1 AS FUNÇÕES NÃO DOCENTES DO PEDAGOGO: um olhar para a história1 Andréa Cristina Martelli2 Elenita Conegero Pastor Manchope3 O recorte teórico do presente estudo pretendido foi à compreensão das funções não docentes exercidas pelo Pedagogo na organização escolar, à luz da história da educação brasileira, compreendida a partir das relações entre escola e sociedade capitalista. Pois, “a escola contemporânea é uma organização complexa dentro de nosso sistema social; por isso, para entender sua dinâmica e seu funcionamento, temos que compreender a forma como foi concebida e a partir de quais pressupostos ela está desenvolvendo o processo educacional”.(GRINSPUN, 2001:97) Partiu-se do pressuposto que a escola é fruto da trajetória da sociedade e das relações estabelecidas entre os homens no processo de produção de subsistência. De um lado, considera-se que são as demandas da base material de produção fatores determinantes da função da escola, da sua organização e da atuação dos seus profissionais. Por outro lado, não se pretende estabelecer uma relação mecânica de determinação da sociedade para com a escola, por reconhecer que a mesma também se constrói pelos sujeitos envolvidos no seu fazer diário com histórias próprias e diferenciadas, com desejos e interesses diferentes e, em alguns casos até contraditórios. A escola é uma instituição social, onde o imaginário e o real são protagonistas da mesma cena, qual seja, o processo de produção de conhecimento científico através da relação ensino e aprendizagem. 1 Este artigo é resultado do projeto de pesquisa intitulado “ Universidade e escola: teoria e prática”, desenvolvido pelas autoras. O mesmo apresenta levantamento bibliográfico acerca da temática e análise das entrevistas realizadas com egressos do curso desenvolvendo a função de pedagogo em escolas públicas de Cascavel. 2 Mestre em Educação pela Unicamp, professora do curso de Pedagogia da Universidade do Oeste do Paraná e pesquisadora do grupo de Pesquisa Aprendizagem e Ação Docente. 3 Mestre em Educação pela Uem, professora do curso de Pedagogia da Universidade do Oeste do Paraná e pesquisadora do grupo de Pesquisa Aprendizagem e Ação Docente 2 A organização escolar inserida na sociedade capitalista reflete características desta. A escola traz em seu interior as contradições presentes nesta sociedade, bem como alguma de suas características, dentre elas a fragmentação do trabalho pedagógico, ocasionando dentre outros aspectos, a hierarquização dos profissionais. São pertinentes dois esclarecimentos conceituais, primeiro; a sociedade capitalista baseia-se na ruptura entre capital e trabalho, que é a causa da divisão pormenorizada do trabalho em qualquer espaço de produção, seja ele material ou não material. Em segundo lugar, é a partir das contradições sociais que se constitui o espaço de atuação do profissional da educação, ou seja, a sociedade precisa de mão-de-obra especializadas, com habilidades superiores e apreendidas na escola. Mas na medida em que o sujeito apropria-se do conhecimento científico relacionado com a sua realidade, pode compreender o processo de exploração o qual é submetido e possui a capacidade de negar o sistema capitalista, embora, mesmo com a compreensão de sua exploração necessitará vender sua força de trabalho para sua sobrevivência. Assim, o capitalismo desenvolve diferentes formas de controlar a escola, uma vez que a sociedade precisa educar para explorar sem que isso se transforme em ameaça. Uma das formas do controle exercido pelo Estado sobre a escola, são as políticas educacionais e, principalmente, as voltadas para a formação dos profissionais da educação na década de 90. Um dos pontos de maior visibilidade do controle do Estado sob a educação, são as diferentes normatizações para os cursos de graduação, em especial para o curso de Pedagogia. Ratifica-se essa proposição, quando se verifica o retardamento da aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o referido curso, analisa-se que esse processo moroso em relação a demais Diretrizes encontra-se basicamente nas propostas antagônicas entre o governo e os movimentos dos profissionais da educação. O