“Atenção primária em saúde e proteção social: a agenda da

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“Atenção primária em saúde e proteção social: a agenda da Organização
Pan-Americana de Saúde nos anos 2000”
por
Alessandra Camargo da Silveira
Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências
na área de Saúde Pública.
Orientadora principal: Prof.ª Dr.ª Cristiani Vieira Machado
Segundo orientador: Prof. Dr. Gustavo Corrêa Matta
Rio de Janeiro, maio de 2011.
Esta dissertação, intitulada
“Atenção primária em saúde e proteção social: a agenda da Organização
Pan-Americana de Saúde nos anos 2000”
apresentada por
Alessandra Camargo da Silveira
foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:
Prof. Dr. Ruben Araujo de Mattos
Prof. Dr. Nilson do Rosário Costa
Prof.ª Dr.ª Cristiani Vieira Machado – Orientadora principal
Dissertação defendida e aprovada em 31 de maio de 2011.
Alessandra Camargo da Silveira
Atenção Primária em Saúde e Proteção Social: A Agenda da Organização PanAmericana de Saúde nos Anos 2000.
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau
de Mestre em Saúde Pública - área de concentração em Políticas
Públicas em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio
Arouca da Fundação Oswaldo Cruz.
Banca Examinadora:
____________________________________________________
Profa. Dra. Cristiani Vieira Machado (coordenadora)
_____________________________________________________
Prof. Dr. Gustavo Corrêa Matta
______________________________________________________
Prof. Dr. Nilson do Rosário Costa
________________________________________________________
Prof. Dr. Ruben Araujo de Mattos
AGRADECIMENTOS
São muitas as pessoas que construíram comigo essa trajetória, as quais influenciaram
minha vida, ideias e sentimentos. A todas essas minha gratidão e carinho.
À minha família, em especial meu paizão Jorge, minha mãe Juçara, irmã Natalia, avó
Esperança e madrinha Graça, que são meu porto seguro, os responsáveis por quem sou,
pessoas que nunca mediram esforços e me asseguraram todas as condições emocionais e
materiais para que eu seguisse em frente.
À Cristiani Vieira Machado por sua dedicação, apoio, disponibilidade e paciência
que foram fundamentais para percorrer a trajetória de construção desse estudo.
A Gustavo Correa Matta por suas ideias, contribuições e sensibilidade.
Aos meus amigos e amigas, pessoas queridas que mesmo quando estão longe, estão
presentes em meu coração: Viviane, Cristiane, Danielle, Malcolm e Hugo.
Em especial, nesse processo de mestrado, aos amigos: Flávio, meu companheiro de
todas as horas sejam elas alegres ou tristes, a Rapha, que sempre me mostra que a vida,
geralmente, é melhor do que aparenta ser e a Diego por sua solidariedade.
A Ruben Mattos e Nilson do Rosário por suas colaborações que acompanham meu
trabalho desde a qualificação.
Aos colegas de trabalho do INTO por sua torcida.
A todos os demais que contribuíram de alguma forma para a realização deste estudo.
Por fim, a todos aqueles que não se calam diante das desigualdades e injustiças.
Não basta ter belos sonhos para realizá-los. Mas ninguém realiza
grandes obras, se não for capaz de sonhar grande. Podemos mudar
nosso destino se nos dedicarmos à luta pela realização dos nossos
ideais. É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho,
de examinar com atenção a vista real, de confrontar nossa observação
com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossa fantasia.
Sonhos acredite neles.
Vladimir Ilitch Lênin.
RESUMO
Este trabalho abordou a agenda da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para a
Atenção Primária em Saúde (APS) e suas possíveis implicações para a proteção social na
América Latina nos anos 2000. Buscou-se situar em perspectiva histórica a construção das
agendas políticas da OPAS, assim como descrever as propostas recentes referentes à APS
para os países latino americanos.
O estudo, de natureza exploratória, se baseou no referencial teórico da proteção social e
compreendeu como estratégias metodológicas a revisão bibliográfica e a análise documental,
que se apoiou em contribuições da abordagem da nova retórica de Perelman.
A pesquisa procurou identificar as concepções e significados subjacentes à proposta de “APS
renovada”, no que concerne à perspectiva da proteção social, considerando três aspectos: a
população alvo da APS (universal ou focalizada), o escopo da APS (abrangente ou restrito) e
a forma de organização dos serviços (relações público-privadas).
Os achados indicam que a partir da estratégia retórica de construção de consensos científicos
em torno da eficácia e eficiência da APS, a OPAS busca a adesão de seus países membros à
ideia de organização dos sistemas de saúde com base na APS. Nesse sentido, destaque-se o
argumento recorrente de inspiração na proposta de APS abrangente da Conferência de AlmaAta, porém admitindo-se mudanças relacionadas ao novo contexto.
A proposta da APS renovada se apoia fortemente no princípio da equidade e na noção de
sustentabilidade dos sistemas de saúde. Enfatiza-se ainda a ideia de serviços básicos
universais, cuja definição é fluida e adaptável à capacidade institucional de cada país,
podendo compreender um escopo de serviços mais amplos ou restritos. No que concerne ao
modelo de intervenção estatal, a proposta de renovação da APS da OPAS orienta-se por uma
visão do Estado como regulador das relações entre setor público e privado.
Os resultados do estudo indicam que a agenda política da OPAS historicamente apresenta
continuidades e descontinuidades. O movimento de renovação da APS expressa uma inflexão
importante nessa agenda, pois sugere uma visão mais estratégica da APS, como uma política
de reestruturação dos sistemas nacionais de saúde, para além da abordagem programática.
Porém, no que concerne à proteção social, várias propostas apresentadas parecem compatíveis
com a concepção do “universalismo básico”, que vem sendo difundida na América Latina.
Palavras –chave: Atenção Primária à Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde; Política
Social. Política de Saúde; Serviços de Saúde; Estratégias Nacionais; Américas.
ABSTRACT
This work discussed the agenda of the Pan American Health Organization (PAHO) for
Primary Health Care (PHC) and its possible implications for social protection in Latin
America in the 2000s. We tried to situate the building in a historical perspective of the
political agenda of PAHO, as well as describe the recent proposals regarding the APS for
Latin Americans.
The study was exploratory in nature, was based on the theoretical framework of social
protection strategies and understand how the methodological literature review and
documentary analysis, which relied on contributions from the approach of the new rhetoric of
Perelman.
The survey sought to identify the concepts and meanings underlying the proposed "renewed
PHC", regarding the perspective of social protection, considering three aspects: the target
population of PHC (universal or targeted), the scope of APS (broad or restricted) and form of
organization of services (public-private relations).
The findings indicate that from the rhetorical strategy of building scientific consensus about
the effectiveness and efficiency of PHC, PAHO seeks membership of its member countries
the idea of organization of health systems based on PHC. In this sense, one should highlight
the recurring argument of inspiration in the proposed comprehensive PHC of Alma-Ata
Conference, but assuming changes related to the new context.
The proposal of renewed APS strongly supports the principle of equity and the notion of
sustainability of health systems. It also emphasizes the idea of universal basic services, whose
definition is fluid and adaptable to each country's institutional capacity and may comprise a
broader scope of services or restricted. In regards to the model of state intervention the
proposed renewal of PHC PAHO is guided by a vision of the regulatory state of relations
between public and private sector.
The study results indicate that the political agenda of PAHO has historically continuities and
discontinuities. The movement of PHC renewal expresses an important shift in this agenda,
since it suggests a more strategic vision of PHC as a policy of restructuring the national health
systems, in addition to the programmatic approach. However, with regard to social welfare,
several proposals are not inconsistent with the concept of "basic universalism," which has
been widespread in Latin America.
Keywords: Primary Health Care, the Pan American Health Organization; Social Policy.
Health Policy, Health Services, National Strategies; Americas.
LISTA DE QUADROS E FIGURAS
Quadros
Quadro 2.1: Princípios éticos e políticos e linhas de ação política das
agências internacionais em relação à proteção social.
Quadro
3.1
–
Sistematização
das
Principais
37
Resoluções
das
Conferências Sanitárias Pan Americanas, realizadas entre 1902 e 1942.
56
Quadro 3.2 –. Foco da agenda de cada gestão da OPAS, no período de
1902 a 2002.
70
Quadro 4.1 – Sistematização das características e principais argumentos
contidos nos documentos analisados.
93
Figura
Figura 1.1 - Síntese do modelo de análise referente às relações entre
concepção de APS e a proteção social em saúde.
20
Figura 3.1 – Organograma atual da OPAS, 2011.
71
Figura 4.1: Valores, princípios e elementos centrais em um sistema de
saúde com base na APS.
80
LISTA DE SIGLAS
AB – Atenção Básica
AECID - Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento
AFRO - Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde para a África
AIDS – Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida
APS – Atenção Primária à Saúde
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIREME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde
BM - Banco Mundial
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CENDES - Centro Nacional de Desarrollo de la Universidad Central de Venezuela
CEPAL – Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e Caribe
COHAN - Cooperativa de Hospitais de Antioquia
CSC - Consórcio de Saúde e Atenção Social da Cataluña
EMRO - Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde para Mediterrâneo Oriental
ENSP - Escola Nacional de Saúde Pública
ESF – Estratégia de Saúde da Família
EUA – Estados Unidos da América
EURO - Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde para a Europa
FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura
FFF – Food supplementation, female literacy and family planning.
FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz
FMI – Fundo Monetário Internacional
GOBI – Growth monitoring, Oral re-hydration, Breast feeding and Immunization.
GTZ - Organismo Alemão para Cooperação Técnica
HIV - Human Immunodeficiency Virus
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano
IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
IPEA - Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas
MS – Ministério da Saúde
OCIAA – Office of the Coordinador of Inter American Affair
OECD – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMS - Organização Mundial da Saúde
ONU – Organização das Nações Unidas
OPAS - Organização Pan-Americana de Saúde
PAHO - Organização Pan-Americana da Saúde
PHC - Primary Health Care
Scielo - Scientific Electronic Library Online
RISS – Redes Integradas de Serviços de Saúde
SEARO - Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde para o Sudoeste da Ásia
SPHC - Selective Primary Care
SPT – Saúde Para Todos
SUS - Sistema Único de Saúde
UNICEF - United Nations Children's Fund
URSS - União Soviética
USAID - Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
WPRO - Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde para o Pacífico Ocidental
SUMÁRIO
Apresentação
12
Capítulo 1 – Metodologia do Estudo
18
1.1. Tipo de Estudo, Referencial e Categorias de Análise
18
1.2. Referencial Técnico e Estratégias Metodológicas
21
Capítulo 2 - Proteção Social, Políticas de Saúde e Atenção Primária em Saúde
25
2.1. Considerações sobre a Proteção Social
25
2.2. A Proteção Social na Agenda Recente das Agências Internacionais
36
2.3. Atenção Primária em Saúde: Aspectos Históricos, Políticos e Conceituais
41
2.4. Atenção Primária em Saúde e Proteção Social
49
Capítulo 3 - As Agências Internacionais e a Política de Saúde: O Caso da
53
Organização Pan Americana de Saúde (OPAS)
3.1. As Agências Internacionais e a Política para a Saúde
53
3.2. O Nascimento da Saúde Internacional nas Américas (1902 a 1920)
56
3.3. Da Oficina Sanitária Pan Americana ao Escritório Regional da OMS (1920 a
1947)
59
3.4. A Consolidação da Organização Pan Americana de Saúde (1947 A 1959)
62
3.5. A Busca de uma Agenda (1960 a 2002)
65
Capítulo 4 – A Agenda Recente da Organização Pan Americana de Saúde - A
Renovação da Atenção Primária em Saúde nas Américas
72
4.1. A Trajetória do Movimento de Renovação da APS
72
4. 2. O Documento de Renovação da Atenção Primária nas Américas
76
4.3. Propostas para a Formação da Força de Trabalho
83
4.4. A Proposta das Redes Integradas de Serviços de Saúde (RISS)
87
5. Considerações Finais
95
6. Referências
100
12
APRESENTAÇÃO
Desde meados de 1970, a Atenção Primária em Saúde (APS) passou a ocupar um
espaço importante no âmbito das políticas públicas de saúde, sendo um elemento central nas
reformas setoriais, com vistas à estruturação e organização dos sistemas nacionais de saúde.
Contudo, o termo APS adquiriu historicamente diferentes concepções, interpretações e
finalidades e, com isso, assumiu distintos papéis nos modernos sistemas de proteção social.
Embora o conceito de APS seja multifacetado, a concepção focalizada e restrita
tornou-se o modo dominante da APS, principalmente nos países periféricos. Baseada em uma
abordagem de programas verticais para grupos ou pessoas vulneráveis, tal concepção não
valoriza a compreensão da saúde como direito social nem se orienta para a organização de
sistemas de saúde integrados e coordenados. Além disso, ao ignorar o contexto maior de
desenvolvimento social, não consegue dar respostas às causas fundamentais da saúde
precária.
A partir desse cenário, em 2003, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)
propôs uma retomada do legado da Conferência de Alma Ata, por meio do movimento
designado como “renovação da APS nas Américas”. A agência destaca que renovar a APS
não significa um ajuste à conjuntura, mas concebê-la como estratégia estruturante dos
sistemas de saúde com vistas à sua organização e coordenação para que esses sejam mais
efetivos e eficientes e, assim, causem impactos em termos da redução das iniquidades em
saúde (OPAS, 2007).
Deste modo, o tema desse estudo é a Atenção Primária em Saúde e o objeto é a
proposta da OPAS de renovação da APS na Américas nos anos 2000. A escolha do objeto tem
relação com a trajetória acadêmica da pesquisadora, pois a APS constituiu-se num foco de
interesse e de estudos realizados na graduação em Enfermagem e na Residência em Saúde da
Famíliai. Experiências prévias instigaram-na a questionar as possibilidades e limites da APS
como elemento estruturador dos sistemas de saúde e suas implicações na proteção social.
Soma-se a isso o interesse em compreender o discurso e as possibilidades de inferência das
agências internacionais na formação da agenda política para o setor da saúde, principalmente
nos países periféricos.
i
O tema do trabalho de conclusão de curso da graduação em Enfermagem na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro foi “A Representação Social do Enfermeiro no Programa de Saúde da Família” e na Residência em
Saúde da Família na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/ FIOCRUZ foi “Os Diferentes Olhares
sobre a Qualidade na Estratégia de Saúde da Família de Antares”.
13
A justificativa para o desenvolvimento desse estudo apoiou-se em quatro argumentos
inter-relacionados, que partem de alguns pressupostos. O primeiro argumento é que a
construção de sistemas sanitários nacionais ao longo da história representa um capítulo
importante na constituição dos modernos sistemas de proteção social e na conquista da saúde
como um direito social.
Como área da proteção social, a política de saúde encontra-se na interface entre
Estado, sociedade e mercado. Assim, a saúde está relacionada a um direito social,
politicamente conquistado, mas o setor também se configura como um espaço de acumulação
de capital. Desse modo, a sociedade financia a saúde com seus impostos e contribuições. O
Estado deve criar normas, assumir obrigações na prestação de serviços e regular a iniciativa
privada. O mercado produz insumos, tecnologias, recursos humanos e serviços que são
vendidos ao Estado e à sociedade.
Diante das diferentes dimensões da saúde, a concepção de APS e a configuração que
essa adquire nos sistemas de saúde é permeada pela visão de proteção social que orienta as
sociedades. Tal visão pode ser mais abrangente quando se baseia em uma concepção universal
e abrangente na perspectiva do direito à saúde, ou mais focalizada e restrita quando é
concebida como um pacote de serviços focalizados nas populações mais pobres ou nos grupos
de risco. Além disso, pode ser mais ou menos mercantil de acordo com a forma de provisão
de bens e serviços pelo Estado ou pelo mercado. Desse modo, o lugar que a APS ocupa nos
sistemas de saúde terá implicações importantes na proteção social.
A compreensão a respeito da APS é modulada por fatores econômicos, políticos e
culturais que são intrínsecos aos setores sociais, inclusive aos setores de saúde. Com isso, a
APS pode adquirir diferentes conformações: cuidados comunitários em saúde, com ou sem
maior articulação com outros níveis de atenção à saúde; primeiro nível de contato dos
indivíduos e comunidades com o sistema de saúde, coordenada a outros níveis ou não;
assistência para pobres em países periféricos; um conjunto mínimo de atividades “essenciais”
à saúde; intervenções simples destinadas a áreas rurais com tecnologias simplificadas; e
cuidado de baixo custo para desenvolver os sistemas de saúde (TARIMO; WEBSTER, 1997).
Assim, é importante analisar e buscar compreender as concepções subjacentes às propostas
relativas à APS e suas possíveis implicações em termos da proteção social em saúde.
O segundo argumento para a realização do estudo é que a saúde é uma questão de
interesse internacional. O desenvolvimento do modo de produção capitalista modificou a
estrutura produtiva da sociedade e, com isso, alterou a correlação de forças entre sociedade,
14
mercado e Estado, assim como impulsionou a reorganização dos espaços nacionais e
internacionais.
O processo de industrialização promoveu a expansão dos mercados, intensificando as
trocas comerciais, o fluxo de mercadorias, pessoas e de doenças, modificando as relações
entre os países. A saúde tornou-se uma questão internacional ao influenciar negativamente o
comércio entre as nações, ao se adotarem medidas sanitárias que tinham repercussões
políticas e econômicas importantes, como a instituição das quarentenas nos portos (LIMA,
2002). A partir da internacionalização da saúde, iniciam-se no final do século XIX fóruns e
conferências internacionais acerca do tema.
A partir da necessidade de consolidação da hegemonia capitalista e do fenômeno da
internacionalização da saúde, criam-se arenas políticas e econômicas para influenciar a
formulação e implementação das políticas públicas de saúde, e ainda, a conformação dos
sistemas de saúde mundo afora. Em meio a esse cenário e num contexto de disputa de
hegemonia ideológica, econômica e política no pós-segunda guerra mundial emergem
diversas agências e organismos de cooperação internacional. Assim, as agências
internacionais passam a influir na disseminação de ideias e concepções de proteção social e
saúde, por meio de mecanismos de oferta de ideias, cooperação técnica e indução financeira.
Em um mundo cada vez mais interdependente, a formulação e implementação de
políticas públicas nacionais de saúde ocorre a partir de uma interação com a agenda
internacional para o setor. Não é possível compreender políticas nacionais sem analisar os
vínculos que estabelecem com a comunidade internacional. Desse modo, a agenda nacional
sofre influência da internacional, assim como os Estados nacionais mais fortes são os que têm
maior capacidade para influir e/ou modificar essa agenda (HOCHMAN, 2007). Diante de um
mundo fortemente influenciado pela globalização, reafirma-se a saúde como questão
internacional onde a conformação das políticas públicas de saúde e o estado de saúde das
populações trazem implicações para todos os povos do mundo.
O terceiro argumento é que o tema da Atenção Primária à Saúde ganhou grande
destaque nas reformas no setor de saúde nas últimas três décadas, no contexto mais amplo das
reformas dos Estados Nacionais. Impulsionadas pelo predomínio da agenda neoliberal, as
reformas dos sistemas de saúde em vários países foram orientadas pela reconfiguração do
papel do Estado, que de provedor de direitos sociais passou a ser compreendido,
prioritariamente, como regulador de bens e serviços. Essas mudanças trouxeram implicações
nas modalidades de financiamento e um modelo de prestação da saúde, objetivando
racionalizar custos, atender a crescente demanda e obter resultados de saúde mais efetivos e
15
de maior impacto, fazendo prevalecer ações programáticas estratégicas em detrimento da
saúde universalizada (FAUSTO, 2005). Ampliou-se ainda o espaço para a iniciativa privada
vender e/ou administrar serviços sociais, reafirmando o setor como espaço de acumulação de
capital. Nesse cenário, ganhou fôlego no plano internacional a concepção focalizada e restrita
de APS, que predominou nos processos de reforma de muitos países latino-americanos.
O quarto argumento se relaciona à relevância de analisar a agenda política de uma
agência internacional referente à APS, particularmente a agenda da OPAS. Historicamente, o
debate político acerca da APS foi acompanhado e difundido por esses organismos, com
destaque para o protagonismo da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), do Banco Mundial e, no caso das Américas, da
Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Soma-se a isso a premissa de que os países
periféricos são o público alvo preferencial das agências de cooperação internacional, ainda
que sua capacidade e formas de influência variem de acordo com a capacidade instititucional
do Estado nesses países.
Na década de 90 muitos pesquisadores se dedicaram a compreender a dinâmica das
agências internacionais, motivados pela consolidação do fenômeno da globalização. Contudo,
nesse inicio de século poucos são os estudos, como os de Mattos (2001) e de Matta (2005),
que retomam a temática, que continua sendo de grande relevância no campo da formulação e
da implementação das políticas públicas.
A delimitação do estudo à agenda da Organização Pan-Americana de Saúde se deu,
em primeiro lugar, por esta ser a agência internacional de cooperação na saúde mais antiga do
mundo (109 anos de existência) e ter a sua atuação voltada principalmente para os países da
América Latina. A OPAS foi criada em 1902, a fim de promover ações de colaboração
internacional para o restabelecimento das condições de saúde das populações das Américas,
assim como produzir normas e consensos técnicos para prevenção e controle de doenças,
principalmente das epidemias que assolavam o mundo na época. Quatro décadas depois, com
a criação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e após extenuantes e difíceis negociações
que garantiram a autonomia e identidade da OPAS, essa se tornou um Escritório Regional da
OMS para as Américas. (LIMA, 2002). O segundo motivo é o fato de que a OPAS, nos anos
2000, passou a dar destaque para o debate e formulação de propostas relativas à APS,
principalmente por meio do movimento de “renovação da APS” nas Américas.
Nesse sentido, cabe destacar algumas questões que motivaram essa investigação: após
32 anos da Conferência de Alma- Ata, quais as concepções de APS presentes na agenda da
OPAS? O que representa o movimento de renovação da APS para as Américas e sobre quais
16
valores está pautado? Como a OPAS procura influenciar a formulação e implementação da
política de saúde dos países latino americanos? Quais as implicações das concepções de APS
difundidas pela OPAS para a proteção social na América Latina? Esse estudo procura
contribuir para responder parcialmente esses questionamentos, contudo, sem a pretensão de
esgotá-los.
Assim, o objetivo geral do estudo foi analisar a agenda da Organização PanAmericana da Saúde para a Atenção Primária em Saúde e suas possíveis implicações para a
proteção social na América Latina nos anos 2000. Os objetivos específicos foram: (1) situar,
em perspectiva histórica, a trajetória de construção de agendas políticas da Organização PanAmericana da Saúde; (2) descrever a agenda da Organização Pan-Americana da Saúde para a
Atenção Primária em Saúde nos países latino-americanos nos anos 2000; e (3) identificar as
concepções subjacentes e significados do movimento de Renovação da Atenção Primária em
Saúde nas Américas para a proteção social em saúde.
Além desta apresentação, a dissertação está organizada em outros quatro capítulos e
nas considerações finais. O primeiro capítulo apresenta a metodologia da pesquisa,
considerando: o tipo de estudo; as categorias de análise; e as estratégias metodológicas
adotadas. Destaque-se que o estudo privilegiou a revisão bibliográfica e a análise documental,
apoiando-se em contribuições da perspectiva de análise de retórica de Perelman
(PERELMAN, C.; OLBRESCHTS-TYTECA, 2000).
O segundo capítulo, intitulado “Proteção Social, Políticas de Saúde e Atenção
Primária”, traz uma discussão teórico-conceitual acerca dos diferentes modelos de proteção
social e de como as políticas de saúde passam a ser parte integrante dos modernos sistemas de
proteção social. Dado que as agências internacionais representam o objeto de interesse do
estudo, faz-se uma breve discussão a respeito das concepções de proteção social difundidas e
fomentadas pelas agências internacionais. O capítulo trata, ainda, das diferentes concepções
sobre atenção primária em saúde na literatura nacional e internacional, numa perspectiva
histórica, considerando que essa está permeada por valores econômicos, políticos e culturais.
Por fim, a atenção primária em saúde é abordada como um elemento de proteção social,
admitindo a configuração de diferentes modelos a depender do grau de cobertura, do escopo
das ações e ainda do seu caráter mais ou menos mercantil.
O terceiro capítulo, intitulado “As Agências Internacionais e a Política de Saúde: O
caso da Organização Pan-Americana de Saúde”, inicialmente situa as agências internacionais
como atores importantes e influentes na formação das agendas nacionais para a saúde nos
países periféricos. Considerando o foco do estudo, aborda-se em perspectiva histórica a
17
trajetória da Organização Pan-Americana de Saúde, com o propósito de compreender os
caminhos dessa agência na construção de agendas políticas para os países da América Latina.
Procura-se identificar os diferentes momentos dessa trajetória e apontar as principais ênfases
das diferentes gestões da organização no período de 1902 a 2002.
O quarto e último capítulo, denominado “A Agenda Recente da Organização PanAmericana de Saúde - A Renovação da Atenção Primária em Saúde Nas Américas”,
primeiramente traz uma breve contextualização da trajetória institucional desse movimento no
interior da Organização Pan-Americana de Saúde. Posteriormente analisam-se as concepções
e propostas do movimento de renovação da atenção primária em saúde nas Américas, a partir
dos principais documentos da série. São discutidos como elementos centrais desse
movimento: a concepção da renovação da atenção primária em saúde, a formação da força de
trabalho especializada e ainda a constituição das redes em saúde.
Nas considerações finais, analisam-se sucintamente os significados e possíveis
implicações do movimento de renovação da APS nas Américas proposto pela OPAS a partir
de elementos considerados importantes para a proteção social em saúde, como a relação entre
a concepção da APS renovada e o caráter da proteção social, o modelo de intervenção estatal
e as estratégias defendidas como relevantes para renovar a APS.
18
CAPÍTULO 1 – METODOLOGIA DO ESTUDO
A metodologia da pesquisa é uma relação dialética estabelecida entre o caminho do
pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade. Inclui simultaneamente a teoria
de abordagem (método), os instrumentos empregados para a sua operacionalização (técnicas)
e as habilidades do pesquisador. Assim, a metodologia possui destaque central no interior das
teorias e está referida a elas (MINAYO, et. al, 2009).
1.1. Tipo de estudo, referencial e categorias de análise
Esse estudo consiste em uma pesquisa de natureza exploratória com abordagem
qualitativa. A abordagem qualitativa justifica-se pois se busca apreender uma aproximação da
realidade que não pode ser quantificada, ao lidar com o universo das significações, motivos,
valores e atitudes que correspondem a uma dada realidade social (MINAYO, et. al, 2009). Já
a natureza exploratória é porque o estudo representa uma primeira aproximação do tema, com
possibilidade de aprofundamento posterior do conhecimento e análises relativas ao objeto do
estudo.
O estudo enfoca a proposição de alternativas políticas para a Atenção Primária à
Saúde (APS) por uma agência internacional – a OPAS -, que busca influenciar as agendas dos
governos latino-americanos, com possíveis repercussões para a proteção social em saúde
nesses países. Considerando o objeto de estudo, foram importantes para a definição das
categorias de análise as contribuições do referencial da análise de políticas públicas e da
literatura sobre proteção social em saúde.
No que concerne à análise de políticas de saúde é importante a compreensão da OPAS
como um ator internacional que busca influenciar a definição de agendas governamentais na
saúde por meio da proposição de alternativas políticas em relação a temas selecionados.
Diversos autores compreendem a definição da agenda, a formulação e a escolha de
alternativas como momentos relevantes na conformação de uma política públicaii.
Na literatura de análise de políticas públicas, uma das definições mais tradicionais de
agenda é a elaborada por Kingdon (1995), que conceitua a agenda governamental como o
ii
Os autores que trabalham com a perspectiva de ciclo de políticas identificam que o estudo das políticas
públicas de saúde compreende cinco grandes fases: o estabelecimento da agenda pública; a formulação de
alternativas de solução do problema; a escolha de uma alternativa; a implementação e a avaliação. Cada uma das
fases envolve processos distintos, redes próprias de atores e sofre diversas influências do contexto político mais
geral, num processo dinâmico e constante de negociação (VIANA; BAPTISTA, 2009).
19
conjunto de assuntos sobre os quais as pessoas ligadas a ele concentram sua atenção num
determinado momento (KINGDON, p., 1995)iii. Ainda que o modelo analítico proposto pelo
autor enfatize a dinâmica de conformação das agendas dos governos, segundo Kingdon
(1995) as comunidades geradoras de alternativas (policy communities), os especialistas,
podem influenciar de maneira importante na formação da agenda, sensibilizando e
fomentando a audiência para construir progressivamente a aceitação pública e causar um
efeito de multiplicação de ideias que não necessariamente são consensuais. Nesse sentido,
podemos considerar que as agências internacionais incluem-se nesse grupo, ao formular
propostas e buscar influenciar a conformação das agendas dos governos, por diversos
mecanismos.
A partir de revisão bibliográfica sobre proteção social e de contribuições do referencial
de análise de políticas, foram definidas como principais categorias de análise: (1) trajetória da
agenda política da OPAS; (2) estratégias e propostas relativas à APS na agenda recente da
OPAS; e (3) concepções e significados das propostas de renovação da APS.
