Informação CENSO BH-SOCIAL: a importância para as políticas sociais JANETE FERREIRA* "Sabendo nós, enfim, que o que dá o verdadeiro sentido ao encontro é a busca e que é preciso andar muito para alcançar o que está perto." (José Saramago) T alvez seja possível dizer que o maior problema das políticas sociais brasileiras não resida na carência de recursos ou na incapacidade de mobilizá-los. Segundo Neri (2004), todo o esforço fiscal/social empreendido nas últimas décadas tem deixado poucas marcas nas condições de vida dos pobres. Pode se dizer que a maior parte das políticas sociais adotadas no país não tem acertado na mira dos desvalidos. Ou quando a acertam, não proporcionam efeitos duradouros em suas vidas. Diante disso, o grande direcionamento atual busca a melhoria da qualidade dos gastos sociais e instrumentos que possam contribuir para essa melhoria. A nosso ver, a utilização estratégica da informação na gerência pública pode ser considerada um desses instrumentos. Os preceitos de descentralização e eqüidade das políticas públicas vêm exigindo requisitos informacionais, que, além do conteúdo adequado, tenham a capacidade de "enfoque de risco". Como enfoque de "risco", compreenda-se a capacidade do gestor público de identificar clientelas prioritárias. Por outro lado, especificamente em relação às políticas públicas de saúde, um novo conceito vem sendo construído, o conceito ampliado ou "positivista" de saúde: bem-estar bio-psico-social, expressão da qualidade de vida, em substituição ao conceito de saúde como "ausência de doença". Coerente com esse conceito, um novo paradigma, designado por Mendes como "produção social da saúde" ou "paradigma sanitário" pretende dar conta de um estado de saúde em permanente transformação e "...propõe a ruptura com a idéia de um setor saúde, erigindo-o como um produto social resultante de fatos econômicos, políticos, ideológicos e cognitivos" (Mendes, 1996, p. 241). Esse novo conceito remetenos à questão fundamental da intersetorialidade, entendida com a ruptura das barreiras de comunicação que impedem o diálogo entre diferentes setores: saúde, educação, meio ambiente, desenvolvimento urbano e social, entre outros. A intersetorialidade não anula a singularidade do fazer setorial, mas exige a solidarie- RESUMO Em Belo Horizonte, o cadastro social foi denominado Censo BH Social. O Censo foi realizado em todo o município nos anos de 2001 e 2002 e vem permitindo, dentre outros avanços, a implantação do Sistema do Cartão Nacional de Saúde. Planejado para ser uma ampla base de dados, o Censo BH Social foi realizado e vem sendo atualizado mediante visitas domiciliares, pelos agentes comunitários de saúde (ACS), que são devidamente treinados para essa finalidade.O cadastramento inicial envolveu 2.600 ACS´s, trabalhando 8 horas/dias. Na época, o trabalho de cada 20 ACS's foi coordenado por um supervisor (enfermeiros, assistentes sociais e integrantes das equipes de saúde). O universo cadastral foi determinado pelas condições de risco à saúde, segundo o Índice Vulnera-bilidade à Saúde (SMSA, 1998), privilegiando a "população de risco", ou seja, a população residente em áreas consideradas de risco muito elevado, elevado e médio. dade de distintos atores e saberes. Esse contexto, constituído pela busca da melhoria da qualidade dos gastos sociais e do novo "paradigma sanitário", determina a formação de cadastros sociais que dêem respaldo às operações das políticas sociais. Ou seja, à medida que a sociedade se estrutura de maneira desigual, conforme os processos mais gerais de diferenciação social, o fato de trabalhar tendo como referência informações cadastrais permite "operacionalizar" conceitos como o de população prioritária e, conseqüentemente, implementar adequadamente as opções políticas em favor da redução da desigualdade. No geral, os cadastros sociais contêm informações alimentadas por questionários similares a um