CRISE E FINANCIAMENTO DO SUS María Alicia Domínguez Ugá IX Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, 2009 Para entender a crise, vale recorrer a O CAPITAL (Marx): D => M => D’ Quando os agentes capitalistas não tem expectativas de que D’ seja muito superior a D, o capital tende a retornar a formas mais flexíveis de investimento => financeirização E a BRAUDEL (1984): A expansão financeira é um sintoma da maturidade (no sentido de esgotamento) de um determinado desenvolvimento capitalista. Por isso, segundo ARRIGHI (1996): Um padrão reiterado do capitalismo é a alternância de épocas de expansão material (produtiva) e de épocas de expansão financeira. Ainda segundo ARRIGHI (1996): “Longos períodos de crise, reestruturação e reorganização – de mudanças com descontinuidade - têm sido muito mais típicos da história da economia capitalista mundial do que os breves momentos de expansão generalizada por uma via de desenvolvimento definida, como a que ocorreu nas décadas de 1950 e 1960”. Claramente, a partir dos anos setenta, o sistema capitalista mundial foi progressivamente passando para uma fase de expansão financeira, que se deu de uma forma totalmente desregulada, principalmente nos anos 1990 e 2000, seguindo os dogmas do Consenso de Washington. A CRISE Começa a ficar visível em agosto 2007, 2007, com a crise do mercado de derivativos especiais de crédito hipotecário (sub (sub--primes primes) ) nos EUA. A crise financeira em profundidade do núcleo central do sistema capitalista se estende a toda a economia mundial a partir do último trimestre de 2008, 2008, com: - Globalização da economia e dos bancos europeus - Retração do crédito e recessão nos países centrais - Retração do comércio internacional e queda dos preços do petróleo e de outras commodities - Contração do crédito bancário internacional Na América Latina, antes da crise internacional, bonança entre 2003 e 2008... Entre 2003 e 2008, América Latina cresceu de forma sustentada: Taxa de crescimento do PIB em países da América Latina, 1999--2008 1999 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 0,3 4,0 0,4 Fonte: CEPAL, 2009 - 0,4 2,2 6,1 4,9 5,8 5,8 4,6 Esse crescimento se traduziu em aumento do emprego: Elaboração: Bárcena, 2009 No entanto, a carga tributária da maioria dos países de A.L. é insuficiente para financiar políticas sociais de caráter universal: Fonte: CEPAL. Elaboração: Bárcena, 2009 IMPACTO DA CRISE NOS PAÍSES LATINO-AMERICANOS: TAXAS DE CRESCIMENTO DO PIB (%) Países 2008 2009* Argentina 7,0 4,0 Brasil 5,1 1,2 Chile 3,2 2,0 Ecuador 6,5 2,3 México 1,3 -4,1 Perú 9,8 4,5 * Projeções governamentais para 2009 Fonte: CEPAL IMPACTO DA CRISE NOS PAÍSES LATINO-AMERICANOS: TAXAS DE DESEMPREGO (%) Países Dez. 2008 Mar. 2009 Argentina 7,3 8,4 Brasil 6,8 9,0 Chile 7,5 8,5 Ecuador 7,3 8,6 México 4,3 4,8 Perú 8,1 8,2 Dados: CEPAL - Projeções: FMI MEDIDAS ADOTADAS PELOS GOVERNOS Países Medidas Argentina Aumentou subsídios para desempregados e reduziu custos laborais das empresas. Gastos públicos e exonerações fiscais: US$ 10,8 bilhões Brasil Ampliou prazo do seguro desemprego, reduziu impostos de alguns setores mais afetados pela crise e criou incentivos à construção civil. Gastos públicos e exonerações fiscais: US$ 70 bilhões Chile Ampliou prazo do seguro desemprego e deu subsídios para capacitação de trabalhadores demitidos. Gastos públicos e exonerações fiscais: US$ 10,3 bilhões México Programa de trabalho temporário em infra-estrutura para criar 250 mil postos. CENÁRIOS: • Frente a essa importante diminuição da taxa de crescimento do PIB e, portanto, de contração da arrecadação tributária, • Frente ao volume de recursos tão importante que está sendo destinado ao setor produtivo, tanto para o capital como para o trabalho, é muito provável que o financiamento das políticas de saúde sofra uma contração em 2009. NO BRASIL, ESPECIFICAMENTE: Até o 1o trimestre 2009: 2009: - Desaceleração do PIB - Aumento do desemprego - Mas a pobreza continuou em movimento descendente,, de 31,2% (março 2008) a 30,7% descendente (março 2009) devido a: - políticas compensatórias => Bolsa Família - políticas sociais => aposentadoria rural e Benefícios de Prestação Continuada (anciãos e deficientes) NO BRASIL, ESPECIFICAMENTE: Recuperação a partir do 2o trimestre 2009: - PIB cresceu no 2o trimestre 1,9% em relação ao trimestre anterior - Estima-se um crescimento de 2% a 2,5% no Estima3o trimestre em relação ao anterior - Elevado nível de utilização da capacidade instalada em vários setores da economia, que deverá gerar novos investimentos na ampliação da capacidade instalada e futuros novos empregos. GASTO SOCIAL: Dados preliminares da execução do orçamento indicam que os gastos federais na seguridade social (saúde + assistência social + previdência social) diminuíram em 2008, 2008, como proporção do PIB: - Em 2007, representavam 13% do PIB - Em 2008, caíram a 12,6% do PIB É o primeiro