curso de Pedagogia vem construindo a docência como identidade de sua formação e associado a essa a formação do pedagogo como articulador do trabalho 3 pedagógico. Paradoxalmente, a LDB 9394/96 de forma sutil abre possibilidades legais para abertura de outros espaços para a formação do docente. Para compreensão das ações não docentes na escola desenvolvidas pelo pedagogo, faz-se necessário olhar para a história dessas no decorrer do desenvolvimento da sociedade. As ações de administrar, orientar e supervisionar no sentido literal das palavras, surgem com a vida em sociedade desde a época primitiva. No entanto, as funções e profissões, como são conhecidas no interior da escola têm relação intrínseca com o desenvolvimento da sociedade capitalista. Percebe-se na literatura pesquisada a relação de dependência e influência dos diferentes períodos históricos e sociais, nas funções atribuídas aos profissionais da educação. Em relação à Orientação Educacional, a sua origem encontra-se na orientação profissional que se fazia nos Estados Unidos da América, em torno de 1930, como conseqüência das mudanças científicas, tecnológicas e industriais das últimas décadas do século XIX. A multiplicidade de profissões e a importância da adaptação a elas, combinadas com o pressuposto das diferenças individuais naturais entre os homens e da igualdade de direitos propalada socialmente naquele período, colocam as bases do surgimento da orientação profissional. O desenvolvimento da industrialização e do processo produtivo, em meados da década de 30, passou a exigir do trabalhador hábitos, atitudes e conhecimentos, o que podia ser entendido como uma capacitação profissional, adquirida previamente à entrada no emprego. Entendida como um conjunto de habilidades básicas para o necessário ajustamento às funções produtivas, esta capacitação profissional deveria ser adquirida na escola. A orientação profissional até então, realizada fora da escola, passa a ser solicitada no interior desta, como forma de orientar os alunos nos planos de estudo e carreira, conforme as aptidões de cada um. Esta orientação receberia o nome de escolar, justificada pelo argumento de que a formação profissional começaria com a 4 formação do homem. A escolha da profissão, a eficiência do trabalhador, seu ajustamento no trabalho dependeriam da formação de sua personalidade. As correntes educational guidance norte-americana e pela psychologie scolaire francesa são as principais influências no Brasil. A primeira defendia que a orientação se fazia necessária, em função do desenvolvimento do capitalismo industrial, e elencava princípios para a orientação: saúde do aluno, integração satisfatória na vida familiar e social, vocação, uso adequado do tempo de lazer, formação do caráter. A segunda afirmava que a orientação se desenvolveria nas escolas como um serviço de psicologia escolar, com a finalidade de conhecer o escolar normal, a criança comum, em função disso, a orientação era baseada na aplicação de testes. Percebe-se nitidamente o caráter de ajustamento do indivíduo na sociedade, utilizando a base teórica da Psicologia. Percebe-se que a Orientação Educacional no Brasil, não fugindo aos padrões de outras áreas educacionais, sofreu forte influência externa e atrelava-se aos seus momentos políticos e sociais do país. GRINSPUN (1998) identifica os seguintes períodos e características da Orientação Escolar no Brasil: de 1920 a 1941, enfatiza-se na seleção e escolha profissional; em 1942 a Orientação Educacional torna-se uma exigência legal; de 1961 a 1970, caracteriza-se pelo aspecto preventivo; de 1971 a 1980, a tônica era sobre o aconselhamento vocacional, com uma visão mais sociológica, embora continuasse trabalhando com a psicologia; na década de 1980, a atenção é direcionada à realidade do aluno e escola e, nos anos 90, o trabalho deve partir da realidade dos alunos, mobilizando-os para o conhecimento e considerando-os em sua totalidade. Com a Lei 9394/96, a Orientação Educacional deixou de ser uma exigência legal. Com base em GRINSPUN ( 2001) é possível relacionar sinteticamente as funções da Orientação Educacional com as tendências pedagógicas