(1) Trajetória da agenda política da OPAS – envolve a identificação dos diferentes
momentos da trajetória da OPAS, particularmente no que concerne à definição de sua agenda
política. Neste estudo utiliza-se o conceito de agenda política para designar o conjunto de
estratégias políticas e conteúdo técnico das propostas da OPAS para os países das Américas.
A construção da agenda política por uma agência internacional – no caso, a OPAS guarda especificidades relativas à trajetória e às características dessa agência, seus propósitos
de atuação, áreas de intervenção, formas de interação com os países e diferentes contextos
político-institucionais.
Nessa perspectiva, procurou-se reconhecer historicamente os contextos de construção
da agenda da OPAS, assim como identificar seu conteúdo (político e técnico), considerando
os temas e propostas destacados nos diferentes momentos, a quem se destina essa agenda, e
ainda que brevemente, os mecanismos adotados pela OPAS para difundir e influenciar a
adoção de suas propostas. Considerando o objeto do estudo, procura-se compreender mais
especificamente a trajetória da APS na agenda da OPAS e identificar os possíveis motivos
pelos quais a APS passa a ocupar um lugar de destaque no período recente.
iii
Kingdon (1995) propôs o modelo conhecido como Múltiplos Fluxos, no qual define a formulação da agenda
como resultado da convergência de três fluxos: problemas (problems), solução ou alternativa (policies) e política
(politics). Esses fluxos quando combinados geram uma oportunidade de mudança na agenda, instala-se uma
“janela de oportunidades”.
20
(2) Estratégias e propostas relativas à APS na agenda recente da OPAS – compreende
uma breve descrição do contexto institucional em que surge a estratégia designada como
“movimento de renovação da APS” nas Américas, bem como a identificação, o mapeamento e
a análise das propostas da OPAS para a APS nos anos 2000, abrangidas sob essa designação.
Procura-se identificar, ainda que sucintamente, o contexto, os atores, o público-alvo
(auditório) e o conteúdo das propostas, utilizando-se o referencial de análise da retórica de
Perelman (PERELMAN, C.; OLBRESCHTS-TYTECA, 2000) retomado adiante.
(3) Concepções e significados das propostas de renovação da APS - diz respeito à
análise das possíveis implicações da concepção de APS renovada para a proteção social,
considerando as proposições relativas a: a população alvo da política (a quem se destina?), o
escopo das ações e serviços (o que abrange?) e o papel do Estado e do mercado (como se
configuram os arranjos entre o público e o privado?).
Deste modo, a população-alvo da política tem relação com a concepção de proteção
social que fundamenta a APS, que pode ser mais universalizada, baseada na lógica da
igualdade de direitos, ou focalizada, com ênfase em populações ou grupos específicos. O
escopo da prestação de serviços tem a ver com o caráter da APS, que pode ser abrangente,
quando situada em uma perspectiva de organização do sistema, envolvendo uma ampla gama
de ações e a garantia de continuidade do cuidado; ou mais restrito, quando compreendida
como conjunto circunscrito de intervenções básicas. Já o papel do Estado e do mercado tem
relação com o caráter mais ou menos mercantil da APS, no sentido das responsabilidades de
financiamento e provisão de serviços. A Figura 1.1 sistematiza esses três aspectos da análise
das relações entre a concepção de APS e o caráter da proteção social em saúde.
Figura 1.1 – Síntese do modelo de análise referente às relações entre concepção de APS e a
proteção social em saúde.
PARA QUEM?
(universal ou focalizado)
O QUE?
(caráter abrangente ou restrito)
COMO?
(relações entre setor público e privado)
21
1.2 . Referencial Técnico e Estratégias Metodológicas
Para a coleta de dados foram utilizadas exclusivamente fontes secundárias, tais como a
pesquisa bibliográfica e a análise documentaliv. A pesquisa bibliográfica consistiu num
inventário e uma seleção bibliográfica nas fontes de informações disponíveis. Realizou-se um
levantamento nas bases de dados disponíveis para acesso online, como Scielo (Scientific
Electronic Library Online), Portal de Periódicos CAPES e BIREME, a partir dos descritores:
Atenção Primária em Saúde, Proteção Social, Agências Internacionais, Organização PanAmericana da Saúde e Renovação da Atenção Primária. Cabe assinalar que uma das
dificuldades encontradas foi localizar textos que discutissem a atuação recente da OPAS em
geral e particularmente no que se refere à APS.
Os documentos utilizados nesse estudo são de domínio público, produzidos pela
OPAS e disponíveis no sítio oficial da organização na internet. Os critérios para a seleção dos
documentos produzidos nos anos 2000 foram os listados como “documentos essenciais” da
OPAS e os documentos sobre o tema da APS voltados para o conjunto dos países da região
das Américas/países latino-americanos ou para grupos expressivos desses países. Foram
particularmente valorizados na análise os documentos que tratam do movimento de
“Renovação da Atenção Primária em Saúde nas Américas”, incluindo declarações, atas de
reuniões, comunicados oficiais e os documentos principais da série, que são cinco:
1.
Documento de Posicionamento – “A renovação da atenção primária em saúde
nas Américas”, publicado em 2007;
2.
Documento no. 1- “Estratégias para o desenvolvimento de equipes de atenção
primária em saúde”, publicado em 2009;
3.
Documento no. 2 – “A formação em medicina orientada para a atenção primária
em saúde”, publicado em 2008;
4.
Documento no. 3 – “O credenciamento de programas de formação médica e
orientação à atenção primária em saúde”, publicado em 2010;
5.
Documento no. 4 – “Redes integradas de serviços de saúde: conceito, opções
políticas e roteiro para sua implantação nas Américas”, publicado em 2010.
iv
No campo metodológico a análise documental pode ser dividida duas fases: análise preliminar e a análise. A
análise preliminar consiste no exame e crítica ao documento. A fase de análise é a reunião das partes, que
considera os elementos da problemática ou quadro teórico, contexto, autores, interesses, confiabilidade, natureza
do texto e conceitos-chave. Através de mecanismos de indução e dedução o pesquisador busca reconstruir o
documento com vistas a responder seu questionamento (CELLARD, 2008).
22
Selecionaram-se para análise quatro entre os cinco documentos acima. O documento
que trata do credenciamento de faculdades de medicina não foi analisado, por tratar de um
tema muito especifico que foge ao escopo deste estudo.
Os procedimentos de análise documental consistiram no exame e crítica dos
documentos selecionados. Realizou-se uma caracterização geral dos documentos a partir dos
critérios: momento de produção, identificação dos autores, natureza e propósitos do texto, ou
seja, a quem e a que se destinam.
A seguir, os documentos foram analisados a partir das questões e das categorias de
análise definidas na pesquisa. Como referencial técnico, foram utilizados os seguintes
elementos apreendidos da “Nova Retórica” de Perelmanv: o contexto, o auditório e os
principais argumentos contidos em cada documento.
Para o autor a retórica representa "o estudo dos meios de argumentação, não
pertencentes à lógica formal, que permitem obter ou aumentar a adesão de outrem às teses que
se lhes propõem ao seu assentimento”. (PERELMAN, C.; OLBRESCHTS-TYTECA, p. 57,
2000). Ou seja, a retórica apresenta-se como um instrumental analítico que permite identificar
argumentos e técnicas de persuasão utilizadas num dado auditório de interesse do interlocutor.
Os autores completam esta definição incluindo quatro observações que permitiriam
precisar-lhe o alcance: 1) a retórica procura persuadir por meio do discurso; 2) crítica à lógica
formal, considerando que uma palavra pode ser tomada em vários sentidos; 3) a adesão de
uma tese pode ter intensidade variável; 4) a retórica distingue-se da lógica formal das ciências
positivistas, pois afirma que a adesão é sempre uma ação de um ou mais espíritos aos quais
nos dirigimos, ou seja, um auditório.
Assim, a abordagem da “Nova Retórica” apresentada por Perelman, C.; OlbreschtsTyteca (2000) defende que o discurso de um autor envolveria um conjunto de argumentos que
se pressupõem como verdadeiros e voltados a um determinado auditório. Assim, o exercício
da retórica consiste em argumentar a favor ou contra uma determinada tese e, assim, afirmá-la
ou negá-la.
Em seu estudo, Matta (2005) complementa que as premissas não necessariamente
correspondem às crenças defendidas pelo orador, visto que essas podem ter sido por ele
adotadas tão somente como parte da estratégia de persuasão frente a um auditório particular
ao qual não pertence. Nesse sentido, identificar as premissas de certo discurso não equivale a
identificar as crenças e valores defendidos por quem elaborou o discurso.
v
O uso retórico- metodológico foi aplicado em dois estudos anteriores para análise de agências internacionais,
realizados por Mattos (2000) e Matta (2005).
23
A meta da retórica é produzir ou aumentar a adesão de um determinado auditório a
certas teses e seu ponto inicial é a adesão de um determinado auditório a outras teses. Assim,
para que a retórica possa se desenvolver é necessário o orador valorizar a adesão alheia e que
aquele que desenvolve sua tese queira conquistar uma comunidade.
Uma vez que visa a adesão a argumentação retórica depende essencialmente do
auditório a que se dirige, pois argumentos aceitos por um determinado auditório podem ser
recusado por outros. Assim, o autor destaca a noção de auditório como central na retórica,
pois um discurso só pode ser eficaz se adaptado ao auditório que ser quer persuadir ou
convencer. O auditório tem como característica ser particular, ou seja, ser diferente em razão
de suas competências, crenças, emoções ou pontos de vista. vi
O conhecimento do auditório é vital para o sucesso da argumentação. Quanto melhor
se conhece o auditório, maior é o número de acordos prévios que se tem à disposição,
portanto, melhor fundamentada será a argumentação. Na hipótese de um auditório
heterogêneo, o orador pode fundamentar seu discurso em teses geralmente admitidas, em
opiniões comuns, naquelas decorrentes do senso comum.
A nova retórica considera que os argumentos podem se dirigir a auditórios diversos,
assim os argumentos utilizados objetivam influenciar e persuadir, para tal, utiliza-se da
linguagem comum ou da linguagem comum adaptada conforme as circunstâncias. É um
discurso não especializado por excelência. A argumentação não visa a adesão a uma tese
exclusivamente pelo fato desta ser verdadeira, mas por fazê-la parecer mais equitativa, mais
oportuna, útil, razoável e adaptada à situação (PERELMAN, C.; OLBRESCHTS-TYTECA,
2000).
Assim, a ferramenta retórica é útil para identificar a partir de que argumentos e
técnicas de persuasão se constroem os discursos e propostas da OPAS acerca da APS, bem
como as técnicas para adesão de um dado auditório, construídas a partir de certo contexto, que
compreende um determinado momento histórico do ponto de vista dos autores.
Em síntese, neste trabalho a abordagem de análise da retórica foi utilizada para a
identificação do contexto de formulação dos documentos, dos auditórios a que se destinam e
dos principais argumentos da OPAS relativos à relevância da APS para os sistemas de saúde.
Além disso, os argumentos e propostas foram analisados à luz das questões e categorias de
vi
Perelman, C.; Olbreschts-Tyteca (2000) destaca dois tipos de auditório, o universal e o particular. O auditório
universal é constituído por cada qual a partir do que sabe de seus semelhantes, de modo a transcender as poucas
oposições de que se tem consciência. Por outro lado, o auditório particular possui premissas que influenciam
numa maior ou menor aceitação dos argumentos apresentados ao público em questão. É em um auditório
particular, ou especializado, onde se encontram os grandes embates sobre a formação dos consensos científicos.
24
análise previamente apresentadas, relacionadas às concepções de APS e suas implicações para
a proteção social em saúde.
25
CAPÍTULO 2 - PROTEÇÃO SOCIAL, POLÍTICAS DE SAÚDE E
ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE
2.1. Considerações sobre a Proteção Social
O termo “proteção social” inclui instituições e práticas distintas e que englobam em si
uma imensa complexidade. Esse capítulo destina-se a uma discussão teórico-conceitual sobre
proteção social e como as políticas de saúde a integram. Posteriormente discutem-se as
relações entre proteção social e atenção primária em saúde, a partir da abordagem das tensões
entre enfoques distintos de APS - universal e abrangente versus focalizada e restrita - com
destaque para o papel exercido pelas agências internacionais.
As políticas públicas são definidas como um conjunto de disposições, medidas e
procedimentos que traduzem a orientação de um Estado e regulam as atividades
governamentais relacionadas ao interesse público. Variam de acordo com o grau de
desenvolvimento econômico, o regime social, os governos, o tipo de Estado e o nível de
atuação dos diferentes grupos sociais: os partidos políticos, sindicatos, associações de classe e
outras formas de organização política da sociedade (BOBBIO; MATTEUCI; PASQUINO,
2000). As políticas públicas englobam ações de âmbito coletivo e individual, sendo as
políticas sociais uma interface das políticas públicasvii.
As políticas sociais a partir do século XIX originaram os modernos sistemas de
proteção social, fruto do equilíbrio e/ou desequilíbrio na relação sociedade, mercado e Estado,
que visam minimizar riscos e vulnerabilidades consequentes dos ciclos da vida humana e das
desigualdades intrínsecas ao modo de produção capitalista. Fleury e Ouverney (2007)
conceituam a política social como uma ação de proteção social, que compreende relações,
processos, atividades e instrumentos que visam a desenvolver as responsabilidades públicas
(estatais ou não) para a promoção da seguridade social e do bem estar. Portanto, a política
social é multifacetada, porque inclui ações intervencionistas na forma de distribuição de
vii
Existe uma série de correntes políticas e sociológicas que teorizam acerca da natureza do Estado. Todavia essa
discussão não será foco deste estudo. Adota-se neste trabalho o conceito de Estado Contemporâneo de Bobbio
et.al (2000) que considera ser necessário conjugar dois elementos: o Estado de direito que em síntese expressa os
avanços das revoluções democráticas e que instituem que os poderes públicos são regidos por normas gerais e
devem ser exercidos no âmbito das leis que os regulam. E o Estado social que indica a necessidade de
organização e participação da sociedade no poder político e no uso das riquezas socialmente produzidas, na
disputa pelo poder entre interesses sociais conflitantes.
26
recursos e oportunidades, promoção de direitos e afirmação de valores humanitários que
devem orientar a organização da sociedade.
Quanto ao conceito de proteção social, Viana e Levcovitz (2005) definem:
A proteção social consiste na ação coletiva de proteger indivíduos contra riscos
inerentes a vida humana e/ou assistir necessidades geradas em diferentes modelos
históricos e relacionados a múltiplas situações de dependência. Os sistemas de
proteção social têm origem na necessidade imperativa de neutralizar ou reduzir o
impacto sobre o individuo e a sociedade. Pode-se, portanto, afirmar que a formação
de sistemas de proteção social resulta da ação pública que visa resguardar a
sociedade de efeitos dos riscos clássicos: doença, velhice, invalidez, desemprego e
exclusão (por renda, raça, gênero, etnia, cultura etc). (VIANA; LEVCOVITZ,
2005, p. 17)
Os autores complementam que as ações constituintes da proteção social podem ser
agrupadas em três modalidades: assistência social (bens e recursos para camadas específicas
da população, com ações do tipo focalizadas, residuais e seletivas); seguro social (benefícios
por categoria profissional); e seguridade social (benefícios, ações e serviços para todos dentro
de uma unidade territorial).
Tradicionalmente as políticas sociais abrangem as áreas da saúde, previdência e
assistência social, assim como educação, habitação entre outras que são os campos clássicos
do bem-estar social. Cada uma delas está voltada para proteção coletiva contra riscos
específicos e, portanto, possui singularidades de elaboração, organização e implementação
(FLEURY; OUVERNEY, 2009).viii
Para Machado (2005), as diferentes conformações e articulações entre variáveis
econômicas, políticas, institucionais e sócio-culturais influenciam e dão o tom na construção
da política social de uma nação. Sendo assim, a autora destaca algumas variáveis importantes
na conformação dos sistemas nacionais de proteção social, como os distintos momentos do
capitalismo e da industrialização, as influências do contexto geopolítico mundial, a correlação
de forças entre os diferentes grupos de pressão, o grau de “desmercantilização” das relações
entre Estado, famílias e mercado e modos de estratificações ou solidariedade social.
viii
Segundo Fleury (2001) pode-se caracterizar cinco grupamentos de definições que tem relação com as
vantagens e limitações da abordagem social. Assim as ‘conceituações finalísticas’ enfatizam que as políticas
sociais devem ter como objetivo a melhoria das condições de vida. As ‘conceituações setoriais’ caracterizam-se
pelo recorte de programas e projetos em setores sociais, que apesar de terem um campo de atuação demarcado
não reconhecem a necessidade da intersetorialidade. As ‘conceituações funcionais’ chamam atenção para os
efeitos das políticas sociais, contudo dificultam o reconhecimento de suas contradições. As ‘conceituações
operacionais’ ressaltam os instrumentos e mecanismos para organizar a ação política para enfrentar problemas
prioritários, entretanto sua limitação é que possui aspecto essencialmente técnico. Por fim, as ‘conceituações
relacionadas’ que percebem a política social como produto das relações entre os diferentes atores e das relações
de poder.
27
Os primórdios dos modernos sistemas de proteção social datam do século XIX, da
relação entre capitalismo nascente, luta de classes e intervenção estatal. Naquele momento, o
capitalismo se fortalece a partir da exploração do trabalhador, fundada na mais-valia absoluta,
na intensa jornada de trabalho e no trabalho de crianças, mulheres e idosos. Nesse contexto,
acirra-se a luta de classes, expondo a questão social, por meio de greves e manifestações em
torno da jornada de trabalho e da garantia de condições mínimas de subsistência. Nesse
sentido, a legislação fabril pode ser compreendida como precursora do papel que caberá ao
Estado no século XX, na regulamentação de políticas sociais (BEHRING, 1998). ix
O surgimento das políticas sociais pelo mundo foi gradual e diferenciado entre os
países. Fiori (1997) destaca que os primórdios da proteção social configuraram-se por meio da
Lei dos Pobres na Inglaterra (1834). Para o autor essa é uma das primeiras incursões do
Estado moderno no campo da saúde. Mediante essa edição, o Estado provia esses indivíduos
por considerá-los tendencialmente perigosos para a ordem e higiene públicas.
Na Alemanha, a partir de 1883, começou-se a desenhar as origens das políticas sociais
norteadas pela lógica do seguro social. Num cenário político orientado pela social democracia
alemã no parlamento e na direção dos processos de luta da classe trabalhadora houve o
reconhecimento de que eram necessárias medidas de amparo para aqueles que não tinham
inserção no mercado de trabalho (idosos, enfermos e desempregados), ampliando-se a visão
de benefícios apenas aos miseráveis (BEHRING e BOSCHETTI, 2009).
Nessa perspectiva foi implantado o seguro social, que a princípio era uma espécie de
solidariedade de classe para minimizar as desigualdades sociais, pois os trabalhadores
cotizavam voluntariamente para organizar caixas de poupança e previdência. Em 1883, o
chanceler Otto Von Bismarck instituiu o seguro saúde nacional obrigatório, um mecanismo de
prestação de renda em momentos de perda da capacidade de trabalho para determinadas
categorias profissionais, mais relevantes no processo produtivo (BEHRING e BOSCHETTI,
2009).
O modelo bismarckiano é caracterizado por Pierson (1991) como um modelo de
seguro social com lógica semelhante a seguros privados, pois é dependente de contribuição
compulsória e por vezes excludente. Além disso, o financiamento é realizado basicamente por
ix
Com o desenvolvimento capitalista a força de trabalho passa a ser uma mercadoria de troca a ser vendida pelo
trabalhador e comprada pelo empregador. A partir daí configura-se uma correlação entre força de trabalho,
processo produtivo, luta social e intervenção estatal. Com isso, a partir do século XIX assumem-se
responsabilidades sociais, dentre elas, a saúde como um bem coletivo e de interesse público, ampliando a
abrangência do Estado nesse campo. Assim, o Estado não seria obrigado a atuar apenas em problemas coletivos,
mas também individuais (BEHRING; BOSCHETTI, 2009).
28
empregados e empregadores, com gestão estatal ou privada. Entre 1883 e 1914 todos os
países europeus possuíam algum tipo de sistema de compensação de renda para trabalhadores
fora do mercado de trabalho. No mesmo período onze dos treze países europeus da época
introduziram seguro saúde e nove legislaram sobre pensões para idosos.
A lógica da proteção social por meio do seguro social ganhou espaço na Europa
Ocidental. Deste modo no início do século XX, muitos países europeus já possuíam algum
tipo de seguro compulsório contra doença, alguma forma de aposentadoria contributiva,
planos para acidentes de trabalho e seguro desemprego obrigatórios. Todavia nenhuma dessas
modalidades tinha caráter universal e em sua maior parte estavam condicionadas à capacidade
contributiva dos indivíduos (BEHRING e BOSCHETTI, 2009).
Os países mais ricos da Europa adotaram diferentes mecanismos para assegurar
direitos sociais. As políticas sociais tinham diversas configurações no que se refere à
cobertura de benefício, prestação de serviços e financiamento. O Tratado de Versalhes, no
final da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), favoreceu a expansão de direitos trabalhistas
e previdenciários (FALEIROS, 2006).
Outro marco do desenvolvimento das políticas sociais nos países centrais aconteceu na
Suécia em 1938. Em Saltsjobaden foi feito um acordo entre trabalhadores, patronato e Estado,
para garantir cooperação de classes para o crescimento econômico e a justiça social, com
ênfase na política do pleno emprego. Serviços básicos como saúde, serviços sociais e
benefícios da assistência social passaram a ser financiados por um fundo público,
configurando o modelo social democrata (FALEIROS, 2008). Nos Estados Unidos, os
seguros sociais para desemprego e velhice datam de 1935 e foram introduzidos em meio à
primeira grande crise capitalista iniciada em 1929 (FALEIROS, 2006).
Em 1942 foi apresentado, na Inglaterra, o Relatório Beveridge. O documento
propunha um sistema de segurança social do nascimento à morte. Esse relatório foi posterior a
vários outros relatórios e leis que estabeleciam as antigas “Poor Law”. Supunha-se que as
crises econômicas seriam superadas com o estabelecimento do pleno emprego (pouco
desemprego) e a formação de um complexo sistema de proteção social na ausência do salário.
Esse ficou conhecido como o modelo beveridgiano de seguridade social.
O Plano Beveridge incorporava um conceito mais ampliado de proteção social
baseado na seguridade socialx e propunha a responsabilidade estatal na manutenção das
x
O modelo de seguridade social preconiza que os direitos devem ser universais e destinados a todas as pessoas
incondicionalmente, mas garantindo-se os mínimos sociais a todas em condição de necessidade, inclusive os não
contribuintes. O financiamento provém prioritariamente de impostos fiscais e a gestão é pública e estatal. Possui
29
condições de vida das pessoas, por meio de três ações: regulação da economia a fim de manter
a empregabilidade, prestação pública de serviços sociais (educação, habitação, saúde e
segurança social) e um conjunto de serviços sociais universais, por meio da implantação de
uma rede de “segurança social” (BEHRING e BOSCHETTI, 2009).
Mas foi após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) que os sistemas de proteção
social se consolidaram em diversos países. Nesse período um marco importante no contexto
das políticas sociais foi a Conferência de Bretton Woods, uma estratégia para reconstrução do
capitalismo mundial e instituição de uma nova ordem econômica. A partir de rearranjos
políticos, econômicos e sociais foram criados novos organismos internacionais (MATTOS,
2001).
Deste modo, segundo Pochmann (2004), a evolução das políticas sociais no inicio do
século XX encontraria dois caminhos distintos: o dos estados operários com a instituição do
socialismo real a partir da Revolução Russa de 1917 e o das reformas social-democratas que
constituíram o chamado Estado de Bem Estar Social ou Welfare State, uma experiência das
economias centrais do capitalismo. Nas economias periféricas as reformas social-democratas
tiveram menor expressão, produzindo graus diferentes de proteção social.
Segundo Viana e Levcovitz (2005) o Welfare State é um modelo específico de
intervenção estatal na área social possível num dado momento do desenvolvimento
capitalista. Esping-Andersen (1991) refere que o Welfare State não pode ser compreendido
apenas em termos de direitos e garantias. É preciso considerar que é uma maneira das
atividades estatais se entrelaçarem com o mercado, a sociedade e as famílias em termos de
proteção social. Um dos aspectos mais marcantes da proteção social desenvolvida no Welfare
State foi o considerável crescimento do gasto público em saúde nos países centrais.
As análises de Fiori (1997) e Pochmann (2004) permitem identificar quatro grandes
pilares sobre os quais se assentaram o Welfare State. O primeiro pilar é da economia política,
que incluiu a antipatia a ideias liberais após a crise mundial de 1929, o estímulo ao consumo
em massa, o consenso da necessidade de pleno emprego, o pacto social em torno das políticas
keynesianas, o crescimento econômico e a ascensão e consolidação da social democracia. O
segundo pilar seria o ambiente econômico internacional criado a partir do acordo de Bretton
Woods que permitiu uma coalizão de forças. O terceiro seria a necessidade de construção de
como princípios a unificação institucional e uniformização de benefícios. No modelo brasileiro a Seguridade
Social inclui: previdência condicionada à contribuição prévia, saúde universalizada e assistência social não
contributiva destinada a grupos vulneráveis (VIANNA, 1999).
30
uma “solidariedade nacional” socialmente orientada tanto para os governos conservadores,
social-democratas e liberais com vistas ao isolamento da influência socialista gerada pelo
quadro geopolítico do período pós segunda guerra mundial. E por fim, o quarto se expressaria
pelo avanço das democracias partidárias e de massas que permitiu que a concorrência eleitoral
elevasse o peso das reivindicações dos trabalhadores, por meio dos seus sindicatos e partidos,
além de possibilitar a chegada de representantes operários ao Legislativo e posteriormente dos
partidos de base operária ao Executivo.xi
O estudo de Arretche (1995) destaca que fatores econômicos e políticos estão
relacionados à emergência e desenvolvimento do Welfare State. Os argumentos de ordem
predominantemente econômica são dois. O primeiro apresenta o Welfare State como
desdobramento necessário às mudanças sociais impostas pela industrialização, tanto na vida
social quanto nas formas de intervenção do Estado, o qual passa a ter que garantir padrões
mínimos sociais assegurados como um direito político. O segundo é uma visão de Welfare
State como resposta às necessidades de acumulação e legitimação do sistema capitalista e de
harmonização de tensões sociais.
Os fatores preponderantes de ordem política para a emergência e o desenvolvimento
do Welfare State incluem: a ampliação progressiva de direitos, a realização de um pacto entre
capital e trabalho organizado, a capacidade de mobilização e organização dos trabalhadores
no interior de diferentes matizes de poder (Estado, sociedade, partidos, sindicatos) e as
configurações de um dado momento histórico do desenvolvimento capitalista com
características peculiares no que se refere a respostas às pressões sociais e capacidade
institucional (burocracias públicas, capacidades estatais e recursos disponíveis) (ARRETCHE,
1995).
Dentre as inúmeras teorias explicativas dos tipos de Welfare State, dois modelos são
tradicionalmente utilizados na literatura: o proposto por Titmuss (1974) e, posteriormente, o
sugerido por Esping-Andersen (1991). Titmuss (1974) (apud Draibe (1989)) descreve a
tipologia de Welfare State a partir da relação Estado-Mercado no campo social, ou seja, o
Estado intervém na economia de modo a corrigir “distorções” geradas pelo modo de produção
capitalista por meio da introdução de mecanismos de complementação, substituição e
redistribuição de renda. Assim o autor identifica três tipos de Welfare State:
xi
Os Welfare States representam uma experiência até então inédita em termos de proteção social e trabalhista.
Para tal coube ao Estado um papel singular no que se refere ao processo de expansão da produção e economia
associado ao enfrentamento de desigualdades geradas pelas sociedades capitalistas. Portanto, a partir de uma
necessidade do modo de produção capitalista e ainda da crescente politização da classe trabalhadora e da vida
social, nas três décadas após a 2ª Guerra Mundial o Welfare State cumpriu um papel fundamental no
enfrentamento da pobreza, do desemprego e das desigualdades nos países centrais (POCHMANN, 2004).
31
a. Welfare State Residual: caracterizado por uma política seletiva e focalizado nos
mais pobres, com forte caráter assistencialista, pela baixa participação do Estado no
financiamento e pelo reduzido número de riscos cobertos. Atua com base em canais privados
(mercado e famílias). Característico dos Estados Unidos da América.
b. Welfare State Meritocrático Particularista: a ação social intervém parcialmente para
corrigir ações do mercado. Um dos critérios de elegibilidade é a participação do indivíduo na
construção do sistema, que contribui diretamente para a sustentação das políticas. Tende a
reforçar as desigualdades preexistentes, tendo em vista que indivíduos com maiores
dificuldades para satisfazer as suas necessidades, são também indivíduos com menor
capacidade para contribuir para o seguro social. Pode ser mais corporativo (o princípio
estruturante é a posição do indivíduo no mercado de trabalho, por isso é baseado no mérito,
no desempenho individual, na produtividade e na força dos sindicatos) ou clientelista (cujo
principio estruturante é a autocracia, as relações de poder entre provedores e beneficiários
com forte deslocamento das relações de poder para o sistema eleitoral). Os sistemas de
proteção social construidos pelos países latino-americanos aproximam-se desse tipo.
c. Welfare Institucional Redistributivo: caracterizado por uma política que tende à
redistribuição de renda, ao universalismo e à igualdade de direitos, devido a sua ampla
cobertura. As políticas de bem estar são percebidas como importantes instituições sociais e
esse tipo de Estado apoia-se no conceito de justiça social. Os países escandinavos se
enquadram nesse tipo.