censo demográfico. Entretanto, de todas as informações contidas nos cadastros, as mais importantes são aquelas não encontradas nos Censos como o nome e o endereço dos potenciais beneficiários sociais. Em Belo Horizonte, o cadastro social foi deno- * Médica Epidemiologista, mestre em Administração Pública/Tecnologias da informação, técnica da Gerência de Epidemiologia e Informação da Secretaria Municipal de Saúde (SAMSA-BH) e da equipe de condução do Censo BH Social, integrada também por: Vanilde de Jesus Santos, Glenda Moreira Alves, Naiara Lages, Ana Paula Nicácio Leite, Isabel Cristina Pinheiro Pinto, Magda Matos Maureli, Gláucia M. Pereira Alves, Sônia Cardoso, Regina Célia Figueiredo de Oliveira e Luiz Carlos Teixeira Avelar. Email: [email protected]. 22 Pensar BH/Política Social Setembro/Novembro de 2005 Informação minado Censo BH-Social. O Censo foi realizado em todo o município de Belo Horizonte nos anos de 2001 e 2002 e vem permitindo, entre outros avanços, a implantação do Sistema do Cartão Nacional de Saúde. 1. A construção do Censo BH-Social Planejado para ser uma ampla base de dados, o Censo BH-Social foi realizado e vem sendo atualizado mediante visitas domiciliares, pelos agentes comunitários de saúde (ACS), que são devidamente treinados para essa finalidade. O cadastramento inicial, que aconteceu em 2001/2002, envolveu 2.600 ACS, trabalhando 8 horas/dias. Na época, o trabalho de cada 20 ACS foi coordenado por um supervisor (enfermeiros, assistentes sociais e integrantes das equipes de saúde). O universo cadastral foi determinado pelas condições de risco à saúde, segundo o Índice de Vulnerabilidade à Saúde (SMSA, 1998), privilegiando a "população de risco", ou seja, a população residente em áreas consideradas de risco muito elevado, elevado e médio. Foi definida como população-alvo para cadastramento cerca de 100% da "população de risTABELA I Distribuição da Renda Familiar Renda Familiar Sem renda Ate 1 S. Mínimo De 1,01 a 2 S.Mínimos De 2,01 a 3 S.Mínimos De 3,01 a 5 S.Mínimos De 5,01 a 10 S.Mínimos De 10,01 a 20 S.Mínimos Acima de 20 S.Mínimos Não Informado Total Nº de famílias 19.028 49.575 83.112 88.677 96.935 64.061 19.182 4.850 3.652 429.072 Percentual 4% 12% 19% 21% 23% 15% 4% 1% 1% 100% Fonte: Censo BH-Social TABELA II Distribuição por Tipo de Residência Tipo de Residência Alvenaria Lona Madeira Material Aproveitado* Não Informado Placa Pré-Fabricada Taipa Total *Lona, Papelão, Lata, etc. Fonte: Censo BH-Social Nº de famílias 427.458 104 500 187 155 632 36 429.072 Percentual 99,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 99% co" e 40% da "população não-risco". 1 Quanto ao conteúdo informacional do cadastro, o instrumento de coleta foi construído por um grupo, com integrantes das várias secretarias sociais da PBH e coordenado pela Secretaria de Municipal de Coordenaçao da política Social (COMPS). Buscavase a definição do perfil de famílias e o aperfeiçoamento das políticas sociais da PBH. O instrumento foi construído a partir da junção de dois cadastros nacionais: (1) o Cadastro do Programa de Saúde da Família e (2) o Cadastro do Cartão Nacional de Saúde (Cartão SUS) e da introdução de dados específicos das várias áreas sociais, tais como educação, assistência social, cultura e esportes. Os formulários são preenchidos pelos agentes comunitários de saúde (ACS) de forma criteriosa e têm caráter sigiloso. São solicitados todos os documentos possíveis de identificação (inclusive para geração do Cartão SUS). Nos dias atuais, como resultado desse processo, estão cadastrados 1.535.115 indivíduos e 429.072 famílias (cerca de 68,5% da população e 68,0% dos domicílios do município, respectivamente)..2 As tabelas, a seguir, apresentam algumas informações sobre as famílias e indivíduos cadastrados, extraídas da base de dados do Censo BH-Social. Percebe-se que as famílias cadastradas, em sua maioria, residem em casas de alvenaria (99%), de