no Brasil. Na Educação Tradicional trabalhava-se com os alunos problemas; na Educação Renovada Progressista enfatizava-se o desenvolvimento cognitivo dos alunos através de testes específicos; na Educação Não Diretiva a Orientação Educacional 5 direcionava-se ao aconselhamento vocacional; na Educação Tecnicista identificavase as aptidões dos alunos para o mercado de trabalho. Na Educação Libertária a vivência grupal torna-se o centro; na Educação Libertadora pautava-se no diálogo, questionando concretamente a realidade das relações do homem com a natureza, visando uma transformação e na Educação Crítico - Social dos Conteúdos a valorização do aluno, suas dificuldades e necessidade, tem como objeto a articulação entre currículo - sociedade, homem - natureza, escola - trabalho, escola vida, etc. Orientação deve buscar meios para que a escola cumpra com o seu papel. Em 1968, através da Lei 5564/68, há a regulamentação do exercício da profissão de orientador. Com isto ampliou-se o destaque da Orientação, uma vez que surgiu a profissionalização na área, caracterizada por uma linha psicológica e preventiva, a qual tinha por objetivo contribuir para o “desenvolvimento integral da personalidade do aluno”, reforçando a questão da ideologia das aptidões naturais. O artigo 10 da Lei 5692/71 instituiu a obrigatoriedade da Orientação Educacional nos estabelecimentos de ensino de 1º e 2º graus. O que se pretendia, na realidade, era confirmar um ensino profissionalizante, obrigatório, que, através do aconselhamento vocacional, ofereceria a oportunidade de escolha de uma profissão futura, compatível com as necessidades do mercado de trabalho. O Decreto-lei 72846/73, o qual determinou as atribuições da Orientação Educacional, confirmou o caráter psicológico da mesma através de uma visão individualizada e pessoal baseada no aconselhamento psicológico. A Orientação Educacional também atendida aos “desejos” da sociedade, uma vez que se voltava para as aptidões naturais com forma de endosso e valorização nas atividades sociais. Fundamentada em um referencial basicamente psicologizante, a Orientação reforçaria a ideologia das aptidões naturais, fazendo crer que todos teriam a mesma oportunidade nas escolhas efetuadas e nas decisões tomadas. 6 Segundo alguns autores, GRINSPUN, VILLON, TROTTA, (1998), tentam mostrar que pertence ao passado da Orientação Educacional, a orientação voltada a terapia ou psicologia. O cerne da questão não é mais o ajustamento do aluno à escola, família ou sociedade e, sim, a formação do cidadão para uma participação mais consciente no meio em que vive. A Orientação Educacional, hoje, estaria direcionada a outros fatores, que não apenas e, unicamente, cuidar e ajudar os alunos como comportamentos problemáticos, ou seja, pretende-se trabalhar com o aluno no desenvolvimento do seu processo de cidadania, trabalhando a subjetividade e a intersubjetividade, através do diálogo nas relações estabelecidas no interior da organização escolar. Espera-se, hoje, um profissional comprometido com sua área, com a história de seu tempo e com a formação do cidadão. Hoje, a Orientação Educacional é entendida como identificação, discussão e reflexão sobre diferentes questões vivenciadas na escola. A educação é uma prática social e a Orientação deve ser vista como uma prática que ocorre dentro da escola, mas cujas atividades podem e devem ultrapassar seus muros; uma prática que caminha no sentido da objetividade e da totalidade da educação. A Orientação Educacional precisam discutir e compreender efetivamente as relações de trabalho na sociedade capitalista para, a partir disso, compreender como ocorrem as opções pessoais e profissionais, do ponto de vista da sociedade e da própria escolha do indivíduo. Dessa forma, a Orientação Educacional poderá abandonar efetivamente as questões do ajustamento para refletir sobre os questionamentos dessa realidade. Outra função exercida pelo pedagogo é a Supervisão Escolar. Analisando de forma sucinta a história da humanidade, encontra-se a ação supervisora na Índia, Pérsia, Egito, China, na Antigüidade em geral, como vigilância a cargo dos nobres e sacerdotes, que