Investigação, 14(1):175-181, 2015 CUIDADOS DE ENFERMAGEM COM O PÉ DIABÉTICO: ASPECTOS FISIOPATOLÓGICOS Revisão de literatura | Ciências da Saúde Revista INVESTIGAÇÃO saúde Nursing Care With Diabetic Foot: Pathophysiological Aspects Heloisa Helena Lemos Horta Universidade de Franca ABSTRACT RESUMO O pé diabético, considerado uma complicação tardia do diabetes, acomete mais da metade da população diabética. É caracterizado pela presença de lesões decorrentes de neuropatias, vasculopatias e aumento do risco à infecções. O pé diabético é responsável por grande parte de amputações não traumáticas de membros inferiores e as alterações anatômicas do pé acometem todo o corpo e de várias formas, ocasionando dificuldades na marcha e consequentemente novas lesões. Este trabalho tem como objetivo estudar as causas das feridas do pé diabético, conhecer os aspectos fisiopatológicos e através dos cuidados de enfermagem, as formas de se evitar. A prevenção é um fator importante e grande parte das amputações pode ser evitada através de um melhor conhecimento dos cuidados com os pés. O enfermeiro tem papel fundamental entre os membros da equipe de saúde, pois, é este profissional que, capacitado científica e tecnicamente, quem orienta e educa os pacientes e familiares. A metodologia utilizada neste trabalho está baseada em revisões bibliográficas, tendo como fonte de dados a internet, livros, periódicos e artigos publicados sobre o assunto. The diabetic foot, considered a late complication of diabetes, affects more than half of the diabetic population. It is characterized by the presence of injuries resulting from neuropathy, Vascular and increased risk for infections. The diabetic foot is responsible for much of nontraumatic amputations of lower limbs and anatomical changes of the feet affect the whole body and in many ways, causing difficulties in walking and therefore new lesions. This work aims study the causes of the diabetic foot wounds, and know the pathophysiological aspects of nursing care through the ways to avoid. Prevention is an important factor and most of the amputations can be prevented through a better knowledge about feet care. The nurse has a fundamental role among the members of the health care team, therefore, is this scientific and technically skilled professional, who guides and educates patients and families. The methodology used in this work is based on literature reviews, with the data source on the Internet, books, journals and articles published about the subject. Keywords: diabetes mellitus; diabetic foot; nursing care. Palavras-chave: diabetes mellitus; pé diabético; cuidados de enfermagem. ISSN 21774780 175 Investigação, 14(1):175-181, 2015 INTRODUÇÃO O Diabetes Mellitus é um grupo de doenças metabólicas caracterizadas por níveis elevados de glicose no sangue (hiperglicemia) decorrentes do defeito na secreção e/ou na ação da insulina. As principais fontes dessa glicose são a absorção do alimento ingerido no trato gastrintestinal e a formação de glicose pelo fígado a partir das substâncias alimentares (1). Por se tratar de um distúrbio crônico com elevadas taxas de morbi-mortalidade, o diabetes mellitus (DM) é um grande problema de saúde pública. No Brasil, quase metade (46,5%) dos cinco milhões de pessoas com DM, desconhece o diagnóstico. Calcula-se que, em 2020, possam existir 11 milhões, devido ao envelhecimento populacional, a obesidade, ao estilo de vida, ao sedentarismo e as modificações nos padrões dietéticos (2). Existem vários tipos diferentes de diabetes mellitus; eles podem diferir quanto à causa, evolução clínica e tratamento. Dentre as principais classificações estão a Diabetes do tipo 1 (diabetes mellitus insulino-dependente), Diabetes do tipo 2 (diabetes mellitus não-insulino-dependente), Diabetes gestacional e a Diabetes Mellitus associado a outras condições ou síndromes (3). O pâncreas, além de algumas funções digestivas, secreta dois hormônios importantes, a insulina, secretada pelas células betas, e o glucagon, que agem na regulação do metabolismo da glicose, dos lipídeos e das proteínas (4). Segundo os autores acima, para atuar nas