pequenas dimensões (menos de 5 cômodos em 52% dos cadastros - Tabelas II e III). Cerca de 56% da população cadastrada recebe até cinco salários mínimos (Tabela I) e 64% não têm plano de saúde (Tabela IV). Os indivíduos cadastrados se referem em sua maioria pertencentes à cor/raça parda ou branca (90,2% - Tabela VI). Quanto à faixa etária, Tabela V, 65% da população cadastrada tem até 39 anos. Temos 17% de crianças, 10,5% de adolescentes e 11% TABELA III Distribuição por Número de Cômodos Número de Cômodos 01 cômodo 02 cômodos 03 cômodos 04 cômodos 05 cômodos 06 a 10 cômodos 11 a 20 cômodos Acima de 20 cômodos Não Informado Total Nº de famílias 6.828 18.396 42.168 67.170 89.631 191.512 12.765 538 64 429.072 Percentual 2% 4% 10% 16% 21% 45% 3% 0% 0% 100% Fonte: Censo BH-Social A equipe técnica da SMSA construiu, em 1998, um índice composto através da combinação de vários indicadores sociais, como medida para analisar as características de grupos populacionais vivendo em determinadas áreas geográficas. Esse estudo foi atualizado em 2003 e está disponível no Portal Saúde (SMSA 2005 -A). 2 Considerando uma população de 2.238.332 habitantes e 630.377 domicílios, segundo o último Censo do IBGE, 2000. 1 Setembro/Novembro de 2005 Pensar BH/Política Social 23 Informação TABELA IV Distribuição por Plano de Saúde Possui Plano de Saude Nº de famílias Percentual Não 276.207 64% Sim 152.433 36% Não Informado Total 432 0% 429.072 100% Fonte: Censo BHSocial TABELA V Distribuição por Faixa Etária Faixa Etária Indivíduos Crianca ( 0 a 13 anos) 274.278 Adolescente (14 a 19 anos) 162.112 20 a 39 Adulto Jovem 556.478 40 a 60 Adulto 373.440 Mais de 60 Idoso 168.807 Total 1.535.115 Fonte: Censo BH-Social Percentual 17,87% 10,56% 36,25% 24,33% 11,00% 100,00% TABELA VI Distribuição por Cor/Raça e Sexo Cor/Raça Feminino Masculino Total Parda Branca Preta Amarela Indigena Não Informada Não declarada Totais Percentual 410.488 332.963 67.836 7.640 1.025 2.296 15 822.263 53,6 371.469 270.042 61.806 6.642 872 2.011 10 712.85 46,4 781.957 603.005 129.642 14.282 1.897 4.307 25 1.535.115 100,0 Percent. 50,9 39,3 8,4 0,9 0,1 0,3 0,0 100,0 Fonte: Censo BH-Social de idosos. A base de dados do Censo BH-Social está disponível para acesso no Portal Saúde da PBH (Intranet da SMSA), através do link "Sistemas do Censo BH- Social". Para atualização dos dados (a partir do trabalho cotidiano dos ACS, como será visto adiante), os centros de saúde acessam a base de dados e incluem ou excluem famílias e indivíduos (nascimento, mudanças, casamentos, óbitos). Cada Centro de Saúde tem uma senha específica e cada digitador também é identificado por senha. Para pesquisa de dados, foi construída uma ferramenta de informática denominada "TabSQL/ ListaSQL", que permite a construção de tabelas e listas. O acesso pode-se dar por técnicos e interessados de toda a PBH, mas também é protegido por senha.3 2. Atuação das Equipes de Saúde Segundo o Ministério da Saúde, o Programa de Saúde da Família (PSF) foi idealizado para aproximar os serviços de saúde da população. Para cumprir o princípio constitucional do Estado, de garantir ao cidadão seu direito de receber atenção integral à saúde, é necessário que os gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) aprofundem o conhecimento sobre aqueles a quem devem servir. Com efeito, no município de Belo Horizonte, o PSF pode ser considerado o "eixo norteador" para a reorganização da atenção básica nas unidades de saúde. A atenção básica é entendida como o conjunto de ações de caráter individual ou coletivo, voltadas para a promoção da saúde e a prevenção dos agravos, bem como as ações clínicas de tratamento e reabilitação dos problemas de saúde, fundamentais para a resolutividade deste nível da atenção (SMSA, 2005). Neste sentido, a formatação do trabalho a partir da instituição de Equipes de Saúde da Família (ESF), constituída por médico