julgavam como se desenvolvia a vida escolar. Na Grécia Antiga, a ação supervisora funcionava como elemento ligado diretamente ao 7 acompanhamento do funcionamento dos espaços escolares o que era realizado por especialistas para o trabalho. Na Roma Imperial atuavam os censores, que, além de suas obrigações com o recenseamento e outros papéis sociais, também fiscalizavam os espaços escolares. Na Idade Média a vigilância nos espaços escolares, era feita pela Igreja. Mais tarde passou a ser exercida por leigos, mas ainda indicados pelos membros da Igreja, que fiscalizavam as matrículas e a pontualidade de alunos e professores. Foi na Idade Moderna que se desenvolveu a figura do Inspetor de Ensino, cuja função era de julgar as tarefas pedagógicas, mais especificamente as do professor. Após a Revolução Francesa (1789), designa-se outro nome, o de Inspetor Técnico, com a função de promover o progresso educacional e de vigiar a atividade docente, orientando-o para melhorar seu desempenho profissional, já que o professor dependia da avaliação do Inspetor Técnico. Nas palavras de Saviani Com o processo de institucionalização generalizada da educação já se começa esboçar a idéia de supervisão educacional, o que vai se evidenciando na organização da instrução pública desde a sua manifestação, ainda religiosa, nos séculos XVI e XVII com as propostas de Lutero, Calvino e Melanchthon, com Comenius, os jesuítas e os lassalistas passando, nos séculos XVIII e XIX às propostas de organização de sistemas estatais e nacionais, de orientação laica, até as amplas redes escolares instituídas no século atual. (SAVIANI, 2002:19) Com o desenvolvimento da sociedade capitalista e do modo de organização taylorista do trabalho ocorreu um maior desenvolvimento da função supervisora relacionada aos trabalhos didático-pedagógicos, pautada cada vez mais na eficiência e no caráter tecnológico do trabalho e, com isso, a supervisão passou a ser autoritária e necessária para a propagação desta sociedade. Pode-se constatar que independente da época histórica, o conceito de controle esteve presente nas ações supervisoras. Etimologicamente a palavra supervisão é formada pelos vocábulos SUPER – (sobre) e VISÃO (ação de ver). O 8 termo supervisão, como significação escrita, quer dizer “olhar de cima”, dando uma visão global. Sob a ótica capitalista esta visão global associa-se a ação de controlar o trabalho do outro, tendo em vista que em uma sociedade capitalista este controle faz-se necessário, objetivando o não desperdício de tempo e nem de material para a produção da mais-valia. No que diz respeito ao termo direcionado à educação, elucida-se este conceito com alguns autores da área. Para ANDRADE (1973), a Supervisão Escolar consiste em melhorar o ensino, assegurando que professores empreguem métodos corretos e predeterminados para o ensino na sala de aula e em todo o sistema docente; na mesma lógica, mas de forma menos enfática, LENHARDT citado por PRZYBLSKI (1976) defende que a supervisão ocupa uma posição no sistema escolar, à qual corresponde um papel de liderança, que pode ser instrumental ou carismática em relação ao corpo docente. Para NÉRICI (1976), a Supervisão Escolar consiste no serviço de assessoramento de todas as atividades que tenham influência no processo de ensino-aprendizagem, para que sejam mais eficientemente atendidas as necessidades e aspirações dos educandos. Outros estudos diferem dos conceitos anteriores; no entanto, não trazem mudanças significativas, SANTO (1982) julga ser o objetivo ou fim da Supervisão Escolar proporcionar a melhoria das condições de ensino, para melhor promover aprendizagem e, conseqüentemente, uma melhor educação. Assim como, EVANS (1982), o qual conceitua a Supervisão Escolar como o processo que tem por objetivo prestar ajuda técnica no planejamento, no desenvolvimento e na avaliação das atividades educacionais, em nível de sistema ou unidade escolar, tendo em vista o resultado das ações pedagógicas, o melhor desempenho e o aprimoramento permanente do pessoal envolvido no processo ensino-aprendizagem. A questão de ajuda técnica reduz o supervisor a um profissional técnico e indica um posicionamento neutro na organização escolar. Esta postura tem sido a mais adotada na atuação deste profissional até os dias atuais. 