células-alvo, a insulina se liga a uma proteína receptora na membrana e a ativa. Segundos depois, aproximadamente 80% das células do corpo tornam-se altamente permeáveis à glicose. Dentro das células, a glicose é imediatamente fosforilada, passando a ser substrato para todas as funções metabólicas habituais dos carboidratos e a insulina pode aumentar, em pelo menos 15 a 20 vezes o transporte de glicose para as células musculares em repouso. A insulina controla o nível de glicose no sangue ao regular a produção e o armazenamento de glicose. No estado diabético, as células podem parar de responder à insulina ou o pâncreas pode parar totalmente de produzi-la. Isso leva à hiperglicemia, a qual pode resultar em complicações metabólicas agudas, como a cetoacidose metabólica e a síntese não-cetótica hiperosmolar hiperglicêmica. Os efeitos da hiperglicemia em longo prazo contribuem para as complicações macrovasculares (doença na artéria coronária, doença vascular cerebral e doença vascular periférica), complicações microvasculares crônicas (doença renal e ocular) e complicações neuropáticas (doenças dos nervos) (1). É sabido que 50% da população de pacientes diabéticos desenvolvem algum problema nos pés, e o dado mais importante, é que se fizermos o tratamento preventivo conseguiremos diminuir em até 60% o número de amputações. Isto é um número muito expressivo, não deixando de mencionar que o diabetes mellitus amputa aproximadamente 15 vezes mais que todas as outras causas (p.ex., trauma e câncer) (3). Segundo o artigo 1º do Capítulo 1 da Resolução do Cofen nº 2400/200, “a enfermagem é uma profissão comprometida com a saúde do ser humano e da coletividade. Atua na promoção, proteção, recuperação da saúde e reabilitação das pessoas, respeitando os preceitos éticos e legais”. O enfermeiro tem autonomia para cuidar e tratar de feridas, sendo autonomia a habilidade que o profissional possui em desenvolver suas responsabilidades práticas regularizadas pela profissão, mantendo a integridade ética, legal e profissional (5). O objetivo desta pesquisa é estudar as causas das feridas do pé diabético, conhecer os aspectos fisiopatológicos, e formas ISSN 21774780 176 de como evitá-las, através dos cuidados de enfermagem. A metodologia utilizada neste trabalho está baseada em revisões bibliográficas através de trabalhos publicados no período de 1988 a 2012, tendo como fonte de dados a internet, livros, periódicos e artigos publicados sobre o assunto. Os bancos de dados utilizados foram Lilacs, Scielo e Medline, a partir das palavras-chaves: diabetes mellitus; pé diabético; cuidados de enfermagem. DESENVOLVIMENTO DIABETES Aproximadamente 5 a 10% das pessoas com diabetes possuem diabetes do tipo 1, no qual as células beta pancreáticas produtoras de insulina são destruídas por um processo autoimune, produzindo assim, pouca ou nenhuma insulina e precisam de injeções desse hormônio para controlar seus níveis de glicose no sangue. O diabetes do tipo 1 caracteriza-se por um início agudo, comumente antes dos 30 anos (3; 6). Sendo assim, 90 a 95% dos diabéticos possuem diabetes do tipo 2, mais frequente entre pessoas com mais de 30 anos de idade e obesas, resultante da sensibilidade diminuída à insulina (chamada de resistência à insulina) e funcionamento prejudicado da célula beta resultando em produção diminuída de insulina. Este tipo de diabetes é primeiramente tratado com dieta e exercício e se os níveis de glicose persistirem elevados inicia-se o uso de agentes hipoglicemiantes orais. Em alguns casos de diabetes do tipo 2, os agentes orais não controlam a hiperglicemia, sendo necessárias as injeções de insulina, assim como em situações de estresse fisiológico agudo, alguns indivíduos com diabetes do tipo 2 usualmente controlados com Investigação, 14(1):175-181, 2015 dieta, exercício e agentes orais, podem precisar de injeções de insulina (p. ex., doença ou cirurgia) (3; 7). As anormalidades na secreção de insulina podem levar ao desenvolvimento de resistência e, por outro lado, um comprometimento na captação de glicose causando falência das células beta pancreáticas (8). É importante que o Enfermeiro