MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO E AS NOVAS DEMANDAS PARA O TRABALHO DOCENTE E A FORMAÇÃO Valcinete Pepino de Macedo Resumo: O trabalho analisa os impactos das mudanças ocorridas no mundo do trabalho para o trabalho docente e a formação. O referido é parte da pesquisa As condições do trabalho docente no contexto da política educacional do município de Natal, que vem sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Foi constatado que as reformas educacionais implementadas no Brasil tem destacado a necessidade da formação e do trabalho docente se adequarem às novas demandas educacionais advindas das mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Os docentes passaram a atuar como protagonistas principais das reformas educacionais, pois assumiram a tarefa de elevar os padrões de qualidade no que se refere ao desempenho da aprendizagem dos alunos e colocar em prática o novo modelo de gestão escolar que exige uma maior participação e responsabiliza a escola pelos seus resultados. Palavras-chave: Reformas Educacionais; trabalho docente; formação de professores. CHANGEMENTS DANS LE MONDE DU TRAVAIL ET LES NOUVELLES DEMANDES POUR LE TRAVAIL D’ENSEIGNANT ET LA FORMATION Résumé: Le travail analyse les impacts des changements qui ont eu lieu dans le monde du travail, pour le travail d’enseignant, et la formation. Il fait partie d’une recherche sur les conditions du travail d’enseignant dans le contexte politique éducationnel de la municipalité de Natal Il est en train d’être développé dans le programme de Posgraduation en Education de l’Université Fédérale du Rio Grande do Norte. Il a été constaté que les réformes éducationnelles implémentées au Brésil ont fait ressortir la nécessité de la formation du travail de l’enseignant afin qu’il s’adapte aux nouvelles demandes éducationnelles advenues dans les changements qui ont eu lieu dans le monde du travail. Les enseignants ont dû tenir le rôle des principaux protagonistes des réformes éducationnelles, car ils ont assumé la tâche d’élever les patrons de qualité pour ce qui est du développement de l’apprentissage des élèves et de mettre en pratique le nouveau modèle de gestion scolaire qui exige une plus grande participation et responsabilise l’école pour ses résultats. Mots-clés: Réformes éducationnelles; travail d’enseignant; formation de professeurs. 2 MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO E AS NOVAS DEMANDAS PARA O TRABALHO DOCENTE E A FORMAÇÃO Mudanças no mundo do trabalho: notas introdutórias Desde o final do século XX inúmeros debates têm ocorrido a respeito da reconfiguração da sociedade a partir das mudanças ocorridas no mundo do trabalho e os impactos que esse processo tem proporcionado na área da educação, e mais especificamente, nas práticas pedagógicas e na formação docente. Na atualidade, o professor encontra inúmeros desafios na sua atuação, pois as exigências são cada vez mais diversificadas, fazendo emergir uma nova referência de sua profissionalidade, que tem sido explicitada no debates educacionais presentes na literatura, nas associações docentes, nas universidades, secretarias de educação e nas instituições escolares. Por isso, consideramos relevante destacar que a compreensão das novas demandas para o trabalho docente e a formação requer necessariamente considerar a relação de movimento e inter-relação entre as mudanças ocorridas no mundo do trabalho e suas implicações para a área educacional. Segundo Kuenzer (1999), não existe um modelo de formação de professores delineado a priori, pois os modelos de formação têm como propósito responder às demandas que estão sendo colocadas pelo contexto das forças produtivas em desenvolvimento num determinado momento. Nesse sentido, a referida autora nos diz que novos processos pedagógicos são elaborados, a cada etapa de desenvolvimento social e econômico, os quais fazem emergir perfis diferenciados de docentes de modo que sejam atendidas às exigências do sistema social e produtivo com base na concepção dominante. Sendo assim, consideramos necessário destacar que a crise do Estado capitalista ocorrida na década de 19970, proporcionou o surgimento de um novo padrão de acumulação, intitulado de “acumulação flexível” (HARVEY, 1998). A mudança no padrão de acumulação alterou de maneira intensa a gestão e o processo de trabalho, de modo que o novo padrão de acumulação flexível representa uma nova etapa do capitalismo, “considerando como tal a flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados dos produtos e dos padrões de consumo. Mudou o paradigma, a forma de 3 gerenciamento, o processo de trabalho. Mas o modo de produção continuou, pelo menos em todo o ocidente, igual: capitalista” (MAUÉS, 2003, p. 4). Em seus estudos Antunes (2000, p. 29) afirma que a partir do início da década de 1970, o