9 Outro conceito que elucida com propriedade o que ocorre nas escolas é o de SILVA (1983) quando afirma que a função da supervisão na escola é estimular e encorajar a continuidade do bom ensino e assistir o professor na remoção das dificuldades que acaso ocorram. A Supervisão Escolar está configurada como uma função cuja responsabilidade principal é de ajudar professores. Isto parece claro quando se observa na escola a Supervisão Escolar direcionada somente às ações docentes, com o intuito de ajudá-los com a proliferação de técnicas eficazes para a remoção das dificuldades. Verifica-se nos autores supracitados uma preocupação voltada ao controle do trabalho docente, no sentido de garantir a eficiência da sua ação. Mas, nas entrelinhas não, percebe-se, um avanço na conceitualização da Supervisão Escolar em diferentes tempos históricos. No final dos anos oitenta uma nova nomenclatura surge relacionada às funções do pedagogo, a Coordenação Pedagógica. Para Vasconcellos (2002), o termo Coordenação Pedagógica é utilizado como sinônimo de Supervisão Escolar, ou seja, designa as mesmas funções na escola. Autores como Mate, Franco, Torres (2002), Guimarães, Placco (2001) descrevem experiências relacionadas com a Coordenação Pedagógica, sem desenvolver uma discussão conceitual relacionada ao termo. Nas experiências analisa-se que as mesmas ratificam o posicionamento do autor anteriormente citado. Observa-se que em cada região do país e de acordo como as escolas organizam-se, pode-se encontrar a função de Supervisão Escolar ou a Coordenação Pedagógica. No entanto, não se trata apenas de mudanças regionais ou estruturais, em alguns sistemas escolares a Coordenação Pedagógica veio substituir a Orientação Educacional e a Supervisão Escolar sob a justificativa da necessidade de unitariedade do e no trabalho pedagógico. Há um paradoxo neste caso, pois nenhum dos autores pesquisados referiu-se à ocorrência de uma discussão em nível 10 nacional com as entidades representativas dos profissionais da educação para esta integração. Em face do exposto, são instigadas reflexões. Houve uma maior abrangência da atuação do pedagogo, sem que este tenha obtido conhecimento acerca da relação entre as funções de Supervisão e Orientação. Ou seja, um único profissional desempenha duas funções sem reconhecê-las como dependentes e pertencentes ao mesmo processo, suscitando a percepção de que o conceito sustentador seja a polivalência, tão propagada e defendida na reestruturação produtiva ocorrida a partir dos anos 90. No entanto, não se faz aqui apologia de que cada função deva ser desenvolvida por diferentes profissionais e, sim, defende-se a necessidade de articulação das mesmas, pautada na compreensão de suas relações, de forma a promover mudanças qualitativas na ação desses profissionais produzindo novos conhecimentos e atuações no cotidiano escolar. O estudo sobre a Coordenação Pedagógica evidencia que a proposição de uma nova terminologia para a Supervisão Escolar possui a pretensão de democratizá-la, sob o argumento de que este termo tem uma conotação tecnicista e de controle. A obviedade ideológica desta proposição está no velamento do real significado histórico da construção da necessidade da Supervisão Escolar, da forma como esta ocorre na escola inserida neste tipo de sociedade. Desse modo, muda-se a nomenclatura sem mudanças na prática, ou seja, veste-se uma nova roupagem em um velho manequim. A forma que a escola organiza-se na sociedade capital pautando-se na hierarquia e na verticalização das funções, contribui para que a responsabilidade de fazer cumprir as políticas educacionais do sistema, bem como o poder de decidir sobre os diferentes aspectos da escola fique a cargo da direção. Cabe a esta controlar as questões administrativas, burocráticas e financeiras, além de acompanhar a execução do Projeto Político Pedagógico da unidade escolar em que atua. 11 Os cursos de formação para administração escolar, tanto nos cursos de graduação, como nos cursos de aperfeiçoamento