enfatize que as complicações do diabetes podem desenvolver-se em qualquer pessoa com diabetes e não somente em pacientes que recebem insulina (3). O Diabetes do tipo 1 é caracterizado pela destruição das células beta pancreáticas, através da hereditariedade, fatores imunológicos ou ambientais. Acredita-se que a suscetibilidade genética seja um fator subjacente comum no desenvolvimento do diabetes do tipo 1. Também existe evidência que uma pessoa autoimune possa desenvolver o diabetes tipo 1(1). A maioria das pessoas com diabetes tipo 1 desenvolve grandes quantidades de auto-anticorpos, que circulam na corrente sanguínea, antes da doença ser diagnosticada. Estes anticorpos são proteínas que atacam o próprio tecido do corpo de uma pessoa. O diabetes tipo 1 é mais frequente em homens e em pessoas menores de 35 anos, mas pode ocorrer em qualquer idade (9) Este tipo de diabetes também conhecido como diabetes mellitus insulino-dependente ou diabetes infantil, ou diabetes tipo 1, onde o organismo produz pouca ou nenhuma insulina. O tratamento para as pessoas acometidas por esse tipo de diabetes é obrigatório e contínuo, devem receber injeções diárias de insulina e a quantidade de injeções é variável em função do tratamento escolhido pelo endocrinologista e também em função da quantidade de insulina produzida pelo pâncreas (10). O diabetes tipo 1 é uma doença crônica que afeta todos os sistemas do corpo e pode causar complicações sérias, ameaçadoras à vida. Não há nenhum modo de prevenir o diabetes tipo 1. Pessoas com diabetes tipo 1 precisam monitorar os níveis de açúcar no sangue várias vezes por dia, controlar sua dieta e fazer exercícios físicos regulares; uma dieta saudável para alguém com diabetes tipo 1 é o que mantém a quantidade de glicose no sangue relativamente constante (11). O diabetes tipo 1 é mais frequente em pessoas com menos de 35 anos de idade, porém pode surgir em qualquer idade. Os sinais e sintomas podem ser: fome e sede frequentes, perda de peso, fraqueza, fadiga, nervosismo, mudança de humor, náusea e vômito, infecções repetidas na pele ou mucosas, cicatrização lenta, dores nas pernas por causa de má circulação e visão embaçada (12). As complicações podem ser: cetoacidose, síndrome hiperosmolar / hiperglicêmica, doença cardiovascular, doença cardiovascular periférica, retinopatia / cegueira, nefropatia, dermopatia diabética, comprometimento da resistência à infecção e depressão cognitiva (13). Já o diabetes do tipo 2, ocorre depois dos 35 anos de idade, porém pode acometer crianças e adolescentes sedentários e obesos. Estima-se que 60 a 90% dos portadores da doença sejam obesos e é considerado um fator altamente genético. No diabetes tipo 2 há uma certa produção de insulina pelo pâncreas, o problema está na incapacidade de absorção das células musculares e adiposas que, por muitas razões, não conseguem metabolizar a glicose suficiente da corrente sanguínea, isto é chamado de resistência insulínica (9). ISSN 21774780 177 A fisiopatologia da resistência insulínica é explicada por uma redução da ação da insulina nos tecidos periféricos, resultando em aumento compensatório da secreção de insulina. O desequilíbrio deste mecanismo resulta na progressiva diminuição da tolerância à glicose, que pode ter como resultado final o surgimento da diabetes tipo 2. Este dado indica que provavelmente as alterações fisiopatológicas da doença estão presentes vários anos antes de sua expressão clínica (14). Para evitar o acúmulo de glicose no sangue e superar a resistência à insulina, grandes quantidades de insulina devem ser secretadas para manter normal o nível de glicose. Entretanto, quando as células beta não conseguem lidar com uma grande demanda de insulina, o nível de glicose aumenta, desenvolvendo-se o diabetes do tipo 2 (1). O diabetes tipo 2 é cerca de 10 vezes mais comum que o do tipo 1 e pode responder ao tratamento com exercícios físicos regulares e dieta e, em alguns casos, o uso de hipoglicemiantes orais. A ocorrência do diabetes tipo 2 é lenta e progressiva e está relacionada aos níveis altos de glicose no sangue, podendo ocorrer os seguintes sintomas: poliúria, sede