Posteriormente Draibe (2007) propõem o acréscimo de um quarto tipo com base nas
relações familiares e de gênero nas sociedades, o “familismo”, tipo necessário para a
compreensão do Welfare State desenvolvido, principalmente nas sociedades orientais, onde a
família e as mulheres desempenham um papel preponderante.
Para Esping Andersen (1991) há três tipos possíveis de Welfare State, que podem ser
classificados de acordo com o regime político- partidário, englobando:
a. Welfare State Liberal: predomina a proteção social assistencialista e focalizada nos
mais pobres para garantir os mínimos necessários, com reduzidas ações de âmbito mais
abrangente e universalista. Esse tipo inclui regimes típicos dos Estados Unidos, Canadá e
Austrália.
b. Welfare State Conservador: apoia-se num um legado do corporativismo estatal
como mecanismo de concessão de direitos sociais e manutenção do status quo. Agrupa nações
como Áustria, França, Alemanha e Itália.
32
c. Welfare State Social-Democrata: busca a garantia de direitos que tendem a ser
universais, almeja promover melhores padrões de qualidade de vida, mas não supera as
desigualdades. Regime característico de países nórdicos.
Embora estas sejam tipologias clássicas, a generalização de medidas e política social
no Welfare State apresentará variações quanto à cobertura (mais ou menos universal), a
prestação de serviços e o padrão de financiamento (redistributivo e/ou contributivo), o grau de
participação do Estado e a amplitude dos riscos cobertos (ESPING - ANDERSEN, 1991).
Faleiros (2006) destaca que o Welfare State foi um modelo de intervenção estatal no
setor social característico dos países capitalistas centrais. Os países periféricos não
experimentaram a existência do Welfare State pleno, devido às profundas desigualdades de
classes e a fragilidade para se implantar políticas efetivamente universais. Na América Latina,
cada país construiu seu modelo de proteção social. Hoje se pode dizer que todos os países
possuem sistemas de proteção social, contudo com limitações, como a ênfase nas políticas
corporativas e nos programas de assistência à população mais pobre. Por vezes, o acesso é
dificultado por critérios governamentais, clientelistas e de favoritismo político. Ou seja, não
se trata de um direito inviolável e nem da constituição de sistemas de bem estar público de
acesso universal.
Pelo motivo acima e ainda por se tratar de um modelo de proteção social característico
dos países centrais, os países latino-americanos em particular não se enquadram
completamente nessas tipologias. Contudo, ao longo do século XX, vários países latinoamericanos parecem ter constituídos sistemas de proteção social do tipo meritocrático –
particularista com características corporativistas e assistencialistas. Tais sistemas foram
designados por Draibe (1997) como “imperfeitos” e “deformados” devido a fatores estruturais
relacionados à desigualdade social nesses países e fatores institucionais e organizacionais tais
como: alto grau de centralização, frágil capacidade regulatória do Estado, corporativismo de
grupos profissionais e uma espécie de assistencialismo liberal marcado por um financiamento
regressivo e não redistributivo que favorece manipulações clientelistas e a manutenção das
desigualdades e da pobreza.
Fleury (2001) refere que no contexto da América Latina as instituições de proteção
social foram fundamentais na “arte de governar”, pois mais do que expandir uma cultura
cívica objetivaram estabelecer um importante canal de apoio e legitimação de governos
populistas junto à classe trabalhadora.
Fiori (1997) identifica alguns elementos nos países latino-americanos que tornaram os
ideais do Welfare State refratários às realidades locais: 1) diferenças materiais e econômicas
33
entre as políticas keynesianas e suas congêneres desenvolvimentistas; 2) a localização desses
países na ordem política e econômica mundial, principalmente a partir dos desdobramentos do
pós Segunda Guerra Mundial; 3) a predominância de governos autoritários e reacionários no
contexto dos países latinos americanos.
A partir da década de 1970 emerge no contexto internacional um debate acerca da
governabilidade dos Estados. Segundo conservadores havia um excesso de demandas
democráticas com custos crescentes que inclusive influenciaria na crise econômica mundial a
partir de 1973/75xii. Por outro lado, por parte da esquerda havia um incômodo acerca do
aprofundamento da “democracia participativa” como elemento para cooptação e imobilização
da classe trabalhadora. Desse modo idéias neoconservadoras com forte cunho neoliberal se
disseminaram pelo mundo (FIORI, 1997).
A partir de uma revisão de literatura sobre as tendências de reformas do Welfare State,
Machado (2005) identificou três diferentes correntes explicativas sobre as diferentes respostas
dos países às pressões por mudanças na modelo de intervenção estatal. A primeira corrente, a
economia política, destaca que países com modelos de proteção social do tipo “social
democrata” ou “universalista puro” teriam mais capacidade para se ajustar as transformações,
devido a um maior equilíbrio entre Estado, sociedade e mercado que os tornaria refratários a
políticas sociais focalizadas e restritas. Já países com modelos de proteção social do tipo
“liberal” ou “corporativo-ocupacional” estariam mais vulneráveis à seletividade, devido à
conjuntura de baixo crescimento econômico e redução de emprego. Um segundo campo de
análise destacado pela autora é o de cunho institucionalista, que destaca a capacidade de
resistência dos sistemas de proteção social abrangentes, devido a duas razões principais: o
grau de apoio popular e a robustez institucional. Uma terceira corrente de estudos explica as
diferentes respostas com foco na política propriamente dita e no papel das lideranças. As
mudanças advindas de reformas, que são vistas como fruto de várias dimensões que incluem
ideias, interesses e escolhas dos atores envolvidos, com isso, não são explicadas apenas pela
economia ou ainda pela institucionalização (MACHADO, 2005).
Deste modo, as reformas neoliberais adquiram várias formas e matizes, entretanto
algumas proposições foram muito presentes: 1) um Estado forte para romper o poder dos
xii
A crise capitalista dos anos 70 foi impulsionada pelo o aumento do preço do petróleo, a revolução tecnológica,
a internet, o fim da guerra fria e a hegemonia liberal dos Estados Unidos da América influenciaram as empresas
buscarem mecanismos de estruturação globais para serem competitivas. Com isso, houve pressões para a
redução da soberania dos Estados. Principalmente nos países periféricos os sistemas de proteção social foram
pressionados a mudar pelo processo global de acumulação de capital e por questões internas como o ajuste fiscal,
a busca por lucros e os crescentes índice de desemprego (FALEIROS, 2008).
34
sindicatos e controlar a moeda; 2) um Estado seletivo para os gastos sociais; 3) a busca da
estabilidade monetária como meta suprema; 4) uma forte disciplina orçamentária, com
contenção dos gastos sociais e restauração de uma taxa natural de desemprego; 5) uma
reforma fiscal, favorecendo os setores mais abastados da sociedade; e 6) a fragilização dos
direitos sociais, implicando na quebra da vinculação entre política social e esses direitos.
(BEHRING, 1998).
No ambiente internacional a propagação de ideais neoliberais foi favorecida por um
grupo de elementos no plano econômico, geopolítico e político ideológico. Os elementos
econômicos compreendem: o consenso contrário às políticas keynesianas, a flexibilização da
produção, o aumento do desemprego e o baixo crescimento econômico. O campo geopolítico
envolve: o fim da guerra fria e a formação de blocos regionais. No plano político ideológico,
destaca-se o fim da ameaça socialista, o enfraquecimento dos sindicatos e partidos
relacionados ao mundo do trabalho, a fragmentação da classe trabalhadora e o recuo nos
ideais sociais democratas. Para o autor o centro da crise do Welfare State esteve no processo
econômico da globalização (FIORI, 1997). xiii
Draibe (1993) identificou dois momentos da implementação da agenda neoliberal. Um
primeiro momento embasou-se em recomendações para superar a crise por meio da negação
de princípios sociais democratas e socialistas de regulação econômico-social. Houve um
redirecionamento das políticas sociais caracterizado por: redução do gasto social,
subfinanciamento e desativação de políticas e programas sociais, negação da universalidade,
ênfase em programas assistencialistas e imobilização de sindicatos e movimentos organizados
da sociedade.
Após os anos 90, configura-se um segundo momento de redirecionamento dos gastos
sociais para a eliminação da pobreza e busca de equidade, que inclui razões de ordem
econômica, ao compreender medidas que capacitem setores destituídos a produzir e adquirir
bens de consumo e serviços básicos. Além disso, esse momento envolve razões políticas que
garantam estabilidade social evitando tensões sociais e razões sociais de ampliação de
benefícios e direitos (DRAIBE, 1993).
Na América Latina, a agenda neoliberal para os programas sociais chega em meio a
um período de redemocratização, luta social pelo fim dos regimes ditatoriais e ampliação de
xiii
Os impactos da globalização para o avanço do neoliberalismo podem ser exemplificados por medidas como:
reestruturação produtiva e ocupacional, migrações populacionais, competição global e sistêmica inaugurada pela
desregulamentação dos mercados, aumento nos índices de desemprego estrutural, o que afeta as contribuições
sociais, aumento do corporativismo e redução da ação estatal (FIORI, 1997).
35
direitos políticos e sociais. Draibe (1993) identifica elementos em comum na implementação
da agenda neoliberal na America Latina, dentre os quais: a ênfase em benefícios de renda
mínima, a descentralização, a focalização e a privatização.
As políticas de renda mínima são caracterizadas pela alocação direta de recursos em
dinheiro para os beneficiários. A descentralização é adotada para aumentar a eficiência e
eficácia do gasto social e a interação de gastos governamentais e não governamentais para o
financiamento das áreas sociais. A focalização valoriza o enfoque seletivo e emergencial de
destinação de recursos sociais. Já a privatização pode ser identificada por elementos como: a
transferência e venda de estabelecimentos e serviços públicos para o setor privado; a
desobrigação governamental por atividades públicas conduzindo a demanda para o setor
privado; o financiamento público para setor privado; e desregulação e/ou desregulamentação
do monopólio governamental para permitir a entrada do setor privado (DRAIBE, 1993).
Com a preocupação de conter gastos e reduzir custos, foram criados mecanismos de
barreiras de acesso a benefícios, como a introdução da participação dos usuários no custeio
dos cuidados à saúde e a generalização de programas focados na população pobre. Com o
neoliberalismo, a tradição universalista de diretos sociais intocáveis como saúde, educação,
habitação, previdência e assistência social perde espaços para o enfoque focalizado e restrito.
O papel do Estado passa de promotor de políticas universalistas para financiador de políticas e
programas públicos de assistência aos mais pobres. Aos demais se garante a abertura do
mercado para compra de serviços e bens sociais no setor privado.
Fausto (2005) refere que o modelo político-econômico neoliberal trouxe repercussões
importantes para o desenvolvimento das políticas no âmbito da saúde. Houve inclusive
retrocessos, devido à manutenção e ao aprofundamento das desigualdades sociais, e com isso
piora nas condições de saúde da população. Nota-se o Relatório das Nações Unidas de 2003
(United Nations Development Program- Human Development Report, 2003) que argumenta
que o tipo de ajuda internacional destinada aos países periféricos não foi bem sucedido. De
acordo com o relatório, 54 países estavam mais pobres no início dos anos 2000 do que em
1990 e a expectativa de vida regrediu em 34 países, principalmente na África.
Ou seja, alguns dos países periféricos que foram submetidos aos ajustes neoliberais
propostos pelo FMI e Banco Mundial tiveram piora nas suas condições de saúde com
aumento das desigualdades sociais e exacerbação da pobreza. Fausto (2005) aponta que
problemas da agenda de políticas como pobreza e injustiça social permaneceram como
questões a serem enfrentadas na década de 2000. No caso do setor de saúde, destacam-se
36
problemas como acesso desigual, altos custos da atenção médica especializada e a baixa
eficiência e efetividade dos sistemas nacionais de saúde.
2.2. A Proteção Social na Agenda Recente das Agências Internacionais
As transformações do mundo globalizado trouxeram repercussões para o setor
saúdexiv,xv. Matta (2005) destaca que após a década de 1990, ganha ênfase um campo político
denominado “Saúde Global” que aparece muito mais como “uma nova forma de gerenciar,
negociar e fazer política internacional do que um campo científico, uma nova disciplina”
(MATTA, 2005, p. 64). Tal campo político tem como objetivo relacionar as mudanças do
mundo globalizado e suas influências para a saúde dos povos e do mundo como um todo e
envolveria:
Instituições governamentais como Office of Global Health do Departamento de
Saúde e Serviços Humanos do governo americano; instituições acadêmicas como
a Universidade de Pittsburgh nos Estados Unidos; organizações nãogovernamentais como o Global Health Council; programas de grandes
organizações e corporações econômicas como o Global Health Intiative do Fórum
Econômico Mundial; Programas e Políticas de agências internacionais como a
Organização Mundial da Saúde, o Banco Mundial e a UNICEF (MATTA, 2005,
p. 55).
Apesar de ser um movimento recente e em disputa nas diferentes instituições, algumas
estratégias e propostas seriam comuns entre seus participantes, tais como: o controle de
doenças globais, o controle e a disseminação de hábitos de vida saudável, a atenção aos países
pobres, o desenvolvimento de parcerias entre setor público e privado e as orientações para a
organização dos sistemas de saúde. Tais medidas, segundo seus defensores, seriam capazes de
influir na redução das iniquidades em saúde (MATTA, 2005).
No que concerne à saúde, verifica-se o acirramento das contradições perante o
processo de globalização em curso, no qual o complexo médico-industrial – a indústria
xiv
O termo ‘globalização’ começou a ser difundido durante os anos 80 sugerindo uma a ideia de unificação do
mundo, como resultado dos três processos que marcaram o fim do “breve século XX”: a vitória política do
neoliberalismo, a interrupção da ‘construção nacional’ na periferia do capitalismo, determinado pelo pagamento
da dívida externa e a desintegração da União Soviética. Esses três acontecimentos encerram as três maiores
mudanças históricas do século: a Revolução Socialista Russa, primeira alternativa real ao capitalismo; as
variadas experiências de construção nacional independente dos países do ‘Terceiro Mundo’ e a vitória da
socialdemocracia (HOBSBAWN, 1995).
xv
A globalização é um fenômeno multifacetado, que compreende um processo de “mundialização” da economia,
uma reconfiguração do capitalismo com repercussões políticas, sociais e culturais. A globalização intensificou
fluxos, tornando transnacionais a economia, a indústria, o comércio e a cultura. Também aumentou o fluxo de
pessoas, mercadorias, informações e tecnologias, contudo de maneira desigual, desde a distribuição de riquezas
ao acesso de bens e serviços (LISZT, 1997).
37
farmacêutica, a de equipamentos e a de insumos médicos – destaca-se como um dos mais
ativos polos do capitalismo, pressionando pelo crescimento da saúde como mercadoria e
como setor de realização do lucro (GADELHA, 2003).
Num contexto de internacionalização da economia e implementação de reformas do
Estado, as agências internacionais desempenharam um papel importante na formulação e
proposição de políticas sociais, principalmente para os países periféricos, como na América
Latina. O Quadro 2.1 sistematiza a linha de atuação das principais agências internacionais
para a proteção social no início dos anos 2000.
Quadro 2.1: Princípios éticos e políticos e linhas de ação política das agências internacionais
em relação à proteção social.
Princípios
éticos e
políticos
Igualdade de
oportunidade
inicial
OIT
OPAS
CEPAL
OMS
Educação/
capacitação
e saúde
integral com
busca a
justiça social
Políticas de
transferência
de renda
Banco
Mundial e
BID
Educação/
capacitação
e saúdepromoção,
prevenção e
APS
Políticas de
transferência
de renda
Educação/
capacitação
e saúdepromoção,
prevenção e
APS
Políticas de
transferência
de renda
Educação/
capacitação
e saúde
integral
Políticas
equitativas
em saúde
Educação/
capacitação
e saúdepromoção,
prevenção e
APS
Políticas
sociais
equitativas
Educação/
capacitação e
saúdepromoção,
prevenção e
APS
Políticas
equitativas
e/ou seletivas
em saúde
Segurança
pelo mercado
de trabalho
Política de
emprego
Política de
emprego
Política de
emprego
Não pauta
Política de
emprego
Segurança
pela política
social
Welfare
State
Manejo
social do
risco
Gestão do
risco
Políticas
universais
de saúde
Segurança
política por
programas ex
post
Políticas
focalizadas
Políticas
focalizadas
Políticas
focalizadas
Políticas
focalizadas
Política
universal de
educação e
gestão
pública do
risco
Políticas
focalizadas
Universalismo
Sim
Mix
Mix
Mix
Correção de
desigualdade
ex post
OECD
Não
(Políticas
focalizadas
p/ os mais
destituídos)
Não pauta
Gestão pública
risco
Políticas
focalizadas
Não /
Novo
Universalismo
Fonte: Viana e Levcovitz (2005, p.51) – a partir de livre adaptação de Girotti (2000).
Nota: OECD – Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos; BID – Banco Interamericano de
Desenvolvimento; OIT – Organização Internacional do Trabalho; OPAS – Organização Pan-Americana de
Saúde; CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.
38
De acordo com a sistematização no quadro anterior, destaca-se que o Banco Mundial e
o BID têm posições semelhantes na definição das ações e concepções de proteção social. Para
essas instituições o nível de proteção social está relacionado ao grau de desenvolvimento
econômico e deve incluir ações como: igualdade de oportunidades iniciais, correção de
desigualdades do mercado, segurança via mercado e manejo social de riscos, ou seja, política
social seletiva. Por outro lado, a OECD mesmo sendo uma instituição com foco econômico,
está imbuída da tradição europeia que pouco diferencia suas recomendações pelo grau de
desenvolvimento econômico do país, o que de certa maneira pode ser explicado pela maior
homogeneidade econômica entre os países europeus e por uma tradição mais consolidada no
que diz respeito a políticas sociais mais abrangentes. Suas recomendações são influenciadas
por valores de justiça social para redução de iniquidades e constituição de economias mais
fortes (VIANA; LEVCOVITZ, 2005).
A CEPAL e a OIT destacam-se por proporem a igualdade de oportunidade inicial,
como a segurança para inserção no mercado de trabalho, afirmando a importância de
princípios como igualdade e solidariedade e não-discriminação. Contudo, a CEPAL considera
que a universalidade não se opõe à seletividade, pois este princípio não pode ser financiado
por todos os Estados (VIANA; LEVCOVITZ, 2005).
A OMS afirma que não é possível oferecer serviços de qualidade para todos em função
dos limites financeiros dos Estados, com crescimento de gastos, demandas e expectativas da
população com os sistemas de saúde. O Estado deve fortalecer sua função de regulador e
fomento ao sistema privado por meio de mecanismos de subsidio público e controle de
provedores privados. Essa ideia fica explicitada no conceito de novo universalismo. Por fim, a
OPAS faz a defesa de políticas sociais públicas mais abrangentes que fortaleçam ações
intersetoriais para promoção e proteção da saúde. Contudo, a equidade (cobertura, uso, acesso
e funcionamento) pode se alcançada por meio da provisão pública ou privada (VIANA;
LEVCOVITZ, 2005).
Dessa forma, a CEPAL, a OPAS e a OIT parecem admitir posições mais
intermediárias entre o universalismo “puro” e a responsabilidade individual. Mas, apesar dos
esforços para a sistematização, Viana e Levcovitz (2005) apontam alguns limites nessa
análise. Primeiro porque, embora todas sejam agências internacionais, essas diferem em sua
história, cultura e missão. Em segundo lugar, porque suas posições podem ser mutáveis ao
longo dos anos e de acordo com seus dirigentes; terceiro porque essas visões são levadas a
público por meio de documentos, relatórios e artigos com abordagens metodológicas diversas.
Por último, existem diferenças com relação ao lugar da proteção social. Por exemplo, Banco
39
Mundial, BID e OIT atrelam a proteção social ao nível de desenvolvimento econômico e com
base nessa perspectiva fazem suas recomendações (VIANA; LEVCOVITZ, 2005).
Considerando a especificidade do cenário da América Latina e do Caribe, em 2007 o
BID lançou o documento “Universalismo Básico: Uma Nova Política Social para a América
Latina” no qual a partir da caracterização do histórico da proteção social na America Latina e
no Caribe desenha a proposta do universalismo básico como modelo de proteção social para o
século XXI (FILGUEIRAS, el. al, 2007).
Deste modo, o BID destaca que a região experimentou dois modelos de proteção
social historicamente. Numa primeira etapa marcada economicamente pelo nacional
desenvolvimentismo e a substituição de importações, destacou-se entre os países mais
desenvolvidos da região o modelo de proteção social estratificado com base na inserção no
mercado formal. Ou seja, o modelo do tipo coorporativo, em que as corporações com melhor
inserção no processo produtivo dispunham de melhores bens e serviços. Contudo, a região
historicamente é marcada por índices importantes de desemprego e informalidade, o que gera
um nível importante de ausência de cobertura (FILGUEIRAS, el. al, 2007).
A segunda etapa se inicia com a abertura neoliberal no final dos anos 70, que rompe
com a noção de laços de solidariedade social, fragilizando o conjunto dos trabalhadores,
principalmente os setores excluídos do mercado formal. No período recente as políticas
corporativas perdem espaço, cria-se um novo paradigma para os setores sociais a partir de
reformas privatizantes com base na focalização, na privatização, nas parcerias entre setores
públicos e privados e na descentralização. Com isso, aumentam-se as desigualdades sociais na
América Latina e no Caribe (FILGUEIRAS, el. al, 2007).
Portanto, o histórico caracterizou-se por uma política social pouco efetiva, eficiente,
equitativa e sustentável no contexto latino-americano e caribenho. Assim para reverter tal
situação o BID propõe uma reorientação da política social com base no conceito de
universalismo básico:
El universalismo básico, si bien apunta a promover un conjunto de servicios de
cobertura universal que cumplan con estándares de calidad para todos, se propone
para un conjunto limitado de prestaciones básicas, que incluye las prestaciones
essenciales de derecho universal, que variará de acuerdo con las possibilidades y
definicioes proprias de cada país. Se trata de una propuesta realista que entiende las
limitaciones presupuestarias e institucionales de la región. Implica también un
desafio, pues al proponer servicios básicos de calidade para todos, jalonará, tal y
como ha sucedido históricamente en el contexto mundial, incrementos en los
recursos públicos destinados a los sectores sociales. Asi, sobre las prestaciones
básicas iniciales se irá construyendo una protección social de mayor alcance a
medida que se vaya fortaleciendo la atención y el respaldo social a servicos sociales
de calidad. Para que esto se dé, se requiere fortalecer el manejo eficiente y
40
transparente de los recursos públicos y el uso de mecanismos que permitam ir
resolviendo virtuosamente las tenciones entre demandas sociales y restricciones
fiscales (FILGUEIRA, el. al, p. 21, 2007).
Seguindo a mesma direção a ONU (2011) assume como evidência a estimativa que
atualmente 80% da população mundial não está assegurada por um sistema de proteção social
que lhes permita o acesso a serviços sociais essenciais universais. Para tal, propõe a criação de
um ‘Piso de Proteção Social’ que não parte de um padrão universal de serviços que seriam
garantidos, mas da disponibilidade e oferta de cada país. Assim, o ‘Piso de Proteção Social’
tem relação direta com a capacidade institucional dos países de ofertar serviços de nível
básico de qualidade para toda a população. Destaca que muitos países já estão se adequando a
essa lógica, inclusive por meio dos programas de transferência de renda, com destaque para o
Programa Bolsa Família no Brasil. A equidade surge como pré-condição para a proteção
social e para o desenvolvimento econômico.
A agência parte do pressuposto de que além de ser um direito humano a proteção
social é um investimento econômico. Assim nesse momento da história do capitalismo
mundial (sob efeitos da crise econômica iniciada em 2008)xvi investir em políticas sociais
significa potencializar a retomada do crescimento econômico mundial. Portanto o ‘Piso de
Proteção Social’ deve estar na agenda de desenvolvimento global. Para a ONU, a lógica
parece ser simples: sem um nível básico de investimentos sociais (saúde, educação,
alimentação, etc) os trabalhadores não conseguirão atingir condições bio-psico-sociais para se
tornarem produtivos e ingressar na economia formal, o que em longo prazo trará ônus aos
sistemas de proteção social e ao capital humano (ONU, 2011).
Draibe (2005) refere que as políticas sociais devem estar associadas ao conceito de
desenvolvimento que supõem a indissociabilidade do social e econômico. Para a autora, tal
visão não se contrapõe e nem reduz a importância do crescimento econômico, contudo o
considera um meio necessário e não um fim em si mesmo para alcançar o desenvolvimento.
Deste modo, a política social deve ter como fundamentos: os direitos sociais (produto de
sociedades democráticas, participativas e que respeitam direitos) e a equidade e igualdade
(padrões mínimos que devam ser alcançados por todos). Além disso, deve-se apoiar em
princípios e diretrizes como: a universalidade, a solidariedade e a gestão integrada e eficiente
de programas.
xvi
Assim como no Keynesianismo a política social nesse momento da história do desenvolvimento capitalista
pode constituir-se como uma estratégia anticrise cíclica do capital.
41
O universalismo básico parece ganhar destaque como um dos modelos de proteção
social fomentados pelas agências internacionais nos anos 2000, especialmente para os países
periféricos, o que inclui o conjunto da América Latina e Caribe. Trata-se de um conceito
muito difuso que permite dialogar com um escopo amplo de políticas sociais, desde as mais
seletivas até as mais abrangentes.
2.3. Atenção Primária em Saúde: Aspectos Históricos, Políticos e Conceituais
Parte da discussão sobre a história e as concepções de APS inclui a contextualização
do termo que é utilizado neste estudo. Segundo Fausto (2005), o termo Atenção Primária em
Saúde (APS) pode adquirir diferentes significados para atores, épocas e lugares diferentes,
pois sua conceituação está relacionada a fatores históricos, políticos e econômicos.
Reconhecendo as múltiplas representações do termo, o primeiro desafio para a compreensão
da APS é uma reflexão sobre suas diferentes possibilidades interpretativas.
As ambiguidades terminológicas podem ser identificadas em três sentidos: primária
como porta de entrada de um sistema de saúde e/ou como barreira para os demais níveis de
atenção quando assume uma função de triagem; primária como principal e central, que deve
ser articulada a demais níveis de atenção expressando uma relação de integração e
interdependência; e primária num sentido de básico, e com isso seletivo e excludente de
outros elementos fundamentais ao cuidado (FAUSTO, 2005) xvii.
Vuöri (1985) alerta que é necessário compreender a diversidade de sistemas e serviços
de saúde existentes no mundo. Considerando essa diversidade, o autor elenca quatro enfoques
possíveis sobre a APS: conjunto de práticas de promoção, prevenção e reabilitação; um
primeiro nível ou “porta de entrada” do sistema de saúde; uma estratégia de reorganização do
sistema de saúde com vistas à cobertura universal, distribuição de recursos, acessibilidade,
coordenação entre os diferentes níveis de atenção e colaboração intersetorial; uma filosofia
que envolve o reconhecimento do direito a saúde.
xvii Vários autores tratam indistintamente os termos ‘Atenção Primária em Saúde (APS)’ e ‘Atenção Básica em
Saúde (ABS)’. Contudo o conceito de ABS foi forjado no contexto da reforma sanitária brasileira, que expressa
princípios e diretrizes do SUS. O termo foi usado naquele momento do ponto de vista ideológico como uma
resistência ao termo de APS vinculado pelos organismos internacionais (MATTA e FAUSTO, 2007). A
Atenção Básica é definida pelo Ministério da Saúde (2005) como: um conjunto de ações de saúde no âmbito
individual e coletivo que abrangem a promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico,
tratamento, reabilitação e manutenção da saúde. Nesse estudo será adotado o termo Atenção Primária em Saúde,
por compreender que é o utilizado internacionalmente e, por isso, mais adequado ao objeto de estudo, que é
agenda da Organização Pan-Americana de Saúde.
42
Giovanella e Mendonça (2007) identificam três linhas principais de interpretação da
APS: como um programa focalizado e seletivo, constituído por uma cesta mínima de serviços
de saúde; como um dos níveis de atenção à saúde, que corresponde aos serviços ambulatoriais
e médicos não-especializados, para o primeiro contato com o serviço de saúde; ou de forma
abrangente, como uma concepção de modelo assistencial e de organização do sistema de
saúde.