oferecido pelas instâncias superiores à escola, têm se pautado nas Teorias Geral da Administração. Essa prática é justificada, segundo HORA, sob o argumento pela falta de uma teoria específica, então por não ter ainda construído o seu corpo teórico próprio, demonstra em seu conteúdo as características das diferentes escolas da administração de empresas. Percebe-se, assim, a aplicação dessas teorias à atividade específica da educação, havendo, portanto uma relação estreita entre a administração escolar e a administração de empresas. ( 1997: 41) Para melhor elucidar a afirmação acima, faz-se necessário identificar algumas correntes, seus mentores e alguns dos seus pressupostos. Segundo HORA (1997) são três as escolas: a clássica, a psicossocial e a contemporânea. A administração científica teorizada por Taylor preocupava-se com o controle e a racionalização do trabalho, em outras palavras, a ênfase era na organização dos processos de trabalho e no controle das decisões tomadas no decorrer deste. Este teórico desenvolveu o conceito de gerência científica, a qual defendia a necessidade de um trabalhador responsável pelo planejamento e controle das atividades, pois afirmava ser humanamente impossível estar no “chão” da fábrica, ao mesmo tempo planejar suas ações. A administração científica embasou-se em alguns princípios básicos: expropriação do conhecimento dos trabalhadores, a utilização do conhecimento para controlar cada fase do processo de trabalho, a dissociação do processo de trabalho das especialidades dos trabalhadores, a separação de concepção e execução (comumente chamado de trabalho manual e intelectual ou mental). A segunda escola clássica, defendida por Henri Fayol fundamentava-se nos princípios da divisão do trabalho, da autoridade, da disciplina, da unidade de 12 comando, da subordinação de interesses individuais aos interesses gerais, da centralização, da hierarquia, da ordem e da estabilidade no quadro pessoal. A administração burocrática teve como principal mentor Max Weber, o qual preconizava a eficiência como capacidade real de produzir o máximo com o mínimo de recursos, energia e tempo, ou seja, a produtividade. Contrapondo-se ao conceito de eficiência econômica, surge a escola psicossocial, fundamentada no movimento das relações humanas de Mayo, Roethliesberger e Dickson. Esta escola concebia a organização como um sistema orgânico e natural, na qual a administração preocupava-se com a integração funcional de seus elementos componentes à luz do critério de eficácia técnica. Das teorias citadas, a mais influente na escola foi o Taylorismo. A influência deste na escola, evidenciava-se nos seguintes aspectos: a dualidade estrutural da escola, a fragmentação curricular, as estratégias taylorizadas de formação dos professores, plano de cargos e salários, a fragmentação do trabalho do pedagogo, a hierarquização das funções. Partindo dos pressupostos acima, a função da direção fundamenta-se no uso exacerbado do autoritarismo advindo da posição que ocupa na estrutura organizacional escolar e na sua preocupação com os aspectos burocráticos em detrimento dos aspectos pedagógicos. Assim, o diretor torna-se um administrador de papéis e lhe escapa o conhecimento da natureza da instituição que administra, a escola. Numa perspectiva de trabalho coletivo, cabe a direção envolver a comunidade escolar (professores, equipe pedagógica, alunos e pais de alunos) na gestão da escola. Ou seja, a Direção Escolar continua com a responsabilidade de coordenar as tarefas inerentes à Administração Escolar, como por exemplo, a parte burocrática da escola junto às instâncias superiores (Ministério da Educação e Cultura- MEC, Secretária Municipal de Educação- SEMED, etc.), porém, não deve mais decidir de forma arbitrária pela escola em que atua. 13 Outro aspecto é construir alternativas junto aos outros profissionais da escola para envolver a comunidade escolar na discussão, na elaboração e na implementação do projeto político pedagógico da escola, este momento caracterizase pela discussão coletiva sobre o cotidiano escolar em todos os sentidos que lhe sejam inerentes. A escola deve possibilitar momentos