capitalismo entrou num quadro crítico caracterizado por 1) queda da taxa de lucro, dada, dentre outros elementos causais, pelo aumento da força de trabalho, conquistado durante o período pós-45 e pela intensificação das lutas sociais dos anos 60, que objetivavam o controle social da produção; 2) o esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção (que em verdade era a expressão mais fenomênica da crise estrutural do capital), dado pela incapacidade de responder à retração do consumo que se acentuava; 3) hipertrofia da esfera financeira, que ganhava relativa autonomia frente aos capitais produtivos, o que também já era expressão da própria crise estrutural do capital e seu sistema de produção, colocando-se o capital financeiro como campo prioritário para a especulação na nova fase do processo de internacionalização; 4) a maior concentração de capitais graças às fusões entre as empresas monopolistas e oligopolistas; 5) a crise do welfare state ou do “Estado do bem-estar social” e dos mecanismos de funcionamento, acarretando a crise fiscal do Estado Capitalista e a necessidade de retração dos gastos públicos e sua transferência para o capital privado; 6) incremento acentuado das privatizações, tendência generalizada às desregulamentações e à flexibilização do processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho, entre tantos outros elementos contingentes que exprimiam esse novo quadro crítico. Esse mesmo autor nos diz que para enfrentar essa crise foi iniciada uma mudança no interior do padrão de acumulação e não no modo de produção, sendo assim, buscaram-se alternativas que focalizaram apenas sua superfície, sem reorganizar o modo de produção capitalista no que diz respeito aos seus pilares essenciais. As ações para conter a crise, fizeram emergir uma reorganização no capital e no seu sistema político e ideológico, cujos aspectos mais notáveis são: o aparecimento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos trabalhistas e a desmontagem do setor produtivo estatal e um intenso processo de reorganização da produção e do trabalho (ANTUNES, 2000). Na perspectiva de Cabral Neto (2001, p. 4) para superar a crise, torna-se necessário ao capital engendrar novas condições de acumulação não mais nas bases anteriores que estavam se tornando improdutivas. Era preciso, pois, rearticular um conjunto de estratégias para construir um novo padrão de acumulação e de reprodução capitalista em novas bases. Essa alternativa vai ser 4 viabilizada, dentre outras medidas, a partir do investimento mais intenso na produção de conhecimentos científicos e de sua aplicação tecnológica no sistema produtivo. Nesse contexto, observa-se o desenvolvimento da microeletrônica, especialmente da informática (base material das grandes descobertas desse momento), da biotecnologia (potencializadora da agricultura de forma intensiva) e dos novos materiais (a combinação das novas fibras sintéticas permite ultrapassar limites impostos pelos recursos naturais). Essas mudanças propiciam uma reorganização do processo de produção e do próprio trabalho. Essa nova etapa de desenvolvimento do capital passou a demandar um novo modelo de gerencia, alicerçado na integração e flexibilização de tarefas. Para Hirata (1997, p. 24-25), o novo paradigma produtivo conduz a uma reestruturação na maneira de entender a divisão do trabalho e a uma concepção modificada do lugar do indivíduo na organização, uma vez que o Sistema fordista de produção em massa de bens padronizados exigia o recurso a uma de trabalhadores semi-qualificados, disciplinados e prestes a cumprir rigorosamente as tarefas prescritas segundo normas operatórias codificadas. A não-comunicação era exigida como regra no trabalho de execução das indústrias de série (isolamento, proibição de diálogos durante o trabalho em linha, etc.) o novo modelo produtivo ou o novo “conceito de produção” implica uma outra modalidade de organização da produção e do trabalho e uma outra lógica de utilização da força de trabalho em comparação com o taylorismo e o fordismo: divisão menos acentuada do trabalho, integração mais pronunciada de funções, expectativa correspondente a tais características organizacionais de maior impulso para a formação e re-profissionalização da mão-de-obra direta. O modelo de acumulação flexível juntamente com o desenvolvimento das novas tecnologias da informação e comunicação tem contribuído para a exigência de um novo perfil do trabalhador. Desse modo, Kuenzer (2002, p. 86) elucida que a mudança da base eletromecânica para a base microeletrônica exigiu o desenvolvimento de habilidades cognitivas e comportamentais, tais como: Análise, síntese, estabelecimento de relações, rapidez de respostas e criatividade diante de situações desconhecidas, comunicação clara e precisa, interpretação e uso de diferentes formas de linguagem, capacidade para trabalhar em grupo, gerenciar processos, eleger prioridades, criticar respostas, avaliar procedimentos, resistir a pressões, enfrentar mudanças permanentes, aliar raciocínio lógico-formal à intuição criadora, estudar continuamente, e assim por diante. 