generalista, enfermeiro, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS), tende a responder à necessidade de entender a atenção básica de forma mais abrangente, para além da assistência à saúde. Temos atualmente no município cerca de 500 equipes e 2500 ACS. Todo o processo de trabalho das equipes é pautado por uma organização territorial. Cada ACS tem uma microárea de atuação, constituído pelo conjunto de domicílios sob sua responsabilidade (150 a 250 famílias de acordo com o Índice de Vulnerabilidade à Saúde, já citado). A área de atuação da equipe é composta pelo conjunto de microáreas contíguas de seus ACS, onde residem em torno de 600 a 1.000 famílias. A área de equipe guarda correspondência com os setores censitários do IBGE e está contida na área de abrangência dos Centros de Saúde. Para diagnóstico das famílias a serem acompanhadas, os ACS realizam o cadastramento domiciliar. Em Belo Horizonte, como já foi dito anteriormente, o instrumento cadastral, que alimenta o Censo BH-Social, foi construído a partir da junção do Cadastro recomendado nacionalmente pelo Programa de Saúde da Família e do Cadastro do Cartão Nacional de Saúde (Cartão SUS), além da introdução de dados específicos das várias áreas sociais. O processo de cadastramento e atualização cadastral se insere no cotidiano de trabalho dos agentes comunitários de saúde. Para organização das visitas e atualização dos dados, em cada visita domiciliar, o ACS conta com um relatório do Censo BH-Social, que descreve todas as famílias e as informações de seus membros. Em campo, de posse desse relatório, o ACS visita cada família descrita, inclui ou exclui membros/ famílias (mudanças, nascimentos, óbitos). Esse movimento tem sido feito de forma concomitante à entrega do Cartão SUS, como será abordado adiante. Além disso, são atualizadas as informações relativas a esco- Para obtenção de senhas e treinamento para uso do software, entrar em contato com a coordenação do Censo BH Social na Secretaria Municipal de Políticas Sociais ou através do e-mail da autora. 3 24 Pensar BH/Política Social Setembro/Novembro de 2005 Informação laridade, situação referida, Bolsa-Família, entre outras. De posse das informações cadastrais, as equipes podem trabalhar com relatórios, consolidados ou não, sobre as famílias de sua responsabilidade. Esses relatórios organizam o trabalho das equipes (captação e acompanhamento) e permitem o "diagnóstico de saúde" das famílias da sua área de atuação. A partir desse diagnóstico, elaborado pelas equipes do nível local, os centros de saúde vêm organizando ações conforme a prevalência dos problemas de saúde existentes, construindo um "plano terapêutico". Assim, as informações cadastrais do Censo-BH Social associadas ao processo de trabalho das ESF permitem "operacionalizar" o conceito de população prioritária e, conseqüentemente, implementar adequadamente as ações em busca da eqüidade. 3. O Censo BH-Social e o Cartão SUS O Cartão Nacional de Saúde foi enunciado pela Norma Operacional Básica do SUS (NOB) de 1996, como forma de identificar a clientela do Sistema Único de Saúde, explicitando ao mesmo tempo sua vinculação a um município e a um conjunto de serviços bem definido (NOB 96), cujas atividades devem cobrir integralmente todo o escopo de atenção à saúde do cidadão, como estipula a Constituição O Cartão tem uma numeração nacional de modo a possibilitar o acompanhamento do fluxo de atendimento no sistema de saúde e subsidiar o planejamento e definição de prioridades nas ações de saúde e o acompanhamento das políticas realizadas. A construção dessa base de números é baseada no Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Assistência ao Servidor Público (PASEP). Para os cidadãos que não estão no mercado formal de trabalho, foi desenvolvida uma sistemática de geração de números específicos para o cartão, que passam a compor a base da Caixa Econômica Federal. Essa mesma base tem sido usada