de reflexão da comunidade escolar, de que os problemas enfrentados no cotidiano escolar, não estão, descolados da realidade social em que a escola está inserida. Outra contradição existente na ação da direção, numa visão coletiva de trabalho, consiste em questionar as políticas educacionais junto com a comunidade escolar, adaptando-as a realidade da escola. Os profissionais da educação e, em especial os pedagogos, necessitam uma ampla e sólida formação teórica sobre a educação e suas relações estabelecidas com a sociedade, a qual lhe permita compreender os significados de que se reveste cada ação em tempo e espaços determinados, ampliando as suas possibilidades para a inserção do e no campo do conhecimento e da prática educativa. Partiu-se da premissa que o objeto de trabalho do pedagogo desempenhando ou a função de Orientação Educacional, ou de Supervisão Escolar, ou de Coordenação Pedagógica ou de Administração Escolar, é o processo ensinoaprendizagem e todos os elementos inerentes a este processo. O curso de pedagogia contribui para o conhecimento do objeto de trabalho do pedagogo na escola, que até então era dividido, com o trabalho todo fragmentado. (Pedagogo W)4 Na função que desempenho aqui na escola, conheço que é o processo ensinoaprendizagem é meu objeto de trabalho, mas infelizmente os outros profissionais da escola não têm essa mesma visão. Talvez porque não sejam pedagogos. (Pedagogo X) Lembro que aprendi desenvolver projetos acerca das problemáticas encontradas na escola, mas de que jeito? Não tenho tempo nem de elaborar um? Sei o que tenho que fazer, mas fazer é difícil. (Pedagogo H) 4 A identidade dos pedagogos pesquisados não foi revelada por opção das pesquisadoras. 14 Nos depoimentos acima fica elucidado o conhecimento por parte dos pedagogos qual seja seu objeto de trabalho e como desenvolvê-lo. No entanto, apontam com a mesma clareza quais são os limites encontrados para materializá-los. Outro princípio de formação é a perspectiva de trabalho coletivo, haja vista que o objeto de trabalho seja o mesmo, o processo de ensino-aprendizagem. No entanto, Trabalhar coletivamente é complicado na escola, porque cada professor tem uma formação e depende dessa suas concepções teóricas. Como desenvolver trabalhos coletivos com professores de matemática, química e história? Esse é um dos maiores problemas que venho encontrado na escola. (Pedagogo Y) Essa história de trabalho coletivo é bonita no papel, já aqui na escola como falar de coletivo se cada professor segue um referencial teórico e não aceita nem discutir outro. (Pedagogo V) Apesar de ter um objeto comum de trabalho, o processo ensinoaprendizagem, constata-se com os relatos que ainda existe na escola um ranço histórico de trabalhar cada profissional na sua área, sem envolvimento com as demais. Elucida a proposição, o seguinte depoimento Na escola que trabalho quando propus a discussão sobre avaliação com todos os professores da escola, um professor de matemática me olhou e disse: lá vem você com essas coisas de pedagogo. Então pensei: será que só os pedagogos avaliam? (Pedagogo y) A citação acima é recorrente nas escolas, Um professor de química me disse você fica ai pensando sobre PPP, currículo, essas coisinhas, enquanto eu vou para sala dar aula. (Pedagogo W) Percebe-se que o desafio ao pedagogo além de reencontrar suas funções e seu objeto de trabalho numa perspectiva coletiva é sem dúvida construir momentos coletivos de discussão com os demais profissionais da escola com o intuito de leválos a conhecer a importância do pedagogo na escola e qual seja sua função; 15 Nas palavras de Libâneo a atuação do pedagogo escolar é imprescindível na ajuda aos professores no aprimoramento do seu desempenho na sala de aula (conteúdos, métodos, técnicas, forma de organização de classe), na análise e compreensão das situações de ensino com base nos conhecimentos teóricos, ou seja, na vinculação entre as áreas do conhecimento pedagógico e o trabalho em sala de aula. ( 1996:127) O desafio fundamental que se apresenta para o pedagogo, hoje, extrapola as esferas especificamente pedagógicas, situando-se na contradição central da