5 Essa mesma autora nos diz que ainda que a memorização de procedimentos que era exigida como requisito para um desempenho favorável em procedimentos rígidos, foi trocada pela capacidade de utilizar o conhecimento cientifico proveniente de diferentes áreas, e isto requer que o sujeito domine caminhos metodológicos e formas de trabalho intelectual multidisciplinar, ao invés de apenas dominar conteúdos. Libâneo (2004) corrobora com essa autora e afirma que as mudanças ocorridas no mundo do trabalho têm afetado a organização do trabalho nas empresas e o perfil do trabalhador exigido para atuar nas novas formas de produção, assim como, os conhecimentos, habilidades e atitudes indispensáveis à qualificação profissional. Tais mudanças causaram impacto no sistema educacional, uma vez que tem sido colocada a necessidade dele se adequar às demandas do mercado e investimentos na formação de profissionais que atendam às transformações do processo de produção. Consideramos necessário ressaltar a crítica feita por Kuenzer (2002, p. 86) a respeito da relação entre educação e trabalho no modelo de acumulação flexível. A referida afirma que há uma aparente contradição no âmbito da incorporação de ciência e tecnologia ao processo de acumulação do capital internacionalizado, pois Quanto mais se simplificam as tarefas, mais se exige conhecimento do trabalhador, e, em decorrência, a ampliação de sua escolaridade, através de processos permanentes de educação continuada. [...] assim, a relação entre educação e trabalho, passa a ser mediada pelo conhecimento, compreendido enquanto domínio de conteúdos e habilidades cognitivas superiores. No âmbito das novas exigências para o trabalhador, essa autora nos diz que o trabalho da maioria se encontra com freqüência ainda mais desqualificado, intensificado e precarizado, como efeito do atual regime de acumulação. Sendo assim, tem se acentuado a divisão entre os que possuem os meios de produção e o que vendem a sua força de trabalho, uma vez que o trabalho intelectual tem se restringido aos trabalhadores com formação flexível construída ao longo de uma formação contínua de qualidade, enquanto o trabalho instrumental tem de forma cada vez mais constante sido esvaziado de conteúdo e se destina aos trabalhadores “menos” qualificados. Nesse cenário está sendo destacada para a educação escolar a tarefa de construir nos sujeitos conhecimentos e habilidades requeridas pelo mundo do trabalho de forma a torná-lo empregável, num tipo de sociedade em que o número de empregos é cada vez 6 menor. É uma tentativa de camuflar a exclusão e marginalização promovidas pelo processo de globalização e reestruturação do capital. O fato de considerar a educação como uma estratégia de resolver os problemas da exclusão social, é criticado por Oliveira (2000), pois ela considera que a educação embora seja necessária para a inserção no processo produtivo, não garante a todos os sujeitos a inclusão no mercado de trabalho. Sendo assim, destacar o aspecto da ampliação da educação básica como facilitadora da empregabilidade se constitui em uma negação da existência do desemprego estrutural, pois a educação formal e informal não pode dar conta de resolver os problemas ocasionados pelo modelo de desenvolvimento social adotado. Por isso, defendemos a existência de uma educação escolar que possibilite ao sujeito espaços e tempos de aprendizagem que ultrapassem a concepção restrita de transmissão de um conteúdo sistematizado para ser aplicado no mundo do trabalho, e que os conhecimentos trabalhados na escola articulem e considerem o conhecimento de mundo do aluno, favorecendo a construção de um sujeito crítico, criativo, que aprenda a analisar informações, questioná-las, participando e procurando constantemente realizar novos aprendizados, assim como, que tenha uma consciência clara de suas responsabilidades sociais. O trabalho docente e a formação no cenário das novas demandas educacionais A sociedade tem vivenciado transformações sociais, culturais, políticas e econômicas que tem exigido um constante repensar e novas formas de atuação em todos os setores da sociedade. Para Alonso (2003), estamos em uma época em que não temos referências para enfrentar os desafios com os quais nos deparamos, uma vez que aspectos de nossa vida que nos traziam uma “certa estabilidade” hoje geram insegurança como a provisoriedade dos conhecimentos, os constantes questionamentos, as descobertas científicas e avanços tecnológicos que tem redimensionado de forma intensa a vida humana. Nesse sentido, é colocada para a educação escolar a necessidade de reconfiguração de suas ações tendo em vista que as mudanças ocorridas na sociedade fizeram emergir a necessidade de reconfiguração do papel do professor e de sua atuação na gestão do trabalho pedagógico. 