Starfield (2002) define a APS como a porta de entrada dos sistemas de saúde que deve
se apoiar em valores de universalidade, organização e racionamento do sistema,
acessibilidade, longitudinalidade, integralidade e coordenação da atenção à saúde. Para tal,
define como diretrizes fundamentais da APS: primeiro contato (implica a acessibilidade
sempre que as pessoas buscarem um serviço de saúde); continuidade (existência de uma fonte
regular de atenção à saúde, que exige a delimitação do território); integralidade (as unidades
de APS devem fazer parte de um arranjo de serviços de saúde para que todos os usuários
recebam diferentes tipos de cuidado de acordo com suas necessidades); e coordenação
(significa garantir algum tipo de continuidade do cuidado entre os diferentes níveis de
atenção). Para medir o potencial e o alcance de cada um dos atributos mencionados são
necessários um dos quatro elementos estruturais do sistema de saúde (acessibilidade,
variedade de serviços, população eletiva e continuidade) e dois elementos processuais
(utilização e reconhecimento do problema).
Matta e Morosini (2009) a partir da literatura internacional sistematizaram o seguinte
conceito: a APS é uma estratégia de organização da atenção à saúde e dos sistemas de saúde
orientada para responder de forma regionalizada, permanente e sistematizada a maior parte
das necessidades de saúde de uma determinada população, a partir da integração de ações
preventivas e curativas, bem como a atenção à saúde dos indivíduos e das comunidades.
Algumas peculiaridades da APS podem ser identificadas no que se relaciona à
demanda, processo de trabalho e usuários do serviço, que incluem: a inserção no território que
permite maior conhecimento da realidade; consultas clínicas de caráter preventivo; demanda
pela continuidade do cuidado dos usuários; e vínculo (maior proximidade) entre profissionais
e usuários (STARFIELD, 2002). Contudo, diferentes concepções de APS não são excludentes
e podem coexistir inclusive num mesmo sistema de saúde.
A APS tem sido apresentada internacionalmente como um modelo para reorganização
dos sistemas de saúde desde a década de 1960. Contudo, a ideia da APS foi usada como
forma de organização de serviços de saúde já em 1920 como no Relatório Dawson, elaborado
na Inglaterra. Nesse documento, o governo inglês por um lado tentava se contrapor ao modelo
43
flexneriano estadunidense e por outro, organizar o modelo inglês de atenção à saúde,
buscando um uso racional de recursos e maior resolutividade dos problemas de saúde
(FAUSTO e MATTA, 2007).
O relatório concebia o modelo de atenção em centros de saúde primários e
secundários, serviços domiciliares e suplementares, assim como hospitais de ensino. Essa
organização se caracterizava pela hierarquização dos níveis de atenção à saúde, a
regionalização da oferta de serviços e a integralidade entre ações preventivas e curativas
(FAUSTO e MATTA, 2007).
O fortalecimento internacional da APS ocorreu nos anos 60 e 70, marcados pela
difusão do ideário do movimento da Medicina Preventiva, que ganhou ênfase no processo das
reformas setoriais. Tal movimento fundamentava-se em três vertentes. A primeira, a higiene,
foi difundida a partir do século XIX intimamente relacionada ao desenvolvimento capitalista e
à ideologia liberal, pois propunha que os problemas de saúde fossem resolvidos por meio de
ações individuais na esfera privada e com intervenção estatal na esfera pública, visando evitar
a doença e a morte. A segunda vertente relacionava-se à racionalização dos custos da atenção
médica, que se tornava mais especializada com a inserção de novas tecnologias num momento
em que ainda se viviam as consequências da crise capitalista de 1929. A terceira consistia na
redefinição do papel do profissional médico, que em sua prática profissional precisaria
dialogar com as questões para além da biologia humana, como fatores socioeconômicos e
culturais (AROUCA, 1975).
Sob o signo da medicina preventiva, a medicina comunitária passou a ser amplamente
difundida entre os departamentos e escolas de saúde. Essas propostas foram vastamente
disseminadas por diversos países, tendo forte repercussão nos países periféricos visto que se
configuraram em estratégias desses governos para a implantação de políticas de
desenvolvimento econômico e social. Nesse sentido, as agências e organismos internacionais,
principalmente a Organização Mundial da Saúde (OMS), o UNICEF, as Fundações
Rochefeller, Kellogg e Ford e o Banco Mundial foram atores importantes na difusão, fomento
e financiamento da APS (FAUSTO, 2005).
O relatório Lalonde (1974) propôs um novo paradigma de saúde, ao criticar o
paradigma da história natural das doenças e argumentar que a saúde é composta por diferentes
dimensões que compõem o ser humano. O documento também conhecido como Carta de
Ottawa define a saúde como resultante de quatro componentes básicos: a biologia humana, o
meio ambiente, a organização de atenção à saúde e o estilo de vida. A forma como os quatros
componentes básicos se relaciona vão determinar a qualidade de saúde do indivíduo e do
44
coletivo, sendo a sua investigação de fundamental importância para subsidiar e aprofundar o
conceito ampliado de saúde. A promoção da saúde e a prevenção de doenças ganham
projeção, contrapondo-se ao modelo exclusivamente curativo até então vigente.
Matta e Fausto (2007) destacam que os programas de extensão de cobertura foram os
principais mecanismos de vinculação da atenção primária. Esses são compreendidos como um
conjunto de ações que deveriam ter como foco as médicas e atuações elementares no âmbito
da promoção e prevenção da saúde que todos deveriam estar aptos a desenvolver,
principalmente os profissionais comunitários. Nessa linha, na década de 1970, ganha destaque
“o programa médicos de pés descalços” da República Popular da China, que trouxe avanços
importantes na saúde. O programa se baseava na formação de médicos rurais, onde esses
recebiam formação com base na comunidade e nas atividades de prevenção (CUETO, 2007).
Um marco histórico para a APS é a Conferência Internacional Sobre Atenção Primária
em Saúde, realizada em 1978 em Alma-Ata (antiga União Soviética), organizada pela OMS e
pelo UNICEF. A Conferência de Alma-Ata foi convocada em uma resposta ao sentimento
internacional de preocupação frente à ampliação das desigualdades em saúde e de assistência
sanitária, que afligiam países centrais e periféricos. Neste momento foram estabelecidas
estratégias objetivando alcançar a “saúde para todos os povos do mundo no ano 2000”, a
partir do reconhecimento da saúde como o completo bem-estar físico, mental e social e não
simplesmente a ausência de doença ou enfermidade, e como um direito humano fundamental
(UNICEF, 1978).
Os cuidados primários de saúde foram definidos na Conferência de Alma - Ata como:
Cuidados primários são cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e
tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis,
colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante
sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em
cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação.
Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a
função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico
global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da
família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de
saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e
trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de
assistência à saúde (UNICEF, p. 1, 1978).
Os cuidados primários de saúde foram destacados como a principal estratégia para
garantir acesso universal à saúde e com isso, ampliar a proteção social. Estes representariam o
primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional
de saúde. Preconizou-se que os cuidados primários de saúde deveriam: refletir condições
45
econômicas e socioculturais para além da visão meramente biológica; resolver os principais
problemas de saúde da comunidade, por meio de atividades educativas, de proteção, cura e
reabilitação; envolver ações intersetoriais; promover a participação comunitária no plano
individual e coletivo; ser apoiados por sistemas de saúde integrados; basear-se em níveis
locais de atuação e atenção à saúde e ter garantia de recursos financeiros para sua
manutenção, o que inclusive incluía a fabricação e o fornecimento de medicamentos
essenciais. (UNICEF, 1978).
Para Cueto (2007), três ideias estavam por trás da Conferência de Alma-Ata. A
primeira era a utilização de tecnologias adequadas, a partir da constatação de que o modelo
hospitalocêntrico, além de ser dispendioso, não respondia a todas as necessidades de saúde da
população. A segunda, a oposição ao elitismo médico e à especialização exagerada dos
profissionais de saúde, ao invés disso propunha-se a formação de “profissionais comunitários”
que facilitariam a promoção e participação comunitária. E por último, a relação entre saúde e
desenvolvimento, pois o trabalho em saúde deixou de ser visto de maneira isolada e passou a
ser visto como um processo para a melhoria das condições de saúde e vida das populações.
Essa conferência questionou o modelo de intervenção com políticas verticais e
focalizadas executadas pela OMS no combate a endemias e problemas de saúde pública como
desnutrição e mortalidade infantil, principalmente nos países periféricos da África e da
América Latina. Questionou-se também o modelo médico centrado e especializado
(GIOVANELLA E MENDONÇA, 2007). As medidas supracitadas quando articuladas
contribuiriam para a progressiva melhoria dos cuidados gerais de saúde com prioridade para
os que têm mais necessidade. A partir da Conferência de Alma-Ata, a APS foi eleita como
estratégia para reorientação do modelo de atenção à saúde e como elemento estruturante na
reorganização dos sistemas nacionais de saúde, por ser considerada com potencial de prover
ações e serviços com efetividade, eficácia e equidade.
Para que essa transformação no modo de operar serviços e sistemas saúde se tornasse
possível e viável, a Declaração de Alma-Ata destaca qual deve ser o papel do Estado ou dos
governos:
Os governos têm pela saúde de seus povos uma responsabilidade que só pode ser
realizada mediante adequadas medidas sanitárias e sociais. Uma das principais
metas sociais dos governos, das organizações internacionais e de toda a
comunidade mundial na próxima década deve ser a de que todos os povos do
mundo, até o ano 2000, atinjam um nível de saúde que lhes permita levar uma vida
social e economicamente produtiva. Os cuidados primários de saúde constituem a
chave para que essa meta seja atingida, como parte do desenvolvimento, no espírito
da justiça social. Todos os governos devem formular políticas, estratégias e planos
nacionais de ação para lançar/sustentar os cuidados primários de saúde em
46
coordenação com outros setores. Para esse fim, será necessário agir com vontade
política, mobilizar os recursos do país e utilizar racionalmente os recursos externos
disponíveis (UNICEF, p. 2, 1978).
Deste modo, mais do que um pacote de serviços essenciais, a Conferência de AlmaAta indica alguns elementos fundamentais no que se refere à ampliação da proteção social: a
necessidade de sistemas de saúde universais, uma vez que concebe a saúde como um direito
humano; o aumento dos investimentos em políticas sociais para o desenvolvimento das
nações que deveriam vir da redução dos gastos bélicos; o fornecimento e a produção de
medicamentos essenciais com distribuição à população; a compreensão da saúde como
resultado das condições econômicas e sociais e das desigualdades sociais; e a determinação de
que os governos nacionais sejam os protagonistas no dever de garantir a saúde da população.
A proposta de APS defendida na Conferência de Alma-Ata conflitava com fortes
interesses políticos e econômicos, por exemplo, medidas como o aleitamento materno e a
produção e distribuição de medicamentos essenciais criavam tensões com a indústria de leite
e a indústria farmacêutica (Matta, 2005). Além disso, a Declaração de Alma-Ata foi criticada
por outras agências internacionais sob o argumento de ter ideais ambiciosos e vagos, com
pouca amplitude e possibilidade de mensuração de resultados por parte da população e dos
governos.
Deste modo, paralelamente à difusão do ideário defendido na Conferência de AlmaAta, ganhou fôlego no cenário internacional a difusão de outra concepção de APS com base
na seletividade a fim de direcionar os recursos limitados a alvos específicos, principalmente,
aos países periféricos e populações pobres. A adoção de uma abordagem mais universal
abrangente ou mais focalizada e restrita tem implicações importantes para a proteção social.
Assim, um ano após a Conferência de Alma-Ata, em 1979, a Fundação Rockefeller
com a colaboração de diversas agências internacionais - dentre elas o Banco Mundial, a
Fundação Ford, a Agência Canadense Centro Internacional para a Pesquisa e o
Desenvolvimento (IDRC) e a Estadunidense Agência Internacional para o Desenvolvimento
(AID)- promoveu uma reunião em Bellagio, na Itália, que defendeu a APS seletiva como
estratégia para controle de doenças nos países periféricos (GIOVANELLA E MENDONÇA,
2007).
Ao longo do tempo, a APS tem adquirido diversos significados para diferentes lugares,
pessoas e momentos. Fausto e Viana (2005) destacam que desde sua gênese a APS foi
compreendida por concepções antagônicas. Se por um lado a Conferência de Alma-Ata
propunha a APS como parte de um sistema integrado de cuidados a saúde e elemento de
47
proteção social, por outro a noção Selective Primary Care (SPHC) foi impulsionada pela
Conferência de Bellagio “Health and Population in Devolopment” em 1979.
Os críticos da Declaração de Alma-Ata afirmavam que não era possível garantir a APS
integral para todos, e por isso, apostavam em programas verticalizados e focalizados para a
população pobre para resolver problemas de saúde emergenciais. A concepção focalizada e
restrita de APS corresponderia a uma “cesta básica” de serviços de saúde assegurada pelo
Estado, por meio de um conjunto de ações essenciais para indivíduos que não pudessem arcar
com os gastos básicos.
Nesse contexto foram difundidas para os países periféricos as intervenções conhecidas
como “GOBI”, sigla em inglês que corresponde a acompanhamento do crescimento e
desenvolvimento (growth monitoring), reidratação oral (oral re-hydration), aleitamento
materno (breast feeding) e imunização (immunization), com suporte especial do UNICEF, que
passou a fomentar e financiar políticas objetivas e fáceis de quantificar o alcance de metas.
Nos anos seguintes, incorporam-se as chamadas FFF, um pacote seletivo e restrito de políticas
para suplementação alimentar (food supplementation) alfabetização feminina (female literacy)
e planejamento familiar (family planning) (GOBI-FFF) (GIOVANELLA E MENDONÇA,
2007).
A tensão entre as diferentes concepções de APS seguiram durante as décadas seguintes
e permanecem até a atualidade, sendo a concepção focalizada e restrita de maior destaque,
principalmente em países periféricos da economia capitalista, apoiada por agências
internacionais, como o UNICEF e o Banco Mundial. Giovanella (2008) afirma que nos países
periféricos há uma tensão permanente entre a expansão de cobertura apenas com cuidados
básicos e a garantia de serviços amplos na consolidação de sistemas universais. A
direcionalidade depende muito da correlação de forças políticas em cada momento histórico.
A tensão entre a noção focalizada e restrita e universal e abrangente percorreu toda a
década de 80 e 90. Nesse contexto, com a difusão da agenda de reformas do Estado de forte
influência neoliberal, houve disseminação da concepção de APS focalizada e restrita,
fortemente difundida pelo Banco Mundial que nessa conjuntura assumiu o protagonismo na
proposição e financiamento das políticas de saúde.
Almeida (1999) refere que os sistemas de saúde pelo mundo sofreram reflexos dos
processos de reforma do Estado. Nos países centrais, o foco foi a reconfiguração do papel do
Estado visto que os sistemas públicos de saúde eram majoritários. Já nos países periféricos, a
ênfase se deu no subfinanciamento do setor e na adoção de políticas seletivas e focalizadas em
grupos vulneráveis que exacerbaram as desigualdades e as iniquidades em saúde.
48
Segundo a autora, os princípios gerais orientadores das reformas no setor saúde
compreendem: a eficiência, a efetividade e a equidade. As estratégias de reorganização do
setor saúde englobaram: introdução de medidas racionalizadoras da assistência médica, na
tentativa de diminuir a ênfase no gasto hospitalar e redirecionar para as práticas extrahospitalares (atenção ambulatorial, atendimento domiciliar, privilegiamento da atenção
primária ou da atenção básica) e de saúde pública (prevenção); separação entre provisão e
financiamento de serviços (ou entre compradores e prestadores), com fortalecimento da
capacidade regulatória do Estado; construção de “mercados regulados ou gerenciados”, com a
introdução de mecanismos de mercado; utilização de subsídios e incentivos os mais diversos
(tanto pelo lado da oferta quanto da demanda) visando à reestruturação do mix público e
privado, com a quebra do “monopólio” estatal (ALMEIDA, 1999).
As reformas do setor saúde tiveram como ponto em comum: mudanças na forma de
alocação de recursos na área da assistência médica em busca de uma relação mais favorável
de custo e efetividade; a redução de custos hospitalares; uso racional de recursos e
procedimentos especializados; e ênfase nas ações de promoção e prevenção e na ação
territorial (FAUSTO, 2005).
Outro aspecto fundamental foi a influência do pensamento das agências internacionais
na proposição e financiamento do setor saúde. O Banco Mundial, principal difusor da
seletividade e da focalização, defendia as ‘cestas básicas’ para os serviços de saúde, indicando
que o setor público estatal deveria prover um conjunto de bens e serviços mínimos
necessários aqueles que não podiam arcar individualmente com esses gastos. Essa cesta
básica seria composta por ações de baixa tecnologia e alto impacto, como vacinação, prénatal, prevenção e promoção da saúde, consideradas como ações típicas da APS. Os demais
serviços deveriam ser ofertados pelo setor privado. Nesse período a OMS também parece ter
abandonado a proposta de APS abrangente, e acompanhou o Banco Mundial na ideia da
seletividade ao propor o novo universalismo, que traz como argumento forte a
sustentabilidade das ações de saúde pelos governos (MATTA e FAUSTO, 2007).
Mais recentemente, após inúmeras criticas e evidências de que medidas seletivas não
implicaram na redução da pobreza, ao contrário, em muitos países a potencializaram, tanto o
Banco Mundial quanto a OMS parecem rever suas posições. A OMS recentemente propôs um
movimento de retorno aos ideais expressos na Declaração de Alma-Ata, contudo, sem grande
expressividade.
Por outro lado, a discussão recente acerca da APS parece ganhar espaço na OPAS,
que a partir do movimento de “Renovação da APS nas Américas” passa a formular a APS
49
como uma estratégia estruturante dos sistemas de saúde nas Américas e uma forma de
repensar a configuração dos sistemas nacionais de saúde.
O histórico das abordagens possíveis para a APS permite refletir que sua emergência
esteve associada a fatores ideológicos, políticos e econômicos, e que estes dialogam entre si.
A APS surge como uma estratégia para ampliação do acesso a serviços indispensáveis à vida
humana, um primeiro nível de atenção que deve ser coordenado aos demais. Contudo, fatores
de motivação econômica também estão associados à APS, dentre os quais o alto custo da
assistência médica especializada e a busca de maior racionalidade na utilização de serviços e
maior eficiência dos sistemas de saúde.
2.4. Atenção Primária em Saúde e Proteção Social
Um capítulo importante na constituição dos modernos sistemas de proteção é a
conformação dos sistemas nacionais de saúde. As políticas de saúde são parte integrante da
política social e suas instituições são parte dos modernos sistemas de proteção social. Os
sistemas nacionais de saúde, nessa perspectiva, são influenciados por três importantes
dimensões (FREEMAN e MORAN, 2002; ELIAS E VIANA, 2007):
a. A saúde como direito social: a saúde é um componente estratégico dos sistemas de
proteção social, que inclusive impõe resistências a medidas de desestruturação desses
sistemas. O escopo da cobertura, prestação de serviços e financiamento relaciona-se a
questões políticas e econômicas de cada sociedade.
b. A dimensão política da saúde: o Estado historicamente orienta suas políticas
públicas com vistas a amortizar conflitos sociais, existentes numa sociedade dividida por
classes opostas com interesses antagônicos. Assim, a configuração das políticas de saúde se
relacionará ao grau de pressão social expressa nas arenas decisórias da política.
c. . A saúde como um espaço de acumulação de capital: o setor envolve uma vultosa
quantia de recursos para manter sistemas públicos de saúde, com isso prover financeiramente
trabalhadores, infraestrutura e recursos. A saúde está inserida num mercado industrial
constituído por fortes setores, tais como farmacêutico, eletroeletrônico e de pesquisa e
desenvolvimento.
A partir dessa caracterização cabem algumas breves considerações acerca do papel da
atenção primária em saúde nas políticas de proteção social, com base em três elementos
centrais: (1) o escopo de serviços ofertados, se abrangente ou restrito; (2) a concepção
universal ou focalizada; e (3) o caráter mais ou menos mercantil da APS, que considera o
50
modelo de intervenção estatal e as relações entre setor público e privado. Esses elementos
trazem implicações importantes para o direito à saúde e a constituição de políticas mais ou
menos equitativas, portanto se relacionando aos padrões de proteção social.
Como já discutido anteriormente a compreensão da Atenção Primária em Saúde não é
consensual. São históricas as tensões entre modelos universais e focalizados, e ainda existe
uma série de configurações intermediárias, pois a maior parte dos sistemas de saúde no
mundo não é constituída de modelos “puros” e sim por um mix de influências (políticas,
econômicas e culturais) que lhes atribui características peculiares.
Conceitualmente foi a partir da Conferência de Alma-Ata que a APS ganhou status de
estratégia de organização dos sistemas de saúde. Contudo, a forma de conceber essa política é
fruto de tensões históricas. Por um lado, como expresso pela Declaração de Alma-Ata, a APS
é uma estratégia central para organização de sistemas de saúde, mais equitativos e apropriados
as necessidades de saúde da população a que se destinam, respondendo pela maior parte dos
problemas de saúde da população. Por outro lado, a noção seletiva de APS difundida a partir
de Bellagio se baseia na formulação de programas com objetivos focados em problemas
específicos de saúde para atingir grupos populacionais em situação de pobreza (FAUSTO,
2005).
Alguns argumentos reforçam a importância do caráter universal da APS. O primeiro
diz respeito ao seu potencial de reduzir desigualdades em saúde ao favorecer maior equidade.
O segundo relaciona-se com sua ação coletiva na prevenção e monitoramento de riscos. O
terceiro concerne à intersetorialidade nas ações individual, familiar e da comunidade. O
quarto relaciona-se com valores de democracia e participação social. O quinto e último, tratase de um principio de organização do sistema de saúde (FAUSTO e VIANA, 2005).
Segundo Viana e Fausto (2005), além da questão universalismo versus focalização,
outra característica da APS que lhe asseguraria uma função na proteção social seria seu
caráter predominantemente não mercantil ou ainda sua configuração como um nível de
atenção à saúde que constitui uma forte resistência à mercantilização. Essa característica é
atribuída a três mecanismos principais:
a. Parte das ações reconhecidas como de APS representam bens públicos ou coletivos,
assim sua presença ou ausência afeta a coletividade e não apenas o indivíduo que o comprou
ou recebeu.
b. A APS muitas vezes está relacionada a uma concepção de direito social, com isso o
Estado tem responsabilidade no provimento dessa política.
51
c. Em geral, existe pouco interesse da iniciativa privada em comercializar esses
serviços, geralmente de baixa densidade tecnológica e com isso baixo valor de mercado. Não
havendo a relação mercado/venda, não existem empresários dispostos a constituir negócios.
Contudo, Gadelha (2003) refere que a lógica empresarial capitalista penetra em todos
os segmentos da produção, inclusive no setor saúde. Por um lado, envolve setores que
tradicionalmente operam sob suas bases, como a indústria farmacêutica e de equipamentos
médicos. Por outro, é possível identificar a lógica empresarial capitalista em ramos da saúde
que aparentemente dela se afastam, tais como a produção de vacinas, produtos biológicos,
fitoderivados e a prestação de serviços de saúde em todos os níveis de atenção.
A análise do mercado de vacinas no Brasil realizada por Temporão (2003) demonstra
que o setor, tradicionalmente público e estatal, no último período passou a caracterizar-se pela
divisão em dois segmentos: o público voltado para a oferta de vacinas e imunoderivados no
interior do SUS e o privado, que se organiza em torno de clínicas, consultórios e outros
espaços privados. Nesse estudo, o autor destaca que a dimensão econômica mostrou-se
superior visto que as vacinas representam um dos principais produtos comercializados pela
indústria farmacêutica do país, o que representa uma ameaça a um espaço equitativo e
universal de acesso a este tipo de oferta.
É fato que o empresariamento da saúde já é identificado há muitos anos,
principalmente no que se refere à formação profissional, à prestação de serviços médicos e à
produção de medicamentos. Porém com o processo de reestruturação produtiva, da
globalização e das reformas do Estado observa-se que atividades e serviços que se
mantiveram públicos ou estatais sofreram modificações com relação à contratualização e às
inovações organizacionais de mercado. Tais mudanças incluem a criação de entes públicosnão estatais, terceirizações, cooperativas, entre outras, que passaram a imprimir lógicas de
competitividade e desempenho com vistas à eficiência econômica nos setores sociais
(GADELHA, 2003), inclusive no âmbito da APS.
A saúde é uma das condições fundamentais para a existência da vida humana. A partir
desse capítulo é possível intuir que nas sociedades modernas os sistemas de saúde são
fundamentais, tanto do ponto de vista de constituir um direito social conquistado, como
também pela necessidade de regulação por parte do Estado das relações capital/ trabalho. No
que se refere aos modelos de proteção social, atualmente, após as reformas neoliberais parece
não haver mais modelos “puros”, e sim um mix de influências.
Atualmente existem diferentes projetos em disputa para a proteção social na América
Latina: a focalização com ênfase no combate à pobreza; o universalismo básico com foco nas
52
políticas equitativas; e um conceito mais amplo de proteção social, relacionado com a noção
de seguridade social que preconiza que os direitos devem ser universais, amplos e destinados
a todas as pessoas incondicionalmente, sem negar a necessidade de garantir os mínimos
sociais a todos em condição de necessidade, inclusive os não contribuintes. Os diferentes
modelos têm implicações importantes para o conjunto das políticas sociais, inclusive para a
adoção de uma determinada concepção de APS.
53
CAPÍTULO 3 - AS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS E A POLÍTICA DE
SAÚDE: O CASO DA ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DE SAÚDE
(OPAS)
3.1. As Agências Internacionais e a Política para a Saúde
As políticas públicas nacionais cada vez mais são influenciadas por uma agenda
internacional, fato que faz ser relevante a compreensão do papel das organizações
internacionais e de seus mecanismos de influência na definição da agenda política de uma
nação (WALT, 1994).
Para a autora, uma organização pode ser categorizada como agência internacional
baseada em critérios de participação de pelo menos três governos nacionais na sua
constituição e com base em sua capacidade de manutenção financeira e política. Os governos
que constituem e sustentam as agências internacionais são denominados de países-membros,
que firmam acordos, em que se estabelece sua missão, as regras básicas de sua atuação, os
dispositivos de seu gerenciamento e os mecanismos pelos quais a agência obterá os recursos
financeiros. Contudo, as agências internacionais possuem peculiaridades no que se refere a
sua história, cultura política e organizacional e missão (WALT, 1994).
Análises sobre as relações estabelecidas na arena internacional demonstram que existe
grande assimetria na capacidade de “imposição” ou “socialização” da agenda política. Nesse
sentido, os Estados podem ser caracterizados como “hegemônicos” ou “secundários” de
acordo com seu poder econômico e político. A capacidade de influenciar agendas políticas
pode ser concretizada por meio de mecanismos de coerção via indução material, e mesmo
repressão econômica e militar. Ou ainda, por meio do controle das “crenças substantivas” das
elites nacionais, ou seja, fomentando a construção de uma determinada hegemonia por meio
da mudança de crenças e valores econômicos, políticos e sociais, facilitando a formulação e
implementação de uma determinada agenda política (COSTA, 1998).
Ilkenberry (1990), citado por Costa e Melo (1994), identifica três mecanismos de
difusão de agenda internacional: indução externa, policy bandwagoning (“efeito ônibus em
políticas”) e aprendizagem social. A indução externa ocorre a partir de incentivos, sanções ou
mesmo coerção de grupos de pressão externos. Na prática há um alinhamento de grupos de
pressão externos às burocracias governamentais para a implantação de políticas por estas
54
desejadas. Assim, as agências multilaterais e outros organismos internacionais fornecem
informações e recursos que servem para criar ou fortalecer as coalizões.
O segundo mecanismo, o policy bandwagoning, marcadamente normativo, consistiria
num processo de conexão de experiências exitosas nos diferentes países. As elites técnicas e
a burocracia executiva são os principais agentes responsáveis pela introdução de inovações. O
motor desse mecanismo está na relação entre sobrevivência e competitividade dos países. Ou
seja, o que as elites definem como sucesso não necessariamente se relaciona a êxito
econômico ou à existência de indicadores (ILKENBERRY, 1990 apud COSTA e MELO,
1994).
Já o mecanismo de aprendizado social pode ser definido como o processo pelo qual o
conhecimento relevante para a compreensão dos efeitos e impacto de políticas se acumula ou
se dissemina no sistema internacional. Esse conhecimento acumulado apresenta-se como
relativamente consensual no interior de grupos específicos. Assim estabelecem-se as
comunidades epistêmicas, que têm como fonte de poder os especialistas com autoridade
cognitiva do conhecimento técnico-científico aplicado à formulação e implementação de
políticas (ILKENBERRY, 1990 apud COSTA e MELO, 1994).
Esses especialistas, delegados de autoridade científica em áreas de interesse público ou
cooperação técnica, irão: 1) elucidar as relações de causa e efeito e ponderar sobre os
resultados de diversas linhas de ação; 2) definir a natureza dos complexos interrelacionamentos entre assuntos e série de eventos que poderiam advir tanto da falha de se
tomar determinadas iniciativas quanto de se instituir certa política; 3) auxiliar na definição
dos interesses próprios do Estado ou de facções que compõem; e 4) formular políticas. No
caso de agências multilaterais de cooperação técnica como a OPAS, a formulação de
comunidades de especialistas é uma dimensão essencial de seu envolvimento nos países em
que atua (ILKENBERRY, 1990 apud COSTA e MELO, 1994).
