavras isoladas, fora de contexto, sem referências ao lugar de produção, sem uma prática focada na leitura e na conversação, isso não irá propiciar ao aprendiz adquirir uma solidez de 5 conhecimentos, isto é, input necessário para a sua prática discursiva. Isso pode acarrear a omissão da preposição ou o seu uso inadequado tanto na produção oral, quanto na escrita. Aprende-se uma língua para a comunicação, para expressar intenções e para interagir, e este ato pressupõe várias instâncias e registros, o formal e o informal, tanto na expressão oral como na escrita. Não é possível ignorar a questão do poder envolvido na linguagem. Naturalmente, não defendemos o uso da gramática normativa como epicentro do ensino de uma língua estrangeira; no entanto, consideramos que o tratamento gramatical ocupa espaço relevante, e pode ser ajustado de acordo com o contexto em que o aprendiz mostra dificuldades e necessidades que passam a requerer do professor informações específicas, no intuito de auxiliá-lo no processo de aquisição. Com isso, compreendemos o uso da preposição, por sua polissemia, como sendo um estudo que requer do professor a consideração de alguns aspectos: 1) o lugar de produção, isto é, a sala de aula, 2) o que se quer efetivamente comunicar, 3) quais os usos estruturais, nos quais o estudante se apóia para sua interação discursiva, 4) quais os usos da língua que poderão ajudá-lo em uma comunicação efetiva. Enfim, tomar cada um dos elementos da aprendizagem como parte da totalidade do mundo do aprendiz de ELE. 6 BIBLIOGRAFIA GARCÍA, Ángel López. Gramática cognitiva para profesores de español L2. 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