7 Podemos perceber que a tarefa de ensinar vem passando por transformações tanto em relação às exigências envolvidas em sua organização quanto à sua materialização. Sendo assim, diante do complexo contexto em que se insere a atividade de ensinar na atualidade, se faz necessário que os professores compreendam os múltiplos aspectos envolvidos no trabalho docente. Sua atuação tem ultrapassado a mera atividade de repasse de informações e tem sido exigido que estes profissionais aprendam a trabalhar com um nível cada vez mais acentuado de heterogeneidade dos alunos, tanto em relação ao desenvolvimento da aprendizagem (cada aluno tem suas particularidade e ritmo próprio de aprendizado) como no que se refere às suas diferenças culturais, sociais e econômicas; a provisoriedade na produção e disseminação dos conhecimentos, o que exige uma reconstrução contínua do currículo escolar; a propagação de teorias pedagógicas que enfatizam a atuação mediadora do professor na gestão da sala de aula, o que tem exigido um constante repensar do seu papel e organização de estratégias de ensino que dêem conta de possibilitar o domínio de conhecimentos e competências por parte dos alunos. Segundo Schmidt (2003), a escola deve ser pensada como um local que tem que atuar de forma a ultrapassar a transmissão de conteúdo, pois deverá incluir a aquisição de hábitos e habilidades e a formação de uma atitude do aluno no que se refere à aquisição do conhecimento tendo em vista a ampliação e reconstrução deste de maneira que possa utilizá-lo em situações de sua vida. No atual contexto, tem sido destacado um novo perfil para o professor, tal aspecto é objeto de debates educacionais, assim como, também tem integrado o discurso dos organismos internacionais e dirigentes governamentais. Mais há uma diferença de perspectiva nesse debate, uma vez que os profissionais da área educacional defendem modelos de formação que contribuam para um caráter crítico e emancipatório da formação docente, em que esta seja dotada de uma sólida formação teórica que contribua para o professor repensar seu papel e analisar seu fazer pedagógico levando em consideração o atual cenário da sociedade. Enquanto as perspectivas que tem norteado as políticas para a área da formação docente enfatizam uma visão técnica e utilitarista da formação a qual está centrada na construção de competências que dêem conta das novas demandas do mundo do trabalho, ou seja, a vertente economicista tem sido priorizada nas práticas de formação empreendidas pelos dirigentes governamentais. 8 Dessa forma, as propostas atuais de formação presente nos dispositivos legais destacam que a qualidade do sistema de ensino está atrelada a competência ou incompetência do professor. Várias iniciativas têm sido colocadas em prática para “qualificar” os docentes por meio de várias estratégias (cursos de atualização presencial, palestras, cursos à distância, oficinas pedagógicas), levando-se em consideração que eles “devem trabalhar em novos cenários, para os quais não foram nem estão sendo preparados” (UNESCO, 2007, p. 60). As reformas empreendidas a partir dessas orientações buscam estar alinhadas aos compromissos estabelecidos pelo Brasil na Conferência de Educação Para Todos, realizada em 1990, em Jontiem, na Tailândia, e na Declaração de Nova Delhi de dezembro de 1993. a partir das orientações e recomendações desses eventos, o Brasil organizou o seu Plano Decenal de Educação Para Todos. Essa conferência se constitui na matriz teórica que serviu como referência para a formulação das políticas que orientaram a operacionalização da reforma educacional brasileira a partir da década de 1990. No que se refere à formação docente, o Plano destaca a ausência de um trabalho pedagógico que contribua para a construção de resultados satisfatórios para o ensino fundamental e destaca a formação dos professores como principal obstáculo para que sejam desenvolvidas estratégias de ensino mais eficazes que dêem conta das novas demandas para o sistema educacional. Explicita que geralmente as escolas funcionam com pouca ou nenhuma definição de seus objetivos e com métodos frágeis de construção curricular. Destaca, ainda, a relevância da profissionalização e a melhoria das condições de trabalho docente, como indutoras para o aperfeiçoamento do sistema de formação de maneira que seja expandido o processo de formação continuada dos professores, contribuindo para o desenvolvimento de competências exigidas atualmente. A formação de professores também é destacada pela UNESCO e CEPAL como estratégia