Mattos (2001) destaca ainda o mecanismo de “oferta de ideias”. Nos anos 70, as
políticas emanadas dessas agências surgiam de debates amplos entre os representantes dos
diversos países membros; nos anos 80, as políticas passaram a ser especialmente voltadas para
os países periféricos e as propostas passaram a ser elaboradas num âmbito restrito das
agências internacionais e sob influência dos países mais ricos. A disseminação desses
“consensos” restritos era garantida pelo estabelecimento de condições para a contratação de
empréstimos. Deste modo, permitiu-se regular o destino e o fluxo de recursos intermediados
por essas agências.
55
Em uma perspectiva histórica no âmbito da cooperação internacional no setor saúde,
percebe-se que a emergência das agências internacionais está intrinsecamente relacionada ao
desenvolvimento do modo de produção capitalista. Nesse contexto, modificam-se as relações
internacionais e a agenda política nacional passou a ser influenciada pela arena internacional.
Além disso, o desenvolvimento científico permitiu à comunidade de especialistas em saúde
pública elaborar programas para o controle de epidemias num contexto transnacional (LIMA,
2002). Assim, ganha relevância a criação de organizações supranacionais que fomentem e
regulamentem acordos, ora bilaterais, ora multilaterais, a fim de estabelecer práticas e
estratégias minimamente consensuais para enfrentar problemas de saúde pública.
Sob a égide do paradigma sanitarista, as conferências sanitárias representaram um
capítulo importante para a saúde internacional. Este momento foi fundado a partir do controle
de vetores e parasitas e do saneamento das cidades e dos portos. Deste modo, o conceito de
saúde internacional remonta às medidas como cordões sanitários e quarentenas marítimas que
isolavam embarcações e tripulações nos diferentes países e continentes. Só a partir do século
XIX, os primórdios dos acordos que hoje denominamos saúde internacional tornaram-se
sistemáticos e universais (LIMA, 2002).
Até o final do século XIX, a principal medida sanitária para assegurar a saúde dos
portos eram as quarentenas. Esse procedimento estava fora de sintonia com o ascenso e
desenvolvimento capitalista, que criava novos e crescentes interesses econômicos,
intensificava o comércio internacional, o tráfego marítimo e a migração de pessoas. Contudo,
havia um temor generalizado de que os imigrantes, principalmente pobres e tripulações dos
navios comerciais, introduzissem ou exacerbassem surtos de doenças.
Para que os governos passassem a organizar suas medidas sanitárias de maneira mais
coesa e consensual em 1851 foi realizada a I Conferência Sanitária Internacional em Paris.
Sua convocação foi fortemente influenciada pelo temor de uma epidemia mundial do cólera.
Mesmo não havendo nenhuma representação dos países das Américas, a conferência orientou
todas as nações a tomarem medidas universais para se estabelecer a saúde dos portos por meio
de um sistema de vigilância epidemiológica internacional, que alertaria para o surgimento de
epidemias em qualquer parte do mundo (LIMA, 2002).
Nos anos seguintes, realizaram-se conferências em: Paris (1859), Constantinopla
(1866), Viena (1874), Washington (1881) e Paris (1903). Na VI Conferência Sanitária
Internacional, foi assinado o acordo “Convenção de Paris”, que regulamentava as normas
internacionais para o comércio marítimo e fundava a Repartição Internacional de Higiene
56
Pública, ou Repartição de Paris, visto que sua sede se localizava na referida cidade (LIMA,
2002).
A Repartição Paris incluiu 55 países membros que se reuniam periodicamente,
constituiu um comitê executivo permanente, lançava boletins mensais de cunho
epidemiológico e aprovou medidas sanitárias de grande importância. Tal Repartição existiu
até a 2ª Guerra Mundial. Paralelamente e disputando influência com a Repartição Paris, estava
o Comitê de Higiene, no âmbito da Liga das Nações. Nenhuma das duas organizações, obteve
apoio unânime ou permanente dos países das Américas. A percepção de que havia
necessidade de uma organização internacional de saúde nas Américas emergiu no fim do
século XIX (CUETO, 2007).
3.2. O Nascimento da Saúde Internacional nas Américas ( 1902 a 1920)
O histórico da Saúde Internacional nas Américas foi marcado pelas Conferências
Sanitárias, que tiveram destaque até a década de 1940. A preocupação era com as constantes
epidemias que assolavam os países e prejudicavam o comércio, principalmente em função das
quarentenas. As Conferências Sanitárias Pan-Americanas destinavam-se a redigir acordos e
normas políticas e científicas votadas e que deveriam ser adotadas por todos os países
membros (CUETO, 2007). O quadro 3.1 sistematiza as principais resoluções das Conferências
Sanitárias Pan-Americanas realizadas do inicio do século XX até a década de 1940.
Quadro 3.1 – Sistematização das Principais Resoluções das Conferências Sanitárias
Pan- Americanas, realizadas entre 1902 e 1942.
Local/ Ano
I Convenção
Principais Resoluções
Sanitária
Aprova a realização de esforços para a notificação de enfermidades; propõe
dos Estados Americanos,
o intercâmbio de informações entre as nações, a realização de convenções
Washington,
Estados
periódicas e o estabelecimento de uma oficina permanente. Cria a Oficina
América,
Sanitária Internacional, órgão permanente para a execução das
Unidos
da
Dezembro de 1902.
deliberações da conferência. Nomeia para sua presidência o cirurgião geral
dos Estados Unidos, Walter Wyman.
57
Local/ Ano
Principais Resoluções
II Convenção Sanitária
Aprova oito resoluções reunidas sob o titulo de “Polícia Sanitária”,
dos Estados Americanos,
retomando a ideia da polícia médica alemã, que incluem: quarentena,
Washington,
Estados
reformas portuárias, notificação de novos surtos de cólera, febre amarela,
América,
peste bubônica e de qualquer outra epidemia. Essas resoluções ficaram
Unidos
da
Outubro de 1905.
conhecidas como “Convenção de Washington”. Projeta a estrutura de
funcionamento da Oficina Sanitária Internacional.
III Convenção Sanitária
Aprova a tomada de decisões mais sistemáticas para profilaxia e controle de
das
doenças para além da quarentena, com base na higiene de portos e cidades.
Repúblicas
Américas,
das
Cidade
do
México, México, 1907.
IV
Conferência
das
Repúblicas das Américas,
Aprova o termo “conferência” ao invés de “convenções”, denotando seu
caráter político e comercial, com decisões legais, definitivas e mais amplas.
São Jose, Costa Rica,
1910.
V
Conferência
das
Aprova o incentivo a políticas de abastecimento de água potável, adoção de
Repúblicas das Américas,
atestados de óbitos, levantamento de dados estatísticos sobre lepra,
Santiago, Chile, 1911.
regulamentação da prostituição, controle sanitário dos alimentos e impulso à
profissionalização dos médicos no exercício de cargos públicos. A
conferência orientou aos países que realizassem esforços para a formação e
profissionalização das pessoas que atuavam na área de higiene e saneamento.
VI Conferência Sanitária
Aprova a orientação aos governos do ensino obrigatório da higiene nas
Pan-
Americana,
escolas. Define a publicação mensal, em inglês e espanhol, o Boletín
Uruguai,
Panamericano de Sanidad, que a partir de 1923 se chamaria, Boletim da
Montevidéu,
Dezembro de 1920.
Oficina Sanitária Panamericana. Aprova a realização de cada dois anos no
intervalo entre as Conferências, do fórum de diretores de saúde das
Américas. Nomeia o cirurgião geral dos Estados Unidos, Hugh S. Cumming
para terceiro diretor da Oficina.
VII Conferência Sanitária
Institui o Código Sanitário Pan-Americano que tem por objetivos: prevenir
Pan- Americana, Havana,
internacionalmente a propagação das doenças transmissíveis; estimular a
Cuba, 1924.
cooperação internacional; criar e uniformizar um sistema de informações
vitais, e promover o intercâmbio de informações entre os países. Todas essas
medidas estariam sob responsabilidade do Estado.
VIII
Conferência
Aprova a formação de escolas de saúde pública e higiene, desvinculadas das
Pan-
faculdades de medicina. Propõe um conselho diretor e que a Oficina passe a
Americana, Lima, Peru,
ter funcionários próprios cedidos pelos serviços nacionais de saúde dos
1927.
países membros.
Sanitária
58
Local/ Ano
Principais Resoluções
IX Conferência Sanitária
Aprova a Constituição e o Estatuto da Oficina Sanitária Pan-Americana.
Pan-Americana, Buenos
Reelege Cumming para diretor da Oficina Sanitária Pan-Americana.
Aires, Argentina, 1934.
X Conferência Sanitária
Nas referências bibliográficas pesquisadas não há relato sobre essa
Pan-Americana, Bogotá,
Conferência.
Colômbia, 1938.
XI Conferência Sanitária
Cria a criação da Comissão de Engenharia Sanitária, que seria responsável
Pan-Americana, Rio de
por propor medidas de proteção da água, saneamento, esgoto sanitário,
Janeiro, Brasil, 1942.
controle de mosquitos e medidas de drenagem. Aprova medidas de defesa
continental com base na manutenção da diversidade étnico-cultural do panamericanismo.
Fonte: Elaboração própria, a partir de MACEDO (1997), LIMA (2002), OPAS (2002), PATRICK (2002) e
CUETO (2007).
Assim, a Oficina Sanitária Pan-Americana foi criada em 1902 com intuito principal de
estabelecer normas para fiscalização dos portos em nome da saúde e da higiene das cidades
mais populosas e importantes para o capitalismo nascente. Tais medidas compunham uma
questão fundamental para o desenvolvimento do comércio internacional. Inicialmente
baseavam-se no controle dos imigrantes e das cargas dos navios. Deste modo, sob a égide dos
interesses dos Estados Unidos, instituiu-se uma organização sanitária continental (CUETO,
2007).xviii
Sob o comando do diretor estadunidense Walter Wyman (1902 – 1911), a tarefa inicial
da Oficina era o estabelecimento de um novo paradigma sanitário, com base na ‘polícia
sanitária’, que tinha como objetivo impedir a disseminação de enfermidades nativas ou
trazidas pelas embarcações oriundas da Europa, da África e do Oriente, tais como o cólera, a
febre bubônica e a febre amarela que conturbavam o comércio internacional e o cotidiano nas
cidades. Sob a orientação das propostas sanitaristas fomentadas pela escola médica John
Hopkins e com o apoio financeiro da Fundação Rockefeller e das verbas ofertadas pelos
xviii
A princípio, a Oficina era composta pelos seguintes organismos: Conferência Sanitária Pan-Americana; um
Corpo Diretor Supremo, com atribuições de definir a política e eleger o diretor, composto por representantes dos
países membros com reuniões bianuais; um Conselho Diretor também composto por países membros, que se
reuniria nos anos em que não houvesse conferência; um Comitê Executivo composto por sete membros, eleitos
pelo Conselho Diretor ou pelas Conferências com mandato de três anos, e que deveria se reunir semestralmente.
Apenas em 1959 a Oficina Sanitária recebeu a designação de Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS
(CUETO, 2007).
59
países membros, em poucos anos as ações da Oficina ganharam maior volume, contudo com
dimensões ainda reduzidasxix.
Nessas primeiras décadas de atuação, inclusive, durante a gestão do diretor
estadunidense Rupert Blue (1912-1920), as ações da Oficina voltavam-se especialmente para
o controle de endemias. Esse diretor jamais presidiu uma Conferência Sanitária PanAmericana, pois em função da I Guerra Mundial as conferências foram interrompidas até
1920. Após a guerra, a Oficina passou a celebrar no dia 2 de dezembro o Dia da Saúde PanAmericana, em homenagem à data em que fora realizada a I Convenção Sanitária PanAmericana (LIMA, 2002).
3.3. Da Oficina Sanitária Pan-Americana ao Escritório Regional da OMS (1920 a 1947)
Em 1920, outro estadunidense assumiu a direção da Oficina, Hugh Cumming, que
permaneceu no cargo até 1947. Durante este período, deu-se o inicio do processo de
"consolidação da identidade" da Oficina. Num primeiro momento da gestão de Cumming,
ganha ênfase a ideia do “pan-americanismo” que propunha ultrapassar o isolacionismo da
“política estadunidense” e do “latino-americanismo”. Todavia, esse modelo gerou críticas,
visto que, mais do que preocupações sanitárias, parece ter havido um propósito do governo
estadunidense de avançar em sua política imperialista. Mesmo que munidos de um sentimento
de cooperação internacional, os governos latino-americanos nunca se esqueciam de destacar
as desigualdades de interesses, força política, econômica e por vezes militar, no continente
(CUETO, 2007).
Durante a gestão de Cumming os problemas sanitários continentais se multiplicaram e
ganharam dimensões ainda mais graves com a depressão econômica que se abateu sobre o
mundo a partir do final da década de 1920. As populações dos países latino-americanos
cresciam aceleradamente e a aglomeração humana nas cidades representava novos desafios
para a saúde pública, exigindo a criação de órgãos sanitários nacionais. Com a eclosão da
Segunda Guerra Mundial iniciou-se um segundo momento da gestão Cumming, com foco na
“defesa continental” (CUETO, 2007).
xix
Macedo (1997) destaca que, nos primeiros 45 anos, a Oficina foi um instrumento útil, contudo com ação e
dimensões reduzidas. Ao final desse período a Oficina contava com 17 funcionários e um orçamento anual de
US$ 100.000 e ocupava uma única sala no edifício sede da União Pan-Americana, em Washington.
60
Ao final da 2ª Guerra Mundial, em 1944, o governo estadunidense convocou a
Conferência de Bretton Woods como estratégia para reconstrução do capitalismo mundial e
da ordem econômica que deveria ser instituída após a vitória dos aliadosxx. Bretton Woods
foi um marco importante tanto para as políticas sociais como para a constituição dos
organismos internacionais, por consequência de seus rearranjos políticos, econômicos e
sociais.
No ano seguinte, em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), em
substituição à extinta Liga das Nações, um amplo organismo internacional cujo objetivo
principal seria criar e colocar em prática mecanismos que possibilitassem a segurança, a paz e
o desenvolvimento econômico internacional, principalmente por meio de leis/ acordos
internacionais (MATTOS, 2001). xxi
Durante a conferência de criação da ONU, em São Francisco em 1945, representantes
das delegações de Brasil e China propuseram a convocação de uma conferência especial para
a criação de uma nova Organização Internacional de Saúde. Era necessária uma nova
organização que ocupasse o espaço político deixado pela Repartição Paris e pelo Comitê de
Higiene da Liga das Nações e que fomentasse a reconstrução dos sistemas e serviços de saúde
pública em toda a Europa, devastada pela guerra. Em 1946, o Conselho Econômico e Social
da ONU organizou uma comissão técnica para preparar um projeto de constituição para a
nova organização de cooperação internacional para o setor saúde.
xxii
A comissão recomendou
o nome de Organização Mundial da Saúde (OMS), ao invés de Organização Internacional de
Saúde, visto que pretendia absorver as organizações internacionais de saúde existentes
(MACEDO, 1997).
Sob a égide da ONU, em 07 de abril de 1948, foi criada a Organização Mundial da
Saúde (OMS) com objetivo de construir normas e consensos técnicos internacionais e
uniformizar as classificações de doenças e seu potencial epidêmicoxxiii. As principais doenças
xx
Os EUA emergiram da Segunda Guerra Mundial como a mais forte economia do mundo, vivendo um rápido
crescimento industrial e uma forte acumulação de capital, pois não haviam sofrido as destruições decorrentes da
guerra, tinham construído uma forte indústria manufatureira e enriqueceram vendendo armas e emprestando
dinheiro aos outros países combatentes que se encontravam destruídos (CUETO, 2007).
xxi
Atualmente, o sistema das Nações Unidas engloba mais de 30 organismos, como agências, fundos, programas
e comissões regionais (ONU, 2011).
xxii
A comissão técnica contou com a participação de representações da Oficina Paris, do extinto Comitê de
Higiene da Liga das Nações, da recente Divisão de Administração de Socorro e Reabilitação da ONU e da
Oficina Sanitária Pan-Americana.
xxiii
A partir dessa data, o dia 07 de abril passou a ser celebrado como o dia do aniversário da OMS e Dia
Mundial da Saúde (MACEDO, 1997).
61
que deveriam ser reguladas e controladas pela OMS e seus estados-membros eram o cólera, a
peste, a varíola e a febre amarela (MATTA, 2005) xxiv.
A criação da Organização Mundial da Saúde (OMS) colocou em questão a
necessidade de existência da OPAS. Uma parcela dos especialistas e dos políticos defendia o
encerramento das atividades da instituição americana, enquanto outra parte, liderada por
Cumming, advogava que a OPAS deveria continuar em funcionamento e, de forma
coordenada com a OMS, continuar a promover ações de saúde no continente americano.
(CUETO, 2007).
Para resolver essa polêmica foi convocada a XII Conferência Sanitária PanAmericana, em 1947, em Caracas, Venezuela, na qual se deu a disputa de posições, entre
Parran, chefe da delegação estadunidense e Cumming, diretor da Oficina. Cumming defendia
que a absorção da Oficina pela OMS era absurda, pois representava uma inferência abusiva
nas questões sanitárias dos países e uma afronta à autonomia e eficiência de um sistema que
existia desde o inicio do século. Temia-se que a nova organização pudesse usar seu poder de
pressão multinacional para intervir nas decisões de saúde pública dos governos latinoamericanos (CUETO, 2007).
Por outro lado, Parran alegava que o governo dos Estados Unidos faria todos os
esforços necessários à criação da ONU e de suas agências especializadas, insistindo que era
incoerente formar blocos regionais, o que inclusive poderia influenciar a formação de um
bloco entre os países comunistas do Leste Europeu. Parran reiterou a vontade dos Estados
Unidos em “continuarem bons vizinhos” nas Américas; por isso, o governo estadunidense
propunha a dupla filiação dos países. Segundo Cueto (2007), o diretor Cumming se dirigiu
aos delegados latino-americanos e disse: “até então o imperialismo nunca levantou sua cabeça
hedionda entre nós”.
No fim, foi encaminhada uma posição intermediária entre Parran e Cumming, pois a
maior parte dos países americanos era a favor da manutenção da Oficinaxxv como uma
xxiv
A Confirmação da constituição da OMS pelos estados membros foi lenta: em 1949 apenas 14 países haviam
ratificado. A antiga União Soviética e outros países comunistas do leste Europeu na época se retiraram reduzindo
a legitimidade da organização. Além disso, a China foi excluída de todo o sistema das Nações Unidas até o inicio
de 1970 (CUETO, 2007). Atualmente, os Escritórios Regionais da OMS estão distribuídos por todos os
continentes, e incluem: (AFRO) - Escritório Regional para a África - Harare – Zimbábue; (PAHO) - Organização
Pan-Americana da Saúde - Washington, DC – EUA; (SEARO) - Escritório Regional para o Sudoeste da Ásia Nova Deli – Índia; (EURO) - Escritório Regional para a Europa - Copenhague – Dinamarca; (EMRO) Escritório Regional para Mediterrâneo Oriental - Cairo – Egito; (WPRO) - Escritório Regional para o Pacífico
Ocidental – Manila – Filipinas (MATTA, 2005).
xxv
Com exceção do Canadá, país que não era membro da Oficina.
62
organização de caráter regional. Somente após acordos que garantiam a autonomia (política e
financeira) e identidade da Oficina, foi aceito que ela se transformasse numa representação
regional da OMS:
A Organização Sanitária Pan-Americana, representada pelo Pan-American Sanitary
Bureau, as Conferências Sanitárias Pan-Americanas e todas as outras organizações
regionais intergovernamentais de saúde que existam antes da data da assinatura
desta Constituição serão, em tempo oportuno, integradas na Organização. Esta
integração será efetuada, logo que seja possível, por uma ação comum, baseada no
consentimento mútuo das autoridades competentes, expresso pelas organizações
interessadas (CUETO, p. 29, 2007).
Dentre outras resoluções, a Conferência de Caracas orientou os seus países membros a
promoverem sistemas abrangentes de seguridade social e que orientassem os investimentos
em saúde para a medicina preventiva. Além disso, durante essa Conferência, Fred Soper foi
nomeado como diretor da OPAS (CUETO, 2007).
A partir da década de 1940, foram instalados escritórios de campo, sendo o primeiro
criado em 1942, em El Paso, Texas (fronteira com México). O segundo escritório passou a
funcionar na Guatemala com a missão de controle do tifo exantêmico nas comunidades
indígenas. O terceiro surgiu em Lima, Peru, e dedicou-se a eliminar a peste bubônica na Costa
Ocidental da América do Sul. Por último, no fim da década de 1950, montou-se um escritório
na Jamaica (MACEDO, 1997). Ainda assim, a área de influência da Oficina limitava-se a
medidas de quarentenas e notificação de doenças transmissíveis, desconsiderando o caráter
social do processo saúde-doença.
Paralelamente à expansão dos escritórios de campo da Oficina, duas organizações
destacaram-se durante a 2ª Guerra Mundial no âmbito da cooperação internacional e no
campo da saúde pública: o Office of the Coordinator of Inter American Affairs (OCIAA),
coordenado por Nelson Rockeffeler (neto do magnata do petróleo) e a Fundação Kellogg
(CUETO, 2007).xxvi
3.4. A Consolidação da Organização Pan-Americana de Saúde (1947 a 1959)
O processo de consolidação da OPAS foi paulatino, com dificuldades e prioridades
políticas e técnicas diferentes ao longo do tempo. Suas ações também sofreram mutações ao
longo de sua história. Contudo, dois elementos foram fundamentais para a consolidação da
xxvi
O OCIAA implementou uma série de programas educacionais de saúde pública, construção de hospitais,
campanhas contra malária, criação de sistemas de água e esgoto e bolsas de estudos para médicos e enfermeiros.
Já a Fundação Kellogg, em parceria com a Oficina investiu na formação de profissionais, principalmente
médicos, voltados para a higiene e saúde pública e programas de saúde bucal (CUETO, 2007).
63
organização. Um deles foi a adesão completa dos países membros, que aconteceu entre 1940 e
1950, assim, a organização passou a englobar todas as Américas e o Caribe. Outro elemento
fundamental foi o longo processo de ampliação e reorganização estrutural e financeira da
organização, iniciado por seu 4º diretor, Fred Soper (CUETO, 2007).xxvii
Ao assumir o cargo em 1947 o diretor Soper precisou abordar problemas delicados
como a ampliação e manutenção da sede em Washington; a necessidade de ampliar as fontes
de financiamento; a negociação da relação entre a OPAS e a recém-criada OMS. No plano
geopolítico, o mandato de Soper coincidiu com o período da Guerra Fria, que polarizava o
mundo entre o capitalismo estadunidense e a influência socialista da antiga União Soviética.
Esse cenário colocou em julgamento os reais motivos de intervenção internacional no setor da
saúde pública (PATRICK, 2002). xxviii
Deste modo, durante a Guerra Fria, a orientação e o significado do pan-americanismo
continuaram a ser temas de discussão entre os sanitaristas, ao abordarem as diferenças sociais
e econômicas absurdas que existiam na região. Afinal, num momento de disputa de ideias e
modelos, era sabido que a cooperação interamericana sempre foi fortemente influenciada pela
política externa estadunidense.
O período pós- guerra trouxe mudanças demográficas com importantes implicações no
setor da saúde, como o aumento populacionalxxix. Em alguns países observou-se uma queda
expressiva na taxa de mortalidade, assim como o aumento da expectativa de vida. Ao mesmo
tempo, uma parte dos países latino-americanos assistia a suas taxas de natalidade e de
mortalidade por doenças infecciosas diminuírem. Além do controle de epidemias, a redução
da mortalidade infantil e materna passou a ser preocupação constante para a OPAS.
(CUETO, 2002).
Um capítulo importante da história da Organização foi escrito na Reunião do Conselho
Diretor, de Buenos Aires, em 1948, quando foi aprovada a Constituição da Organização
Sanitária Pan-Americana vigente até hoje. Cabe destacar seu primeiro artigo, que estabeleceu
xxvii
Fred Soper possuía grande renome e influência no cenário da saúde pública por seus estudos para a
erradicação da febre amarela, varíola e malária. Soper foi o primeiro diretor que não havia trabalhado no serviço
militar de saúde pública dos Estados Unidos (OPAS, 2002).
xxviii
O mundo vivia constantemente à beira de uma declaração de guerra envolvendo superpotências globais.
Mais do que a disputa de influência política e econômica estavam em disputa diferentes modelos de sociedade.
Os países da America Latina geopoliticamente estavam situados na esfera de influência dos Estados Unidos. Os
anos da guerra significariam a promoção de um modelo de desenvolvimento orientado à expansão do capitalismo
por meio de medidas como: reformas agrárias limitadas, industrialização através da substituição de importações
e regimes políticos populistas, não necessariamente democráticos. Nesse período não faltaram intervenções
militares dos Estados Unidos nos países latino-americanos tais como Guatemala, Haiti, Cuba, entre outros
(PATRICK, 2002).
xxix
No final da década de 1950 sete países das Américas tinham populações superiores a 10 milhões de
habitantes (CUETO, 2002).
64
como objetivo da OPAS: “promover e coordenar os esforços dos países do Hemisfério
Ocidental para combater as doenças, prolongar a vida e promover a saúde física e mental da
população” (CUETO, 2007). xxx
Mesmo em um momento de turbulência, Fred Soper aumentou a estatura e o
reconhecimento da OPAS, inclusive em sua capacidade de atrair recursos. Soper visitou os
governantes de vários países da região a fim de obter contribuições voluntárias a OPAS,
dentre os quais, Argentina, Brasil, Chile, Republica Dominicana, El Salvador, México e
Venezuela. Com essa estratégia, o orçamento anual da OPAS passou de US$ 90.000 em 1947
para US$ 1.300.000 no ano de 1948 .xxxi Essa medida foi fundamental para que na 1ª
Assembléia Mundial da Saúde (1948) quando se oficializou a criação da OMS, a OPAS não
fosse dissolvida dentro da nova organização. Outra medida tomada foi a constituição de uma
'burocracia' e uma área técnica vinculada à instituição, como um corpo permanente e estável
para o escritório sede em Washingtonxxxii (MACEDO, 1997; LIMA, 2002).
No campo científico, incentivou-se a publicação regular e a distribuição gratuita do
Boletim da OPAS. Além disso, organizou-se uma biblioteca centralizada com uma equipe de
tradutores profissionais de inglês, português, francês e espanhol para difundir o conhecimento
na área da saúde pública.
Foram realizados investimentos em programas e projetos de
formação profissional na área da saúde pública por meio de distribuição de bolsas de pesquisa
e fomentos. Destaque-se o incentivo para a formação de enfermeiras para atuar na área de
higiene e sanitarismo, que viriam se tornar a grande força de trabalho do setor da saúde
(LIMA, 2002; CUETO, 2007).
O diretor Soper propôs uma mudança na estrutura organizacional da OPAS em que as
atividades eram divididas em três eixos principais: Saúde Pública, Administração e Educação
e Formação. A Divisão de Saúde Publica era responsável pelos serviços de promoção da
saúde: administração, enfermagem, nutrição, saúde materna infantil e saneamento ambiental.
xxx
Em contraste com a Constituição da OMS, que formulou uma definição polêmica e, para alguns, idealista de
saúde. Diz a definição: “A saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social, e não a mera
ausência de doenças ou debilidades”. As metas da Organização Sanitária Pan-Americana pareciam mais
concretas e atingíveis (CUETO, 2007).
xxxi
As finanças provinham de fontes regulares (pela contribuição dos membros); de projetos financiados e bolsas
de estudos da Fundação Rockefeller (1920-1950), Fundação Kellogg (após os anos 40), OMS, Unicef, ONU e
FAO; de convênios e acordos técnicos com países da região e, especialmente, com os Estados Unidos, em
auxílio intensificado na Guerra Fria (1941-1951, atingindo cerca de 30 milhões de dólares). Outro passo
importante foi tornar independente a conta bancária da OPAS, visto que grande parte da verba da instituição
vinha do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos pela conta da União Pan-Americana, causando atraso e
outras complicações na prestação de contas (CUETO, 2002).
xxxii
Em dezembro de 1946 o escritório possuía somente 32 funcionários. Ao final do mandato de Soper em 1954,
havia uma equipe de 412 funcionários, da qual em torno de 50% trabalhava fora de Washington, nos escritórios
de campo (MACEDO, 1997; LIMA, 2002).
65
A Divisão Administrativa compreendia um escritório jurídico, um serviço de gerência pessoal
e um serviço de finanças e orçamento. A Divisão de Formação e Educação gerenciava bolsas
de estudos e programas educacionais (LIMA, 2002; CUETO, 2007).
A ampliação da presença da OPAS nos países se deu com a divisão das Américas em
seis zonas, com um escritório regional em cada. Posteriormente, cada país passou a comportar
um escritório local. Por fim, Soper conseguiu a doação de uma sede própria para a OPAS
junto ao Corpo diplomático norte-americano. Pouco depois o Comitê Executivo examinou a
proposta de mudar a sede da instituição para uma cidade da América Latina, México ou Lima,
mas isso nunca se concretizou e a sede permaneceu na capital dos Estados Unidos. Mais
tarde, em meados da década de 1960, sob a direção seguinte de Abraham Horwitz, a OPAS
mudou-se para um prédio especialmente construído para ela, em Washington, onde mantém
sede até hoje (MACEDO, 1997).