exagerada, fome excessiva, perda de peso, maior risco às infecções, principalmente às micoses e as complicações incluem: problemas nos pés, neuropatia, retinopatia, vasculopatia e nefropatia (11). PÉ DIABÉTICO As pessoas diabéticas se tornam muito vulneráveis às lesões nos pés, já que o diabetes pode causar várias complicações até mesmo em pessoas jovens. A neuropatia periférica, a infecção e a doença arterial periférica são graves complicações provenientes de distúrbios metabólicos que comprometem as extremidades dos membros inferiores e muitas vezes, evolui para gangrena e amputação (3). Investigação, 14(1):175-181, 2015 O pé diabético é uma das principais complicações do diabetes, caracterizado por lesões decorrentes de neuropatia periférica, doença arterial periférica e infecções. Essas complicações são crônicas e ocorrem em média dez anos após o aparecimento da doença e, associadas às infecções, podem evoluir para amputações não traumáticas de membros inferiores. Estas amputações são precedidas por úlceras, caracterizadas por lesões cutâneas, com perda de tecido epitelial, que podem chegar até a derme ou a tecidos mais profundos. Cerca de metade das amputações em pacientes portadores de diabetes pode ser prevenida com a averiguação precoce e o tratamento adequado das lesões, bem como a educação dos pacientes em como cuidar dos pés (15). A neuropatia periférica pode ser facilmente encontrada em indivíduos diabéticos, afetando cerca de 50% dos portadores. Pode ser manifestada de várias maneiras, depende do segmento do sistema nervoso acometido. O comprometimento dos nervos motores dos membros inferiores no indivíduo diabético determina hipotrofia muscular, deformidades e pontos de pressão anormais; o comprometimento dos nervos sensitivos manifesta-se por distúrbios da sensibilidade nas extremidades podendo chegar à anestesia. A complicação neuropática é preocupante, pois, particularmente nos membros inferiores, pode causar úlceras que, sem tratamento adequado, levam a amputação (16). Os pacientes portadores de diabetes acometidos pela neuropatia periférica de origem autonômica podem apresentar perda da função das glândulas sudoríparas levando ao ressecamento e rachadura da pele, o que talvez possa ser um fator a mais na dificuldade de cicatrização das úlceras plantares (3). A anidrose ou perda de suor no pé, ocasionado pela neuropatia periférica autonômica, além de causar rachadura e ressecamento locais, pode causar excesso de suor em outras partes do corpo, geralmente no rosto e no tronco, um fenômeno conhecido como hiperhidrose compensatória (17). A degeneração que atinge os nervos simpáticos causa vasodilatação arterial e arteriolar, aumentando o fluxo sanguíneo no pé diabético. Nesses casos, pode ocorrer formação de microfístulas arteriovenosas que derivarão o fluxo de sangue arteriolar para as vênulas, reduzindo o afluxo de sangue aos capilares, diminuindo a nutrição da pele. A oferta diminuída de sangue arterial aos tecidos aumenta-lhe a sensibilidade às lesões, diminui a velocidade da cicatrização e a resistência às infecções (3). O autor informa ainda que as úlceras neuropáticas são indolores, arredondadas, localizadas nos pontos de maior apoio plantígrado e exibem um halo de pele calosa. Em geral são únicas, correspondendo ao pico de pressão na superfície plantar, onde também se concentram as maiores forças de cisalhamento. Normalmente, os pacientes só percebem as úlceras pelas manchas de sangue nas meias (3). As pessoas com diabetes têm cerca de três vezes mais chance do que as que não têm a doença de desenvolverem a doença arterial periférica e quando comparados a outros pacientes, os diabéticos têm de 10 a 30 vezes mais chance de que a doença evolua para amputação de membros inferiores (17). A importância do diagnóstico da doença arterial periférica está em detectar indivíduos de alto risco cardiovascular, além da possibilidade de evitar incapacidade funcional e perda do membro acometido. A doença arterial periférica pode ser assintomática, apresentar-se como claudicação intermitente (dor nas panturrilhas, coxas ou nádegas que ocorrem durante ISSN 