relevante para adequar os sistemas de ensino as novas exigências. É elucidada a perspectiva do treinamento em serviço, utilizando a educação a distancia, pois essa estratégia é vista como possibilitadora de uma aplicação imediata dos conhecimentos, além de atender a um número mais acentuado de professores. Schmidt (2003, p. 27) realça que o pressuposto de tais práticas é que o professor 9 Está despreparado em termos de conteúdos curriculares e de aprendizagem e que carece estar atualizado com esses conhecimentos; precisa entender melhor as implicações do processo de ensinoaprendizagem, ou, ainda, porque ele está utilizando uma metodologia inadequada para trabalhar com os alunos atuais. Nesses eventos passase então a trabalhar conteúdos de ensino com o professor ainda na mesma perspectiva tradicional, atualmente inadequada. A mesma que ele já usou com os alunos, ou então, trabalha-se a questão metodológica mostrando que a maneira de abordar o aluno tem de ser modificada, quando o cerne da questão está no trabalhar o conhecimento como mola central dentro da escola. Compreendemos que há a necessidade de serem construídos novos saberes e posturas profissionais que se adequem às demandas educacionais da sociedade, mas as inúmeras ações de formação docente que têm sido realizadas, também possuem suas fragilidades, tais como o descompasso entre as teorias apresentadas, e as práticas de formação materializadas. Nesse sentido, é relevante contribuir para que os professores compreendam que trabalhar o conhecimento na atualidade exige uma nova forma de pensá-lo e compreendê-lo. Por isso, as trocas de experiências, são relevantes, pois permitem o confronto entre visões diferentes sobre o ato de ensinar e aprender, assim como a construção de propostas coletivas que representem as idéias dos professores e metas a serem construídas e operacionalizadas coletivamente. Todavia, consideramos necessário realçar que no atual contexto, tem sido exigido dos professores habilidades e conhecimentos que antes não eram necessários e isso tem requerido um rápido e constante redimensionamento de sua atuação educativa. Mas eles se “encontram despreparados, mal informados e sem condições de, sozinhos, enfrentarem tantos desafios” (ALONSO, 2003, p. 11). Somado a esses aspectos, também tem sido destacado que os professores “sejam capazes de co-responsabilizar-se pelos resultados do trabalho da sua escola, articulando as políticas institucionais com as locais e nacionais” (UNESCO, 2007, p. 60). Podemos verificar que as pressões e exigências são muitas para a função docente e são de acordo com Alonso (2003, p. 11) de vários fatores De um lado, dos pais, que, por não compreenderem exatamente o que está acontecendo, exigem do professor respostas que ele não está preparado para dar; de outro, da sociedade, que o responsabiliza por todos os males sociais, exigindo do professor e da escola soluções para inúmeros problemas sociais. E assim, o professor acaba se 10 tornando o “bode expiatório” de todo insucesso e incapacidade escolares. Por outro lado, isso acaba gerando no professor um sentimento de culpa que irá constituir-se em um elemento a mais para que ele perca a sua identidade. Evangelista e Shiroma (2007, p. 537) corroboram com o pensamento de Alonso (2003) e destacam que as atuais políticas educacionais têm levado à intensificação do trabalho docente e à sua precarização. Sendo assim, afirmam que Os sintomas do sobretrabalho docente podem ser verificados numa longa lista de situações que prenunciam o alargamento das funções docentes: atender mais os alunos na mesma classe, por vezes com necessidades especiais; exercer funções de psicólogo; assistente social e enfermeiro; participar nos mutirões escolares; participação em atividades com os pais; atuar na elaboração do projeto políticopedagógico da escola; procurar controlar as situações de violência escolar; educar para o empreendedorismo, a paz e a diversidade; envolver-se na elaboração de estratégias para captar recursos para a escola. Os impactos dessa sobrecarga de trabalho produzem efeitos visíveis na saúde física e mental do trabalhador da educação. Assolado por cobranças de produtividade, eficiência, empreendedorismo, criatividade, compromisso com a escola, o professor é obrigado a desenvolver um senso de sobrevivência que, não raro, o transforma em um sujeito competitivo que investe suas energias na tentativa de superar a solidão, a culpa, o fracasso, a impotência, a incompetência, as incertezas. Nessa seara, a lógica da produtividade encontra respaldo dando lugar à idéia de que os bons resultados independem da qualidade da formação e do salário dos professores da Educação Básica. A intensificação do trabalho docente tem sido materializada de maneira cada vez mais intensa e além desse aspecto, as atividades pedagógicas