3.5. A Busca de uma Agenda (1960 a 2002)
No decorrer de história, a OPAS precisou lidar por um lado com agendas não
consensuais e por outro, com a constatação de que o paradigma sanitarista com base na saúde
pública tradicional não respondia às necessidades de saúde, principalmente dos países
periféricos, imersos num contexto de desigualdades sociais. Orientado por essa premissa, o
quinto diretor da OPAS, Abraham Horwitz (1959-1975), buscou incorporar à agenda
programas e ações de saúde orientadas pela meta do desenvolvimento socioeconômico. Para
tal, era necessário fomentar a criação de estruturas de promovessem a saúde pública nos
países (Ministérios ou Secretarias de Saúde, Centros de Higiene) (CUETO, 2007).
Argumentava-se que as condições sanitárias dependiam do nível de desenvolvimento
econômico alcançado. Por exemplo, a redução de índices de mortalidade infantil não dependia
exclusivamente de acesso aos serviços de saúde, mas de elementos como saneamento, renda e
boa alimentação, que estão diretamente relacionados com o desenvolvimento econômico de
uma nação. A saúde também seria indispensável à economia em razão da importância
crescente das doenças ocupacionais, como os problemas de saúde dos operários das minas,
como a silocose, e os dos agricultores com envenenamento por pesticidas, além da exposição
de outros grandes grupos de trabalhadores à poluição atmosférica e à radiação ionizante.
Embora os serviços de seguridade social abordassem as consequências desses problemas, não
propunham e nem implementavam ações para preveni-los (CUETO, 2007).
66
A partir do raciocínio de que saúde e economia são interligados, o diretor Horwitz
impulsionou uma intensa mobilização em torno de práticas de planejamento, principalmente
no que tange à disponibilidade de recursos. Temas como a qualidade da água potável e
questões ambientais ganharam destaque.
xxxiii
Deste modo, em 1961, numa reunião do
Conselho Diretor em Punta del Leste sinalizou-se a necessidade de incorporar à agenda o
tema do planejamento em saúde, propiciando a criação do Método Cendes – OPAS. A defesa
do planejamento em saúde partia do pressuposto de que os recursos em saúde eram escassos,
mal utilizados, tecnicamente ineficientes e mal distribuídos. O planejamento surge como um
instrumento essencial para aperfeiçoar a utilização dos recursos (Costa e Melo, 1994).xxxiv
Um acontecimento significativo para a OPAS na década de 1960 foi a inauguração do
prédio de sua nova sede permanente, que até aquele momento havia ocupado espaços
alugados ou dividido suas instalações com outras instituições como a União Pan-Americana.
O projeto arquitetônico foi escolhido a partir de um concurso entre os mais renomados
arquitetos das Américas. O Centro Latino-Americano e do Caribe de Informações em
Ciências da Saúde (BIREME), também foi inaugurado em sua gestão (OPAS, 2002). xxxv
O diretor Horwitz deixou o cargo em janeiro de 1975 após quatro mandatos na
Organização. Ao final de seu último mandato, criou a Fundação Pan-Americana de Saúde e
Educação, a fim de obter verbas adicionais para o trabalho na Organização por meio de
fundações filantrópicas e privadas (CUETO, 2007).
No decorrer dos anos 60 e 70, houve um rearranjo no cenário da comunidade
internacional devido à criação de novas agências e bancos regionais. Além disso, fato
relevante foi o desenvolvimento de agências governamentais de cooperação internacional que
articulavam as políticas externas de governos dos países periféricos em troca de doações e
empréstimos. Esse cenário fortaleceu as agências internacionais e governamentais de ajuda
internacional, inclusive com reflexos importantes na formulação e implementação das
políticas de saúde (MATTOS, 2001).
Nos anos 70, ganha amplitude no conjunto da América Latina a noção de saúde como
um valor social vinculado não só à prevenção e ao controle de doenças, mas, sobretudo ao
xxxiii
Entre 1966 e 1971, a Organização, a Fundação Kellogg e o Banco Interamericano de Desenvolvimento
financiaram a formação de aproximadamente 500 engenheiros sanitários de 24 países das Américas (CUETO,
2007).
xxxiv
Em 1973, em parceria com o governo do Canadá, a OPAS realizou em Ottawa a I Conferência PanAmericana sobre Planificação de Recursos Humanos em Saúde. Como produto apresentou a elaboração de um
plano de saúde decenal para as Américas (CUETO, 2007), ratificando a priorização do tema num determinado
momento de sua agenda.
xxxv
O BIREME foi criado em 1967, graças a um acordo assinado entre a Organização, o governo brasileiro e a
Escola Paulista de Medicina, e com o apoio da Fundação Kellogg (OPAS, 2002).
67
direito de acessar serviços públicos de saúde. Esse movimento esteve fortemente vinculado ao
processo de lutas pela redemocratização e ampliação de direitos pelos quais passava a região.
Portanto, em 1975, foi convocada a XIX Conferência Sanitária Pan-Americana, que
teve como foco o projeto “Saúde para Todos no Ano 2000 (SPT 2000)”. Essa conferência
elegeu o médico mexicano Hector Acuña como sexto diretor da OPAS para o período de 1975
a 1983. Durante a gestão de Acuña, as orientações da Conferência de Alma-Ata (1978) foram
adaptadas a uma série de programas de saúde, originando a criação dos Sistemas Locais de
Saúde, ou Silos, com vistas a aumentar a cobertura sanitária (CUETO, 2007) xxxvi.
Dentre todas as iniciativas para o fortalecimento da APS na região, os programas de
imunização foram os mais bem sucedidos. Em 1980, muitos países das Américas tinham
cobertura vacinal inferior a 5% para as doenças imunopreviníveis prevalentes na infância
como sarampo, tétano, difteria, tuberculose, poliomielite e coqueluche. No final da década de
1980, a maior parte dos países já havia imunizado pelo menos 50% de suas crianças com
índices de cobertura superior a 80% para difteria, coqueluche, tétano, poliomielite e sarampo.
A OPAS estabeleceu cooperação junto aos países membros para que estabelecessem a ‘cadeia
de frios’ para conservar as vacinas (CUETO, 2007).
Em 1983, a gestão de Carlyle Guerra de Macedo tem inicio em meio a uma crise com
relação ao modelo SPT 2000. Os questionamentos partiam do pressuposto que os serviços de
saúde possuíam uma série de dificuldades relacionadas à escassez de recursos e baixa
capacidade institucional. Os doadores criticavam os poucos resultados dos investimentos em
vacinas, remédios e médicos. Além disso, as influências da agenda neoliberal começavam a
fomentar nas Américas o paradigma da economia da saúde. Deste modo, na década de 1980,
instalou-se uma crise de legitimação e cooperação internacional em relação ao sistema
OMS/OPAS, gerando desgaste e falta de compromisso em relação aos ideais da Conferência
de Alma-Ata (COSTA e MELO, 1994).
Mattos (2001) refere que ao longo dos anos 80 e 90 a OMS foi perdendo sua
importância e com isso, a influência política e técnica junto aos países membros. Por um lado,
devido aos crescentes investimentos (influência econômica) do Banco Mundial e, por outro,
devido ao afastamento do UNICEF das teses de universalidade, compartilhadas na
Conferência de Alma-Ata. O UNICEF assumiu uma política focalizada na redução da
xxxvi
Em 1983, Acunã publicou um livro sobre a história e os caminhos da Organização, e explicitou que a meta
de saúde para todos no ano 2000 deveria ser perseguida pela Organização, por se tratar de um objetivo desejável
e fundamental para conquistar mudanças sociais, num período de instabilidade política, recessão e inflação
(CUETO, 2007).
68
mortalidade infantil que, num contexto de reformas neoliberais, angariou grandes recursos de
organizações governamentais e não governamentais e do Banco Mundial.
Acrescente-se a isso que, no decorrer da década de 80, o Banco Mundial elevou seus
investimentos no setor da saúde, e com isso, aumentou sua influência na agenda política dos
países periféricos, propondo ações que tinham como meta a redução de gastos públicos como
condição para o refinanciamento da dívida externa de países devedores. Mediante os
mecanismos de indução financeira, o Banco difundiu fortemente a concepção de gastos
sociais seletivos e focalizados para a redução da pobreza (COSTA, 1998). Além disso, novos
mecanismos de “oferta de ideias” tiveram importância no mesmo período, como descrito por
Mattos (2001).
Assim, o Banco Mundial passou a disputar a hegemonia no setor da saúde com a
OMS, defendendo a tese da eficiência dos serviços de saúde, e que caberia aos Estados
Nacionais a oferta de um pacote básico de ações em saúde, cuja população-alvo deveria ser os
pobres e incapazes de arcar com os custos para a manutenção da saúde. Aos demais caberia,
por recursos próprios, recorrer ao mercado como provedor de serviços de saúde (COSTA,
1998).
WALT (1993) destaca que existia a necessidade de conexão entre cooperação técnica
para formulação, implantação e avaliação das políticas em saúde e o desenvolvimento de um
sistema econômico-social. Assim, diante de um questionamento acerca da eficácia de
estratégias de cooperação técnica e da mudança do paradigma sanitarista da saúde como um
bem público, foram incorporados à agenda da OPAS temas de controle técnico, avaliação de
produtividade de programas, serviços e sistemas de saúde.
Para Costa e Melo (1994), as críticas ao sistema OMS/OPAS na década de 1980, mais
que um rearranjo para a inclusão de novos campos, trouxeram um conjunto de princípios,
normas e crenças que influenciaram fortemente a proteção à saúde. Passou a se destacar a
busca por políticas de saúde que respondessem à lógica do mercado, negligenciando o
complexo caráter do gasto social.
Ao final da década de 1980, com a instituição do Consenso de Washington,
consolidou-se o fenômeno da globalização. O Consenso apresentava uma série de prescrições
de ajustes econômicos para países periféricos, alegando o intuito de acelerar o
desenvolvimento econômico desses países. Tal Consenso incluía medidas como: disciplina
fiscal, redução de gastos públicos, reforma tributária, redução do papel do Estado na
economia, abertura comercial para investimentos estrangeiros, privatização de serviços
69
estatais, desregulamentação de leis e direitos trabalhistas e redução de investimentos na área
social (MATTA, 2005; BEHRING e BOSCHETTI, 2009). xxxvii
Os anos 90 foram marcados por uma série de transformações epidemiológicas,
políticas e econômicas. A consolidação da ideologia neoliberal pautou a política social pelas
análises econômicas, sobretudo no que tange ao financiamento dos setores sociais, o que
trouxe implicações importantes para a concepção de direito à saúde. Nesse contexto, George
Alleyne foi nomeado diretor da OPAS para o período de 1990- 2002.
Diante de um mundo em transformação e do cenário de aumento das desigualdades em
saúde, o diretor Alleyne defendeu o acesso a serviços de saúde de qualidade. Assim, durante
seu mandato, redigiu-se o documento que analisava as reformas recentes nos sistemas de
saúde e concluiu-se que os processos de reforma setorial da saúde se teriam concentrado em
mudanças estruturais, financeiras e organizacionais, assim como em ajustes na prestação de
serviços. Contudo, esses movimentos estariam sendo executados de maneira que
negligenciaria a responsabilidade institucional e governamental com a saúde pública. Nesse
contexto, propuseram-se as 12 funções essenciais da saúde pública.xxxviii
O quadro 3.2 apresenta, resumidamente, o foco da agenda de cada gestão da OPAS no
período de 1902 a 2002.
xxxvii
O documento conhecido como “Consenso de Washington” foi formulado por economistas do Banco
Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Departamento do Tesouro dos EUA e Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID).
xxxviii
As Funções Essenciais de Saúde Pública propostas pela OPAS incluíam: i) Monitoramento, avaliação e
análise do estado de saúde; ii) Vigilância em saúde pública, pesquisa e controle de riscos e ameaças à saúde
pública; iii) Promoção da saúde; iv) Participação social em saúde; v) Desenvolvimento de políticas e capacidade
institucional para o planejamento e a gestão em saúde pública; vi) Fortalecimento da capacidade institucional
para regulação e cumprimento da lei em saúde pública; vii) Avaliação e promoção do acesso eqüitativo aos
serviços de saúde necessários; viii) Desenvolvimento e treinamento de recursos humanos necessários em saúde
pública; ix) Garantia de qualidade em serviços de saúde individual e populacional; x) Pesquisa em saúde pública;
e xi) Redução do impacto de emergências e desastres na saúde (OPAS, 2007).
70
Quadro 3.2 –. Foco da agenda de cada gestão da OPAS no período de 1902 a 2002.
Período
Diretor
de gestão
Foco da agenda
Conferências de Saúde que tinham como ênfase a tomada de
Walter Wyman, EUA
1902-1911
medidas para saneamento dos portos e controle de epidemias
nas cidades.
Rupert Blue, EUA
1912-1920
Combate às epidemias que minavam a capacidade produtiva
das populações.
Hugh S. Cumming, EUA
1920-1947
Pan-Americanismo e adesão da OPAS à OMS.
Fred L. Soper, EUA
1947-1958
Fortalecimento institucional da OPAS.
Abraham Horwitz, Chile
1959-1974
Planejamento Estratégico.
Hector R. Acuña, México
1975-1983
Saúde para todos no ano 2000, com ênfase na imunização e
nos projetos de proteção materna e infantil.
Carlyle
Guerra
de
1983-1995
Macedo, Brasil
George A. O. Alleyne,
Imunização, com ênfase para a campanha de erradicação da
poliomielite nas Américas.
1995-2002
Análise das reformas setoriais.
Barbados
Fonte: Elaboração própria, 2011.
Na última década, sob a gestão da diretora Mirta Roses, iniciada em 2003, a OPAS
parece ser uma agência internacional em busca de exercer certa liderança técnica e política na
organização dos sistemas nacionais de saúde, no campo da saúde internacional,
principalmente, no âmbito dos países latino-americanos. Nesse contexto, surge com certa
força na agenda da agência o projeto de “Renovação da Atenção Primária nas Américas”, que
será abordado no capítulo 4.
Atualmente, a OPAS se organiza a partir de representações dos governos membros,
eleitos pelo Conselho Diretor ou pelas Conferências Sanitárias Pan-Americanas. Opera por
meio de uma estrutura de secretarias muito flexíveis e descentralizadas, sendo que em torno
de 75% do quadro de funcionários está sediado nos 28 escritórios de campo. O diretor da
OPAS e consequentemente diretor regional da OMS tem mandato de 04 anos e pode ser
reeleito indefinidamente. As Conferências Sanitárias Pan-Americanas ocorrem a cada quatro
anos. No que se refere a recursos financeiros, cerca de 60% do orçamento ao final dos anos 90
era constituído de recursos regulares, oriundos de doações dos países membros e repasses da
OMS (MACEDO, 1997). A figura 3.1 apresenta o organograma atual da OPAS.
71
Figura 3.1 – Organograma atual da OPAS, 2011.
Fonte: OPAS, 2011.
72
CAPÍTULO 4 – A AGENDA RECENTE DA ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE - A RENOVAÇÃO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA
EM SAÚDE NAS AMÉRICAS.
4.1. A Trajetória do Movimento de Renovação da APS.
É importante reafirmar a Organização Pan-Americana de Saúde como uma agência de
cooperação internacional que formula, monitora e avalia políticas e programas de saúde na
região das Américas, principalmente na América Latina e no Caribe. Nesse sentido, a
cooperação técnica é a principal estratégia política dessa agência para influir em seus países
membros.
Historicamente, a OPAS exerceu certa liderança no âmbito da saúde internacional nas
Américas. Em seus primórdios, por meio de medidas que visavam o saneamento dos portos e
cidades, posteriormente no fomento e desenvolvimento de programas de imunização, a fim de
erradicar doenças, e ainda, por meio dos programas específicos para grupos vulneráveis, como
mães, crianças, portadores de algum tipo de condição especial, entre outras.
Cabe ressaltar que até a consolidação da OMS, existia um protagonismo dos EUA na
formulação e condução da política, que pode ser evidenciado pelos sucessivos diretores de
origem estadunidense. A partir de 1960 nota-se uma inflexão nesse sentido, a partir da eleição
do médico Abraham Horwitz do Chile para diretor da OPAS, que abre um ciclo de diretores
latino-americanos na condução da Organização, que perdura até a atualidade.
A partir da década de 90, com a entrada do Banco Mundial e a reafirmação das
políticas focalizadas e restritivas do UNICEF no cenário da cooperação internacional, o
sistema OMS/OPAS assumiu um papel coadjuvante no que tange à saúde internacional.
Diante dessa conjuntura, foi necessário que a OPAS revisitasse seus objetivos e estratégias de
cooperação para tentar recuperar sua legitimidade técnica e política diante dos países
membros.
Deste modo, a partir da gestão da diretora Mirta Roses Periago, iniciada em 2003, o
lançamento do movimento de renovação da APS nas Américas parece representar uma
inflexão importante na trajetória política da OPAS, visto que a Organização, para além de
propor projetos e programas específicos no âmbito da APS, sugere a reestruturação dos
sistemas de saúde dos países americanos, mais especificamente dos latino-americanos e
73
caribenhos, a partir da APS, com base em valores como: direito ao mais alto nível possível de
saúde, equidade e solidariedade.
Aproveitando-se da janela de oportunidades aberta pelas comemorações do 25º
Aniversário da Declaração de Alma-Ata e do consenso internacional fomentado pelos
organismos internacionais em torno da pactuação de metas que auxiliem na conquista dos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênioxxxix, a OPAS propõe uma revisão das propostas da
Conferência de Alma-Ata. Deste modo, o “documento de posicionamento” propõe uma
revisão desse legado nas Américas (OPAS, p.i , 2007), definindo que:
Renovar a APS exigirá uma fundamentação sobre o legado de Alma-Ata e do
movimento da Atenção Primária em Saúde, aproveitando plenamente as lições
aprendidas e as melhores práticas resultantes de mais de vinte e cinco anos de
experiência, bem como renovar e reinterpretar a abordagem e a prática de APS para
enfrentar os desafios do século vinte e um. (OPAS, p.i, 2007).
O Brasil tem se mostrado disposto a liderar esse processo junto a OPAS, buscando
ampliar sua influência no setor. Isso pode ser observado tanto pela participação de
especialistas do país na formulação das propostas quanto pelo fato de que muitos documentos
da série foram elaborados a partir de subsídios levantados em reuniões realizadas em território
brasileiro.
A seguir, buscou-se resgatar as principais movimentações institucionais no período de
2003 a 2010 para a construção da agenda no interior da OPAS, a partir de uma série de
declarações, resoluções e documentos. Localiza-se como marco inicial do processo, em 2003,
o 44º. Conselho Deliberativo que, por meio da resolução no. 46, propõe aos países membros e
à própria OPAS que assumam a renovação da APS nas Américas como estratégia de
reestruturação dos sistemas de saúde. No mesmo ano, a OPAS celebra o 25º Aniversário da
Conferência de Alma-Ata.
Buscando dar continuidade ao processo de renovação da APS, em 2004, foi criado o
“Grupo de Trabalho sobre APS” no interior da OPAS a fim de construir diretrizes estratégicas
e programáticas referentes à APSxl. Em 2004 em Boca Chica, na República Dominicana, foi
xxxix
As 08 metas dos objetivos do milênio são: (1) erradicar a pobreza extrema e a fome, (2) atingir o ensino
básico universal, (3) promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres, (4) reduzir a mortalidade
infantil, (5) melhorar a saúde materna, (6) combater o HIV/AIDS, a malaria e outras doenças, (7) garantir a
sustentabilidade ambiental e (8) estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento (ONU, 2000).
xl
Os objetivos do GT eram: 1) analisar e reafirmar as dimensões conceituais da APS contidas na Declaração de
Alma Ata; 2) desenvolver definições operacionais de conceitos relevantes à APS; 3) dar orientação aos países e à
OPAS/OMS sobre como reorientar os sistemas e os serviços de saúde da região seguindo os princípios da APS;
4) elaborar uma nova declaração regional sobre APS que refletisse as realidades atuais dos sistemas de serviços
de saúde e a necessidade de avaliar os êxitos e o progresso da APS; e 5) organizar e realizar uma consulta
regional com grupos de interesse relevantes, de forma a tornar legítimos os processos acima (OPAS, 2007).
74
pactuada a “agenda da saúde para as Américas”, na qual a APS renovada ganhou destaque.
No ano seguinte, em 2005, a “Declaração de Montevidéu” ratificou junto aos países membros
a necessidade de renovar a APS, a partir de medidas como financiamento adequado,
intersetorialidade, desenvolvimento integral e equitativo com base na Declaração do Milênio.
A partir de 2007, observam-se uma intensificação e uma consolidação da estratégia de
renovação da APS nas Américas. Tal inflexão tem inicio com o lançamento de um número
especial da Revista Pan-Americana de Saúde Pública, intitulado: “A Renovação da APS nas
Américas: A proposta da OPAS para o Século XXI”. O editorial assinado pela diretora Mirta
Roses convoca os países a aderirem à proposta, a partir de um argumento retórico sustentado
na lógica das evidências científicas:
La contribución de la APS al mejoramiento de la salud de la población, como
consecuencia de un mayor acceso a los servicios, de la aplicación de un enfoque
preventivo y de contar con personal más capacitado, ha sido ampliamente
reconocida por la comunidad internacional (OPAS, p. 2, 2007)
O conteúdo da revista segue relatando as experiências tidas como exitosas nos países
membros no campo da APS, como: a Estratégia de Saúde da Família no Brasil, as visitas
domiciliares em Cuba, o programa “Vida” de promoção da saúde no Chile, entre outros. No
mesmo ano, em 2007, a “Declaração de Buenos Aires” ratifica a APS como um investimento
fundamental para se alcançar os Objetivos do Milênio nas Américas. Ainda em 2007 é
lançado o “Documento de Posicionamento - A Renovação da Atenção Primária em Saúde nas
Américas”xli, no qual a OPAS elenca e discute valores, princípios e elementos que devem
nortear o processo de renovação da APS nas Américas, assim como indica um plano com
tarefas de nível local, regional e global para se alcançar tal objetivo.
Em 2008, é lançado o documento no. 2 da série Renovação da APS nas Américas,
intitulado “A formação em Medicina Orientada para a APS”, no qual a OPAS propõe a
normatização de currículos e competências necessárias para a atuação do médico na APS.
Ao final do mesmo ano, em 2008, a OMS lançou seu relatório anual com foco na APS,
intitulado “Atenção Primária em Saúde – Agora Mais que Nunca” que abordava as reformas
consideradas necessárias para os sistemas de saúde se estruturarem pela APS. Assim, a OMS
defende quatro tipos de reformas: (1) reformas em favor da cobertura universal, que visam
assegurar sistemas de saúde a favor da equidade e da justiça social; (2) reformas de
reorganização dos sistemas de saúde, que devem dialogar com as necessidades e expectativas
xli
O documento de no. 2 “ A Formação em Medicina Orientada para a APS” em 2008, antes do documento de no.
1 “Estratégias para o Desenvolvimento de Equipes de APS”, em 2009., visto que, o documento de equipes,
demandou mais tempo no processo de elaboração e pactuação.
75
da população, para torná-los socialmente mais relevantes e fornecer ao mesmo tempo
melhores resultados em saúde; (3) reformas de políticas públicas, que objetivem melhorar a
saúde das comunidades, por meio da integração entre setores públicos e privados; (4)
reformas nas lideranças que substituam por um lado a dependência do Estado e por outro, a
lógica do “laissez-faire” (OMS, 2008).
O documento no. 1 da série renovação da APS nas Américas intitulado “Estratégias
para o desenvolvimento de equipes de Atenção Primária em Saúde” foi lançado em 2009.
Esse documento tratou das competências necessárias para o trabalho em equipe e possui a
mesma natureza prescritiva e normatizadora do documento anterior. Ainda em 2009, o 49º.
Conselho Deliberativo por meio da resolução 22 orientou os países membros a elaborarem um
plano de ação nacional para integração e coordenação dos serviços de saúde. Ao final de
2009, dialogando com todas as movimentações políticas no interior da Organização e ainda,
com o documento “Atenção Primária em Saúde – Agora Mais que Nunca” da OMS, a OPAS
divulgou seu Relatório Anual sob o título “Em busca da Saúde para todos: Avanços na
Atenção Primária em Saúde nas Américas”, no qual, mais uma vez, a agência aposta na
divulgação de experiências que considera bem sucedidas no que se refere às reformas no
âmbito da cobertura universal, da prestação de serviços, nas políticas públicas e nas
lideranças, como orienta o relatório da OMS.
No ano de 2010, três documentos são relevantes. O primeiro é o documento no. 3 da
série de Renovação da APAS nas Américas, denominado: “O credenciamento de Programas
de Formação Médica e Orientação à APS”, que trata de faculdades de medicina que
orientaram reformas curriculares com vistas a reorientar a formação médica para a prática na
APS. O segundo é o documento de no. 4 da série de Renovação da APAS nas Américas,
chamado “Redes Integradas de Serviços de Saúde: Conceito, Opções Políticas e Roteiro para
sua Implantação nas Américas”, que aborda a necessidade de estabelecer redes de serviços de
saúde e ainda ações intersetoriais articuladas aos serviços de saúde locais, ou seja, à APS. O
terceiro documento, no final de 2010, é a resolução do 50º. Conselho Deliberativo que
reiterou a necessidade de desenvolver competências para profissionais de saúde com vistas a
atuar na APS.
Os itens a seguir apresentam e discutem o conteúdo dos documentos da série
Renovação da Atenção Primária em Saúde nas Américas selecionados para análise, que
inclui: o documento de posicionamento sobre a renovação da APS nas Américas, o
documento sobre a formação em medicina orientada para a APS, o documento de estratégias
76
para o desenvolvimento de equipes em APS e o documento de redes integradas de serviços de
saúde.
4. 2. O documento de Renovação da Atenção Primária nas Américas.
A partir da análise, identificaram-se como objetivos desse documento: realizar
recomendações que permitam a renovação da atenção primária em saúde nas Américas e
construir coalizões entre os diferentes atores que tem influência no setor da saúde: governos,
prestadores de serviços (públicos e privados), agências internacionais e formadores de
opinião. O documento final, lançado em 2007, é produto de um processo de consultas
nacionais, realizadas em 20 países, num período de pouco mais de um ano.xlii Essa
metodologia parece ser uma estratégia para sensibilizar as partes interessadas e assim, pactuar
adesões para a renovação da APS. Deste modo, mais do que um documento de
posicionamento, a OPAS busca garantir um “status” de “declaração regional” a esse
documento.
Nesse documento, a OPAS parte de três pressupostos. Inicialmente argumenta que
existe uma situação mundial de iniquidades em saúde que foram agravadas nos últimos anos
por transformações epidemiológicas e demográficas, principalmente nos países periféricos. O
segundo pressuposto se ancora em evidências científicas que apontam que sistemas de saúde
orientados pela APS são efetivos e eficazes, ou seja, possuem uma relação custo-efetividade
positiva num contexto de recursos financeiros limitados. O terceiro pressuposto seria a
necessidade de resgatar o legado da Conferência de Alma-Ata, contudo adaptando-o às
transformações ocorridas nos últimos 30 anos (OPAS, 2007).
Sabe-se que últimos anos houve um agravamento geral das desigualdades sociais,
devido a práticas de ajustes econômicos e às pressões da globalização. Esse quadro demonstra
a incapacidade das sociedades capitalistas em lidar com o conjunto de determinantes sociais e
propor políticas que melhorem as condições de vida e saúde das populações. Partindo da tese
de que a saúde deve ter um papel central na agenda de desenvolvimento por se tratar de uma
necessidade humana básica e um direito social fundamental na construção das sociedades
democráticas, defende-se que criar e recriar modos estruturantes dos sistemas de saúde é
fundamental.
xlii
A versão provisória desse documento foi divulgada para consulta aos países membros em 2005. Os países nos
quais foram realizadas as consultas incluem: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba,
Republica Dominicana, Equador, El Salvador, Guatemala, Guiana, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá,
Paraguai, Peru, Suriname e Venezuela.
77
Dentre os motivos que justificam a renovação da APS, a OPAS destaca: os novos
desafios epidemiológicos, a necessidade de corrigir pontos fracos e inconsistentes presentes
em algumas abordagens de APS, o desenvolvimento de melhores práticas, o reconhecimento
da APS como ferramenta capaz de reduzir iniquidades em saúde, além de ser uma condição
fundamental para atingir os compromissos da Declaração do Milênio. Deste modo, a OPAS
(2007) define como objetivo para renovar a APS:
Revitalizar a capacidade dos países de elaborar uma estratégia coordenada, eficaz e
sustentável para combater os problemas de saúde existentes, prepará-los para novos
desafios de saúde e melhorar a equidade. A meta de tal esforço é obter ganhos
sustentáveis de saúde para todos (OPAS, p. 2, 2007).