para os outros programas sociais, tais como o Bolsa-Família. Em Belo Horizonte, a partir da realização do Censo BH-Social, foram enviados cerca de 1.520.000 cadastros para a sistemática de geração do Número de Identificação Social-NIS (referido normalmente como PIS), volume que representa quase 70% da população, como dito anteriormente. Cada cidadão terá, então, seu número impresso em um cartão identificador, o Cartão SUS. Até o momento, já temos aproximadamente 1.300.000 usuários identificados com o NIS. Desses, já recebemos 1.070.000 Cartões SUS que estão sendo entregues pelos ACS no domicílio. Entretanto, o Cartão apenas identifica o cida- dão (não armazena nenhuma informação) e apresenta, além do número, os seguintes dados: nome, data de nascimento e sexo. Portanto, a implantação do Cartão SUS deve ser acompanhada do uso de equipamentos para sua leitura e acesso eletrônico aos dados cadastrais e a integração com os sistemas de informações existentes. Para tal, no município, temos o Projeto de Informatização Saúde em Rede. Esse projeto tem como objetivo implantar um Sistema de Informação para gestão da saúde, integrado, em tempo real, baseado nos conceitos de "Prontuário eletrônico do Paciente PEP". 4 O Saúde em Rede envolve aspectos assistenciais e administrativos e busca subsidiar o processo de tomada de decisão clínico e organizacional. Estão previstas várias etapas nesse projeto, que pretende, ao final, a informatização de todas as unidades da Secretaria Municipal de Saúde, com alocação média de sete computadores ligados em rede por Centro de Saúde. Além dos microcomputadores estão sendo implantados os Terminais de Atendimento em saúde (TAS) cujas características o colocam em uma posição intermediária entre um equipamento tipo ponto de venda (para uso de cartão de crédito, por exemplo) e um microcomputador. Atualmente já estão informatizadas as unidades do Distrito Sanitário Oeste e o projeto se expandirá, até o final de 2005, para as unidades dos Distritos Sanitários Barreiro e Venda Nova. Nas unidades informatizadas, quando o paciente apresenta o Cartão SUS para atendimento, seus dados cadastrais do Censo BH-Social são acessados e os atendimentos realizados anteriormente são visualizados (armazenados no formato de prontuário eletrônico). Com isso, torna-se possível a visualização dos diagnósticos, dos medicamentos prescritos e dispensados anteriormente, os exames realizados e seus resultados. Assim, as informações cadastrais e o uso do Cartão SUS contribuem para o aperfeiçoamento da organização do processo de trabalho das equipes, possibilitando subsídios para agilização de tomadas de decisão clínica e melhoria da qualidade assistencial. 4. Censo BH-Social: potencial de uso para as políticas sociais em Belo Horizonte Como discutido anteriormente, quando da construção do conteúdo informacional do Censo BH Social em 2001/2002, o instrumento de coleta foi construído por um grupo, com integrantes das várias secretarias sociais da PBH e coordenado pela SCOMPS. Naquela época, buscava-se a construção de um censo social que atendesse às diversas áreas sociais do município, iniciativa inédita no país até aquele momento. Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) pode ser definido como prontuário padronizado em sistemas de processamento digital com a possibilidade de manter registros longitudinais que abarcam toda a vida do indivíduo e a criação de bases de dados contendo informações clínicas e administrativas, buscando a melhoria da qualidade assistencial. (Baseado em MASSAD, Eduardo; MARIN, Heimar de Fátima, AZEVEDO Neto, Raymundo S. et cols (2003). 