do professor não ficam restritas apenas ao tempo em que ele está no interior da escola. Dessa forma, a preparação das aulas exige estudo, pesquisa e tempo de dedicação por parte do docente. Tal atividade acontece muitas vezes à noite, pois um grande número de professores possui duas ou três jornadas de trabalho (na mesma escola ou em outra privada). Essa tumultuada situação em que os professores estão inseridos na atualidade também tem contribuído para que estes se sintam “perplexos” com tantas exigências e frustrações em sua atuação, como também para uma possível ausência de reflexão crítica sobre seu fazer pedagógico, já que alguns incorporam como regra algumas das tarefas que não correspondem à suas responsabilidades profissionais e acabam 11 contribuindo para uma descaracterização do seu papel social, por atuarem de forma imediatista para resolver os desafios do cotidiano escolar. Segundo Esteves (1995), os docentes defrontam-se com circunstâncias de mudanças que tem propiciado a estes realizarem seu trabalho mal, tendo que tolerar críticas que os consideram como principais responsáveis pelas falhas no sistema educacional. O autor nos diz que é necessário que seja evitado o desajustamento e a desmoralização dos professores, assim como, o intenso mal-estar docente que tem feito parte da vida profissional de muitos professores. Faz-se necessária, pois, a formulação de estratégias de formação de professores que considerem as mudanças ocorridas no contexto mais amplo da sociedade, as quais contribuíram para o surgimento de novas exigências para a profissão docente. Mas as ações em torno dessa temática não devem privilegiar, apenas, o delineamento de novas habilidades e conhecimentos que os professores devem dominar em seu fazer pedagógico, ou ainda, priorizar a organização de programas de formação de professores visando, apenas, adequá-los às demandas do mercado. Dessa forma, devem ser organizadas estratégias de formação que proporcionem aos professores a elaboração de conhecimentos, possibilitando-os a atuar nesse cenário de constantes transformações, desenvolvendo atitudes críticas no seu fazer pedagógico, buscando refletir e reestruturar sua prática continuamente, bem como contribuir para a formação de sujeitos atuantes na sociedade que entendam a importância de exercerem seus deveres e lutarem por seus direitos. O processo de formação docente deve fornecer elementos teórico-metodológicos que permitam, também, ao professor desenvolver seu trabalho pedagógico, primando por uma qualidade concreta levando os alunos a construírem saberes de forma significativa, atuando como sujeitos do seu processo de aprendizagem. REFERÊNCIAS ALONSO, Myrtes. Formar professores para uma nova escola. In: QUELUZ, Ana Gracinda; ALONSO, Myrtes (Org.). O trabalho docente: teoria e prática. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. ANTUNES, Ricardo. Dimensões da crise estrutural. In: ______. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000. 12 CABRAL NETO, Antônio. Gestão educacional no atual cenário brasileiro: limites e desafios. Natal, [2001?]. (Texto digitado). ESTEVES, José M. Mudanças sociais e função docente. In: Nóvoa, Antônio (Org.). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1995. EVANGELISTA, Olinda; SHIROMA, Eneida Oto. Professor: protagonista e obstáculo da reforma. Educação e pesquisa, São Paulo, v. 33, n. 3, set/dez. 2007. FRIGOTTO, Gaudêncio. Concepções e mudanças no mundo do trabalho e o ensino médio. In: CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise (Orgs.). Ensino Médio integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. HARVEY, David. A condição Pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993. HIRATA, Helena. Os mundos do trabalho: convergência e diversidade num contexto de mudança dos paradigmas produtivos. In: CASALI, Alípio... et AL (Org.). Empregabilidade e educação: novos caminhos no mundo do trabalho. São Paulo: EDUC, 1997. KUENZER. Acácia Zeneida. As políticas de formação: A constituição da identidade do professor sobrante. Educação e Sociedade, Campinas, v. 20, n. 68, p. 163-183, dez. 1999. KUENZER, Acácia Zeneida. Exclusão inclusão e inclusão excludente: a nova forma de dualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho. In: LOMBARDI, José Cláudio; SAVIANI, Dermeval; SANFELICE, José Luis (Orgs.). Capitalismo, trabalho e educação. Campinas, SP: Autores Associados, 2002. LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia: Ed. Alternativa, 2004. SCHMIDT, Leide Mara et al. A prática pedagógica como fonte de conhecimento. In: QUELUZ, Ana Gracinda; ALONSO, Myrtes (Org.). O trabalho docente: teoria e prática. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. UNESCO. Educação de qualidade para todos: um assunto de direitos humanos. Brasília, UNESCO, OREALC, 2007.