Assim, segundo a OPAS “a essência da definição renovada da APS é a mesma contida
na Declaração de Alma-Ata. No entanto, essa nova definição considera o sistema de saúde
como um todo; inclui os setores público, privado e sem fins lucrativos, e aplica–se a todos os
países” (OPAS, p. 8, 2007). Entretanto, esse trecho expressa uma diferença essencial do que
referendou a Conferência de Alma-Ata ao fomentar medidas que fortalecessem o setor
público como estratégia de ampliação e garantia do direito universal à saúde. Para que tal
recomendação fosse viável, afirmava-se a necessidade de promover o protagonismo estatal,
ainda que não houvesse uma crítica direta à expansão do setor privado.
Em contrapartida, a ênfase da APS renovada e o principal elemento de revisão da
Conferência de Alma-Ata é a afirmação da intervenção do Estado por meio de mecanismos de
regulação de um sistema misto. Deste modo, o Estado seria o provedor dos serviços básicos
em parceria com a iniciativa privada e o regulador do conjunto do sistema de saúde.
O processo de renovação da APS inclui: concluir a implantação da APS onde houve
falhas (a agenda de saúde inconclusa); fortalecer a APS para enfrentar novos desafios
(aceitação social, serviço de qualidade e gestão ótima); garantir a APS na agenda mais ampla
de equidade e desenvolvimento humano (OPAS, 2007).
O caminho a ser percorrido para a APS renovada não é simples. Um dos obstáculos
apresentados pela OPAS são as diferentes concepções presentes no discurso da APS. A OPAS
(2007) classifica quatro possíveis abordagens de APS com base em Vuöri (1985): um
conjunto de atividades e serviços específicos às populações pobres (focalizada e restrita); o
primeiro nível “porta de entrada” do sistema de saúde; uma estratégia de reorganização do
sistema de saúde com vistas à cobertura universal, distribuição de recursos, acessibilidade,
coordenação entre os diferentes níveis de atenção e colaboração intersetorial, como proposto
78
pela Conferência de Alma-Ata; e, uma filosofia que reconheça o direito à saúde com ênfase
nos direitos humanos.
A OPAS (2007) acrescenta que a difusão e hegemonia da APS focalizada e restrita
foram potencializadas pelos ideais ambiciosos e vagos expressos na Conferência de AlmaAta, assim como por sua amplitude e a dificuldade de mensuração de seus resultados pela
população e pelos formuladores da política. Deste modo, a APS focalizada e restrita permitiu
direcionar recursos limitados a alvos específicos de saúde, que necessitam de uma intervenção
de grande impacto. Como explicita a passagem a seguir:
Embora originalmente considerada como uma estratégia provisória, a APS seletiva
tornou–se o modo dominante de atenção primária em saúde para muitos países. A
abordagem prosseguiu por meio de muitos programas verticais para sub–
populações ou específicos por doença. Em determinado ponto, o direcionamento à
APS seletiva pode ser visto como uma reação à idéia de que a APS teria se tornado
ampla e vaga demais, com impactos e êxitos difíceis de quantificar e ganhos
insuficientemente visíveis para a população ou para os formuladores de políticas. A
abordagem seletiva, em contraste, permitiu direcionar recursos limitados a alvos
específicos de saúde, embora em alguns casos essa abordagem pareça ter sido
escolhida como parte de uma estratégia para atrair maiores doações financeira aos
serviços de saúde. (OPAS, p. 4, 2007)
A partir do exposto compreende-se que as diferentes concepções de APS sempre
foram projetos em disputa, influenciados pela correlação de forças políticas e sociais num
momento histórico, pelo modelo político-econômico e a pela capacidade institucional dos
países. Mais do que um modelo de prestação de serviços e organização dos sistemas de saúde,
a concepção de APS traz consigo um dado projeto de sociedade, Estado e proteção social.
Mais que proporcionar resultados mensuráveis, a APS focalizada e restrita dialogava com a
agenda neoliberal, difundida a partir da década de 80 pelo mundo, que teve resultados
negativos em termos das condições de saúde da população e o acesso aos sistemas de saúde
pública.
Segundo a OPAS (2007), os elementos que compõem e fundamentam um sistema de
saúde com base na APS renovada baseiam-se em valores, princípios e elementos centrais.
Posteriormente, são feitas orientações normativas (linhas estratégicas: nacionais, subregionais, regionais e globais) para reestruturar os sistemas de saúde. A partir disso, um
sistema de saúde com base na APS renovada é definido como:
Um conjunto de elementos centrais funcionais e estruturais que garantem a
cobertura e o acesso universal a serviços aceitáveis à população que aumentam a
equidade. Oferece cuidados abrangentes, integrados e apropriados com o tempo,
enfatiza a prevenção e a promoção e assegura o cuidado no primeiro atendimento.
As famílias e as comunidades são sua base de planejamento e ação. Um sistema de
79
saúde com base na APS requer uma sólida fundação legal, institucional e
organizacional, bem como recursos humanos, financeiros e tecnológicos adequados
e sustentáveis. Adota práticas de gerenciamento otimizado em todos os níveis para
alcançar qualidade, eficiência e eficácia, e desenvolve mecanismos ativos para
maximizar a participação individual e coletiva em saúde. Um sistema de saúde com
base na APS desenvolve ações intersetoriais para abordar outros determinantes de
saúde e eqüidade. A essência da APS renovada é mesma contida em Alma Ata. No
entanto, essa nova considera o sistema de saúde como um todo; inclui setores
público, privado e sem fins lucrativos, e aplica-se a todos os países. (OPAS, p. 8,
2007).
Os valores são essenciais para definir as prioridades e nesse sentido englobam: (1)
direito ao mais alto nível possível de saúde, ou seja, legalmente definidos e de
responsabilidade do governo e de outros atores, prestadores privados e usuários; (2) equidade,
que remete à justiça social expressa pela forma como as sociedades tratam seus membros
menos favorecidos, e não somente pela relação de custo-efetividade; e (3) solidariedade para
que os investimentos sejam sustentáveis e ofereçam proteção aos diferentes riscos e
cooperação em vista do bem comum (OPAS, 2007).
O conjunto de valores remete ao modelo de proteção social com base na promoção de
políticas equitativas. Deste modo, a APS renovada se apoia em valores não necessariamente
igualitários, mas principalmente compensatórios, a partir da lógica de “discriminação
positiva” para minimizar os efeitos das desigualdades sociais geradas, principalmente, pelo
modo de produção capitalista.
Segundo a OPAS (2007) os princípios norteadores são a base para a política de saúde,
legislação, alocação de recursos e operacionalização do sistema de saúde, compreendendo: (1)
a capacidade de responder às necessidades de saúde da população, sejam elas objetivas,
conforme descritas por especialistas, ou subjetivas, observadas e construídas pelos indivíduos
e populações; (2) serviços orientados à qualidade, melhor tratamento possível para os
problemas de saúde, evitando danos; (3) responsabilização dos governos, a partir de políticas
legais e aplicação das funções do sistema de saúde, independente do tipo de prestador; (4)
justiça social, com atenção especial aos mais vulneráveis; (5) sustentabilidade financeira
considerando que os recursos são limitados; (6) participação com base no fortalecimento do
controle social; e (7) intersetorialidade a partir da criação e vinculo com outros setores, sejam
eles públicos ou privados, a fim de maximizar o potencial da APS no que tange ao
desenvolvimento humano.
A exposição dos princípios indica o fomento das relações público-privadas, como
condição para viabilizar a APS renovada. Essa parceria é descrita a partir de dois mecanismos
principais: a administração privada dos recursos públicos e por meio da desregulamentação do
80
monopólio governamental na prestação de serviços ao setor, inclusive no âmbito da APS, que
tradicionalmente é reconhecida como uma área de protagonismo estatal.
Os elementos estruturais e funcionais devem estar presentes em todo o sistema de
saúde e incluem: (1) a cobertura e acesso universais; (2) primeiro contato; (3) atenção
integral, integrada e contínua; (4) orientação familiar e comunitária; (5) ênfase na promoção e
prevenção, com enfoque na abordagem dos determinantes de saúde; (6) atenção apropriada,
centrada na pessoa e não na doença; (7) mecanismos de participação que incorporem atores
públicos, privados e sociedade civil; (8) marco político, legal e institucional sólido; (9)
políticas e programas pró-equidade para melhorar os efeitos negativos das iniquidades em
saúde; (10) organização e gestão ótimas a partir de padrões de qualidade e segurança; (11)
recursos humanos apropriados; (12) recursos adequados e sustentáveis; e (13) ações
intersetoriais, com a criação de vinculo entre a saúde e outros setores (OPAS, 2007). A
Figura 4.1 resume os valores, princípios e elementos destacados pela OPAS para a
organização de um sistema de saúde com base na APS.
Figura 4.1: Valores, princípios e elementos em um sistema de saúde com base na APS.
Fonte: OPAS, 2007.
81
Em termos gerais, o processo de renovação das APS nas Américas incluiria os
seguintes passos: (1) percepção do problema e das soluções pelas partes interessadas; (2)
criação de coalizões e a conquista de novos defensores da APS; (3) convencimento de atores
como agências, instituições e fundações a financiarem essas transformações; (4) mobilização
social pela exigência de serviços de saúde eficazes e de qualidade, e por fim, (5) uma massa
crítica de apoiadores. Em geral, o tempo estimado para esse processo é de 10 anos (OPAS,
2007).
Ao longo do documento alguns indícios permitem compreender como a OPAS
desenha esses passos. Na discussão acerca da percepção do problema e das soluções pelas
partes interessadas, a OPAS utiliza como estratégia retórica a construção de evidências
científicas em torno da efetividade da APS. Assim, repetem-se, ao longo do documento,
trechos que expressam a mensagem que sistemas de saúde com base na APS são mais
equitativos, eficientes, possuem menor custo e podem dar melhores respostas às necessidades
de saúde dos usuários, como expresso no trecho a seguir:
Há evidências consideráveis dos benefícios da APS. Estudos internacionais
mostram que, considerados iguais demais fatores, países com sistemas de saúde
fortemente orientados à APS têm maior probabilidade de apresentar resultados em
saúde melhores e mais equitativos, serem mais eficientes, terem menores custos na
atenção à saúde e alcançarem melhor satisfação do usuário do que aqueles cujos
sistemas de saúde têm apenas uma fraca orientação à APS (OPAS, p. 15, 2007).
A fim de promover a criação de coalizões e a conquista de novos defensores da APS, a
estratégia utilizada pela OPAS é a construção de relações de complementaridade entre a
Declaração do Milênio e a APS. Assim uma abordagem renovada da APS é vista como:
Uma condição essencial para cumprir os compromissos de metas de
desenvolvimento acordadas internacionalmente, incluindo as contidas na
Declaração do Milênio, abordando os determinantes sociais de saúde e alcançando
o nível mais elevado possível de saúde para todos (OPAS, p. iii, 2007).
A partir da análise do documento percebe-se como estratégia retórica o uso contínuo
do conceito de sustentabilidade vinculada à APS. Contudo, mais do que expressar a
necessidade real de planejar e aperfeiçoar a aplicação de recursos públicos parece indicar um
convite insistente à iniciativa privada para investir no setor, principalmente por meio do
estabelecimento das parcerias público-privadas. Deste modo, buscam-se convencer atores
financiadores como agências internacionais, instituições e fundações a investirem em algo
seguro, visto que, a longo prazo, a APS tem capacidade para responder aos desafios em saúde
apontados pela Declaração do Milênio, assim como pode reduzir os custos dos sistemas de
saúde. Então a OPAS faz um amplo chamado a fim de seduzir os “investidores da saúde”,
82
sejam eles públicos representados pelos governos ou privados para que literalmente
“comprem” a ideia da APS renovada.
No que se refere à mobilização social pela exigência de serviços de saúde eficazes e de
qualidade, a OPAS cita o controle social como mecanismo de participação ativa para o
estabelecimento de prioridades, gestão de recursos, avaliação e regulação da saúde, por meio
de um mix de ações individuais e coletivas, que incorporem o setor público, o privado e a
sociedade civil. A criação de uma massa crítica de apoiadores tem como objetivo identificar
pontos de acordo e negociar as discordâncias, mecanismo para buscar mais adesão em torno
do processo, e assim obter colaboração ideológica, política e financeira. Para tal, destaca a
importância do Banco Mundial e da OMS.
Por fim, o documento aborda que é fundamental que os países aprendam com as lições
dos últimos 25 anos. Para tal, identifica fatores de barreira e facilitadores para a renovação da
APS nos países. Os fatores de barreira seriam a fragmentação dos sistemas de saúde; o pouco
compromisso político; a coordenação inadequada entre: comunidades, agências locais,
nacionais e internacionais, o uso inadequado da informação, a insuficiente colaboração
intersetorial e os investimentos insuficientes em recursos humanos, com ênfase para esse
último elemento. Por outro lado, os fatores facilitadores incluiriam: o comprometimento com
a equidade; financiamento adequado para garantir acessibilidade a serviços de qualidade e
evitar o desembolso direito; aumento da cobertura básica associada a treinamento de pessoal;
ênfase na promoção da saúde e prevenção de doenças e o ativismo social de usuários e
trabalhadores com ênfase para os trabalhadores comunitários (OPAS, 2007).
Em síntese, a partir dos valores, princípios e elementos centrais, a APS renovada
parece expressar uma concepção menos progressista do que na Conferência de Alma-Ata. Por
um lado, retoma a ideia da APS como uma estratégia para organizar os sistemas de saúde e
em certa medida, promover o direito a saúde, se contrapondo à ideia da APS focalizada e
restrita. Contudo, a APS renovada tem centralidade em elementos como universalidade com
foco na equidade, sustentabilidade a partir das parcerias entre setor público e privado e, ainda,
no modelo de intervenção estatal eminentemente regulador. Em contraposição, a Conferência
de Alma-Ata destacava a universalidade com foco na igualdade do direito à saúde e um
modelo de intervenção estatal voltado para o fortalecimento do sistema público de saúde.
A concepção de APS renovada parece se ancorar no modelo de proteção social
orientado pelo universalismo básico ao propor um conjunto de serviços essenciais universais e
de qualidade que tenha relação com a capacidade institucional dos países. Deste modo, cada
83
país das Américas constituirá o que compreende como direito humano básico no âmbito da
saúde.
4.3. Propostas para a Formação da Força de Trabalho
A discussão acerca das propostas para a formação da força de trabalho foi realizada a
partir da análise de dois documentos: “A Formação em Medicina Orientada para a APS”,
lançado em 2008 e o documento “Estratégias Para o Desenvolvimento de Equipes de APS”,
lançado em 2009. Esses documentos dedicam-se à temática da formação, considerada pela
OPAS como estratégica para a renovação da APS das Américas. Além disso, a escolha da
temática da formação de força de trabalho como um elemento chave da APS renovada tem
relação com a tradição histórica que a OPAS tem na cooperação técnica nesse setor.
Os documentos partem de dois pressupostos em comum. O primeiro é que um sistema
de saúde com base na APS deve-se apoiar em recursos humanos adequados, que envolvem
provedores de serviços (de saúde, sociais e outros), pessoal comunitário, gestores, pessoal
administrativo e a população (indivíduo, família e comunidade). Nesse sentido, constata-se
que a situação atual está em dissonância com as necessidades de saúde. O segundo é que
definir competências é um modo para operar a gestão de recursos humanos que possibilita
melhor articulação entre trabalho, saúde e educação, sendo considerado fundamental para o
melhor desempenho (OPAS, 2008; 2009). xliii
A equipe de saúde qualificada para atuar no âmbito da APS é compreendida como
“um pequeno número de pessoas com competências complementares que estão
comprometidas com um propósito comum, com metas de desempenho e com uma proposta
pelos quais se consideram mutuamente responsáveis” (OPAS, p.9, 2009). Para que esse grupo
se constitua como equipe, as seguintes condições são importantes: o desempenho como
objetivo central, a criação de uma ética de desempenho da equipe por parte dos gerentes que
xliii
No documento de posicionamento sobre a Renovação da APS, são definidas as orientações para os recursos
humanos em um sistema de saúde com base na APS: (1) a cobertura universal requererá um volume importante
de profissionais treinados na APS; (2) os recursos humanos devem ser planejados de acordo com as necessidades
da população; (3) o treinamento deve ser articulado com as necessidades de saúde e ser sustentável; (4) devem
ser formuladas políticas para qualidade do desempenho do pessoal; (5) devem ser caracterizadas as capacidades
do pessoal (perfil e competências) e o perfil de cada profissional deve se ajustar a um trabalho específico; (6) são
requeridos mecanismos de avaliação contínua que facilitem a adaptação dos profissionais da saúde aos novos
cenários e às necessidades variáveis da população; (7) as políticas devem apoiar a abordagem multidisciplinar da
atenção integral e (8) a definição de profissional da saúde deve incluir aqueles que trabalham nos sistemas de
informação, gerência e administração de serviços (OPAS, 2007).
84
combata atitudes individuais, a disciplina e a organização, a qualidade e a integralidade das
respostas em saúde (OPAS, 2009).
Nessa definição, nota-se uma grande preocupação com o desempenho. A forma rígida
e pragmática como a OPAS aborda a qualificação da força de trabalho para atuação na APS
parece considerar pouco as especificidades e valorizar a necessidade de mensuração de
resultados. Essa preocupação é expressa nos demais documentos da série ao referir-se à APS
renovada como algo que não quer repetir os ideais “vagos” da Conferência de Alma-Ata, o
que dialoga com a importância atribuída ao quesito desempenho. Contudo, nem sempre as
medidas assistenciais com base em procedimentos técnicos e quantificáveis indicam
resolutividade das necessidades de saúde no âmbito da APS. Apesar disso, a OPAS procura
fortalecer a lógica da gestão por resultados que se apoia nas metas de desempenho e
produtividade.
As equipes podem ser classificadas a partir do resultado e das relações entre as
disciplinas. Assim, identificam-se três categorias: multiprofissional (parte da lógica de
competências complementares), interdisciplinar (disciplinas que se integram entre si e que
transformam o objeto) e transdisciplinaridade (disciplinas que interagem a partir de nexos
analíticos). Como características do trabalho em equipe apontam-se: a autonomia relativa, a
interdependência, a interdisciplinaridade, a horizontalidade, a flexibilidade, a criatividade e a
interação comunicativa (OPAS, 2009).
No que se refere especificamente aos médicos, o perfil de competências básicas
inclui: a prática profissional a partir das necessidades de saúde, o respeito e a confiança junto
a equipe, comunidades e outros setores, a compreensão do ciclo da vida humana, o trabalho
em equipe e desenvolvimento de liderança, a capacidade de lidar com incertezas e mudanças,
o gerenciamento e a autoaprendizagem (OPAS, 2008) xliv.
A OPAS (2008) acrescenta que a composição de cada equipe é variável nos diferentes
países da região. Essa flexibilidade tem relação com a estratégia da OPAS de propor um
modelo de APS renovada maleável e adaptável às diferentes disponibilidades de recursos,
capacidade institucional e administrativa e, principalmente, às diferentes conformações dos
sistemas de saúde. Assim ressalta-se:
Não há, portanto, uniformidade quanto à composição das equipes de APS no nível
primário de atenção, embora em geral se considere uma composição mínima que
inclui um médico (clínico geral ou família), enfermeira e um técnico de nível
xliv
Para tal alguns conteúdos devem ser enfocados na formação desse profissional: identificação de fatores de
riscos e vulnerabilidades, epidemiologia, conhecimento para lidar com doenças mais prevalentes na população,
aspectos sociais e antropológicos, trabalho em equipe, políticas de saúde, comunicação e ética profissional
(OPAS, 2008).
85
médio com funções de auxiliar, ou um técnico comunitário, dependendo das
necessidades da comunidade (OPAS, p. 11, 2008)
A composição das equipes de saúde no âmbito da APS é um elemento importante no
que se refere à capacidade de dar respostas integrais às demandas de saúde da população. Para
tal, a formação de equipes de saúde amplas, indicadas a partir das necessidades identificadas
com base no diagnóstico de saúde local, é um fator fundamental para identificar a concepção
de APS proposta, se mais abrangente com vistas a buscar uma abordagem mais integral a
partir de uma composição mais ampla de profissionais, ou restrita com foco nos profissionais
capazes de operar os programas específicos.
Como metodologia de gestão da força de trabalho, a OPAS propõe o desenvolvimento
de competências como forma de melhorar o desempenho e práticas das equipes de saúde no
âmbito da APS, pois refere ser a possibilidade de articular gestão, trabalho e educação
(OPAS, 2009). Deste modo, define o conceito de competências:
São características pessoais que se manifestam quando é executada uma tarefa ou
realizado um trabalho. Elas estão relacionadas com o desempenho competente em
uma atividade de trabalho ou de outra natureza. Quando se atua com competência,
se observa um melhor desempenho e boas práticas. Para tal é necessário ter
conhecimentos (saber), habilidades para pôr em prática os conhecimentos (saber
fazer), estar motivado e ter atitude (querer fazer) e dispor dos meios e dos recursos
xlv
necessários (poder fazer) (OPAS, p. 19, 2009).
Identificou-se que embora os dois documentos apontem para a gestão de competências
como estratégia de qualificação da força de trabalho para a APS, há uma diferença sutil na
abordagem aos diferentes públicos. Para mudar o perfil dos médicos recomendam-se
mudanças curriculares, ainda na faculdade. Já para os demais profissionais de saúde, a
estratégia proposta é atuar por meio da educação permanente (formação em serviço). Isso tem
relação com o diagnóstico de que muitas faculdades de medicina têm como características em
seu processo pedagógico: baixo compromisso social, ênfase na formação por especialidade,
que tem alto custo e não habilita para a atuação na APS, ênfase na biologia, centralização da
prática educativa em hospitais, limitada abordagem sobre a promoção da saúde de indivíduos,
xlv
As competências podem ser classificadas como: (1) genéricas que são comuns e partilhadas por todos os
membros da equipe e permitem que os profissionais se adaptem as novas condições de trabalho, se mantenham
atualizados e superem os problemas que precisam enfrentar em seus respectivos postos de trabalho; (2)
especificas que são próprias das funções que devem ser realizadas por uma unidade organizacional, como
equipes de APS. Elas se relacionam aos processos e contribuições individuais e coletivas que dependem de
conhecimentos e aptidões. São inerentes a todas as profissões e predominam os aspectos técnicos; (3)
humanísticas, que se referem ao conjunto de valores éticos desenvolvido pelo profissional para o uso e a
aplicação dos conhecimentos adquiridos. Relaciona-se ao exercício profissional e à responsabilidade social
perante a comunidade (ética profissional) (OPAS, 2009).
86
famílias e comunidades, insuficiente formação técnica e humanística para atuar junto a esses
grupos (OPAS, 2009).
Um dos grandes desafios para se implantar a APS numa perspectiva abrangente é a
adesão do profissional médico ao modelo. Por isso, é relevante a discussão proposta pela
OPAS sobre a necessidade de mudanças nos curriculos médicos, que tradicionalmente são
orientados à atuação liberal e especializada da medicina. Contudo, para além de mudanças na
estrutura curricular, são necessárias mudanças de âmbito mais estrutural que têm relação com
o corte de classe da profissão, que influencia o compromisso social, as atitudes e valores
profissionais. Na maior parte dos países, a profissão médica está relacionada a um “status”
social que é reforçado pelos modelos rígidos e não necessariamente eficientes de acesso às
universidades, que privilegiam as condições econômicas em detrimento do desejo de se
dedicar a essa profissão.
Nesse processo, parte expressiva dos médicos tem origem em uma elite social, que
está compromissada com a manutenção de seu “status quo” e não com as necessidades de
saúde da população. Diante disso, parte importante desses profissionais opta pelas
especialidades que são mais lucrativas e que lhes atribuem maior prestígio profissional.
Portanto, reverter a lógica da formação médica inclui rever as formas de acesso à universidade
e consequentemente, transformar a base social da profissão.
No que se refere à abordagem por competências, Ramos (2003) ressalta que, embora a
educação profissional tenha por finalidade o desenvolvimento de aptidões para a vida
produtiva, os processos formativos devem ser constituídos de duas dimensões: uma subjetiva
e outra objetiva. A dimensão subjetiva parte da apreensão dos conhecimentos, das habilidades
e dos valores a partir de situações e experiências concretas. A dimensão objetiva da
aprendizagem, por sua vez, refere-se ao conjunto de conhecimentos e relações que estrutura,
interroga e explica os fenômenos. Desse modo, a abordagem por competências com foco no
desenvolvimento de capacidades e habilidades meramente técnico-cientifica desconsidera o
contexto e elementos essenciais ao processo de qualificação profissional.
Em síntese, os documentos analisados são muito operacionais e normativos, com isso,
pouco contribuem com novos elementos no que diz respeito à concepção renovada de APS e
suas implicações para a proteção social. Em breves passagens, repetem a definição de APS
renovada apresentada no documento de posicionamento, “a essência da definição renovada da
APS é a mesma contida na Declaração de Alma-Ata. No entanto, essa nova definição
considera o sistema de saúde como um todo; inclui os setores público, privado e sem fins
lucrativos, e aplica–se a todos os países” (OPAS, p. 8, 2007). Reafirma-se o posicionamento
87
da OPAS em prol do estabelecimento das parcerias entre os setores público e privado também
na formação e qualificação da força de trabalho, e assim, reforçando a ênfase na concepção de
Estado regulador.
4.4. A Proposta das Redes Integradas de Serviços de Saúde (RISS).
O objetivo declarado do documento “Redes Integradas de Serviços de Saúde:
Conceito, Opções Políticas e Roteiro para sua Implantação nas Américas” é analisar a
fragmentação dos serviços de saúde e propor um marco conceitual e operacional para a
implantação das RISS. O referido documento, que é de natureza predominantemente
normativa e diretiva, lançado em 2010 é produto de uma série de consultas nacionais, subregionais e duas regionais, ocorridas no Brasil e no Peru para apreciação e recomendações dos
países membros.xlvi
O documento parte do pressuposto que os sistemas de saúde nas Américas
caracterizam-se por um alto nível de fragmentação dos serviços. A experiência, com base em
evidências científicas, comprovaria que a excessiva fragmentação gera dificuldades de acesso,
de prestação de serviços, baixa qualidade técnica, uso irracional dos recursos disponíveis,
aumento desnecessário de custos com a produção e uma baixa satisfação dos usuários com os
serviços recebidos (OPAS, 2010). Deste modo, a OPAS constata:
La mayoría de países de nuestra Región requieren de profundos cambios
estructurales en sus sistemas de salud para que éstos puedan contribuir de manera
efectiva a la protección social, a garantizar el derecho a la salud de todos sus
ciudadanos y a la cohesión social. Entre esos cambios son esenciales la superación
de: a) La segmentación de los sistemas de salud, es decir la existencia de
subsistemas debido a distintas fuentes y arreglos de financiamiento, reflejando una
segmentación social por capacidad de pago ó por inserción en el mercado laboral.
Este rasgo estructural consolida y profundiza la desigualdad entre grupos sociales y
es factor de exclusión social. De esta manera los pobres e informales quedan
fuera;…. b) La fragmentación organizacional, (es decir) la coexistencia en el
territorio de infraestructura y capacidades de diversos subsistemas sin coordinación
y menos integración. Esto eleva los costos por duplicación y por mayores costos de
transacción así como genera diferentes tipos y calidades de prestaciones (OPAS, p.
13, 2010).
xlvi
O documento faz menção às importantes colaborações do Ministério da Saúde do Brasil, do Organismo
Alemão para Cooperação Técnica (GTZ) e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional (USAID) na organização e financiamento necessários às várias consultas (OPAS, 2010). Indica a
necessidade de se estabelecer mais cooperações internacionais para a formação das RISS nas Américas, com
destaque para o Consórcio de Saúde e Atenção Social da Cataluña (CSC), a Cooperativa de Hospitais de
Antioquia (COHAN) e a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID).
88
As principais causas identificadas pela OPAS como geradoras da fragmentação
compreendem: segmentação institucional dos sistemas de saúde, descentralização, programas
focalizados em doenças e grupos vulneráveis, por vezes não integrados ao sistema de saúde,
separação extrema dos serviços de saúde pública e individual, modelos de saúde centrados na
doença e na atenção hospitalar, pouca capacidade de liderança das autoridades sanitárias,
problemas com a qualidade, quantidade e distribuição de recursos e práticas de financiamento
por parte dos organismos internacionais a programas verticais e que não consideram o todo do
sistema de saúde (OPAS, 2010).
Cabe ressaltar que mais do que problemas intrínsecos ao setor saúde, o diagnóstico de
fragmentação dos serviços apresentado pela OPAS é característico de uma dada constituição
histórica, social e econômica dos países latino-americanos e caribenhos. Cada um desses
países constituiu seu modelo de proteção social e consequentemente, de atenção à saúde, mas
de maneira geral, sem a saúde constituir-se como um direito inviolável. Assim, a forma como
se constituíram o sistema de proteção social e os sistemas de saúde teria favorecido sistemas
de saúde fragmentados, com foco nas políticas corporativas e nos programas de assistência à
população mais pobre, seletividade temperada por clientelismo, e ainda, com a permissão de
um amplo arranjo na prestação de serviços (mix público-privado).