21774780 178 o exercício de caminhada e aliviam com o repouso), dor em repouso e ferimentos com dificuldade de cicatrização e gangrena. Pelo fato de que os sintomas mais leves geralmente não são relatados pelo paciente, devem ser perguntados diretamente. Os pacientes podem apresentar sintomas mais leves, como fadiga e redução na velocidade de caminhar (18). Os portadores de diabetes que apresentam fatores de risco para o desenvolvimento de complicações nos pés devem usar calçados apropriados, ou fazê-los sob medida. Os calçados inadequados predispõem os pés a diversos traumas e contribuem como fator precipitante em até 85% dos casos de ulcerações nos pés (19). Calçados muito folgados podem criar diversas áreas de atrito, que favorecem a formação de bolhas ou a entrada de pequenos objetos no interior dos sapatos, durante a marcha. Calçados muito apertados podem causar lesões no dorso dos dedos e nos lados do ante pé. Dedos em formato de garra ou de martelo podem resultar em pressão sobre o dorso proximal interfalangiano dentro de calçados pouco profundos. Calçados muito apertados e de ponta fina aumentam a pressão nas laterais do ante pé e podem produzir isquemia na pele (15). O denominado pé de Charcot é proveniente do processo neuropático, constitui uma desintegração dos ligamentos e das superfícies articulares, causada por doenças degenerativas ou por traumatismos que alteram biomecanicamente os apoios de um pé diabético. É um processo neuroartropático que evolui com fraturas, osteoporose e inflamação aguda que pode levar à desorganização da anatomia do pé. Na fase inicial é difícil diferenciar o pé de Charcot de um processo infeccioso. O diagnóstico de um pé de Charcot se faz pela identificação de eritema e edema presentes nos pés e, às vezes, presença de dor. O fluxo sanguíneo é desviado das partes moles adjacentes e Investigação, 14(1):175-181, 2015 aumentado no arcabouço ósseo do pé, o que leva a osteopenia e com isso há predisposição para a ocorrência de fraturas, principalmente nos ossos tarso e metatarso, localizados respectivamente no retropé e no mediopé. A artropatia de Charcot, segundo a Associação Americana de Diabetes, somente pode acontecer nos pacientes diabéticos que desenvolvem a neuropatia e naqueles que são portadores de diabetes há cerca de 20 anos, portanto, em idade mais avançada (3). o pé; químicas como, queimação no pé causada por agentes cáusticos usados para calosidades; e traumáticas como, lesar a pele ao cortar ou lixar as unhas ou usar meias e calçados mal adaptados aos pés. Acredita-se que mais de 50% das amputações de membros inferiores sejam evitáveis, desde que os pacientes sejam ensinados sobre os cuidados com os pés e façam uma averiguação diariamente nos mesmos para detectarem precocemente qualquer anormalidade (1). As infecções no pé diabético estão entre as mais sérias complicações do diabetes e principal causa de hospitalização, sendo normalmente ocasionadas por bactérias gram-positivas (17). A perda da sensibilidade dos pés, associada com deformidade pré-existente, caracteriza a principal causa das infecções secundárias evoluindo para a necessidade de amputação da extremidade (21). O risco de infecção nas úlceras diabéticas é proporcional ao nível de glicose na circulação sanguínea. As infecções são de progressão rápida e causam grandes lesões teciduais, podem progredir pela fáscia plantar, pelas bainhas dos tendões flexores dos dedos e para os espaços existentes entre os ossos do metatarso. Devido à perda da sensibilidade, os pacientes não sentindo dores, continuam a caminhar, ao invés de repousar, fazendo com que os agentes infecciosos se aprofundem nos tecidos. Nesses casos, é frequente a ocorrência de abscesso, osteomielite e gangrena. O edema que acomete o pé infeccionado pode causar trombose nas artérias que irrigam os dedos e gangrenas digitais, que pode progredir para gangrenas proximais e amputações (3). ATUAÇÃO DO ENFERMEIRO Quando o paciente diabético não tem o hábito de inspecionar os pés diariamente, ele só percebe a lesão quando esta já se encontra em estágio avançado, ou seja, com presenças de infecção e odor fétido, o