4 Setembro/Novembro de 2005 Pensar BH/Política Social 25 Informação Com o passar do tempo, entretanto, o uso do Censo BH-Social foi ficando restrito à Secretaria Municipal de Saúde, o que limita bastante seu potencial em facilitar a comunicação entre os diferentes setores: saúde, educação, meio ambiente, desenvolvimento urbano e social, entre outros. Com efeito, se olharmos mais atentamente as tabelas anteriores podemos observar vários casos de uso "interdisciplinar" do Censo BH-Social. A mesma tabela que apresenta que 99% da população cadastrada reside em casas de alvenaria, demostra que 187 famílias residem em moradias com "material aproveitado" (Tabela II). Existem 19.028 famílias "sem renda" (Tabela I) e aproximadamente 7.000 famílias que residem em casas de apenas um cômodo. Quando detalhamos algumas informações como, por exemplo, a renda familiar dos idosos dependentes5 (Tabela VII), observamos que 236 deles estão em famílias "sem renda" e 370 em famílias que recebem até um salário mínimo. Essa relação pode determinar várias situações de risco, tais como imobilização no leito por período prolongados, desnutrição, abandono, patologias associadas (escaras de decúbito, pneumonias) e necessidade de proteção. Um outro exemplo pode ser dado através da pesquisa do tipo de casa em que residem as crianças com doenças respiratórias (Tabela VIII). Percebe-se que 29 crianças que apresentam episódios freqüentes de bronquite, asma ou pneumonia residem em casa de lona e 37 em casas de material aproveitado. Nesse caso, a precariedade da moradia pode estar contribuindo para a piora do estado de saúde dessas crianças. Uma outra relação pode-se dar entre "deficiência incapacitante" e o tipo de instalação sanitária na moradia (Tabela IX).6 Nota-se, nessa tabela, que a "de- ficiência incapacitante" progride com o passar dos anos, sendo maior nos idosos. De todos os casos cadastrados, 76 residem em casa sem instalação sanitária (banheiros) e 184 em casas com banheiro coletivo. Com efeito, é difícil até imaginar, o cotidiano dessas pessoas e famílias para cuidados de higiene e bem-estar. Esses exemplos explicitam, como dito anteriormente, que de todas as informações contidas nos cadastros, as mais importantes são aquelas como o nome e o endereço dos potenciais beneficiários sociais, que permitem o "enfoque de risco" e a identificação clientelas prioritárias. Entretanto, não é apenas isso. Além de reconhecer esse enfoque de "risco" enquanto componente estratégico das informações cadastrais, é necessário promover determinados tipos de comportamento em relação à informação dentro das instituições. Os dados precisam ser utilizados, pelas várias áreas sociais, por exemplo, para localização dessas famílias e inclusão no escopo do BH Cidadania ou cruzamento com os dados do "Bolsa-Família". Dito de outra forma, a informação, mesmo agregando esse componente estratégico, não tem qualquer valor para uma organização até que seja transformada em ação. A maneira como os indivíduos se comportam em relação à informação - como eles a adquirem, filtram, analisam e comunicam - é tão estratégica para as instituições quanto a própria informação. Atualmente, é comum que o percurso para a construção dos dados, anteriormente descrito, termine quando os dados são fornecidos. A leitura e interpretação de seus significados é deixada a cargo dos próprios usuários. O resultado desse processo acaba, invariavelmente, num relatório em uma gaveta. A utilização estratégica da informação na ge- TABELA VII Distribuição da Renda Famíliar dos Idosos Dependentes* por Distrito Sanitário Renda Familiar dos Idosos Dependentes Sem renda Ate 1 Salario Minimo De 1,01 a 2 Salarios Minimos De 10,01 a 20 Salarios Minimos De 2,01 a 3 Salarios Minimos De 3,01 a 5 Salarios Minimos De 5,01 a 10 Salarios Minimos Acima de 20 Salarios Minimos Nao Informado TOTAIS Barreiro 50 39 48 23 57 62 45 4 7 335 C-Sul 13 22 17 16 20 28 27 4 6 153 Leste 22 41 57 32 62 80 79 5 19 397 Nordeste 17 55 74 19 71 80 60 2 2 380 Noroeste 97 62 78 26 91 128 104 39 4 629 Norte 6 31 37 10 38 39 17 0 1 179 Oeste Pampulha V. Nova TOTAL 7 32 49 9 36 38 38 3 3 215 236 370 431 142 449 543 414 62 50 2697 19 35 15 7 17 28 11 1 6 139 5 53 56 0 57 60 33 4 2 270 *Idosos Dependentes: Idosos (acima de 60 anos) que necessitam de ajuda para sair da cama, alimentar-se ou tomar banho. Fonte: Censo BH-Social Foram considerados "Idosos Dependentes" aqueles (acima de 60 anos) que necessitam de ajuda para sair da cama, alimentar-se ou tomar banho. 