Além disso, destaca-se que o processo de descentralização envolveu diferentes
projetos e interesses. Por um lado, tal processo representou uma resposta aos anseios dos
movimentos setoriais que o entendiam como uma conquista democrática, visto que assim
seria possível planejar a saúde a partir das realidades e demandas locais. Por outro lado,
houve uma apropriação do discurso de descentralização pelos neoliberais para justificar a
desresponsabilização do Estado com as políticas de saúde. Assim, criaram-se sistemas de
saúde de organização precária, inaptos a garantir a continuidade da assistência, o que gerou
duplicação de trabalho e custos, além de serem pouco eficazes para atender as necessidades de
saúde da população.
A partir do exposto, a OPAS afirma que a constituição da RISS
xlvii
seria a principal
expressão operativa do enfoque da renovação da APS, definindo que:
xlvii
Como exemplo de iniciativas de RISS bem sucedidas, a OPAS cita inúmeras e distintas experiências, dentre
as quais: Sistema Integrado de Saúde da Argentina, Rede Municipal de Saúde Familiar, Comunitária e
Intercultural da Bolívia, o Plano Mais Saúde - Direitos de Todos no Brasil, Redes Assistências de Atenção
Primária no Chile, Criação do Sistema Nacional de Saúde de El Salvador, Modelo Coordenado de Atenção a
Saúde na Guatemala, Integração Funcional do Sistema de Saúde do México, Conformação de Redes Plurais no
Peru, Rede de Serviços Regionais da Republica Dominicana, Rede da Região Del Este em Trinidad e Tobago,
Sistema Nacional de Saúde Integrado do Uruguai e as Redes de Saúde do Caracas, na Venezuela (OPAS, 2010).
89
Las Redes Integradas de Servicios de Salud pueden definirse como una red de
organizaciones que presta, o hace los arreglos para prestar, servicios de salud
equitativos e integrales a una población definida, y que está dispuesta a rendir
cuentas por sus resultados clínicos y económicos y por el estado de salud de la
población a la que sirve (OPAS, p. 9, 2010).
Segundo a OPAS (2010), a integração dos serviços de saúde pode acontecer a partir de
uma variedade de arranjos, que podem expressar quatro concepções de integração: (1)
integração horizontal a partir da coordenação de unidades que estão no mesmo nível de
atenção à saúde; (2) integração vertical, que expressa a coordenação entre diferentes níveis de
atenção à saúde; (3) integração real a partir da propriedade ativa de todos os níveis do sistema
e (4) integração virtual definida pela relação entre os diferentes prestadores dentro de um
sistema de saúde. A RISS é definida como:
Una extensa red de establecimientos de salud que presta servicios de promoción,
prevención, diagnóstico, tratamiento, gestión de enfermedades, rehabilitación y
cuidados paliativos, y que integra los programas localizados en enfermedades,
riesgos y poblaciones específicas, los servicios de salud personales y los servicios
de salud pública (OPAS, p. 10, 2010).
Dialogando com sua orientação em documentos prévios, a OPAS reforça ao longo do
documento, a necessidade de estabelecimento de “parcerias” entre setor público e privado,
como explicitado no trecho a seguir:
Las RISS no riquierem que todos los servicios que las componen sean de
propriedad única. Por el contrario, algunos de sus servicios pueden prestarse por
medio de una gama de arreglos contractuales o alianzas estratégicas en lo que se ha
denominado “integración virtual”. Essa caracteristica de la RISS permite buscar
opciones de complementación de los servicios entre organizaciones de distintas
naturezas jurídicas, ya sean públicas o privadas” (OPAS, 2010).
Define-se ainda um conjunto de funções da autoridade sanitária nacional, ou seja, do
Estado, que compreende: (a) condução setorial (formulação e avaliação das políticas), (b)
regulação, (c) controle do financiamento, (d) garantia de acesso, (e) execução das Funções
Essenciais da Saúde Pública e (f) coordenação da prestação de serviços de saúde (OPAS,
2010). Novamente, a OPAS valoriza as relações entre setor público e privado e reafirma o
Estado como regulador, admitindo a iniciativa privada como executora dos recursos públicos.
Aponta-se que, dada a variedade de contextos de sistemas de saúde e visando dialogar
com um auditório o mais amplo possível, a OPAS reforça a premissa de que não é possível
instituir uma forma rígida e única de organizar a RISS. Desse modo, a OPAS propõe
diretrizes gerais que possam ser adequadas às diferentes realidades. Para tal, a OPAS qualifica
uma série de atributos essenciais as RISS, subgrupados em quatro categorias: modelo
90
assistencial; governança e estratégia; organização e gestão; atribuições e incentivos (OPAS,
2010).
Na categoria “modelo assistencial”, a OPAS inclui como atributos: 1) adstrição de
população e território; 2) formação de uma rede de estabelecimentos de saúde que prestem
serviços de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos
integrados por programas focalizados em doenças, riscos e populações específicas; 3) porta de
entrada do sistema de saúde, universal, integrada e coordenada aos demais níveis de atenção;
4) prestação de serviços especializados em locais apropriados e de preferência extrahospitalares; 5) atenção à saúde centrada na pessoa, na família e na comunidade, atendendo a
particularidades culturais e de gênero nos diferentes estratos da população (OPAS, 2010).
A categoria “governança e estratégia” compreende: 1) um sistema de governança
único para toda a rede de saúde; 2) criação de mecanismos de coordenação assistencial ao
longo do sistema de saúde; 3) ampliação da participação social; 4) ação intersetorial com
abordagem dos determinantes sociais e da equidade em saúde (OPAS, 2010).
Na categoria “organização e gestão” destacam-se: 1) gestão integrada de sistemas de
apoio clínico, administrativo e logístico; 2) sistemas de informação integrados que vinculam
todos os membros da rede, desagregados por sexo, idade, residência, origem étnica e outras
variáveis pertinentes; 3) gestão baseada em resultados. Por último, a categoria “atribuições e
incentivos” trata do financiamento e incentivos adequados a partir de metas pactuadas para
rede de saúde (OPAS, 2010).xlviii, xlix
Na especificação das categorias, nota-se uma influência importante do modelo
proposto por Barbara Starfield (2002) para operacionalizar a APS. Segundo a autora, a APS
deve ser a porta de entrada dos sistemas de saúde, permeada por valores de universalidade do
acesso, organização e racionamento do sistema de saúde, acessibilidade, longitudinalidade,
integralidade e coordenação da atenção à saúde. A autora propõe para medir o potencial e o
alcance de cada um dos atributos mencionados quatro elementos estruturais (acessibilidade,
variedade de serviços, população eletiva e continuidade) e dois elementos processuais
(utilização e reconhecimento do problema).
xlviii
As consultas regionais indicaram que as tarefas específicas e prioritárias da OPAS no processo de
implantação da RISS seriam no âmbito da cooperação para os seguintes atributos: constituição de sistemas de
informação, governança, gestão e apoio clínico, administrativo e logístico, financiamento e incentivos, porta de
entrada do sistema, recursos humanos, mecanismos de coordenação assistencial e foco na atenção a pessoas,
família e comunidade (OPAS, 2010).
xlix
O cronograma de execução inclui três fases. A primeira fase (2009 – 2010) corresponde à identificação dos
principais causas da fragmentação do sistema e construção de planos nacionais para o desenvolvimento da RISS.
A segunda fase, a partir de 2010, inclui a execução dos planos nacionais e sua evolução. A terceira fase (20082012) é simultânea às demais e consiste na implantação efetiva da RISS (OPAS, 2010).
91
A partir da análise do documento observa-se o reforço à proposta de
complementaridade entre ações de saúde mais abrangentes e focalizadas. Tal estratégia está
associada à maior possibilidade de difusão de um discurso amplo e flexível, permitindo uma
série de arranjos e adaptações, e assim, potencializando adesão dos países membros à APS
renovada. Ou ainda, trata-se de estratégia para captação de parceiros e recursos financeiros,
visto que alguns programas direcionados a grupos específicos - como a Aliança Mundial para
Vacinas e Imunização e o Fundo Mundial de Luta Contra AIDS, Tuberculose e Malária - são
programas milionários. Então, a partir da construção de uma relação de complementaridade
não haveria competição por esses recursos específicos. No mais, nenhuma das quatro
categoriais apresentadas pelo documento apresenta um elemento novo, além dos já
consensuais, como estruturantes de um sistema de saúde orientado pela APS.
A implantação dos atributos dependeria de elementos como viabilidade política,
técnica, econômica e social de cada país. Para tal, a OPAS descreve o caminho a ser seguido
pelos países membros, por meio da instauração de instrumentos da política pública (jurídicos
e não jurídicos) e mecanismos institucionais (clínicos e não clínicos) para que se avance na
implementação das RISS (OPAS, 2010).
Os instrumentos da política pública são estratégias e recursos que os governos utilizam
para alcançar metas e objetivos, sendo esses jurídicos e não jurídicos. Os jurídicos englobam
um conjunto de mecanismos legais que asseguram as condições mínimas para a APS
renovada, como a regulamentação de fontes de financiamento. Dentre os não jurídicos citamse: aceitação da população, planificação dos serviços de acordo com as necessidades de saúde,
modelo de atenção centrado na família e na comunidade com enfoque cultural e de gênero,
sensibilidade à diversidade populacional, normatização da porta de entrada, regulação do
acesso à atenção especializada, normatização de rotinas clinicas, políticas de formação de
recursos humanos compatíveis com a RISS, pagamento per capita segundo condições de
riscos da população e colaboração intersetorial na abordagem de determinantes em saúde e
promoção da equidade (OPAS, 2010).
Os mecanismos institucionais são aqueles estabelecidos por gestores e prestadores de
serviços, e podem ser clínicos e não clínicos. As vias clínicas são relacionadas às possíveis
inovações no campo da assistência: informatização da história clinica, guias de referência e
contra referência, gestão de casos e telesaúde. As não clínicas referem-se a mecanismos de
apoio assistencial: missão organizacional, planificação e incentivos financeiros, definição de
responsabilidades de cada um da rede, participação e liderança de usuários e profissionais de
saúde, apoio matricial, centrais de regulação, sistemas de apoio logístico, identificador único
92
dos usuários, trabalho intersetorial com a assistência social e estratégias de compra de
serviços (OPAS, 2010).
Dentre os fatores facilitadores para a implantação da RISS localizam-se: compromisso
e apoio político, disponibilidade de recursos financeiros, liderança das autoridades sanitárias,
flexibilização da gestão local, indução financeira associada ao desenvolvimento da RISS,
trabalho em equipe, participação ativa e gestão baseada em resultados. Os fatores de barreira
para a RISS seriam: baixa capacidade institucional, as consequências das reformas
neoliberais, grupos de interesse opostos, financiamento com ênfase em programas verticais,
fragilidade dos sistemas de informação e debilidades na gestão (OPAS, 2010).
Em síntese, a construção de redes integradas de saúde a partir de um sistema de
referência e contra-referência é um dos fatores determinantes na viabilização de sistemas de
saúde, que inclusive condiciona o papel que a APS exercerá, se universal e abrangente ou
focalizada e restrita, uma vez que é, a partir da sua estruturação e efetivação, que é possível o
atendimento integral e contínuo da população de acordo com a complexidade de suas
necessidades de saúde, estando intimamente ligado às questões de acessibilidade,
universalidade e integralidade da assistência.
Deste modo, a preocupação com a formação de redes integradas de serviços de saúde
parece indicar a preocupação da OPAS com uma concepção ampliada da APS, contudo, sem
excluir a existência de abordagens típicas da APS focalizada e restrita em determinadas
situações e ainda, a ênfase nas políticas equitativas. Nesse documento, é reforçada a regulação
como sendo o principal mecanismo de intervenção estatal, como o estabelecimento das
parcerias entre setores públicos e privados, demonstrando coerência no discurso, ao adotar
uma posição política ao longo dos documentos da série. A seguir, o quadro 4.1 apresenta uma
sistematização das características e principais argumentos contidos nos documentos
analisados.
93
Quadro 4.1 – Sistematização das características e principais argumentos contidos nos documentos analisados.
Documento
Documento de
Posicionamento
- A Renovação
da
Atenção
Primária
em
Saúde
nas
Américas, 2007.
Contexto
Concebido a partir da janela de
oportunidades
aberta
pelas
comemorações
do
25º
Aniversário da Conferência de
Alma Ata e do consenso
internacional construído com
base na Declaração do Milênio.
Autores
Elaborado
por
James
Macinko,
conceituado
pesquisador
do
Departamento de Nutrição, Estudos da
Alimentação e Saúde Pública da
Universidade de Nova York, EUA, sob
coordenação de dois especialistas da
OPAS: Hernán Montenegro e Carmen
Nebot, ambos da Área de Organização de
Serviços de Saúde, Tecnologias e
Prestação de Serviços, sendo o primeiro
consultor de sistemas de saúde e a
segunda consultora para a proteção
social. Contou com a colaboração de
uma série de especialistas externos à
OPAS, dentre eles, Barbara Starfield,
uma referência mundial na temática da
APS.
Auditório
Atores,
organizações
e
agências tidos “neutros” no
processo de renovação, a fim
de se avançar na construção
de coalizões, principalmente
com aqueles capazes de
realizar investimentos no
setor saúde, sejam eles
públicos
(governos)
ou
privados.
Principais Argumentos
Os desafios epidemiológicos da atualidade
demandam uma reestruturação dos sistemas e
do cuidado a saúde, a fim de promover
políticas de saúde apoiadas na equidade. Para
tal, a APS deve ter um caráter estruturante
dos sistemas de saúde. Dentre as propostas
para se atingir esse objetivo são destacados o
estabelecimento das parcerias públicoprivadas e o Estado regulador, como modelo
de intervenção estatal.
A formação em
medicina
orientada para a
APS, 2008.
Produzido numa reunião de
especialistas em APS do
Canadá, EUA, Brasil, Cuba,
Costa Rica e Honduras, durante
o II Seminário Internacional de
Atenção Primária – Saúde da
Família, no Brasil, 2006.
Coordenado por Carmen Nebot
(Área de Organização de Serviços de
Saúde, Tecnologias e Prestação de
Serviços), Carlos Rosales (representação
paraguaia e consultor de recursos
humanos da Área de Sistemas e Serviços
de Saúde). Participação de Rosa Maria
Borrell (representação argentina e
consultora em Educação Médica),
Armando Güemes (consultor de Sistemas
e Serviços de Saúde) e José Ruales
(representação em El Savador e membro
do grupo de trabalho em APS).
Gestores dos níveis centrais e
locais,
instituições
e
associações de ensino.
Um sistema de saúde com base na APS se
apóia em recursos humanos adequados que
envolvem provedores de serviços (de saúde,
sociais e outros), pessoal comunitário,
gestores, pessoal administrativo e a
população (indivíduo, família e comunidade).
Deste modo, propõe-se definir competências
como o modo para operar a gestão de
recursos humanos a fim de estabelecer
melhor articulação entre trabalho, saúde e
educação.
94
Documento
Estratégias para
o
desenvolvimento
de equipes em
APS , 2009.
Contexto
Produzido numa reunião de
especialistas
em
formação
médica
nas
Américas,
promovida pela OPAS e
realizada em 2008, no Brasil.
Autores
Auditório
Coordenado por Rosa María Borrell Gestores dos níveis centrais e
(representação argentina e consultora em locais, e instituições e
Educação Médica), e Charles Godue associações de ensino.
(representação nos EUA e consultor de
Recursos Humanos e Desenvolvimento
em Saúde) e Marcelo García Dieguez
(consultor para Educação Médica).
Principais Argumentos
A formação médica não é orientada pelas
necessidades de saúde da população, assim
como não está em consonância com o
propósito da renovação da APS. Para tal, a
proposta é a promoção de mudanças
curriculares
que
qualifiquem
esses
profissionais a partir da articulação entre
ensino- serviço.
Redes Integradas
de Serviços de
Saúde: Conceito,
Opções Políticas
e Roteiro para
sua Implantação
nas
Américas,
2010.
Elaborado a partir de uma série
de consultas aos países membros
que
identificaram
a
fragmentação dos serviços de
saúde e a formação profissional
como os grandes desafios a
serem
superados
para
a
renovação da APS.
A versão preliminar foi escrita por James
Cercone, com revisão bibliografia de
Eugênio
Vilaça
Mendes,
ambos
consultores da Área de Sistemas e
Serviços de Saúde da OPAS. O
documento final foi elaborado por
Hernán
Montenegro
(Área
de
Organização de Serviços de Saúde,
Tecnologias e Prestação de Serviços),
com colaboração de Eduardo Levcovitz
(representação uruguaia), Reynaldo
Holder (consultor da Área de Hospitais e
Serviços Integrais de Saúde), José Ruales
(representação El Savadorenha e membro
do grupo de trabalho em APS) e Júlio
Soares (consultor Área de Sistemas e
Serviços de Saúde e representação
chilena).
Parte do pressuposto que existe uma
fragmentação nos sistemas de saúde,
portanto, um dos desafios para a renovação
da APS é articulá-la aos outros níveis de
atenção à saúde. Dentre as medidas
necessárias, destaca-se a constituição das
redes integradas de serviços de saúde (RISS)
com foco na articulação do conjunto de
provedores, sejam eles públicos ou privados.
Propõe ainda uma série de mecanismos
incluindo os de política pública (jurídicos e
não jurídicos) e mecanismos institucionais
(clínicos e não clínicos) que viabilizem a
RISS.
Fonte: Elaboração própria, 2011.
Formuladores de política,
governos e prestadores de
serviços de saúde, sejam eles
públicos ou privados.
95
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Este trabalho abordou a agenda da Organização Pan-Americana da Saúde para a
Atenção Primária em Saúde e suas possíveis implicações para a proteção social na América
Latina nos anos 2000. Buscou situar em perspectiva histórica a construção das agendas
políticas da OPAS, assim como descrever as propostas recentes referentes à APS para os
países latino-americanos.
Ressalte-se que a pesquisa teve caráter exploratório e apresentou algumas limitações
no alcance dos objetivos inicialmente propostos, relacionadas à opção de delimitar as
estratégias metodológicas à pesquisa bibliográfica e à análise documental. Há ainda escassa
produção bibliográfica sobre a atuação da OPAS nos anos 2000. Já os documentos oficiais
analisados apresentam uma natureza normativa, expressando uma preocupação da OPAS em
indicar caminhos técnicos, o que dificultou o reconhecimento das motivações, tensões e
disputas de projetos, frequentes nos processos de formação de agendas políticas.
Historicamente, a saúde é um tema de relevância no cenário internacional, o que tem
relação com suas dimensões social, política e econômica. A política de saúde constitui um dos
pilares dos sistemas nacionais de proteção social. Todavia, influências políticas (grupos de
pressão) e econômicas (necessidade de ampliar espaços de acumulação de capital) determinam
as diferentes conformações do direito à saúde, que se traduzem em distintos padrões de
cobertura, financiamento e prestação de serviços.
Considerando a premissa de que as condições materiais de vida são determinantes do
processo saúde – doença e que, portanto, numa sociedade marcada por desigualdades sociais
os riscos de adoecer e morrer não são homogêneos nas diferentes classes sociais, torna-se
fundamental a criação de estratégias de garantia e consolidação desse direito. Nesse intuito, a
constituição de sistemas de saúde orientados pela APS é uma diretriz importante. Contudo, o
termo APS tem significados e interpretações múltiplas, sendo fundamental vincular esse
conceito a uma concepção de proteção social universal e abrangente.
As agências internacionais são atores relevantes na discussão da APS e desde a
Conferência de Alma-Ata vêm apresentando e defendendo diferentes projetos. Identifica-se,
de um lado, uma concepção abrangente da APS como estruturante dos sistemas sanitários e
vinculada ao direito universal à saúde. De outro lado, apresenta-se a noção de cuidados
primários seletivos compreendidos como um conjunto de intervenções básicas custo-efetivas,
direcionadas para pobres e grupos vulneráveis.
96
As tensões entre as distintas concepções de APS percorreram toda a década de 1980 e
1990. Contudo, diante do cenário de reformas de influência neoliberal, a concepção de APS
focalizada e restrita tornou-se hegemônica, principalmente nos países periféricos, uma vez que
essa respondia ao conjunto de orientações dessa agenda, caracterizada por elementos como:
redução do gasto social, quebra do monopólio estatal, questionamento da universalidade,
ênfase em programas sociais focalizados e incentivos à expansão da participação privada na
prestação de serviços, inclusive sociais.
Nos países latino-americanos, de maneira geral, essa agenda potencializou a
exacerbação da pobreza e das desigualdades sociais, o que trouxe implicações para a proteção
social e ocasionou reflexos importantes nas condições de saúde das populações.
Numa perspectiva histórica, a OPAS consolidou-se como uma agência de cooperação
técnica, com foco no que Kingdon (1995) designa de policy communities, ou seja, a formação
de grupos de especialistas propositores de alternativas para a resolução de determinados
problemas, que buscam influenciar a formação das agendas governamentais, por meio da
difusão de ideais e propostas relativas a determinados temas. Essas comunidades buscam não
apenas produzir conhecimento técnico–científico, como também construir consensos políticosociais em torno de temas e propostas.
A revisão da literatura e os resultados deste estudo exploratório permitem sugerir que a
agenda política da OPAS historicamente apresenta continuidades e descontinuidades, sendo
sua conformação influenciada por diversos fatores. Entre eles, destacam-se o contexto
internacional dos debates sobre a saúde e a necessidade da Organização de, nos diferentes
momentos, se legitimar em face das outras agências internacionais e dos países membros, com
quem estabelece relações políticas, técnicas e financeiras.
No que concerne aos temas historicamente presentes na agenda da OPAS, muitos deles
estão relacionados à APS. Contudo, até o inicio dos anos 2000, era adotada uma abordagem
programática, com forte orientação para ações no campo vigilância epidemiológica, do
controle de doenças específicas e da atenção à mulher e à criança.
A partir de 2003, na gestão de Mirta Roses, nota-se uma inflexão importante, pois se
apresenta uma concepção de APS mais estratégica que, para além da visão programática,
passa a ser concebida como uma política de reestruturação dos sistemas nacionais de saúde.
Essa inflexão na agenda é expressa pelo movimento de renovação da APS nas
Américas, que compreende estratégias políticas e propostas técnicas. Assim, a partir da janela
de oportunidades aberta pelas comemorações do 25º Aniversário da Conferência de Alma-Ata
e do consenso internacional construído com base na Declaração do Milênio, a OPAS procura
97
emplacar a agenda de renovação da APS, aparentemente motivada por retomar o espaço
técnico-político perdido ao longo da década de 90 nas Américas, principalmente para o Banco
Mundial. Nesse sentido, é importante identificar e compreender os aspectos políticos e o
conteúdo das orientações técnicas que compõem essa nova agenda.
A estratégia de renovação da APS é apresentada por uma série de documentos
elaborados e divulgados entre 2003 e 2010. Nesses documentos, a OPAS adota um recurso
retórico de construção de consensos científicos em torno da eficácia e eficiência da APS,
destacando-se a estratégia de sensibilizar e persuadir o auditório (países membros e, em
alguns momentos, a própria comunidade interna da OPAS) e assim pactuar com adesões em
torno das posições apresentadas. O processo de construção desses documentos envolveu, além
da participação de especialistas nos temas em questão, a realização de seminários em países
membros com envolvimento de atores locais e divulgação de versões para consulta pública.
Nesse sentido, houve uma estratégia política de promover a participação e legitimar as
propostas em construção, com valorização particularmente das experiências consideradas pela
OPAS como bem-sucedidas no campo da APS.
O documento intitulado “Renovação da Atenção Primária à Saúde nas Américas –
documento de posicionamento” inaugura a série e apresenta as diretrizes e fundamentos da
estratégia. Um argumento importante apresentado neste documento e reiterado nos demais é
que a APS renovada é um resgate ao legado da Conferência Alma-Ata, em um novo contexto.
No que se refere ao conteúdo técnico da agenda da renovação da APS, nas publicações que se
seguem destacam-se duas propostas: a formação e/ou qualificação da força de trabalho
orientada à APS e a constituição de Redes Integradas de Serviços de Saúde (RISS).
A escolha dessas estratégias parece ter relação com as áreas nas quais a OPAS
identifica a possibilidade de exercer cooperação técnica e assim ocupar um lugar influente na
conformação das políticas de saúde dos países latino-americanos. Ressalte-se que a formação
e/ou qualificação da força de trabalho representa um campo já tradicional de atuação da
OPAS. Nesse âmbito, ganha ênfase a necessidade de conquistar os médicos para o processo,
sendo proposta como estratégia principal a mudança nas estruturas curriculares. Já para os
demais profissionais de saúde, a abordagem enfatizada é a educação permanente mediante a
articulação entre ensino e trabalho. A fim de propiciar tais transformações a OPAS defende o
desenvolvimento de competências, por meio de um enfoque normativo, pautado em diretrizes
e orientações técnicas.
Já a discussão de constituição de Redes Integradas de Serviços de Saúde (RISS) parece
expressar a influência de outro grupo de atores da OPAS, que vinha trabalhando há anos na
98
elaboração de uma proposta específica, posteriormente incorporada à série. Nesse sentido,
aborda-se uma preocupação central no que diz respeito a uma concepção de APS abrangente,
que é a coordenação e hierarquização dos serviços de saúde, por meio da construção de redes
de referência e contra referência. Porém, mesmo diante dessa preocupação, um elemento
recorrente nos documentos é a possibilidade de coexistência entre diferentes arranjos de
organização do sistema de saúde. Ao longo do documento, enfatiza-se a função estatal de
regulação e admite-se o estabelecimento de parcerias público-privadas na prestação de
serviços.
O estudo procurou também identificar as concepções e significados subjacentes à
proposta de “APS renovada”, no que concerne à perspectiva da proteção social, considerando
três aspectos: a população alvo da APS (universal ou focalizada), o escopo da APS
(abrangente ou restrito) e a forma de organização dos serviços (relações público-privadas).
Nesse sentido, destaque-se o argumento recorrente de inspiração na proposta de APS
abrangente da Conferência de Alma-Ata, porém admitindo-se mudanças relacionadas ao novo
contexto. Na realidade, aquela Conferência se realizou em um contexto muito distinto, em que
a defesa da meta de “Saúde Para Todos no Ano 2000”, trazia implicitamente ideias
progressistas relacionadas à busca de igualdade; à relação entre desenvolvimento, saúde e
APS; e ao protagonismo estatal na garantia do direito à saúde. Mesmo assim, o documento
afirmava que a definição do escopo dos cuidados primários poderia variar de acordo com os
países, admitindo uma diversidade de arranjos e não abordando diretamente a questão da
prestação privada de serviços.
Já a proposta da APS renovada se apoia fortemente no princípio da equidade e na
noção de sustentabilidade dos sistemas de saúde, para tal a prestação dos serviços acontece
por meio das parcerias entre setores públicos e privados. Com esse intuito, a OPAS define que
a relação que julga ser necessária entre Estado e Mercado não é apenas permitida, mas
incentivada e necessária para a renovação da APS. Enfatiza-se ainda a ideia de serviços
básicos universais, cuja definição é fluida e adaptável à capacidade institucional de cada país,
podendo compreender um escopo de serviços mais amplos ou restritos.
No que concerne ao modelo de intervenção estatal a proposta de renovação da APS da
OPAS orienta-se por uma visão do Estado regulador das relações entre setor público e
privado. Defende-se a conformação de sistemas mistos unificados constituídos uma rede
integrada de serviços, independente da natureza jurídica dos prestadores.
O conjunto de valores, princípios e elementos centrais que norteiam a APS renovada
expressam uma concepção de APS coerente com a concepção do universalismo básico, que
99
ganhou projeção nos anos 2000 como estratégia de proteção social para a América Latina. A
partir de uma avaliação negativa de abordagens exclusivamente focalizadas e restritas e da
constatação dos numerosos obstáculos ao alcance de um universalismo “puro” orientado pela
lógica da igualdade, a OPAS parece defender uma visão de APS com foco na equidade, sem
negar a necessidade de garantir um “básico” social a todos. Contudo, o conceito de básico
também é fluido e adaptável às diferentes realidades dos países, ou seja, pode incluir uma
prestação de serviços ampla ou restrita e compreender maior ou menor cobertura. Valorizamse ainda as parcerias entre o setor público e privado, o que pode favorecer uma lógica
mercantil nesse nível de atenção.
Ao término deste trabalho, é possível concluir que, na atualidade, ainda existem
diferentes projetos em disputa no que se refere à proteção social e consequentemente a APS
no plano internacional, particularmente na América Latina. Os resultados do estudo sugerem a
necessidade de desenvolver outros trabalhos que aprofundem aspectos ainda pouco explorados
tais como: as consequências do movimento de renovação da APS nas Américas na própria
agenda política e dinâmica de atuação da OPAS; a agenda da OPAS em comparação com a de
outros organismos internacionais; os mecanismos adotados para incentivar a implementação
dessa agenda; as relações entre a OPAS e os governos dos países nesses processos.
Possivelmente os limites desse trabalho não permitiram responder de forma conclusiva
às questões inicialmente formuladas, em face da dificuldade que é “olhar de fora” o processo,
a partir de documentos oficiais. Contudo, se esse estudo contribuir para a discussão do tema
ou ainda para fomentar novos questionamentos, terá cumprido seu propósito central.
100
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