que torna o tratamento extremamente difícil, devido à insuficiência circulatória (20). As lesões nos pés podem ser térmicas como, andar descalço no concreto quente ou testar a água do banho com Um dos campos de atuação direta do enfermeiro é a avaliação da conduta no tratamento de feridas junto à equipe interdisciplinar, pois é ele que realiza o curativo e avalia o cliente todos os dias. Para o tratamento de lesões é necessária uma avaliação criteriosa da ferida e não apenas a prescrição de curativos. Portanto, é necessário conhecimento científico e técnico, através de cursos de especialização, reuniões científicas e participação em Congressos (5). As autoras reforçam que tratar de lesões é uma especialidade que a cada dia mais exige atualização e estudo por parte do enfermeiro e dos profissionais envolvidos. O protocolo, padronização de leis e procedimentos, é uma forma muito eficaz de dar maior autonomia ao enfermeiro. O desenvolvimento do protocolo deverá ser escrito por enfermeiros que, baseados na prática clínica, poderá prestar assistência preventiva e curativa aos portadores de pé diabético. Além do enfermeiro, deve fazer parte da equipe interdisciplinar: o médico, de preferência especialista (cirurgião vascular, angiologista, dermatologista), ISSN 21774780 179 nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, terapeuta ocupacional, farmacêutico e assistente social (5). O diabetes e suas complicações são considerados como as principais doenças em que a educação é importante, levando informação, orientações e alertas aos seus portadores. Educar é transferir conhecimentos para convencer os pacientes diabéticos a cumprirem suas dietas, exercícios, medicamentos e inspeção dos pés (3). A educação é fator determinante na prevenção e tratamento das complicações do pé diabético, sendo o enfermeiro o profissional responsável em sensibilizar, educar e orientar os pacientes e familiares e, baseado em evidências, trabalhar em conjunto com os demais membros da equipe. Somente com a observação sistemática dos pés é que será possível identificar precocemente sinais de lesões, que quando infectadas, podem levar a evolução rápida de necrose, gangrena e amputação (22). Os pacientes portadores de diabetes devem adquirir habilidades associadas à monitoração e tratamento do diabetes e incorporar atividades novas na rotina diária como evitar aumento na taxa de glicose sanguínea, ser instruídos sobre a nutrição, efeitos dos medicamentos e efeitos colaterais e se conscientizarem sobre a importância da atividade física, progressão da doença e estratégias de prevenção (1). As autoras acima ressaltam que o enfermeiro desempenha um papel vital na identificação de pacientes diabéticos, avaliação das habilidades de autocuidado, fornecimento de educação básica e referência dos pacientes para os cuidados de acompanhamento após a alta. Algumas informações são indispensáveis para que o paciente possa adquirir habilidades de sobrevivência como: cuidados com os pés, cuidados oculares, higiene oral, controle da pressão arterial, controle nos níveis de Investigação, 14(1):175-181, 2015 lipídios sanguíneos e normalização dos níveis sanguíneos de glicose. A educação a ser fornecida vai depender do interesse e da capacidade do paciente (1). Boa parte dos pacientes diabéticos acaba não dando importância à doença, pelo fato de ser uma doença metabólica e de expressar poucos sinais e sintomas, se tornando difícil a argumentação, de algo que não vêem ou não sentem (3). Para que o cuidado com os pés do paciente diabético seja eficaz é preciso seguir algumas normas como: ensinar o paciente a inspecionar regularmente os pés à procura de cortes, rachaduras, bolhas ou áreas avermelhadas e inchadas; aconselhar a procurar um especialista se tiver calosidades, pois os calos se formam a partir de pressões dos sapatos e indicam que estão muito apertados; orientar o paciente a usar meias, de preferência de lã e de algodão e palmilhas extras para evitar frio nos pés. As palmilhas servem para amortecer e reduzir a pressão que chega aos pés, mas elas só devem ser usadas quando não alteram o espaço interno dos