sociedade moderna que, por um lado, desenvolve numa escala sem precedentes as forças produtivas humanas e, por outro, lança na miséria mais abjeta contingentes cada vez mais numerosos de seres humanos. A sociedade capitalista está pondo continuamente, para si mesma, problemas que não é capaz de resolver. A solução desses problemas implica, pois, a transformação das relações sociais vigentes. Para os pedagogos romperem com as práticas tecnicistas e tradicionais não é uma tarefa simples, ao contrário, lutarem contra uma organização escolar burguesa dentro de um sistema de produção burguês. Aprendi na faculdade toda a teoria e tento aplicá-la, mas não consigo.Falta professor preciso ir para a sala, o aluno vem doente preciso atender, há brigas preciso acalmá-los, fora os documentos oficiais que sou obrigada a responder. (Pedagogo V) Lembro que na graduação pensava vou fazer diferente, mas quando cheguei aqui na escola, ela só obedecia as regras da sociedade, questionar um programa oficial jamais. Fora os comentários isso é coisa de recém-formado, quero ver você assim daqui a dez anos. Às vezes desanima, mas vou tentando resistir. (Pedagogo X) Sei que não vou mudar a escola ou a sociedade sozinho, mas me recordo que alguns professores da faculdade me diziam, qual tipo de pedagogo você vai ser? Por enquanto, tou lutando pelos meus princípios teóricos vamos ver até quando. (Pedagogo V) 16 É preciso conhecer as leis que regem a sociedade capitalista para compreender as suas relações e poder intervir com mais objetividade. Como pedagogo a sua função é refletir sobre os problemas sociais e educacionais e procurar possíveis encaminhamentos visando à alteração das relações atuais ocorridas no cotidiano escolar. A referida pesquisa demonstrou as contribuições do curso de Pedagogia na concepção dos seus egressos a respeito de qual seja seu objeto de trabalho e da necessidade do trabalho coletivo, em contrapartida, apontou os limites do cotidiano escolar ora pelos posicionamentos dos próprios profissionais, como também os estabelecidos pela sociedade. Apesar, desses limites torna-se cada vez mais importante a formação do pedagogo numa perspectiva do trabalho coletivo, esta é uma possibilidade de rompimento com a forma de organização escolar historicamente pautada na fragmentação do trabalho pedagógico, embora reconhece-se que a superação total ocorrerá somente com o fim da sociedade capitalista. 17 Referências bibliográficas GRISNSPUN, Mírian P. S. Zippin. A orientação educacional – uma perspectiva contextualizada. In: CRINSPUN, Mírian P. S. Zippin (org.). A prática dos orientadores educacionais. São Paulo : Cortez, 1998. ______ A orientação educacional face ao fracasso escolar. In: Orientação educacional – Conflito de paradigmas e alternativas para a escola. São Paulo : Cortez, 2001. ______Orientação educacional face ao cotidiano escolar. In: Orientação educacional – Conflito de paradigmas e alternativas para a escola. São Paulo: Cortez, 2001. FERREIRA, Naura Syria Carapeto. Supervisão Educacional: novas exigências, novos conceitos, novos significados. Campinas : Papirus, 2001. FREITAS, Luiz Carlos de. Neotecnicismo e formação do Educador. 5. ed. São Paulo : Cortez, 1999. KUENZER, Acacia Zeneida. Trabalho pedagógico: da fragmentação a unitariedade possível. In: AGUIAR, Márcia Ângela da Silva (org). Para onde vão a Orientação e a Supervisão Educacional?. São Paulo : Papirus, 2002. RANGEL, Mary. Considerações sobre o papel do supervisor, como especialista em educação, na América Latina. In: DA SILVA JR. Celestino Alves; RANGEL, Mary (orgs.). Nove olhares sobre a supervisão. Campinas : Papirus, 1997. SAVIANI, Dermeval. A supervisão educacional em perspectiva histórica: da função à profissionalização pela mediação da idéia. In: FERREIRA, Naura Syria Carapeto (org.). Supervisão educacional para uma escola de qualidade. São Paulo : Cortez, 2002. SHEIBE, Leda. AGUIAR, Márcia Ângela. Formação de profissionais da educação no Brasil: o curso de pedagogia em questão. In: Educação & Sociedade: revista quadrimestral de Ciência da Educação/ Centro de Estudos Educação e Sociedade ( Cedes) nº 68, Campinas : Cedes, 1999.