5 Foi considerada "deficiência incapacitante" a presença de limitações físicas ou mentais que impedem as atividades básicas (sair da cama, controle vesical e fecal) ou instrumentais (telefonar, cuidar de medicamentos). 6 26 Pensar BH/Política Social Setembro/Novembro de 2005 Informação TABELA VIII Crianças com doenças respiratórias por tipo de residencia e Distrito Sanitário Tipo de Residência Alvenaria Lona Madeira Material Aproveitado (Lona,Papelão,Lata,etc) Não Informado Placa Pré-Fabricada Taipa TOTAIS Barreiro C-Sul Leste Nordeste Noroeste Norte Oeste Pampulha V. Nova TOTAL 7854 1 19 2051 0 14 5269 5 11 5182 14 16 6518 0 10 4825 0 10 4168 1 12 1917 0 7 6116 0 16 43900 29 115 9 1 0 3 8 15 1 0 0 37 10 4 0 7897 0 0 0 2066 0 1 0 5286 0 0 0 5215 0 3 0 6539 8 12 1 4878 7 9 0 4198 0 0 0 1924 1 4 0 6138 26 33 1 44141 Fonte: Censo BHS-ocial TABELA IX Portadores de Deficiencia Incapacitante* e tipo de instalação sanitária na moradia Instalação Sanitária em relação a moradia Ausente Coletiva Não Informado Propria TOTAIS Criancas ( 0 a 13 anos) 11 33 0 506 550 Adolescentes (14 a 19 anos) 10 18 0 310 338 Adulto Jovem (20 a 39 anos) 20 44 1 1381 1446 Adultos (40 a 60 anos) 19 38 0 1528 1585 Idosos (Mais de 60 anos) 16 51 3 1846 1916 TOTAL 76 184 4 5571 5835 * Portadores de limitações físicas ou mentais que impedem as atividades básicas (sair da cama, controle vesical e fecal) ou instrumentais (telefonar, cuidar de medicamentos) Fonte: Censo BH-Social rência pública exige que toda a organização assuma a responsabilidade de transformar a informação numa ferramenta de busca da qualidade dos investimentos sociais. Ou seja, se o conhecimento organizacional é alinhado aos seus processos de trabalho e de tomada de decisões, essa transformação exige uma mudança na própria cultura, uma mudança na identidade da instituição, de seus funcionários, suas metas, seus principais valores, seu modo de trabalhar e assim por diante. ABSTRACT In Belo Horizonte, the social cadaster was called " Censo BH Social " ( BH Social Census) . The Census was accomplished all over the municipal district in the years of 2001 and 2002 and has been allowing for , among other advances, the implantation of the " Sistema do Cartão Nacional de Saúde " ( Health National Card System ) . Planned to be a wide database , the BH Social Census was accomplished and has been up-todated by means of home visits , by the Health Communitisy Agents (ACS), who are duly trained for this purpose. The initial registration involved 2,600 ACS´s, working 8 hours a day . At that time, the work of each 20 ACS's was coordinated by a supervisor ( nurses, social workers and members of health teams ). The cadastral universe was determined by the risk conditions to health, according to the " Índice de Vulnerabilidade à Saúde (SMSA, 1998 " ( Index of vulnerability to Health (SMSA, 1998), privileging the "risky Setembro/Novembro de 2005 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da Saúde (1996). Norma Operacional Básica para o SUS. Brasília, Centro de Documentação do Ministério. MALTA, Débora (2001). O Censo Social e o planejamento das ações públicas. Pensar BH - Política Social. Belo Horizonte, PBH, ed. n.º1 , set-nov 2001. MASSAD, Eduardo; MARIN, Heimar de Fátima; AZEVEDO NETO, Raymundo S., et cols. (2003). O Prontuário Eletrônico do paciente na assistência, informação e conhecimento médico. Disponível em [http:// netsim.fm.usp.br/dim/livrosdim/prontuario.pdf ] Acessado em: 15/08/2005. MENDES, Eugênio Vilaça et al. (1993). Distrito sanitário. 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Pensar BH/Política Social 27