sapatos, as meias devem ser trocadas todos os dias e evitar as que estejam rasgadas ou remendadas com costuras ásperas; orientar que é indispensável que os sapatos estejam bem adaptados e que é preciso examinar com frequência os sapatos velhos e evitar o uso de sapatos muito largos ou estreitos, com bicos finos, saltos altos e os baixos demais. O ideal é o uso de tênis ou sapatos apropriados que não possuam costura e no comprimento do sapato é bom deixar um centímetro sobrando porque o pé faz um deslocamento durante a marcha. Antes de calçar os sapatos é necessária uma breve inspeção dos mesmos, para que se notem objetos estranhos dentro dos sapatos, prevenindo a ocorrência de ferimentos nos pés. Aconselhar o paciente a evitar roupas muito justas e movimentos que possam diminuir a circulação sanguínea, assim como evitar andar descalços ou usar sapatos abertos e nunca mexer em lesões ou pontos ásperos dos pés (23). O uso de sapatos inadequados é responsável por 50% das amputações e cerca de 80% das lesões podem diminuir com o uso de sapatos adequados reduzindo o pico de pressão plantar, que inclui a capacidade de absorção do choque e da distribuição da carga, portanto, a prescrição de sapatos para pacientes diabéticos deve ser encarada como uma prescrição médica (3). As unhas devem ser cortadas em ângulo reto e não muito curtas, de preferência utilizar a parte mais fina da lixa de unha, tomando muito cuidado para não ferir a pele, e evitar objetos pontiagudos. Caso o paciente apresente dificuldades para realizar esta tarefa, é necessária a ajuda de um familiar ou de um profissional habilitado principalmente diante de limitações físicas (mobilidade e visão) (2; 1). Os pés devem ser lavados diariamente com sabonete neutro em água morna, deve-se sempre testar a temperatura da água com o braço, já que há perda de sensibilidade térmica nos pés. Usar uma toalha separadamente para enxugar os pés, com muita atenção entre os dedos, que devem ficar sempre limpos e secos. Os pés devem ser hidratados com cremes, mas não entre os dedos. Para prevenir possíveis queimaduras, não é recomendado o uso de bolsa de água quente para aquecimento dos pés (23). Em um estudo realizado com pessoas portadoras de Diabetes Mellitus, os fatores apontados como responsáveis pela etiologia das úlceras, correspondem a fatores extrínsecos tais como calçados inadequados, trauma, andar descalço, bolhas, calosidades e fissuras, fatores esses que podem ser prevenidos com cuidados básicos e de baixo custo. A insensibilidade plantar, fator fundamental e desencadeador das úlceras, não foi reconhecido pelas pessoas que participaram deste estudo (24). ISSN 21774780 180 Caso ocorra calos ou calosidade nos pés não é recomendado o uso de calicidas ou abrasivos como lixas ou raladores. Protetores adesivos devem ser evitados, pois facilitam o aparecimento de bolhas. Quando os calos estiverem provocando dor é indicado procurar ajuda especializada (25). Na ocorrência de algum ferimento superficial a lavagem com água e sabonete neutro é a principal medida a ser tomada e, em seguida, procurar ajuda especializada. Quando o ferimento for mais profundo é necessário que os materiais de limpeza e de curativo sejam esterilizados (17). CONCLUSÃO A redução das complicações no pé diabético não depende somente dos serviços prestados por entidades hospitalares, mas principalmente, da divulgação sobre os cuidados, através de campanhas educativas e orientações diretas para a população potencialmente em risco e seus familiares. A equipe de saúde, em especial o profissional enfermeiro e o paciente, devem saber avaliar e identificar qualquer indício de anormalidade nos pés, detectando sinais e sintomas precoces, conseguindo assim, prevenir lesões e maiores complicações. Este estudo evidencia a importância do enfermeiro na proteção ao agravo das complicações do pé diabético, pois é o enfermeiro quem atua diretamente no cuidar e educar, incentivando o paciente a manter o autocontrole e a participar de atividades educativas. Investigação, 14(1):175-181, 2015 REFERÊNCIAS Smeltzer SC, Bare BG. 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