movimento de descenso, depois de 12 anos. Independentemente dos efeitos da crise internacional, que gerou um déficit fiscal nominal esperado de 2,5% a 3,0% do PIB brasileiro, problemas históricos no financiamento do sistema de saúde brasileiro determinam a baixa participação do Estado no financiamento setorial. CONTRADIÇÕES DO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO A estrutura do sistema nacional de saúde brasileiro (e, nele, a participação do setor privado) é herdada do modelo do sistema de saúde prévio ao SUS, no qual o papel do Estado havia sido fundamentalmente o de promover a expansão do setor privado. => Nosso sistema, constitucionalmente definido como SISTEMA NACIONAL DE SAÚDE, de acesso universal e integral, é composto por um mix público privado, no âmbito da oferta de serviços e do seu financiamento. Neste, é ainda pouco expressiva a participação do Estado. COMPOSIÇÃO DO GASTO EM SAÚDE - 2002 R$ Milhões Gasto Público Total % 50.473 43,8 Gasto Privado com Planos e Seguros de Saúde 25.063 21,7 Gasto Privado Direto das Famílias (out-of-pocket) 39.778 34,5 Gasto Total 115.315 Fonte: Ugá & Santos (2005) 100,00 No Brasil, o gasto público em saúde representa apenas 3,4% do PIB. Estimativas da OPAS apontam que é necessário, como mínimo, um gasto público em saúde de 6% do PIB para que um sistema de saúde seja efetivamente universal e integral. Em países com cobertura universal e integral, o gasto público em saúde representa, em média, 7,3% do PIB: entre um mínimo de 6% e um máximo de 13% (OPAS, 2008) Dada a ainda tímida participação do gasto público no financiamento do sistema de saúde, o gasto privado direto (na compra de bens e serviços de saúde) é alto e penaliza principalmente os indivíduos de mais baixa renda. Peso do gasto em saúde sobre a renda familiar Peso do Financiamento do Setor Saúde sobre a Renda familiar per capita, segundo tipo de gasto, por Decil de Renda familiar per capita - Brasil, 2002 12,00 Peso % sobre a renda 10,00 8,00 Peso Privado direto 6,00 Peso Planos de Saúde 4,00 Peso SUS 2,00 Fonte: POF/IBGE 2002/3 SIOPS/MS 1 2 3 4 5 6 Decil de Renda 7 8 9 10 Ugá, M.A.D. & Santos, I. 2005 Os recorrentes problemas de financiamento do SUS pouco têm que ver com a crise internacional. Eles refletem problemas estruturais e escolhas políticas,, que têmpolíticas têm-se reiterado. reiterado. PROBLEMAS DO FINANCIAMENTO DO SUS JÁ EXISTENTES ANTES DA CRISE 1. POLÍTICA MACROMACRO-ECONÔMICA Subordinação do gasto em saúde ao Ajuste Fiscal 2. Extinção do único tributo vinculado à saúde: a CPMF => Necessidade de novas fontes 3. Diferenças entre o gasto autorizado e o executado 4. Subsídios ao setor privado: renúncia fiscal - deduções de gastos privados com saúde no IR (R$ 4,1 bi), - isenções tributárias dos hospitais e operadoras filantrópicas ( R$ 1,6 bi) (de impostos federais, aos quais se somam os demais) e públicos. - planos privados de saúde para funcionários públicos. PERSPECTIVAS REFORMA TRIBUTÁRIA (PEC 233/08) –> Como afetará o Orçamento da Seguridade Social? 1. Seriam extintos alguns tributos que compõem hoje o Orçamento da Seguridade Social (COFINS, Contribuição sobre o Lucro Líquido e PISPIS-PASEP), além da perda da CPMF, já extinta. extinta. 2. Diminuiria a contribuição patronal sobre salários => 6% 3. Seria criado o Imposto Sobre Valor Adicionado – federal e estadual - que incidiria sobre bens e serviços, em substituição a esses tributos extintos. Como a Reforma Tributária afetaria o OSS? OSS? 1. Extinção de fontes específicas do OSS (COFINS, CSLL e PIS--PASEP), além da CPMF PIS CPMF,, já extinta + Diminuição da contribuição patronal sobre salários => DESTRUIÇÃO DO CONCEITO E DA EXISTÊNCIA DE UM ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL, INTEGRADO. 2. Em substituição a essas fontes: Para a seguridade social, social, 39,7% da arrecadação de IR, IPI e IVA Federal. Implicações da Reforma Tributária 1. GERAIS: um sistema tributário muito mais regressivo 2. PARA O FINANCIAMENTO DO SUS SUS:: - Incerteza: não há a definição de um percentual específico para a saúde. - Retrocesso: isso vai de encontro ao defendido no projeto de lei de regulamentação da E.C.29, que destina um % da receita corrente bruta para a SAÚDE. - Perdas: trata como TETO o que a EC29 trata como PISO. Estimativas ref. a 2007 (Jorge et al, 2008): * perda de R$ 9 BI para Seguridade Social * quando considerada a DRU, desfinanciamento de 38 BI AGENDA PENDENTE 1. Resgatar os princípios constitucionais que sobrepõem os direitos cidadãos à lógica econômica => Impedir a redução de recursos para a saúde => Bloquear a aprovação do projeto de Reforma Tributária, que elimina e/ou reduz fontes de recursos da Seguridade Social e, portanto, da Saúde. 2. Eliminar/reduzir os subsídios públicos ao setor privado 3. Disseminar a idéia de que investir em saúde significa criar novos empregos, maior renda nacional e o estímulo a uma enorme cadeia produtiva. OBRIGADA!